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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA - PROPPEC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL- TURMA X A PRISÃO PREVENTIVA NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA RECORRÍVEL E AS INOVAÇÕES DECORRENTES DA LEI Nº 11.719, DE 20 DE JUNHO DE 2008 TAMILE FELTRIN DELLA GIUSTINA Florianópolis, 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA -

PROPPEC

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL-

TURMA X

A PRISÃO PREVENTIVA NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECORRÍVEL E AS INOVAÇÕES DECORRENTES DA LEI Nº 11.719,

DE 20 DE JUNHO DE 2008

TAMILE FELTRIN DELLA GIUSTINA

Florianópolis, 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA, EXTENSÃO E CULTURA -

PROPPEC

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL-

TURMA X

A PRISÃO PREVENTIVA NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECORRÍVEL E AS INOVAÇÕES DECORRENTES DA LEI Nº 11.719,

DE 20 DE JUNHO DE 2008

TAMILE FELTRIN DELLA GIUSTINA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito à obtenção do grau de Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Callado de Oliveira

Florianópolis, 2009

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a

coordenação do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal e o Orientador

de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Florianópolis, 30 novembro de 2009.

____________________________________ TAMILE FELTRIN DELLA GIUSTINA

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Especialização em Direito Penal e

Processual Penal da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela aluna Tamile

Feltrin Della Giustina, sob o título “a prisão preventiva na sentença penal condenatória

recorrível e as inovações decorrentes da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008”, foi

submetida em novembro de 2009 à avaliação pelo Professor Orientador e pela Coordenação

do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal, e aprovada.

Florianópolis, 30 novembro de 2009.

Prof. Dr. Gilberto Callado de Oliveira

Orientador

Professora MSc. Helena Nastassya Paschoal Pitsica

Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal

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Dedico esta monografia a minha família,

porque acreditam em mim e em meus sonhos;

e porque seu apoio, amor e incentivo

alicerçaram a perseverança para sua conclusão,

tornando menos incertos e vacilantes os

entraves ou dificuldades surgidos ao longo do

caminho.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço à minha família, pelo apoio, não somente nesta fase de

minha vida, mas por me encorajar em todos os momentos. Por terem feito eu ser quem

realmente sou, por me tornarem mais feliz. E por eu ter certeza de que cada dia de minha vida

é mais completo por conseqüência do simples fato de eles existirem.

Ao meu namorado, Caio.

Aos meus amigos, os verdadeiros.

Aos meus colegas, todos eles.

Ao Dr. Cláudio Gastão da Rosa Filho, com o qual tive a oportunidade ímpar de

trabalhar e que, com paciência e muita sabedoria, colocou-me em contato direto com a

realidade do universo jurídico-penal-criminal.

Ao orientador Dr. Gilberto Callado de Oliveira, por ter aceitado o convite para

exercer a referida função e por realizá-la com muita eficiência e cientificismo, a qual foi

basilar para a conclusão deste trabalho.

A todos os professores desta instituição de ensino, visto que empenharam parte de

seu tempo para que meu conhecimento fosse ampliado, para que fossem somados à minha

existência conteúdos que levarei em mente para sempre.

Enfim, à Deus, por ter me iluminado em mais uma jornada e a todas as pessoas

que, de forma direta e/ou indireta, fizeram com que esta imprescindível etapa de minha vida

se tornasse realidade.

Meus agradecimentos, com imenso carinho.

Muito obrigada.

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A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na

prisão. É uma questão de consciência.

Mohandas Karamchand Gandhi

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RESUMO

Trabalho monográfico realizado sobre a prisão preventiva na sentença penal condenatória

recorrível e as inovações decorrentes da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, com o

objetivo geral de esclarecer sobre a necessidade de o juiz fundamentar sua decisão de

manutenção ou imposição da prisão preventiva, no caso de sentença penal condenatória

recorrível, após a inclusão do parágrafo único ao artigo 387 do Código de Processo Penal,

pela Lei nº 11.719/08. Os objetivos específicos consistem em abordar as diferenças entre a

prisão pena e a prisão sem pena; fazer uma exposição sintética sobre as espécies de prisão de

natureza cautelar previstas no ordenamento jurídico processual penal brasileiro; identificar os

princípios constitucionais aplicáveis às prisões cautelares; destacar os aspectos da prisão

preventiva na sentença penal condenatória recorrível e analisar a necessidade de

fundamentação do decreto desta prisão sob a luz do parágrafo único do artigo 387 do Código

de Processo Penal. A presente monografia, estruturada em cinco capítulos, estuda a mudança

imposta pela Lei nº 11.719/08, no artigo 387, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

A respeito dos procedimentos metodológicos, utilizou-se a pesquisa exploratória, consistente

no levantamento bibliográfico doutrinário e no estudo da legislação vigente. O método de

abordagem adotado foi o dedutivo, sistema que parte de teorias e leis gerais para a análise de

fenômenos particulares. O método de procedimento, em virtude da natureza do trabalho, é o

monográfico, estudo de um único tema.

Palavras-chave: Prisão. Prisão penal. Prisão sem pena. Prisão processual. Prisão preventiva.

Necessidade de fundamentação. Sentença penal condenatória recorrível. Princípios

constitucionais.

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ABSTRACT

Monograph on preventive detention in cases of appealable penal sentences, and innovations

resulting from Law 11.719, dated 6.20.2008, with the general aim to address the need of

judges to support their decisions regarding the upholding or imposition of preventive

detention, in case of appealable penal sentences, after the sole paragraph has been added to

article 387 of the Code of Criminal Procedure, conferred by Law 11.719/08. The specific

objectives of the work are to address the differences between post-conviction and pre-

conviction detentions; provide a summary of the different kinds of preventive detention set

forth in the Brazilian system of criminal procedure laws; identify the constitutional principles

applicable to preventive detentions; highlight the aspects of preventive detention in appealable

penal sentences; and analyze the need of well-founded decrees in this kind of prison,

according to the sole paragraph of article 387 in the Code of Criminal Procedure. The present

paper, structured in five chapters, studies the change imposed by Law 111.719/08, in article

387, sole paragraph, of the Code of Criminal Procedure. The methodological procedure

applied was the exploratory research, consisting of doctrinaire bibliographic survey, and

studies on the current legislation. The method adopted was the deductive approach, a system

that uses general theories and laws to analyze particular phenomena. The procedure used, in

view of the nature of the work, was monographic, a treatise on a single subject.

Keywords: Prison. Post-conviction detention. Pre-conviction detention. Pre-trial detention.

Preventive detention. Well-founded decisions. Appealable penal sentence. Constitutional

principles.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11

2 AS ESPÉCIES DE PRISÃO NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO 13

2.1 BREVES NOÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS ........................................................... 14

2.2 PRISÃO-PENA OU PRISÃO PENAL .............................................................................. 19

2.3 PRISÃO SEM PENA ......................................................................................................... 21

2.3.1 Prisão civil ...................................................................................................................... 22

2.3.2 Prisão administrativa .................................................................................................... 24

2.3.3 Prisão disciplinar ........................................................................................................... 26

2.3.4 Prisão cautelar de natureza processual ....................................................................... 26

3 A PRISÃO CAUTELAR DE NATUREZA PROCESSUAL NO SISTEMA

PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO ............................................................................... 32

3.1 PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO ............................................................................... 32

3.1.1 Flagrante próprio .......................................................................................................... 34

3.1.2 Flagrante impróprio ou quase-flagrante ..................................................................... 35

3.1.3 Flagrante presumido ..................................................................................................... 38

3.1.4 Classificação quanto às circunstâncias ........................................................................ 40

3.1.5 Flagrante nas várias espécies de crime ........................................................................ 42

3.1.6 Sujeitos do flagrante ...................................................................................................... 44

3.1.7 Autoridade competente ................................................................................................. 46

3.1.8 Formalidades da prisão em flagrante .......................................................................... 47

3.2 PRISÃO PREVENTIVA STRICTO SENSU ...................................................................... 51

3.2.1 Hipóteses que autorizam o decreto de prisão preventiva .......................................... 54

3.2.2 Condições de admissibilidade ....................................................................................... 58

3.2.3 Fundamentação da decisão que decreta ou denega a prisão preventiva .................. 60

3.2.4 Revogação e redecretação ............................................................................................. 61

3.2.5 Apresentação espontânea .............................................................................................. 63

3.3 PRISÃO TEMPORÁRIA ................................................................................................... 64

3.4 PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA ............. 68

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3.5 PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECORRÍVEL ......................................................................................................................... 72

3.6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS ÀS ESPÉCIES DE PRISÃO .......... 73

