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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Carlos Casanova Junior A Pátria de Chuteiras Um estudo da produção de sentido da marca Nike no Brasil Mestrado em Comunicação e Semiótica São Paulo 2013

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Carlos Casanova Junior

A Pátria de Chuteiras

Um estudo da produção de sentido da marca Nike no Brasil

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo

2013

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Carlos Casanova Junior

A Pátria de Chuteiras

Um estudo da produção de sentido da marca Nike no Brasil

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica, sob a orientação do Professor Doutor Oscar Cesarotto.

São Paulo

2013

Carlos Casanova Junior

A Pátria de Chuteiras

Um Estudo da Produção de Sentido da Marca Nike no Brasil

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Aprovado em: _____________

Banca Examinadora

Prof. Dr. Oscar Cesarotto (Orientador) Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________

Para Rafael Lopes Casanova e

Kelly Lopes Casanova Os melhores sonhos da minha vida.

AGRADECIMENTO

Esta dissertação reflete um sonho antigo. Daquele que se sonha

acordado, e do qual não se quer acordar. Este trabalho que agora se inicia é a

parte final deste sonho. E se o realizei, foi por intermédio de algumas pessoas,

sem as quais esta dissertação não poderia se iniciar. Em princípio, agradeço a

Deus, por ter dado o dom da vida e ter colocado nela pessoas que sempre

abençoaram o meu caminho.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Oscar Cesarotto, por ter

sempre acreditado em meu potencial, quando, muitas vezes, nem eu mesmo

acreditava, Com suas sábias palavras, o seu leve sotaque argentino e o seu

desenvolvimento intelectual, ampliou minha concepção de vida acadêmica e

me fez mergulhar em outras águas. Obrigado, mais uma vez, por esta parceria.

Agradeço aos professores do programa de pós-graduação em

Comunicação e Semiótica por terem contribuído para o amadurecimento desse

estudo, Ana Claudia Mei, Arlindo Machado, Amálio Pinheiro. Em especial,

Profa. Dra. Lúcia Santaella por todas as aulas inspiradoras. Agradeço também

à Cida Bueno, secretária do programa, que durante o curso, sempre nos

recebeu com muito carinho.

Não é fácil conciliar a vida profissional, os estudos e a família. Por

este motivo, sou grato aos meus chefes e amigos de trabalho que

compreenderam o meu percurso e não fizeram do meu sonho um pesadelo.

Agradeço à minha família - mãe, pai (em memória), irmãs, cunhados,

sobrinhos, primos, tias e tios - por partilharem comigo um pouco de suas vidas

e transmitirem sempre palavras de otimismo.

Em especial, agradeço à minha esposa, por sonhar e acordar

todos os dias ao meu lado. Por embarcar comigo em sonhos, acordar em

pesadelos, mudar as possibilidades e me ajudar a sonhar novamente. Sem

você, muito provavelmente, desistiria. Mas ao seu lado, renovo as minhas

esperanças pela perseverança na vida que aprendemos juntos a ter. Te amo.

6

RESUMO

Esta dissertação investiga como as personalidades endossam a marca Nike representada por meio dos filmes publicitários veiculados em duas Copas do Mundo: 1994 e 2010. Trata-se de um estudo semiótico dos filmes publicitários apresentados pela organização dos jogos às vésperas dos campeonatos mundiais. Foram analisados os signos publicitários utilizados para representar, traduzir e sensibilizar o público-alvo em torno da marca e as representações do futebol. Para isso, observadas as características das linguagens verbais e visuais, buscando identificar os elementos comuns; ou seja, imagens, mensagens, apelos, ideias, valores e sintomas culturais que se materializam nos anúncios e proporcionam trocas simbólicas com o seu público consumidor. Para enriquecer as análises semióticas, foram montados dois grupos de discussão para aprofundar as questões relacionadas à marca e ao futebol. A partir daí surgiram novas abordagens e, por esse motivo, foram incorporadas linhas da semiótica a fim de responder aos questionamentos propostos. Perez, Lencastre e Côrte-Real contribuíram como fontes para elucidar as questões relacionadas à marca, visando mapear como ocorre a construção de vínculos emocionais e afetivos que vão além das funções de identidade e diferenciação propostas, em princípio, para a marca. Como complemento do percurso de análise foi incorporada a semiótica psicanalítica, para aprofundar a relação do consumidor com a marca. A dissertação inicia-se com uma pesquisa bibliográfica relacionada ao futebol, em especial, sobre a presença do Brasil nas Copas do Mundo e tem por objetivo analisar como as Copas são recebidas pelos expectadores e de que forma alavancam a comunicação da marca de materiais esportivos. Em capítulo específico foi discutido o papel da marca, partindo da sua origem até chegar aos conceitos de marca pós-moderna, descritos por Semprini. Palavras-chave: Publicidade. Nike. Personagem. Semiótica. Semiótica Psicanalítica. Marca.

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ABSTRACT This dissertation investigates how the personalities endorse the Nike brand represented through the commercials aired in two World Cups in 1994 and 2010. It is a semiotic study of advertising films presented by the organization on the eve of the world championships. Our objectives were to analyze the advertising signs used to represent, translate and sensitize the audience around the brand and the representations of football. For this, we analyze the characteristics of verbal and visual, in order to identify the common elements, ie, images, messages , calls , as well as ideas , values and cultural symptoms that materialize on the ads and provide symbolic exchanges with its consumers . For the enrichment of semiotic analysis, we set up two discussion groups for deepening issues related brand and football. With the two new groups emerged and questions, for this reason, we had to incorporate lines of semiotics in order to answer the questions that were posed. Thus, we seek contributions of Perez, Lancaster and Corte- Real, a source to elucidate the issues related to the brand, aimed at mapping occurs as building emotional ties and affective functions that go beyond identity and differentiation proposals, in principle, to the brand. And supplemental path analysis was incorporated psychoanalytic semiotics to deepen the consumer's relationship with the brand. The dissertation begins with a literature search related to football, especially the presence of Brazil in World Cups. This study aims to analyze how the tournaments are received by the audience and how they leverage communication of brand sporting goods. Following a chapter mark sought to discuss their role, party from its origin to the concepts of brand postmodern described by Semprini.

Keywords: Advertising. Nike. Character. Semiotics. Psychoanalytic Semiotics. Brand

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mandingas do futebol - J. Borges .................................................... 25

Figura 2 - Dimensão do espaço social da marca ............................................. 35

Figura 3 - Dupla leitura da manifestação da marca ........................................ 400

Figura 4 - Significação e contexto .................................................................... 42

Figura 6 - Modelos de análise semiótica para Marca ....................................... 56

Figura 7 - Modelo de análise semiótica psicanalítica ....................................... 62

Figura 8 - Junção das metodologias ................................................................ 63

Figura 9 - Gráfico: Numeração das chuteiras x número de modelos disponíveis

– Fonte Centauro ............................................................................................. 76

Figura 9 - No ângulo ......................................................................................... 82

Figura 10 - A sombra ........................................................................................ 82

Figura 11 - O gol .............................................................................................. 83

Figura 12 - Sem chances ................................................................................. 83

Figura 13 - A maior felicidade........................................................................... 84

Figura 14 - O iluminado .................................................................................... 84

Figura 15 - Ousadia e alegria ........................................................................... 84

Figura 16 - Paixão ............................................................................................ 85

Figura 17 - Tem que ser top ............................................................................. 85

Figura 18 - O sucesso que aproxima ............................................................... 86

Figura 19 - Chega de aluguel ........................................................................... 86

Figura 20 - Sonho no quintal ............................................................................ 87

Figura 21 - A família perfeita ............................................................................ 87

Figura 22 - Possibilidades ................................................................................ 88

Figura 23 - Modelos de chuteiras ..................................................................... 93

Figura 24 - Mizuno Hulk ................................................................................... 95

Figura 25 – Adidas Oriente .............................................................................. 95

Figura 26 - Adidas Robô .................................................................................. 95

Figura 27 - Adidas Kaká ................................................................................... 96

Figura 28 - Arte Puma ...................................................................................... 96

Figura 29 - Nike Campo ................................................................................... 96

Figura 30 - Escreva o Futuro C. Ronaldo ......................................................... 97

Figura 31 - Escreva o Futuro - Wayne ............................................................. 63

9

Figura 32 - Neymar .......................................................................................... 97

Figura 33 - Fenômeno ...................................................................................... 98

Figura 34 - Wayne - Just do It .......................................................................... 98

Figura 35 - Ronaldinho Gaúcho ....................................................................... 98

Figura 36 - Adidas + 10 .................................................................................... 99

Figura 37 - Junção das metodologias .............................................................. 63

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12 1 FUTEBOL BRASILEIRO – ENTRE A PAIXÃO E A RAZÃO 17 1.1 A história contada das Copas 21 1.2 A história vivida das Copas 23 2 O CONTEXTO DAS MARCAS 27 2.1 Momentos da Marca no século XX 31 2.2 Pré-definição de marca 33 2.3 A marca contemporânea segundo Semprini 34 2.4 Dimensão do Espaço Social da Marca – Consumo 35 2.5 Dimensão do espaço social da marca – Comunicação: 37 2.6 Dimensão do Espaço Social da Marca - Economia 37 2.7 O conceito de marca 38 2.8 Identidade da Marca 39 2.9 Valores da Marca 41 3 A SEMIÓTICA E O SEU DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO 44 3.1 Semiótica Peirceana 44 3.2 A Obra de Peirce 44 3.3 O Signo como Signo 47 3.4 As propriedades do signo 48 3.5 Os Interpretantes do Signo 49 3.6 Percurso para análise semiótica 50 3.7.1 A interlocução da semiótica com o marketing 50 3.7.2 A Interlocução da Semiótica 50 3.7.3 O triângulo da marca e a Branding Myopia 51 3.7.4 Identidade da marca 52 3.7.5 Marketing Mix 54 3.7.6 Mercado 55 3.8 A interlocução da semiótica com a psicanálise 57 3.8.1 A Psicanálise e a sua aproximação com a Semiótica 57 3.8.2 O Imaginário 57 3.8.3 O Estágio do Espelho 59 3.8.4 O Real 60 3.8.5 O Simbólico 61 3.8.6 Modelo de análise – Semiótica Psicanalítica 62 3.9 A junção das metodologias semióticas 62 3.9.1. A junção das metodologias 62 4 ESTUDO DA EXPRESSIVIDADE DA MARCA NIKE 65 4.1 Do projeto de conclusão de curso ao faturamento de 16 bilhões de dólares por ano 65 4.2 Campanhas que Fizeram História 66 4.3 Investimentos 67 4.4 O valor monetário da marca 68 4.5 O uso das celebridades como estratégia para a marca 68 4.6 Credibilidade 70

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4.7 Seleção da Celebridade 71 4.8 Não se Contradizer no Tempo 72 4.9 Material para análise 72 4.10 Pesquisa qualitativa 74 4.11 O público pesquisado 75 4.12 Roteiro de discussão 78 4.13 Análise dos Grupos 79 4.13.1 O significado de ser jogador de futebol 79 4.13.2 Desenhos de autoimagem 81 4.13.3 Como eu me sentiria como jogador de futebol 85 4.13.4 Síntese dos desenhos 88 4.13.5 Percepção do produto 92 4.13.6 Campanhas reprovadas 94 4.13.7 Campanhas aprovadas 97 4.13.8 Análise dos filmes 99 5 ANÁLISES DAS CAMPANHAS 101 5.1 Face da significação da campanha de 1994 102 5.2 O mix de identidade da marca Nike no filme de 1994 105 5.3 O imaginário no filme de 1994 106 5.4 Face das referencias da campanha de 1994 107 5.5 O Marketing Mix da Nike 1995 108 5.6 O Real do filme de 1994 109 5.7 Face da interpretação da campanha de 1994 110 5.8 O mix de image da campanha de 1994 112 5.9 O simbólico da campanha de 1994 112 5.10 A campanha Escreva o Futuro - 2010 114 5.10.1 A face da significação da campanha Escreva o Futuro 114 5.10.2 - O mix de image do filme Escreva o Futuro 119 5.10. 3 O imaginário do filme do filme Escreva o Futuro 119 5.10.4 A face da referência do filme Escreva o Futuro 121 5.10.5 O marketing mix do filme Escreva o Futuro 122 5.10.6 O real do filme Escreva o Futuro 123 5.10.7 A face da interpretação do filme Escreva o Futuro 124 5.10.8 O mix de image do filme Escreva o Futuro 125 5.10.9O simbólico do filme: Escreva o Futuro 126 CONCLUSÃO 128 ANEXOS ANEXO 1 – Filme: Nike 1994 ANEXO 2 – Filme : Nike 2010 ANEXO 3 – Roteiro de discussão em grupo

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INTRODUÇÃO

Não há dúvidas de que o futebol é uma paixão de grande parte

dos brasileiros, ocupando portanto uma privilegiada posição nas mídias ao

conectar milhares de pessoas ao redor do mundo, por meio de disputas em

torneios mundiais, continentais, nacionais, estaduais e regionais. A sua prática,

nascida nos campos de várzea ou periféricas, não requer grandes

investimentos. Basta uma bola e pessoas com vontade de praticá-lo.

Os jogos disputados por intermédio dos clubes não acabam com

o apito final do árbitro. Eles continuam nas mesas dos bares, nas conversas de

esquinas, nas redes sociais, nos jornais do dia seguinte e nas telas dos

televisores. São debates sobre jogadas, faltas, expulsões, que direta ou

indiretamente interferiram no desenrolar da partida.

Alguns têm no esporte uma forma de hobby, outros o enxergam

como uma esperança de ascensão social e há quem o veja pelo prazer de

assistir e torcer pela sua equipe nos campeonatos disputados. Há torcedores

que veem o futebol como uma manifestação cultural, outros, como uma

maneira de conectar pessoas; por fim, há quem demonstre, a partir do futebol

exibido pelo seu clube, o fanatismo como uma espécie de religião ortodoxa. No

entanto, este é o mesmo esporte, disputado a partir de regras e com uma bola

em torno da emoção e da frustração.

Acredita-se que o futebol tenha nascido na Inglaterra no século

XVII. No entanto, Borelli (2012, p.13) aponta um outro caminho:

Historiadores encontraram vestígios do jogo de bola em culturas muito antigas, como China e Roma (HELMER AND OWENS, 2000). Os mais remotos datam 3000 A.C. (antes de Cristo), encontrados na China. Os militares locais faziam seus treinos de rotina formando equipes para chutar a cabeça dos soldados inimigos, que com o tempo, foram substituídas por bolas de couro revestidas com cabelo. Eram oito jogadores para cada lado, com o objetivo de chutar a “bola-cabeça” de pé em pé até uma demarcação feita por duas estacas cravadas no chão e ligadas por um fio de cera.

O esporte em sua origem era muito diferente dos padrões

regulamentados na contemporaneidade. Por ser um esporte simples, bastando

jogadores, traves e uma bola, difundiu-se rapidamente possibilitando que

homens, mulheres, adultos ou crianças o praticassem cotidianamente. No

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Brasil, é o esporte mais praticado. Grupos de amigos, numa espécie de

tradição, se encontram para “bater uma bola”, ao menos uma vez por semana.

Os mais fanáticos participam de duas ou três equipes pelas quais suam a

camisa em busca de gols.

Por volta do século XVII, o futebol chegou à Inglaterra, onde foram

definidas as primeiras regras, entre elas as dimensões do campo e as

especificações técnicas da bola (CAPINUSSÚ, 1996).

Em seu primórdio, este esporte era praticado em campos de terra e

em gramados. Com o passar dos anos, sentiu-se a necessidade do uso de um

calçado especial que mantivesse a integridade dos pés dos usuários e

fornecesse mais estabilidade aos atletas quando da prática em gramados.

Foi então que o rei britânico Henry VIII, em 1525, deu início a

criação de chuteiras, ao pedir ao seu sapateiro um par especial para a prática

do que era, até então, o antecessor do futebol conhecido atualmente.

No futebol profissional as regras são claras, não exigem muito

esforço para a sua interpretação. A figura do juiz em campo tem como função

tornar o esporte uma prática justa, disputada entre iguais, no qual a regra vale

para todos. Dentre as inúmeras regras aplicadas ao futebol, uma nos chama a

atenção – a de que o esporte só pode ser disputado profissionalmente com o

uso de calçados. Segundo Coelho (2002, p.174):

A regra diz que o jogador necessariamente usará um calçado, não especificando o tipo (não precisa ser uma chuteira). A propósito, vale citar que, na Copa de 1938, no jogo Brasil e Polônia, chovia muito e o campo se transformara num verdadeiro lamaçal. Foi quando Leônidas da Silva resolveu jogar descalço, mas o árbitro obrigou-o a calçar as chuteiras novamente, sob pena de ser expulso.

Com o passar dos anos, as chuteiras se modernizaram e

ganharam cravos. Este novo modelo então se tornou obrigatório no

desenvolvimento da modalidade. Muito além de ser somente uma ferramenta

para o desenvolvimento esportivo, as chuteiras movimentam o investimento

tecnológico e financeiro por parte de diversas marcas. E dentre as que mais

investem neste tipo de produto temos a Nike, uma empresa mundialmente

conhecida pelo desenvolvimento de materiais esportivos.

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A Nike, mais do que pelo desenvolvimento de novos produtos, é

exaltada pela sua comunicação junto ao consumidor. Suas estratégias e filmes

publicitários são admirados por praticantes de futebol, vôlei, atletismo,

nadadores, esportistas e sedentários. A marca é unânime do ponto de vista da

comunicação.

Mundialmente conhecida, está sempre relacionada a grandes

nomes do esporte e a importantes times, seleções e eventos esportivos. Desde

o seu surgimento, conseguiu não só uma privilegiada posição comercial

(quantidade de produtos vendidos e capital financeiro), como sempre se

manteve como uma das marcas preferidas pelos consumidores. O fato pode

ser comprovado por inúmeras pesquisas realizadas pela Interbrand e outras

consultorias de marca como, por exemplo, a da consultoria Qualibest que

comprovou ser a Nike a marca mais lembrada do país em 2010.

Sem nenhum tipo de estímulo, as marcas mais lembradas pelos brasileiros são a Nike (44%), a Coca-Cola (33%), a Adidas (26%) e a Brahma (19%), de acordo com o Instituto QualiBest, em pesquisa nacional sobre marcas relacionadas à Copa do Mundo. Porém, quando estimulados com opções de marcas e produtos associados à Copa do Mundo, os internautas elegeram a Coca-Cola como primeira do ranking, com 67% das escolhas. Na sequência, destacaram-se as marcas Nike (58%), Adidas (42%) e Brahma (41%).

1

Além dos tênis (produto de maior comercialização), a Nike

comercializa bolas, chuteiras, chinelos, peças de roupas e uma infinidade de

outros produtos esportivos.

“Estrelas” do basquete, do futebol, do vôlei, do atletismo e de

outras inúmeras modalidades esportivas, sempre aparecem na mídia, com o

nome Nike estampado em uniformes, tênis ou bonés, evidenciando uma clara

estratégia de uso de celebridades esportivas como endosso de qualidade e

credibilidade.

Um estudo realizado pela Ilumeo, entre 2008 e 2010, apontou que 25% das campanhas veiculadas no Brasil utilizavam celebridades, o que, por si só revela a importância do assunto. A maioria das campanhas foi veiculada pelas maiores

1 Disponível em:

http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201006082109_IVN_250224. Acesso em: 10 out. 2011

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empresas do Brasil, com as maiores verbas de marketing em seus respectivos setores, impactando significativamente não só o consumidor, mas sociedade em geral, no que diz respeito à exposição de suas marcas e produtos. (FREIRE e SENISE, 2011, p.220)

Nesta perspectiva, esta dissertação tem como objetivo analisar de

que forma a Nike apresenta suas campanhas ao público. Em específico, como

corpus para análise teremos dois filmes publicitários (1994 e 2010) e alguns

anúncios impressos veiculados para promover as chuteiras desenvolvidas pela

marca em vésperas de Copa do Mundo nos anos de 1994 e 2010.

Assim realizaremos um percurso explorando as questões

relacionadas à marca, semiótica (peirceana) e à psicanálise (lacaniana), pois a

nosso ver, estas são as bases para entendermos como a Nike produz sentido

na mente dos consumidores brasileiros. A nossa hipótese é de que o endosso

dos jogadores para com a marca tem um papel determinante na escolha do

produto pelos consumidores. Para tanto, avaliaremos pesquisas qualitativas e

análises semióticas.

O discurso publicitário é uma forma de categorizar, classificar, hierarquizar e ordenar tanto o mundo material quanto as relações entre as pessoas, por meio do consumo [...] De fato, cada anúncio vende estilos de vida, sentimento, visões de mundo, em porções generosamente maiores do que carros, roupas ou brinquedos. (ROCHA, 2006, p.50)

O primeiro capítulo do nosso estudo buscará pontuar a relação do

futebol com o torcedor. A história contada e a história vivida das copas, além

dos dramas e anseios narrados pelos torcedores.

O segundo capítulo apresentará algumas questões relacionadas à

marca de forma mais ampla. Partiremos da história do termo marca,

seguiremos pelas suas definições ao longo do tempo até a contemporaneidade

para alcançarmos a identidade da marca.

O terceiro capítulo aborda a semiótica peirceana e tem como

objetivo apresentar parte da obra de Charles Sanders Peirce. Nele serão

tratados a lógica triádica, do signo, e o percurso para a sua aplicação.

Buscaremos apresentar as interlocuções da semiótica com as questões do

marketing. A ideia central é analisar como a semiótica pode ser uma

ferramenta fundamental e adaptável para outras áreas do conhecimento. Neste

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sentido, abordaremos o triângulo da marca e a branding myopia, temas

relacionados à identidade, ao produto, ao mercado em suas esferas central,

efetiva e ampliada.

Em continuidade às interlocuções da semiótica, faremos uma

breve explanação sobre a semiótica psicanalítica para checarmos aos registros

de Lacan (imaginário, real e simbólico), bem como ao estádio do espelho.

No quarto capítulo pretendemos apresentar a expressividade da

marca Nike, além de trazermos à tona a função da personalidade da marca.

Neste capítulo apresentaremos um estudo qualitativo como complemento às

análises semióticas.

Ao final, dedicaremos o quinto para analisarmos os filmes

apresentados pela marca em 1994 e 2010.

17

1 FUTEBOL BRASILEIRO – ENTRE A PAIXÃO E A RAZÃO

Como um esporte pode ser ao mesmo tempo, índice de orgulho,

união, lazer e negócio? Como pode despertar amor e ódio ao mesmo tempo?

Por que faz centenas de milhares de espectadores durante 90 minutos

acompanharem lance por lance, o desenrolar de uma partida que tem, por

objetivo último, colocar uma bola dentro de um quadrado? Ao olharmos de

longe parece fácil ser ídolo da torcida, marcar um gol, viver da fama e do

sucesso do futebol. Mas na prática, sabemos que não é bem assim. Só no

Brasil há aproximadamente 2,1 milhões de jogadores de futebol profissional e

11,2 milhões de jogadores amadores segundo as estimativas do Portal 20142.

Para se destacar e ter uma carreira de sucesso, muitas vezes, o jogador

depende de um lance, uma única chance, para colocar a bola após a linha.

No entanto, nem todos os jogadores têm a premissa de marcar

gols. No futebol de campo, temos os responsáveis por evitá-los como os

goleiros, zagueiros e volantes. No jogo, os armadores, laterais e, é claro, os

atacantes. Identificados por números, o camisa 9 é sempre o atacante (o maior

responsável pelo gol); o camisa 10 é o armador, o “cérebro” do time. Ele pensa

a jogada e a distribuição da bola. Os laterais usam as camisas 6 e 7 e têm a

função de apoiar o ataque e ajudar na defesa. Já os zagueiros, normalmente,

vestem as camisas números 2 e 3, enquanto os volantes têm os números 4 e

6. Os jogadores que atuam no meio de campo ficam com as camisas 8 e 10.

Por fim, o goleiro quase sempre identificado pelo número 1.

Mas não é só o número que identifica o jogador. As cores de cada

time também compõem sua identidade. Quando pensamos em seleções, as

cores podem acompanhar as cores da bandeira do país (como, por exemplo, o

amarelo e o azul, do Brasil; o branco e o azul celeste, da Argentina) ou ainda,

apenas se relacionam com o país. A Itália, por exemplo, usa a cor azul, uma

forma de homenagear a família real. As cores dos uniformes estão quase

sempre entrelaçadas pela composição das cores que qualificam a nação.

Porém, pode ocorrer das seleções terem cores próximas, na mesma partida.

2 Portal voltado para negócios relacionados à Copa do Mundo do Brasil em 2014. Disponível em:

www.portal2014.org.br. Acesso em 10 jun. 2013.

18

Em razão disso, há os jogos reservas de uniformes que trazem também cores

que identifiquem o país de origem.

Ao incorporar as cores dos países de origem e ser representada

por jogadores que têm aquela nacionalidade (foram naturalizados ou têm dupla

cidadania) o time que se apresenta em campo recebe o nome de seleção. Por

meio dos técnicos de futebol, ela busca avaliar os melhores jogares para

representar o país.

Esta observação e, posteriormente a convocação dos jogadores,

recebe inúmeras críticas, pois o futebol desperta paixões e a paixão do

torcedor nasce ao acompanhar e torcer pelo time do seu coração. Assim,

muitas vezes, os técnicos não são compreendidos. O famoso entendimento de

que “no Brasil nos temos 190 milhões de técnicos” evidencia a forma como boa

parte dos brasileiros trata o futebol. Todos têm uma opinião e uma escalação

idealizada que perpassa os jogadores do seu time preferido. Afinal, todos

querem ganhar e sentir o gosto da vitória junto aos craques do seu clube.

Normalmente, o interesse dos brasileiros pelo futebol encontra-se dividido em torno da regionalidade decorrente da torcida por diferentes clubes. Os clubes de futebol simbolizam um pertencimento social com características específicas, demandando dos torcedores uma lealdade por toda a vida ("Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer..."). Muitas vezes, os locutores esportivos se referem à torcida de um clube como "nação" ("nação colorada", "nação rubro-negra" etc., de acordo com as cores do clube), ressaltando este sentido de 'comunidade reunida' em torno do pertencimento afetivo a um grupo, a um sentimento coletivo compartilhado, no caso, mediado pelo 'time do coração'. (GASTALDO, 2001, p.123).

As identificações produzidas a partir dos símbolos patrióticos fez

surgir um sentimento nacionalista. Neste aspecto, o futebol teve muito a

contribuir para aproximar os brasileiros, conforme destaca Helal e Gordon

(2002):

[...] o futebol no Brasil foi um poderoso mecanismo de integração social, de solidificação de uma identidade nacional, além de revelar certas características imaginadas da ‘alma brasileira (2002, p.37).

Essa aproximação e integração do Brasil conforme destacam

inúmeros pesquisadores, dentre eles DAMATTA (1982), LEITE LOPES (1994),

HELAL (1997), fez os brasileiros acreditarem que realmente poderiam vencer

19

as outras nações e serem os melhores nos desafios apresentados. Segundo

Damatta, por meio da integração:

Estado nacional e sociedade e sentir a confiança na nossa capacidade como povo que podia vencer como país moderno, que podia, também, cantar com orgulho seu hino e perder-se emocionado dentro do campo verde da bandeira nacional. (DAMATTA, 1994, p. 17).

A sensação de otimismo, orgulho e emoção aflora com mais força

e vigor em épocas de Copa do Mundo. No entanto, segundo Helal e Soares

(2002), vivemos em uma época de declínio da pátria de chuteiras:

Boa parte do que vem sendo adjetivado como “crise do futebol brasileiro”, presente nas páginas do jornalismo esportivo há mais de duas décadas, e que tem como argumento a queda de público nos estádios, a má situação financeira dos clubes e a carência de craques e ídolos da “época de ouro” (décadas de 50 a 70), talvez esteja profundamente associada a uma perspectiva de reação romântica, que não deixa de ser uma das formas de diálogo com o processo de globalização em curso. Observemos que o futebol brasileiro, ou mais especificamente, o jogador brasileiro que veste a camisa nacional também representa clubes da Europa ou de diferentes partes do mundo, além de representar empresas multinacionais na forma de gerir o capital e a produção. Uma empresa como a Nike, por exemplo, está associada a diferentes seleções nacionais e leva o consumidor a uma espécie de pluri-identificação, pois, identifica-se com a seleção, com o jogador e com a empresa simultaneamente. As marcas empresariais estão amalgamadas com o fenômeno esportivo em nossos dias. Assim, Ronaldinho, por exemplo, é ao mesmo tempo um representante do futebol brasileiro, ídolo de brasileiros, mas também de italianos e agora também de espanhóis. Suas camisas e produtos associados a ele são vendidas em todas as partes do mundo. A televisão transmite em tempo real um jogo do Real Madri para todos os continentes. Esse processo de desterritorialização do ídolo e do futebol, de redefinição de tempo e espaço, cria um novo processo de identificação e tradução das diferentes identidades culturais. (2002, p.4)

Podemos pressupor que o romantismo das décadas de 50 a 70,

exposto por Helal e Soares (2002), não sobreviveu da mesma forma com as

transformações e a globalização dentro e fora dos campos. Também não

acreditamos não haver mais o romance e que ele deva ser descartado. Isto

porque mesmo não atuando no país de origem, os jogadores não deixam de

20

ser brasileiros e este fato parece sobrepor aos demais elencados por Helal e

Soares (2002). O meio campo Deco, por exemplo, atuou por muitos anos no

futebol português e integrou a seleção portuguesa. Hoje está no Brasil e é um

dos ídolos do Fluminense. Mesmo quando jogava pela seleção portuguesa era

um dos grandes craques brasileiros, uma espécie de produto de exportação

que revelava a qualidade do jogador nacional.

Fruto de um projeto de construção da identidade nacional3, desde

os anos 30, o futebol é visto como uma das grandes manifestações culturais.

Neste sentido os meios de comunicação, governos e mediadores culturais

tiveram um papel fundamental para a sua consolidação. Mesmo tendo como

objetivo construir uma identidade nacional a partir das manifestações culturais,

o futebol ocupava menos espaços nos jornais da época. Com a Copa de 50,

sediada no Brasil, os jornais foram “obrigados” a colocá-lo nas capas dos

periódicos já que o assunto circulava em diversos setores sociais (HELAL e

SOARES, 2002, p.4).

O tom atribuído aos noticiários do futebol era acompanhado, na

maioria das vezes, de uma grande carga emocional, algo “quente”, uma forma

de retratar os jogos que partia da excitação que o esporte provoca nas

pessoas. Assim, as denúncias de corrupção, por exemplo, contra a arbitragem,

passavam “despercebidas” pela imprensa, já que poderiam desacreditar o

esporte, conforme aponta Castro (1992), referindo-se a cobertura do jornalista

Mário Filho.

