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O DESENVOLVIMENTO ÉTICO-NORMATIVO DAS EMPRESAS NO ÂMBITO DASSOCIEDADES PÓS-CONVENCIONAIS

LO SVILUPPO ETICO-NORMATIVO DELL’IMPRESE NELL’AMBITO DELLE SOCIETÀ POST-CONVENZIONALE

Clodomiro José Bannwart JúniorSharon Cristine Ferreira de Souza

RESUMOBusca-se demonstrar que o desenvolvimento das atividades de produção e de prestação de serviçospercorreu, ao longo dos tempos modernos, três etapas fundamentais: era industrial, era pós-industrial e erada informação. A última etapa abrange o momento atual que satisfaz a configuração da globalização, damundialização financeira e do intercâmbio planetário de bens e serviços. Para o filósofo Jürgen Habermas ostempos hodiernos configuram o modelo das sociedades pós-convencionais. Para tanto, o presente trabalhoterá como objetivo avaliar à luz da ética discursiva e do desenvolvimento da consciência moral de Kohlberg,as etapas percorridas historicamente pelas empresas, verificando se as mesmas dispõem de condições para aefetiva configuração de um modelo ético-normativo pós-convencional.

PALAVRAS-CHAVES: Moral pós-convencional, Empresas, Desenvolvimento, Ética.

RIASSUNTOIl lavoro cerca di dimostrare che lo sviluppo delle attività di produzione e di prestazione di servizi hatrascorso, nei giorni moderni, tre tappe fondamentali: era industriale, era post-industriale ed era dellainformazione. L’ultima tappa avvolge il momento attuale che soddisfà la configurazione dellaglobalizzazione, della mondializzazione delle finanze e dello scambio mondiale di beni e servizi. Il filosofoJürgen Habermas crede che i tempi moderni configurano il modello delle società post-convenzionale. Infatti,questo lavoro avrà come obiettivo analizzare secondo l’etica del discorso e dello sviluppo della conoscenzamorale di Kohlberg, le tappe trascorse storicamente per le imprese, verificando se queste imprese dispongonodi condizioni per la effettiva configurazione di un modello etico-normativo post-convenzionale.

PAROLE CHIAVE: Morale post-convenzionale, imprese, sviluppo, etica.

INTRODUÇÃO

Inicialmente tem-se como intuito fazer uma breve construção histórica de como se mostra odesenvolvimento da ética empresarial tendo em vista diversas épocas da modernidade, especificamente,tratando do tema segundo classificação trazida por Adela Cortina, das épocas – ou idades – industrial, pós-industrial e de informação.

Com enfoque especial à era de informação, em razão de nela se encontrar o perfil das sociedadespós-convencionais, influenciadas pelo processo de globalização e seus desdobramentos no estudo da moral,ética e na aplicação de todos esses conhecimentos no âmbito empresarial.

A mundialização, quando influi no poder decisório dos Estados e na configuração organizacionaldas sociedades hodiernas, acaba transferindo à esfera econômica (mercado), parcela da capacidade de tomardecisões, fazendo entes privados guiados pela racionalidade instrumental encabeçarem, muitas vezes, oprocesso de desenvolvimento sustentável e outras ações que devem conter, obrigatoriamente, em seu bojo,forte carga de valores morais e éticos exigidos pela ordem social.

Com isso, o escopo é desenvolver uma análise das concepções de desenvolvimento da consciênciamoral de Kohlberg, tentando aplicar tais idéias no que se entende por ética empresarial e responsabilidadesocial, dirigidas ao caminho da sustentabilidade, sempre tentando demonstrar a possibilidade de, não obstantea racionalidade econômica que dá o substrato da atividade empresarial, as empresas atuarem de acordo comvalores éticos, a fim de que não apenas a confiança e a credibilidade sejam a força motriz da empresasocialmente responsável, mas que com o desenrolar das discussões e conscientização da sociedade e dasempresas, haja a possibilidade de atuação empresarial consoante o mais alto patamar de consciência moral,quando, então, as ações morais e decisões empresariais serão referendadas por princípios universais dejustiça.

1 As três idades da ética empresarial

A partir dos anos 70 nos Estados Unidos surge a chamada ética dos negócios, que impulsiona adiscussão e o aparecimento da ética empresarial na América Latina em 1980 e no oriente após a década de1990. A ética empresarial era até então um tema que permanecia impensado, considerando o pensamentocorrente da época de que ética e empresa eram assuntos absolutamente separados.

Essa concepção mudou na medida em que se passou a compreender a atividade empresarial como

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atividade vinculada aos preceitos sociais. E, como tal, tem valores éticos imiscuídos em sua atuação. A éticaengloba as relações da empresa com seu ethos, abarcando, assim, códigos de conduta, balanço social,comunicação com os âmbitos internos e externos, enfim, são todas as dimensões de atuação da empresarecebendo um direcionamento ético de acordo com a missão da empresa no contexto social.

A ética empresarial foi gestada justamente por auxiliar as atividades empresariais a agirem demaneira boa e justa, levando as empresas a tomarem boas decisões de forma que esse agir se torne um hábitoou costume. Desta forma, com o desenvolvimento de tais hábitos, torna-se mais fácil a atuação segundo osvalores éticos de justiça e outros valores relevantes para a sociedade, de modo a fazer com que a ética tenhaum maior alcance e eficácia do que o poder coercitivo do Direito. (CORTINA, 2007, p. 19-21)

Os bons hábitos e costumes servem à criação de um círculo virtuoso, fazendo com que uma máação por parte da empresa seja punida não somente com pelo poder coercitivo da lei, mas também pelasanção social. Existe, pois, uma crescente conscientização social, fazendo com que certos valores de justiça eadequação às condutas socialmente desejáveis sejam seguidos pelas empresas. Não existe problema que taiscondutas éticas, a princípio, sejam determinadas pela opinião da sociedade, pois com o decorrer do tempo ocostume fará com que os valores realizados passem pelo crivo da reflexão, ou seja, que nasçam de umaconscientização no sentido de serem realizados com a convicção de que são realmente bons, justos evalidados moralmente pelo lastro social.