3.6.1 Princípio da ampla defesa ............................................................................................. 80

3.6.2 Princípio da reserva legal ou da legalidade ................................................................. 81

3.6.3 Princípio da irretroatividade da lei penal ................................................................... 83

3.6.4 Princípio da imediata comunicação da prisão ............................................................ 84

3.6.5 Princípio do direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo

interrogatório policial ............................................................................................................ 85

3.6.6 Princípio do relaxamento da prisão ilegal ................................................................... 86

3.6.7 Princípio da liberdade provisória ................................................................................ 88

3.6.8 Princípio da jurisdição constitucional das liberdades – habeas corpus e mandado de

segurança ................................................................................................................................. 89

4 A PRISÃO PREVENTIVA NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECORRÍVEL ....................................................................................................................... 92

4.1 A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO

PREVENTIVA SOB A ÉGIDE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO

DE PROCESSO PENAL .......................................................................................................... 94

4.2 A POSSIBILIDADE DE APELAR EM LIBERDADE ..................................................... 97

4.3 A APLICAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA SOB A LUZ DOS PRINCÍPIOS DO

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL ........................................................................ 99

4.3.1 Princípio do estado de inocência, da presunção de inocência ou princípio da não-

culpabilidade ........................................................................................................................... 99

4.3.2 Garantia da motivação dos atos decisórios penais ................................................... 104

5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 107

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES .......................................................................... 116

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1 INTRODUÇÃO

O universo de nossos dias é visto sob outro prisma, sofre profundas

transmudações decorrentes de múltiplos avanços que se proliferam no campo científico, na

área da industrialização, da genética e tecnológica. Em essência, somos os mesmos humanos,

contudo, é incontestável que precisamos nos adaptar à vertiginosa ciranda de alternâncias,

conhecida como “Realidade Aumentada”, ou “Realidade Paralela”, bem como ao contexto

“virtual”, que influenciam não somente o cotidiano no qual vivemos, mas a própria estrutura

intrínseca de nosso ser, pensar e interagir.

Nosso mundo tornou-se globalizado e a ascensão do capitalismo incrementou

múltiplas formas de satisfazer as necessidades individuais. Mesmo assim, convivemos com

grandes divergências econômicas e societárias entre os povos e nações. As mazelas se

expandem, em especial, a fome, a miséria, a penúria, gerando o aviltamento do homem em si

próprio, bem como o vilipêndio dos direitos e garantias individuais.

Qual o verdadeiro sentido da existência humana neste específico, apocalíptico e

estranho tempo histórico em que vivemos? Difícil resposta! Enfrentamos sérios percalços,

todavia um dos mais deploráveis, rotulado pelos sociólogos como subproduto da crise

econômica mundial, é o aumento exacerbado da violência, que aciona, em seu prisma

contensivo, o sistema repressor estatal, provocando o encarceramento, a prisão do ser

humano. Além disto, o século XXI mostra uma nova face, uma novel espécie de delitos, sem

as características individuais da criminalidade clássica, que exigem uma reforma dogmática

na seara penal.

Sabe-se que a prisão antagoniza com várias arestas, entretanto é inegável que sua

mácula mais sombria reside em interferir sobre o mais sagrado direito e aspiração dos seres

humanos: a liberdade.

Assim, neste trabalho, além das premissas já apontadas em seu resumo, será

demonstrado que juristas e julgadores hodiernos tendem a aplicar o jus puniendi sob outro

cenário, conferindo à prisão um caráter mais humanista. Este novo horizonte culminou por

possibilitar muitas reformas no Código de Processo Penal Brasileiro, cujos principais aspectos

também serão evidenciados nesta pesquisa.

No futuro, quiçá, teremos outros comandos para solucionar o problemático

impasse homem – liberdade – violência – prisão.

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No presente, é preciso ficar vigilante, para que as normas processualísticas penais

não permaneçam estáticas, devendo evoluir, criando novos parâmetros repressores, a fim de

satisfazerem ou garantirem os fins precípuos a que se destinam tais como a segurança, paz e a

justiça na sociedade contemporânea.

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2 AS ESPÉCIES DE PRISÃO NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

Far-se-á uma análise detalhada acerca das espécies de prisão no sistema jurídico

processual penal brasileiro.

Tem-se como conceito de prisão, “a privação, mais ou menos intensa, da

liberdade ambulatória”.1 Ainda sobre o conceito de prisão, José Frederico Marques exprime-

se, nos seguintes termos: “prisão é a pena privativa de liberdade imposta ao delinqüente,

cumprida, mediante clausura, em estabelecimento penal para esse fim destinado”.2

Sob a ótica de Julio Fabbrini Mirabete,

A prisão, em sentido jurídico, é a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo ilícito ou por ordem legal. Entretanto, o termo tem significados vários no direito pátrio, pois pode significar a pena privativa de liberdade (‘prisão simples’ para autor de contravenções; ‘prisão’ para crimes militares, além de sinônimo de ‘reclusão’ e ‘detenção’), ato da captura (prisão em flagrante ou em cumprimento de mandado) e a custódia (recolhimento da pessoa ao cárcere). Assim, embora seja tradição no direito objetivo o uso da palavra em todos esses sentidos, nada impede que se utilize os termos captura e custódia, com os significados mencionados em substituição ao termo prisão.3

A palavra “prisão” deriva do latim prehensio, de prehendere, que significa “o ato

de prender ou o ato de agarrar uma coisa”.4 Pode-se afirmar, outrossim, que indica “o ato pelo

qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir,

recolhendo-a a um lugar seguro e fechado, de onde não poderá sair”.5

Em nosso país, conforme a legislação vigente, há diversas espécies de prisão, as

quais serão analisadas individualmente. Podemos enumerar, portanto, além da prisão penal, as

prisões sem pena, civil, administrativa e disciplinar.

1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 605. 2 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller. v. 1. 1997. p. 38. 3 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 361. [grifos originais]. 4 SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. v. 3. 1967. p. 1.221. 5 SILVA, loc. cit.

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2.1 BREVES NOÇÕES E ASPECTOS HISTÓRICOS

Durante muitas eras, não sabemos exatamente quantas, num universo povoado por

lendas, mitos, guerreiros e heróis não existiam prisões. As desavenças, ofensas ou

comportamentos enquadrados como anti-grupais submetiam-se “à lei do sangue”, ou “à luta

do homem contra o homem”, isto é, à vingança mortal, pura e simples. Nas batalhas

sangrentas, inúmeras civilizações remotas não faziam prisioneiros e se estes eram poupados,

um destino muito sombrio os aguardava – a escravidão –, que os alijavam de quaisquer

direitos.

A história consagra a grandeza e sabedoria dos egípcios, um povo enigmático cujo

legado científico-cultural desafia a ciência e tecnologia modernas. Sabe-se, porém, que a

riqueza e esplendor dos faraós era fruto do trabalho escravo, os quais, por volta de 1280 a.C.

já eram mantidos em cativeiros, a fim de que as colossais obras, que desafiam o tempo,

pudessem ser edificadas. O consenso não é unânime, todavia muitos estudiosos asseveram

que aí reside a origem da primeira restrição à liberdade escudada na premissa do cumprimento

de uma obrigação.6

Um aspecto interessante a ser evidenciado é que, entre os povos mais antigos,

existia o ato de aprisionar, com características de mera restrição física, sendo que não foram

traçadas normas reguladoras tangentes às penalidades a ser impostas. Ou seja, o cárcere era

um local de custódia, onde os que praticavam atos “ilegais” ficavam à disposição dos chefes

dos clãs, líderes ou governantes, sendo-lhes, quase sempre, aplicadas penas de caráter físico

como espancamento, mutilações, torturas e a própria morte.7

Em relação às civilizações antigas, ensina Cezar Roberto Bitencourt:

Os vestígios que nos chegaram dos povos e civilizações mais antigas (Egito, Pérsia, Babilônia, Grécia, etc.) coincidem com a finalidade que atribuíam primitivamente à prisão: lugar de custódia e tortura. A expiação daquele que violou as normas de convivência – expressada pela aplicação das mais atrozes penalidades, como morte, mutilação, tortura e trabalhos forçados – é um sentimento comum que se une à Antigüidade mais remota. A Grécia, ou mais exatamente a civilização helênica, desconheceu a privação da liberdade como pena8.

6 MISCIACI, Elisabeth. Como surgiram os cárceres. Disponível em: <http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm>. Acesso em: 29 jul. 2009. 7 MISCIACI, loc. cit. 8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 14.

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Em Roma existia um processo de caráter formalista e muito solene, que consistia

numa verdadeira execução pessoal, isto é, no aprisionamento do devedor por parte do credor.