Com um tom emocional por parte da imprensa, o aporte do

governo e o apoio dos mediadores culturais, o futebol ganhava anualmente

mais espaço nos veículos de comunicação e no dia-a-dia da população.

Stuart Hall argumenta que a identidade está profundamente envolvida no processo de representação, ou seja, qualquer mudança nos condicionantes da representação social dos indivíduos tem reflexo na identidade cultural daquele agrupamento. Mais que isso, que essas representações “quase sempre se apoiam nas tradições inventadas que ligam o passado e o presente, em mitos de origem que projetam o presente de volta ao passado, em narrativas de nação que

3 Ver PEREIRA (2001); SOUTO (2002), SOARES (1998; 2001). VIANNA (1995). Todos trabalham com o

conceito de mediadores culturais quando argumentam que os intelectuais modernistas tiveram um papel fundamental na transformação do samba em música nacional. O mesmo podemos pensar em relação ao futebol.

21

conectam o indivíduo a eventos históricos nacionais mais amplos, mais importantes” (HELAL, CABO, SILVA, 2010, p.2).

A partir dessa ótica o futebol torna-se um elemento aglutinador,

conforme defende Ronaldo Helal.

Se pensarmos em termos de simbologia oficial, os símbolos da pátria são: o selo nacional, a bandeira nacional e o hino nacional. Esses três são ilustres desconhecidos para a maioria da população brasileira. Os próprios representantes da nação, como políticos e atletas, muitas vezes ficam visivelmente embaraçados ao ter que entoar o hino nacional por desconhecer a letra. Dentre todos esses fatores, o esporte é notadamente o mais influente elemento de aglutinação de interesses no Brasil. Quando falamos em esporte, estamos falando de futebol, pois no Brasil esporte e futebol são sinônimos. É nítido que os brasileiros ficam mais unidos em torno de um ideal a cada quatro anos. Percebe-se nas ruas uma motivação diferenciada, as cores nacionais estão por toda parte, os indivíduos se unem para tarefas como pintura de ruas, enfeitar as casas, expor em todo canto seu amor pela pátria. Esses eventos são as copas do mundo de futebol, e despertam-nos de nossa catarse coletiva, numa espécie de “nacionalismo cíclico”. Ao contrário dos Estados Unidos, onde existem quatro grandes esportes de massa: hóquei, basquete, baseball e futebol americano, aqui - e quase em todo o mundo - temos o futebol como esporte hegemônico. (2009, p.6-7)

1.1 A história contada das Copas

Em 1904 surgiu a entidade máxima do futebol a Federation

International of Football Association (Fifa), que tem como objetivo regular a

atividade. Fundada pela França, Holanda, Suíça, Espanha, Dinamarca e

Suécia, além de regulamentar a prática do futebol, a entidade pretendia

divulgar o esporte no planeta e realizar torneios mundiais.

O primeiro campeonato internacional só aconteceria em 1930 no

Uruguai e, a partir dessa primeira edição, ficou estipulado que a cada 4 anos

haveria uma nova edição da Copa do Mundo.

A participação brasileira nesta primeira edição da Copa se deu de

forma discreta, muito por conta das divergências estabelecidas entre as

entidades que comandavam as federações paulista e carioca.

Nas duas copas seguintes (1934 e 1938) a Itália foi a campeã do

mundial. Porém, entre 1942 e 1946, a competição foi suspensa em razão da

Segunda Guerra Mundial.

22

Em 1950, o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo. Os

brasileiros ficaram entusiasmados e confiantes no título. Isto porque o futebol já

era uma grande paixão nacional e se firmava como uma intensa manifestação

popular.

O futebol tornou-se uma indústria nacional, no fim da Segunda Guerra Mundial, fortemente regulada pelo governo. Jornais e rádios continuaram a manter sua popularidade. A urbanização produziu uma grande mudança: enquanto a diretoria permanecia no campo sagrado das elites, os associados eram de classe média, que foram atraídos ao clube por suas atividades sociais (bailes de carnaval, restaurantes, piscinas) e pelo status a eles oferecidos pela primeira vez. Os associados passaram de algumas centenas a milhares no início dos anos 40, e uma geração depois o Flamengo tinha 65.000 pessoas e o Corinthians 150.000 associados. O futebol não só afetou espaço para a classe média como afetou muito o público. Despertando interesses, produziu nos grupos o sentido da diversidade dentro das cidades e elos horizontais entre grupos em uma sociedade dominada pelos laços hierárquicos verticais (MEIHY, 1982, p.31)

A Copa do Mundo no Brasil marcou ainda mais este espírito de

patriotismo inflado pelos meios de comunicação e reforçado constantemente

pelos governantes.

Em um mundo onde uma nova configuração internacional bipolar se articulava, para muitos brasileiros a nação precisava demonstrar a força do seu povo e adquirir respeitabilidade perante os outros países. Após a ditadura varguista do Estado Novo, o Brasil do governo Dutra buscava alinhar-se com os interesses dos Estados Unidos e construir internacionalmente a imagem de país soberano e civilizado prestes a integrar a restrita constelação de satélites importantes dentro da periferia norte-americana. (HELAL, CABO, SILVA, 2010, p.11).

Neste sentido, a Copa do Mundo é o futebol ultrapassam em

muito as metas estabelecidas para o jogo. O evento se tornava uma fonte de

popularidade e de integração social. Vencer o campeonato era vencer como

uma nação. E com este propósito, o Brasil ergueu o maior estádio de futebol do

mundo.

A construção do Maracanã tem uma conotação simbólica importantíssima dentro da formação deste discurso de grandiosidade da nação, pois o “Gigante do Derby” como ficou conhecido na época, o maior estádio do mundo, seria construído em menos de dois anos e, segundo a imprensa e as autoridades, demonstraria a nossa capacidade empreendedora para todo o mundo. (HELAL, CABO, SILVA, 2010, p.12).

23

Com uma ótima equipe, o Brasil chegou à final contra o Uruguai

cuja partida teve a presença de aproximadamente 200 mil espectadores. Um

empate já daria o título ao Brasil, mas a celeste olímpica uruguaia conseguiu o

que parecia ser impossível: venceu o Brasil por 2 a 1 e tornou-se campeã. O

Maracanã se calou e o choro tomou conta do país do futebol.

O Brasil sentiria o gosto de erguer a taça pela primeira vez em

1958, na copa disputada na Suécia. Neste ano, apareceu para o mundo,

jogando pela seleção brasileira, aquele que seria o melhor jogador de futebol

de todos os tempos: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

Quatro anos após a conquista na Suécia, o Brasil voltou a provar

o sabor da vitória. Em 1962, no Chile, a seleção brasileira conquistou a taça

pela segunda vez.

Em 1970, no México, com uma equipe formada por excelentes

jogadores (Pelé, Tostão, Rivelino, Carlos Alberto Torres, entre outros), o Brasil

consagrou-se pela terceira vez, campeão do mundo, ao vencer a Itália por 4 a

1. Com a conquista do tricampeão, o Brasil ganhou o direito de ficar

definitivamente com a posse da taça Jules Rimet.

Após o título de 1970, o Brasil permaneceu 24 anos sem

conquistar o título.

1.2 A história vivida das Copas

Nesta etapa da dissertação, peço licença ao leitor para que possa

narrar, em primeira pessoa do singular a minha visão das Copas e do futebol.

A história do futebol não é linear. Na verdade, as curvas se

misturam com a “ginga”, com o “olé”, com o “chapéu” e com o gol, neste caso,

do adversário. Lembremos da Copa do Mundo de 1982. Naquela ocasião havia

uma seleção considerada a melhor de todos os tempos, com craques que até

os adversários reverenciavam. Zico, Sócrates, Junior, formavam o que era a

melhor seleção para a época.

O entusiasmo era geral, partia da mídia impressa, televisiva,

radiofônica até chegar às nossas casas. Com toda aquela agitação, também

fomos escalados a participar da Copa. Porém, nossa participação não se dava

24

dentro das quatro linhas, mas nas ruas, na agitação das bandeiras, em frente

às TVs, com o ouvido colado nos radinhos de pilhas. E assim, fomos.

O pessoal da vizinhança queria também contribuir e demonstrar

todo o seu espírito nacionalista. Começamos então a arrecadar dinheiro para

comprarmos tintas e papel para enfeitarmos a rua. As calçadas foram pintadas

em verde e amarelo, os papéis recortados e montados como bandeirinhas que

cruzavam a rua de fora a fora. Um dos meninos, desenhista de “mão cheia”,

pelo menos para a época, esboçou alguns desenhos dos craques da seleção e

da tão sonhada taça. Com a rua decorada, sentíamos que a nossa parte estava

quase cumprida, só faltava acompanhar os jogos. Tínhamos a certeza que a

nossa seleção seria campeã, mas naquele Brasil e Itália, o sonho acabou.

Saímos de casa após o jogo e um misto de frustração e fúria tomou a todos os

meus amigos e eu. Destruímos as bandeirinhas e ateamos fogo, ali mesmo na

rua, aos olhos dos nossos craques derrotados desenhados no chão. Essa foi a

primeira derrota que sentimos e que marcou as nossas vidas

Com o passar dos anos, aquela lembrança da copa de 82 deu

uma leve adormecida, mas mostrou-se viva durante outras derrotas, afinal, eu

não acompanhei – as conquistas de 1958, 1964 e 1970. Era algo desejado,

mas não tinha ideia do que era aquela felicidade da conquista.

Em 1994 um novo Brasil e Itália se encontravam, só que desta

vez, na final. Eu e meus amigos lembramo-nos daquele fatídico ano de 82 com

a eliminação do Brasil, mas a esperança de derrotá-los nos motivou a

acompanhar o jogo da final em plena Avenida Paulista – não por acaso, centro

comercial e financeiro do país. E para lá fomos. Ao chegarmos deparamo-nos

com uma multidão vibrando à frente de um enorme telão colocado próximo ao

MASP. E quando Baggio errou o último pênalti a vitória foi nossa, pude então,

participar de uma enorme histeria coletiva. Eram beijos e abraços em pessoas

que jamais havíamos visto. Rojões e gritos de “é campeão” com a voz

embargada pelas lágrimas que caíam como se todos os problemas de um país

de terceiro mundo acabasse ali, com aquela bola fora em plena avenida

Paulista.

Com o decorrer dos anos houve outras copas e outras derrotas.

Em 1998, tínhamos também a esperança de erguermos a taça novamente. A

final com a França foi um jogo atípico. Uma noite antes do jogo o nosso

25

principal jogador, Ronaldo “Fenômeno”, teve um “ataque” que até hoje,

encontra-se com certo ar de mistério sobre o assunto. Alguns dizem que foi um

ataque epilético, outros especulam sobre uma conspiração a mando da

empresa patrocinadora da seleção Nike para que a França fosse campeã.

Enfim, para o meu amigo, por exemplo, o que realmente aconteceu, foi que na

hora do jogo ele e a sua namorada discutiram e acabaram assistindo ao jogo

separado e isso foi determinante para a derrota do Brasil. Por essas e outras é

que crendices, simpatias e “Deus é brasileiro” fazem parte do universo do

futebol.

Em 2002, a Copa na Ásia, tinha dois países sede: o Japão e a

Coréia. Esta foi uma Copa de Ouro para o Brasil. Por conta do fuso horário, os

jogos aconteciam de madrugada e o que não faltava eram pessoas se reunindo

para assistir aos jogos tomando cervejas e fazendo churrascos às 8 da manhã.

O Brasil sagrou-se campeão, mas para o meu amigo, só foi porque a sua

namorada permaneceu os 90 minutos ao seu lado.

Nos anos seguintes o casal de amigo se separou e, após este

período, o Brasil não ganhou mais nenhuma copa. Coincidência ou não, no dia

em que eles se reencontraram, por acaso, o país do futebol foi anunciado como

a próxima sede para a copa do mundo de 2014.

O brasileiro é supersticioso, é religioso, é crente, é macumbeiro, nos somos tudo isso. É nesse caldeirão de raças, religião, superstições, são eles que dão o molho para a nação brasileira – dão o molho e alimentam o futebol.

4

Não faltam exemplos

sobre as mandingas e o futebol. As

promessas, os atos repetitivos e as

devoções fazem do futebol um

espaço para o fortalecimento

daquilo que é inexplicável, pois no

futebol nem sempre o que vence é

o que tem a melhor equipe, nem

4 TRAJANO, 2010. Energia da torcida/Energia de todas as torcidas. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=_GsUaXKMtI0. Acesso em: 10 jul.2013

Figura 1 - Mandingas do futebol - J. Borges

26

sempre a bola entra após aquele belo chute. O artista plástico J. Borges

buscou traduzir as mandingas do futebol em xilogravuras. A devoção dos

torcedores aos santos que representam o seu time do coração já é de longa

data conhecido. Tatuagens, nome dos filhos a partir do nome do santo, enfim,

toda forma de crença que se possa ter para ajudar o seu time a vencer.

Em volta desse clima de fanatismo, crendice, espírito patriótico,

sempre está a camisa da seleção em amarelo ouro representando as nossas

riquezas do passado colonial. Ao olharmos bem de perto, observamos que a

camisa tem um pequeno sinal, que a acompanha já há alguns anos. Trata-se

do logotipo da empresa de materiais esportivos Nike.

A marca assina a camisa do Brasil desde a copa de 1998. Com

uma história singular, a empresa de materiais esportivos patrocina uma grande

diversidade de esportes, que inclui o futebol, o basquete, o golfe, o tênis, o

skate, por exemplo.

27

2 O CONTEXTO DAS MARCAS

Muitas marcas de sucesso como a Nike encontraram um modo de

tocar pontos sensíveis na mente do consumidor. A comunicação é usada como

uma mola implementadora no processo de comercialização dos produtos. Pode

ser que a essência da comunicação no universo coorporativo seja a descoberta

do elo emocional que estabelece a relação íntima entre o consumidor e a

marca.

Segundo Gobé (2000), uma marca emocional é o meio pelo qual

as pessoas se conectam subliminarmente com as empresas e seus produtos.

De acordo com Ellwood (2004), as marcas emocionais satisfazem as

necessidades psicológicas e sociológicas dos clientes por meio da criação de

uma identidade pessoal que gera status e por meio de uma identidade de

grupo ou filiação. Para Roberts (2005), a existência de uma marca emocional é

comprovada pelo fato de que a grande parte da população consome e compra

com “a mente e o coração”, ou seja, apesar de as pessoas buscarem uma

razão lógica para a compra, acabam tomando decisões emocionais.

A empresa, por essa ótica, tem duas funções distintas: uma é a

comunicação explícita sobre as vantagens do seu produto, e a outra é criar

uma atmosfera de encantamento, que estimule a imaginação do consumidor.

Tornar um produto, um serviço e uma marca uma opção de

escolha dos milhares de consumidores e potenciais consumidores que a todo

instante executam relações comerciais é hoje, um grande desafio aos

profissionais de comunicação e marketing.

Sabemos, por exemplo, que os gestores dessas áreas utilizam

diversos recursos para construírem identidades das marcas. A gestão do

marketing mix que engloba as definições de produto, preço, comunicação e

distribuição, não é mais a única preocupação que merece o foco da sua

atenção. Para ter um bom posicionamento frente à concorrência, devem-se

gerir também os elementos de expressividade da marca que incluem o nome

da marca, o logotipo, o símbolo, o slogan, a mascote, as personalidades e

todas as demais manifestações expressivas, visuais, sonoras ou olfativas.

28

As marcas certificam os produtos e os distinguem da

concorrência. Ao darem o seu sobrenome (marca) ao produto, adiciona-se

valor ao bem oferecido. Porém, como relata Perez (2004):

A marca permite criar um valor a mais para o produto dando-lhe um sentido único. Essa contribuição, entretanto, é apenas uma das contribuições de valor existentes, porque há outras, como o sentido econômico propriamente dito, o tempo, o produto em si, etc. (PEREZ, 2004, p.133).

No entanto, a expressão marca não é um termo que nasceu na

contemporaneidade. Ela existe há séculos, conforme aponta Keller:

A utilização e a aplicação de marcas existem há séculos como um meio de diferenciar os bens de um fabricante dos bens de outro. Na verdade, a palavra brand (marca, em inglês) deriva do nórdico antigo brandr, que significa “queimar”. Isso porque as marcas a fogo eram, e de certa maneira ainda são usadas pelos proprietários de gado para marcar e identificar seus animais (KELLER, 2006, p.2).

Desde a Antiguidade, os escultores já assinavam os seus

trabalhos como uma forma de identificá-los. Em uma linha do tempo, que parte

da Antiguidade, Clotilde Perez (2004, p. 6-8), esclarece que a marca já existia

através da assinatura dos trabalhos dos artistas plásticos como uma forma de

identificar suas obras.

Na Grécia antiga, conforme aponta José Benedito Pinho (1996, p.

11), os arautos anunciavam, em voz alta, a chegada das mercadorias trazidas

pelos navios. Já os romanos utilizavam pinturas para informar onde se

encontravam calçados e vinhos.

Na Idade Média, no entanto, perdeu-se a tradição da assinatura

das obras de arte dando origem à “Idade das Trevas”. Porém, conforme atesta

Pinho (1996, p.12), “as corporações de ofício e de mercadores adotaram o uso

de marcas como procedimento para o controle da quantidade e da qualidade

da produção”. Dessa forma, poderia se identificar o produtor e atestar sua

qualidade.

Outro fato relevante para o período foi que, ao atribuir nome ao

produtor de determinada matéria prima, poderia ser preservado o monopólio e

29

seria possível identificar as falsificações ou os artesãos que estivessem em

desacordo com as especificações técnicas determinadas pelas guildas5.

Foi assim que, com a produção distanciada do consumidor final, as marcas ganharam importância no comércio como maneira de identificação da origem da mercadoria e de proteção ao consumidor, representando uma garantia de confiabilidade e de qualidade do produto comercializado. (KHAUAJA e PRADO, 2008, p.13)

No século XI, as marcas individuais se tornaram obrigatórias e

adquiriram uma função que extrapolava a de mera identificação para assumir

também um caráter comercial. De acordo com Pinho:

As operações comerciais eram efetuadas longe do centro produtor, deixando de existir uma relação direta entre o produtor e o comprador. Assim, a marca era o elemento que estabelecia um vínculo entre o fabricante sediado na cidade de origem do produto e o consumidor que estava em lugar distante. Por meio dela, o comprador tinha assegurada a garantia de qualidade do produto e podia reclamar quando a mercadoria não apresentasse as qualidades devidas. (PINHO, 1996, p.14).

No século XVI, as destilarias escocesas embarcavam uísques em

barris de madeira que recebiam uma gravação em fogo com o nome do

fabricante. O pioneiro no uso da marca para a diferenciação de produto vem da

Escócia, em 1835, com a introdução da marca Old Smuggler, criada para

designar uma linha de uísques que empregava um processo especial de

destilação.

Outro fator que impulsionou a crescente importância das marcas foi o desenvolvimento das ferrovias. Desde a Antiguidade até o início do século XIX, o transporte de mercadorias e as comunicações estavam subordinadas à capacidade e à velocidade estabelecida pelos cavalos. As ferrovias mudaram esse quadro, possibilitando o transporte de grande quantidade de produtos com rapidez e para pontos cada vez mais distantes do local de produção. (KHAUAJA e PRADO, 2008, p.13)

Após a Revolução Industrial, as marcas ganharam mais força com

a diversidade de fabricantes e a constante necessidade de se nomear os

5 Associação de auxílio mútuo constituída na Idade Média entre as corporações de operários, artesãos,

negociantes ou artistas.

30

produtores. A partir desse momento, tornou-se também necessária a adoção

de legislações específicas sobre a proteção legal das marcas.

Em 1883, a Convenção da União de Paris tentou estabelecer uma legislação para impedir a concorrência desleal. Na década de 1890, muitos países industrializados possuíam leis específicas sobre as questões de propriedade e de proteção das marcas. Apesar da morosidade em definir leis sobre o assunto nos tribunais, a demanda legal acarretou, na segunda metade do século XIX, a promulgação da Lei de Marcas de Comércio nos Estados Unidos, 1870, e da Lei para a Proteção de Marcas na Alemanha, em 1874. (KHAUAJA e PRADO, 2008, p.15)

No Brasil, segundo Khauaja e Prado (2008), o Código Criminal do

Império não tratava sobre as questões relativas à proteção de marcas

comerciais e indústrias. Em 1875, a fabricante de rapé Arêa Preta, viu a sua

marca sendo plagiada pela concorrente que lançou um produto denominado

Arêa Parda. A Arêa Preta propôs uma ação judicial contra a Arêa Parda por

usurpação da marca.

A reclamante, cujo advogado era Rui Barbosa, perdeu em primeira instância. Não contente com a decisão, encaminhou uma nova representação ao Poder Legislativo, alegando que a impunidade poderia trazer danos às indústrias, elaborando também um projeto de regulamentação, que foi aprovado e tornou-se a Lei n. 2682, de 23 de outubro de 1875. (KHAUAJA e PRADO, 2008, p.16)

Atualmente a proteção das marcas tem uma força muito maior

com o registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que

garante o direito de uso do nome, do logotipo ou logomarca, da figura, do

símbolo ou de qualquer grafia que represente a empresa, seus produtos ou

serviços.

Com a crescente demanda, devido aos novos mercados e a

variedade de produtos fabricados, tornou-se necessário criar marcas cada vez

mais fáceis de serem lembradas, com pronúncia acessível, originais e que

descrevessem, direta ou indiretamente, o produto de forma criativa.

31

2.1 Momentos da marca no século XX

No século XX a marca tornou-se elemento central para os

concorrentes. Sua principal finalidade é acentuar a diferenciação e reduzir a

importância do preço na decisão de compra.

O primeiro sistema de gestão de marcas foi criado pela Procter &

Gamble, em 1931 e focalizava a marca e a equipe de gerência responsável

pela criação do programa de marketing e a coordenação das demais áreas da

companhia, entre elas, vendas e manufatura. Este modelo, também conhecido

como modelo clássico de gestão de marcas, resolvia os problemas de vendas

de forma tática e reativa, ou seja, detectava o problema para, então, propor as

soluções por meio do marketing mix: produto, preço, praça e promoção.

Os anos 1980 foram marcados por fusões e aquisições, conforme

destacam Khauaja e Prado (2008). Os autores ilustram, por exemplo, o caso da

Philip Morris que comprou a Kraft Foods por seis vezes o valor real da

empresa. A partir desse momento surge o valor da marca, descrito por David

Aaker. A marca então começou a ser analisada a partir do enfoque econômico-

financeiro, um ativo gerador de valor para seu proprietário. Ela representa um

capital essencial, apesar de ser tratada como intangível.

Em pesquisa feita no Brasil, verificou-se que as fusões e as aquisições realizadas por empresas visavam, preferencialmente, os bens intangíveis, como as marcas. Isso quer dizer que a importância monetária pela qual as empresas são vendidas não corresponde, em muitos casos, apenas ao valor dos seus edifícios, máquinas, instalações, ou seja, dos seus ativos tangíveis, mas representa também o valor dos seus ativos intangíveis, incluindo a construção de uma marca que leva anos para ser bem consolidada no mercado. (KHAUAJA e PRADO, 2008, p.18-19)

Com as fusões e aquisições, diversas marcas consolidadas

passaram a incorporar outras marcas em seu portfólio de negócios. A Unilever,

por exemplo, adquiriu a Kibon e a Bestfoods. Chegou a administrar, no fim da

década de 1990, em torno de 1600 marcas diferentes, o que gerou prejuízo

para a organização. Assim, algumas marcas foram vendidas e outras passaram

a receber mais atenção da corporação.

32

Com uma carteira de marcas diferenciadas, muitas organizações

adotaram uma estratégia de marca guarda-chuva, conforme descrevem Prado

e Farinha (2008):

O cerne dessa estratégia está na transferência de um nome forte para outros produtos lançados sob o mesmo nome, ou seja, sob o mesmo guarda-chuva. A adoção da marca guarda-chuva caracteriza-se pelo emprego de um mesmo nome para todos os produtos em uma ou mais linhas. A marca que engloba diversas classes de produto também é conhecida como marca abrangente, estratégia de overbranding, extensão de marca e marca família. (PRADO e FARINHA, 2008, p.57)

A década de 1990 começou de forma turbulenta para as marcas

instaladas no Brasil em razão da abertura da economia. No entanto, com a

estabilização ocorrida após o Plano Real, tiveram anos prósperos.

O cenário do fim do século apontava uma forte concorrência entre

marcas consolidadas e aquelas em ascensão chamadas “marcas talibãs”6.

Este conceito surge das características a elas impostas de serem ágeis,

flexíveis e guerrilheiras.

Enquanto algumas marcas perdiam mercado para as talibãs,

outras se mantinham sólidas e apresentavam um bom crescimento como Nike,

Apple, OMO e Natura. Khauaja e Prado (2008) apontam como possíveis

fatores responsáveis as “mudança no mercado e administração precária”. (p.

24)

A partir dessas constatações, questionamos: o que faz uma

marca ser reconhecida, admirada, fiel, lembrada e querida por seus

consumidores? Os autores nos quais nos apoiamos para desenvolver este

capítulo, em especial Khauaja e Prado relatam que uma marca sólida no século

XXI é aquela que:

É lembrada pelos consumidores;

Possui benefício(s) forte(s) e diferenciador(es) para o consumidor-alvo;

É considerada relevante para atender as necessidades e os desejos de um grupo;

Mantém-se relevante para o consumidor em longo prazo;

É considerada relevante das demais pelos consumidores-alvo;

Tem portfólio que ajuda a construir a sua imagem;

6 Ver BLECHER, Nelson. A invasão das marcas talibãs. Exame, São Paulo, Ed. 757, p.32-39, 9 jan. 2002.

33

Possui percepção de qualidade adequada às expectativas dos consumidores-alvo das ações de marketing da empresa;

Cria um vínculo de fidelidade com seus consumidores-alvo;

Garante lucratividade da empresa ou pelo menos da unidade de negócios;

Possui valor patrimonial elevado. (KHAUAJA e PRADO, 2008: p. 27)

2.2 Pré-definição de marca

A American Marketing Association (AMA) define marca como:

Um nome, termo, símbolo, desenho ou uma combinação desses elementos que deve identificar os bens ou serviços de um fornecedor e diferenciá-los da concorrência (KELLER, 2006, p.2).

Em 1955, de acordo com Khauaja e Prado (2008), Gardner e Levy

publicaram um artigo na revista Harvard Business Review com o título O

produto e a marca que reconhecia ser a marca mais do que um nome utilizado

para diferenciar fabricantes de produtos “um símbolo complexo que representa

várias ideias e diferentes atributos” (p.24). Para além dessa definição, os

autores apontavam que as marcas ultrapassariam os atributos funcionais dos

produtos e acreditavam que era necessário desenvolver atributos emocionais

ou de imagem da marca.

Neste sentido Perez e Bairon (2004) ratificam esta nova dimensão

atribuída às marcas:

A marca é uma conexão simbólica e afetiva estabelecida entre uma organização, sua oferta material, intangível e aspiracional e as pessoas para as quais se destina. (PEREZ, 2004, p.18).

Não temos mais a marca como uma função meramente

identificatória. Ela passa, nos dias atuais, a ser refletida também a partir das

emoções e conexões sensíveis. A partir do mesmo raciocínio, Randazzo (1996,

p. 24) define que “a marca é ao mesmo tempo uma entidade física e

perceptual”. Para as suas funções físicas atribuímos aquelas relacionadas às

características do produto, como a embalagem, o rótulo e o design. Já a

dimensão perceptual aponta para o espaço que a marca ocupa na mente do

consumidor.

34

Com o objetivo de obter uma imagem favorável na mente do

consumidor, as organizações utilizam estratégias para criar nós de atributos

positivos ao consumidor. Assim afirma Keller:

Embora quase nunca se chegue a um acordo sobre como medi-la, uma visão geralmente aceita é de que ela pode ser definida como percepções de marca refletidas pelas associações de marca guardadas na memória do consumidor. Em outras palavras, associações de marca são os outros nós de informação ligados ao nó da marca na memória e contêm o significado da marca para os consumidores. Associações assumem várias formas e podem refletir características ou aspectos do produto independentes do produto em si (KELLER, 2006, p.41).

Como uma das atitudes criadas pelas marcas, para a

incorporação do nó descrito por Keller, observamos a busca dos consumidores

por elementos essenciais. De acordo com o consultor de marcas Jaime

Troiano:

Na história de nosso mercado, pressão de comunicação de marketing nunca foi determinante para desenvolver marcas com plataformas duradouras. Todas as que eu conheço conseguiram criar uma ligação com a vida e as emoções de seus consumidores, fazendo com que eles se sentissem mais seguros, ou mais importantes, ou mais bonitos, ou mais livres, ou mais inovadores, ou mais corajosos, ou mais inteligentes, ou mais sedutores (TROIANO, 2009, p.34).

Assim, elas balizam as suas decisões e preenchem as lacunas

inconscientes dos consumidores. A partir dessa reflexão, inferimos que as

marcas desempenham um papel determinante na escolha dos consumidores.

2.3 A marca contemporânea segundo Semprini

Na atualidade, as marcas desempenham um importante papel na

vida das pessoas. Nos últimos 20 anos, passaram por uma grande evolução e

por profundas transformações que, segundo Semprini (2010), mudaram

também a sua lógica de funcionamento e o seu papel de significado ao

ocuparem outros espaços como os sociais. Neste sentido, as marcas “nunca

35

foram tão poderosas e presentes, procuradas, amadas, seguidas”. (SEMPRINI,

2010, p.33).

Os fatores que imputam o sucesso das marcas estão na

intersecção, no cruzamento entre seus três componentes imbricados nos

espaços sociais contemporâneos: o consumo, a economia e a comunicação.

Figura 2 - Dimensão do espaço social da marca

Discriminaremos a partir de agora cada um dos componentes da

dimensão do espaço social da marca, com base na classificação de Semprini

(2010):

2.4 Dimensão do espaço social da marca7 – consumo

O consumo, em uma visão mais abrangente, trata não apenas do

ato de consumir em si, mas expressa o que denominamos sociedade do

consumo, que tem a sua realização plena a partir do consumo, sem limite nem

medida.

Semprini (2006) destaca a forma da composição do consumo e

como se entrelaça com o individualismo, o corpo, a imaterialidade, a

mobilidade e o imaginário8.

7 SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p.60-73.

8 SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006.

economia

comunicação

consumo

Dimensão do espaço social da Marca Fonte: SEMPREINI, 2010, p.59

36

Individualismo: calcado na noção de desejo e prazer centrado no indivíduo,

popularizou a construção de projetos individualistas em uma busca frenética

pela felicidade particular.