Enquanto ainda não existe esse tipo de reflexão crítica empresarial a respeito da validade moral deações éticas por parte das empresas, devem estas seguir aqueles hábitos que por excelência fazem parte doethos social e vão moldando o agir da atividade empresarial. Geralmente essas questões giram em torno daviabilidade do funcionamento das empresas, sempre levando em conta os valores nos quais se encontram asatividades empresariais.

Existem alguns entendimentos em âmbito internacional que vão desenhando os limites da atuaçãoempresarial, entendimentos esses que foram mudando e evoluindo no decorrer da história (CORTINA, 2007,p. 23-24). Sendo assim, observa-se que esses hábitos e costumes na esfera empresarial foram sedesenvolvendo em três períodos da história, consoante divisão e classificação trazida por Adela Cortina: eraindustrial; era pós-industrial; e era da informação.

Quando se remete à era industrial, faz-se alusão a Adam Smith e Max Weber, que já sustentavamuma relação entre empresa e ética. Smith em Teoria dos sentimentos morais entende o sistema econômicocomo dependente de um respaldo ético que vá além da mera subordinação a dados principiológicos doâmbito econômico. Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo fala sobre a interpretaçãoluterana de vocação e traz a idéia calvinista de predeterminação, demonstrando que esses dois entendimentosjustificaram eticamente o trabalho e a acumulação consciente e legal de riquezas, o que transcenderia ointeresse egoísta do homem. Com isso a ética protestante fomentou o consumo e com o aumento doconsumo, houve o aumento da produção. A revolução industrial foi forjada a partir dessa ética da produçãoe do consumo, fazendo com que se desenvolvesse a economia moderna e o capitalismo industrial(CORTINA, 2007, p. 26-27).

Com o fomento embasado nessa ética de produção e consumo, a racionalidade instrumental guiadapela teleologia e pelos princípios econômicos de custo-benefício e demais mecanismos inerentes à essa novametodologia científica e realidade tecnológica/industrial fez com que os valores a guiarem a atuaçãoempresarial tivessem substrato nessa ética de produção e consumo, não importando o contexto social quenão afetasse diretamente a atividade empresarial.

Na era pós-industrial nasce uma renovada ética empresarial, baseada nas boas práticas empresariais,na criação do chamado capital social e redes de confiança, na incorporação de valores morais na atuaçãoempresarial, na visualização da empresa como um grupo humano, enfim, surge um contexto no qual asempresas passam a enxergar a ética como rentável e valiosa para a manutenção no mercado. É rentável aética na empresa, que atua no campo socialmente aceito como tal para valer-se do marketing social(CORTINA, 2007, p. 28-30).

A ética empresarial é reformulada a partir de uma ética cívica, isto é, são incorporados valoresmorais que a sociedade deseja ver realizado pelas empresas. Assim, tanto as empresas analisadas sob essaperspectiva ética quanto a sociedade se deparam com as mudanças trazidas pela denominada era dainformação. Com o processo de globalização muitas das áreas que balizavam e determinavamcomportamentos humanos tiveram que ser reformuladas ou repensadas segundo a sociedade em rede.

Principalmente os Estados viram-se obrigados a desenvolver novos papéis não apenas na esferapolítica e econômica, mas também no atinente à seara social. Existe um processo de desregulamentação,levando às reformas do Estado com a emulação do terceiro setor, a globalização construindo a sociedade deinformação, caracterizada por possuir complexa integração entre as instituições políticas e os agenteseconômicos (CONILL, 2007, p. 84), isso sem mencionar a pressão do neoliberalismo, levando os Estados adelegarem muitas de suas atribuições a entidades privadas, o que exige ainda mais o esforço deresponsabilidade social das empresas.

O processo globalizante acabou por criar uma espécie de Estado supranacional, com organismos

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internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Bando Mundial (BM), Organização Mundialdo Comércio (OMC), entre outros, que se pronunciam e ditam certas regras e condutas de modo uníssono,influenciando as políticas internas dos Estados, bem como a economia, levando à configuração de um Estadomundial consubstanciado num poder sem sociedade, fazendo com que o papel decisório seja assumido pelosmercados financeiros, resultando no fato de que as sociedades existentes acabam desprovidas de poder, devoz (RAMONET, 2007, p. 98).

Esse é um problema levantado por Cortina (2007, p. 30-34) quando se fala em ética empresarial naera da informação. Conforme a sobredita autora, os problemas enfrentados são:

a) desarticulação dos núcleos de valores que formam a ética cívica. Como a cultura de rede estende-se ilimitadamente pelo mundo, os indivíduos tendem a guiarem-se por uma moral individual;

b) o pós-taylorismo não tem mais aplicação em razão da precariedade que o trabalho humanoadquiriu;

c) dificuldade em dirigentes ou managers permanecerem numa mesma empresa por um longoperíodo de tempo, haja vista sempre mudarem de empresa quando do surgimento de melhoresoportunidades;

d) delegação de recursos e serviços por parte das empresas (terceirização);e) problemas com a identificação dos afetados pela atividade empresarial, tendo em vista a

repercussão global que a maioria das atividades empresariais demonstram;f) a ética empresarial passa a exigir que as condutas sejam pensadas a médio e longo prazo, o que

ainda não é condizente com as decisões a curto prazo que são tomadas tanto por exigência do mercadoquanto, muitas vezes, da própria sociedade;

g) grande mobilidade de capitais;h) patentes biotecnológicas;i) dificuldade em se construir uma moral globalizada;j) necessidade de os organismos políticos e econômicos internacionais colaborarem com a discussão

e construção de mecanismos empresariais de acordo com as exigências da sociedade de informação(CORTINA, 2007, p. 33-34).