Naquele tempo, a prisão era efetuada num ambiente denominado ergastulum, ambiente este,

que segundo a lição de Fustel de Coulanges: “O plebeu debatia-se contra o patrício que,

armado do seu crédito, queria fazê-lo cair na clientela. Para o plebeu, a clientela equivalia à

escravidão, e as seus olhos a casa do patrício era uma prisão (ergastulum)”.9

Sobre a prisão em Roma, elucida Cretella Júnior:

O magistrado autoriza o credor a deitar a mão sobre o devedor e levá-lo preso, caso não pague a quantia devida, imediatamente, quando tal soma é reclamada oralmente. Se a dívida não é paga nos 60 dias posteriores à manus injecto, o devedor pode ser morto ou vendido trans Tiberim como escravo.10

Em relação à prisão, a Lei das XII Tábuas assim expõe:

Tábua III (De aere confesso rebusque jure judicatis – Da execução em caso de confissão ou de condenação). I- Para o pagamento de uma dívida em dinheiro, confessada pelo devedor e por ela condenado, tenha ele o prazo de trinta dias para se desobrigar. II- Decorrido esse tempo, seja preso o devedor e levado a presença do magistrado. III- Não sendo líquida a dívida nesse momento e nem alguém oferecendo caução pelo devedor, seja ele preso por meio de correias com ferros de quinze libras aos pés, no máximo, podendo ser de menor peso, de acordo com o credor. IV- Viva, então, o devedor às suas expensas e, em caso de não o poder, que o credor lhe dê uma libra de farinha por dia, no máximo. V- Inciso incompleto que determinava que a dívida fosse apregoada após o prazo de três feiras, no sentido de haver um meio de remissão. VI- Terminado esse prazo, o devedor seria morto, podendo ser cortado em pedaços, na hipótese de existirem vários credores. Mas a lei admitia também, o que era mais usual, a venda do devedor a um estrangeiro, para além do Tibre.11

O mesmo procedimento utilizado em Roma para reter o devedor como meio de

pagamento de suas dívidas foi utilizado na Grécia antiga, onde era comum trancafiar os maus

pagadores e os devedores até que liquidassem suas dívidas. Porém, a prisão era um modo de

impedir a fuga até que os débitos fossem quitados ou um meio de assegurar a presença ante os

tribunais geralmente instalados em praça pública.12

Na Idade Média, onde fortalezas e castelos proliferaram a largo passo, era muito

comum erigir-se nestas edificações muros, torres e calabouços, nos quais eram encarcerados

9 COULANGES, Numa Denis Fustel de. A cidade antiga. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 303. 10 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 420. 11 ROMA. Lei das XII tábuas. Disponível em: <http://www.internext.com.br/valois/pena/451ac.htm>. Acesso em: 18 set. 2009. 12 MISCIACI, 2009. Acesso em: 29 jul. 2009.

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“os infratores”, à espera das sanções corporais, sempre muitos violentas. Alguns permaneciam

lá pelo resto da vida, a qual era abreviada pelas más condições dos aposentos sombrios,

insalubres, úmidos e totalmente inabitáveis.13

Por mais estranho que pareça, considerando-se o caráter cristão sagrado e

humanitário, as prisões tiveram sua origem nos mosteiros da Igreja e sob a ótica religiosa, o

encarceramento passou a ser visto como forma de castigo “como punição imposta aos monges

ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em

silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus”.

Eram as chamadas “prisões canônicas”. Mais tarde, a Igreja, com seu “Tribunal da

Inquisição” evolui para uma escala mais cruel, perseguindo os supostos hereges

encaminhado-as à fogueira e às masmorras.14

Com fulcro nesta idéia, surgiu a primeira prisão destinada ao recolhimento de

criminosos, conhecida como “House of Correction”, erguida em Londres, entre 1550 e 1552,

a qual desempenhou papel preponderante como iniciativa e incremento desta modalidade de

instituição, alastrando-se de modo significativo nos anos seguintes.15

Na Holanda, nos meados do século XVI, por volta de 1555, foi construído o

“Rasphuis de Amsterdã”, no qual a privação de liberdade era configurada como pena, como

sanção penal e não como simples restrição física.16

Na Inglaterra, por volta de 1697, mais especificamente em Worcester, começaram

a surgir as casas de trabalho.17

Em Roma, o Hospício de San Michel foi considerado, na antiguidade, como o

primeiro estabelecimento penal. Denominado “Casa de Correção”, abrigava “meninos

incorrigíveis”. Construído em 1703, por ordem do Papa Clemente XI, foi um marco na

história da arquitetura das prisões, pela forma como as celas foram instaladas.18

Em 1764, Cesare Beccaria, com seus estudos e em especial com sua obra “Dos

Delitos e das Penas” revolucionou os sistemas penitenciários, causando grande impacto na

Europa, culminando para que se instaurasse uma verdadeira reforma. Dentre os precursores

13 MISCIACI, 2009. Acesso em: 29 jul. 2009. 14 MISCIACI, loc. cit. [grifos originais]. 15 PFALLER, Petra Silvia. Uma sociedade sem prisões? Disponível em: <http://carceraria.tempsite.ws/fotos/fotos/admin/formacoes/6fa67f1df12d95f6757710793eefd839.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2009. 16 PFALLER, loc. cit. 17 PFALLER, loc. cit. 18 PFALLER, loc. cit.

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desta alternância, destaca-se Jonh Howard, grande humanista, que muito colaborou para a

melhoria dos cárceres e das condições dos presos em geral.19

Quanto às origens das prisões em nosso País, temos:

A primeira menção à prisão no Brasil foi dada no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial. O Código decretava a Colônia como presídio de degredados. A pena era aplicada aos alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos (ORDENAÇÕES FILIPINAS, 1870, P. 91). A utilização do território colonial como local de cumprimento das penas se estende até 1808, ano marcado por mudanças significativas rumo à autonomia legal e aos anseios de modernidade, tão em voga naqueles tempos. A instalação da primeira prisão brasileira é mencionada na Carta Régia de 1769, que manda estabelecer uma Casa de Correção no Rio de Janeiro (SILVA MATTOS, 1885). Segundo os rumos da jurisprudência em todo o mundo, a implantação de um sistema prisional se fazia necessária no Brasil. A assimilação da nova modalidade penal se fez pela Constituição de 1824 que estipulou as prisões adaptadas ao trabalho e separação dos réus, pelo Código Criminal de 1830 que regularizou a pena de trabalho e da prisão simples, e pelo Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, de importância fundamental, que deu às Assembléias Legislativas provinciais o direito sobre a construção de casas de prisão, trabalho, correção e seus respectivos regimes. A Constituição de 1824 estabelecia que as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes (CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO DO BRASIL, ARTIGO 179), mas as casas de recolhimento de presos do início do século XIX mostravam condições deprimentes para o cumprimento da pena por parte do detento. Um exemplo deste quadro era a Prisão Eclesiástica do Aljube, localizada na cidade do Rio de Janeiro e instituída pelo Bispo Antonio de Guadalupe após 1735. Com a vinda da família, esta área de reclusão foi transformada em prisão comum, recebendo, posteriormente, o nome de Cadeia da Relação (1823), enquanto que a cadeia passou a abrigar a Câmara dos Deputados. Somente em 1856 é que a Cadeia da Relação foi desativada transformando-se em casa residencial. Os vários testemunhos sobre a tão famigerada Prisão do Aljube ou da Relação dão-nos o quadro do sofrimento dos presos, apontando para uma história que ainda precisa ser escrita. José Vieira Fazenda, em artigo memorável publicado na Revista

do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, cita o relatório da comissão nomeada para visitar as prisões em 1828 que apontou para o aspecto maltrapilho e subnutrido dos presos. Além disso o edifício projetado para abrigar 15 pessoas, comportava, naquela data, cerca de 390 pessoas (FAZENDA, 1921, p. 426). Essa casa de reclusão, como tantas outras nos primeiros anos do século XIX, abrigava categorias de presos cujos crimes eram diversos; havia ali paisanos e militares, indivíduos processados por delitos comuns, presos por qualquer motivo ou por nenhum motivo declarado. O cotidiano carcerário desta prisão revela, além do descaso público, lugar-comum em relação às prisões, aspectos sub-humanos que apontam para a precária cidadania ou sub-cidadania dos condenados sociais. Mesmo assim, teoricamente, buscava-se o modelo de enclausuramento perfeito.20

19 PFALLER, 2009. Acesso em: 29 jul. 2009. 20 PEDROSO, Regina Célia. Utopias penitenciárias: projetos jurídicos e realidade carcerária. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5300>. Acesso em: 29 jul. 2009.