Corpo: Um desdobramento da individualidade, um meio pelo qual se dá prazer

e se experimenta o mundo. Local onde os sentidos são enfatizados e

estimulados. Passou a ter maior importância com a revolução sexual dos anos

60 e com a sua redescoberta nos anos 80, quando adquiriu uma posição

central na sociedade e no consumo.

Imaterialidade: Observamos a cada dia a desmaterialização dos produtos. Isto

significa que proliferam as formas de consumo imaterial em razão da

valorização dos desejos dos indivíduos e seus projetos pessoais na vida

cotidiana e na interação com o ambiente social. É o fim da barreira entre marca

e produto, entre aspectos funcionais e aspiracionais quanto aos produtos

consumidos (SCMITT, 2000).

Mobilidade: tem como característica o amplo transitar entre lugares, profissões

e ideias como mais uma dimensão do consumo. A mobilidade dialoga com o

consumo principalmente através da tecnologia da informação.

Imaginário: A construção de um imaginário é a busca de sentido, que tem por

objetivo configurar, dentro de um universo simbólico, um projeto de sentido, no

qual o indivíduo projeta seus sonhos e desejos e, por meio deles, encontra a

autoexpressão (AAKER,1996). Semprini (2006) denomina “construção de

mundos”, que tem por objetivo criar mundos fictícios nos quais os indivíduos

projetam aspirações e desejos os quais os auxiliam na busca por um sentido à

sua experiência e orientam suas escolhas e ações.

Os cinco motores do consumo apresentados por Semprini e

revisitados nesta pesquisa, nos mostram como o consumo interage e de que

forma impacta o consumidor.

37

2.5 Dimensão do espaço social da marca9 – comunicação:

A comunicação atualmente extrapola a sua função meramente

funcional. Se antigamente era uma prestadora de serviço à sociedade, hoje o

seu papel vai além, conectando pessoas e organizações, diminuindo o atrito e

ampliando a interação social, permitindo uma maior compreensão do mundo e

de seus acontecimentos. Semprini (2006) argumenta que existem três fatores

que explicam a transformação antológica da comunicação: a onipresença das

mídias, o abandono da neutralidade e a internet.

Com estas mudanças, as marcas tiveram que se adaptar e

encontrar um novo caminho para a sua abordagem publicitária. Até então

bastava veicular publicidade baseada nas características do produto para que a

imagem e a personalidade da marca se formassem. No entanto, com o novo

paradigma da comunicação e a onipresença das mídias, as marcas diminuíram

a ênfase na comunicação dos produtos e valorizaram seu nome. Assim, a

comunicação volta-se aos aspectos da marca para além da dimensão

comercial, visando construir um sentido.

Apesar de não terem abandonado as suas manifestações

materiais, as marcas passaram a dar mais visibilidade aos seus aspectos

imateriais, valorizando experiências sensíveis relacionadas à sua construção.

Segundo o autor, com a expansão do seu poder a marca começa

a influenciar esferas que vão além da área comercial e a alcançar territórios

sociais como a política, a educação, os esportes e a cultura.

2.6 Dimensão do espaço social da marca10 - economia

Ao longo dos anos, o consumo passou a ser o motor da economia

contemporânea, pois a escolha dos indivíduos tem uma relação direta com este

segmento.

Diversos setores adotaram a marca em seus produtos. Dessa

maneira, observamos uma transição da economia de mercado para a

9 SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p.73-84.

10 SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p.84-101.

38

economia da marca no qual os seus valores provém dos investimentos dos

indivíduos, mas também da sua confiabilidade e reputação.

A informação passa a ser determinante na relação econômica. Os

investidores esperam e buscam informações sobre a organização a qual irão

depositar os seus investimentos. Os consumidores captam as informações e as

processam a partir de uma racionalidade semiótica. Realizam um cálculo no

qual ponderam os investimentos e os benefícios avaliando e minimizando as

eventuais perdas. Os valores envolvem portanto desejos, expectativas e a

autoexpressão ao adquirirem determinada marca.

A partir dessa relação, o consumo passa a exigir uma postura,

muitas vezes, diferenciada da organização. As preocupações recaem sobre a

qualidade, a gestão e a ética da organização, além da responsabilidade social

e ambiental.

2.7 O conceito de marca

Conforme verificamos, a America Marketing Association define

marca como um termo, sinal ou conjunto de elementos que identificam um

vendedor ou grupo de vendedores. Robic (1998, p.58) a define como “um

sistema de ações de marketing que, administrado de forma equilibrada, deverá

formar um posicionamento na mente de seus consumidores, satisfazendo

assim os seus anseios em relação aos atributos emocionais e funcionais

proporcionados”.

Para Aaker (1996), a marca é mais que o produto. Ela está além

da noção do produto e é constituída de uma identidade nuclear (essencial) e

uma identidade expandida. Em sua identidade essencial o autor pontua que:

A identidade nuclear ou essencial representa a essência atemporal da marca [...] contem as associações mais passíveis de continuarem constantes à medida que a marca se desloca para novos mercados e produtos (AAKER, p. 98-99).

A ideia de identidade expandida refere-se, segundo Aaker:

A identidade expandida inclui elementos que proporcionam textura e integridade à marca. Ela completa o quadro,

39

acrescentando detalhes que ajudam a imaginar o que a marca representa. Podem ser incluídos elementos importantes do programa de marketing da marca, que se tornaram ou deverão se tornar associações visíveis. (AAKER, 1996, p.101)

Semprini (2006) a define da seguinte forma:

Um conjunto de discursos a ela e pela totalidade do sujeito (individuais e coletivos), envolvidos em uma construção cuja especificidade é ser instância semiótica, uma maneira de segmentar e de atribuir sentido de forma ordenada, estruturada e voluntária. Onde discursos relativos significa inscrever essas dimensões em um processo de prática discursivas (os ‘discursos’ sustentados pela marca sobre ela mesma) e de recepção destes últimos (os ‘discursos’ dos destinatários da marca sobre ela mesma). (SEMPRINI, 2006, p.104-105)

Olgilvy (apud ROBIC, 1998, p.33) acrescenta:

Ela é a soma intangível dos atributos do produto, de seu nome, de seu preço, sua história, sua fama e a forma como é feita a sua publicidade. Uma marca é também definida pelas impressões dos consumidores sobre as pessoas que a usam, tanto quanto pela sua experiência.

Estas três visões são complementares. Aaker traz um

entendimento mais amplo de marca, fundamentada no produto, mas envolvida

com conceitos que ampliam o seu sentido e a sua imaterialidade como, por

exemplo, a definição de identidade nuclear e expandida. Para Semprini, a

marca associa as suas relações individuais e coletivas ao discurso que profere.

Já Olgivy elenca com precisão os fatores intangíveis da marca e ressalta a

importância dos consumidores e a formação do conceito.

2.8 Identidade da marca

Inúmeros autores escreveram sobre a construção de identidade

da marca, dentre os quais destacamos Aaker (1996 e 2007), Perez (2004,

2007), Schimitt e Simonson (2000) e Schimitt (2001). No entanto, nesta

dissertação nos aprofundaremos no modelo proposto por Andréa Semprini

(2006), por ter maior aderência ao tema que desenvolveremos posteriormente.

Semprini busca em seu modelo avaliar a marca em suas

características imateriais e potencialidades. Para ele, a marca se constitui após

a sua enunciação, ou seja, em um processo que resulta da produção daquilo

40

que foi enunciado. Nesta proposta, temos dois momentos importantes: o

primeiro trata da instância enunciativa, que é o projeto da marca; o segundo é a

instância do enunciado, a manifestação da marca.

No modelo apresentado pelo autor, a marca é uma entidade viva

que se molda ao longo do tempo, por meio de trocas e negociações. Assim,

temos dois caminhos a percorrer: o primeiro aborda as manifestações que a

marca produz na composição de sua identidade, através da sua expressão

sobre os produtos, a comunicação publicitária e demais posicionamentos. O

segundo caminho é traçado pela manifestação da marca para o projeto da

marca. É um percurso de recepção, por meio do qual o público acessa o

projeto da marca a partir de suas manifestações. O público então reconstrói os

seus elementos por meio das suas manifestações. E é neste ato de

reconstrução que se dá a atualização da marca.

A dupla leitura da manifestação da marca:

A partir desse momento, exploraremos mais o projeto de marca

por Semprini e, na sequência, daremos continuidade às manifestações da

marca.

Assim, temos que o projeto de marca divide-se em cinco etapas

processuais: enunciação fundamental, promessa, especificação da promessa,

inscrição de um território e valores.

Projeto de marca

Manifestações

Fonte: (SEMPREINI, 2006, p.158) Figura 3 - Dupla leitura da manifestação da marca

41

Manifestação da marca11 (enunciação fundamental): É o local no qual a

marca manifesta a sua existência. É a partir da enunciação fundamental

que ela demonstra seu sentido e existência.

Manifestação da marca12 (promessa): Seguida da enunciação

fundamental a promessa leva consigo a função de projetar a marca por

meio de técnicas que visam oferecer o projeto da marca em forma de

produto ou de serviço.

Manifestação da marca13 (especificação da promessa): A especificação

da promessa visa oferecer um produto ou serviço com um caráter

original é único.

Manifestação da marca14 (inscrição da promessa em um ou vários

territórios): A partir desse momento a promessa se transforma em oferta;

a partir daí o processo enunciativo se concretiza.

2.9 Valores da marca

Nesta etapa ocorre o diálogo da marca com os valores

contextuais e socioculturais. E é a partir desses valores que surge o

posicionamento da marca. Ao expressá-los surgem duas dimensões para a

marca: a primeira refere-se ao seu conteúdo, que relaciona as escolhas com as

manifestações; a segunda dimensão trata da sua expressão, relativa à

comunicação dos seus valores.

As manifestações da marca analisadas individualmente permitem

definir a sua identidade na qual cada uma é um enunciado. Semprini (2006)

apresenta três dimensões para as manifestações: valores, narrativas e

discursos.

11

SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p.159. 12

SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p.160. 13

SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p.160. 14

SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna. São Paulo: Estação das Letras, 2006, p. 160.

42

Quanto aos valores temos a parte mais profunda, local no qual

encontramos os valores mais fundamentais de uma sociedade relacionados à

identidade da marca. Aqui emergem os valores que fundam a sua identidade.

Em relação às narrativas, temos o elo entre a narração dos

valores.

Por fim, no que diz respeito aos discursos, é o momento no qual

valores e narrativas ganham um formato para expressar a sua identidade. É o

nível mais sensível ao ambiente sociocultural, aos comportamentos e aos

modos de vida.

2.10 O processo de significação em seu contexto

DISCURSOS

NARRAÇÃO

VALORES

CONTEXTO

SOCIOCULTURAL

CONTEXTO

CONSUMO

CONTEXTO

MARCAS

CONTEXTO DE

COMUNICAÇÃO

Fonte: (SEMPRINI, 2006, p.162)

Figura 4 - Significação e contexto

43

Perez alerta para o fato de que a marca é um grande atributo de

valor, mas não é o único. Segundo a autora, sua valorização se dá por meio de

mecanismos complexos utilizados pelo gestor da marca com o objetivo de

produzir sentido, manipular e somar atrativos para ela. Como produto final

dessa equação temos o significado no qual todas as ações de valor se

sustentam e convergem.

Em razão da centralização no significado é necessário um estudo

mais aprofundado sobre o fenômeno. Assim, para dar conta desse processo, a

teoria geral dos signos criada e desenvolvida por Charles Sanders Peirce

exerce um papel decisivo na interpretação e na gestão dos sentidos. Perez nos

esclarece a função da semiótica no processo de gestão das marcas:

Na fase precedente do desenvolvimento das marcas, a semiótica tinha um papel não negligenciado, mas reduzido a uma técnica instrumental. Hoje, no entanto, é definida pelo seu papel, assumindo assim a ciência que possibilita executar uma “microcirurgia” dos significados. Quando os significados gerados são usados como ferramentas do marketing mix, a semiótica assume um importante papel de manter essas ferramentas e refiná-las de modo a permitir a melhor performance juntamente ao consumidor. A partir de agora a semiótica passa a dar uma contribuição não negligenciável ao marketing e às organizações. Ela permite à marca não se contradizer nos tempos, falar com clareza e verificar, e eventualmente corrigir, as defasagens e distorções entre as mensagens emitidas e as mensagens recebidas, a fim de evitar produzir efeito de sentido indesejáveis (PEREZ, 2004, p.134).

44

3 A SEMIÓTICA E O SEU DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

3.1 Semiótica Peirceana

Ao iniciarmos este capítulo, preliminarmente apresentaremos

Charles Sanders Peirce, nascido em 10 de setembro 1839, na cidade de

Cambridge, Massachussets, nos Estados Unidos da América. Seu pai,

Benjamin Peirce era matemático, físico e astrônomo. Formou-se na

Universidade de Harvard em física e matemática, talvez pela influência paterna

e conquistou também o diploma de químico, na Lawrence Scientific School.

Junto ao seu trabalho no observatório astronômico de Harvard,

Charles Peirce se dedicava ao estudo da filosofia, principalmente à leitura de A

crítica da razão pura, de Kant. Lecionou entre 1879 e 1884 na Universidade

John Hopkins, mas não evoluiu na carreira universitária.

Entre 1884 e 19 de abril de 1914 (ano do seu falecimento), Peirce

escreveu cerca de 80 mil páginas de manuscritos, que vem sendo publicados

há décadas. Considerado um dos mais profundos e originais pensadores norte-

americanos, Peirce deixou contribuições em múltiplas áreas do conhecimento:

lógica, semiótica, astronomia, geodésia, matemática, teoria e história da

ciência, econometria e psicologia.

3.2 A obra de Peirce

Peirce tem uma visão semiótica do mundo. Para ele a cognição,

as ideias e o homem são seres semióticos. “Toda ideia é um signo junto ao fato

de que a vida é uma série de ideias prova que o homem é um signo”. (CP,

5.314).

Para Peirce o signo tem uma natureza triádica que possibilita a

sua interpretação:

1) Em si mesmo, isto é, nas propriedades internas;

Os aspectos qualitativos e sensórios.

Singularidade da mensagem que se oferece à percepção.

45

Caráter geral, como algo que pertence a uma classe de

coisas, uma convenção.

2) Na sua referencialidade, o que pode indicar;

Poder de sugestão que brota dos aspectos sensoriais

qualidade. Têm alto poder de sugestão. Qualquer

qualidade tem condições de ser um substituto de qualquer

coisa que a ele se assemelhe como nas relações de

comparação.

Referências sem ambiguidades. Causa e efeito.

Representação de ideias abstratas, convencionais.

Relação arbitrária.

3) Nos efeitos que pode produzir;

Efeitos interpretativos puramente emocionais.

Efeitos reativos. A interpretação se dá por meio de uma

ação.

Efeitos que têm a natureza do pensamento.

Um signo é então qualquer coisa que representa outra coisa

denominada objeto, e que produz um efeito interpretativo para alguém que é o

interpretante do signo. Assim, “o que define um signo, objeto e interpretante,

portanto, é a posição lógica que cada um desses três elementos ocupa no

processo representativo”. (SANTAELLA, 2002)

No entanto, Santaella (2008, p.12), alerta para o fato de que

possam ocorrer equívocos ao considerarmos a ideia de que o signo

necessariamente representa alguma coisa para alguém “um ser humano,

psicológico, existente e palpável”. A simplificação do termo por Peirce ocorreu

como uma tentativa de se fazer entender. Neste sentido, a definição mais

adequada seria:

46

Um signo, ou representamem, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém, Dirige-se a algum, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez, um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência, a um tipo de ideia que eu, por vezes, denominei, fundamento do representamem. (CP. 2.228) (apud Santaella, 2008, p.12)

O sistema filosófico concebido por Peirce, que tem a semiótica

como fundamento central, origina-se na fenomenologia. Entende-se por

fenômeno, palavra que deriva do grego Phaneron, qualquer coisa que apareça

à nossa percepção e à mente, sem atentar se há ou não, correspondência a

algo real. Sem ter uma visão restrita de fenômeno, ao contrário, Peirce entende

que qualquer coisa que surja à mente é um fenômeno.

A fenomenologia tem por função apresentar as categorias

formais e universais dos modos como os fenômenos são apreendidos pela

mente. Os estudos levaram Peirce à conclusão de que há três (e não mais do

que três) elementos formais e universais em todos os fenômenos que se

apresentam à percepção e à mente.

Num nível de generalização máxima, esses elementos foram chamados de primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade aparece em tudo que estiver relacionado com acaso, possibilidade, qualidade, sentimento, originalidade, liberdade, mônada. A secundidade está ligada às ideias de dependência, determinação, dualidade, ação e reação, aqui e agora, conflito, surpresa, dúvida. A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples de terceiridade, segundo Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA, 2002, p.7)

Assim, Peirce exemplifica a primeiridade:

Imagine-se que me encontro num estado de sonolência e tenho um sentimento muito vago, de um sabor salgado, de uma dor, de um desgosto, ou de uma nota musical prolongada. Isto constituiria aproximadamente um estado de sensibilidade monádico (PEIRCE, 1993, p.88).

47

Ele está se referindo à qualidade em si mesma, que se revela em

um poder-ser não necessariamente realizado. E completa: "Parece-me que

uma qualidade-de-sensação pode ser imaginada sem qualquer ocorrência"

(SANTEAELLA, 2002). Em uma breve referência à Psicanálise, poderíamos

dizer que provavelmente a primeiridade "equivale" ao lado não-consciente do

desejo.

Já a secundidade está ligada às ideias de dependência,

determinação, dualidade, ação e reação, conflito, surpresa e dúvida. O traço

comum é a presença à consciência do fenômeno. A secundidade é, portanto,

um fato existencial.

A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade,

crescimento e inteligência. A forma mais simples da terceiridade, segundo

Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se

apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere

ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo provocará em uma possível

mente interpretadora).

3.3 O Signo como signo

Conforme verificamos, Peirce apresenta três propriedades que

capacitam o signo a funcionar como signo: 1) por sua qualidade; 2) por sua

existência; 3) por seu caráter de lei.

Quando uma qualidade funciona como signo, temos o quali-signo.

Assim, ela é uma qualidade que é um signo. Santaella exemplifica o

funcionamento de um quali-signo da seguinte forma: “...uma simples cor, como

o ‘azul-claro’, imediatamente produz uma cadeia associativa que nos faz

lembrar céu, roupa de bebê, etc”. (SANTAELLA, 2002, p.12).

O fato de existir faz daquilo que existe um signo. À propriedade de

existir é dado o nome de sin-signo, no qual “sin” que dizer singular. Santaella

esclarece o conceito a partir do seguinte exemplo:

[...] sua pessoa emite sinais para uma infinidade de direções: o modo de se vestir, a maneira de falar, a língua que fala, o que escolhe dizer... São todos estes, e muitos outros mais, sinais

48

que estão prontos para significar, latentes de significado. (SANTAELLA, 2002, p.12).

Quanto ao caráter de lei, deve ser entendida como a ação de

fazer com que o singular se conforme, se amolde à sua generalidade. Dessa

forma, criamos as “jurisprudências”. Isto significa que quando surgir uma

determinada situação, as coisas devem ocorrer de acordo com aquilo que a lei

prescrever.

No entanto, estas propriedades não são excludentes, visto que

sempre trabalham em conjunto.

3.4 As propriedades do signo

Assim como temos três propriedades (qualidade, existência e lei),

existem também três tipos de relações que o signo tem com o objeto: ícone,

índice e símbolo. Assim Santaella (2000) explicita:

Portanto, algo é significante de seu objeto, possuindo potencialidade sígnica ou qualidade, de acordo com três modalidades: 1) quando a relação com seu objeto está numa mera

comunidade de alguma qualidade (semelhança ou ícone); 2) quando a relação com seu objeto consiste numa

correspondência de fato ou relação existencial (índice); e 3) quando o fundamento da relação com o objeto depende de

um caráter imputado, convencional ou de lei (símbolo). (SANTAELLA, 2000, p.21).

Os ícones têm alto poder de sugestão, que por sua vez, brota dos

aspectos sensoriais. Qualquer qualidade pode substituir qualquer coisa

que a ele se assemelhe. Os ícones são, portanto, capazes de produzir

em nossa mente as mais imponderáveis relações de comparação.

Um ícone é um signo que tem como fundamento um quali-signo... O ícone só pode sugerir ou evocar algo porque a qualidade que ele exibe se assemelha a outra qualidade. (SANTAELLA, 2002, p.17)

O índice trabalha com a referencialidade direta. Indica aquilo a

que ela se refere sem ambiguidades. É relação direta de causa e efeito.

Santaella apresenta o índice da seguinte forma:

49

O que dá fundamento ao índice é a sua existência concreta... O objeto imediato do índice e a maneira como o índice é capaz de indicar aquele outro existente, seu objeto dinâmico, com o qual ele mantém uma conexão existencial... Todos os índices envolvem ícones. (SANTAELLA, 2002, p.19)

Já os símbolos têm mensagens com poder de representar ideias

abstratas, convencionais. É uma relação arbitrária representada por

Santaella como:

Seu fundamento... É o legi-signo. Leis que operam no modo condicional. Preenchidas determinadas condições, a lei agirá. Se a fruta soltar-se da árvore, ela caíra. Eis um exemplo da lei... O hino nacional representa o Brasil... Convenções sociais devem representar seus objetos dinâmicos. (SANTAELLA, 2002, p.20)

3.5 Os Interpretantes do signo

Peirce propõe três tipos de interpretantes para o signo:

1. Interpretante imediato (refere-se ao potencial interpretativo de um signo);

2. Interpretante dinâmico (trata-se do efeito que o signo efetivamente

produz em um intérprete. Por sua vez, divide-se em três níveis:

interpretante emocional, energético e lógico).

O primeiro efeito está relacionado à qualidade de sentimento

(interpretante emocional); já o efeito energético corresponde a uma ação física

ou mental (ações de despendam certo esforço). Por fim, o terceiro tipo está

relacionado a um efeito lógico, quando o signo é interpretado conforme uma

regra interpretativa;

3. Interpretante final (refere-se ao resultado a que todo intérprete estaria

destinado a chegar se os interpretantes dinâmicos do signo fossem

levados até o seu limite último). Há também três níveis interpretante

final: rema, dicente e argumento.

50

Um signo é um rema para o seu interpretante quando for um

signo de possibilidade qualitativa; um dicente é um signo de existência real,

não pode ser um ícone, pois não dá base para a interpretação de que algo se

refere a uma existência real. Por fim, o argumento é um signo de lei. A base do

argumento está na sequência lógica da qual o legi-signo simbólico depende.

3.6 Percurso para análise semiótica

Ferreira (1997) apresenta um percurso para a análise semiótica e

esclarece como essa avaliação deve ser conduzida:

[...] O fundamento do signo, em nível 1, deve ser analisado antes da relação do signo com o objeto, nível 2. O objeto imediato, nível 2,1, deve anteceder o exame do objeto dinâmico, nível 2.2, e assim por diante. (SANTAELLA, 2002, p.41)

Ele lembra ainda que a semiose, de acordo com Peirce, se refere

a qualquer tipo de ação do signo e é caracterizada como uma atividade

eminentemente evolutiva. Em razão disso, devemos estabelecer cortes

arbitrários para o objeto dinâmico.

3.7.1 A interlocução da semiótica com o marketing

3.7.2 A Interlocução da semiótica

Ao longo dos anos, a semiótica desenvolvida por Peirce foi sendo

ampliada e adaptada para diversas áreas do conhecimento. Na medicina, por

exemplo, relacionou a teoria dos signos com as ciências médicas por meio de

estudos sobre o processo de transmissão das mensagens/sintomas. Os

estudos mercadológicos adaptaram a semiótica para a análise e o

desenvolvimento de marcas, conforme apontam os estudos realizados por

Santaella (2002; 2010), Perez (2004) e Lencastre e Côrte-Real (2007) entre

tantos outros autores e publicações. A proposta elaborada pelos dois últimos

se complementam pois, para Perez, muitos dos problemas enfrentados pelas

marcas na atualidade devem ser lidos por intermédio das lentes da semiótica.

51

Lancastre e Côrte-Real relacionam a semiótica de Peirce ao desenvolvimento

da Myopia em Marketing, de Theodore Levit.

Para além da área mercadológica, Lúcia Santaella, Samira

Challub e Oscar Cesarotto desenvolveram a aproximação da semiótica com os

registros psicanalíticos desenvolvidos por Jacques Lacan. Esta teoria está em

franco desenvolvimento com Cesarotto e Leite (1977, 1984, 1985. 1987, 1989 e

1995 ), Fantini (2003, 2006 e 2009), Hisgail (1989, 1996, 1997, 1998, 2000 e

2007), Montoto (1999, 2002, 2005), Santaella (1992, 1993, 1995, 2002, 2003 e

2004), Santos (2005), Silveira (2007), Mendonça (2010) entre outros que

pesquisam a semiótica psicanalítica.

Apresentaremos neste estudo as principais ideias desenvolvidas

por Lencastre e Côrte-Real com o Triângulo da Marca e a Branding Myopia; na

sequência abordaremos os conceitos desenvolvidos por Perez referentes à

recepção sígnica a partir do interpretante peirceano e, por fim, o estudo

apresentado por Santaella que relaciona a semiótica aos três registros

lacanianos.

3.7.3 O triângulo da marca e a branding myopia

Em 2007, os autores portugueses Lencastre e Côrte-Real

exploraram o conceito de miopia aplicado ao marketing. Ambos extrapolaram

as fronteiras do marketing e buscaram efetivar as suas teorias na tríade

peirceana. Assim, em um estudo inédito e inovador, suas pesquisas cruzaram

o oceano atlântico e foram ao encontro dos trabalhos desenvolvidos por Perez

(2004 e 2009) na aproximação entre a teoria semiótica e as teses do

marketing.

Os autores relatam que, para além da sua dimensão funcional

identificadora, as marcas se tornaram, ao longo dos anos, o maior patrimônio

das corporações. Em suas transações, observamos o valor monetário das suas

aquisições, vendas e fusões. É de vital importância a construção de uma marca

sólida e competitiva que tenha força para competir em um mercado cuja

característica mais forte é a diversidade da concorrência. Mas ela deve

também ter clareza sobre o objetivo final de conquistar um espaço na mente e

no coração dos consumidores.

52

Ao reduzirmos o papel das marcas, conforme propõe a American

Marketing Association, como um termo de diferenciação e identificação, temos

o que Lencastre e Côrte-Real (2007) exploraram como uma redução da label

myopia, que se trata, especificamente, de uma miopia de rótulo. “Com ela o

branding restringe-se à criação e gestão de sinais gráficos apostos no produto

tangível para identificar distintivamente dos produtos semelhantes da

concorrência” (p.107). Segundo os autores, essa concepção mais

contemporânea da marca envolve também a construção de vínculos

emocionais e afetivos que vão além das funções de identidade e diferenciação.

Outra forma de miopia é a miopia de produto. Para alguns

autores, inclusive Philip Kotler (1999), a marca está a serviço do produto.

Theodore Levit (1960) parte do princípio que é mais importante o benefício do

que o produto em si. Ao encontro dessa reflexão, Lencastre e Corte-Real

(2009, apud PEREZ e BAIRON, p. 145) explicam: “[...] a tecnologia passa, o

benefício fica. A principal consequência da miopia de produto é a crença de

que a cada novo produto ou extensão de linha há a necessidade de criar uma

nova identidade”.

A miopia do cliente se baseia na ideia que só existe a relação

vendedor versus cliente. Esta visão reducionista não considera as inúmeras

trocas realizadas entre a organização e os seus públicos. Lencastre e Côrte-

Real (2007) afirmam que: “não é a organização que tem uma marca, é a marca

que, em cada momento, tem uma organização que a suporta” (p. 103).

Na perspectiva de Lencastre e Côrte-Real (2007) as marcas não

se restringem ao rótulo, ao produto, à organização, aos seus clientes ou

stakeholders, mas partem do princípio de que a marca é a relação da

organização com cada um desses elementos.

3.7.4 Identidade da marca

Segundo Lencastre e Côrte-Real (2009), uma marca no seu

sentido mais estrito (de sinal jurídico), é um nome expresso graficamente, uma

ortografia. Ele podem estar associado a outros sinais suscetíveis de proteção

jurídica, um logotipo, um nome ou ainda, um slogan, um rótulo, uma

embalagem, um personagem ou um som. O nome, o logotipo e os restantes

53

sinais da sua identidade jurídica compõem o que foi designado por identity mix

da marca ou identidade da marca.

O conceito de identity mix é uma forma de se referir aos seus

quatro fatores: as instalações, os produtos, as comunicações e as pessoas. A

partir desse conceito busca-se ir além da concepção de marca estritamente

voltada para a identificar e distinguir, potencializava-se assim, a dimensão

tangível da sua própria missão, seus valores e a cultura da organização.

Neste sentido, a concepção do identity mix aproxima-se, segundo

Perez (2007), Lencastre e Côrte-Real (2009), da ideia definida por Peirce de

representamem do signo, ou seja, qualquer coisa que está no lugar de

qualquer coisa para ser interpretada por alguém.

A partir desse pressuposto, temos então três níveis no identity

mix:

Identidade central: sinal que a marca apresenta em primeiro

lugar e que normalmente, pelo menos na cronologia, é o seu

nome;

Identidade efetiva: a expressão ou expressões gráficas,

registradas ou registráveis, do nome da marca,

nomeadamente a sua ou suas ortografias, e o seu ou seus

logotipos. No nome da marca podemos distinguir o nome

stricto sensu, que é o elemento distintivo por excelência do

genérico associado ao nome que enquadra em alguma parte

do objeto da marca. No logotipo devemos distinguir o tipo de

fonte, os desenhos e as cores;

Identidade ampliada: todos os outros sinais de identidade da

marca susceptíveis de proteção jurídica (um slogan, uma

garrafa diferenciada, um personagem, um som) e a forma

como a marca regulamenta a sua utilização por meio do

manual de identidade;

54

3.7.5 Marketing mix

O marketing mix corresponde às variáveis: produtos, preço, praça

e promoção, conforme descrito por Philip Kotler, em 1967. Theodore Levitt

corrigiu a marketing myopia visualizando a variável produto num círculo de três

níveis concêntricos, sendo o central o benefício. Deste modo, segue-se o

produto atual, no qual o benefício é a tecnologia, suas variantes, o design, a

qualidade e a embalagem. E, incorrendo no produto branding myopia, a marca.

O terceiro nível que designa por produto ampliado, corresponde aos serviços

adicionais que acompanham normalmente a oferta, já com ramificações para

as outras variáveis do marketing mix. Refere-se, por exemplo, a entrega, a

instalação ou o serviço pós-venda, facetas ligadas às variáveis praça ou às

condições de pagamento, que são parte integrante da variável preço.

