a publicidade na revista do globo
TRANSCRIPT
A PUBLICIDADE NA REVISTA DO GLOBO
Autora: Maria Helena Steffens de CastroFaculdade de Comunicação Social/ PUCRS
GT2- História da Publicidade e Propaganda
INTRODUÇÃO
Há algum tempo desenvolvia-se um projeto sobre os principais ilustradores
das capas da Revista do Globo (RG), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio Grande do Sul. No decorrer dessa pesquisa, a área da publicidade
despertou interesse já que a maior parte dos artistas que criava as capas também
elaborava os anúncios publicitários da revista, muitos deles premiados em nível
internacional. Pela constatação da sua presença na produção dos anúncios publicitários e
pela riqueza e abundância dessa matéria, resolveu-se desenvolver um projeto de
pesquisa sobre a propaganda desse período, já que a RG constitui o marco inicial da
história das agências de publicidade do Rio Grande do Sul, quando a atividade sai do
estágio de autodidatismo e, lentamente, vai se estabelecendo como uma profissão
estruturada e reconhecida que figura, hoje, entre as principais do País, constituindo um
importante mercado em volume de negócios no Brasil.
Por essas razões, resolveu-se analisar as relações entre os textos dos
anúncios da Revista e a literatura, para verificar se esses discursos se articulam num
processo de interações e condicionamentos estéticos, pois a publicidade pode ser
considerada como portadora de uma linguagem artística, cuja complexidade, em vários
planos, é reconhecida e os anúncios da RG nasceram nas mãos de escritores e artistas
plásticos, que imprimiram características artísticas aos textos que produziram.
A EVOLUÇÃO DA PESQUISA A Revista do Globo1 tem sido objeto de pesquisas em diferentes
áreas, para o levantamento e recuperação de fontes históricas da literatura, da fotografia
e da publicidade, porque foi um dos mais importantes veículos de comunicação que
1 As demais citações sobre a Revista do Globo serão indicadas pela sigla RG.
circulou no Rio Grande do Sul de 1929 a 1967. Nos seus 38 anos de vida, nunca deixou
de ser publicada, mesmo enfrentando dificuldades advindas da Revolução de 30, da
grande enchente de 1942 ou da Segunda Guerra Mundial.
Quanto à metodologia, o levantamento dos primeiros vinte anos de
publicidade da RG previa uma tarefa árdua, pois obrigava o manuseio de 493 fascículos,
tendo cada um, em média, 40 a 50 anúncios. A solução se encontrava no uso da
informática, porque possibilitava a organização de um banco de dados que processasse,
o mais rápido possível, as inúmeras informações contidas nas peças publicitárias. A
projeção de um total de 27.000 anúncios apontava, desde a fase inicial da pesquisa, para
um volume muito elevado de dados, que só poderiam ser consultados e cruzados com
eficiência, através da informática. O programa escolhido foi o software micro-Isis, um
gerenciador de banco de dados empregado na informatização de bibliotecas e utilizado
em convênio com a UNESCO, adaptado mais tarde, para o Win-Isis.
Foram necessários três anos para a catalogação dos anúncios, tarefa
realizada desde o início do curso com o auxílio de dois bolsistas de Iniciação Científica,
técnicos e pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnologia da PUCRS
que adaptaram e testaram o programa, acrescentando ou suprimindo campos de registro,
em decorrência da riqueza de conteúdo da publicidade na RG. A ficha foi preenchida
por anúncio, recolhendo dados sobre 25 campos, como por exemplo: ilustração, forma
de texto, título, slogan, marca, tipo de apelo, etc, totalizando o elevado número de
25.792 fichas preenchidas. Como a publicidade na RG foi se estruturando
paulatinamente, acompanhando o crescimento do periódico, foram realizadas entrevistas
com publicitários e antigos funcionários da RG, com o objetivo de delimitar os campos
mais significativos da ficha, a fim de que os resultados obtidos, atendessem aos
propósitos da tese, bem como retratassem aspectos importantes da fase amadora da
publicidade gaúcha.
Ao longo do processo de catalogação, as fichas foram constantemente
revisadas, exigindo paciência e acuidade visual por parte do revisor. Foi necessário
então, criar uma rotina de catalogação, de avaliação e de revisão, que garantiu a
qualidade das informações obtidas sobre os primeiros vinte anos da publicidade no Rio
Grande do Sul. Isso só foi possível devido às vantagens do catálogo informatizado, que
possibilitou correções e atualizações de dados continuamente, o que seria impossível se
fosse indexado de outra maneira.
Devido à extensão do corpus ao final da pesquisa, composto de 25.792
anúncios, realizou-se uma seleção que adotou critérios objetivos excluindo os anúncios
repetidos, tendo permanecido 7.069 de inéditos. Destes, foram destacados aqueles
veiculados na RG mais de vinte vezes, no período compreendido entre 1929 e 1949.
Nesse novo corpus apareciam anúncios com textos predominantemente informativos,
descrevendo as características do produto, sua utilidade e fornecendo o endereço da
empresa, através de argumentos racionais, concretos e verificáveis, apoiados sempre nas
qualidades intrínsecas do produto. Tais anúncios também foram eliminados do corpus
por não apresentarem textos com apelos subjetivos, em que eram empregadas figuras de
linguagem, com predomínio da função poética, possibilitando assim, a análise sobre a
intercorrência de formas literárias. Para o corpus definitivo, selecionou-se um anúncio
de cada campanha, com textos redigidos em forma narrativa, testemunhal, humorística,
em formato de fotonovela ou em verso, atendendo a critérios qualitativos. Foram
realizados também, cruzamentos entre “gênero” de anunciante e categorias
predominantes, conforme tabelas em anexo.