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O término da escravatura e a proclamação da República geraram uma nova

dinâmica para as prisões, substituindo-se o Código Criminal de 1830. Com o advento do

Código Penal de 1890, foram previstas várias modalidades de prisão, como a celular,

disciplinar, a reclusão e a prisão com trabalho forçado, sendo que cada espécie deveria ser

cumprida em estabelecimento penal específico. Porém, no Brasil, na época imperial, os

prédios e locais onde funcionavam os presídios eram inservíveis para este tipos de penas,

exceto na cidade de Rio de Janeiro e São Paulo, que em meados do século XIX, começaram a

construir casas de correção como o Hospício do Juqueri, o Asilo dos Inválidos do Guapira e o

Recolhimento das Perdizes.21

Em 1983 foi aprovado o projeto de lei de autoria do Ministro da Justiça Ibrahim

Abi Hackel. Referido projeto foi convertido na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, atual Lei

de Execução Penal22, a qual elenca os seguintes estabelecimentos prisionais:

Penitenciárias: “destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime

fechado”.23 (art. 87).

Colônia Agrícola, Industrial ou similar: “destina-se ao cumprimento da pena

em regime semi-aberto”.24 (art. 91).

Casa do Albergado: “destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade,

em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana”.25 (art. 93).

Centro de Observação: “realizar-se-ão os exames gerais e o criminológico, cujos

resultados serão encaminhados à Comissão Técnica de Classificação”.26 (art. 96).

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: “destina-se aos inimputáveis

e semi-imputáveis referidos no art. 26 e seu parágrafo único do Código Penal”.27 (art. 99).

Cadeia Pública: “destina-se ao recolhimento de presos provisórios”.28 (art.102).

Merece ênfase o fato de que no dia 23 de junho de 2006 foi inaugurado, no Brasil,

o primeiro presídio federal de segurança máxima. Situa-se na cidade de Catanduvas (PR), os

presos possuem celas individuais e se destina para condenados em regime fechado.29

21 ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luís Antônio F. Sociedade e a lei: o código penal de 1980 e as novas tendências penais na primeira república. Disponível em: <http://www.nevusp.org/downloads/down113.pdf>. Acesso em: 29 jul. 2009. 22 ASSIS, Rafael Damaceno de. As prisões e o direito penitenciário no Brasil. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/24913>. Acesso em 29 jul. 2009. 23 BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a lei de execução penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 29 jul. 2009. 24 BRASIL, loc. cit. 25 BRASIL, loc. cit. 26 BRASIL, loc. cit. 27 BRASIL, loc. cit. 28 BRASIL, loc. cit.

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Também, há o Complexo Prisional de Itaquitinga (PE), cujas obras foram

iniciadas em abril do ano vigente. É o primeiro presídio brasileiro construído em parceria com

empresas privadas e deve abrigar aproximadamente 3.000 (três mil) detentos. O governo de

Pernambuco espera melhorar a ressocialização dos detidos. O novo complexo, que deve ser

concluído em julho de 2010, vai contar com oficinas de trabalho onde os detentos serão

assalariados.30

Projetos semelhantes já estão em andamento nos Estados de Minas Gerais e Rio

Grande do Sul, sendo que nestes se pretende edificar pavilhões para presos do regime fechado

e semi-aberto.31

2.2 PRISÃO-PENA OU PRISÃO PENAL

Conforme a doutrina de Fernando da Costa Tourinho Filho, a prisão penal é

aquela que decorre de sentença penal condenatória irrecorrível e é “o sofrimento imposto pelo

Estado ao infrator, em execução de uma sentença penal, como retribuição ao mal praticado, a

fim de reintegrar a ordem jurídica injuriada”.32

Anota, o mesmo jurista, que a pena é um castigo e tem como finalidade precípua a

reeducação, com o fito da ressocialização, reinserção e reintegração do condenado na

comunidade33. Outrossim, quando discorre sobre o cárcere, afirma que “[...] não tem função

educativa; é simplesmente um castigo, e, como já se disse, esconder sua verdadeira e íntima

essência sob outros rótulos é ridículo e vitoriano. Os condenados vivem ali como farrapos

humanos, castrados até a esperança”.34

Acerca dos fins da prisão, temos que ela serve para retribuir, todavia, na prática,

muito mais do que a mera privação de liberdade, visto que o condenado perde a segurança, a

privacidade, a intimidade, a identidade social, ele se insere num ambiente hostil,

29 SEJU. Secretaria do Estado da Justiça e Cidadania. Paraná ganha primeira penitenciária federal de segurança máxima do país. Disponível em: <http://www.seju.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=38>. Acesso em: 29 jul. 2009. 30 SALLES, Silvana. Estados investem em presídios com parceria privada; modelo desperta polêmica. 2009. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/13/ult5772u4585.jhtm >. Acesso em 29 jul. 2009. 31 SALLES, loc. cit. 32 TOURINHO FILHO, 2009, p. 605. 33 TOURINHO FILHO, loc. cit. 34 Ibid., p. 605-606.

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subordinando-se a comandos autoritários, impostos não só pelo diretor e agentes

penitenciários, mas também pelas lideranças formadas por outros presos.35

Também serve a prisão para a intimidação. Ocorre que é pacífico que o

aprisionamento não intimida, “os cárceres estão abarrotados de pessoas que não se

amedrontam diante da pena e pelas ruas circulam criminosos que praticam toda sorte de

delitos indiferentes à possibilidade de serem punidos”.36

A ressocialização é um fim específico que se pode frisar, mas é sabido que, ao

invés de educar para a liberdade, a prisão tem sido um núcleo de aperfeiçoamento do crime,

pois não se pode ensinar a viver em liberdade, dentro de um cativeiro.37

A prisão penal é uma “conseqüência de uma condenação transitada em julgado, de

acordo com previsão estabelecida no Código Penal”.38 Também, segundo Willian Silva,

consiste na

[...] privação da liberdade imposta pelo Estado em seu poder de império, após caracterizado e efetivado o jus puniendi com a sentença condenatória transitado em julgado. Só se a impõe a prisão-pena, é intuitivo, após a emissão do juízo de procedência da pretensão punitiva e só se a executa quando esgotados todos os meios recursais. A pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, por intermédio do devido processo legal, com as características retributiva e preventiva.39

Cabe ressaltar, segundo leciona Edilson Mougenot Bonfim, que a sentença

condenatória é “aquela em que o juiz julga procedente a pretensão punitiva deduzida na peça

acusatória, reconhecendo a responsabilidade do réu e lhe aplicando uma pena”.40 Tal medida

deverá “respeitar as determinações do Código Penal, que disciplina, em vários artigos, os

critérios para aplicação da pena nos casos de sentença condenatória”.41

A prisão-pena, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, é

imposta por meio de um processo criminal, onde os princípios constitucionais são

consagrados e respeitados, provas necessárias para que haja um julgamento eficaz e justo são

35 LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey. 1998, p. 36-37. 36 Ibid., p. 37. 37 Ibid., p. 38. 38 MEIRELLES, Lenilma Cristina Sena de Figueiredo. Responsabilidade civil do Estado por prisão ilegal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5961>. Acesso em: 24 jul. 2009. 39 SILVA, Willian. Direito processual penal ao vivo: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 154. [grifos originais]. 40 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 464. 41 Ibid., p. 465.