Observa-se que em

uma economia global, nem o capital, nem o trabalho, nem as matérias-primas constituem em si mesmos o fatoreconômico determinante. O importante é a relação ótima entre esses três fatores. Para estabelecer essa relação, aempresa não toma em consideração nem fronteiras nem regulamentações, mas somente a exploração inteligente quepode fazer da informação, da organização do trabalho e da revolução da gestão. Isso implica amiúde uma fraturadas solidariedades dentro de um mesmo país (RAMONET, 2007, p. 99).

Soma-se a isso o fato de os Estados perderem seu poder decisório e os indivíduos serematomizados, com o processo de destruição das culturas pela imposição da lógica sistêmica de mercado, emrazão da comunicação, do marketing, da mercantilização de tecnologia e de condutas padronizadas deacordo com modismos efêmeros desenvolvidos, determinados e mantidos pela forte influência da ética doconsumo e da produção, que fornece o substrato da racionalidade econômica do mercado.

Com o fim do Estado-Providência, ultrapassado pelo chamado “hiperliberalismo”[1], os líderesmundiais discutem em foros econômicos, qual a melhor forma de combater a inflação, reduzir os déficits noorçamento, desenvolver uma política econômica restritiva, flexibilizar as normas trabalhistas, enfim, atenuarcada vez mais o Estado Social em favor de um Estado mais enxuto, com menor carga tributária, maiorprivatização de bens e serviços públicos e menor gasto público (RAMONET, 2007, p. 101).

Por isso o papel das empresas ganhou destaque, para tentar suprir o vácuo deixado pelo Estado,também em razão da impotência dos países frente à economia global. Os Estados já não conseguem controlaros fluxos de dinheiro, de capital, de informação e de mercadorias, mas continuam sendo cobrados pelasociedade a realizar políticas públicas em prol da sociedade.

Sendo assim, os Estados ficam numa encruzilhada, entre o processo globalizante que solapa suasforças, soberania e capacidade decisória, fazendo-os acatar determinações e tornarem-se reféns de grandesconglomerados econômicos ou instituições internacionais – de certa forma por elas influenciadas – que ditamas políticas públicas e econômicas.

Algumas saídas pensadas para esse problema são as responsabilizações sociais das empresaschamadas a cumprir seu papel além de seus organogramas, agindo em benefício da própria dinâmicasocial.[2]

Tanto o maior controle de influxo de capitais quanto o renascer da nova ética empresarial, que deveser o suficiente para atender as expectativas da sociedade e das empresas frente ao mundo globalizado,exigindo a responsabilização social das empresas, são reclamos que surgiram na ordem social tendo em vistaalguns fatos como o estratosférico lucro de grandes empresas, enquanto determinadas comunidades nãopossuem sequer acesso ao necessário para uma vida digna; a abismal desigualdade social, com pessoasvivendo abaixo do nível da pobreza enquanto uma diminuta parcela da população mundial detém a maioriados recursos financeiros do mundo.

Somados a isso, existem ainda os escândalos que fazem a sociedade cobrarem atitudes éticas das

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empresas. Nos anos 70 foi o caso Watergate que despertou uma discussão acerca da importância da éticaempresarial e do papel das empresas, com o questionamento sobre até que ponto pode se sustentar umaatividade econômica sem a observância de valores éticos.

O renascimento dessa celeuma sobre a função da ética empresarial deu-se em 2002 com os casosEnron (CARVALHO, 2004) e WorldCom (WHARTON, 2003). A discussão gerada, demonstrando que aética nas empresas é indispensável, trazia os custos de três ordens referentes aos casos: a) custo financeiro;b) custo social; e c) custo político.

Esta tríade de custos está interligada, pois quando os escândalos como os dos casos acima expostosocorreram, houve perda de confiança por parte da sociedade nas empresas. A confiança, a integridade e atransparência são imprescindíveis para construir a base da ética empresarial na era da informação.

Como o processo de globalização torna, por ora, quase inevitável, por parte dos Estados, afiscalização e o controle das condutas das empresas, por outro lado, é a sanção moral por parte da sociedadeque molda os hábitos e costumes que darão forma à ética empresarial.

No mundo globalizado, devem-se criar mecanismos de autocontrole voluntários e livres para que asempresas ajam consoantes a um código moral independentemente da regulação jurídica internacional,porquanto não é ainda plausível um devido controle jurídico em âmbito internacional. Então, de acordo comGarcía-Marzá (2007, p. 192), é necessário um contrato moral, baseado na confiança, entre as empresas e asociedade. Nesse patamar considera-se a empresa num elevado estágio de maturidade que corresponde auma visão ampliada da sociedade, muito além de sua visão meramente privada e mercantil.

2 O Desdobramento Normativo das Empresas à luz da teoria social evolutiva de Habermas.

O aumento da complexidade dos sistemas e a racionalização do mundo da vida devem, segundoHabermas, ser mutuamente pressuposto para não incorrer o risco de se fazer uma leitura parcial dodesenvolvimento de ambos, a exemplo das teorias de sistemas que subsumem os componentes estruturais domundo da vida às próprias categorias sistêmicas. (HABERMAS, 1998, p. 215)

Segundo o modelo de Habermas da evolução social, desenvolvido no quadro da teoria da ação comunicativa e daética do discurso (posteriormente denominado mais precisamente teoria do discurso), a relevância do aumento dacomplexidade sistêmica no processo de evolução social não é passado por alto, mas a ênfase recai na ‘lógica dodesenvolvimento’, pois os estágios da consciência moral são considerados como decisivos. Na determinação doprocesso de evolução, Habermas inverte o vetor [em relação a Luhmann], na medida em que argumenta que oaumento de complexidade e a correspondente diferenciação social dependem de ‘mecanismos de aprendizado’.Nesse sentido, afirma que os processos de diferenciação podem ser tanto ‘sinais de processos de evolução’ comotambém causas de estagnação evolutiva. Muda da mesma forma o vetor relativamente ao marxismo, na medida emque ressalta que o foco determinante da evolução não se encontra na ‘dinâmica do desenvolvimento’ (nas forçasprodutivas), mas na ‘lógica do desenvolvimento’ (nas relações intersubjetivas, normativamente orientadas). Épossível constatar que, segundo a concepção de Habermas, o desenvolvimento das técnicas de produção e o aumentoda complexidade sistêmica representam condições da evolução social, ao passo que o desenvolvimento dasestruturas normativas constituem o seu fundamento”. (NEVES, 2000, p. 29-30)