O corpus ficou constituído de 40 anúncios ao final desse processo, e a
exaustiva seleção não considerou o acaso, porque adotou uma metodologia científica
rigorosa, responsável pelos resultados exatos e relevantes alcançados. Como efeito
secundário, os dados ficaram disponibilizados para futuras pesquisas, em modalidade
escolhida pelo pesquisador: listagens impressas ou gravadas em CD ROM, permitindo
ainda consultas pela Internet, através do endereço eletrônico:
www.ipct.pucrs.br/letras.
PERCURSO HISTÓRICO2
A RG, publicada em Porto Alegre (RS), de 1929 a 1967 foi editada pela
Livraria do Globo, de propriedade de Barcellos, Bertaso & Cia., sendo caracterizada
pelo subtítulo “Quinzenário de Cultura e de Vida Social”, compreende um acervo de
942 fascículos, fontes inesgotáveis de informação, pois são testemunhas de outras tantas
histórias além das publicadas em suas páginas.
2 A matéria que consta neste capítulo é resultado, em grande parte, da pesquisa feita na própria RG, pela autora.
Como a comunidade rio-grandense ressentia-se da falta de uma revista de
promoção e divulgação das atividades culturais, José Bertaso, sensível ao apelo de
amigos que ocupavam o Governo do Estado, fundou a RG que se tornou a vitrine da
tradicional livraria da Rua da Praia e de sua editora. Sua aparição aconteceu numa época
de extraordinário florescimento cultural no Estado, pois se lia muito e grupos de
intelectuais se reuniam na entrada da Livraria do Globo para discutir questões políticas
e culturais. A revista funcionou como um laboratório onde comunicadores, escritores e
artistas expressavam suas idéias com total liberdade. Alguns editoriais da RG
destinaram-se a justificar sua criação, como, por exemplo:
O homem moderno e culto não pode prescindir do seu jornal, de um bom
livro, de uma ótima revista, seja como fonte de informações e conhecimentos,
ou para a distração do espírito. A leitura predileta, entretanto, é uma boa
revista, que reúne informações atualíssimas, leitura variada, instrutiva, – e
excelente matéria recreativa. Penetrando no lar, a revista interessa a todos,
desde o chefe da família e donas de casa, até as crianças3.
Um artigo4 trata da influência das revistas, consideradas como expressão
intermediária entre o livro e o jornal, com a vantagem de condensar as novidades,
apresentando a medida certa do efêmero, além de substituir os longos e sérios livros
teóricos por artigos de escritores do país que, ao expressarem seus valores, revelam a
“vida-intensidade” do país.
O primeiro número da RG data de 5 de janeiro de 1929 e repercutiu de
forma positiva no país. Em sua quarta edição, a RG publica um comentário do Jornal “O
Paiz”, do Rio de Janeiro, comparando-a às melhores revistas do Brasil, graças a sua
feição moderna e as suas originais ilustrações, criadas por artistas plásticos gaúchos.
Publica também o artigo do Jornal “O Popular” de Caxias do Sul, lembrando que outras
tentativas de editar revistas fracassaram “pelo hábito de transformar as páginas de uma
revista, sustentada pelo grande público, em torrezinhas de exclusividades literárias”,
inadequadas para a veiculação das notícias diárias. O autor do artigo enfatiza que a
revista preenche os intervalos do trabalho, sintetizando os fatos do dia-a-dia, e
3 RG n.265, de 16/12/1939, p.77.4 RG n.10, de 25/05/1929, p.10.
informando sobre artes e ciência, sendo a “expressão renovada e elegante da
mentalidade dominante, a atuar e influir sobre a classe social mais alta, que a lê”5.
Mansueto Bernardi foi o primeiro diretor da RG, oportunizando a
publicação de obras de autores gaúchos e nacionais, além da tradução de modernos
escritores europeus, até embarcar para o Rio de Janeiro (1931), para assumir a Casa da
Moeda, mas não sem antes convidar para trabalhar na RG o jovem Érico Veríssimo que
chegava a Porto Alegre. A revista mudou várias vezes de direção, até ser conduzida por
Érico Veríssimo, de abril de 1931 a setembro de 1932, que imprimiu feição nova ao
periódico. Walter Spalding, em reportagem na RG, considera Érico Veríssimo o
baluarte intelectual que fez “certa oposição silenciosa ao excesso lírico” que o poeta Da
Costa e Silva imprimia na RG, pois “divulgava poucas matérias políticas e sociais,
privilegiando a literatura”6.
O pós-guerra havia trazido para a América um expressivo número de
técnicos e artistas europeus, de várias especialidades, como Karl Ernst Zeuner,
desenhista e gráfico de enorme experiência, que havia cursado a Academia de Artes de
Leipzig. Contratado pela Editora Globo, passou a ensinar suas habilidades a um grupo
de artistas, iniciando-os em artes gráficas e projetando-os depois fora do país. Zeuner
dirigia esse grupo acomodado no último andar do prédio “da Globo”, com largas janelas
que permitiam apreciar o Rio Guaíba e as chaminés das indústrias do bairro
Navegantes7. A redação da RG, no início, ficava junto à Seção Editora. Os desenhistas
se entregavam, também à criação de peças publicitárias e permaneciam, a maior parte
do tempo, inclinados sobre suas pranchetas, sendo orientados por Zeuner, mestre na arte
do cartaz e do retrato.
Nesse grupo encontravam-se vários artistas plásticos: Edgar Koetz, muito
jovem, mas excelente desenhista de letras e ilustrador de contos, sendo que mais tarde
desenhou algumas das melhores capas da RG; Nelson Boeira Faedrich, que além de
desenhista era jornalista, cenógrafo, decorador e ilustrador, trabalhando nas Empresas
Globo desde o ano de 1931.