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produzidas, sendo que a devida fundamentação para a imposição da prisão definitiva é

exigida.42

Ainda, “[...] surge como uma retribuição, mas ostenta face preventiva, pois – além

de retirar da comunidade alguém que infringiu suas normas – adverte os demais de que o

mesmo lhes acontecerá se vierem a trilhar o mesmo caminho”.43

A prisão pena surge como forma de reclusão e detenção, ínsitas no Código Penal;

como prisão simples, prevista na Lei das Contravenções Penais e no Código Penal Militar; e,

por fim, como prisão especialíssima, destinada a jornalistas e constante da Lei de Imprensa.44

Ora, “existem três espécies de penas privativas de liberdade – reclusão, detenção e

prisão simples – que, na realidade, poderiam ser unificadas sob a denominação de pena de

prisão”.45

Cabe frisar que a prisão, atualmente, tem sido desacreditada em todo o país e

mundo civilizado, eis que não soluciona a mazela da criminalidade e retira o delinquente da

sociedade, porém, não propicia sua recuperação quando do seu retorno.46

2.3 PRISÃO SEM PENA

Esta prisão, como dimana do próprio nome, não deflui da condenação47. Sobre o

tema:

Por prisão sem pena entende-se toda a forma de prisão provisória ou cautelar em sentido amplo, assim considerada em razão de recair sobre o indivíduo mesmo sem que haja sentença definitiva. É revestida de caráter precário, por não ser definitiva, podendo ser decretada ou cassada a qualquer tempo, no curso da fase informativa ou da instrução processual. Sua decretação não deflui de condenação e tem como finalidade resguardar o processo de conhecimento, pois, em alguns casos, se esta medida não for adotada, privando assim o indivíduo de sua liberdade mesmo sem uma sentença definitiva, quando esta for proferida, já não será possível a aplicação da lei penal. Tem, pois, a natureza da prisão provisória, caráter de urgência e

42 PEREIRA, Fabio Martins; PEREIRA, Fernanda Simões Viotto. Breves apontamentos sobre as modalidades de prisão cautelar no sistema processual penal brasileiro. Disponível em: <http://www2.uel.br/cesa/direito/doc/procpenal/F%E1bio%20Martins.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2009. 43 AQUINO, José Carlos G. Xavier de; NALINI, José Renato. Manual de processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 304. 44 AQUINO, loc. cit. 45 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral/parte especial. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 381. [grifos originais]. 46 AQUINO, loc. cit. 47 TOURINHO FILHO, 2009, p. 608.

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necessidade, que serve de instrumento para se atingir o fim esperado pelo processo de conhecimento, ou seja, a satisfação da pretensão.48

Acerca da prisão sem pena, esclarecem Fernando Capez e Rodrigo Colnago:

Prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue praticando delitos. Depende do preenchimento dos pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris. É a chamada prisão provisória, compreendendo as seguintes espécies: prisão em flagrante (CPP, arts. 301 a 310); prisão preventiva (CPP, arts. 311 a 316); prisão decorrente da pronúncia (art. 413, § 3º, com redação determinada pela Lei n. 11.689/2008); prisão em virtude de sentença condenatória recorrível (CPP, parágrafo único do art. 387, com redação determinada pela Lei n. 11.719/2008; art. 393, I; art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.072/90; art. 59 da Lei n. 11.343/2006); e, finalmente, prisão temporária (Lei n. 7.960, de 21-12-1989).49

Este tipo de prisão não constitui pena no sentido técnico jurídico50. As

modalidades de prisão sem pena, na doutrina, não são uníssonas e serão analisadas, em

momento oportuno, particularmente.

2.3.1 Prisão civil

Esta prisão, conforme a nomenclatura indica,

[...] é a decretada pelo juiz do cível, funcionando como medida de coação executiva que visa obrigar alguém ao cumprimento de um dever na órbita cível. Competindo a sua decretação pelo juiz nos casos de devedor de alimentos e depositário infiel, únicas hipóteses permitidas pela Constituição (art. 5º, LXVII).51

A prisão civil está elencada “nas hipóteses previstas nos arts. 733, parágrafo

único, 885, parágrafo único, e 904, § 1.º, todos do CPC”.52

Outrossim,

48 PEREIRA, 2009. Acesso em: 24 jul. 2009. 49 CAPEZ, Fernando; COLNAGO, Rodrigo. Prática forense penal. 3. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 108-109. 50 BONFIM, 2009, p. 397. 51 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 24 jul. 2009. 52 TOURINHO FILHO, 2009, p. 608.

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A prisão civil, de caráter excepcional, somente existe no ordenamento jurídico brasileiro nos casos do depositário infiel e do devedor de alimentos oriundos dos vínculos de direito de família (art. 5º, LXVII, da CF). Em ambos os casos, não assume caráter punitivo, mas sim meramente coercitivo, cessando a privação de liberdade assim que se resolve o inadimplemento.53

No que concerne à possível revogação da prisão por depositário infiel, tendo em

vista o Pacto de São José da Costa Rica, que não a admite (em seu artigo 7º, item 7)54, o

Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento, onde afirmou que, em decorrência da

Constituição Federal de 1988, há de persistir a constitucionalidade da prisão civil do

depositário infiel, eis que o aludido tratado internacional não pode contrapor-se à permissão

ínsita no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal55, o qual diz que “não haverá prisão

civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de

obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.56

Pois bem. Se a Constituição Federal de 1988 permite a prisão civil naquelas duas

hipóteses, definitivamente, normas inferiores, como tratados internacionais, não podem

proibí-la. Logo, também o Pacto São José da Costa Rica não pode dar base à violação

constitucional perpetrada. Aliás, mesmo sendo recepcionada pelo ordenamento jurídico

brasileiro, a norma do artigo 7º, item 7, do Pacto é inconstitucional.57

Quanto ao Pacto São José da Costa Rica:

O art. 7.º, item 7, do Pacto São José da Costa Rica ao negar a prisão civil, viola o inc. LXVII, do art. 5.º, da Magna Carta, que expressamente permite o decreto prisional, sendo, pois, inconstitucional. Ademais disso, não poderia ser introduzido no sistema jurídico pátrio com o status de emenda constitucional, vez que não observa o procedimento insculpido no art. 60, da Magna Carta para tal fim. Equipara-se, assim, dito tratado, à lei ordinária de caráter geral, não podendo, pois, revogar norma anterior, de mesmo grau hierárquico, de caráter específico, como o é o Dec.-Lei 911/69, que equipara o depositário fiduciário ao depositário civil, inclusive para fins do decreto prisional.58

53 BONFIM, 2009, p. 398-399. 54 Artigo 7º. Direito à liberdade pessoal. [...] § 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. 55 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 109. 56 CAPEZ; COLNAGO, loc. cit. 57 CALONEGO, Fernanda; FRANCO, Fábio Luis; MARTINS, Antônio Darienso Martins. Algumas considerações acerca da possibilidade da prisão civil do depositário fiduciário mesmo após o advento do Pacto de São José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/viewFile/459/23>. Acesso em 14 set. 2009. 58 CALONEGO; FRANCO; MARTINS, loc. cit.

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É preciso que não se perca de foco que a vedação à prisão civil, no sistema

jurídico brasileiro, possui regra originária eminentemente constitucional, sendo que a

Constituição Federal, ao estabelecer as bases do regime que define a liberdade individual,

consagra, em tema de prisão civil por dívida, uma tradição republicana que, iniciada pela

Constituição de 1934 (art. 113, 30), tem sido observada, com a só exceção da Carta de 1937,

pelos sucessivos documentos constitucionais brasileiros (CF/46, art. 141, § 32; CF/67, art.

150, § 17; CF/69, art. 153, § 17).59

A própria Constituição de 1988, como dito alhures, à base desta mesma

orientação, dispôs no já citado artigo 5º, inciso LXVII, a possibilidade da prisão do

depositário infiel, restando a problemática em comento pacificada.

2.3.2 Prisão administrativa

A prisão administrativa, no entendimento de Marcellus Polastri Lima,

[...] visa compelir alguém a cumprir um dever de direito público. Hoje, em face da Constituição de 1988, naqueles casos previstos em lei, é o juiz que deve decretá-la, e não a autoridade administrativa, v.g., constrição do falido a apresentar livros ou do depositário judicial (Súmula 619 do STF), ou ainda no caso de estrangeiro expulso do país (Estatuto do Estrangeiro).60

Já segundo Edilson Mougenot Bonfim,

A prisão administrativa, decretada por autoridade administrativa, para compelir ao cumprimento de obrigação, não foi recepcionada pela Constituição de 1988, embora haja entendimento no sentido de ser ela cabível, se decretada por autoridade judiciária. Não constitui prisão processual, a despeito de estar prevista no Código de Processo Penal.61

A hermenêutica acerca desta modalidade de prisão é diversificada. Vejamos:

É a decretada por autoridade administrativa para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação. Esta modalidade de prisão foi abolida pela nova ordem constitucional. Com efeito, o art. 319 do Código de Processo Penal não foi

59 CALONEGO; FRANCO; MARTINS, 2009. Acesso em 14 set. 2009. 60 LIMA, Polastri Marcellus. Manual de processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 583. [grifos originais]. 61 BONFIM, 2009, p. 398.