Na perspectiva de teorias sistêmicas,[3] quanto maior o grau de complexidade sistêmica, menor a

importância do mundo da vida, o qual passa a ser visto como um subsistema a mais entre outros. Habermas,ao contrário, procura defender a tese de que os significativos aumentos da complexidade sistêmica dependemda diferenciação interna que ocorre na estrutura do mundo da vida; diferenciação que acontece mediante umaracionalização própria: a racionalização comunicativa. A complexidade sistêmica somente se amplia quandoum novo mecanismo sistêmico é introduzido, como por exemplo, a economia e a administração nassociedades modernas. Porém estes novos mecanismos sistêmicos têm a necessidade de sereminstitucionalizados no mundo da vida, uma vez que a seqüência evolutiva das inovações sistêmicas só podesobrevir se o mundo da vida alcançou suficiente grau de racionalização e o direito e a moral conseguiramacompanhar de modo simultâneo esse nível evolutivo. “A institucionalização de um novo nível dediferenciação sistêmica exige reestruturações no âmbito nuclear que constituem as instituições encarregadasda regulação jurídico-moral, isto é, da regulação consensual de conflitos de ação”. (HABERMAS, 1988, p.245)

Os sistemas, portanto, somente alcançam novos níveis de diferenciação se e tão somente se aracionalização do mundo da vida atingiu um nível de evolução correspondente. (HABERMAS, 1988, p. 253)Tomando como expressão da racionalização do mundo da vida, destacando, sobretudo, o desdobramento doprocesso evolutivo da moral e do direito, Habermas se propõe a analisar o decurso dessa evolução a que levaa moral e o direito alcançarem níveis cada vez mais abstratos de resolução de conflitos, no intuito de ver comoé possível irromper novos níveis de integração social. Com base nesse procedimento transparece a explicaçãoda teoria da modernidade de Habermas baseada no estruturalismo genético, a qual pressupõe que associedades modernas se edificam em bases institucionais de representações legais e morais decorrentes donível pós-convencional. (ARAGÃO, 1997, p. 106)

Para Habermas, a evolução sistêmica se mede pelo aumento da capacidade de controle de umasociedade, porém é na diferenciação dos componentes estruturais do mundo da vida, a saber – cultura,sociedade e personalidade – que está inscrito o termômetro catalisador capaz de medir o processo evolutivodo mundo da vida, isto é, o processo evolutivo da estrutura simbólica. (HABERMAS, 1988, p. 215) Sendo

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assim, fica implícito que o processo que fundamenta a determinação da evolução social, ancora-se nasestruturas simbólicas, pois “as estruturas do mundo da vida mudam em função de aumentos na complexidadesistêmica, mas, por sua vez, os aumentos em complexidade são dependentes da diferenciação estrutural domundo da vida”. (ARAGÃO, 1997, p. 105)

Considerando especificamente este argumento, a evolução social está inerentemente ligada aodesenvolvimento de processos de interação realizados no âmbito prático-moral, pois é no desdobramento deuma racionalidade que se tornou reflexiva, que há de resolver os problemas de integração social, ou seja,elevando os níveis dos processos prático-morais a um grau de abstração cada vez maior, sem apelar para osprocessos de integração sistêmica. Nesse sentido a modernidade pode ser explicada como consolidação deuma nova forma de integração social que emerge a partir da institucionalização de novas estruturas deconsciência pós-tradicional. (ARAGÃO, 1997, p. 96)

A perspectiva evolutiva é visualizada mediante a racionalidade de um mundo da vida que se tornoureflexivo e adquiriu condições de revisar e aperfeiçoar seus procedimentos e conteúdos práticos morais, sendoao mesmo tempo, capaz de garantir, de modo crítico, a formação do consenso sem apelos à tradição.Portanto, para Habermas, a evolução social está no desenvolvimento da racionalidade imanente ao mundo davida; racionalidade essa que vem imbricada no uso da linguagem e desempenha significativo papel, seja naformação do consenso, seja na crítica que desenvolve ao processo de reprodução simbólica da sociedade.

Habermas, notadamente, se apropria das normas morais e jurídicas com o intuito de analisar aestrutura das formas de integração social. Moral e direito desempenham a função de canalizar conflitos,assegurando o consenso por via da ação orientada ao entendimento, de forma a evitar o rompimento daintegração social no mundo da vida. A análise da evolução da moral e do direito, sinaliza como se processa odesenvolvimento da integração social em âmbitos de interação cada vez mais firmados pela complexidadesistêmica. Frente à tendência das sociedades modernas que fazem o direito e a moral assumirem característicascada vez mais abstratas e gerais, Habermas recorre ao desenvolvimento ontogenético, baseado em Kohlberg,reconstruindo as etapas evolutivas da capacidade de julgar e agir no âmbito interativo-normativo da moral edo direito, (HABERMAS, 1988, p. 246) com o objetivo de verificar a procedência de uma moral universalistae abstrata no âmbito pós-convencional das sociedades modernas.

Esse processo evolutivo da moral e do direito transcorre num nível acentuado da generalização demotivos e valores, que evidencia o desligamento da ação comunicativa em relação aos “padrões normativos decomportamento concretos”. (HABERMAS, 1988, p. 254) Significa dizer que ocorre a emancipação da açãocomunicativa em relação a bases consensuais normativas de cunho religioso, valorativo ou tradicional, nasquais ela se ancorava, deslocando a formação do consenso para os procedimentos lingüísticos. “Nesteaspecto, a generalização dos valores é uma condição necessária para o desencantamento do potencial deracionalidade que a ação comunicativa comporta”. (HABERMAS, 1988, p. 255) No processo emancipatórioda ação comunicativa, ocorre simultaneamente a separação entre ação orientada ao êxito e ação orientada aoentendimento, o que permite por um lado, a abertura do caminho para a formação de subsistemas de açãoracional com respeito a fins – coordenadas por meios ausentes de comunicação e desobstruídas de qualquerimpedimento para a realização de ações estratégicas – e por outro, a formação de consenso por viasargumentativas da ação comunicativa.