O pilar do objeto engloba as diferentes ofertas da marca, as

organizações e as ações de marketing que elas suportam.

Inspirados nesse histórico, e passando ao registro semiótico

triádico que orientou os autores, foi proposto distinguir os três níveis no

marketing mix:

Produto central: a parte do seu objeto que a marca apresenta em

primeiro lugar; pode ser uma das instalações, um dos seus produtos, um

benefício dirigido a um público-alvo específico (normalmente os clientes,

propostas de Levitt para fugir a marketing myopia) uma pessoa, ou uma

missão diferenciadora que abranja todas as ofertas;

Produto efetivo: Corresponde às atividades em que a marca se

desdobra, o que normalmente é designado na literatura de marketing

pela variável produto, o primeiro P do marketing mix;

Produto ampliado: Corresponde a todas as ações que suportam as

trocas da marca, desde a organização, aos processos, às pessoas, aos

outros Ps do marketing mix, que variam consoante se trate do marketing

dos clientes, dos fornecedores, dos colaboradores, dos acionistas. A

55

gestão das relações com cada público-alvo tem um marketing mix

específico.

3.7.6 Mercado

O mercado é a interpretação que a marca tem de um determinado

público, entendido como conjunto de pessoas físicas ou jurídicas pertinentes

para a marca pela relação de troca que representam. Públicos diversos

(clientes, pessoal, acionistas, fornecedores, ou seja, o público mix da marca)

terão diferentes reações à marca, porque têm com a organização várias

relações de troca, e portanto, diferentes expectativas.

Por sua vez, cada indivíduo poderá ter diferentes respostas e

reações à marca que podem ser do tipo cognitivo, afetivo e comportamental.

Elas se traduzem em variáveis como associações à marca, notoriedade,

preferência, compra e fidelidade, que constituem no seu conjunto o que

designaremos por response mix da marca ou resposta central da marca.

Assim, podemos distinguir na resposta mix da marca:

Resposta central: é a mais imediata que um indivíduo tem quando

exposto a um sinal da marca; na prática da pesquisa de mercado, será a

top of mind das associações à marca, a mais clássica variável de

resposta que podemos designar como posicionamento da marca;

Resposta efetiva: é a mais estruturada que o indivíduo pode dar à

marca. Aparece associada aos pontos de paridade da marca e como

delas se distingue; na prática da pesquisa de mercados, é o domínio do

estudo qualitativo das associações à marca que podemos designar por

imagem da marca (Keller, 1993);

Resposta ampliada: corresponde a todas as possíveis reações que,

teoricamente, um indivíduo pode ter porque são detectáveis em maior ou

menor escala na resposta atual de indivíduos de um mesmo público da

marca; na prática da pesquisa de mercados é o domínio do estudo

quantitativo da marca, e tem como saída os resultados do tipo

56

notoriedade, preferência, adesão (ou compra em sentido lato), fidelidade

e, no limite, quantificação do valor da marca.

Ao traçarmos um paralelo entre os estudos propostos por Perez,

Lencastre e Côrte-Real com a semiótica de Peirce, teremos o seguinte modelo

para análise:

3.7.7 Modelo de análise – Semiótica da marca

Modelo de análise Fonte: Lencastre e Côrte-Real,

2007

Marca

Identity mix

Signo

Image Mix

Interpretante

Marketing

Mix

Objeto

Público Mix

Brand Mix

Product Mix

Figura 5 - Modelos de análise semiótica para marca

57

3.8 A interlocução da semiótica com a psicanálise

3.8.1 A psicanálise e a sua aproximação com a semiótica

Em 1999, a pesquisadora Lúcia Santaella publicou na revista de

Psicologia da Universidade de São Paulo o artigo As Três Categorias e os Três

Registros Lacanianos. No entanto, o texto é uma extensão de um ensaio

publicado em 1986, na revista Cruzeiro Semiótico, da Associação Portuguesa

de Semiótica e promove uma interlocução entre as obras de Peirce e Lacan. A

autora apresenta então as categorias fenomenológicas de Peirce (primeiridade,

secundidade e terceiridade) e os três registros lacanianos (imaginário, real e

simbólico).

De acordo com essa lógica triádica do signo, o imaginário, isto é, a categoria da demanda de amor, ocupa a posição do fundamento do signo. O real, a categoria da pulsão sexual, ocupa a posição lógica do objeto do signo, enquanto o simbólico, a categoria do desejo, ocupa a posição lógica do interpretante, o imediato, o dinâmico e o final, são levados em consideração para uma melhor compreensão do imaginário, real e simbólico (SANTAELLA, 1999).

Para continuarmos as reflexões propostas por Santaella, é

necessário um breve esclarecimento sobre os três registros lacanianos.

Passemos a eles:

3.8.2 O imaginário

O imaginário correspondente ao eu. Seu investimento libidinal foi

denominado por Freud de Narcisismo, em 1911.

O eu é como Narciso: ama a si mesmo, ama a imagem de si mesmo... que ele vê no outro. Essa imagem que ele projetou no outro e no mundo é a fonte do amor, da paixão, do desejo de reconhecimento, mas também da agressividade e da competição. (QUINET, 1995, p.7)

Apesar de o termo narcisismo ter ganhado notoriedade com

Freud, ele já havia sido utilizado em 1898, por Havelock Elias com a primeira

58

alusão ao mito Narciso. Elias faz uma referência a propósito das mulheres

cativadas por sua imagem no espelho. Paul Näcke, em 1899, introduz o termo

narcisismo no campo da psiquiatria referindo-se ao “estado de amor por si

mesmo que constituiria uma nova categoria de perversão” (NASIO, 1988, p.

47).

Freud formulou a sua teoria sobre o narcisismo a partir do estudo

sobre a psicose do presidente Schreber. Em sua tese, postulou como uma

evolução normal da libido, designava a energia sexual que parte do corpo e

investe os objetos.

Segundo Freud, temos dois tipos de narcisismo: o primário e o

secundário. O primário é um estado que não podemos observar diretamente,

mas cuja hipótese devemos formular por um raciocínio recorrente. Segundo

Nasio:

Originalmente, não existe uma unidade comparável ao eu; este só se desenvolve muito progressivamente. O primeiro modo de satisfação da libido seria o auto-erotismo, isto é, o prazer que um órgão retira de si mesmo; as pulsões parciais procuram, cada qual por si, sua satisfação no próprio corpo. Esse é o tipo de satisfação que, para Freud, caracteriza o narcisismo primário, enquanto o eu como tal ainda não constituiu (Nasio, 1988, p.48)

Em 1914, Freud colocou em relevo a posição dos pais na

constituição do narcisismo primário. Segundo ele, o amor dos pais pelo filho

equivale a seu narcisismo recém-renascido. Assim, os pais revivem uma

reprodução do narcisismo dos pais, que atribuem ao filho todas as perfeições e

projetam nele todos os sonhos a que eles mesmos tiveram de renunciar.

Assim, o bebê realizará os sonhos de desejo que os pais não colocaram em

prática nas suas vidas. Desse modo, revivem e colocam em prática a sua

imortalidade.

O narcisismo secundário corresponde ao narcisismo do eu. Trata-

se de um retorno do investimento dos objetos, transformando em investimento

do eu, para que se constitua o secundário. Ele subdivide-se em dois

movimentos. O primeiro trata das pulsões sexuais parciais; a libido investe o

objeto, já que a primazia das zonas genitais ainda não foi instaurada. O

59

segundo movimento retorna posteriormente para o eu. A libido toma então o eu

como objeto.

Assim o tipo de escolha narcísica pode ocorrer a partir do amor de

uma pessoa por ela própria, isto é, amar a si mesma; amar o que ela foi; amar

o que ela gostaria de ser; ou ainda, alguém que fez parte dela mesma, como é

o caso de mães que amam o filho.

3.8.3 O Estágio do espelho

A primeira formulação do estágio do espelho foi realizada por

Jacques Lacan em 1936. Esta fase designa o momento em que o indivíduo, por

volta dos 18 meses, forma uma representação de sua unidade corporal por

identificá-lo com a sua unidade corporal à imagem do outro. Esse momento é

ilustrado por Lacan como aquele no qual a criança é exposta frente ao espelho

e tem a sua primeira experiência identificatória com a matriz do ego. No

entanto, não devemos ver nessa fase o momento da constituição do sujeito.

Isto ocorrerá ainda com o imaginário ao simbólico, isto é, após o domínio da

linguagem. Segundo Safatle (2007):

O estágio do espelho visa demonstrar como a formação do Eu depende fundamentalmente de um processo ligado à constituição da imagem do corpo próprio. Nos primeiros meses de vida de uma criança, não há nada parecido a um Eu, com suas funções de individualização e de síntese de experiência [...] Na verdade falta ao bebê o esquema mental de unidade do corpo próprio que lhe permita constituir o seu corpo como totalidade, assim como operar distinções entre interno o externo, entre individualidade e alteridade. (SAFATLE, 2007: p.27)

Estamos nos referindo à imagem espetacular da criança frente ao

espelho, seguida por uma grande euforia com o reconhecimento de seus

gestos redobrados no reflexo. Apesar da experiência se dar frente ao espelho,

ela pode ocorrer frente à outra pessoa. O que os infans têm devolvido pelo

espelho, pela mãe ou pelo outro é uma Gestalt cuja função primeira é ser

estruturante do sujeito, mas ainda em nível Imaginário. É a vivência do corpo

como despedaçado de si por um processo de identificação ao outro. Esse si

não pode ainda ser considerado uma subjetividade, ele estaria mais próximo do

60

“sentimento de si” de que nos fala Hegel ao caracterizar a consciência. Quando

muito, poderíamos falar numa subjetividade animal, ainda não humana.

A constituição do eu toma lugar durante o estágio do espelho e

começa com o reconhecimento da identidade própria do eu através da imagem

especular em um jogo paradoxal, de oscilação entre o eu e o outro. Senhor e

servo do imaginário, o ego se projeta nas imagens em que se espelha:

imaginário da natureza, do corpo, da mente das relações sociais. Buscando por

si mesmo, o ego acredita se encontrar no espelho das criaturas para se perder

naquilo que não é ele. Esta situação é fundamentalmente mítica. É uma

metáfora da condição humana, uma vez que estamos sempre buscando por

uma completude que não pode jamais será encontrada, infinitamente capturada

em miragens que ensaiam sentidos onde o sentido está sempre em falta.

3.8.4 O real

O registro psíquico do real não deve ser confundido com a noção

corrente de realidade. Para Lacan, o real é aquilo que sobra como resto do

imaginário e que o simbólico é incapaz de capturar. O real é o impossível,

aquilo que não pode ser simbolizado e que permanece impenetrável ao sujeito

do desejo, para quem a realidade tem uma natureza fantasmática. Diante do

real, o imaginário tergiversa e o simbólico tropeça. Real é aquilo que falta na

ordem simbólica, os restos que não podem ser eliminados em toda articulação

do significante, aquilo que só pode ser aproximado, jamais capturado.

Não há repouso possível porque o objeto da pulsão, chamado por Lacan de objeto “a”, é um objeto perdido sem nunca ter sido ganho, do que decorre que existem objetos substitutivos. Existindo em um espaço curvo, o objeto “a” não é uma entidade positiva, mas é tão-somente uma curvatura do próprio espaço do que resulta que só seja possível dar voltas quando se quer alcançar o objeto. Por isso mesmo, é o objeto “a” que impede que o círculo do prazer se feche, introduzindo um desprazer irredutível na própria busca por prazer. Entretanto, o aparato psíquico encontra uma espécie de prazer perverso no desprazer, na irremediável circulação em torno de um objeto desde sempre perdido. (SANTAELLA, 2006, p.146-147).

61

3.8.5 O Simbólico

O registro do simbólico é o lugar do código fundamental da

linguagem. Ele é lei, estrutura regulada sem a qual não haveria cultura. Lacan

chama isso de grande Outro. O Outro, grafado em maiúsculo, foi adotado para

mostrar que a relação entre o sujeito e o grande Outro é diferente da relação

com o outro recíproco e simétrico ao eu imaginário. Miller (1987) nos fornece

uma apresentação bastante clara do simbólico, no que se segue.

O outro é o grande Outro da linguagem, que está sempre já aí. É o outro do discurso universal, de tudo o que foi dito, na medida em que é pensável. Diria também que é o Outro da biblioteca de Borges, da biblioteca total. É também o Outro da verdade, esse Outro que é um terceiro em relação a todo diálogo, porque no diálogo de um com outro sempre está o que funciona como referência tanto do acordo quanto do desacordo, o Outro do pacto quanto o Outro da controvérsia. Todo mundo sabe que se deve estar de acordo para poder realizar uma controvérsia, e isso é o que faz com que os diálogos seja tão difíceis. Deve-se estar de acordo em alguns pontos fundamentais para poder-se escutar mutuamente. ...É o Outro da palavra que é o alocutário fundamental, a direção do discurso mais além daquele a quem se dirige. A quem falo agora? Falo aos que estão aqui e falo também à coerência que tento manter. (p.22).

Santaella (1999) aponta que a teoria geral dos signos de Peirce

permite perceber uma relação entre as categorias fenomenológicas peirceanas

e as três categorias essências da realidade humana de Lacan:

Essa é evidentemente uma relação explícita, que permite uma comparação imediata entre Peirce e Lacan. Mas uma tríade similar já estava em Freud (id, ego e superego), e Freud nunca chegou a conhecer Peirce. Aponto para este fato para evidenciar que a correlação entre Peirce e Lacan já seria possível, mesmo que Lacan não tivesse se baseado em Peirce na divisão dos seus três registros. Tanto ela seria possível que outras comparações de tópicos que não foram baseados em Peirce também são possíveis (p.5)

A partir desse relato podemos correlacionar os registros da seguinte forma:

62

3.8.6 Modelo de análise – semiótica psicanalítica

Figura 6 - Modelo de análise semiótica psicanalítica

3.9 A junção das metodologias semióticas

3.9.1. A junção das metodologias

A fusão das metodologias apresentadas por Perez, Lencastre,

Côrte-Real e Lúcia Santaella, em princípio é coerente ao objetivo da nossa

dissertação que é analisar a produção de sentido que a marca desperta no

consumidor. No entanto, pretendemos dar um passo além e avaliar de que

maneira os consumidores são afetados por esta comunicação.

Propomos, então, uma junção que visa aproximar as duas teorias.

Assim, temos:

Imaginário

Signo

Simbólico

Interpretante

Real

Objeto

Modelo de análise

Fonte: Ilustração própria

63

Marketing Mix

Objeto

Real

Neste sentido, teríamos a correspondência do signo para analisar

a identity mix que corresponderia à análise da expressividade da marca (nome

da marca, logotipo, embalagem, slogan). O objeto aproxima ao marketing mix

da marca. Assim temos o produto, o serviço, a distribuição e o preço. O

interpretante estaria para a marca como a image mix, ou seja, consciência da

marca, qualidade percebida e fidelidade. Ainda no tópico do interpretante

teríamos o interpretante funcional relacionado à resposta cognitiva do

consumidor, o interpretante emocional relacionado à resposta afetiva e o

interpretante lógico relacionado à resposta comportamental do consumidor.

Ao incluirmos nesta dissertação a semiótica psicanalítica, mais

especificamente os três registros de Lacan, teríamos as correspondências

sobre as quais discorremos a seguir.

Marca

Identity mix

Signo

Imaginário

Image Mix

Interpretante

Simbólico

Junção das metodologias Fonte: Ilustração própria

Figura 7 - Junção das metodologias

64

Na primeiridade temos o imaginário que, segundo Santaella, se

aproxima das categorias peirceanas da seguinte forma:

A correspondência do imaginário com a categoria da primeiridade não é difícil de ser percebida. Qualquer identificação é imaginária em todas as ocasiões. Identificar é obliterar a distinção entre o sujeito e o objeto da identificação. É dissolver as fronteiras que poderiam distinguir e separar o ego do outro. A identificação corresponde, portanto, a um estado monádico que almeja a totalidade, completude e auto-suficiência. O imaginário é uma mônada que se alimenta da miragem do outro, uma miragem na iminência da dissipação e da perda. Ser eu, sendo, ao mesmo tempo, o outro, é idílico mas também mortífero, pois um dos pólos dessa pretensa unidade está sempre à beira do desaparecimento. Tal iminência de dissipação é uma das principais características da primeiridade. (SANTAELLA, 1999)

Já a secundidade é caracterizada pelo registro do Real, que

segundo Santaella:

Esta polaridade, esta fratura entre o imaginário e o real, entre o simbólico e o real corresponde exatamente à categoria da secundidade. O real é sempre bruto e abrupto. É causação não governada pela lei do conceito. O real resiste ao simbólico porque ele insiste, em souffrance, de tocaia para tomar de assalto o simbólico. (SANTAELLA, 1999)

A terceiridade está para o simbólico que, segundo a autora, se

apresenta da seguinte forma:

A correspondência do registro do simbólico com a terceiridade é óbvia. O grande Outro em todos os seus sentidos é sempre terceiridade. É lei, mediação, estrutura regulada que prescreve o sujeito (SANTAELLA, 1999)

Antes de iniciarmos a análise semiótica, a análise da marca e as

análises da semiótica psicanalítica, apresentaremos a empresa Nike e o

processo de construção da sua marca.

65

4 ESTUDO DA EXPRESSIVIDADE DA MARCA NIKE

4.1 Do projeto de conclusão de curso ao faturamento de 16 bilhões de dólares por ano

A Nike surgiu de um projeto de conclusão de curso do ex-atleta de

corridas Phil Knight. Apresentado em um curso de gestão administrativa da

Universidade de Stanford, o estudo rendeu-lhe uma boa ideia: importar tênis

fabricados no Japão, usando como mão de obra os profissionais daquele país.

Seu objetivo inicial era fazer frente à alemã Adidas nos produtos relacionados

ao atletismo.

Em sociedade com o seu ex-treinador, Bill Bowerman abriu a

empresa Blue Ribbon Sports. Em 1962, Phil foi ao Japão negociar com a

marca Tiger a importação e a representação dos tênis para atletismo. No ano

seguinte, a primeira remessa de 200 pares chegou à cidade de Portland, no

Oregon, costa oeste dos Estados Unidos. Bill, sentindo a necessidade de

aprimorar o produto, modificou o modelo, incorporando ao tênis a primeira

entressola completamente acolchoada, uma inovação radical para a época.

O tênis modificado caiu no gosto do público e o Cortez tornou-se

o modelo da Tiger mais vendido, em 1968. Ambos sentiram a necessidade de

um calçado que contribuísse para melhorar a performance do atleta. Bowerman

decidiu, então, testar um solado inusitado, que acabou dando certo: despejou

borracha na chapa de waffles da esposa para criar um solado melhor. Surgia

então um tênis com uma sola leve e ondulada, considerada revolucionária.

Começaram então a produzir seus próprios tênis. Esta parceria

trouxe um resultado muito positivo, visto que ambos entendiam do negócio que

estavam começando. Enquanto Phil vendia os tênis no porta-malas de seu

carro nas competições de atletismo, Bill cuidava do desenvolvimento e do

design de novos modelos. Mas os novos tênis ainda precisavam de uma

marca.

Em 1971, o estudante de design gráfico, Carolyn Davidson, criou

por US$ 35 o famoso símbolo da marca, chamado Swoosh. O nome Nike

surgiu logo depois por sugestão de Jeff Johnson, ex-rival de Phil nas pistas de

atletismo e primeiro funcionário da Blue Ribbon Sports, que havia sonhado com

66

a Deusa grega da vitória, “NIKÉ”. Diziam os gregos que a Deusa podia voar e

correr em grandes velocidades. E nada mais apropriado para a nova marca.

O Canadá se tornou o primeiro país estrangeiro a receber os

novos produtos, em 1972. Neste período, Bowerman melhorou o material das

solas, utilizou borracha mais flexível, mais elástica e menos compacta. Em

1976, nas eliminatórias olímpicas americanas, os tênis Nike já eram vistos nos

pés de jovens promissores do atletismo.

Mas sua verdadeira expansão internacional começou em 1978,

com a entrada no mercado sul-americano e a distribuição dos produtos no

continente europeu. Pouco depois, em 1982, ingressou no mercado europeu de

futebol ao firmar contrato de patrocínio com o time francês do Paris Saint-

Germain. Nesta época, a empresa já possuía uma linha de tênis com mais de

200 modelos.

A partir de 1994 a empresa se reposicionou: foi decidido que

deveria se posicionar como uma empresa de artigos esportivos e não apenas

de calçados. A nova visão traduziu-se em contratos de publicidade e

patrocínios que tinham como objetivo alcançar uma audiência esportiva mais

ampla. Decidiu, então, patrocinar atletas individuais, como o jogador de golfe

Tiger Woods.

Em 2003, comprou a fabricante do tênis All Star, a Converse, por

US$ 305 milhões. A compra da marca All Star iria ajudar a ocupar um espaço

que a marca ainda não conseguiu se fixar: tênis com preços mais acessíveis.

Em 2007, surpreendeu o mundo ao adquirir por US$ 582 milhões a tradicional

britânica UMBRO, marca com uma sólida herança e profunda experiência no

esporte mais popular do mundo e no maior mercado de futebol do planeta,

acirrando ainda mais a guerra com a rival Adidas.

4.2 Campanhas que fizeram história

A história da Nike com a propaganda é recheada de momentos

marcantes. Começou em 1977 com um de seus primeiros slogans que dizia:

There is no finish line. A sorte da marca começou a mudar em 1982, quando a

agência Wieden & Kennedy foi fundada em Portland. Segundo diversos

67

autores, foi criada justamente para atender a conta publicitária da Nike, que se

tornaria seu cliente mais fiel e conhecido.

E a primeira grande campanha foi mesmo um verdadeiro

sucesso. Chegou em 1988 com o famoso slogan JUST DO IT. Muito mais que

um simples slogan, o conceito transformou-se em uma espécie de declaração

universal dos objetivos de todo atleta, em qualquer parte do mundo. A ideia de

que, diante do esforço, não há fronteiras, é a expressão moderna dos ideais

gregos, que praticavam o esporte como busca da perfeição e do belo.

4.3 Investimentos

Anualmente, a Nike desembolsa US$ 1,4 bilhões, o que

corresponde a 10% de seu faturamento anual, em publicidade e contratação de

atletas renomados como garotos-propaganda. A história começou com a

tenista romena Emma Ballard, primeira atleta a firmar contrato para utilizar

tênis Nike em 1972. A outra parte da história teve início com o corredor de

longa distância americano Steve Prefontaine, patrocinado pela empresa em

1973 e conhecido não apenas por ter batido todos os recordes americanos

entre os 2 mil e 10 mil metros na década de 70, mas também por sua

determinação e beleza. Steve morreu tragicamente, aos 24 anos, em um

acidente de automóvel, pouco antes das Olimpíadas de 1976, em Montreal, no

Canadá.

Outros atletas assinaram contratos com a empresa como o

controverso tenista John McEnroe (1978); o corredor Carl Lewis (1980), o

jogador de basquete da Universidade da Carolina do Norte Michael Jordan

(1985), que se tornaria seu mais conhecido garoto-propaganda; o tenista André

Agassi (1988); o jogador Ronaldo (1994); o golfista, até então amador, Tiger

Woods (1996); o jogador Ronaldinho Gaúcho (1998); o astro do basquete

LeBron James (2003); entre muitos outros. Esse time de astros é muito mais

que apenas atletas patrocinados. São colaboradores. Eles testam os produtos

e sugerem inovações. Nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996, o velocista Michael

Johnson usou uma criação sua, o Gold Shoe, uma sapatilha dourada (mais

leve calçado esportivo já projetado). Tornou-se, aos 29 anos, o único homem

até então a vencer as provas de 200 e 400 metros rasos na mesma Olimpíada.

68

Outro exemplo é a chuteira Mercurial, criada a partir de informações do jogador

Ronaldo e testada por ele até a versão final. O mesmo ocorreu com a chuteira

Tiempo, usada por Ronaldinho Gaúcho.

Um esporte em especial foi essencial para o crescimento da

marca: o futebol, considerado o esporte número um do mundo. Em 1994, a

marca possuía apenas 2% do mercado de equipamentos para futebol. Para

derrotar a líder do mercado, a Adidas, a empresa se concentrou em jogadores

de futebol jovens e talentosos. Para atingi-los, assinou contratos de

propaganda com astros da Argentina, Grã-Bretanha, Brasil, Portugal, México,

China e Japão.

Também procurou jogadores que expressassem e incorporassem

um estilo de futebol mais rápido e centrado no ataque “em contraste com o

estilo defensivo e metódico conhecido como futebol alemão”, uma clara

provocação à sua rival germânica. Ao associar sua imagem às estrelas de

diferentes esportes, a empresa quer comunicar que todos podem ser atletas e

desenvolver o espírito competitivo retratado em suas campanhas publicitárias.

4.4 O valor monetário da marca

Segundo o portal MKT Esportivo15, a marca NIKE está avaliada

em aproximadamente US$ 15 bilhões, ocupando a posição número 60 no

ranking das marcas mais valiosas do mundo do ranking BrandFinance16.

4.5 O uso das celebridades como estratégia para a marca

O uso de celebridades para a comunicação das marcas vem

anualmente ganhando mais força entre as empresas, conforme aponta

D´Angelo (2002, p.1):

Nos Estados Unidos, a participação de anúncios que se valem da imagem de pessoas famosas vem crescendo com o passar

15

MKT Esportivo. Nike a marca esportiva mais valiosa do mundo. Disponível em: http://www.mktesportivo.com/2011/10/Nike-e-a-marca-esportiva-mais-valiosa-do-mundo. Acesso em 10 jun. 2013. 16

Revista Exame.Com. As 100 marcas mais valiosas do mundo. Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/as-100-marcas-mais-valiosas-do-mundo?page=3. Acesso em 10 jun. 2013.

69

dos anos; em 1975, dos principais comerciais de televisão, 15% utilizavam o endosso de celebridades, percentual que cresceu para 20% três anos depois e, em 1997, chegou a 25% (Kamins et al., 1989; Hsu e McDonald, 2002). No Japão, estima-se que 70% dos comerciais apresentem pessoas famosas (Kilburn, 1998 apud Hsu e McDonald, 2002) e no Brasil, embora inexistam estatísticas confiáveis, arrisca-se um incremento de pelo menos 30% na utilização desta prática de 2001 para 2002 (JIMENEZ, 2002).

As personagens utilizadas pelas marcas agregam valor e prestígio

ao bem ofertado e, emprestam o seu “brilho”, ao comércio e utilização destes

produtos. Perez (2010) afirma que as pessoas conhecidas do grande público

auxiliam as marcas na aproximação e na criação de laços emocionais entre a

organização e a comunicação de seus produtos junto ao seu público-alvo. Na

mesma linha Keller (1997) e Aaker (2010) afirmam que as personalidades dão

notoriedade às marcas e atestam que se os consumidores tiverem um

sentimento forte junto à personalidade, provavelmente terão uma imagem

favorável da organização ou produto. Segundo Marconi (2006, p.174):

El valores el aspecto más importante para el desarrollo de uma celebridade com aspiraciones a transformarse em uma súper marca que desee tener diversas extensiones e impacto. Cada celebrity representa uma promessa diferente; éstas se sustentan em diversos atributos tangibles, y principalmente intangibles, que provocan el grado de identificación y emoción necessarios para generar su consumo. Toas nuestras acciones de comunicación internas y externas tendrán um sólo fin: la creación o multiplicación del valor de este concepto o pilar, para transformarlo em uma atractiva y poderosa marca.

Artistas, apresentadores de televisão e esportistas ao longo dos

anos sempre aliaram a sua imagem às mais diversas marcas. Para Shimp

(2002, p.270) “isso é compreensível, já que muitos consumidores se identificam

imediatamente com estrelas, em geral, considerando-as como herói e heroínas

por suas realizações, personalidade e aparência física”.

Esta identificação está diretamente relacionada a uma idealização

de vida, aquela que o consumidor gostaria de ter. A partir dessa identificação

as empresas captam esse momento e transforma em uma proximidade perante

o ídolo.

Segundo Schiffmann e Kanuk (2000), a imagem das celebridades

pode adquirir quatro formas:

70

1) Testemunhal: A celebridade utiliza o produto/serviço e revela os seus

benefícios;

2) Endosso: Ocorre quando a celebridade fala sobre o produto ou serviço

utilizado;

3) Ator: a partir da contratação da celebridade para apresentar o produto ou

serviço, interpretando um personagem;

4) Porta-voz: Essa situação ocorre quando uma celebridade, após um longo

período, é denominada porta-voz da empresa;

No entanto, não basta para empresa utilizar uma pessoa famosa

para alavancar a venda de seus produtos. A celebridade precisa ter

credibilidade, ser selecionada e não se contradizer no tempo. Passaremos

agora a explorar um pouco mais essas características.

4.6 Credibilidade

A credibilidade é fundamental para a atração do público. Schiffman

e Kanuk (2000, p. 236) assim a definem:

Por credibilidade da celebridade, entendemos a percepção que o público tem tanto do conhecimento da celebridade (quanto a celebridade sabe sobre o produto) como da sua confiabilidade (a honestidade sobre o que diz a respeito do produto).

Quando as celebridades endossam a sua imagem junto ao

produto, o consumidor sente-se mais seguro ao usá-lo ou utilizar-se do serviço

oferecido. Porém, a celebridade e o gestor da marca devem ter plena

convicção de que o uso de uma pessoa para endossar diversos produtos leva à

perda na confiabilidade perante o consumidor: “se uma celebridade está muito

exposta, ou seja, endossando muitos produtos, sua credibilidade e simpatia

podem ser afetadas”. (SHIMP, 2002)

71

4.7 Seleção da Celebridade

A maior preocupação das empresas é como selecionar uma

celebridade para endossar as suas marcas. Espera-se sempre que a

celebridade contribua com aspectos positivos para a imagem da marca. Assim,

Shimp (2002, p. 272) destaca:

Os anunciantes estão dispostos a pagar altos valores às celebridades que são adoradas e respeitadas pelo público-alvo e que irão, espera-se, influenciar favoravelmente as atitudes e o comportamento dos consumidores em relação aos produtos endossados.

Shimp (2002) destaca a utilização de um padrão Q para o uso das

celebridades. Todos os anos, alguns institutos de pesquisas enviam para mais

de 1500 norte-americanos alguns questionários com duas perguntas sobre

celebridades. A primeira pergunta é sempre se o leitor conhece tal celebridade.

A segunda pede para ele avaliá-la, caso a conheça, como ruim, regular, boa,

muito boa ou uma das suas favoritas.