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recepcionado pelo art. 5º, LXI e LXVII, da Constituição. Em sentido contrário, o STF já entendeu que ainda cabe a prisão administrativa do estrangeiro, durante o procedimento administrativo da extradição, disciplinado pela Lei n. 6.815/80, desde que decretada por autoridade judiciária. Assim, desde que imposta por juiz, tem-se admitido, a nosso ver sem razão, a prisão administrativa do extraditando.62

Quanto à vigência do artigo 319 do Código Processual Penal, Eugênio Pacelli de

Oliveira orienta que

Não reconhecemos a vigência de quaisquer das hipóteses de prisão arroladas no art. 319 do CPP, sobretudo aquela mencionada no item I, que cuida da prisão do devedor

de tributos, em inteiro e absoluto contraste com a norma constitucional que veda a imposição de prisão civil (e muito menos penal) por dívida (art. 5º, LXVII). Não bastasse, a matéria é tratada, hoje, em sede de Direito Penal, como apropriação previdenciária, conforme art. 168-A e seguintes, e art. 337-A, todos do Código Penal. Também a hipótese arrolada no item II somente será possível no curso de processo de extradição, quando deverão ser observadas as restrições legais e constitucionais cabíveis, além de revestir-se de fundamentação cautelar, como seria a hipótese de garantir o processo de extradição.63

Assim, o entendimento majoritário é de que a prisão do artigo 31964 do Código de

Processo Penal não mais persiste na ordem jurídica pátria, pois, não foi recepcionada pelos

incisos LXI e LXVII do artigo 5º da Constituição Federal, exceto em casos acima explanados,

como a prisão administrativa do estrangeiro, durante o procedimento administrativo da

extradição.

62 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 109. 63 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 468. [grifos originais]. 64 Art. 319. A prisão administrativa terá cabimento: I - contra remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam; II - contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional; III - nos demais casos previstos em lei. § 1º. A prisão administrativa será requisitada à autoridade policial nos casos dos ns. I e III, pela autoridade que a tiver decretado e, no caso do no II, pelo cônsul do país a que pertença o navio. § 2º. A prisão dos desertores não poderá durar mais de três meses e será comunicada aos cônsules. § 3º. Os que forem presos à requisição de autoridade administrativa ficarão à sua disposição.

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2.3.3 Prisão disciplinar

A prisão disciplinar “existe apenas no âmbito militar (art. 5º, LXI, da CF)”65,

sendo “permitida pela Constituição para o caso de transgressões militares e crimes

militares”.66

Segundo Alexandre de Moraes, a Constituição Federal

[...] excetua a necessidade de flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente para a ocorrência de prisão, nos casos de transgressões militares ou crimes propriamente militares, definidos em lei (cf. decreto-lei nº 1.001/69 – art. 9º). Tal fato deve-se à maior necessidade de disciplina e hierarquia no regime castrense. Assim, conforme preceitua o art. 18 do Código de Processo Penal Militar, independentemente do flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações policiais, até 30 dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente.67

É preciso notar que tal permissivo constitucional não admite a possibilidade de

arbítrio e ilegalidade no regime castrense.68

2.3.4 Prisão cautelar de natureza processual

A prisão cautelar, de acordo com Paulo Rangel, é “uma espécie de medida

cautelar, ou seja, é aquela que recai sobre o indivíduo, privando-o de sua liberdade de

locomoção, mesmo sem sentença condenatória definitiva”.69

O mesmo autor assegura que

A prisão cautelar tem como escopo resguardar o processo de conhecimento, pois, se não for adotada, privando o indivíduo de sua liberdade, mesmo sem sentença definitiva, quando esta for dada, já não será possível a aplicação da lei penal. Assim, o caráter de urgência e necessidade informa a prisão cautelar de natureza processual.70

65 BONFIM, 2009, p. 398. 66 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 109. 67 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 402. 68 MORAES, loc. cit. 69 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 657. 70 RANGEL, loc. cit.

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Assevera, ainda, o aludido autor, que esta medida atinge o processo e não o direito

material nele discutido. O direito material é objeto do processo de conhecimento, enquanto a

medida cautelar é objeto do processo cautelar. Em conseqüência disto, a medida cautelar

serve como meio de atingir o fim colimado pelo processo de conhecimento, qual seja: a

solução do caso penal.71

Como dito, todas as prisões ocorridas antes do advento do trânsito em julgado da

decisão penal condenatória não têm natureza de pena, devendo ser dotadas de cautelaridade.72

Assim,

As prisões cautelares têm por finalidade resguardar a sociedade ou o processo com a segregação do indivíduo. Daí falar em cautelaridade social, cujo escopo é proteger a sociedade do indivíduo perigoso, e cautelaridade processual, que garante o normal iter procedimental, fazendo com que o feito transcorra conforme a lei e que eventual sanção penal seja cumprida. Deve necessariamente a prisão provisória fundar-se em uma das cautelaridades acima apontadas, sob pena de ser considerada inconstitucional por afronta ao princípio da presunção de inocência de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF).73

Julio Fabbrini Mirabete frisa que

Rigorosamente, no regime de liberdades individuais que preside o nosso direito, a prisão só deveria ocorrer para o cumprimento de uma sentença penal condenatória. Entretanto, pode ela ocorrer antes do julgamento ou mesmo na ausência do processo por razões de necessidade ou oportunidade. Essa prisão assenta na Justiça Legal, que obriga o indivíduo, enquanto membro da comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em decorrência da necessidade de medidas que possibilitem ao Estado prover o bem comum, sua última e principal finalidade.74

A privação de liberdade do indivíduo é a forma pela qual a antecipação provisória

e necessária no campo penal é efetuada. Se condenado for, o preso poderá detrair de sua pena

o tempo que permaneceu provisoriamente encarcerado (artigo 42 do Código Penal).75

A prisão cautelar não pode ser encarada como reconhecimento antecipado da

culpa, eis que, ao decretá-la, o juízo que se faz é de periculosidade e não de culpabilidade.

Ora, o Estado, para que possa atingir o fim precípuo de sua atuação (o bem comum), exige

dos indivíduos certos sacrifícios para que possa haver a materialidade deste bem comum, e

71 RANGEL, 2008, p. 657. 72 BONFIM, 2009, p. 398-399. 73 BONFIM, loc. cit. [grifos originais]. 74 MIRABETE, 2007, p. 362. 75 RANGEL, op. cit., p. 658.

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um deles é a privação da liberdade antes da sentença definitiva, desde que haja extrema e

fundamentada necessidade.76

Edilson Bonfim corrobora o entendimento, afirmando que,

Por não constituir antecipação da pena, uma vez que inexiste trânsito em julgado de condenação, toda e qualquer prisão cautelar exige a presença dos seguintes requisitos: indícios suficientes de autoria ou participação – o fumus boni iuris; e existência de risco social ou processual – periculum libertatis, que nada mais é do que a cautelaridade.77

Para Eugênio Pacelli de Oliveira, “toda prisão antes do trânsito em julgado deve

ser considerada uma prisão provisória”.78

O mesmo autor, ao dissertar sobre a provisoriedade da prisão antes de uma

sentença definitiva, proclama:

Provisória unicamente no sentido de não se tratar de prisão-pena, ou seja, aquela decorrente de sentença penal condenatória passada em julgado, também chamada de prisão definitiva, embora se saiba que não existe prisão por tempo indeterminado (perpétua) no nosso ordenamento jurídico.79

E continua:

De outro lado, toda prisão anterior ao trânsito em julgado deve também ser considerada uma prisão cautelar. Cautelar no que se refere à sua função de instrumentalidade, de acautelamento de determinados e específicos interesses de ordem pública. Assim, a prisão que não decorra de sentença passada em julgado será, sempre, cautelar e também provisória.80

Face à constitucionalização do processo penal, podem ser elencadas algumas

características da prisão cautelar de natureza processual penal, quais sejam:

a) Jurisdicionalidade: em primeiro lugar, as medidas cautelares estão submetidas

a uma análise judicial para que sejam adotadas, por serem medidas de restrição a direitos

consagrados na Constituição Federal e nas Convenções Internacionais, sendo que só podem

ser utilizadas por decisão judicial fundamentada da autoridade competente. Em casos

excepcionais, algumas medidas podem ser aplicadas, em um primeiro momento, por órgão ou

pessoa que não seja a judiciária, como por exemplo, a prisão em flagrante e/ou busca e

76 RANGEL, 2008, p. 658. 77 BONFIM, 2009, p. 398-399. 78 OLIVEIRA, 2009, p. 431. [grifos originais]. 79 OLIVEIRA, loc. cit. 80 OLIVEIRA, loc. cit. [grifos originais].