A evolução social para Habermas desdobra-se na reflexividade da própria razão comunicativa, o quesignifica dizer, que o mundo da vida evolui no sentido uma racionalidade reflexiva que pode ser explicada emtermos gerais da descentração da compreensão das imagens do mundo. A este processo, Habermas fazparalelos que o aproximam do desenvolvimento da consciência moral de Kohlberg, distribuídos nos níveis,assim caracterizados: pré-convencional, convencional e pós-convencional.

No nível pré-convencional a sociedade não tem a devida consciência dos pressupostos que a separados fenômenos da natureza. Fatores naturais assumem, muitas vezes, a legitimidade dos pressupostosnormativos fáticos com o recurso de autoridade impositiva do mago, do feiticeiro ou do religioso de plantão.A autoridade impositiva não permite o exercício livre da ação comunicativa. No nível convencional, onde asociedade encontra-se estatalmente organizada com base em instituições jurídicas, a ação comunicativa libera-se dos contextos particularistas, sem, no entanto, se desligar dos espaços de ações impregnados por normasconfirmadas pela tradição. Nesse contexto, os indivíduos ficam circunscritos a obediência da lei, onde osmesmos adquirem uma atitude de conformidade à normas, diferenciando esta, da atitude objetivante frente anatureza externa e da atitude expressiva referente à própria natureza interna. (HABERMAS, 1988, p. 277)

No nível pós-convencional há a necessidade de que os indivíduos superem o plano habitual e ingênuodo exercício das ações para alçar o plano reflexivo das argumentações. Nesse sentido, as instituiçõesexistentes que normatizam as ações mediante o direito positivo – desconexo de qualquer legitimidade oriundadas imagens religiosas e metafísicas do mundo – ficam desprotegidas diante do potencial crítico da fala, quepode ser mobilizado, numa atitude hipotética, a inferir as pretensões de validade normativa dessas instituiçõesexistentes. (HABERMAS, 1988, p. 278) No nível pós-convencional, a base consensual das interações não émais garantida pelas instituições alicerçadas em pressupostos tradicionais, valorativos ou religioso-metafísicos, antes, porém, passa a depender da evolução das estruturas prático-morais da sociedade.

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A importância do desenvolvimento moral para Habermas está centrada na idéia de que há estruturas deracionalidade contidas no nível cultural da sociedade - as quais, representadas por normas legais e morais queperfazem a “visão de mundo” - permitem a organização dos sistemas de ação e também a formação de novosníveis de integração social. A evolução social, nesse sentido, só acontece se antes for possível verificar aevolução para um novo nível de aprendizagem na área da consciência prático-moral dessas estruturas deracionalidade. Quando os novos níveis de consciência prático-moral são institucionalizados, permitindo asedimentação de uma nova forma de integração social, o aumento da complexidade sistêmica e a evolução donível das forças produtivas, aparecem como decorrência. (ARAGÃO, 1988, p. 77)

A analise que desenvolve sobre as mudanças nas estruturas prático-morais é realizada a partir da lógicado desenvolvimento, a qual permite a Habermas reconstruir as estruturas de racionalidade inerente aodesenvolvimento das estruturas normativas de cada modelo institucional e cultural de sociedade. Essasestruturas de racionalidade refletem nas imagens de mundo, na formação de identidades e nas idéias morais decada contexto social e cultural. A lógica do desenvolvimento utilizada por Habermas caminha no sentido deestabelecer estruturas gerais de ação orientada para o entendimento, alicerçadas num procedimentopragmático-formal, abstraídas de todo e qualquer contexto particularista, tradicional ou valorativo.(ARAGÃO, 1988, p. 95)

Ao analisar as estruturas da consciência coletiva, que se são traduzidas em códigos da moral e dodireito, Habermas procura ressaltar que a evolução dessas estruturas de consciência coletiva implica naevolução das estruturas da sociedade. Um estudo da evolução dessas estruturas de consciência coletiva passa,certamente, pela análise dos pressupostos evolutivos da moral e do direito. (ARAGÃO, 1997, p. 73)

Na sua teoria da evolução social, Habermas insiste na idéia de que as sociedades passam por “etapasde reflexão” desde as sociedades primitivas até atingir a modernidade. O que intenciona é mostrar que háhomologias entre estas “etapas de reflexão” das sociedades e as fases de aprendizagem individuais, seja nonível cognitivo ou moral, estabelecida pela psicologia do desenvolvimento. Nesse caso, sua atenção se voltaespecialmente para a ontogênese, ou seja, para o modo como se desdobra o desenvolvimento da capacidadecognitiva, lingüística e interativa (capacidade da ação) do indivíduo. Piaget e Kohlberg são fundamentais nessesentido, tendo em vista que o primeiro realizou um trabalho significativo sobre o desenvolvimento dacapacidade cognitiva do indivíduo, analisando o desenvolvimento do Ego (Eu), dentro de quatro fasesdistintas e seqüenciais, a saber: fases simbiótica; egocêntrica, sociocêntrica-objetivista e universalista; e osegundo detalhou o desenvolvimento da capacidade interativa, analisando o desenvolvimento da capacidadede ação (interação) dos indivíduos e a construção da consciência moral, dentro de seis estágios dispostos emtrês níveis: pré-convencional, convencional e pós-convencional. (ARAGÃO, 1997, p. 81)

A mudança das estruturas do mundo da vida segue, portanto, a lógica interna da racionalizaçãocomunicativa, no que se refere à seqüência dos estágios de desenvolvimento da moralidade, conforme apontaKohlberg. (ARAGÃO, 1997, p. 95) O desenvolvimento de estágios da consciência moral, uma vezmaterializada em instituições, permite o desencadeamento da evolução social e a consecução de níveis deintegração social cada vez mais elevados.