A questão um avalia o reconhecimento da celebridade, a

segunda, a sua popularidade. Assim, calcula-se o Q:

O percentual de popularidade é dividido pelo percentual de familiaridade, e o quociente é o índice Q daquela pessoa. Esse índice revela simplesmente a proporção de um grupo que está familiarizado com uma pessoa e que considera essa pessoa como uma de suas favoritas. (SHIMP, 2002, p.247)

4.8 Não se contradizer no tempo

Como a grande maioria dos testemunhais é comprada, então

nada, ou quase nada, impede um concorrente de comprar o testemunhal de

uma celebridade. O fato inclusive já ocorreu algumas vezes, como na

conhecida ‘guerra’ das cervejas na qual o cantor Zeca Pagodinho fez uma

campanha para determinada marca de cerveja e após um curto período voltou

à primeira marca para a qual já havia feito campanha por um longo período.

Uma questão importante é mencionada em artigo publicado no

Portal Revista de Marketing (2006):

72

Um dos pontos básicos para a realização de ações bem-sucedidas é a utilização da marca com a celebridade, que precisa, de fato consumir aquilo que anuncia, pois é evidente que Zezé Di Camargo e Luciano não adquirem seus móveis na Marabraz em quinze vezes sem juros, assim como Ronaldo não faz compras no Carrefour nem sua ex-esposa Milene Domingues vai ao Big por uma questão de economia.

O uso das celebridades só traz benefícios reais quando se alia

duas imagens positivas, conforme relata Lima (2006, p. 27):

Quando as duas marcas (a da celebridade e da companhia) convergem sem arestas, o resultado é esplêndido. Estudos feitos pela consultoria Marketing Management Analytcs mostram que os comerciais realizados com pessoas famosas podem trazer três vezes mais retorno do que as campanhas convencionais, feitas sem estrelas, no mesmo tipo de mídia.

De acordo com Brée e Cegarra (in Perez, 2010), temos dois tipos

de personagens: a primeira refere-se a personagens publicitárias e a segunda,

personagens de marca. Assim, “as personagens publicitárias vinculam à

valorização do produto pela associação às personagens utilizadas, ou podem

ainda assentar na criação do próprio conceito do produto”. Já às personagens

de marca “surgem quando a vinculação é mais profunda, ou seja, quando a

personagem é um sinal distintivo e diferenciador, de uso exclusivo, e acaba por

se tornar um elemento de identidade”.

Para além das personalidades, o marketing relacionado ao

esporte sempre busca vincular os seus produtos e nomes ao desempenho dos

atletas. Mas como podemos prever o desempenho, o intangível e o subjetivo

no marketing dos esportes? É esta a principal pergunta deste estudo. Assim,

passaremos agora a explorá-la, sem a pretensão de esgotarmos o tema, sobre

o marketing esportivo, em especial o praticado pela Nike.

4.9 Material para análise

Com o objetivo de conectar os torcedores como os seus “heróis” a

Nike cria a campanha “Escreva o futuro” há exatos dois meses do início da

copa do mundo de 2010.

73

O filme da campanha estrelado pelos atletas patrocinados pela

marca reuniu alguns dos maiores jogadores de futebol do mundo para inspirar

os amantes do futebol e os torcedores do esporte mais popular do planeta. O

filme épico de três minutos Write the Future transporta as pessoas em uma

viagem que captura de forma dramática aquele momento único, quando um

simples passe chega às manchetes, ou um gol pode levar uma nação inteira a

uma felicidade eterna, e deixar uma outra prostrada, de joelhos.

Dirigido pelo renomado diretor e produtor de Hollywood, Alejandro

G. Iñarritu, que assinou 21 Gramas e Babel, este filme é apresentado por uma

combinação de momentos do esporte como os desarmes, que podem definir

um jogo, e dribles rápidos que buscam empolgar os torcedores.

Para além da campanha Write the Future ou Escreva o Futuro,

propomos uma análise dos filmes veiculados no período de duas Copas do

Mundo. Assim, analisaremos os filmes Nike (1994) e (2010). Optamos por

estes dois filmes, pois o de 1994 foi o primeiro veiculado pela marca para o

futebol. Já a opção de 2010, tem relevância por ser o último criado pela

empresa em época de Copa do Mundo.

Buscaremos refletir sobre como as propagandas veiculadas pela

empresa repercutem junto ao público consumidor de seus produtos e de que

maneira são gerados os efeitos de sentido.

Utilizaremos também como ferramenta para a análise a Semiótica

de Peirce e as suas incorporações. Além delas, promoveremos dois grupos

focais que tiveram como objetivo embasar e ilustrar as análises aqui propostas.

Segundo George Gaskell (2004):

Nas ciências sociais empíricas, a entrevista qualitativa é uma metodologia de coleta de dados amplamente empregada. Ela é, como escreveu Robert Farr (1982), “essencialmente uma técnica, ou método, para estabelecer ou descobrir que existem perspectivas, ou pontos de vistas sobre os fatos, além daqueles da pessoa que inicia a entrevista”. O primeiro ponto de partida é o pressuposto de que o mundo social não é um dado natural, sem problemas: ele é ativamente construído por pessoas em suas vidas cotidianas, mas não sob condições que elas mesmas estabeleceram. Assume-se que essas construções constituem a realidade essencial das pessoas, seu mundo vivencial. O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceituais e abstratos,

74

muitas vezes em relação a outras observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos. (GASKELL, 2004, p. 64-65)

Neste sentido, as interações proporcionadas pelos grupos

apresentam uma grande sintonia com a noção de signo e semiose que,

segundo Nöth (2008):

Peirce (CP, 5.472) introduziu o termo semiose para caracterizar tal processo, referido como “a ação do signo”. Também conceituou semiose como “o processo no qual o signo tem um efeito cognitivo sob o intérprete” (CP, 5.484). Por isso, para definir a semiótica peirceana é preciso dizer que não é bem o signo, mas é a semiose que é seu objeto de estudo. (NOTH, 2008, p.66)

4.10 Pesquisa qualitativa

A pesquisa qualitativa é largamente usada nas Ciências Sociais

como uma forma de buscar conhecer, entender e aprofundar o objeto de

estudo. É usada para entender aspectos complexos do comportamento

humano em diversos contextos. Assim, nos apropriaremos dos estudos

propostos por Bauer e Gaskell (2002), sobre a pesquisa qualitativa com grupos

focais.

No marketing, a pesquisa qualitativa tem imenso valor no que se

refere à busca de aspectos intangíveis que norteiam o consumo. Por meio dela,

pretendemos alcançar os seguintes objetivos:

Detectar necessidades latentes das pessoas: o que realmente

buscam, querem, almejam e desejam;

Entender aspectos inconscientes envolvidos em comportamentos,

escolhas e situações de consumo e o que está por trás de

determinada atitude;

Detectar aspectos emocionais envolvidos em determinados

vínculos estabelecidos com categorias, produtos e marcas;

75

Identificar o imaginário que compõe a percepção do universo de

uma categoria, de uma comunicação, de um produto ou marca.

A pesquisa qualitativa, diferentemente da quantitativa, não

pretende representar o universo de consumidores, por exemplo, da marca

Nike. Ela tem como característica ser mais reduzida e não representativa.

A coleta de dados parte de entrevistas, de observações que

podem ocorrer individualmente ou em grupo. Segue-se um roteiro norteador

“aberto” e “indireto”, o que dá mais flexibilidade à sua aplicação. As questões

podem ser acrescentadas no momento da entrevista, pois no decorrer de um

grupo, ou de uma entrevista individual, surgem novos caminhos para o assunto

pesquisado e é o pesquisador quem deve estar atento a estes sinais.

O papel do entrevistador é fundamental para conduzir a pesquisa.

Ele deve estar atento tanto à expressão verbal quanto a não verbal e sua

participação em um grupo se dá ativamente, analisando os dados e alterando

as questões inicialmente propostas.

Os dados coletados e desejados são os “porquês” do tema em

questão. São as detalhadas explicações que podem aprofundar o

conhecimento sobre o mercado, o produto ou o serviço que se pretende

pesquisar.

A análise destes dados, por sua vez, depende da interpretação:

discurso, gestual, indícios, dados subjacentes e informações projetivas.

Como resultados destas pesquisas qualitativas, devemos esperar

apontamentos sobre os significados, atitudes e conotações. As respostas serão

mais genéricas, globais e podem, muitas vezes, indicar tendências e levar ao

desenvolvimento de novas hipóteses.

4.11 O público pesquisado

Para o nosso estudo, buscamos junto aos principais sites e lojas,

as informações qualitativas sobre as chuteiras da Nike. Com uma grande

diversidade de modelos (para campo, grama sintética e salão) são fabricadas a

partir do número 26, utilizadas por crianças entre 3,5 e 4 anos. O gráfico a

seguir demonstra o número e a quantidade de modelos de chuteiras no site de

76

uma das maiores vendedoras de materiais esportivos no Brasil, a rede

Centauro17.

Figura 5 - Gráfico: Numeração das chuteiras x número de modelos disponíveis – Fonte Centauro

O gráfico apresenta duas colunas. A primeira (azul) que começa

no número 26 e representa o número das chuteiras oferecidas pelo portal da

marca Nike. A segunda coluna (em vermelho), apresenta a quantidade de

modelos disponíveis. Ao cruzarmos as duas colunas temos uma maior

concentração dos modelos que vai do número 39 ao 43. Concluímos assim que

a maior diversidade de produto da marca concentra-se na população que calça

entre 39 e 43.

17 Loja de materiais esportivos Centauro. Disponível em: www.centauro.com.br. Acesso em

mai.2013.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Tam.

Nº modelos

77

Para definirmos nosso grupo de pesquisa, buscamos indivíduos

que calçavam entre os números indicados acima, já que estes têm à disposição

maior diversidade de modelos no mercado.

Outra característica considerada na composição do filtro para a

pesquisa foi o fato de que os pesquisados deveriam jogar futebol de campo.

Em razão disso, selecionamos garotos que calçavam entre 39 e 43 e que o

praticavam (amadores ou não).

Contatamos também alguns jogadores de times de várzea que,

por definição:

[...] é a modalidade do futebol paulista popular, não profissional, que teve sua origem às margens das várzeas dos rios e córregos que ligavam a então valorizada região central da cidade às outras regiões (norte, sul, leste e oeste), praticado por populares de toda ordem (empregados e desempregados, brasileiros e estrangeiros, letrados e iletrados), naqueles espaços urbanos desvalorizados pelas indústrias, elites e poder público por suas cheias fluviais, mas passíveis de serem apropriadas pela população como moradia precária ou lazer na estiagem (PEREIRA, 2012, p.103)

A amostra foi composta por dois grupos de 4 adolescentes na

cidade de São Paulo, entre 14 e 17 anos, calçavam entre 39 e 43 e jogavam

futebol na várzea. Optamos por este público, por se tratar de consumidores que

passarão mais tempo com a marca, por praticarem futebol nas categorias de

base.

Essa ação tem como objetivo compreender o impacto que a

marca tem no público investigado. Esta técnica de pesquisa qualitativa permite

explorar ideias, percepções e sentimentos relacionados ao tema de maneira

que as opiniões individuais possam ser enriquecidas pela interação dos

diferentes pontos de vista expostos no debate coletivo gerando, assim, novas

visões sobre os questionamentos. A partir desta técnica esperamos responder

às seguintes questões: quais as opiniões, atitudes e percepções sobre o

significado de se utilizar a marca Nike frente aos seus concorrentes diretos e

indiretos; investigar como os públicos-alvo da empresa se veem utilizando a

marca e como acontecem as possíveis comparações entre os atletas que

usam, ou são patrocinados pela marca, e os que não a utilizam; discutir como

os entrevistados percebem os anúncios publicitários criados pela Nike

78

relacionando o que lhe agrada e o que desagrada na campanha, nas

mensagens, imagens e apelos; questioná-los sobre as personalidades do

mundo esportivo mais admiradas por eles e o que os fazem encontrar nesses

indivíduos uma referencialidade no mundo do futebol.

4.12 Roteiro de discussão

O roteiro foi elaborado a partir de questões abertas a partir da

pergunta “o que significa ser jogador de futebol hoje?”. Buscamos assim refletir

sobre as imagens, sensações e sentimentos que aparecem diante desta ideia.

Em seguida, consultamos sobre o lado difícil de ser um jogador de futebol,

suas restrições, dificuldades e anseios.

Desejávamos também que os entrevistados projetassem a sua

imagem como praticante de futebol. Assim, solicitamos que fizessem um

desenho a partir do tema: “como eu me sinto como praticante de futebol”. Ao

final desta primeira etapa projetiva, buscamos a imagem construída a partir da

pergunta: “como eu me sentiria se fosse um jogador profissional”. Após os

desenhos, convidamos os participantes a olhar e relatar o que viam no seu

desenho e nos demais.

A partir desse momento mergulhamos no tema “jogador de

futebol”. As questões circulavam em torno dos jogadores profissionais e

amadores, no qual eles se encaixavam. Aprofundamos as questões sobre

relacionamentos dentro e fora dos gramados. Pedimos também que

indicassem 3 nomes de jogadores com os quais se identificavam ou

admiravam.

Como pretendíamos avaliar a força da marca da chuteira Nike,

sugerimos que informassem como reagiriam à seguinte situação: “Quando vou

jogar com pessoas que não conheço e vejo alguém chegar com uma chuteira

sem marca eu logo penso...” Na sequência, questionamos se a marca da

chuteira influenciava no rendimento esportivo. Apresentamos após essa

discussão, um cartão com diversas chuteiras de marcas diferentes, para

explorarmos as opções disponíveis no mercado. Pretendíamos assim avaliar se

a marca Nike tinha ou não relevância para os pesquisados.

79

Então, questionamos novamente sobre as chuteiras, mas, desta

vez, perguntamos: “quando eu vou jogar e vejo alguém chegar com uma

chuteira de marca reconhecida eu logo penso...” Nesta etapa nosso objetivo

era avaliar a reação da marca perante o entrevistado e se a marca daria

segurança durante o jogo.

Solicitamos ainda que os entrevistados avaliassem as

propagandas de diversas marcas de produtos esportivos, em especial, as

chuteiras. Expusemos diversas campanhas impressas e pedimos que nos

informassem quais gostavam e despertavam mais a atenção, as sensações

decorrentes da exibição, quais não gostavam ou não lhes chamavam a

atenção.

Por fim, perguntamos o que achavam das chuteiras Nike, pedimos

que comparassem as de outras marcas e consultamos se eram consideradas

superiores ou inferiores a da marca Adidas.

Os filmes das Copas de 1994 e 2010 foram apresentados em

duas etapas: a primeira somente o som. Os entrevistados deveriam informar as

sensações despertadas. Em seguida, exibimos o filme acompanhado da trilha e

solicitávamos a avaliação sobre as sensações, as mensagens transmitidas, o

que havia chamado mais a atenção, o papel do jogador no filme, se era ou não

de destaque, se algo feito pelos jogadores havia lhe impressionado e se o filme

retratava de alguma forma a emoção vivida dentro do campo.

4.13 Análise dos grupos

4.13.1 O significado de ser jogador de futebol

O futebol como esporte desperta nos adolescentes uma grande

felicidade. A fama e as glórias proporcionadas pelo esporte são agregadas ao

ato de ser jogador. O dinheiro também é lembrado, pois é exaltado como

recompensa pelo desempenho do atleta que desenvolve uma carreira voltada

ao futebol. É a perspectiva de uma vida melhor, de ser reconhecido pelo seu

próprio mérito. O jogador profissional de futebol é visto como um ícone, uma

meta a ser alcançada. O trabalho é encarado de forma prazerosa, provoca

80

admiração nas outras pessoas e orgulho naquele que pretende viver do

esporte. Nas palavras dos entrevistados:

“Significa ser feliz. Fazer aquilo que gosta.”

“Ser valorizado por aquilo que você faz. Ser famoso.”

“Sinto que os jogadores (profissionais) são mais felizes do

que os outros. Eles sentem-se realizados naquilo que fazem.”

“Ser um atleta é ter disciplina, doação.”

“Trabalhar por paixão e não obrigação.”

“É fazer o que gosta e ganhar dinheiro para isto.”

“Admiração é sentimento que define ser jogador de futebol.”

“Uma possibilidade de ajudar a minha família como jogador

de futebol.”

“Ter uma carreira e ser famoso com ela.”

Os entrevistados sabem, no entanto, que ser famoso, ganhar

muito dinheiro e fazer do hobby uma profissão, não é uma tarefa simples. Eles

encaram o lado difícil do futebol com certo ar de tristeza, já que o desempenho,

muitas vezes, fica aquém dos seus objetivos. As oportunidades são escassas e

as incertezas são enormes. Destacamos que para estes garotos, com idade

entre 14 e 17 anos, o futebol é encarado não só como uma profissão, mas uma

forma de ascensão social, o que podemos observar por meio dos relatos

abaixo:

“O mais difícil são as cobranças que se tem como

jogador”.

“Se machucar e perder as oportunidades de viver do

futebol”.

“O mais difícil é acreditar que você pode chegar lá, ser

profissional e viver disso, às vezes parece tão distante

que eu tenho vontade de desistir”.

“Tem muita gente que acaba desistindo no meio do

caminho porque não tiveram as oportunidades que

mereciam”.

“Ficar longe da família. Mesmo não sendo profissional

já sinto isso, como temos muitos jogos fora de São

Paulo, nem sempre meus pais conseguem

comparecer”.

81

“Tem muita disputa entre os jogadores e isso não ajuda

em nada”.

“A idade também atrapalha muito. Tenho 17 anos e

sinto que cada ano fica mais difícil ser um jogador

profissional. Os caras da base já estão nos clubes há

muito tempo e isso ajuda eles. Às vezes você

consegue participar de uma peneira (teste) e tem que ir

muito bem. Mesmo você indo bem corre o risco de não

conseguir”.

“A minha maior dificuldade é a altura. Tenho 1.55 e

acho que não vou crescer muito. Vou às peneiras e

sempre me saio bem, mas sou cortado pela minha

altura. Fico muito triste, sei jogar e jogo muito bem,

mas não tenho muito corpo para “dividir” uma bola”.

“A minha família acha que eu tenho que largar isso e

me dedicar aos estudos, mas este é o meu sonho”.

“Tem muitos jogadores que tiveram oportunidades, mas

não conseguiram permanecer no futebol”.

“Cada ano que passa fica mais difícil ser jogador. Os

clubes preferem os mais novos e isso vai ficando cada

vez mais difícil”.

“Os clubes até investem, mas precisa jogar muito bem.

A falta de investimento com transporte, comida e

materiais (chuteiras) é muito difícil, você só consegue

ganhar essas coisas quando já está no clube, mas não

é qualquer um que dá isso, só os grandes”.

Neste sentido, ser jogador profissional de futebol requer certa

altura, idade, desprendimento familiar, profissionalismo, aguentar a pressão, a

concorrência, a persistência e, acima de tudo, a sorte de encontrar pessoas

certas em momentos específicos. Isso tudo somado ao talento dentro de

campo.

4.13.2 Desenhos de autoimagem

Aplicamos nesta fase a técnica projetiva do desenho de

autoimagem para captarmos informações não verbalizadas. Os participantes

foram convidados a transpor para o papel como se viam praticando futebol.

82

Os desenhos buscaram, em sua grande maioria, exaltar o

momento do gol, sempre representado como o mais importante, de êxtase

total. É o momento no qual o jogador experimenta o prazer de decidir a partida,

de comemorar com os seus companheiros e sentir o ‘sabor da vitória’.

Verbalização: “Este foi o resultado do pênalti que bati. Não apareço porque já corri para abraçar os meus

companheiros”.

Os desenhos também invocam as imagens dos ídolos como o pai e o

time pelos quais torcem. No desenho a seguir, a figura paterna aparece ao

fundo, sem a sua complementariedade corporal, próximo ao ouvido do jogador,

como indicasse o caminho do gol.

Verbalização: “Este sou eu jogando. Este outro, atrás de mim, é o meu pai me incentivando”.

Figura 6 - No ângulo

Figura 7 - A sombra

83

Verbalização: “O meu desenho foi de eu fazendo um gol. Eu fico muito feliz e agradeço à Deus por ter

feito o gol porque sem ele não chegaria a nenhum lugar”.

Verbalização: “Este sou eu fazendo o que eu gosto, com paixão e dedicação. Nenhum goleiro segura

essa bola”.

Figura 8 - O gol

Figura 9 - Sem chances

84

Verbalização: “O momento mais importante da partida: o gol”.

Figura 11 - O iluminado

Verbalização: – “Sou eu como uma estrela na escola”.

Verbalização: “Esse sou eu – “ousadia e alegria”. A paixão pelo futebol”.

Figura 10 - A maior felicidade

Figura 12 - Ousadia e Alegria

85

Verbalização: “Essa é a minha paixão”

4.13.3 Como eu me sentiria como jogador de futebol

Ao retratarem como se sentiriam se fossem jogadores

profissionais de futebol, as representatividades giraram em torno de dinheiro,

carros e mulheres. Perdeu-se, nesta etapa, ou melhor, ficou em segundo plano,

o jogo de futebol. Isto porque para os entrevistados é essa a imagem que fica:

a de ser bem sucedido e expor aos outros o sucesso com aquilo que o dinheiro

pode comprar. Assim, muitas dessas imagens retratam dinheiro, cifrões, casas,

carros, mulheres, admiração e caminhos que se abrem após se tornarem

jogadores profissionais.

Figura 13 - Paixão

Figura 14 - Tem que ser top

86

Verbalização: “Fiz eu depois do jogo saindo para o lazer com meu carrão, minha roupa de marca, porque

serei patrocinado pela Nike, com a minha mulher e o bolso cheio de dinheiro, usando o meu Rolex. A

minha mulher tem que ser gata, ser top. O que adianta ser famoso e “pegar” as meninas da rua. Elas têm

que ter um padrão top”.

Verbalização: “No meu desenho eu tenho mais pessoas perto de mim, mulheres, carros e muito dinheiro”.

Verbalização: “Sinto a satisfação no meu desenho por ter conquistado o máximo da minha carreira e por

poder ajudar os meus pais a saírem do aluguel”.

Figura 15 - O sucesso que aproxima

Figura 16 - Chega de Aluguel

87

Verbalização: “Desenhei eu no meu lazer depois de um jogo, na minha casa, com piscina, meu campinho,

com jardim”.

Verbalização: “Este sou eu com a minha esposa e filha. Tenho na minha casa uma sala de troféus, onde

eu guardo as minhas conquistas”.

Figura 17 - Sonho no quintal

Figura 18 - A família perfeita

88

Verbalização: “Fiz eu com diversos caminhos para seguir, um caminho para família, mulheres, carros,

dinheiro e jogo. Eu tenho todos os caminhos para seguir, depende só de mim”.

4.13.4 Síntese dos desenhos

Para encerrarmos esta etapa, os entrevistados foram convidados

a sintetizar o que os desenhos estavam expondo. Assim, tivemos uma

avaliação do próprio grupo em relação ao fato de ser um jogador profissional.

Em suas palavras:

“Infelizmente são poucos que vão conseguir chegar ao topo da carreira,

ir para Europa e ter muito dinheiro”.

“Chegar ao topo é muito difícil, mais ainda é continuar lá em cima por

muito tempo. No desenho fica mais fácil”.

“Você tem que se superar a cada dia. Tem que ser o melhor para

alcançar o seu objetivo”.

“Tem muito dinheiro mulheres e carrão. Gastos com carros, mulheres e

bebidas, será que não vamos cometer os mesmos erros dos que são

profissionais hoje?”

“Acho que deveríamos investir em outras coisas pra gerar mais

dinheiro quando parar de jogar”.

Figura 19 - Possibilidades

89

“A carreira tem que ser aliada aos estudos pra depois poder continuar

com o futebol só que como um dirigente”.

“Se eu fosse jogador e tivesse férias de 10 dias, seriam dez dias

virados na balada. Só ia ter mulher na minha festa”.

“Eu ia ficar com a minha família, fazer umas festinhas, com os amigos,

mas tudo muito sossegado”.

Apesar das opiniões divergirem, a imagem que predomina é a de

que ser um jogador de futebol é ter sucesso, recursos financeiros e poder

comprar tudo o que hoje não é possível. Os sonhos vão desde o “carrão” até

“fugir” do aluguel, passando por mais amigos até o encontro da família perfeita

que estará próxima estimulando e compartilhando conquistas e glórias.

As emoções de ser um jogador profissional de futebol são

verbalizadas da seguinte maneira:

“Você tem que trabalhar ao máximo para ser melhor do que os outros,

mesmo achando que ninguém é melhor do que ninguém, você tem que

trabalhar duro para chegar lá”.

“Quando eu vou jogar contra um time, fico sempre pensando que no

campo deve ter um “olheiro” que vai me levar para um clube melhor.

Quando eu falto em um jogo, coisa que é muito difícil, esse

pensamento fica ‘martelando’ a minha cabeça – será que hoje o

“olheiro” estará lá?”

Outro sentimento que aflora como um entrave para a carreira de

jogador de futebol é a idade. Os grandes clubes do Brasil mantêm os jogadores

de base, dos 12 aos 23 anos. Este é o limite que quase todos enfrentam para

se tornarem profissionais. Do contrário, são dispensados pelo time ou

emprestados para outros de menor expressão.

“Eu acredito que até os 23 anos eu tenho chance, após essa data já

não tenho mais chances porque a partir dos 23 encerram-se as

categorias de base. Esse é o limite. Quanto mais o tempo vai

passando, menos confiante você vai ficando”.

“Eu me sinto triste porque no ano que vem serei sub 17 e vai ficar mais

difícil se não der certo, vou ter que trabalhar. Ter que ter outros

objetivos”.

90

No imaginário dos entrevistados a profissão de jogador de futebol

é feita de plena realização. As pressões, as fases sem jogar e o banco de

reservas não são vistos de maneira negativa, mas mesmo assim, aparecem

discretamente nos discursos:

“Acho que eles sentem-se realizados, mesmo no banco de

reservas”.

“Os jogadores sentem-se realizados. No Brasil o futebol está

sempre em vista. Todo mundo assiste aos jogos e aos

programas esportivos. Agora se você não está bem, por

exemplo, não consegue fazer os gols vem a crise e a pressão

do clube, da torcida e dos outros jogadores”.

“Mesmo realizados a pressão é enorme, mas nada como uma

boa partida para espantá-la”.

“Os jogadores são privilegiados em ter uma carreira como essa

que você vai trabalhar até os 40 anos e ser rico pro resto da

vida”.

“Deve ser muito bom você ser reconhecido na rua. Acho que

eles (jogadores) devem pirar!”

“A exposição é boa, mas a mídia fica muito em cima não deixa

o cara nem ir fazer compra no mercado”.

Para avaliarmos o grau de importância do futebol na vida do

entrevistado, pedimos que respondessem como seria a sua vida se ele não

jogasse futebol.

“Seria besta, não teria tanta alegria. O que leva graça na escola

é conseguir ganhar do terceiro (ensino médio). Sem o futebol

seria besta, seria só estudar, ficar dentro de casa e sair de vez

em quando. Não teria graça nenhuma”.

“O cara quando joga bola é feliz. O esporte traz mais felicidade

pra pessoa”.

“Quando você junta os amigos pra jogar videogame, você joga

futebol. O futebol está em tudo, no recreio, com uma latinha, os

caras já pensam que é uma bola e já ficam chutando”.

“Eu não gosto muito de quem não gosta de futebol. Pra falar a

verdade, quase todos os meus amigos jogam futebol, eu acho

que não conheço ninguém que não joga”.

91

“Na escola eu não vou muito com a cara de quem não joga

futebol, se o cara fala que quer jogar vôlei, esse eu nunca mais

falo”.

“Quando eu mudei de escola a primeira coisa que eu fiz foi

jogar bola no recreio, aí as pessoas começaram a se aproximar

de mim. O futebol me ajudou muito a fazer novos amigos”.

As amizades giram em torno do futebol. Para eles, é inconcebível

viver sem o futebol. Alguns acreditam que é uma forma de se impor perante os

outros como, por exemplo, “ganhar do terceiro ano”. Para outros é o que une

as amizades e separa os que não são da mesma turma: “eu não vou muito com

a cara de quem não joga futebol”.

A relação com os amigos fora dos campos é mais restrita,

segundo os entrevistados:

“É normal, mas com os que jogam tenho mais proximidade,

conseguimos conversar mais”.

“Os que não jogam e não gostam, eu evito falar com eles sobre

futebol”.

Se fossem jogadores profissionais os entrevistados acreditam que

teriam mais amigos “falsos” ou “interesseiros”.

“Acho que eu teria mais amigos, mas só confiaria naqueles que

estavam comigo antes de eu ser profissional”.

“Teria menos amigos porque iria atrair muitos oportunistas querendo

aparecer nas suas costas”.

“O que não ia faltar era ‘Maria Chuteira’...”

Segundo eles, as relações seriam deterioradas pela fama e pelo

dinheiro a confiança só seria estabelecida com aqueles que estiveram o tempo

todo em suas vidas.

Para avançarmos no objetivo da pesquisa e descobrirmos o grau

de influência dos jogadores na compra das chuteiras, solicitamos aos

entrevistados para escolherem três jogadores de futebol, independentemente

do país de origem ou clube. Pretendíamos avaliar, sem o estímulo da marca, a

influência dos jogadores. Cada entrevistado apontou 3 jogadores com os quais

se identificava. Assim, foram lembrados pelos grupos:

92

Ronaldo de Assis Moreira (R. Gaúcho) – Brasileiro – Nike;

Bastian Schweinsteiger – Alemão – Adidas

Tony Kross – Alemão – Adidas

Cristiano Ronaldo – Português – Nike

Zlatan Ibrahimovic – Sueco – Nike

Jonh Terry – Inglês – Umbro

Iker Casillas – Espanhol – Reebok e Adidas (a partir de 2012)

Thiago Silva – Brasileiro – Nike

Lucas R. Moura – Brasileiro – Nike e Adidas (a partir de 2011)

Leonel Messi – Argentino – Adidas

Neymar da Silva – Brasileiro – Nike

Zinédine Zidane – Francês – Adidas

Ronaldo Nazário (fenômeno) – Brasileiro – Nike

Rivaldo Vitor B. Ferreira – Brasileiro – Mizuno e Stadium (a partir de 2011)

Neste primeiro teste houve um empate no número de jogadores

que utilizavam as chuteiras Nike e Adidas. Esta é uma estratégia utilizada pelas

corporações para criar uma identificação entre jogadores e consumidores.

No entanto, ressaltamos que ainda não havíamos mencionado na

pesquisa nenhuma marca. As exposições dos entrevistados foram somente

sobre o nome dos jogadores.

4.13.5 Percepção sobre o produto

Queríamos medir se a marca influenciava no rendimento esportivo e se havia alguma relação entre as chuteiras e o status. Perguntamos, então, aos entrevistados, o que eles pensavam sobre a seguinte situação: Quando eu vou jogar com pessoas que não conheço e vejo alguém chegar com uma chuteira sem marca eu logo penso...