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apreensão em domicílio do indiciado com seu consentimento; todavia, posteriormente,

deverão ser submetidas ao crivo do Judiciário para que haja uma análise acerca da

legalidade.81

b) Acessoriedade: a medida cautelar segue a principal, dela sendo dependente,

subordinada, porque, na proporção em que há o resultado do processo principal, a medida

cautelar perde sua eficácia. Assim, a medida cautelar vincula-se ao resultado do processo

principal.82

c) Instrumentalidade hipotética: a medida cautelar serve de instrumento, de

meio e modo para se atingir a medida principal.83 Paulo Rangel cita Piero Calamandrei, o qual

se refere à instrumentalidade hipotética deste modo:

Eles (procedimentos cautelares) funcionam como meios para assegurar a eficácia de um procedimento principal, na hipótese de que este tenha um determinado conteúdo concreto, do qual se antecipam os previsíveis efeitos (Introdução ao Estudo Sistemático dos Procedimentos Cautelares, Editora Servanda, ano 2000, p. 97).84

d) Provisoriedade: a medida cautelar subsiste enquanto não tiver sido proferida a

medida principal e enquanto os requisitos que a autorizaram estiverem presentes. Tem

duração limitada, a medida cautelar, ao período de tempo que deverá passar entre a

instauração de um procedimento cautelar e a promulgação de um procedimento definitivo.85

e) Homogeneidade: deve ser proporcional a resultado favorável ao pedido do

autor, não sendo possível e admissível que, durante o andamento do processo, a restrição à

liberdade seja mais severa que eventual sanção a ser aplicada caso o pedido venha a ser

julgado procedente. Para que haja a homogeneidade da medida, deve-se levar em conta a

proporcionalidade que há de existir entre o que está sendo dado e o que será concedido.86

Antonio Scarance Fernandes, com sapiência, verbaliza sobre o princípio da

proporcionalidade:

Não será admitido o ataque a um direito do indivíduo se o meio utilizado não se mostrar idôneo à consecução do resultado pretendido. [...] Assim, nada justificaria prender alguém preventivamente para garantir a futura aplicação da lei penal se, em virtude do crime praticado, a provável pena a ser imposta não será privativa de liberdade ou, se privativa, será suspensa. O meio, a prisão, consistente em restrição à

81 RANGEL, 2008, p. 658-659. 82 RANGEL, loc. cit. 83 RANGEL, loc. cit. 84 RANGEL, loc. cit. 85 RANGEL, loc. cit. 86 RANGEL, loc. cit.

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liberdade individual, não se revelaria adequado ao fim a ser objetivado com o processo, pois dele não resultará privação de liberdade.87

No mesmo sentido, é a ensinança de Eugênio Pacelli de Oliveira:

Como a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória é sempre uma medida cautelar, faz-se necessário que, na sua aplicação, não se percam de vista os resultados finais do processo, o que, em última análise, é a sua razão de ser. Um exemplo bastante eloqüente do que afirmamos é a impossibilidade legal de se decretar a prisão preventiva para crimes culposos e/ou para contravenções (art. 313), mesmo que se constate a presença dos requisitos fáticos para a sua concessão, entre aqueles arrolados no art. 312 do CPP. Parte-se do raciocínio, logicamente justificado, no sentido de que, mesmo quando condenado o autor do crime culposo ou de infração contravencional, dificilmente lhe será imposta a sanção privativa da liberdade, em razão das diversas alternativas sancionatórias previstas nos arts. 43 e 44 do CP, as chamadas penas alternativas. Em tais situações, como se percebe, a imposição da prisão cautelar superaria, em muito, o resultado final pretendido no processo. Em outros termos: estaria irremediavelmente comprometida a função acautelatória da prisão provisória, em prejuízo de sua instrumentalidade, que vem a ser a justificação de sua existência.88

Importa gizar, ainda, os pressupostos essenciais para que a medida cautelar seja

corretamente adotada, quais sejam: o periculum in mora e o fumus boni iuris.89

Periculum in mora quer dizer

[...] que a demora no curso do processo principal pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser dada, não tenha mais eficácia, pois o tempo fez com que a prestação jurisdicional se tornasse inócua. Assim, o perigo de que a prestação jurisdicional futura demore faz com que se autorize a decretação da medida cautelar. Trata-se de probabilidade de uma lesão ou de um dano, a prestação jurisdicional futura que deve ser tutelada pela medida cautelar. O periculum traduz-se pelo binômio urgência e necessidade.

90

Já o fumus boni iuris é a fumaça do bom direito. É a chance, no processo

principal, de uma sentença favorável ao requerente da medida. Traduz-se no binômio prova

de existência do crime e indícios suficientes de autoria.91

Por fim, a prisão processual somente pode ser admitida com a nota da

excepcionalidade. A regra é que a persecução penal tenha seu desenvolvimento estando o

investigado (réu) em liberdade. Daí decorre ser imperiosa a fundamentação do decisum que

87 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 58. 88 OLIVEIRA, 2009, p. 432. 89 RANGEL, 2008, p. 661. 90 RANGEL, loc. cit. [grifos originais]. 91 RANGEL, loc. cit. [grifos originais].

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restrinja o direito de ir e vir daquele que ainda não se encontra definitivamente condenado92

(artigo 93, inciso IX93 da Constituição Federal).

Feitas estas considerações, analisar-se-á, individualmente, as modalidades de

prisão cautelar de natureza processual em nosso sistema jurídico processual penal pátrio.

92 BASTOS, Marcus Vinicius Reis. Presunção de não culpabilidade e prisão cautelar. Disponível em: <http://74.125.47.132/search?q=cache:3U3V2Ji3gRkJ:aplicaext.cjf.jus.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/combate/MarcusViniciusReisBastos.doc%3FPHPSESSID%3D010befeda5e5d953807e4d5ab4acabfe+prisao+processual+natureza+cautelar&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&client=firefox-a>. Acesso em: 16 set. 2009. 93 Art. 93. [...] IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

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3 A PRISÃO CAUTELAR DE NATUREZA PROCESSUAL NO SISTEMA

PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

Neste capítulo, tratar-se-á, especificamente, das modalidades de prisões cautelares

de natureza processual no ordenamento jurídico processual penal brasileiro.

A prisão cautelar de natureza processual é “aquela de natureza cautelar, que

advém do flagrante delito ou de ordem judicial, visando assegurar melhor persecução

criminal, e tem por característica a provisoriedade”.94

Conforme especifica Antonio Scarance Fernandes:

No intervalo do nascimento da relação jurídica processual e a obtenção do provimento final, existe sempre o risco de sucederem eventos que comprometam a atuação jurisdicional ou afetem profundamente a eficácia e utilidade do julgado. Há, então, necessidade de medidas cautelares, que eliminem ou amenizem esse perigo. São providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte e não realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional justa. Em regra, tais medidas dependem da presença de dois pressupostos essenciais: o periculum in mora e o fumus boni iuris.

95

Em seguida, examinar-se-á, cuidadosamente, cada espécie de prisão cautelar.

3.1 PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

A palavra flagrante, segundo a exegese de João Mendes, vem da “raiz grega –

flegein, que significa queimar. Essa idéia de fogo se encontra analogicamente aproveitada em

mais de uma locução, entre as quais é muito usada esta: “no fogo, no calor da ação”.96

Ainda, “flagrante vem do latim flagrans, flagrantis, do verbo flagrare, que

significa queimar, ardente, que está em chamas, brilhando, incandescente”.97

94 LIMA, 2009, p. 529. 95 FERNANDES, 2007, p. 323. 96 ALMEIDA JR., João Mendes. O processo criminal brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. v. 1. 1959. p. 296. 97 RANGEL, 2008, p. 663.

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Também, na mesma linha, é a lição de Mirabete: “A palavra flagrante é derivada

do latim flagrare (queimar) e flagrans, flagrantis (ardente, brilhante, resplandescente), que no

léxico, é acalorado, evidente, notório, visível, manifesto”.98

No sentido jurídico,

[...] é o delito no momento do seu cometimento, no instante em que o sujeito percorre os elementos objetivos (descritivos e normativos) e subjetivos do tipo penal. É o delito patente, visível, irrecusável do ponto de vista de sua ocorrência. A prisão em flagrante delito dá-se no momento em que o indivíduo é surpreendido no cometimento da infração penal, sendo ela tentada ou consumada.99

Portanto,

[...] a possibilidade de se prender alguém em flagrante delito é um sistema de autodefesa da sociedade, derivada da necessidade social de fazer cessar a prática criminosa e a perturbação da ordem jurídica, tendo também o sentido de salutar providência acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria.100

Este tipo de prisão exige dois elementos para que haja sua configuração, quais

sejam:

[...] a atualidade e a visibilidade. A atualidade é expressa pela própria situação flagrancial, ou seja, algo que está acontecendo naquele momento ou acabou de acontecer. A visibilidade é a ocorrência externa ao ato. É a situação de alguém atestar a ocorrência do fato ligando-o ao sujeito que o pratica. Portanto, somadas a atualidade e a visibilidade tem-se o flagrante delito.101

Sua disciplina constitucional tem base no artigo 5º, inciso LXI, o qual afirma que

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de

autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime

propriamente militar, definidos em lei”.102

A prisão em flagrante é cabível não só relativamente à prática de crime, como

também de contravenção, aplicando-se a esta os preceitos do Código Processual Penal que se

98 MIRABETE, 2007, p. 374. [grifos originais]. 99 RANGEL, 2008, p. 663. 100 MIRABETE, loc. cit. 101 RANGEL, loc. cit. 102 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 21 set. 2009.