Habermas concebe a evolução das sociedades como um processo gradual de cisão do todo social – que reunia omundo da vida e um sistema social pouco diferenciado – em que os mecanismos sistêmicos se tornam cada vez maisdestacados das estruturas sociais em que ocorre a integração social, até que esta diferenciação atinge o ponto em queorganizações autônomas se coordenam através de média de comunicação não lingüísticos – dinheiro e poder – eproduzem um intercurso social desligado de normas e valores, principalmente na atividade econômica eadministrativa. (ARAGÃO, 1997, p. 98)

O desdobramento da evolução social passa pela reconstrução dos processos de aprendizagem que

possibilitaram a passagem do mito para a religião universal e da imagem religioso-metafísica para acompreensão moderna do mundo. A evolução normativa que se verifica no plano da sociedade reflete,sobremaneira, o desenvolvimento moral que se verifica no indivíduo. O indivíduo encontra-se em evolução,quando na passagem de um estágio para outro, consegue resolver melhor que anteriormente a mesma espéciede problemas. “Ao fazer isso, a pessoa em crescimento compreende o seu próprio desenvolvimento moralcomo um processo de aprendizagem. Pois em cada estágio superior, o sujeito deve poder explicar até queponto, estavam errados os juízos morais que considerava certo no estágio precdente”. (HABERMAS, 1989,p. 155)

Nesse aspecto, os ganhos advindos da psicologia do desenvolvimento de Kohlberg e da teoria daevolução social de Habermas serão utilizados para analisar os modelos de ações que as empresas utilizamamplamente na forma de produção e distribuição de seus produtos e/ou serviços na sociedade. Do ponto de vista da teoria da ação, os conceitos de acordo e influência são fundamentais para aespecificação de distintos modelos normativos. Destacamos para o intento de nossa análise três dimensõesnormativas: pragmática, ética e moral. A questão é saber se as empresas, na atual configuração da era dainformação, são capazes de atuarem além do parâmetro da influência e agirem pautadas no conceito deacordo, elemento fundamental para o desenvolvimento da democracia e de ações morais nas sociedades pós-convencionais. Os desafios do desenvolvimento ético e moral da empresas esbarram, sobremaneira, no modelo de

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normatividade que a modernidade fez erigir. Desde muito tempo se discute a possibilidade de as empresasresponderem além de uma plataforma jurídica, assumindo uma responsabilização social de cunho ético emoral. Para detalhar tal discussão é preciso clareza na tematização dos modelos de ações da razão prática:pragmática, ética e moral.

A ética se prende à dimensão valorativa, onde são partilhados comumente os valores, as tradições eos costumes; e a moral se atém aos princípios racionais que norteiam a prática argumentativa na resoluçãoconsensual de conflitos, do ponto de vista da justiça. A ética tem a ver com a resposta que se constrói emrelação à pergunta “O que devemos fazer?” quanto à construção do sentido de nossa existência. Ou seja, doponto de vista ético “as escolhas que fazemos na vida visando realizar o bem, nós a realizamos com vistas aalcançar aquilo que seja bom para nossa auto-realização e autocompreensão existencial”. (BANNWARTJÚNIOR, 2007, p. 58) Quando a pergunta “O que devemos fazer?” leva em consideração a implicação daação particular (subjetiva) em relação aos interesses dos outros e exige que os conflitos surgidos sejamregulados imparcialmente do ponto de vista cognitivo, então se adentra no terreno da moral propriamentedita.

Percebe-se que quando se se depara com programas e metas estabelecidas pelas empresas, está-sediante de uma perspectiva teleológica, cujas ações atuam em função das metas e objetivos previamentecolocados e que visam a ser alcançados com prazos pré-definidos. Trata-se, nesses casos, de açõespragmáticas.

Nesse sentido, far-se-á uso da psicologia de desenvolvimento de Lawrence Kohlberg, conformeapresentado por Habermas, em sua obra Consciência Moral e Agir Comunicativo, acompanhando aviabilidade de leitura dos estágios de desenvolvimento da consciência moral no plano empresarial, seguindoesses três planos de ações, conforme apresentados por Habermas: pragmática, ética e moral. A psicologia de Kohlberg tem demonstrado que o nível de desenvolvimento da consciência moralalcançado pelo indivíduo reflete significativamente no nível de maturidade do comportamento social ecorporativo. Vejamos como é possível, ainda que de forma embrionária, a associação do desenvolvimento daconsciência moral às organizações empresariais. No nível pré-convencional, os estágios 1 (castigo e obediência) e 2 (troca instrumental) refletemsignificativamente o comportamento de muitas empresas. Há inúmeros exemplos estampados quasediariamente nos meios de comunicação de empresas que agem cegamente, realizando os seus propósitosnuma visão estreita, limitada e unilateral, presas à obediência de preceitos sistêmicos impostos pela forma dereprodução do capital. Tais empresas, situadas no estágio 1, não conseguem ainda perceber o entorno socialno qual estão inseridas. Acreditam que as suas ações estão ausentes de implicações ou conseqüênciassociais. Agem de forma egoísta, visando à realização de fins que as beneficiam de forma privada. No estágio 2, as empresas saltam de uma visão egocêntrica para uma perspectiva instrumental.Significa, ainda, que continuam agindo para a satisfação de seus interesses, porém, tornam-se conscientesque há outras empresas e corporações também agindo em vista de seus próprios interesses. Portanto, asações praticadas no estágio 2, não ultrapassam os limites dos interesses privados da corporação, que agesempre numa perspectiva pragmática e hedonista. O modelo próprio de ação nesse estágio é exemplificadona seguinte fórmula: se se quer b deve-se fazer a. Além do hedonismo presente, as empresas nesse estágio,mensuram o valor de suas ações praticadas única e exclusivamente pela eficácia dos meios empregados paraalcançar o fim (privado) que desejam. Não há a preocupação em saber se ação foi boa (ética) ou justa(moral). As empresas situadas no nível pré-convencional manifestam a tendência de constatar os conflitos deação sempre na ótica das conseqüências produzidas pela ação. O fato de não compreenderem a diferenciaçãodo seu ambiente e o ambiente social no qual estão inseridas, impedem que percebam o teor moral dassanções sociais. Agem movidas pelo cálculo instrumental custo-benefício. Se constatarem, por exemplo, queo custo-benefício de poluir um manancial, mesmo pagando as multas que lhes serão imputadas pelalegislação ambiental é maior do que o investimento em tecnologia para a preservação, certamente estarãodispostas a poluir e acatar a penalidade. Nesse nível de consciência pré-moral não é possível esperar que asempresas produzam ações além da dimensão instrumental, hedonista e pragmática. No nível convencional que contempla os estágios 3 (conformidade interpessoal) e 4 (lei e ordem),compreende-se a fase de consciência moral capaz de levar em consideração o reconhecimento da alteridade,ou seja, as ações são praticadas tendo em vista a expectativa que o outro deposita naquela ação. No estágio3, mesmo que a empresa ainda não queira abrir mão dos seus interesses privados, ela sabe que está inseridaem uma rede de interação social e que a sua atividade empresarial, estampada na forma de produtos ouserviços, está em constante avaliação aos olhos do seu público consumidor. É a fase em que as empresas sedão conta da necessidade de investirem em marketing para transmitir aos seus clientes e colaboradoresvalores como lealdade e confiança. A empresa, nesse estágio, evolui da dimensão hedonista e pragmáticapara a dimensão ética. Ela está preocupada em ser boa aos olhos de terceiros, pois sabe que as suas ações,atitudes e comportamentos refletem positivamente ou negativamente no âmbito social. Entendeu, portanto,que as suas ações não estão deslocadas da sociedade.