“Eu não penso nada, porque já vi uns caras chegarem com chuteiras como a Nike Mercurial, Adidas F50 e um cara descalço dar show. Você não deve julgar uma pessoa porque ela não tem uma chuteira de marca”. “Eu já tenho medo. Quando o cara chega todo “maloqueirão” é porque o cara sabe jogar bola. O cara é o “cão” jogando bola. Agora aqueles “playboyzinhos”

93

de Mercurial e F50, não tem o futebol que o cara descalço tem”. “Não dá pra julgar a habilidade do cara pela marca da chuteira. A marca não influência no desempenho”. “Cada um usa o que quer”. “O talento não está na chuteira”

Para avaliarmos o grau de influência da marca Nike, solicitamos

aos entrevistados que escolhessem dois modelos de chuteiras de um cartão com 36 modelos diferentes e marcas variadas. A seguir, os modelos escolhidos:

Dentre estes, observamos uma preferência por modelos da marca

Nike. A grande maioria sabia não só o nome do modelo da chuteira, mas quem a utilizava:

“Essa Mercurial é muito “loca”. É a que o Cristiano Ronaldo usa”. “Essa aqui era o modelo que o Ronaldo usava no Corinthians”. “Olha essa aqui, é a nova do Neymar”

Perguntamos aos entrevistados o que acontecia na seguinte situação: “Quando eu vou jogar e vejo alguém com uma chuteira de marca reconhecida eu logo penso...”

“Que chuteira dá hora (rs)” “O cara tem bom gosto. Tem uma condição melhor. Mas não acho que ele vai ser melhor só por causa da chuteira”. “A chuteira pode ajudar porque ela é mais leve do que as outras, as de amadores são mais pesadas e duras e isso prejudica na hora de você correr”. “Deve jogar muito, ou quer disfarçar”. “Tem a chuteira, mas não tem o futebol”. “Pra mim não tem. Se o cara me zoa porque eu não tenho chuteira vou pra cima dele e humilho”.

Evidente que a chuteira é um produto que pode ser adquirido, no

entanto, o talento do jogador é que deve prevalecer. Mesmo assim, há nos

Figura 20 - Modelos de chuteiras

94

produtos comercializados por marcas reconhecidas uma certa credibilidade de valor e de status que o produto desperta nos entrevistados. Indagamos se a chuteira de marca trazia maior segurança no desenvolvimento do esporte:

“Influencia se você joga profissionalmente. Quando eu tenho testes busco jogar com chuteiras mais leves. Elas aumentam a qualidade no passe e a batida na bola. Ela fica mais justa e evita a torção”. “A Mercurial é para jogadores que correm mais e chutam de longe”.

As campanhas das diversas marcas de chuteira também foram avaliadas pelos entrevistados. Expusemos campanhas veiculadas em diferentes locais do mundo e as que mais atrativas aos entrevistados foram as que recorriam ao uso do produto diretamente pelos atletas que eles admiravam e utilizavam o produto durante o jogo.

“Elas são influenciadoras, por exemplo, você gostando de futebol vai ser influenciado pelo jogador. O Cristiano Ronaldo que é patrocinado pela Nike só usa a Mercurial. É o modelo que mais se adapta ao tipo de jogo dele. E se você se identifica com ele vai querer usar uma também. É automático”. “Você quer seguir os passos do seu ídolo”. “A propaganda quer vender com base no jogador, você não vai comprar por causa da chuteira, você vai comprar por causa do jogador”. “A mídia quer colocar o modelo pra ser seguido, aí depende de cada um”.

4.13.6 Campanhas reprovadas pelos pesquisados As campanhas reprovadas são as que focam no produto e não no jogo. As distinções tecnológicas devem aparecer no campo para os entrevistados e não nos anúncios. Em suas palavras:

“Muitas dessas campanhas não transmitem o que acontece no jogo. Elas só mostram o produto e isso não me atrai. Gosto de ver o jogador em jogo”. “Essas campanhas só dizem assim – compre essa chuteira. Ela não demonstra o produto em uso”.

95

“Eu gosto do Hulk, mas beijar a chuteira não dá né”

“Essa parece que os caras querem arrancar a chuteira dele”

“Eu não serei um robô, por causa da chuteira. Ela parece que é dura que nem ferro”.

Figura 21 - Mizuno Hulk

Figura 22 – Adidas Oriente

Figura 23 - Adidas Robô

96

“Eu gosto desse anúncio, mas acho um pouco falso, parece que é uma foto de estúdio”

“Essas eu não consigo entender. Não tem nada a ver com futebol”

“Até gosto da foto, mas quem vai ler tudo isso?”

Figura 24 - Adidas Kaká

Figura 25 - Arte Puma

Figura 26 - Nike Campo

97

4.13.7 Campanhas aprovadas pelos entrevistados Conforme dissemos, os grupos aprovam as campanhas que retratam com mais exatidão a emoção da partida. São campanhas que captam os momentos do jogo, sem muitos efeitos tecnológicos e com pouco texto. “É isso mesmo, às vezes você precisa de só um momento”

“O Wayne tem tanta raça que até na propaganda aparece isso”

Figura 27 - Escreva o Futuro C. Ronaldo

Figura 28 - Escreva o Futuro - Wayne

Figura 29 - Neymar

98

“Eu acho que a campanha do Neymar – ‘Use ou Corra atrás é a mais bem elaborada’ – se você usa a mercurial você vai estar na frente, se usa outro tipo de chuteira vai estar atrás. Isso sem contar que o garoto propaganda é o Neymar”.

“O Fenômeno – não tem o que falar desse cara. Só o simbolozinho da Nike, patrocinado pelo resto da vida”. “A superação pela lesão, a força de vontade de voltar e ganhar o título mundial, ele realmente será lembrado como um fenômeno, por isso a tag tem tudo a ver com a carreira dele”.

“A bandeira da Inglaterra no peito do Wayne. É exatamente essa imagem que eu tenho dele. Isso é realmente o que ele é, um cara que tem raça e que luta pelo seu país no futebol.

“Suar a camisa – O Ronaldinho Gaúcho – reflete o jogo. É uma inspiração ver ele deixando os caras no chão, ainda mais com a camisa da seleção”.

Figura 30 - Fenômeno

Figura 31 - Wayne - Just do It

Figura 32 - Ronaldinho Gaúcho

99

“Um garoto de 12 anos vendo os ídolos, admirando. O mais 10, seria ele e mais dez dos jogadores que ele poderia escolher. O campo de terra parece os que eu jogo”. Pretendíamos avaliar também a concorrência entre as marcas. Assim os entrevistados foram questionados qual marca era a melhor, Adidas ou Nike? A resposta, apesar de não ser conclusiva, aponta que as chuteiras da Nike são mais aceitas, tem um grau menor de rejeição. Já as chuteiras Adidas são bem avaliados quando o assunto é durabilidade, mas quanto ao design, a Nike desponta na frente.

“Não tem tanta diferença do ponto de vista tecnológico”. “Adidas duram mais que a Nike.” “As da Nike são muito melhores, macias e com design mais legal”.

4.13.8 Análise do Filme: Os filmes, assim como os anúncios impressos que retratam o futebol como jogo, nos quais os atletas estão em ação, chamou a atenção dos pesquisados. Inicialmente pedimos para apenas escutarem, sem verem as imagens. A primeira campanha analisada foi o filme de 1994, que ainda não tinha sido assistido por nenhum dos entrevistados. Os sons foram assim descritos: “Parece uma guerra em campo” “Acho que é um jogo na chuva com trovões” “Um estádio cheio de torcedores vibrando”

Figura 33 - Adidas + 10

100

Quando exibimos o filme com as imagens e sons, houve as seguintes descrições:

“O futebol aproxima o mundo inteiro. A bola que percorre o mundo e que aproxima os atletas”

"O futebol está em todas as nações” “Dar uma bicicleta não é fácil, esse cara era bom”.

O segundo filme exibido foi produzido em 2010 e seguiu a mesma sequência. Primeiro o som, e depois, as imagens acompanhadas da trilha. Segundo os entrevistados, os sons pareciam:

“Um show de rock”. “Alguma coisa que acontecia em vários lugares” “Essa campanha não parece que é de futebol” “As músicas não lembram futebol, mas é bem agitado”

Ao verem o filme, logo se lembraram da campanha e a descreveram como um dos melhores comerciais de futebol. A agitação da música e as imagens foram descritas como sendo perfeitas. Elas indicavam exatamente como era o futebol.

“A cada lance na partida a história muda, e com isso, muda tudo na nossa vida” “Será que um dia vou participar de um comercial desses?”

101

5 ANÁLISES DAS CAMPANHAS

Para iniciarmos as análises das campanhas da Nike, devemos ter

em mente a afirmação de Santaella (2002) de que “todos os aspectos do

universo sígnicos podem ser analisados sob a ótica da obra de Peirce” (XII-

XIII). Dessa forma, para avaliarmos uma peça publicitária devemos ter como

ponto de partida a natureza triádica do signo. Assim, podemos esmiuçar a

mensagem sob o ponto de vista textual, imagético, sonoro, suas inter-relações,

os processos de referência e o papel dos receptores e reações com o signo.

Encontramos também em Santaella o percurso metodológico a

ser seguido:

Na face da significação a análise semiótica nos permite explorar o interior das mensagens em seus três aspectos. O primeiro dele diz respeito às qualidades e sensorialidade de suas propriedades internas, como, por exemplo, na linguagem visual, as cores, linhas, formas, volumes, movimento, luz, etc. O segundo aspecto diz à mensagem na sua particularidade, no seu aqui e agora em um determinado contexto. O terceiro aspecto se refere àquilo que a mensagem tem de geral, convencional, cultural. Na face da referência, a análise semiótica nos permite compreender aquilo que as mensagens indicam, aquilo a que se referem ou se aplicam. Também nesta face encontramos três aspectos: o primeiro aspecto deriva do poder meramente sugestivo tanto sensorial como metafórico das mensagens. O segundo aspecto deriva do poder denotativo das mensagens, sua capacidade para indicar algo que está fora delas. O terceiro aspecto deriva da capacidade das mensagens para representar ideias abstratas e convencionais, culturalmente compartilhadas. Na face da interpretação, a análise semiótica nos habilita a examinar os efeitos que as mensagens podem despertar no receptor. Esses efeitos são de três tipos: os primeiros são os efeitos emocionais, quando o receptor é tomado por um sentimento mais ou menos definido; os segundos são os efeitos reativos, quando o receptor é levado a agir em função da mensagem recebida; os terceiros são mentais, quando as mensagens levam o receptor a refletir. (SANTAELLA, 2002, p. 60).

Como para a nossa dissertação propusemos uma análise a partir

das junções da semiótica com o marketing (elaborado por Perez, Lencastre e

Côrte Real) além da reunião com a psicanálise (apresentada por Cesarotto,

Santaella e Chalub) adaptaremos a forma da nossa análise para melhor

compreensão. Partiremos da análise da significação (índices) e os seus

102

correspondentes no marketing e na psicanálise, a referência (ícones) e a

interpretação (símbolos) com os seus correspondentes no marketing e na

psicanálise, conforme a ilustração:

A publicidade criada pela Nike é um meio privilegiado para se

transmitir e persuadir os valores simbólicos contidos na marca e na

organização. Ela busca argumentar de forma direta ou indireta os seus

objetivos, conforme relata Santaella:

...dirige-se também as zonas não inteiramente conscientes do psiquismo do consumidor e atinge desejos até então desconhecidos pelo próprio comprador. Ela não pretende simplesmente informar ou convencer, em vez disso, quer também sugerir e atingir seu objetivo: a compra de um produto, escamoteando esse objetivo. (SANTAELLA, 2010, p.97).

5.1 Face da significação da campanha de 1994

O primeiro filme analisado foi produzido em 1994, por conta da

Copa do Mundo, nos Estados Unidos da América e marca a entrada da Nike

como uma das marcas de referência no futebol. Este foi o primeiro filme

veiculado pela empresa visando à modalidade.

Marca

Identity mix

Signo

Imaginário

Image Mix

Interpretante

Simbólico

Junção das metodologias

Fonte: Ilustração própria

Marketing

Mix

Objeto

Real

Figura 34 - Junção das metodologias

103

A Nike busca explorar as relações entre a marca e os diversos

continentes nos 45 segundos do filme. Uma bola percorre diversos países e vai

ao encontro dos personagens. Os jogadores são identificados por seus nomes

gravados nas paredes dos prédios.

O mobiliário urbano faz referência às cidades e aos países. Assim

que a bola chega próximo ao jogador, eles ganham vida e começam a driblar

os adversários até que o jogador chuta a bola para fora das paredes. No filme,

não há trilha sonora, somente o som da bola sendo chutada e explodindo para

fora da parede.

A primeira imagem do filme mostra uma ponte sob um rio no

centro. A ponte aparece como contornos de sombra em toda a sua extensão.

Vemos ao alto da imagem um céu nublado com alguns raios de sol que dá um

tom avermelhado para a imagem. Na lateral esquerda, há uma construção que

parte de uma base mais alargada até a sua ponta mais aguda. Na sequência,

percebemos uma bola percorrendo o cenário. Em seu percurso, no alto, a bola

passa por outros pontos. Em uma das imagens notamos que os monumentos

têm cor dourada e repousam sobre uma pilar. As referências são múltiplas,

partem dos pontos principais até alcançar as sutilezas da arquitetura das

cidades. Os prédios baixos, com até 5 andares são também indicadores da

cidade. Na mesma imagem que caracteriza a arquitetura, há uma pessoa

desenhada na parede de um dos prédios que se veste como um jogador de

futebol. Um signo verbal é apresentado (Cantona). Na mesma imagem, o

logotipo da Nike. Assim que a bola se aproxima o desenho ganha vida e o

jogador começa a driblar o outro atleta que também estava estático na parede.

Com uma camisa vermelha, shorts branco, meias pretas e chuteira preta o

jogador, após livrar-se do seu adversário, chuta a bola que explode a parede

com um som estrondoso.

Na sequência do filme há novamente a viagem da bola, agora

com céu azul e poucas nuvens. A bola passa novamente por outros marcos

arquitetônicos. Uma das construções apresenta no topo a imagem de quatro

cavalos e uma espécie de pássaros. Ao lado, outra construção, também com

largas colunas que aparentam ter a mesma altura.

Do lado oposto do prédio há um novo atleta retratado. Na parede,

a inscrição Schulz. Ao seu lado esquerdo, na parte superior da parede, o

104

símbolo da Nike. O jogador aparece com uma camisa amarela, shorts preto,

meias amarelas e chuteira preta Nike. Assim que a bola encosta no jogador,

ele também ganha vida e, em seguida, aparecem os seus dois adversários. Ao

livrar-se dos marcadores, o atleta chuta a bola para longe.

A bola, após ser impulsionada pelo jogador, segue o seu

movimento. A primeira imagem é a de uma construção com uma série de

janelas e um grande portal em formato semicircular. Em seguida, temos uma

espécie de igreja com uma série de torres, tendo em sua ponta a parte mais

fina. Após esses pontos de referência, vemos mais um jogador na parede.

Quando a imagem vai “fechando” no jogador, vemos dois ônibus vermelhos

cruzando uma rua estreita. Em cima dos ônibus notamos a presença de cabos.

O jogador retratado tem acima da sua cabeça a inscrição Maldini. Do seu lado

esquerdo, no canto superior, novamente aparece o símbolo da Nike. O jogador

usa uma camisa vermelha e preta, shorts branco, meias brancas e chuteira

preta Nike e aparece junto a dois atletas vestidos com roupas diferentes. Após

uma “cabeçada” na bola, esta segue para uma nova parada, sem antes passar

por outros pontos. A primeira imagem que temos é de um rio margeado por

construções em forma de castelos e uma grande torre que sobressai as

demais. A imagem apresentada na sequência mostra alguns ônibus vermelhos

de dois andares circulando pela cidade. Na parede temos o jogador Wright

usando uma camisa vermelha, shorts branco, meias brancas e vermelhas e

uma chuteira Nike preta. Após um chute de voleio (meia bicicleta), a bola

continua a sua viagem, agora segue sob o mar.

A bola percorre o mar com o sol se pondo. A próxima imagem

apresenta uma cidade com uma grande quantidade de prédios e carros.

Podemos perceber duas grandes avenidas, com muitos outdoors. Marcas

como Cola-Cola, Panasonic e JVC se espremem junto ao jogador que está na

parede aguardando a bola chegar. Assim que a bola chega, é dominada por

Ramos. O jogador está com uma camisa de mangas longas, nas cores verde e

branco. Seu shorts é branco e suas meias são verdes. A chuteira é preta da

marca Nike. Após driblar o seu marcador, Ramos dá um chute e a bola

continua a viagem. A imagem seguinte apresenta uma cidade praiana, com

prédios na orla e um morro ao fundo. A seguir o filme apresenta o jogador

Romário, exposto em uma parede de prédio aguardando a bola chegar. Ele

105

veste uma camisa amarela, shorts azul e meias brancas. Ao cabecear a bola,

esta segue para outro jogador. Bebeto veste o mesmo uniforme. Destacamos

que os jogadores, além de uniformizados, têm cada um o número estampado

nas camisetas. Romário tem o número 11, Bebeto, 7. Após dominar a bola, o

jogador chuta com um voleio.

A bola segue em nova direção, por uma nova paisagem. Agora

temos o céu escuro e uma luz que parte de baixo para cima. Na imagem,

novas referências da arquitetura. Assim que a bola se aproxima da cidade,

vemos um homem vestido com camisa e shorts laranja estampado, meias

brancas e chuteira preta.

O filme termina com uma “ponte” do goleiro Ramos. Ao realizar o

movimento, ele esbarra no logotipo da marca Nike que como um letreiro

luminoso deixa cair parte do seu emblema.

5.2 O mix de identidade da marca Nike no filme de 1994

Conforme descrito por Lencastre, Côrte-Real (2009) a identidade

mix é a composição dos sinais que se referem às instalações, os produtos, às

comunicações e às pessoas. Nesta perspectiva, três pontos aparecem com

maior frequência na campanha apresentada. São os produtos, a comunicação

e as pessoas. Conforme apontado por Perez (2007), estamos mais próximos

do representamem de Peirce, ou seja, aquilo que está no lugar de qualquer

coisa para ser interpretado por alguém.

Como identidade central da marca, temos o logotipo que

acompanha o filme em quase todos os momentos. Ele aparece no

enquadramento dos atletas, nas paredes das diversas cidades com, por

exemplo, no lance em que o atleta Cantona se livra do seu marcador.

A identidade efetiva da marca aparece, assim como no caso

anterior, junto aos atletas. Ressaltamos que neste filme quase não existe

separação entre a expressão gráfica e o nome da marca. Ocorre, no entanto,

somente uma vez, quando observamos o foco na chuteira do jogador

(destaque em vermelho realizado por nós).

A identidade ampliada, neste contexto, são os personagens da

marca, os jogadores que a vestem e a representam: Cantona, Schulz, Mandini,

106

Wright, Ramos, Romário, Bebeto e Campos. Todos se tornaram uma

ampliação da identidade da marca Nike. Assim, o seu desempenho está

diretamente vinculado ao nome da marca.

Ainda como identidade ampliada, temos o filme publicitário que

imprime na marca sua característica relacionada aos enquadramentos, cortes e

ações dos personagens. Em sua composição, tudo pode ser protegido como

uma manifestação da marca.

5.3 O imaginário no filme de 1994

O imaginário corresponde ao ego do sujeito atrelado ao seu

investimento libidinal, por meio de imagens. O eu projeta sua imagem no outro

e no mundo como fonte do amor, da paixão, do desejo de reconhecimento,

mas também da agressividade e da competição (Quinet, 1995).

O desejo de completude encontra no filme um grande aliado a

partir do momento em que coloca a performance dos jogadores em imagens

contidas no desejo dos seus receptores. Essa identificação e a autoridade do

jogador por sua habilidade e reconhecimento são manifestadas nos outdoors

espalhados pelas cidades. As imagens dos jogadores estão alinhadas com a

marca que assina o comercial – Nike – marca de materiais esportivos,

reconhecidamente, uma das que têm maior prestígio junto aos atletas e

receptores.

Este reconhecimento da marca torna o comercial ainda mais

desejado. Os expectadores que se identificam com a marca, o produto e os

jogadores, buscam reproduzir os atos e desejam, assim como os atletas que

aparecem no filme, ser porta vozes da Nike.

Além de projetar os atletas junto à marca, o filme faz o espectador

viajar com a bola de futebol por diversas cidades do mundo acompanhado dos

melhores jogadores de cada lugar. Nesta viagem da bola, há fachadas de

museus, monumentos e pontos turísticos que levam o receptor a imaginar

como é viver do futebol, as paisagens que encontraria e quem seriam os seus

companheiros de jogo.

107

5.4 Face das referências da campanha de 1994

A bola é um dos principais ícones do filme. Ela tem a função

metafórica de unir todos os povos, continentes e nações. É por intermédio dela

que percorremos as diversas cidades. Ela apresenta os cenários e é a partir da

sua ação, de se aproximar dos jogadores, que dá vida a eles.

A primeira imagem mostra uma torre e uma ponte de um rio. Ao

observá-la, concluímos ser a Torre Eiffel, símbolo da capital francesa, pela sua

forma. Na sequência do filme aparecem estátuas sobre grandes bases em

concreto. Estas esculturas são douradas e, na realidade, são em ouro, o que

reforça ainda mais as características da cidade de Paris.

Neste sentido, o filme percorre diversas cidades do mundo,

partindo da mesma forma de apresentá-las, ou seja, no primeiro momento

aparecem monumentos, símbolos e características do país e, em seguida, o

jogador que atuaria no mundial de futebol daquele ano.

A segunda foto mostra uma espécie de construção, com

largas colunas e, no topo, a figura de quatro cavalos e uma ave acima

representando o portal Brandemburgo, símbolo da história alemã, em sua

divisão entre Berlim Oriental e Ocidental. Quando a Alemanha foi dividida, em

1961, o portão ficou isolado em meio a uma área restrita pelo Muro de Berlim,

na Berlim Oriental. Símbolo notável de uma cidade dividida, foi reaberto em 21

de dezembro de 1989. Construído entre 1788 e 1791 por Carl Langhans

(1732–1808), arquiteto-chefe de Frederico Guilherme II da Prússia, o portão de

arenito foi inspirado no Propylea, o portão da Acrópole em Atenas, no estilo

neoclássico. Sobre ele está uma Quadriga da Vitória, uma escultura de bronze

da deusa da vitória guiando uma carruagem levada por quatro cavalos.

. Na sequência do filme há a indicação do jogador Michael Schulz,

que atuou na equipe alemã durante a Eurocopa de 1992.

Após o chute de Schulz, a bola segue com destino a um novo

país, a Itália. A bola passa por marcos da cidade de Milão, como a Galeria

Vittorio Emanuelle II – construída entre 1865 e 1877, durante a Belle Époque.

Seu nome é uma homenagem ao primeiro rei da Itália após ter sido

reconhecida como país. Ela fica em um ponto importante da geografia da

108

cidade de Milão, tendo ao norte a Catedral de Milão e, ao sul, a Piazza della

Scala. Outro fato marcante na imagem é a pomba voando. A cidade concentra

uma enorme quantidade deste tipo de ave. O jogador Maldini representa o

país.

O filme apresenta então uma nova paisagem, uma espécie de

castelo e uma torre à beira de um rio. Os detalhes da arquitetura nos leva a

crer tratar-se do Palácio de Westminster, sede do Parlamento Britânico, e a

torre, o Big Bem, símbolos explorados na passagem da bola pela cidade de

Londres.

O atleta apesentado é Ian Edward Wright um dos expoentes da

capital inglesa relacionado ao futebol. Ele está com uma camisa do Arsenal,

time inglês localizado ao Norte de Londres.

Wright chuta a bola que segue em direção ao mar acompanhada

pelo pôr do sol passando antes pelo London Bridge. O próximo destino é a

América do Norte, a Times Square Garden, em Nova York. O jogador que a

recebe tem o seu nome escrito na parede – Ramos, nascido no Uruguai que

emigrou para os Estados Unidos com 10 anos. Tabaré Ramos atuou pela

equipe americana no mundial de 1994 e jogou em diversos times americanos,

entre eles New Jersey Eagles, Miami Sharks e Real Betis. É em referência a

este último clube que o jogador está uniformizado. O céu escurece e na

imagem da avenida percebemos os carros com os faróis acesos.

A América do Sul é representada pelo Pão de Açúcar, símbolo da

cidade do Rio de Janeiro. Os jogadores brasileiros, Romário e Bebeto são

ícones do futebol nacional e vestem o uniforme da seleção com as suas cores

típicas, identificados pelos números 7 e 11.

O filme encerra com o jogador Campos, atleta que representa a

Colômbia.

5.5 O Marketing Mix da Nike 1995

Conforme descrevemos, o marketing mix corresponde às

variáveis: produtos, preço, praça e promoção. No filme, são apesentadas

algumas cenas nas quais observamos pelo menos três “Ps" do marketing mix:

produto, promoção e praça. Inicialmente não temos a presença do preço, no

109

entanto, não podemos dizer que está totalmente omisso já que os outros “ps"

podem contribuir para a sua diferenciação em relação aos demais produtos da

categoria.

O produto central é a chuteira Nike. Apresentada em cor preta e

branca (somente o nome da marca e o símbolo em branco). O produto está

sendo demonstrado em seu momento de uso, por meio dos chutes, impulso

para cabeceios e/ou jogadas como voleios e bicicletas que requerem alto grau

de conhecimento. Destacamos que ao chutar a bola, ela sai da parede com

grande força provocando uma explosão, o que indica que o produto irá ampliar

o desempenho dos atletas.

O fato das chuteiras serem calçadas por grandes nomes do

esporte dá a ela credibilidade e notoriedade maior que a dos seus

concorrentes.

Já o produto ampliado corresponde às trocas realizadas da marca

com os seus diferentes públicos. É neste momento que temos a presença dos

outros Ps da marca como a praça, promoção e preço.

O filme apresenta a bola sendo impulsionada por um jogador que

calça as chuteiras da Nike (produto) após a ação, a bola passa por diversos

países (as praças) nas quais a Nike está representada e, por fim, temos nestas

imagens dos países a internacionalização da marca, o que confere ao produto

status de algo internacionalizado, o que permite ter um preço mais elevado.

5.6 O Real do filme de 1994

No filme de 1994 o Real é apresentado ao receptor como o objeto

com o qual ele nunca teve contato. Neste sentido, inferimos que o objeto

faltante é a exposição com a qual o jogador de futebol, apresentado nos

diversos momentos do filme, está exposto. A sua performance e a sua

magnitude são exploradas pelo filme como ícones de sucesso e de desejo. O

sucesso exposto nas ruas, nos prédios e nas diversas ações realizadas pelos

jogadores dá a eles a credibilidade para representarem a sua nação. A forma

como o filme expõe o jogador, sempre no alto com cenas na qual os jogadores

110

aparecem maiores que os expectadores os faz parecer muito maiores do que

realmente são.

Neste jogo cênico, resta ao receptor projetar o seu desejo em ser

igual ao ídolo representado nas imagens. Representar o seu país, ter

desempenho melhor do que os outros atletas e ser reconhecido como um ícone

do futebol. Todas estas sensações são expostas ao receptor que se contenta,

tão somente, em ser expectador dos jogadores.

A sensação que fica ao expectador é a de total impotência já que

para representar o futebol, há que se ter desempenho superior ao dos outros

jogadores. O reconhecimento das outras pessoas, o grito da torcida e os

dribles nos adversários. Tudo isto faz com que os jogadores profissionais

sejam bem sucedidos. Já para os torcedores, fica o desejo de se tornarem

jogadores profissionais, mesmo sem nunca terem este tipo de desempenho.

5.7 Face da interpretação da campanha de 1994

O filme apresentado pelo Nike foi lançado às vésperas da Copa

do Mundo de futebol de 1994. Neste sentido, o filme carrega a missão de

colocar a marca como uma referência no futebol, algo que não era realidade

até o momento. A sua grande força estava concentrada em outras modalidades

esportivas como o basquete e o atletismo.

O futebol é um esporte da massa, conforme já descrito por

inúmeros autores. Ele move paixões e carrega consigo o poder das batalhas

realizadas entre iguais, ou seja, onze para cada lado, em um campo neutro.

O filme busca explorar a relação do jogo com a mundialização do

esporte, retratar diversas nações e exaltar a união que ele proporciona. A

intenção da marca é unir o mundo através do futebol e, para isso, explora as

imagens dos atletas em seus países como ícones de representação da nação

no futebol.

A bola que percorre os diversos cenários do filme tem a pretensão

de unir o futebol por intermédio da ação dos seus jogadores. Em sua trajetória

observamos que ela não parte de um ponto ao outro por uma linha reta, mas

em uma linha curva, sempre imitando o movimento do símbolo da marca Nike.

111

Os cenários pelos quais o filme transita leva para o receptor a

ideia de sofisticação, mundialização e ausência de fronteiras. Todas essas

características são alavancadas pela ação do produto e do personagem da

marca. São sensações reforçadas pelo movimento da bola e pela

intencionalidade do diretor do filme em apresentar pontos de referências

mundialmente conhecidos.

Inicialmente a imagem dos jogadores é estática, está presa na

parede das grandes cidades. No entanto, ao encontrar com a bola, ganha

movimento e vida. Em outras palavras, o recurso metafórico empregado leva

ao receptor a ideia de que a vida está no futebol. E ao tocar na bola, os

jogadores recebem o uivo da torcida vibrando por ele mantê-la em jogo.

O céu da França é retratado com cores que lembram o quadro de

Eugéne Delacroix, representando a Revolução Francesa. A cor avermelhada

do início do filme traz uma tônica quente ao enredo que se inicia com a

passagem da bola, o som de trovões e a velocidade da bola como um “foguete”

ou um “míssil”.

Na interação dos jogadores com a bola e, impulsionados pela

ação do produto (chuteiras Nike) ocorre uma explosão na parede. O que se

pretende transmitir ao receptor é que o produto trará mais força e virilidade ao

ser usado.

Na Alemanha, a bola tem em seu percurso o portal de

Brandemburgo, que divide o país em dois grandes blocos. É o unido portal

ainda em pé na Alemanha, a Quadriga da Vitória, uma escultura de bronze da

deusa da vitória guiando uma carruagem levada por quatro cavalos que lembra

a missão da deusa Niké: voar e correr grandes velocidades.

Como pontos de referência da Itália são apresentados a Galeria

Vittorio Emanuelle II – que busca retratar, por um lado o período real da Itália, e

por outro, o grande centro comercial, símbolo de sofisticação e modernidade. A

catedral de Milão e até mesmo a pomba voando, reforçam as características

daquele país.

