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Por Phillip Gil França – 13/08/2015 O nepotismo na Administração Pública e agentes públicos O nepotismo consiste em se valer de determinada ocupação de cargo público para beneficiar seus familiares, até o terceiro grau, na ocupação de outros cargos públicos, independentemente da qualificação técnica para o exercício da indicada função pública pelo integrante de sua família. Basicamente, é o que se depreende da Súmula Vinculante 13 do STF: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. A sombra do nepotismo no Poder Público conforme uma perspectiva jurisprudencial do STF e do STJ – Por Phillip Gil França Colunas e Artigos Hot Empório Phillip Gil França

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Page 1: A Sombra Do Nepotismo No Poder Público Conforme Uma Perspectiva Jurisprudencial Do STF e Do STJ – Por Phillip Gil França _ Empório Do Direito

Por Phillip Gil França – 13/08/2015

O nepotismo na Administração Pública e agentes públicos

O nepotismo consiste em se valer de determinada ocupação de cargo público para beneficiar seus familiares,até o terceiro grau, na ocupação de outros cargos públicos, independentemente da qualificação técnica para oexercício da indicada função pública pelo integrante de sua família. Basicamente, é o que se depreende daSúmula Vinculante 13 do STF: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral oupor afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoajurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão oude confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dosPoderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediantedesignações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

A sombra do nepotismo no Poder Público conforme umaperspectiva jurisprudencial do STF e do STJ – Por Phillip GilFrança

Colunas e Artigos Hot Empório Phillip Gil França

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A partir dessa premissa, e sob a perspectiva consequencialista da atuação administrativa estatal oradefendida, observa-se que a indicação para ocupar cargo público é algo limitado,[1] e não integralmentelivre, como poderia se exarar de uma interpretação literal do art. 37, II,[2] da CF/1988 poderia indicar. Talconclusão é alcançada a partir da análise de uma linha histórica jurisprudencial do STF e do STJ, conformeserá tratado a seguir, a partir do debate sobre sua proibição, passando pelo o advento da mencionadaSúmula Vinculante 13 do STF, até a atual posição dos tribunais superiores sobre a matéria.

Assim, após recordar algumas ideias inicias sobre o nepotismo no ambiente jurídico pátrio, que representaefetivamente uma verdadeira erva daninha para a realização da boa Administração Pública, premissas sobre aconformação dos princípios da Administração Pública ofendidos pela prática do nepotismo, na constataçãoconcreta das consequências de tal atuação no Poder Público, precisam ser apresentadas. Para tanto, deve-sesublinhar que o nepotismo é uma evidente agressão, inclusive, aos princípios constitucionais daAdministração Pública da impessoalidade e da moralidade, como será demonstrado a seguir.

O nepotismo no Poder Público e a jurisprudência do STF e do STJ

A partir da análise de julgados do STF e do STJ, objetiva-se indicar como a jurisprudência dos tribunaissuperiores confronta a prática do nepotismo com o sistema constitucional pátrio estabelecido, extraindo,assim, uma perspectiva consequencialista desta reprovável atuação administrativa. Além das posiçõesjurisprudenciais dos tribunais superiores, destaca-se o advento da Res. CNJ 7/2005 e a já citada SúmulaVinculante 13 do STF. Verifica-se que remanescem questionamentos sobre a extensão de aplicabilidade dareferida súmula vinculante, em face da suposta necessidade de previsão de lei formal sobre o nepotismo,para sua efetividade, bem como, da legalidade do chamado “nepotismo cruzado”.

Apesar de tais questionamentos, o fato é que não escapa de uma interpretação conforme a Constituição aconclusão que a prática do nepotismo não se coaduna com o sistema jurídico estabelecido após o adventoda Carta Maior de 1988. Não se aceita no âmbito estatal, por falta de legitimidade material, a prática deatos voltados ao benefício pessoal, como se caracteriza no exercício imoral do nepotismo. Logo, seja porfalta de lei específica, seja por interpretações que ignorem uma perspectiva sistemática do sistema jurídicoconformado após o advento da Constituição Federal, discursos que objetivem a sustentação do nepotismono Estado precisam ser definitivamente rechaçados.