5 RG n.4, de 16/02/1929, p.5.6 RG n.863, de 04/01/1964, p.15. 7 RG n.17, de 06/09/1934, p.20.
Gastão Hofstetter, veio para a Editora Globo três anos depois e se revelou
um original desenhista e litógrafo, criando também algumas capas da RG, inclusive
duas comemorativas do Natal, ao vencer o concurso interno, realizado anualmente pela
RG, para a escolha do artista que criaria a capa natalina. Um dos vencedores desse
concurso foi Nelson Boeira Faedrich, em dezembro de 1935, com um anúncio colorido,
de página inteira que representava os três reis magos oferecendo ao leitor: um barril de
Chopp, uma garrafa de “Guaraná” e uma de cerveja “Oriente”, todos produtos da
Cervejaria Continental.
Zeuner ilustrou também alguns anúncios, mas não priorizou o trabalho
publicitário, considerado então como uma arte menor, já que se envolvia com a venda
de produtos, o que levava os desenhistas a dedicarem-se mais à ilustração de capas e
contos que eram publicados na RG. A marca da Editora Globo, representando um globo
terrestre, foi de sua autoria8 e funcionou, por largos anos, como símbolo de identificação
de obras editadas pela empresa. Assim, sob a sua orientação, um grupo de destacados
artistas fez parte da redação do periódico confeccionando capas, ilustrando contos,
projetando coleções de livros e desenhando anúncios. Alguns deles já eram artistas
plásticos reconhecidos, na década de 30, como João Fahrion, Edgar Koetz, Nelson
Boeira Faedrich, João Faria Vianna, Sotero Cosme; outros ali se iniciaram no ofício
como Vitório Gheno, João Montini e Adão Kuwer.
Nos vinte primeiros anos da RG foram atendidos 7069 anunciantes. Em
1929 foram relacionados 291 clientes, mantendo essa média até o ano de 1938 quando
passou a atender 414 anunciantes, estando o periódico sob a direção de De Souza
Junior, jornalista que imprimiu maior dinamismo a todos os setores. No final dos anos
40, com Henrique D’Avila Bertaso na direção, a publicidade da RG tinha 485
anunciantes.
Anúncios por ano
Ano T.A. % T.I. %0 1929 813 3,27 291 4,42 1930 934 3,76 296 4,50 1931 793 3,19 275 4,18 1932 1.082 4,35 255 3,87 1933 936 3,76 251 3,81 1934 1.171 4,71 247 3,75
8 Segundo Vitório Gheno, em entrevista concedida à autora, em 23/08/1999.
1935 624 2,51 331 5,03 1936 1.123 4,52 239 3,63 1937 2.156 8,67 414 6,29 1938 1.918 7,71 466 7,08 1940 1.522 6,12 285 4,33 1941 1.626 6,54 303 4,60 1942 1.099 4,42 240 3,65 1943 974 3,92 286 4,34 1944 1.040 4,18 294 4,47 1945 1.499 6,03 413 6,27 1946 1,337 5,38 445 6,76 1947 1.376 5,53 420 6,38 1948 1.288 5,18 460 6,99 1949 930 3,74 485 7,37
A revista logo se tornou um dos mais importantes meios de divulgação da
vida econômica e cultural do Estado. Junto com as matérias que mencionavam a
acelerada modernização da cidade na década de 30, apareciam as que tratavam da
competição comercial que obrigava grandes companhias a recorrerem a processos
originais de propaganda para oferecer e vender seus produtos, “já que não se lança no
mercado nenhum produto sem essa intensa preparação do espírito público, de modo a
ser oportunamente criada uma atmosfera de viva curiosidade entre a massa dos
prováveis futuros consumidores”9.
Um dos primeiros publicitários gaúchos, Julio Costa, fez quatro capas para a
RG, além de um encarte para a Casa Masson, anexado à edição comemorativa de Natal,
em 18 de dezembro de 1943, com desenho a bico de pena das peças que a loja vendia e
poderiam ser compradas pelo Serviço de Reembolso Postal, em qualquer parte do
Brasil. Os trabalhos dos artistas plásticos citados e de outros que ilustraram anúncios,
compõem hoje o rico acervo da memória da publicidade gaúcha.
Nos anúncios da RG dos primeiros anos da década de 30, constatou-se o
amadorismo da profissão, pela diversidade nos formatos, pela imprecisão na
periodicidade e localização das páginas. Quando a revista começa a ter clientes ligados
às empresas multinacionais, os funcionários aprendem a técnica norte-americana de
propaganda comercial e imprimem um caráter mais profissional na criação das peças
publicitárias. À medida que eram lançados novos produtos, a publicidade na RG mais
9 RG n.14, de 03/08/1929, p.14.
se avolumava em quantidade e se multiplicava numa grande variedade de gêneros e
marcas, anunciados com muita criatividade.
Na RG, esse trabalho foi realizado, por Benjamin Thiers Gonçalves Raposo,
que durante muitos anos estabeleceu o contato com os clientes, e por Evaristo Santos
Seródio que, em 1937, assumiu a direção do departamento de pequenos anúncios,
denominados hoje classificados, que divulgavam serviços de profissionais liberais. No
mesmo ano afasta-se da RG e cria a “Empresa Concessionária Publicidade Seródio”,
localizada na loja 34 do Abrigo da Praça 15, continuando a comercializar as assinaturas
e anúncios de profissionais liberais e estabelecimentos comerciais da RG, conforme
nota publicada10.
Também a Livraria do Globo oferecia tal serviço, pois, como não tinha
profissional especializado em propaganda, quem soubesse desenhar e estivesse
disponível ilustrava o anúncio, desenhava as letras e escrevia o texto. Se o tipo de letra
usado em uma campanha fizesse sucesso, logo era copiado por outros profissionais.