O parlamento britânico, os ônibus de dois andares, o grande

relógio e a ponte que se eleva, trazem as referencialidades da cidade de

Londres. São todas marcadas pela política com o parlamento, a mobilidade

social, os ônibus e pontes e com o tempo representado pelo grande relógio.

112

O caminho da bola é marcado pelo pôr do sol. Ela segue em

direção à cidade americana de Nova York, na qual o espaço publicitário é

extremamente disputado pelas grandes marcas. Dessa forma o filme também

retrata outras marcas captando a atenção do público que circula pelo local. São

exibidas marcas como JVC, Panasonic e Coca-Cola. Mas é a Nike que ganha

maior destaque perante as outras campanhas expostas na avenida.

O Brasil é retratado pela cidade do Rio de Janeiro com o seu Pão

de Açúcar e a orla de Copacabana. Dois jogadores representam o país –

Romário e Bebeto. É o único país representado por dois jogadores, ambos com

o uniforme da seleção.

Os demais atletas retratados vestem uniformes mas não das

nações nas quais atuariam, com exceção do Brasil. As camisas das seleções

teriam também a função de identificar, no entanto, não foram utilizadas pela

marca, pois havia contratos de exclusividade com outras marcas. Assim, de

forma bastante engenhosa, a Nike utiliza-se dos seus jogadores patrocinados

para explorar a marca naquele país. Usa também pontos de referência

(monumentos, construções e demais sutilezas) para gerar o efeito de

pertencimento dos jogadores àqueles países.

Ao final da campanha surge a figura do goleiro Campos. Sua

função como goleiro é não deixar a bola entrar no gol, mas no filme a sua

missão é não deixar a bola explodir do logotipo da marca. Campos faz o

movimento de ponte, mas não consegue impedir que a bola atinja o logotipo.

5.8 O mix de image da campanha de 1994

Nesta etapa analisamos a interpretação da marca para um

determinado público. As respostas, no entanto, podem divergir já que existem

diferentes relações entre ela e os seus públicos. Buscaremos, então,

condensar as respostas coletadas a partir das análises anteriormente

realizadas.

A relação do filme com os indivíduos entrevistados na pesquisa

qualitativa é do tipo comportamental. Ao serem expostos, eles se identificavam

113

com as jogadas ao afirmarem, por exemplo: “esse voleio não é pra qualquer

um”, demonstrando assim sua admiração pela ação do jogador.

A preferência pela marca também foi verificada em diversos

momentos da pesquisa como, por exemplo, nos desenhos de autoimagem com

os símbolos da marca estampados nas roupas.

Assim como nos testes top of mind, a Nike foi lembrada

espontaneamente pelos pesquisados. No entanto, o seu nome sempre veio

acompanhado por atletas que usam os seus materiais esportivos, o que já

representa a resposta efetiva da marca.

5.9 O simbólico da campanha de 1994

O filme apresenta uma série de imagens com as quais os

receptores se identificam e, desta forma, buscam reproduzi-las. Nesta busca

pela reprodução ou na sua avaliação de como fazê-lo, tem-se o simbólico como

o limite de seus sonhos. Intimamente ele sabe que a sua performance não é

igual a dos jogadores retratados, assim a intervenção do simbólico serve como

um limitador de desempenho.

Os jogadores retratados no filme são apresentados como

expoentes daquelas nações, reconhecidamente superiores aos outros

jogadores por uma série de fatores, que envolvem a sua carreira nacional e

internacional, os títulos conquistados, os gols marcados, tudo em atuações

memoráveis.

O distanciamento entre o que o receptor é e aquilo que o jogador

representa, equivale ao grande Outro, o sujeito barrado pela intervenção do

simbólico.

Durante a pesquisa qualitativa realizada para a nossa dissertação,

apareceram diversos exemplos que apresentam o sujeito barrado:

“A propaganda quer vender com base no jogador. Você não vai

comprar por causa da chuteira, você vai comprar por causa do

jogador”.

“A mídia quer colocar o modelo pra ser seguido, aí depende de cada

um”.

114

“O mais difícil é acreditar que você pode chegar lá, ser profissional e

viver disso, às vezes parece tão distante que eu tenho vontade de

desistir”.

“Tem muita gente que acaba desistindo no meio do caminho porque

não tiveram as oportunidades que mereciam”.

5.10 A campanha Escreva o Futuro 2010

A campanha “Escreva o Futuro” foi lançada pela Nike em 2010. O

filme, com duração de 3’03 segundos, busca retratar os diversos momentos de

uma partida de futebol.

Para facilitar a compreensão das análises que seguirão, optamos

por dividir o filme em três momentos: o jogo, a torcida e as consequências.

5.10.1 A face da significação da campanha Escreva o Futuro

5.10.1.1 A bola

O filme começa com uma bola que desce do céu e alterna

momentos mais lentos (como em um slowmotion) com mais cenas vigorosas.

Em nenhum momento do filme a bola cai diretamente no chão,

sem antes ser amparada por um jogador que a mantém no peito ou no pé. A

bola, neste sentido, é tratada com um “carinho” especial.

Os jogadores

No filme os jogadores usam roupas distintas, uniformes de

equipes diferentes. O jogador da primeira cena, que tem o número 11

estampado, usa uma camisa cor de laranja, shorts branco, meias verdes e

chuteira branca e laranja, recebe a bola tendo ao seu lado, um jogador com

camisa branca, shorts azul e meias brancas. Alguns aparecem com chuteiras

pretas e brancas. Observamos que na mesma cena os outros jogadores

vestem uniformes parecidos.

115

Alguns dribles dos jogadores são mostrados em câmera lenta

enquanto os lances nos quais os jogadores correm mais que seus adversários

alternam momentos de ações rápidas e lentas.

5.10.1.2 As jogadas

O primeiro jogador recebe a bola de costas para o adversário. Ao

dominá-la, livra-se de seu opositor. Um segundo marcador dá um “carrinho”

para tentar tirar a bola dele, em vão, o jogador passa sem acertar a bola. Nesta

cena a câmera lenta foi utilizada para demonstrar a jogada em detalhes. O

atleta de laranja corta para o lado direito e continua em direção ao gol. Agora o

goleiro está na sua frente, ele chuta e a bola segue lentamente em direção ao

gol. Neste momento, surge um novo jogador que corre em direção ao gol para

tentar evitá-lo. Com uma bicicleta o jogador retira a bola e evita o gol.

Ao cortar a bola temos uma nova sequência de cenas. A bola

agora é dominada por um jogador que veste um uniforme branco e camisa 10.

Ela se livra do primeiro adversário e lança a bola em direção a outro jogador do

mesmo time. Antes da bola chegar até o jogador de branco, é interceptada por

um jogador que veste azul e tem o número 7 na camisa.

Ele segue em direção ao gol e, ao preparar o chute, o atleta de

branco dá um “carrinho” desarmando a jogada. O juiz não considera falta e dá

andamento na jogada.

A bola agora corre para ser disputada entre dois outros jogadores.

Um com camisa vermelha, shorts branco, meias vermelhas e chuteiras pretas e

o outro com uma camisa amarela, shorts azul, meias brancas e chuteira

branca. O atleta de amarelo consegue tocar a bola para outro do mesmo time.

Eles realizam uma “tabela” e a bola é novamente lançada para outro jogador de

amarelo que, ao dominá-la, dá um “chapéu” no adversário e segue para

próximo da linha de fundo. Antes de a bola cair, no entanto, ele a domina com

a ponta da chuteira, para em frente ao oponente e realiza o movimento de

“pedaladas”. Quando o jogador ameaça continuar, ele passa a bola entre as

pernas do jogador e a lança.

A jogada continua em uma nova cena. Um jogador vestindo

camisa branca com duas listras verticais verde e vermelho, shorts verde, meias

116

brancas e chuteira branca e laranja “mata” a bola no peito e segue com ela

dominada. Passa por alguns adversários até que um deles, usando uma

camisa laranja o segura cometendo uma falta. Ele cai no chão e o juiz apita a

irregularidade. Após o ato infrator, o jogador de branco se prepara para bater a

falta, ajeita a bola e corre em sua direção. Neste momento o filme é cortado e

surge a frase Write the Future.

5.10.1.3 A torcida

O filme é acompanhado em todos os momentos pelos torcedores

e profissionais que levam as imagens do jogo.

Logo na primeira cena aparecem cinegrafistas, fotógrafos e

narradores, editores de vídeo, todos diretamente ligados à partida. Outros

personagens também surgem no decorrer das cenas. São torcedores e/ou

espectadores da ação dos jogadores. Os jogos são transmitidos pelas TVs e

vistos pelas pessoas em bares, salão de cabeleireiro, nas casas, nas ruas, por

torcedores batucando, soltando fogos de artifício, nas varandas e nos telhados.

Os torcedores também aparecem nos estádios, sacudindo

bandeiras e apontando a melhor jogada. Acompanham a partida na frente das

lojas de eletrônicos e se desesperam com o erro do jogador.

Nos estádios, mulheres com shorts curtos e top dançam

comemorando as jogadas e os torcedores empunham bandeiras e vestem

gorros com cores que representam o país.

5.10.1.4 As consequências do jogo

A cada lance da partida os torcedores reagem no momento do

jogo e ao final. O jogador que evita a bola entrar no gol com uma “bicicleta”

participa, por exemplo, de um programa de TV com uma plateia no auditório

entusiasmada com o seu desempenho. O programa apresenta muitas mulheres

dançando no palco, outras amarradas por fios, fazendo o mesmo movimento

do atleta que assiste a tudo sentado em uma poltrona. Os bailarinos vestem

uma camiseta branca com o número 6 estampado.

117

As cenas são transmitidas para os lares e, em um deles, uma

família sentada à mesa assiste ao programa. No centro do palco, um cantor

homenageia o jogador que revê a sua jogada no telão do espaço.

Ao perder a bola, um dos jogadores, tem uma espécie de visão,

nela ele vê as consequências do seu erro. A primeira imagem que aparece é

uma foto sua sendo queimada. No vestiário, com a sua equipe cabisbaixo, o

jogador olha para o espelho e atira a sua chuteira contra ele que se

espedaça.

A visão prossegue e, agora, o seu ato repercute também nas

bolsa de valores. Uma frase indica os problemas causados pelo jogador:

Stock Market Dive.

Nas ruas, torcedores manifestando, carros de polícia com as

luzes acesas e um rapaz cabisbaixo no quarto onde há diversos elementos

relacionados ao futebol: bola, fotos e um pôster com o jogador de braços

abertos coberto pela cor vermelha. O rapaz se levanta e rasga o pôster. Em

seguida, joga no chão os papeis que estavam na cômoda.

Os jornais estampam na capa a foto do jogador decepcionado e

mão no rosto. A frase que acompanha a foto é England in Roo-Ins. Na

sequência, outras duas pessoas olham a mesma reportagem vestidas com

um agasalho vermelho e branco. Um dos personagens olha com ar de

satisfação o outro, mais contido, retribui com ar de apreensão.

Na sequência da visão do jogador, ele agora empurra um carrinho

demarcando as linhas no campo. Em seguida, aparece cozinhando em um

trailer no interior do qual há uma bandeira da Inglaterra, luvas de boxe e a foto

de um pugilista. O jogador aparece agora com uma barba grande ao abrir a

porta do trailer, depara-se com um outdoor do jogador que “roubou” a sua

bola. O jogador imita a pose do cartaz, a mesma que estava no quarto do

rapaz e tinha como personagem o jogador que agora não tem mais as suas

glórias. Neste momento, a imagem se funde e ele volta ao jogo.

Após tirar a bola do adversário, o jogador tem uma nova visão,

agora recebendo o agradecimento e um título oferecido por uma rainha. Sob

aplausos, rompe o protocolo e a abraça.

118

Surge, então, um novo jornal trazendo outra manchete: Just Roo

It e o complemento Sir Wayne Rooney forever honoured in doven. A foto é de

uma escultura do rosto do jogador cravada em uma montanha.

Os três jogadores que observam a imagem agora sentem raiva,

amassam o jornal e o jogam fora todos vestem o mesmo tipo de agasalho

vermelho com as mangas azuis.

A sequência do filme traz o resultado das bolsas de valores. Se

na primeira visão o cenário era de pessimismo, agora é otimista. Um gráfico

com uma curva ascendente é apresentado juntamente a bandeira inglesa e o

símbolo da moeda britânica. Na linha inferior há alguns símbolos com as

palavras FOOTSY, WYNE, ROO e NEY. Uma máquina de contagem de notas

aparece em funcionamento com a imagem do jogador. Em seguida, uma série

de pulseiras de bebês com o nome Wayne são distribuídas em uma

maternidade.

O jogador agora aparece usando terno e gravata em uma espécie

de sala jogando pingue-pongue com outra pessoa que se esforça para buscar

a bolinha do jogador. Do lado do opositor, no pingue-pongue temos um troféu,

duas guitarras e uma estatueta. Já o lado do jogador de futebol, aparece uma

poltrona com almofadas branca e vermelha e um ursinho de pelúcia.

Entra uma nova sequência. Nela, um dos jogadores que dá uma

“pedalada” tem em sua jogada uma repetição do lance, por meio, das redes

sociais como o Facebook, Youtube e o site da Nike. As pedaladas são

reproduzidas junto aos espectadores que repetem a jogada nos mais variados

momentos, como em uma aula de ginástica, na comemoração entre

jogadoras de futebol e até junto ao jogador de basquete que comemora a sua

cesta com as “pedaladas”, transformando o ato do jogador em uma espécie

de vídeo viral.

Um novo jogador entra em cena. A repercussão da sua jogada o

leva a inaugurar um estádio com o nome “Estádio Cristiano Ronaldo”. O

jogador agora é personagem do desenho animado Os Simpsons. Na cena do

desenho, Homer abre a porta, fica admirado com o jogador que chuta a bola

entre as suas pernas. Após o lance, o jogador vira-se para a câmera, dá uma

piscada e seu brinco brilha emitindo um som agudo.

119

Agora o jogador aparece de terno e gravata na estreia de um

filme. Em meio a diversas câmeras, aparece ao lado de uma mulher loira e

vestido vermelho. O título do filme aparece no letreiro Ronaldo: The Movie. A

cena agora é do trailer do filme que traz o ator Gael Garcia Bernal como

Ronaldo.

Em uma nova sequência o jogador se prepara para bater uma

falta. No momento seguinte, uma estátua é baixada com uma réplica do

jogador.

5.10.2 O mix de identidade da marca em Escreva o Futuro

No filme apresentado pela Nike, temos uma série de elementos

relacionados ao mix de identidade da marca. Ao todo, são mais de trinta

aparições do logotipo da empresa no filme aplicados nos produtos. Bolas,

camisas de seleções, shorts, meias e chuteiras, tênis, pulseira e uma infinidade

de outros materiais esportivos com o símbolo da marca Nike.

Além do seu símbolo, a expressão Nike percorre diversos

momentos do filme. No entanto, o seu nome concentra-se com maior

frequência, dentro do estádio onde as ações dos jogadores ocorrem. A

assinatura da marca, Just do It, também é recuperada no filme em alguns

momentos.

As aplicações do logo aparecem em cores variadas – preto,

branco, laranja, cinza, azul e verde. A aplicação do nome Nike aparece em

branco e em amarelo.

5.10.3 O imaginário no filme Escreva o Futuro

Um eu ágil, espetacular, decisivo, admirado, protagonista,

celebrado é retratado no filme da marca Nike em Escreva o Futuro. Ao

mesmo tempo, que nos é apresentado este eu (ideal) temos outro eu que é

falível, e a sua falibilidade é a mesma que alimenta o ideal do eu do outro.

O imaginário no filme busca romper os seus limites, levando o

espectador a se colocar no lugar do jogador e sentir os prazeres e

120

desprazeres da sua vitória ou derrota. As imagens são projetas para dentro

dos lares, passando por uma longa cadeia de produção e reprodução da

imagem. Tudo é registrado e exaltado principalmente à potência do ato dos

jogadores.

Na sequência em que temos o jogador inglês, por exemplo, a

torcida indica a melhor jogada, aponta para o ídolo o que ele deve e fazer. No

entanto, ao ter a bola interceptada pelo jogador francês, nos é apresentado o

lado “sombrio” do imaginário. A derrota, a perda, a frustração dos torcedores,

companheiros de clube e do próprio jogador são retratadas em uma série de

visões e momentos do jogador após aquele passe errado. Sua visão é

deflagrada a partir do momento em que o seu companheiro de time abre os

braços para reclamar da jogada. Neste momento há um corte da câmera para

um pôster do próprio jogador, de braços abertos, um sendo queimado e outro,

rasgado. Os jornais estampam a derrota e indicam o culpado. As

consequências do seu ato são tão graves que implicam até a queda da bolsa

de valores. Por outro lado, aparece a satisfação dos adversários. Ele se

imagina morando em um trailer, cozinhando e vivendo em uma condição

precária. Depara-se com um outdoor do jogador francês, a imagem se funde e

ele corre para tentar evitar o seu fim trágico.

Agora, o jogador inglês é celebrado pelo seu triunfo em campo.

Recebe condecorações da rainha, está nas capas dos jornais com o título de

Sir e seu ato é reconhecido também pelo mercado financeiro, que apresenta a

subida na bolsa de valores. Na maternidade, as crianças recebem o nome do

jogador também em retribuição ao seu ato.

Em outros momentos do filme, as jogadas também buscam ser

eternizadas por vídeos, fotos e são replicadas à exaustão na internet e por

astros de outras modalidades esportivas.

As homenagens, séries infantis, programas de TV, filmes com

astros do cinema, estádios de futebol e esculturas em homenagem aos

atletas evidenciam uma clara retribuição aos jogadores pelo seu desempenho

em campo e os serviços prestados a nação.

O filme termina com uma provocação: Escreva o Futuro.

121

5.10.4 A Face da Referência do Filme: Escreva o Futuro

O filme apresenta uma série de oposições. No entanto, o que

mais se destaca é a ação do jogador e a sua consequência que pode trazer a

glória da vitória ou a angústia da derrota. Essa oposição binária aparece

durante todo o filme apresentando uma linha mestra, na qual cada lance da

partida é possível definir quem ganha e quem perde.

O primeiro personagem veste uma camisa laranja e shorts

branco, cores utilizadas pela Costa do Marfim. É o jogador Didier Drogba. Os

seus dribles são exibidos em câmera lenta, sugerindo a qualidade apresentada

pelo jogador neste tipo de jogada. O lance é acompanhado pelas redes de

televisão que transmitem a partida para fora do globo, sugerindo que a

performance do jogador pode ser vista por todo o planeta, em especial, pelos

cidadãos daquela nacionalidade. O povo da Costa do Marfim é retratado por

pessoas simples e de poder aquisitivo muito baixo. Esta afirmação pode ser

comprovada pelas cenas nas quais as pessoas aparecem. Ao ter sido

interrompido no momento do gol, observamos a reação de decepção do povo

que leva as mãos à cabeça e se decepciona com a jogada.

A bola é interceptada por um jogador que veste uma camisa

branca, com um linha azul próxima à manga e shorts azul escuro. É o jogador

de futebol Canavarro, capitão da esquadra italiana. O seu ato também é

celebrado pela nação, por meio, de um programa de TV que repassa a jogada

no telão e em forma de coreografia, reproduz a jogada.

A sequência mostra um jogador de camisa e shorts branco. No

detalhe da camisa, o símbolo da seleção inglesa. É Wayne Rooney.

Percebemos também outros símbolos que indicam tratar-se da Inglaterra como

uma bandeira branca e vermelha, uma das representações das suas cores.

Vale ressaltar, que a bandeira inglesa é composta pelas cores branca,

vermelha e azul. Outro detalhe que chama a atenção é um relógio indicando o

tempo da partida. Ele mostra 89 minutos e 17 segundos, ou seja, estamos no

segundo tempo da partida e nos segundos finais já que o jogo termina aos 90

minutos, fora os acréscimos autorizados pelo árbitro da partida.

122

A seleção inglesa, ao contrário das outras apresentadas no filme,

leva em sua camisa um símbolo diferente do representado pela marca Nike. É

a marca Umbro, adquirida pela Nike em 2007.

A derrota apresentada traz como consequência uma série de

impactos na vida do jogador, levando-o à ruína financeira e à perda da

qualidade de vida. O impacto ultrapassa o jogo e afeta as pessoas e o país.

Por outro lado, a vitória traz mais investimentos, identificação com o jogador e

homenagens como forma de agradecimento. As glórias do jogador implicam,

necessariamente, na derrota do oponente. Nesse jogo de perdas e ganhos, o

filme vai apresentando as dimensões implícitas nas derrotas e nas vitórias.

As metáforas apresentadas pelas jogadas do brasileiro,

Ronaldinho Gaúcho, apresentam toda a “ginga” e a sensualidade como uma

forma de categorização da nação brasileira. Após um drible, a imagem é

cortada para a arquibancada do estádio onde aparece a bandeira do Brasil.

Algumas pessoas sentadas e duas mulheres (uma loira e uma morena) vestem

um top verde e uma pequena saia e sambam, com muita sensualidade, na

arquibancada vibrando com a ação do jogador.

O jogador Cristiano Ronaldo da seleção portuguesa aparece em

meio a bandeiras de Portugal, inaugurando um estádio que leva o seu nome.

Celebrado como um astro do showbusines, o jogador tem um filme estrelado

com o seu nome onde o ator principal, que representará o papel de Cristiano

Ronaldo, é o ator Gael Garcia Bernal, um dos ícones do cinema moderno.

Ainda como forma de reconhecimento, após a sua atuação, o jogador tem uma

estátua sua sendo exposta.

Ao encerrar o filme com a frase Escreva o Futuro, a marca coloca

para o receptor de forma metafórica que ele pode escrever o futuro que deseja.

5.10.5 – O Marketing Mix do filme: Escreva o Futuro

O pilar que engloba o marketing mix da marca propõe a avaliação

dos 4 Ps do marketing mix. Como produto central temos a interpretação de

escrever o futuro. A cada jogada, a cada lance esta interpretação de futuro é

alterada e nela sobressaem os desdobramentos da ação do jogador. A

reescrita do futuro traz para o consumidor a possibilidade de alterar as

123

imposições colocadas a ele. E tudo depende somente do seu poder de ação

e/ou reação diante do que está posto.

A marca apresenta em seu filme uma série de produtos e serviços

à disposição do consumidor. Dentre eles, as chuteiras, bolas, camisas, shorts,

meias e serviços como os sites que aparecem a todo o momento nos letreiros

luminosos expostos no campo.

O produto ampliado aparece por intermédio da performance dos

jogadores e pelo seu desempenho são dadas as “dicas” sobre como o jogador

deve atuar e o que fazer para ter o poder de ação e reação. Neste momento, o

site da organização aparece como um interlocutor para melhorar e desenvolver

os atletas não profissionais. Um exemplo é a cena em que Ronaldinho Gaúcho

faz o movimento das pedaladas e o site indica Nike Training – The Ronaldinho

turm.

5.10.6 O Real do filme: Escreva o Futuro

O real é apresentado no filme nas sequências em que os

jogadores experimentam as glórias produzidas a partir do sucesso da jogada.

Para o receptor fica a sensação da busca do prazer, da emoção de ser um

astro do futebol encarnado na campanha.

Esses momentos podem ser exemplificados a partir da reação de

vibração da torcida com o jogador. O expectador se coloca no lugar dele, no

entanto, embora saiba que aquele não é ele, mesmo assim busca o prazer por

intermédio dos atletas.

Na busca pelo prazer e pelas glórias do futebol, temos a

exposição de momentos explorados a exaustão pelo reconhecimento da

profissão. Camavarro, por exemplo, experimenta o máximo reconhecimento em

um programa de TV, no qual ele é o convidado principal o homenageado.

Wayne Rooney também tem o seu momento de glória pelo reconhecimento da

rainha, pelos nomes dos bebês e pela sua exposição positiva na mídia.

Ronaldinho Gaúcho e Cristiano Ronaldo também são exaltados a partir das

suas jogadas.

Para o receptor fica a sensação de experimentar o que o futebol

pode proporcionar aos jogadores. Escrever o futuro, mudar o rumo dos

124

acontecimentos e receber as glórias da vitória só podem ser experimentados a

partir do desempenho do atleta acima da média. Neste jogo de prazer pela

recompensa, fica para o receptor o desprazer de não ser igual ao seu ídolo.

5.10.7 A face da Interpretação do filme: Escreva o Futuro

Na face da interpretação temos os efeitos gerados a partir das

mensagens que podem despertar nos receptores três tipos de efeitos:

emocionais, reativos e reflexivos.

Neste sentido, o filme busca despertar no receptor as emoções

que envolvem a partida de futebol. Estes momentos são explorados pelas

imagens que retratam a torcida experimentando o gosto da vitória com a

jogada realizada, pela explosão de euforia que toma os expectadores da

partida que torcem pelo gol ou para evitá-lo. A vibração é apresentada com

gritos e sorrisos. Ao mesmo tempo esta emoção pode ser de decepção com o

gol não realizado ou com a jogada que não deu certo. Assim o expectador vai

experimentando, ao longo do filme, as sensações que envolvem uma partida

de futebol.

A reação da torcida também foi muito explorada no filme. Em

alguns momentos, os torcedores agem como se fossem os técnicos do time,

organizando as jogadas e indicando o caminho a ser seguido. Porém, quando a

jogada sai errado, os torcedores têm reações de reprovação e de

descontentamento. Na sequência apresentada com o jogador Wayne, a

decepção da torcida é evidente. Um rapaz em seu quarto rasga o pôster do

jogador indicando, que até então, este era um dos seus ídolos, já que estava

em seu quarto e fazia parte da sua decoração. Os efeitos gerados a partir da

suposta derrota trariam também consequências que estão fora do futebol,

como se a autoestima do país tivesse sido derrotada juntamente com a equipe

inglesa. A bolsa de valores cai, as revoltas se espalham pelas ruas e os

cenários que envolvem o jogador retratam a depressão que o seu ato trouxe

para ele e para o país.

Em contrapartida, ao reescrever o futuro, o jogador se vê sendo

condecorado pela rainha Elisabeth e recebendo o título de Sir. O seu

reconhecimento é eternizado pelo rosto esculpido na rocha e na nota de 10

125

libras. O efeito gerado após a sua vitória ao tirar a bola do seu oponente, faz a

bolsa de valores subir e um nova indicador do mercado ser apresentado:

Footsy Wyne Roo Ney, como forma de desempenho do mercado de ações,

representado em um gráfico em ascendência, assim como o desempenho do

jogador. Tudo a partir desse momento se torna mais fácil e simples. Em uma

partida de tênis de mesa, com o jogador profissional de tênis e campeão

mundial da modalidade, Roger Federer, Wayne, com uma mão no bolso, quase

não se movimenta, já o jogador profissional se esforça para acompanhar o

ritmo imposto pelo futebolista. Nesta cena, ao lado de Federer tem dois troféus

representando os campeonatos ganhos pelo tenista, já o cenário apresentado

do lado de Wayne tem uma poltrona com um ursinho sentado simbolizando a

inocência do jogador.

5.10.8 O mix de image do filme Escreva o Futuro

A marca busca posicionar-se na mente do consumidor esperando

dele uma resposta central que indique: ele escreverá o futuro a partir da

jogada. Observamos esta resposta a partir da pesquisa qualitativa na qual os

entrevistados manifestaram as primeiras associações feitas a partir do filme:

“É isso mesmo, às vezes você precisa de só um momento”.

“Escrever a história não é pra qualquer um. Por isso tenho que treinar

muito pra alcançar o meu objeto”.

“Sem suor não rola. Tem que ralar muito pra chegar lá”.

A resposta efetiva é mais estruturada possui associações que o

entrevistado em uma pesquisa qualitativa pode dar. Neste sentido, são

realizadas associações à marca apresentando a sua imagem na mente do

consumidor. Ao pesquisarmos também as imagens que representavam a

marca na mente dos nossos entrevistados, chegamos às seguintes respostas:

“Só os melhores fazem parte do time da Nike”

“Se eu fosse profissional, gostaria de ser patrocinado pela Nike”

“Uma marca que patrocina o Ronaldo pro resto da vida sabe

reconhecer o talento dos jogadores”

126

A reposta ampliada da marca apareceu com grande adesão,

fidelidade e reconhecimento da marca, conforme pode ser sugerido a partir dos

dados da pesquisa. Em um cartão com 36 modelos de chuteiras diferentes, os

mais lembrados e desejados foram os da Nike. O interessante é que os

entrevistados não sabiam todos os nomes das chuteiras, mas se lembravam

dos jogadores que as utilizavam:

“Essa Mercurial é muito “loca”. É a que o Cristiano Ronaldo usa”.

“Essa aqui era o modelo que o Ronaldo usava no Corinthians”.

“Olha essa aqui, é a nova do Neymar”

“Estou convencendo o meu pai a comprar essa chuteira prá mim”.

“Nike é Nike. Não dá prá comparar. A tecnologia pode até ser a

mesma, mas o símbolo parece que dá mais segurança”

5.10.9 O simbólico do filme: Escreva o Futuro

O registro do simbólico é a lei, a mediação, uma estrutura

regulada que prescreve o sujeito (SANTAELLA, 1999).

Diante disso, no filme apresentado pela marca Nike em 2010, o

registro do simbólico aparece como o grande Outro que em sua busca se

depara com as dificuldades de ascensão e glória no futebol.

No filme, os momentos de vitória e os dessabores das derrotas,

são elevados ao extremo e exteriorizados pela vibração ou pela decepção da

torcida. As imagens marcadas pela glória do futebol aparecem em

homenagens, títulos reais, vídeos e filmes com a trajetória do jogador. A todo o

momento a história é reescrita, como se a cada lance da partida, pudesse ser

alterada. Assim, pelo discurso do filme temos por um lado o desejo do jogador

em vencer a partida, pelos seus atos, habilidades e performance, porém na

busca pela realização do desejo, há os adversários que surgem como agentes

da castração do jogador como formas de impedimento. Estes empecilhos

retratam, em alguns casos, os depoimentos colhidos durante a pesquisa

qualitativa:

“A cada lance na partida a história muda e com isso muda tudo na

nossa vida”

127

“Muitas vezes, as derrotas em campo são menores do que as

derrotas que temos fora do campo. Já vi muita gente chorando depois

de uma partida, mesmo tendo vencido. A pessoa chorava porque não

tinha jogado bem”

“Eu acho que a propaganda representa muita bem o que acontece

em campo e fora dele também. Quando perdi um jogo na final do

campeonato entre escolas, chorei muito. Era um choro de derrota, sei

lá, acho que estava muito envergonhado, porque tinha muita gente da

escola olhando pra gente”.

“Às vezes fico com muita raiva de perder. Parece que os caras olham

pra gente com um ar de superioridade, isso me deixa louco”.