E é essa tendência que se observa na linha do tempo jurisprudencial dos tribunais superiores,exemplificadamente, como segue:

Em abril de 1994 o STJ se depara com o tema e já aponta como ato ofensivo ao princípio da moralidade eao princípio republicano a contratação de parentes de magistrados para cargos públicos que não decorramde um isonômico concurso público, conforme o seguinte julgado:

“Lei estadual – Inconstitucionalidade – Inocorrência – Norma estadual que veda a contratação de parentes demagistrados no Poder Judiciário – Observância ao princípio da moralidade no serviço público” (STJ, RMS 2.284-5,j. 25.04.1994).

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Ainda em abril de 1994, o STJ se manifesta sobre o caso de nepotismo, somando forças à posição anterior,na defesa do princípio da moralidade e do princípio da impessoalidade, uma vez que foi detectado o uso damáquina pública para a busca de benefícios pessoais:

“Serventia extrajudicial – Remoção por permuta entre escrivã distrital e titular de ofício de cartório de imóveis,respectivamente filha e pai – Inadmissibilidade – Ato condicionado a existência do interesse da justiça, ainda quea expressão ‘interesse da justiça’ tenha um sentido bastante abrangente, nela não se compreendendo onepotismo, a simulação e a imoralidade – Ato não condizente com os princípios da legalidade, daimpessoabilidade e da moralidade, mas com os interesses pessoais dos envolvidos” (STJ, RMS 1.751-5, j.27.04.1994).

Em 1997 destaca-se um importante precedente do STF voltado ao caminho do afastamento do nepotismono Poder Público.

“Ação direta de inconstitucionalidade – Medida cautelar – Dispositivo de Constituição Estadual que não vulnera aCarta Magna ao vedar a nomeação de parentes consanguíneos e afins até o segundo grau para cargoscomissionados no âmbito dos três Poderes” (STF, ADIn 1.521-4, j. 12.03.1997).

Ao saltar para 2005, observa-se a consolidação do caminho já consolidado pela Suprema Corte, no vetor debanimento da prática de nepotismo em qualquer das três Funções do Estado, a partir de uma clara violaçãodo princípio constitucional da moralidade.

“Nepotismo – Ocorrência – Nomeação da irmã do vice-presidente do TRT-16.ª Reg. para exercer cargo emcomissão no Tribunal – Violação ao princípio da moralidade administrativa” (STF, MS 23.780-5, j. 28.09.2005).

Em 2006, no STF, o debate avança e busca coibir o nepotismo por meio dos chamados parentes porafinidade, além dos parentes em segundo grau antes considerados, levando em conta a família “porafinidade”, bem como, a figura do nepotismo cruzado – prática em que diferentes ocupantes de cargospúblicos empregam familiares um dos outros, como troca de favores, em clara ofensa aos princípios daimpessoalidade e da moralidade. Isto tudo a partir da indicação de constitucionalidade da Res. CNJ 7/2005,editada em prol do combate do exercício de nepotismo no âmbito do Poder Judiciário.

“Ação declaratória de constitucionalidade – Constitucionalidade da Res. CNJ 7/2005 – Divergência com alegislação civil sobre o conceito de ‘parentesco’ para fins de caracterização do nepotismo – Inclusão, entre asvedações, do parentesco ‘por afinidade’ (até o terceiro grau) e do ‘nepotismo cruzado’” (STF, MC na ADC 12-6, j.16.02.2006).

Adiante, sobre a aplicabilidade da Res. CNJ 7/2005 para as demais Funções do Estado, observa-se amanutenção de uma lacuna, sendo indicada a necessidade de lei formal em precedente do Tribunal deJustiça do Rio Grande do Norte, posteriormente assentado como repercussão geral pelo STF.

“Inaplicabilidade da Res. CNJ 7/2005 – Ausência de dispositivo vedando a prática do nepotismo –Necessidade de lei formal” (TJRN, ApCiv 2007.006909-8, j. 11.12.2007).

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“Repercussão geral – Ocorrência – Nepotismo – Princípio da moralidade – Necessidade de lei em sentido formal– Questão que transcende os interesses subjetivos das partes” (STF, Repercussão geral em RE 579.951-4, j.17.04.2008).