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No estágio 4, as empresas encontram-se num nível de consciência moral mais elevado, pois jáperceberam que, além de estarem situadas socialmente, possuem também uma parcela de contribuição paracom o desenvolvimento e bem-estar da comunidade. Dão conta de que a atividade produtiva ou de prestaçãode serviços de que dispõem estão integradas em benefício da sociedade. Ainda que parte das atividadesempresariais continue sendo movida pela engrenagem do pragmatismo, quando atingem esse nível, taisempresas não conseguem mais dissociar as suas ações e tomadas de decisões do bem-estar coletivo quepodem fornecer à sociedade. No nível convencional, as empresas assimilam a eticidade concreta do grupo onde estão instaladas.Movem suas ações referendadas pelas normas socialmente aceitas, buscando ampliar, cada vez mais, oreconhecimento social de suas marcas e produtos. Nesse nível, as empresas avaliam as tomadas de decisõesnão apenas em razão das conseqüências de suas ações, mas se as suas atividades estão de acordo com osistema de normas que a sociedade, num determinado contexto cultural e valorativo, reconhece como válido.Portanto, no nível convencional, pode-se dizer que as empresas incorporam uma dimensão ética no agir e nodecidir. O nível pós-convencional integra os dois últimos estágios da escala de Kohlberg. Os estágios 5(Direitos básicos e contrato social) e 6 (Princípios Universais) abordam, em linhas gerais, modelos de açõesque estão desconectados de valores circunscritos à eticidade. O estágio 5 demonstra que o grau deconsciência moral comporta a diversidade de valores éticos. Isso demonstra que não são mais os valores quedeterminam o propósito das ações empresariais, mas a dimensão própria do contrato social ao privilegiar eassegurar o direito das partes envolvidas.

As razões para fazer o que é direito são em geral: sentir-se obrigado a obedecer à lei porque a gente faz um contratosocial de fazer respeitar leis, para o bem de todos e para proteger seus próprios direitos e o direito dos outros. Asobrigações de família, amizade, confiança e trabalho também são compromissos ou contratos assumidos livrementee implicam o respeito pelos direitos dos outros. Importa que as leis e deveres sejam baseados num cálculo racionalde utilidade geral. “O maior bem para o maior número”. (HABERMAS, 1989, p. 154)

O estágio 6 representa o mais alto grau de consciência moral e as empresas que conseguem alcançaresse nível tornam as suas ações e tomadas de decisões referendadas por princípios universais de justiça.Ampliam as conseqüências de suas ações para a esfera da responsabilidade social em nível global. Talvez, doponto de vista empírico, não tenhamos visto, até o momento, uma empresa agindo nesse estágio, contudo, omesmo serve de parâmetro ou idéia reguladora para sinalizar aonde é possível se chegar com a discussão daresponsabilidade social e desenvolvimento sustentável. Nesse último estágio, a justificativa para uma tomadade decisão ou propósito de ação será sempre referendada pelo desempenho discursivo, com o objetivo deformar consensualmente à vontade e a opinião, sob a tutela de uma única coerção: a coerção do melhorargumento. Esse nível, ápice da consciência moral, é o patamar que Habermas coloca, do ponto de vistafilosófico, a sua ética do discurso – modelo de normatividade próprio das sociedades modernas queatingiram o nível pós-convencional.

Como se pode notar, seguindo os passos do processo de desenvolvimento da consciência moral deKohlberg aliado à ética do discurso habermasiana, as empresas e corporações, enquanto instituições sociais,podem alcançar o mais alto estágio de moralidade, desde que dispostas à aprendizagem. A constatação, aindaque parcial, é que as empresas têm muito a apreenderem com os dilemas e problemas gerados pelaModernidade, sobretudo, na época hodierna, na esfera ambiental.

A urgência pela pretensão de validade ou justiça nas ações e comportamentos, cada vez maispublicizados na esfera pública mundial, exige das empresas um compromisso de confiança com seuscolaboradores, fornecedores e consumidores, enfim, com a sociedade de modo geral. Não se trata maisdaquele modelo de empresa que pautava o organograma de suas atividades na consecução única demaximizar o lucro a qualquer custo.