Pelo discurso do sujeito apreende-se a verdade do desejo dele.

Portanto, do lado do simbólico inscreve-se o desejo e, por consequência, pelo

seu lado oposto, a castração, o impedimento real ou imaginário de sua

realização. No terreno do simbólico os desejos humanos incluem a realização

de ser um jogador profissional, inventar uma nova jogada, tomar a iniciativa de

mudar a partida. Realizar os desejos exige trabalho, persistência,

perseverança, é um processo que não cai de “mãos beijadas”. Quando

sentimos falta de qualquer um desses elementos estamos no campo do

desejo. A insatisfação se dá ao nível da castração simbólica. Já a satisfação do

desejo, por sua vez, provoca uma sensação de prazer, de conseguir algo

buscado. Assim, o filme retrata com perfeição a busca, a derrota e a conquista.

128

CONCLUSÃO

Nossa dissertação teve como ponto de partida a produção de

sentido da marca Nike. Em nosso percurso vimos que o estreitamento do tema

era mais que necessário. Precisávamos olhar para a marca delimitando, um

pouco, a nossa visão. Buscamos então refletir sobre o futebol e a venda de

produtos para praticá-lo. Ainda assim, o tema era amplo demais. Em um novo

recorte, propusemos estudar a marca a partir do futebol. Optamos, dentre os

inúmeros materiais esportivos destinados ao esporte, as chuteiras voltadas

para o jogo em campo.

Para ingressarmos no tema futebol, mergulhamos na história do

esporte e observamos que a sua prática não necessitava de grandes

investimentos, bastavam apenas pessoas dispostas. No entanto, o futebol a

partir da concepção profissional exige dos seus praticantes o uso de chuteiras.

E este era o nosso mote – o uso de chuteiras para a prática esportiva.

Dentre as inúmeras marcas de materiais esportivos, a Nike

destacava como uma das que mais investem na modalidade. Assim,

conseguimos delimitar o nosso objeto de estudo – estudar a produção de

sentido da marca Nike, do ponto de vista da recepção da comunicação da

marca para o produto chuteiras.

Deparamo-nos com dezenas de filmes publicitários realizados

pela marca para o futebol. No entanto, a maior parte do investimento

publicitário da Nike para veiculá-los era feito a cada quatro anos, às vésperas

de Copas do Mundo. Buscamos, então o primeiro filme produzido pela marca,

em 1994. Ele seguia a mesma lógica dos demais, apresentados em 1998

(Aeroporto), 2002 (O Segredo), 2006 (Joga Bonito) e 2010 (Escreva o Futuro).

A Nike utilizava personalidades do futebol para endossarem a marca. Dessa

forma, tínhamos, de antemão, um percurso para analisarmos. Por que a marca

investia grandes recursos na criação de filmes publicitários com inúmeras

estrelas do futebol? Esta pergunta desdobra-se em outras: será que o público é

atraído pela figura do jogador? Quais eram os sentimentos que despertavam

no público-alvo? Quem era esse público-alvo? Quais eram as suas sensações

e os sentimentos relacionados à marca e ao futebol? O que diferenciava o

129

produto da Nike dos concorrentes? Quais eram os sentimentos do público-alvo

ao ser exposto às campanhas da Nike?

Optamos por analisar os filmes produzidos pela marca Nike em

1994 e 2010, veiculados às vésperas das Copas do Mundo dos Estados

Unidos (1994) e da África (2010).

Outras questões se sobrepunham às já existentes: como analisar

a marca, os consumidores e a produção de sentidos deflagrados. Na busca por

respostas, nos deparamos com uma série de textos em forma de livros, artigos,

vídeos e aulas.

O Brasil, segundo o portal 2014, tem mais de 13 milhões de

praticantes de futebol, destes, 11 milhões amadores. Junto deles há os

expectadores do futebol, torcedores que lotam os estádios e dão as maiores

audiências nas transmissões esportivas. O futebol regionalizado tem nos

clubes os seus maiores fomentadores e é por intermédio deles que nasce

muitas vezes a paixão pelo futebol (Gastaldo, 2001).

A construção simbólica do futebol se deu por inúmeras vertentes,

mas conforme destacamos nesta dissertação, se deu principalmente pela

mídia, pelo governo e por um sentimento de união como povo que acreditava

que o Brasil poderia vencer os desafios que aparecessem. O jargão “Pátria de

Chuteiras” nasceu do dramaturgo Nelson Rodrigues, e fazia uma menção

direta ao desempenho das seleções campeãs em 58, 62 e 70. Após este

período, o jejum de títulos e a falta de perspectivas com a nova safra de

jogadores alterou o termo segundo Helal e Soares (2002), para “O Declínio da

Pátria de Chuteiras”. No entanto, não acreditamos que as glórias e o

romantismo do futebol ficaram esquecidos com os jogadores de outros tempos.

A magia do futebol persiste e se renova a cada temporada com novos

jogadores, novos títulos e derrotas dos times e das seleções.

Juntamente com o futebol vieram as mandingas, os atos

repetitivos, as promessas e todo um arsenal religioso para potencializar o

desempenho dos times e atletas. O papel do jogador é tão relevante e

influenciador que muitos pais torcedores de times de futebol deram aos seus

filhos os nomes dos atletas com os quais se identificavam. Temos uma nação

de Edsons (Pelé), Ronaldos (Gaúcho ou Fenômeno), Marcelos (Carioca) e até

Diegos (Maradona). Todos já nascem com o estigma de serem, assim como os

130

ídolos de seus pais, grandes jogadores. Nem sempre isso ocorre, porém fica a

homenagem.

Neste misto de crendices, mandingas e homenagens as marcas

buscam captar esses momentos e querem fazer parte dessa história de vitórias

e derrotas. Elas buscam tocar pontos sensíveis na mente dos consumidores e

criar um elo emocional entre a marca e o torcedor. A Nike busca este elo entre

a mente e o coração dos seus consumidores (Ellwood, 2004).

A marca na contemporaneidade busca, segundo Semprini,

ocupar os espaços sociais. Dessa forma, “nunca foram tão poderosas e

presentes, procuradas, amadas, seguidas”. (SEMPRINI, 2010, p.33). Os

espaços sociais contemporâneos são compreendidos em consumo, economia

e comunicação.

No consumo, temos a sociedade do consumo, sem limite nem

medida. Por meio dele temos o individualismo, calcado na noção do desejo e

prazer do indivíduo; o corpo, meio pelo qual a pessoa se dá prazer e

experimenta o mundo; a imaterialidade na qual convergem os aspectos

funcionais e aspiracionais dos produtos; a mobilidade, principalmente das

tecnologias da informação; e o imaginário, pelo qual o indivíduo projeta suas

fantasias e sonhos.

A dimensão social da marca (comunicação) enfrenta novos

desafios ao conectar pessoas e organizações, diminuir atritos e ampliar a

interação social. Três fatores explicam a transformação da comunicação: a

onipresença da mídia, o abandono da neutralidade e a internet.

A economia, último pilar da dimensão social da marca, trata da

passagem da economia de mercado para a economia da marca onde os seus

valores provém dos investimentos que os indivíduos realizam e da sua

confiabilidade e reputação.

Semprini considera a marca uma entidade viva, que se molda ao

longo do tempo por caminhos que, em alguns momentos, inclui manifestações

que a marca produz na composição de sua identidade (produtos, comunicação

publicitária e demais posicionamentos). O outro percurso trata da recepção da

marca, a maneira como o público acessa o seu projeto de marca a partir das

suas manifestações.

131

Até este ponto, já conseguíamos vislumbrar algumas respostas

para as nossas dúvidas, mas ainda precisávamos explorar o público para o

qual os anúncios se apresentavam. Optamos por realizar dois grupos de

pesquisa qualitativa, a fim de ilustrar e embasar as análises semióticas que

seguiriam.

A pesquisa qualitativa é um método largamente utilizado nas

Ciências Sociais como uma forma de conhecer, entender e aprofundar o objeto

de estudo. É utilizada para auxiliar na compreensão de aspectos complexos do

comportamento humano em diversos contextos.

Os grupos, apesar de pequenos, deram um bom norte do que é

ser um jogador de futebol, ou melhor, a busca em ser um jogador profissional.

Por meio dos grupos pudemos aprofundar as questões relacionadas ao

esporte, expectativas, frustrações e os aspectos emocionais envolvidos no

esporte.

Para montarmos os grupos de pesquisa precisávamos definir

quem seria o nosso público-alvo, em consequência, quem era o consumidor da

marca Nike. Fizemos uma série de consultas, por diversas fontes, mas a

resposta só foi encontrada no site de uma revendedora de materiais esportivos,

a rede de lojas Centauro. Presente em diversas regiões do país, a empresa é

uma das que mais vende produtos esportivos. Suas lojas são climatizadas e

adaptadas para que os consumidores possam vivenciar, de certa forma, o uso

do produto. Espaços com pequenos campos de futebol, quadra de basquete e

pista de atletismos costumam fazer parte da sua decoração das lojas.

No site da organização fizemos um cruzamento das seguintes

informações: Numeração das chuteiras versus números de modelos

disponíveis. Assim, tivemos uma grande concentração de modelos que

estavam entre os calçados de número 39 e 43. O nosso perfil de entrevistado

deveria então calçar uma numeração aproximada a esta.

A amostra foi composta por garotos com idade entre 14 e 17

anos, que calçavam entre 39 e 43 e jogavam futebol. O roteiro foi composto por

questões abertas para explorarmos melhor as respostas dos entrevistados.

Entre diferentes aspectos averiguamos o significado de ser um

jogador de futebol – para os nossos entrevistados o futebol está ligado à

felicidade, fama, sucesso, dinheiro, mulheres. O jogador profissional é visto

132

como uma meta a ser alcançada, é a representação de uma pessoa que “deu

certo” pelo seu esforço e símbolo de orgulho para quem o cerca.

O lado difícil do futebol aparece como uma grande tristeza, a

frustração de um sonho. A falta de oportunidade, as exigências e as incertezas

contribuem para o semblante entristecido exposto pelos entrevistados.

Nos desenhos de autoimagem comprovamos as alegrias

incorporadas pelos entrevistados junto ao futebol. Elas apareceram na forma

de coração, de gol e de estrela. Já nos desenhos em que o tema era: “se

fossem um jogador profissional”, quase não tivemos a lembrança do esporte.

Foram retratadas mulheres, carros, casas e dinheiro, muito dinheiro. O que fica

é que ser um jogador profissional é valer-se de sucesso e poder para comprar

tudo aquilo que o dinheiro permitir.

Apesar de buscarem o sucesso profissional pelo esporte, nas

sínteses dos desenhos o tema fracasso retornou e apareceu em decorrências

das inúmeras dificuldades mencionadas pelos entrevistados, como a falta de

oportunidade, o desempenho em campo e até o biótipo esperado para ser

jogador.

A vida desses garotos gira em torno do futebol. Eles acreditam

que, se não jogassem bola, suas vidas seriam sem graça. Em suas palavras:

“seria besta, não teria tanta alegria”. Para eles, as pessoas que não jogam bola

são afastadas do convívio social e as que são praticantes da modalidade

esportiva apresentam têm maior afinidade. Sob este aspecto, o esporte tem a

presença de um aglutinador das amizades.

Para ingressarmos no tema chuteiras e nas celebridades do

futebol, pedimos aos entrevistados que indicassem três jogadores com os

quais se identificavam pelo estilo de jogo e presença em campo. Tivemos como

reposta sete jogadores patrocinados pela marca Nike, seis pela Adidas, um da

Umbro e um da Mizuno. Dos 14 jogadores citados, 8 são atacantes; 3 jogam no

meio de campo; 2 são zagueiros e 1 é goleiro. O fato evidencia a preferência

pelos atacantes.

Para comprovarmos a preferência da marca Nike em relação às

demais, apresentamos um cartão com uma série de modelos de chuteiras e a

preferência pelos modelos da Nike se sobrepôs às demais.

133

As campanhas que mais chamaram a atenção dos nossos

entrevistados foram aquelas que trabalharam com os jogadores em campo,

conforme apontado na pesquisa.

Os filmes tiveram uma boa aceitação e o de 2010 foi considerado

mais interessante, justamente, por trazer o produto para dentro do campo.

Para aprofundarmos as questões da marca e suas manifestações

buscamos métodos para analisarmos as campanhas da Nike. Chegamos à

Semiótica de Charles Sanders Peirce. Este método de extrema eficácia foi

aplicado na análise dos dois filmes. No entanto, ainda sentíamos a

necessidade de aprofundar a semiótica através de outras vertentes, como as

aplicações na marca por meio da psicanálise. Ambos os métodos foram

incorporados para esmiuçarmos as questões relacionadas à marca e o papel

exercido pelos promotores da mensagem da marca.

Nos 45 segundos do filme de 1994, a Nike explora as relações

entre a marca e os jogadores de futebol. Neste momento, a marca aponta para

o futebol como um lugar de vida e de união. A vida se dá pela bola e é ela que

une os seus praticantes.

A bola, por sua vez, é um dos principais ícones do filme cuja

função metafórica é unir todos os povos, continentes e nações. É por

intermédio dela que percorremos as diversas cidades. É ela que apresenta os

cenários e a sua ação, ao aproximar os jogadores e dar vida a eles.

O filme apresentado pelo Nike foi lançado às vésperas da Copa

do Mundo de futebol de 1994 e carrega a missão de colocar a marca como

uma referência no futebol. Busca também explorar a relação do jogo com a

mundialização do esporte. Assim, são retratadas diversas nações cuja união é

exaltada por meio do esporte. A intenção da marca parece ter sido unir o

mundo através do futebol e, para isto, explorou as imagens dos atletas em

seus países como ícones de representação da nação no futebol.

A bola que percorre os diversos cenários do filme tem a pretensão

de unir o futebol por intermédio da ação dos seus jogadores. Em sua trajetória,

observamos que ela não parte de um ponto ao outro por uma linha reta, mas

em uma linha curva, imitando o movimento do símbolo da marca Nike.

Os cenários pelos quais o filme passa levam para o receptor a

ideia de sofisticação, mundialização e ausência de fronteiras. Todas essas

134

características são alavancadas pela ação do produto e do personagem da

marca. As sensações são reforçadas pelo movimento da bola e pela

intencionalidade do diretor do filme ao apresentar pontos de referências

internacionalmente conhecidos.

A imagem dos jogadores inicialmente encontra-se estática, presa

na parede das grandes cidades. No entanto, ao encontrar com a bola, ganha

movimento e vida. Em outras palavras, o recurso metafórico empregado leva

ao receptor a ideia de que a vida está no futebol. E, ao tocar na bola, os

jogadores recebem o uivo da torcida vibrando por ele manter a bola em jogo.

Na composição da identidade mix temos os sinais que se referem

às instalações, aos produtos, às comunicações e às pessoas. Nesta

perspectiva, três pontos aparecem com maior frequência na campanha. São os

produtos, a comunicação e as pessoas. Assim, conforme apontado por Perez

(2007) estamos mais próximos do representamem de Peirce, ou seja, aquilo

que está no lugar de qualquer coisa para ser interpretado por alguém.

O logotipo acompanha o filme em quase todos os momentos. Ele

aparece no enquadramento dos atletas e nas paredes das diversas cidades. A

identidade efetiva da marca aparece junto aos atletas, nas chuteiras e nos

painéis em que estão os jogadores. Já a identidade ampliada surge por

intermédio dos jogadores porta-vozes da marca.

O marketing mix, último pilar da análise da semiótica da marca,

nos é apresentado pelos produtos que neste filme destaca a chuteira. O P (da

praça) aparece como os locais em que o filme retrata, ou seja, os países pelos

quais a bola percorre.

Os três registros lacanianos nos trouxeram uma dimensão mais

aprofundada do filme. No imaginário, o eu projeta sua imagem no outro e no

mundo como fonte do amor, da paixão, do desejo de reconhecimento, mas

também da agressividade e da competição. (Quinet, 1995)

O desejo de completude encontra no filme um grande aliado, a

partir do momento que coloca na performance dos jogadores as imagens

contidas no desejo dos seus receptores. Essa identificação e a autoridade do

jogador por sua habilidade e reconhecimento são manifestadas nos outdoors

espalhados pelas cidades.

135

O Real é apresentado ao receptor como aquele objeto com o qual

ele nunca teve contato. Podemos inferir que o objeto faltante é a exposição do

jogador de futebol, apresentado nos diversos momentos do filme. A sua

performance e a sua magnitude são exploradas como ícones de sucesso e de

desejo. O sucesso exposto nas ruas, nos prédios e nas diversas ações

realizadas pelos jogadores dá a eles credibilidade para representarem a sua

nação. A forma como o filme os expõem, sempre no alto, com cenas na qual

aparecem maiores do que os expectadores, faz os jogadores se tornarem

muito maiores do que são.

Neste jogo cênico, resta ao receptor projetar o seu desejo em ser

igual ao ídolo representado nas imagens, representar o seu país, ter

desempenho melhor do que os outros atletas e ser reconhecido como um ícone

do futebol. Todas estas sensações são expostas ao receptor que se contenta,

tão somente, em ser expectador dos jogadores. A sensação que fica é a de

total impotência já que para representar o futebol há que se ter desempenho

superior ao dos outros jogadores.

O simbólico é apresentado no filme por meio das imagens que os

receptores buscam reproduzir. Nesta busca incessante o simbólico vem à tona

como o sujeito barrado e, para caracterizar este momento buscamos as

verbalizações que o indicavam na nossa pesquisa qualitativa:

“O mais difícil é acreditar que você pode chegar lá, ser profissional e

viver disso, às vezes parece tão distante que eu tenho vontade de

desistir”.

O filme apresentado pela Nike em 2010 dura mais de 3 minutos,

um alto investimento para os padrões televisivos. No entanto, teve poucas

exibições em canais abertos e sua maior veiculação aconteceu pela internet.

Resumimos a análise semiótica do filme “Escreva o futuro” em

três grandes momentos:

O primeiro busca retratar o jogo, no qual podemos atribuir o sentido de

signo;

136

O filme começa com uma bola que desce do céu. Ela alterna

momentos mais lentos como em um slow motion com cenas mais ágeis. A

bola, em nenhum momento do filme, cai diretamente no chão, sem antes ser

amparada por um jogador. Neste ato de amparar a bola, ela passa pelo peito

ou pelo pé dos jogadores. Neste sentido, é tratada com um “carinho” especial.

O segundo apresenta a reação dos torcedores a partir do jogo e suas

reações. Podemos colocá-las como o objeto;

Temos uma série de oposições, no entanto, uma delas se

destaca: a ação do jogador e sua consequência que pode trazer a glória da

vitória ou a angústia da derrota. Essa oposição binária aparece ao longo do

filme numa linha mestra na qual a cada lance da partida, é possível definir

quem ganha e quem perde.

O terceiro momento traz as consequências do jogo. Este seria o

interpretante.

O filme busca despertar no receptor as emoções que envolvem a

partida de futebol. Estes momentos são explorados pelas imagens que

retratam a torcida experimentando o gosto da vitória com a jogada realizada

pelo jogador. Uma explosão de euforia toma os expectadores que torcem pelo

gol ou para evitá-lo. A vibração é apresentada com gritos e sorrisos. Ao mesmo

tempo, a emoção pode ser de decepção com o gol não realizado ou com a

jogada que não deu certo. Assim o expectador vai experimentando, ao longo

do filme, as sensações que envolvem uma partida de futebol.

A reação da torcida também foi bastante explorada. Em alguns

momentos, os torcedores agem como se fossem os técnicos do time,

organizando as jogadas e indicando o caminho a ser seguido. Porém, quando a

jogada sai errado, os torcedores têm reações de reprovação e de

descontentamento. Na sequência apresentada com o jogador Wayne, a

decepção da torcida é evidente. Um rapaz em seu quarto rasga o pôster do

jogador indicando que, até então, este era um dos seus ídolos e fazia parte da

sua decoração. Os efeitos gerados a partir da suposta derrota trariam, também,

consequências que estão fora do futebol, como se a autoestima do país tivesse

sido derrotada junto com a equipe inglesa. A bolsa de valores cai, as revoltas

137

se espalham pelas ruas e os cenários que envolvem o jogador retratam a

depressão que o seu ato trouxe para ele e para o país.

No filme apresentado pela Nike, temos uma série de elementos

relacionados ao mix de identidade da marca. Ao todo, são mais de trinta

aparições do logotipo da empresa no filme aplicados em produtos, entre eles,

bolas, camisas de seleções, shorts, meias e chuteiras, tênis, pulseira e uma

infinidade de outros materiais esportivos com o símbolo da marca Nike.

Como produto central relacionado ao marketing mix, temos a

interpretação de escrever o futuro. A cada jogada, a cada lance esta

interpretação de futuro é alterada e nela sobressaem os desdobramentos da

ação do jogador. A reescrita do futuro traz para o consumidor a possibilidade

de alterar as imposições colocadas a ele. E tudo depende somente do seu

poder de agir e reagir ao que está posto.

A marca apresenta no filme uma série de produtos e serviços à

disposição do consumidor. Dentre eles, chuteiras, bolas, camisas, shorts,

meias e serviços, além dos sites que aparecem a todo o momento nos letreiros

luminosos expostos em campo.

O produto ampliado surge como a ação dos jogadores pelo seu

desempenho. São colocadas as “dicas” sobre como o jogador deve atuar e o

que fazer para ter o poder de agir e reagir.

No mix de image a marca busca se posicionar na mente do seu

consumidor esperando uma resposta central indicando que ele escreverá o

futuro a partir da jogada. A pesquisa qualitativa aplicada apresentou o resultado

deste posicionamento:

“É isso mesmo, às vezes você precisa de só um momento”.

“Sem suor não rola. Tem que ralar muito pra chegar lá”.

A resposta efetiva é mais estruturada, possui associações que o

entrevistado em uma pesquisa qualitativa pode dar. Neste sentido são

realizadas associações à marca apresentado a sua imagem na mente do

consumidor.

“Só os melhores fazem parte do time da Nike”

“Se eu fosse profissional, gostaria de ser patrocinado pela Nike”

138

A reposta ampliada da marca apareceu com grande adesão,

fidelidade e reconhecimento da marca, conforme pode ser sugerido a partir das

respostas dos entrevistados:

“Essa aqui era o modelo que o Ronaldo usava no Corinthians”.

“Olha essa aqui, é a nova do Neymar”

“Estou convencendo o meu pai a comprar essa chuteira para mim”.

Um eu ágil, espetacular, decisivo, admirado, protagonista,

celebrado é retratado no filme da marca Nike em Escreva o Futuro. Ao mesmo

tempo que nos é apresentado este eu (ideal) temos outro eu que é falível, e a

sua falibilidade é a mesma que alimenta o ideal do eu do outro.

O imaginário no filme busca romper limites, levar o espectador a se

colocar no lugar do jogador e sentir os prazeres e desprazeres da sua vitória ou

derrota. As imagens são projetadas para dentro dos lares, passando por uma

longa cadeia de produção e reprodução da imagem. Tudo é registrado e

exaltado principalmente à potência do ato dos jogadores. O real é apresentado

no filme nas sequências em que os jogadores experimentam as glórias

produzidas a partir do sucesso da jogada. Para o receptor fica a sensação da

busca do prazer, da emoção de ser um astro do futebol encarnado na

campanha.

Esses momentos podem ser exemplificados a partir da reação de

vibração da torcida em relação ao jogador. O expectador se coloca no lugar do

jogador. No entanto, mesmo sabendo que aquele não é ele, busca o prazer por

intermédio dos atletas.

Neste jogo de prazer pela recompensa, fica para o receptor o

desprazer de não ser igual ao seu ídolo.

O registro do simbólico aparece como o grande Outro que em sua

busca depara-se com as dificuldades de ascensão e glória no futebol. No filme,

os momentos de vitória e os dissabores das derrotas são elevados ao extremo

e exteriorizados pela vibração ou decepção da torcida. As imagens marcadas

pela glória do futebol aparecem em homenagens, títulos reais, vídeos e filmes

contando a trajetória do jogador. A todo o momento a história é reescrita, como

se a cada lance da partida, ela pudesse ser alterada. Assim, pelo discurso do

139

filme temos o desejo do jogador em vencer a partida. Pelos seus atos,

habilidades e performance porém, na busca pela realização do desejo, temos

os adversários surgindo como agentes da castração do jogador como uma

forma de impedimento.

“Muitas vezes, as derrotas em campo são menores do que as

derrotas que temos fora do campo. Já vi muita gente chorando depois

de uma partida, mesmo tendo vencido. A pessoa chorava porque não

tinha jogado bem”

O simbólico inscreve o desejo e, consequentemente, pelo seu

lado oposto a castração, o impedimento real ou imaginário de realizá-lo. No

terreno do simbólico, os desejos humanos incluem a realização individual

como, por exemplo, ser um jogador profissional, inventar uma nova jogada,

tomar a iniciativa de mudar a partida. Realizar desejos exige trabalho,

persistência, perseverança; é um processo difícil, que não cai de “mãos

beijadas”. Quando sentimos falta de qualquer um desses elementos então

estamos no campo do desejo. A insatisfação se dá com a castração simbólica.

A satisfação do desejo provoca uma sensação de prazer de obter algo que era

buscado. Assim, o filme retrata com perfeição a busca, a derrota e a conquista.

Podemos concluir que a marca Nike usa exaustivamente os seus

atletas para expor os seus produtos. Eles dão a credibilidade e o discurso

competente no uso do produto. Embora outras marcas também utilizem essa

mesma estratégia, percebemos que somente a marca Nike tem a sua

comunicação a partir do jogo de futebol. E essa pequena alteração faz toda a

diferença.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO 3 – ROTEIRO DE DISCUSSÃO EM GRUPO

1. Apresentação e aquecimento (20 minutos)

Introdução do evento:

Boas – vindas e apresentação:

Apresenta a programação das atividades, esclarece as regras (uso de

celular, banheiro, falar um de cada vez, opiniões diferentes, anotações

e relatórios posterior, etc).

Participantes se apresentam:

Nome, idade, em que colégio estuda, série que está, quanto tempo joga

futebol, onde treina

2. O que significa ser jogador de futebol... (30 minutos)

Imagens, sensações, sentimentos... O que vêm à sua cabeça quando pensam

nos jogadores de hoje? (Estimular o grupo a completar a frase (“ser jogador

é...”)

Uso do quadro:

Tudo o que a de bom: principais prazeres e gratificações de ser jogador de

futebol ou um futuro jogador profissional... Anotações no QUADRO.

O lado difícil, as restrições, os sacrifícios... Que ser um jogador impõe aos

adolescentes hoje em dia... Anotações no QUADRO.

As inquietações, dúvidas, as restrições, anseios, de ser um jogador de futebol

hoje. Anotações no QUADRO.

3. Percepções da autoimagem como jogador de futebol (20 minutos)

Desenhos da autoimagem:

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Agora vamos desenhar. Deixem a imaginação fluir. O tema do desenho

é:

Como eu me sinto como praticante de futebol (20 minutos)

Como eu acho que irei me sentir como jogador profissional de futebol

(20 minutos)

Usem canetas coloridas e desenhem à vontade para expressar como vocês se

sentem...

Agora vamos todos olhar para os desenhos... (Grupo se levanta para ver

os desenhos na parede e cada participante relata verbalmente o que

expressou no seu desenho e nos demais). (20 minutos).

ESTIMULAR SINTESE DE TUDO O QUE FOI CONVERSADO E

DESENHADO: alegrias, prazeres... inquietações, inseguranças...

frustrações, restrições... desafios...

Quais são as emoções / pensamentos e sentimentos comuns

relacionados em ser um jogador de futebol?

Como você acha que os jogadores de hoje se sentem em relação à sua

profissão?

O que significa para você viver do futebol?

Como você acha que a sua vida seria se não jogasse futebol?

Como vocês encaram a vida hoje a partir do futebol?

Como é a relação de você com os seus amigos fora dos campos de

futebol?

Como você acha que seria a sua vida em relação aos amigos se você

fosse um jogador profissional?

Se eu fosse montar um time dos sonhos escalaria... (INDICAR 3

JOGADORES INDEPENDENTEMENTE DO PAÍS E DO TIME)

4. Percepções sobre o produto – chuteiras (20 minutos)

Quando eu vou jogar com pessoas que não conheço e vejo alguém chegar

com uma chuteira sem marca eu logo penso...

A marca da chuteira influencia o rendimento esportivo?

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Se você pudesse escolher um dos modelos apresentados, qual você

escolheria? (APRESENTAR CARTÃO COM OS MODELOS DE

CHUTEIRAS DE DIFERENTES MARCAS – SOMENTE O PRODUTO)

Quando eu vou jogar e vejo alguém com uma chuteira de marca reconhecida

eu logo penso...

Utilizar uma chuteira de marca traz segurança?

5. Percepções sobre a publicidade – IMPRESSA (20 minutos)

Em linhas gerais o que vocês acham das campanhas publicitárias sobre

produtos relacionados ao futebol - chuteiras. Impressões, sensações e

sentimentos...

1. Agora vamos olhar alguns anúncios. (IMPRESSOS)

Quais são as sensações que eles despertam?

Qual é a mensagem que ele quer transmitir?

Eles refletem o jogo de futebol?

Dentre estes quais chamam mais atenção?

Em qual dos anúncios apresentados você gostaria de ser o

protagonista?

Dentre as marcas apresentadas quais chamam mais a sua atenção?

As tecnologias empregadas pelas diferentes marcas influenciam, no

rendimento esportivo?

O que você acha das chuteiras da Nike?

Elas são melhores ou piores do que as da adidas?

6. Percepções sobre a publicidade Nike Filme (20 minutos)

Todos os participantes assistirão ao filme 1

Quais são as sensações que ele desperta?

Qual é a mensagem que ele quer transmitir?

O que mais chamou a sua atenção?

Qual a sensação que o som despertou em você?

Em sua opinião qual é o papel do jogador no filme?

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Qual jogador tem um papel de destaque?

Teve alguma jogada que te impressionou?

O filme se aproxima da realidade?

7. Percepções sobre a publicidade Nike Filme (20 minutos)

Todos os participantes assistirão ao filme 2

Quais são as sensações que ele desperta?

Qual é a mensagem que ele quer transmitir?

O que mais chamou a sua atenção?

Qual a sensação que o som despertou em você?

Em sua opinião qual é o papel do jogador no filme?

Qual jogador tem um papel de destaque?

Teve alguma jogada que te impressionou?

O filme se aproxima da realidade?

8. Encerramento e Agradecimentos (5 minutos)

COMENTÁRIOS FINAIS – Gostariam de comentar algo mais sobre tudo o que

falamos?

AVALIAÇÃO – Gostaram de participar do evento?

SUGESTÕES – Alguma sugestão para os próximos encontros?