Entretanto, no mesmo ano de 2008, o STF se manifestou no sentido da não necessidade de lei formal paraconsolidar a proibição de nepotismo no âmbito das três Funções do Estado, restando claro que tal proibiçãoadvém de uma evidente ofensa aos princípios constitucionais estampados no caput do art. 37 da CF/1988,com destaque aos da impessoalidade e da moralidade.

“Administração Pública – Vedação ao nepotismo – Suposta necessidade de lei formal – Alegada inaplicabilidadeda Res. CNJ 7/2005 ao Executivo e ao Legislativo – Inadmissibilidade – Proibição que decorre dos princípioscontidos no art. 37, caput, da CF/1988” (STF, RE 579.951-4, j. 20.08.2008).

Ainda nesse mesmo ano de 2008, com o advento da Súmula Vinculante 13 do STF, que veda a prática donepotismo no Poder Público, levanta-se o debate sobre os limites de sua aplicabilidade. Assim, decide o STFque, em determinados casos, não se aplica o que fora antes decidido, ou seja, o caminho realizado com ovetor de se abolir a prática do nepotismo no Estado pátrio encontrou uma abertura. Tal brecha ocorrequando se trata de atividade direta dos chefes do Poder Executivo dos Municípios, dos Estados e da União(apesar da Constituição tratar especificamente sobre o chefe de Poder Executivo Federal, art. 76), noexercício de sua função política no Estado, por meio de cargos políticos, e, conforme o entendimentoextraído desse julgado, não por meio de cargos administrativos (sendo que estes, políticos, estariamsupostamente blindados pelo caminho que veda o nepotismo).

A questão que se aflora é: não seriam cargos políticos, por natureza, públicos? A condição de “cargos degoverno” retira a carga republicana (de atuação responsável e responsabilizável) do cargo público a serexercitado? A proibição de nepotismo surgiu para a manutenção dos valores republicanos do Estado pátrio,a partir de princípios aptos a todo o Poder Público, não exclusivamente à Administração Pública (a partir docaput do art. 37 da CF/1988)? É possível aceitar retrocessos de conquistas como essa de afastamento donepotismo nas Funções do Estado?

Naturalmente, as respostas devem estar direcionadas conforme o vetor de maior controle possível e viáveldo que é público e exercitado em nome do povo. Aceitar que algum setor do Estado (o político, ou ogoverno) possa agir contrariamente aos princípios (sujeições) constitucionais indicados para o bem agir doPoder Público é regredir no tempo, fato inaceitável.

“Nepotismo – Descaracterização – Governador do Estado que nomeia seu irmão como secretário –Admissibilidade – Inaplicabilidade da Súmula vinculante 13 aos agentes políticos” (STF, AgRg na MC na Rcl6.650-9, j. 16.10.2008).

Em 2009 retoma-se o debate anterior no STF (com os mesmos personagens, inclusive), agora, paranomeação do exercício de cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná. Ressurge o debate acercada indicação de agente político ou de agente administrativo, bem como, a pretexto de melhor regular tal

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tema, a pretensa necessidade de lei formal para regular o nepotismo. Como já destacado anteriormente, atese que ora se defende é da proibição de retrocesso de conquistas jurídicas em prol do republicano Estadode Direito que se vivencia atualmente.

“Reclamação constitucional. Denegação de liminar. Ato decisório contrário à Súmula Vinculante 13 do STF.Nomeação para o exercício do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Supostoenquadramento como agente político. Vícios no processo de escolha. Aparente incompatibilidade com asistemática da Constituição Federal. Prescindibilidade, ademais, da edição de lei formal para coibir o nepotismo.Presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Liminar deferida em Plenário” (STF, AgRg na MC na Rcl6.702-5, j. 04.03.2009).

Ainda em 2009, conforme os exemplos a seguir, o STJ confirma seu posicionamento contrário à prática donepotismo, inclusive, no âmbito da Função Judiciária e da Função Legislativa do Estado.

“Poder Judiciário – Magistrado que nomeia o pai de sua companheira para oficiar em perícias médicas –Aplicabilidade da Súmula Vinculante 13 do STF” (STJ, RMS 15.316, j. 01.09.2009).