Quando diminuía o impacto junto ao público, criavam-se novas formas.
Os primeiros fascículos da RG não apresentam planejamento gráfico regular
com definição sistemática dos espaços ocupados pelos anúncios. Esses aparecem, quase
sempre, em página inteira, em uma coluna ou em formato 8 x 12,5 cm, mas não ocupam
espaço fixo dentro do periódico. O intervalo entre as alterações dos anúncios era longo e
lento, produzindo-se num espaço de cinco meses em média, porque o número de
produtos era pequeno e não havia concorrência, resultando, então, escassa demanda para
novas campanhas publicitárias. Os textos dos anúncios eram longos e orientavam sobre
as propriedades e uso do produto, muitos deles recém-chegados ao mercado.
Uma tentativa de organizar a publicidade aconteceu no final dos anos 30,
quando os anúncios eram distribuídos preferencialmente entre as páginas quinze,
dezessete e dezenove, desaparecendo essa norma nos anos seguintes. Também não
havia periodicidade específica para a produção de materiais promocionais, uma vez que
as empresas basicamente solicitavam os textos e ilustrações a pessoas habituadas a
redigir e desenhar uma peça publicitária. “O anúncio pronto era entregue diretamente
aos jornais e não existia os 20% de comissão da agência”11.
10 RG n.214, de 25/09/1937, p.4.11 O talento nosso de cada dia. Entrevista com Júlio Costa. Jornal do Meio, dezembro de 1986.
O Departamento de Publicidade da RG divulgava seus serviços na folha de
rosto dos fascículos. Aceitava, sem compromisso, qualquer solicitação sobre
propaganda, fornecia orçamento, sugestões, desenhos e encarregava-se também, de
reportagens comerciais. Tais reportagens eram ilustradas com fotos dos eventos e
apresentavam variadas informações: inaugurações de empresas comerciais e industriais,
consultórios médicos e dentários, atividades recreativas para férias coletivas de
funcionários, equipamentos novos adquiridos, viagens de executivos, etc. Na primeira
década, as informações eram publicadas gratuitamente assumindo o caráter de
reportagem. Em 1945, a RG publica um editorial informando que os leitores têm escrito
solicitando esclarecimentos a respeito desse serviço ou propondo negócios para
reportagens idênticas12. Esclarece que, para evitar dúvidas sobre o caráter das matérias,
a RG acrescentará, em epígrafe, o termo “Publicidade”, sempre que a reportagem for
paga.
Os homens que faziam publicidade passaram de corretores de classificados
em jornais, para redatores do anúncio, preparando o texto, ilustrando-o e distribuindo-o
dentro do espaço da página. Realizavam muitas vezes esse trabalho em casa, para
preservar a “aura” de artistas plásticos, evitando identificarem-se com criadores de
anúncios.
Como afirma Carlos Scarinci, a Escola de Artes nos anos 40, única no
Estado, agia no sentido do academismo, limitando a arte à repetição do já conhecido, do
certo e do permanente, legitimado por uma tradição inquestionada. Só o trabalho para as
editoras , e da Livraria do Globo particularmente, é que permitia o início de uma
consciência mais profissional, que foi se abrindo, pouco a pouco, para os problemas de
uma arte comprometida com a atualidade e com sua distribuição coletiva..
A Livraria do Globo foi pioneira nas artes gráficas do país, no que se refere
a ter adquirido a primeira máquina de compor em linotipia, a primeira de impressão
tipográfica automática e a primeira de impressão “off-set” a duas cores13, achando-se
assim aparelhada para atender os clientes de trabalhos litográficos com maior presteza,
oferecendo um melhor acabamento em seus trabalhos. A instalação do primeiro
linotipo em Porto Alegre, em 1909, representou um grande passo, que colocou as
12 RG n.388, de 09/06/1945, p.1.13 Anúncio da RG n.219, de 22/12/1937, capa II.
oficinas gráficas “da Globo”, muito a frente das demais, em matéria de tecnologia
gráfica.
Houve tipógrafos dos concorrentes, que pediam licença para ver de perto se a tal bruxaria funcionava mesmo e saíam boqueabertos ante a confirmação de que a máquina trabalhava praticamente sozinha, como se tivesse um cérebro para compor as linhas de chumbo. (LESSA, 1993, p.9).
Todo artista contratado passava antes pelas oficinas da livraria para
aprender com Zeuner a arte litográfica. Vitório Gheno14 afirma que Zeuner
ensinou muito, até mesmo como dispor das letras em um anúncio, o que
denominava de “anatomia das letras”, já que a ilustração das capas de livros e dos
anúncios exigia o desenho manual dos títulos e subtítulos, colocados de forma
estética para chamar a atenção do leitor. As letras eram copiadas de cadernos
vindos da Alemanha, mas muitas vezes também criadas pelos artistas, de forma
original ante o incentivo de Zeuner. Desse modo, as oficinas litográficas da Seção
Editora da Livraria do Globo prepararam também esses ilustradores para
trabalharem no mercado publicitário da época.
Em Porto Alegre já existia a “Star” – Sociedade Técnica de Anúncios e
Representações, criada por Arthur do Canto Júnior, em 1º de maio de 1932, depois
de adquirir experiência ao cuidar do balcão de publicidade da Livraria, onde
aprendera a estruturar, redigir e distribuir os anúncios nas páginas de periódicos.
A “Star” entretanto não tinha estrutura de agência de propaganda, mesmo assim,
produziu peças publicitárias que se destacaram em jornais e revistas, para clientes
como Varejo Bromberg, Joalheria Amabile, Cerveja Continental, Sapataria
Simpatia e Casa Barreto, entre outras. Segundo Mafuz (Castelo Branco et al, 1990)
a “Star” era mais uma distribuidora do Diário da União do que empresa de
propaganda, mas nela atuaram grandes nomes da propaganda gaúcha como João
Pedro Moura, João Stepler, Carlos Regius entre outros.