As empresas e organizações não deixam, certamente, de perseguir o lucro em suas atividades, aliás,essa é a estrutura fundamental que marca o DNA das atividades empresarias. A corporação que abrir mãodo lucro, no modelo capitalista, simplesmente morre. No entanto, esse telos não constitui mais a essênciacaracterizadora do fim último a ser perseguido. É possível sinalizar, no mínimo, três aspectos fundamentaisque tem movido as empresas em outra direção, muito mais próxima da responsabilidade social e de umamoral pós-convencional.

As empresas, hoje, devem, em primeiro lugar, dispor de capacidade para se articularem e seadequarem ao paradigma das sociedades democráticas que exige, cada vez mais, a participação autônomadas pessoas no âmbito público e privado. Isso expõe, com maior intensidade, a empresa, seus produtos eserviços diante do público consumidor e exige dela transparência e capacidade de diálogo franco. Emsegundo lugar, as empresas alcançaram atualmente um patamar de poder econômico, em alguns casos, maiorque o de muitos Estados nacionais, o que faz recair sobre as mesmas a responsabilidade pelos seus atos, jáque dispõem do ponto de vista econômico, de condições reais para alterar significativamente a qualidade devida e o bem-estar social das pessoas que dela dependem. Em terceiro lugar, é possível constatar que frenteao processo de conscientização da finitude dos recursos naturais e dos impactos ambientais na atividade

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produtiva, as empresas têm sido responsabilizadas e cada vez mais cobradas pela forma como interagem como meio ambiente. Estão na linha de frente para responderem aos desafios do desenvolvimento sustentável. Ea resposta não pode estar desvinculada do mais alto grau de normatividade: a moralidade pós-convencional. CONCLUSÃO

O trabalho teve como objetivo demonstrar que as atividades empresariais na modernidade passaram

por profundas transformações no modo de operacionalização de suas atividades, ações e comportamentos.Com base no pensamento de Habermas, procura-se ressaltar que a modernidade foi uma épocaextremamente fecunda ao propiciar a gênese do processo de racionalização que conduziu à liberação dopotencial do agir comunicativo que estava encoberto pela tradição. O desenvolvimento da racionalidadecomunicativa, gerada no seio da modernidade, emergiu na medida em que se proclamou a autonomia dossujeitos em relação aos componentes tradicionais da religião e dos valores culturais, de forma a poder liberaro potencial discursivo e a tematização da validade de normas e valores que até o inicio da modernidade nãoeram passíveis de questionamentos.[4] Neste aspecto, a via de racionalização do agir comunicativo permitiu a reconfiguração no modo deoperacionalização da ação, sendo possível a realização de ações estratégicas e instrumentais (influência) e deações comunicativas (acordo). Se o mercado e as empresas, de início, souberam fazer uso exaustivo da açãoestratégica (pragmática), a própria dinâmica da racionalização social passou a exigir, na atualidade, modelosde ações mais compatíveis com a ética e a moral. Em boa medida esta explanação buscou demonstrar que as empresas podem e devem se abrir aomodelo pós-convencional de moralidade. Se a efetividade, na prática, em muitos aspectos não é aindaobservada, não há como negar que, do ponto de vista teórico, exista condições suficientes para sinalizar, deforma otimista, o modelo de ação que deve figurar as atividades empresariais diante dos desafios do séculoXXI. Se o indivíduo é capaz de agir e julgar segundo parâmetros universais, o que diretamente vemsatisfazer às condições a que alcançaram, em seus níveis de racionalização, as sociedades modernas, tambémse torna plenamente viável que as ações e tomadas de decisões empresariais façam valer a moralidade noplano pós-convencional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO, L.M. Carvalho. Razão Comunicativa e Teoria social Crítica em Habermas. 2ª edição. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 1997. ARAÚJO, Manfredo. “A crise da racionalidade moderna: uma crise de esperança”. In: Síntese Nova Fase.Belo Horizonte, nº 45. BANNWART JÚNIOR, Clodomiro José. As implicações da ação do profissional da saúde. In: Maquinações.Revista de Ciências da PROGRAD. Londrina/PR: Universidade Estadual de Londrina, 2007. CARVALHO, William Eustaquio de. Caso Enron: breve análise da empresa em crise. 2004. Acesso em29.03.2010. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6045 CONILL, Jesús. Economia ética na era da informação in Construir confiança: ética da empresa nasociedade da informação e das comunicações. Coord. Adela Cortina. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p.75-94. CORTINA, Adela. As três idades da ética empresarial in Construir confiança: ética da empresa na sociedadeda informação e das comunicações. Coord. Adela Cortina. São Paulo: Edições Loyola, 2007. p. 19-38. FREITAG, Bárbara. “A questão da moralidade: da razão prática de Kant à Ética discursiva de Habermas”.Tempo Social: Revista de Sociologia/USP. São Paulo, 1 (2): pp: 7-44, segundo semestre/1989. HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Tradução: Guido Antônio de Almeida. Riode Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. ______. “Observações sobre el concepto de acción comunicativa” In: Teoria de la acción comunicativa:complementos y estúdios prévios. Tradução: Manuel Jiménez Redondo, Madrid. Cátedra Teorema, 1989b. ______. Técnica e Ciência como ‘Ideologia’. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1997a. ______. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2 volumes Tradução de Flávio BenoSiebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997b. ______. Teoria de la Acción Comunicativa. Racionalidad de la acción y racionalización social. Tomo I.Madrid: Taurus Humanidades, 1999a. ______. Comentários à Ética do Discurso. Tradução de Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Instituto Piaget,1999b.

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[1] Expressão utilizada por Ramonet, determinando uma espécie de recrudescimento do próprio neoliberalismo (2007, p. 101).[2] Como a supressão de paraísos fiscais; o aumento de fiscalização das rendas de capital; e a taxação de transações financeiras(RAMONET, 2007, p. 106).[3] Conferir (HABERMAS, 1988, pp: 216 e 244)

[4] Ver ARAÚJO, Manfredo. “A crise da racionalidade moderna: uma crise de esperança”. In: Síntese Nova Fase. Belo Horizonte, nº45, p. 16

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