“Nepotismo – Caracterização – Nomeação da mulher do Presidente da Câmara de Vereadores para o cargo deassessora parlamentar – Violação aos princípios do art. 37, caput, da CF/1988 que configura ato de improbidadeadministrativa” (STJ, REsp 1.009.926, j. 17.12.2009).

Em 2010, o STJ enfrenta a discussão envolvendo as fronteiras de grau de parentesco acerca do alcance daproibição do nepotismo. Deste modo, assentou o STJ o contido na Súmula Vinculante 13 do STF, que incluios chamados parentes por afinidade, ou de terceiro grau, como inclusos no impedimento de prática denepotismo.

“Mandado de Segurança – Autoridade impetrada que, ao constatar a configuração de nepotismo, faz cumprirdeterminação contida na Súmula Vinculante 13 do STF – Nomeação de cunhado, para ocupar cargo em comissãoperante Tribunal de Contas municipal, que viola os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade eeficiência – Lei ordinária civil, definindo graus de parentesco, ademais, que não pode limitar a interpretação dadapelo enunciado 13 do STF aos laços familiares, uma vez que o seu descumprimento importa em violação direta aprincípios constitucionais” (STJ, RMS 31.947, j. 16.12.2010).

Em 2012, observa-se uma decisão emblemática sobre a nefasta questão do nepotismo cruzado, via troca defavores por ocupantes de cargos públicos. Logicamente, escancara-se a afronta ao princípio da moralidade,impessoalidade e demais sujeições da atividade pública estatal.

“Nepotismo cruzado – Caracterização – Troca de favores entre membros do Judiciário que constitui ato contrárioao interesse público – Violação do princípio da moralidade administrativa – Ilegalidade do ato por desvio definalidade” (STF, MS 24.020, j. 06.03.2012).

Conclusões

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Conforme nitidamente estabelecido, a partir de uma análise consequencialista da atuação administrativaem destaque, evidencia-se que o nepotismo é uma prática contrária aos valores republicanos queestruturam o país, pois abre os portões estatais para o nefasto compadrio político no ambiente da atividadepública. Entretanto, o Poder Público possui amarras bem atadas por princípios que consolidam o Estado deDireito que asseguram a população de que a coisa pública está sendo gerida para o bem comum,naturalmente, quando tais princípios são efetivamente atendidos.

Deste modo, em função dos fundamentos normativos e jurisprudenciais ora indicados, observa-se a totalimpossibilidade de retrocesso das conquistas já alcançadas no Estado em prol da consolidação damoralidade e da impessoalidade do exercício da função pública.

Por fim, ressalta-se o julgado de 2013 sobre o tema que, de certa forma, resume a maturidade que o debateconquistou na mais alta corte judicial nacional, como segue:

“A matéria tratada nesta ação direta de inconstitucionalidade foi objeto de deliberação por este SupremoTribunal Federal em diversos casos, daí resultando, após a cristalização do entendimento jurisprudencial, aedição da Súmula Vinculante 13, publicada em 29.08.2008, cujo teor é o seguinte: ‘A nomeação de cônjuge,companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, daautoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ouassessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada naadministração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federale dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

A referida súmula teve como precedente conformador o acórdão proferido na ADC 12/DF, o qual atestou aconstitucionalidade da Res. 7 do Conselho Nacional de Justiça, que proibia a prática de atos de nepotismono âmbito do Poder Judiciário. Vide: ‘Ementa: Ação Declaratória de Constitucionalidade, ajuizada em prol daRes. 7, de 18.10.2005, do Conselho Nacional de Justiça. Ato normativo que “disciplina o exercício de cargos,empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos emcargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do poder judiciário e dá outras providências”.Procedência do pedido.

1.Os condicionamentos impostos pela Res. 7/2005 do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover edesprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, norigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípiosda impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade.

2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípiofederativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder àautoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbitonacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 125da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certoque esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior,neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça.