Como já havia um estúdio de arte formado por grandes profissionais e uma equipe de redação da RG, a criação de uma agência publicitária própria transcorreu de forma regular. A prestação de serviços também se ampliava e se diversificava e o grupo “da Globo”, em 6 de junho de 1947, constituiu a “Clarim Empresa de Publicidade Ltda.”, inicialmente uma agência da casa, mas logo passando a prestar serviços ao empresariado gaúcho.
14 Entrevista realizada pela autora, em 23/08/1999.
A Clarim foi organizada por Regius, para criar os anúncios na própria Livraria do Globo, para clientes interessados na mídia da RG. Os irmãos Bertaso aprovaram a idéia, pois se convenceram de que seria um grande negócio, uma vez que tanto o estúdio de arte da agência como a Redação, formada pela seção da RG, já estavam funcionando, bastando aproveitá-los como publicitários15.
A Livraria do Globo precisava de um profissional de propaganda para
gerenciar seu departamento, bem como sua publicidade e Carlos Régius já
trabalhara antes nas empresas Globo, onde aprendera a foto-gravura, esteriotipia,
tipografia, impressão e litografia, que colocara em prática na “Star”, quando lá
trabalhava, ocupando vários cargos. Régius passou a administrar a publicidade da
RG, planejando os anúncios de livros lançados pela Editora e de peças importadas
como Linguafone, máquinas de escrever Royal e calculadora Friden. Assim, na
própria Livraria foram criados os anúncios de clientes interessados na mídia da
RG.
O estúdio de arte da “Clarim” foi dirigido por Zeuner, que exigia de
sua equipe conhecimentos técnicos de layout publicitário. Segundo Gomes, (2001),
a exigência não representou maiores dificuldades , uma vez que o grupo de artistas
já criava anúncios para a RG, há vários anos, além de rótulos, letras, cartazes, etc..
A Clarim é considerada a primeira agência realmente estruturada do
Estado e, mesmo sem dar exclusividade para os anúncios das empresas “da
Globo”, imprimiu mais modernidade à publicidade gaúcha. Nessa agência atuava
uma equipe de bons profissionais, um departamento de artes considerado o melhor
do Brasil e um grupo de clientes que já se beneficiavam do parque gráfico da
Editora Globo, bem como de sua assessoria técnica. “A empresa iniciou com um
capital social de duzentos e cinqüenta mil cruzeiros formada por dezessete sócios,
destacando José Bertaso, Érico Veríssimo, Antonio Barata, Hamilcar de Garcia e
Carlos Régius”16. Na redação dos anúncios aparecem Isaac Cruz, Hamilcar de
Garcia e Antonino Pinto Jung, redigindo textos para as empresas Steigleder,
Springer, Rheingantz, Vinhos Michelon, Metalúrgica Wallig, Gazola, Loteria do
Estado, Santa Cruz Seguros, Importadora Americana, Casa Mac, Canetas Victor,
todos clientes da Clarim.
15 Entrevista com Vitório Gheno, em 23 de agosto de 1999.16 EPISÓDIOS DA PROPAGANDA GAÚCHA. Cadernos da ARP, n.1.
Os Bertaso organizaram assim um excelente Departamento de
Propaganda para suas empresas que, ao lado do atendimento dispensado à casa,
atendia clientes de fora. Carlos Régius na gerência da Clarim e o jornalista
Antonio Barata, homem de redação, juntamente com todo o grupo de desenhistas,
formavam a equipe básica da agência, que publicou seu primeiro anúncio na RG,
em nove de agosto de 1947, em peça publicitária criada por Zygmund Haar.
Nessa agência formou-se um departamento de arte integrado pelo
melhor grupo de artistas do país, formulando uma linha de serviços que
compreendia o logotipo, a embalagem, o desenho industrial, o rótulo, o cartaz, a
vitrina e o anúncio. O trabalho de artistas como Edgar Koetz, Vitório Gheno, os
irmãos Haas, Nelson Boeira Faedrich e outros definiu a Clarim como formadora
de talentos e uma das melhores em criatividade publicitária.
Tal é o caso de Julio Costa, que criou anúncios para a Casa Masson,
por mais de trinta anos, publicados na RG e nos jornais locais. A Masson enviava
as jóias para sua casa, onde ele as reproduzia a “bico de pena”, com tanta
fidelidade, que desenhos de relógios, feitos por ele, foram utilizados em anúncios de
revistas estrangeiras.
As peças litográficas, na época, eram impressas numa pedra especial,
vinda da Alemanha. Só depois a ilustração publicitária evoluiu para as gravuras
em zinco, até chegar ao fotolito. A arte litográfica só continuou a ser usada pelos
artistas, para suas obras individuais, por ser um método difícil de reprodução em
grandes quantidades. Como solução, em dezembro de 1938, a Livraria do Globo
inaugura em suas oficinas uma máquina de impressão litográfica-off-set, adquirida
na Alemanha, possibilitando realizar até 47.000 impressões por hora e destinada à
realização de encomendas de grande porte. Na sua inauguração imprimiu milhares
de rótulos da Cervejaria Continental17, constituindo-se o primeiro trabalho
publicitário realizado em “off-set”, elaborado nas oficinas da Globo.
Alguns artistas escolhiam os clientes como Ernest Zeuner, que realizou
trabalhos para Fogões Geral, Varig, Elixir Bi-iodado Santo Expedito; Nelson
Boeira Faedrich, ilustrou anúncios da Casa Victor, Varejo Bromberg, Cerveja
17 RG n.220, de 14/01/1938, p.28.
Continental, Refrigerador Kelvinator; Pelichek assinou peças da Livraria do
Globo; Gastão Hofstetter, desenhou para a Casa Victor, a Formamint e a Wallau
entre outros clientes; Vitório Gheno fazia as ilustrações e “montava” os textos dos
anúncios das Lojas Renner, desenhando figuras femininas e artigos de vestuário,
muito valorizados pela empresa.
“Nessa fase o trabalho do desenhista não era bem remunerado, o que só
aconteceu com o profissionalismo das agências que concorriam entre si, para ter os
melhores desenhistas no departamento de criação”.18 Esses anúncios começaram a dar
forma a uma criação publicitária gaúcha, reflexo do sentimento de cada artista frente ao
produto que deveria desenhar.
Alguns desses artistas , no final da Segunda Guerra, foram estudar fora do país,
como Edgar Koetz e Vitório Gheno que tentaram viver na Argentina, trabalhando em
editoras e jornais portenhos. Honório Nardin os acompanhou, passando a ilustrar livros
infantis e colaborando com as revistas “Maribe” e “Vosotras”. Contudo, até certo ponto,
Buenos Aires foi uma decepção para os rapazes. Centro talvez vinte vezes maior do
que Porto Alegre, não havia ali o esperado “ambiente artístico” sonhado por eles. Com
a partida desses talentos ilustradores, a Seção de Desenho começou a se enfraquecer. Os
que ficaram ao lado de Zeuner, começaram a receber convites para atuar em outras
agências de publicidade, que foram surgindo em Porto Alegre.
Cerca de 13% dos anúncios já usava frases de efeito (slogan), como a Casa
Victor, que adotou “A voz do dono”, agregada ao símbolo do cachorrinho, para
funcionar como unidade visual de seus anúncios; Cerveja Continental ficou conhecida
como “a marca que por si se impõe”; Saphrol era o “poderoso tônico dos pulmões”;
Seguros Sul América propagava seu serviço “firme como Pão de Açúcar”; Casa Masson
se distinguia por ser “a casa dos presentes finos”; Casa Seabra era procurada por vender
“calçados de alto luxo”; Royal Briar ficou famoso como “o perfume que deixa
saudades”, e o Baton Colgate, por divulgar por longos anos seu slogan, “o coração bate
com Baton Colgate”.
A Clarim foi a primeira agência a organizar um laboratório fotográfico, em
que se destacava Zygmund Haar, realizando experiências novas em fotografia, com
desenhos de Nelson Boeira Faedrich. Zygmund e seu irmão Leopoldo criaram, na
18 Entrevista com a filha de Julio Costa, Julisa Costa Linck, em agosto de 2000.
Livraria do Globo, vitrinas com modernos leiautes, construindo belos cenários em
papier maché. Realizaram obras originais que eram admiradas pelas pessoas que
desfilavam pela Rua da Praia, em elegantes vestidos, num ritual coletivo de sedução,
pois na década de 30 o comparecimento diário ou semanal à Rua da Praia era condição
básica para quem quisesse existir socialmente, como se observa em um artigo do Diário
de Notícias:
Hoje é o grande dia mundano da rua da Praia – o dia da moda, como é chamado. Vê-la das quatro horas da tarde em diante, é ver a formosura feminina da cidade agitar-se no 'trottoir', é vê-la surgir nas faceirices de suas 'toilettes', caras ou econômicas (...). Em seguida, a onda dos cortejadores que, estacionados nas esquinas, nas portas, nas ‘vitrines’, assistem ao elegante desfilar dessas criaturinhas gentis, que tão amavelmente sabem distribuir o olhar e o sorriso19.
Uma vitrina original, então constituía estratégia de vendas de grande
eficácia como espaço de comunicação e de permuta de valores, pois o produto exposto
era apreciado por um grande número de pessoas que circulava pela Rua da Praia. Para o
lançamento do livro “O esqueleto no festim”, da Coleção Amarela, por exemplo, a
equipe da Clarim expôs um esqueleto, causando muitos comentários na cidade, sendo
que alguns viram no esqueleto, os restos de parentes seus, obrigando a Livraria do
Globo a mudar o tema da vitrina. Outro cenário que chamou atenção e suscitou muitos
comentários foi a colocação de um livro gigante, reproduzindo a capa de “Saga”, de
Érico Veríssimo, ocupando todo espaço da vitrina.
Baudrillard (1973), ao comentar a importância da vitrina nas práticas
urbanas consumidoras, afirma que elas estabelecem uma comunicação não tanto dos
indivíduos com os objetos, mas dos indivíduos entre si, ao contemplarem os objetos e
reconhecerem os valores que representam na sociedade.
Apesar do crescimento e modernização da Rua da Praia, nem todos os
comerciantes ali instalados mostraram-se abertos para as novas formas de fazer
publicidade, adotando ainda costumes provincianos, como mostra um artigo da RG20,
criticando o fato de as vitrinas serem apagadas e fechadas ao cair da tarde, deixando a
cidade com um aspecto desolador, quando muitas pessoas ainda passeavam pela Rua da
Praia para olhar as novidades das lojas. Salienta o artigo, que:
19 A cidade. Diário de Notícias, Porto Alegre, 24/06/1925, p.3.20 RG n.29, de 15/03/1930, capa IV.
Em todos os lugares de certa importância em que o comércio adiantado adote a moderna propaganda como um meio de promover o aumento dos negócios, todas as casas situadas no perímetro central dedicam esforços apreciáveis e montam as mais vistosas vitrinas, arrumadas com arte, conservando-as iluminadas até alta-noite.