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3. Ação julgada procedente para: (a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a funçãode chefia do substantivo “direção” nos incs. II, III, IV, V do art. 2.º do ato normativo em foco; (b) declarar aconstitucionalidade da Res. 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça’ (rel. Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, j.20.08.2008, DJe 18.12.2009). A teor do assentado no julgamento da ADC 12/DF, em decorrência direta daaplicação dos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, a cláusulavedadora da prática de nepotismo no seio da Administração Pública, ou de qualquer dos Poderes daRepública, tem incidência verticalizada e imediata, independentemente de previsão expressa em diplomalegislativo. Nesse sentido, vide os seguintes precedentes desta Corte: ‘Ementa: Agravo Regimental emReclamação Constitucional. Denegação de liminar. Ato decisório contrário à Súmula Vinculante 13 do STF.Nepotismo. Nomeação para o exercício do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná.Natureza administrativa do cargo. Vícios no processo de escolha. Votação aberta. Aparenteincompatibilidade com a sistemática da Constituição Federal. Presença do fumus boni iuris e do periculum inmora. Liminar deferida em plenário. Agravo provido. I – A vedação do nepotismo não exige a edição de leiformal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, daConstituição Federal. II – O cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reveste-se, àprimeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo nocontrole da Administração Pública. III – Aparente ocorrência de vícios que maculam o processo de escolhapor parte da Assembleia Legislativa paranaense. IV – À luz do princípio da simetria, o processo de escolhade membros do Tribunal de Contas pela Assembleia Legislativa por votação aberta, ofende, a princípio, oart. 52, III, b, da Constituição. V – Presença, na espécie, dos requisitos indispensáveis para o deferimento dopedido liminarmente pleiteado. VI – Agravo regimental provido’ (MC no AgRg na Rcl 6.702/PR, TribunalPleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 30.04.2009). ‘Ementa: Administração Pública. Vedação nepotismo.Necessidade de lei formal. Inexigibilidade. Proibição que decorre do art. 37, caput, da CF. RE provido emparte. I – Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Res. 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a práticado nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II – A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formalpara coibir a prática. III – Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, daConstituição Federal. IV – Precedentes. V – RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeaçãodo servidor, aparentado com agente político, ocupante, de cargo em comissão’ (RE 579.951/RN, TribunalPleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 24.10.2008).

Nesse passo, a previsão ora impugnada, ao permitir (excepcionar) a nomeação, a admissão ou apermanência de até dois parentes das autoridades mencionadas no caput do art. 1.º da Lei estadual13.145/1997 e do cônjuge do Chefe do Poder Executivo, além de subverter o intuito moralizador inicial danorma, ofende irremediavelmente a Constituição Federal.

Ressalto que a Súmula Vinculante 13 teve, desde sua publicação na imprensa oficial, efeito vinculante,atingindo todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, em todas as esferasfederativas (art. 103-A da CF/1988). Não obstante, guarda esta Corte o poder (dever) de, apreciando, emsede de controle abstrato, a compatibilidade de ato normativo estadual com a Lei Fundamental, reconhecera existência de vício a esse inerente e de extirpar a lei inquinada do ordenamento jurídico estadual.

Ante o exposto, voto pela procedência do pedido para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidadedo parágrafo único do art. 1.º da Lei 13.145/1997 do Estado de Goiás. É como voto” (ADIn 3.745-GO, j.15.05.2013).

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Notas e Referências:

[1] Inclusive, aos valores que conformam a Constituição Federal.

[2] Art. 37, II: “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concursopúblico de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego,na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livrenomeação e exoneração”.

Phillip Gil França é Pós-doutor (CAPES_PNPD), Doutor e Mestre em direito do Estadopela PUC/RS, com pesquisas em “Doutorado sanduíche – CAPES” na Faculdade deDireito da Universidade de Lisboa. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná.Professor de Direito Administrativo (mestrado e graduação) da Universidade de PassoFundo, autor dos livros “Controle da Administração Pública”, 3 Ed. (RT, 2011) e “AtoAdministrativo e Interesse Público”, 2 Ed (RT, 2014), e tradutor da obra “O Princípioda Sustentabilidade – transformando direito e governança“, de KlausBosselmann.  Professor dos Cursos de Especialização do IDP (Brasília), Abdconst

(Curitiba) e Unibrasil (Curitiba). Email: [email protected] / Facebook: Phillip Gil França

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