A eclosão da Revolução de 30, que afetou a economia do país, não fez
decrescer os anunciantes da RG, uma vez que o setor da publicidade viveu dias
movimentados, com o aparecimento de grandes organizações comerciais com novos
produtos para a higiene e beleza da mulher, embora os que veiculassem classificados e
anúncios de medicamentos continuassem na liderança, “com vendas em todas as
pharmacias e drogarias do Brasil”.
O Rádio ensinou novas formas de comunicar que atingiam, também, um
público não-letrado, alcançando grande sucesso com sua maneira coloquial de anunciar
que mantinha uma relação mais direta com os interlocutores. Anunciantes como
Colgate, Palmolive, Gessy, Lever, Kolynos, logo entraram no mundo do espetáculo no
Brasil, patrocinando programas de rádio e usando suas estrelas em anúncios, com
depoimentos sobre os benefícios do produto. Empresas de rádio anunciavam nas
páginas da RG, já nos anos 30, como a Rádio Difusora, “a onda alegre da cidade” 21. Em
1938, a RG publica uma reportagem sobre a televisão informando que nos estúdios de
Alexandra Palace, em Londres, já se realizavam testes de transmissão de televisão,
pelos sistemas Marconi e Bair, sempre com ótimos resultados, podendo “uma pessoa
muito descansada, em sua casa assistir a eles, vendo e ouvindo”22.
Alguns anunciantes já faziam, na década de 30, tentativas de interação com
o leitor em promoções de venda, oferecendo folhetos explicativos sobre o produto,
livros de receita de cozinha ou de trabalhos manuais, bem como a distribuição de
amostras do produto para o leitor que preenchesse os dados dos cupons colocados à
margem do anúncio. Esses cupons constituem as primeiras tentativas de julgar a eficácia
das campanhas em termos de resposta do cliente, ou recall e se manifesta no momento
que o leitor recorta o cupom, preenche os dados e coloca no correio, envolvendo-se com
a marca do produto em vários outros momentos além da leitura do anúncio.
Os primeiros anunciantes da RG a utilizar tal processo foram Sarowal,
Dagelle, Tintura Fleury, Creme Procutol de Santa Catarina, Maisena Duryea, 21 RG n.165, de 20/07/1935, p.27.22 RG n.242, de 21/12/1938, p.89.
Companhia de Seguros São Paulo, Máquinas de Costura Singer, Hormo-Vivos, Clube
do Livro sendo seguidos por outros como Modess, Lãs Sams, Baton Tangee, Curso de
Contabilidade do Instituto Universal, Pond’s, Livraria José Olympio, etc. Já os
anunciantes de cremes ofereciam folhetos de orientação sobre os cuidados com a pele,
bem como amostras do produto, que eram entregues em casa, por reembolso postal.
Outros anunciantes que realizavam a venda de produtos por reembolso
postal, colocavam também, à margem do anúncio, um cupom para ser preenchido com
os dados do leitor e a forma de pagamento. A própria RG oferecia assinatura por
reembolso postal, em 1929. Esse tipo de transação também foi utilizado pelo Baton
Tangee, na venda de um estojo de maquilagem em quatro cores e pela empresa M. T.
Rosemberg, instalada no Rio de Janeiro, que vendia jóias a serem pagas “por vale
postal, registrado com valor declarado ou ordem bancária e entregue na casa do
cliente”.23
Essa interatividade com o leitor era inovadora na publicidade e favorecia a
organização de um cadastro com os dados dos clientes, para futuros contatos e vendas.
Hopkins24 (1997) afirmava que o leitor, ao ler um anúncio, podia desviar sua atenção
para olhar uma fotografia ou para absorver-se com um conto, que aparecia ao lado na
revista. Por isso, o anunciante de reembolso postal, tendo conhecimento dessa distração
através de testes realizados, insere um “cupom-lembrete” para ser recortado, motivando
o leitor a uma ação de compra. “Os resultados provam que esses anúncios são os
melhores vendedores que tais ramos de negócio já descobriram e dão lucro” (p.14).
Entre os anunciantes que ofereciam amostras de produto está o Baton
Niura25, sempre que o leitor enviasse o cupom preenchido ao endereço anunciado. O pó
de arroz Air Spun da Coty26 ofertava uma embalagem reduzida do produto a quem
escrevesse para a empresa, o mesmo fazendo a empresa Johnson & Johnson, que
enviava uma amostra do creme Pond’s ao leitor interessado. Já o anunciante Paulo
Diamant27, fabricante gaúcho de bolsas, botas, carteiras, sapatos, cintos, colou um
pedaço de couro, tingido de azul, no anúncio, para o leitor sentir a textura do material
23 RG n.390, de 14/07/1945, p.15.24 O autor escreveu este livro em 1923 e R. Reeves publicou-o quinze anos depois, tendo mais de doze edições. Seus ensinamentos foram logo adotados pelos homens que trabalhavam em publicidade.25 RG n.225, de 29/1/1938, p.71.26 RG n.468, de 24/07/1948, p.19.27 RG n.151, de 12/12/1934, p.166.
dos artigos fabricados pela empresa criando nele “uma atmosfera de respeito, um
desejo, uma expectativa” (HOPKINS, 1997,94).
Avançando na técnica, a publicidade na RG mostrava as primeiras
promoções de venda sob a forma de “compras casadas”, cujos anúncios ofereciam um
creme dental Colgate de brinde, na compra de dois sabonetes Palmolive28.
O início da Segunda Guerra Mundial não chegou a afugentar os anunciantes
da RG, mas a falta de papel a obrigou a adiar edições de fascículos já em abril de 1940,
uma vez que os fornecedores eram alemães. De qualquer forma, a publicidade viveu um
período paradoxal, com anunciantes voltados, de forma dominante, para o esforço
bélico, como aconteceu com a Companhia Energia Elétrica Rio-Grandense, que realizou
várias campanhas diretas de combate ao nazismo, imprimindo no anúncio um logotipo
de incentivo à compra de bônus de guerra e apelando para “o cuidado com o que você
vê, ouve e fala, pois a “Quinta Coluna” trabalha contra o Brasil”29.
A empresa americana Esso exaltava o fato de o continente ser o único que
ainda não ouvira o estrondo de uma bomba de guerra, pois “somente nas Américas,
bomba ainda é símbolo de progresso e paz – a bomba de gasolina”30. Também o vinho
Silva Araújo, em longas campanhas, propagava a homens e mulheres que “só sendo
forte, você poderá formar ao lado dos fortes”. Já Meias Lobo avisava a seus clientes,
que a produção não poderia ser aumentada sem a perda da qualidade do produto, assim
“limite-se a comprar somente o necessário, para que o maior número de consumidores
possa ser servido”31. A Livraria do Globo, ciente dos problemas enfrentados para a
importação de máquinas de escrever Royal32, orientava o leitor sobre os cuidados que
deveria ter para a conservação do produto, mas em caso de avarias mais sérias, “mande
proceder a uma reconstrução geral com substituição das peças desgastadas”. É possível
observar como a publicidade modifica as diretrizes adotadas em situação normal de
venda, quando se defronta com fatos graves que inibem a produção, como uma guerra
mundial.
28 RG n.258, de 26/08/1939, p.6.29 RG n.329, de 01/11/1942, p.49.30 RG n.361, de 06/05/1944, p.49.31 RG n.402 ,de 12/01/1942, p.11.32 RG n.361, de 22/04/1944, capa IV.
Em 1941, a RG publica um artigo de Aldous Huxley sobre “A difícil arte de
escrever um anúncio”,33 afirmando que é mais fácil escrever dez sonetos
suficientemente bons para satisfazer um crítico pouco exigente, do que escrever um
único anúncio para induzir milhares de pessoas a comprar um produto, pois o poeta ao
escrever um soneto pensa em si mesmo e o publicitário deve pensar em muitas pessoas
diferentes dele e que vão ler o anúncio. Diz o escritor, que “os redatores de anúncios,
não podem ser líricos, obscuros ou esotéricos, e sim universalmente inteligíveis, usando
da elegância e distinção para anunciar um produto”. Por isso, o anúncio deve ser
compreensível e influir diretamente no comprador, ao mesmo tempo em que apresenta a
concisão de um epigrama, “constituindo-se enfim numa das formas literárias mais
rebeldes”. Afirma também, ser necessário que o estilo e as idéias sejam suficientemente
lúcidas e simples para que todos compreendam a mensagem. Por esse motivo, na sua
opinião ninguém deveria vangloriar-se de sua faculdade de encontrar “a palavra exata
ou de seu estilo alinhado, se não tentou escrever um anúncio para um produto de que o
público não necessita e que é preciso convencê-lo a comprar”.
A publicidade começou a perder seu caráter romântico nos anos que se
seguiram ao pós-guerra e passou a ser vista pelos críticos como um grande negócio,
substituindo os elementos educativos e poéticos por estratégias de vendas.A política dos
anos 50 levou a Globo a enfrentar problemas financeiros até 1967, o que inclui o
fechamento da “Clarim” e da RG, que não conseguiu ajustar-se à publicação de novas
revistas de grande tiragem, editadas pela Editora Abril, de São Paulo e da Editora
Bloch, do Rio de Janeiro. Outra tentativa de adequação aos novos tempos aconteceu em
1957, quando a RG modificou-se radicalmente, colocando gente jovem na redação,
trabalhando com novos temas em reportagens e artigos, realizando experiências
pioneiras, também em fotografia. Apesar disso, a RG sobreviveu até fevereiro de 1967,
declinando lenta e definitivamente, sem condições de acompanhar a onda de
modernização que atingia o jornalismo brasileiro.
Entretanto, coube à RG a função de tornar pública a existência de
determinados produtos, marcas e serviços, despertando o desejo em seus leitores para os
objetos que anunciava, tornando-se assim, um espaço privilegiado de divulgação das
novidades do mercado brasileiro.
33 RG n.301, de 09/08/1941, p.6.
BIBLIOGRAFIA
BERTASO, José Otávio. A Globo da Rua da Praia. São Paulo: Globo, 1993.
CADERNO DA ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE PROPAGANDA. Episódios da propaganda gaúcha até o final da década de 50, n.1.
EMOÇÕES MASSON – as emoções através do relógio. Edição especial comemorativa dos 130 anos Masson, Porto Alegre: Observatório Editorias, 2001.
GOMES, Leonardo Menna Barreto. Ernest Zeuner: artista & designer. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Comunicação Social, PUCRS, 2001.
LESSA, Barbosa. Relatório da Diretoria – 100 anos: 1883 – 1993. Porto Alegre: Globo, 1993.
O TALENTO nosso de cada dia. Entrevista com Júlio Costa. Jornal do Meio, dez 1986.
PEREZ, J.T. (Org.). Porto Alegre por dentro e por fora. Visão panorâmica da capital do Estado do Rio Grande do Sul; sua vida e potencial econômico; retrato da cidade. Porto Alegre: Continente, s.d.
RAMOS, Ricardo. Do reclame à comunicação. São Paulo: Atual, 1985.
RUSCHEL, Nilo. Rua da Praia. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1971, s.d.
SCARINCI, Carlos. Os primeiros gravadores gaúchos. Correio do Povo, Porto Alegre, 23 de fevereiro de 1980, p. 13
VERÍSSIMO, Érico. Um certo Henrique Bertaso. Porto Alegre: Globo, 1972.