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referem à prisão em flagrante delito quando da prática de infração penal (inciso I do artigo

302 do Código de Processo Penal).103

Sendo a prisão em flagrante um ato administrativo, como prescreve o artigo 301

do Código de Processo Penal, é

[...] uma medida cautelar de natureza processual que dispensa ordem escrita e é prevista expressamente pela Constituição Federal (art. 5º, LXI). [...] É evidente, pois, que o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, não impede a prisão em flagrante, de natureza processual, que não foi suprimida pelo legislador constitucional.104

Conforme nosso Direito atual, pode-se distinguir três espécies ou modalidades de

flagrante, as quais serão analisadas individualmente: flagrante em sentido próprio (artigo 302,

incisos I e II105, do Código de Processo Penal); flagrante em sentido impróprio ou quase-

flagrante (artigo 302, inciso III106, do Código de Processo Penal) e flagrante presumido (artigo

302, inciso IV107, do Código de Processo Penal).108

3.1.1 Flagrante próprio

Neste caso, o crime ou contravenção é atual, presente, visível, isto é, está sendo

praticado. A chama está queimando e acesa109. Mirabete também denomina este tipo de

flagrante como flagrante real ou flagrante propriamente dito110. Na acepção de Bonfim, pode

ser denominado como flagrante perfeito, real ou propriamente dito.111

O artigo 302 afirma que se considera em flagrante delito quem “está cometendo a

infração penal” (inciso I) e “quem acaba de cometê-la” (inciso II). Quanto ao tema,

103 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 113. 104 MIRABETE, 2007, p. 374. 105 Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la. 106 Art. 302. [...] III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração. 107 Art. 302. [...] IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 108 TOURINHO FILHO, 2009, p. 627. 109 RANGEL, 2008, p. 669. 110 MIRABETE, op. cit., p. 375. 111 BONFIM, 2009, p. 405.

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A lei equiparou duas situações diversas, mas em dispositivos diversos: a de quem é surpreendido no ato de execução do crime (desfechando golpes na vítima, destruindo coisa alheia, subtraindo coisa alheia etc.) e a de quem já esgotou os atos de execução, causando o resultado jurídico, de dano ou de perigo (morte, lesões, dano material etc.), encontrando-se ainda no local do fato ou nas suas proximidades em situação indicativa de que cometeu o ilícito (portando a arma homicida, com as vestes manchadas de sangue etc.).

Tourinho Filho explana:

Na primeira hipótese, isto é, no caso do inc. I do art. 302, há verdadeira flagrância. O agente está praticando a infração penal. Ele é surpreendido na prática da infração. No segundo caso, isto é, na hipótese do inc. II do art. 302, quando o legislador diz “acaba de cometê-la”, deve haver uma quase absoluta relação de imediatidade. O agente deve ser encontrado imediatamente após a prática da infração.112

Na opinião de Bonfim,

Embora seja considerada situação de flagrante próprio a segunda hipótese implica que o delito já se tenha consumado, havendo elementos significativos no sentido de que a pessoa detida é a autora da prática delituosa recém-ocorrida. A hipótese, portanto, é de presunção, não configurando, a rigor, flagrante próprio.113

Para Mirabete, há quem sustente que esta segunda hipótese é também de quase-

flagrância, porque há somente uma presunção, mesmo que veemente, de que o preso é o autor

do delito, sendo que é até mesmo possível que ele não seja o autor do ilícito, como por

exemplo, se ele apanhou a arma deixada pelo autor do homicídio, manchou as vestes ao

procurar socorrer a vítima. Porém, a maior parte da doutrina considera tal hipótese como

flagrante próprio.114

3.1.2 Flagrante impróprio ou quase-flagrante

Esta hipótese está prevista no inciso III do artigo 302 do Código de Processo

Penal e cuida do caso em que alguém “é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido

ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração”.115

112 TOURINHO FILHO, 2009, p. 627-628. 113 BONFIM, 2009, p. 406. 114 MIRABETE, 2007, p. 375. 115 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 21 set. 2009.

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Também chamado de flagrante irreal, ocorre quando o agente é perseguido, logo

após cometer o delito, em situação que seja possível presumir ser ele o autor da infração.116

Tourinho Filho proclama que

[...] a maior dificuldade, e dificuldade de ordem prática, costuma surgir para a configuração do chamado flagrante impróprio ou quase-flagrante e do presumido, e dificuldade que surge, exclusivamente, no interpretar as expressões “logo após” e “logo depois”. Tais expressões – logo após e logo depois –, de modo geral, são um tanto vagas, e, assim, há possibilidade de se interpretar com “maior flexibilidade o elemento cronológico”.117

A expressão “logo após”

Não tem o mesmo rigor do inciso precedente (“acaba de cometê-la”), pois admite um intervalo de tempo maior entre a prática do delito, a apuração dos fatos e o início da perseguição. Assim, “logo após” compreende todo o espaço de tempo necessário para a Polícia chegar ao local, colher as provas elucidadoras da ocorrência do delito e dar início à perseguição do autor. Não tem qualquer fundamento a regra popular segundo a qual é de 24 horas o prazo entre o momento do crime e a prisão em flagrante, pois, no caso do flagrante impróprio, a perseguição pode levar dias, desde que ininterrupta.118

Corroborando este entendimento, Paulo Rangel afirma que

Não há, em nosso ordenamento jurídico, nenhuma regra que diga que o flagrante deva se dar em 24 horas. É comum a expressão fuja do flagrante e apareça 24 horas depois... Porém, trata-se de mais uma linguagem popular, sem nenhum arrimo na lei. Se houver perseguição logo após, o perseguido poderá ser preso, independentemente do lapso de tempo que durar a perseguição. O que deve acontecer dentro em 24 horas depois da prisão é a entrega ao preso da nota de culpa com os motivos da sua prisão, nome dos condutores e os das testemunhas (cf. art. 306 do CPP c/c 5º, LXIV, da CRFB).119

O aludido autor enfatiza que este flagrante exige três elementos indispensáveis

para sua configuração: o volitivo, o temporal e o fático120. Quanto ao primeiro, mister se faz

[...] que haja a vontade das pessoas mencionadas no referido dispositivo (autoridade, ofendido ou qualquer pessoa) de perseguir o autor do fato. Entretanto, entendemos que, tratando-se de autoridade policial, surge o poder-dever imposto por lei (cf. art. 301, caput, do CPP).121

116 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 113. [grifos originais]. 117 TOURINHO FILHO, 2009, p. 628. 118 CAPEZ; COLNAGO, loc. cit. 119 RANGEL, 2008, p. 670. 120 Ibid., p. 669. 121 Ibid., p. 669.

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O segundo requisito (temporal) é o lapso de tempo, ou seja, o “logo após”.

Perceba que

[...] o que vem logo após à prática do fato é a perseguição e não ato jurídico de prender. Portanto, quer o legislador que, entre o fato delituoso e o ato de prender o agente, haja um lapso de tempo exíguo imposto pela expressão logo após. A lei não diz o que se entendo por logo após. Porém, entendemos que deva ser um lapso de tempo entre duas e três horas, pois, do contrário, a perseguição não seria logo em seguida, sem tardança, imediatamente, com maior brevidade, in continente. A expressão deve ser levada em conta diante de cada caso concreto e deverá ser analisada pelo juiz ao receber a comunicação de prisão em flagrante, como manda a Constituição Federal (cf. art. 5º, LXIII). Assim, há que se levar em conta se há uma conexão temporal entre o momento do cometimento do delito e a perseguição.122

Referentemente ao terceiro requisito, qual seja, o fático,

Não basta apenas a perseguição logo após, pois necessário se faz que o perseguido encontre-se em uma situação (ato ou efeito de situar-se, posição, localização, condição em que alguém se acha – Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1.596) que faça presumi-lo autor da infração cometida. Neste caso, haverá o fato delituoso, a perseguição logo após, a situação em que se encontra o perseguido e a operação mental que liga um fato a outro, com a conseqüente prisão em flagrante por presunção. Trata-se impropriamente, de um flagrante.123

Quanto à perseguição, deve se ter em mente os precisos termos do artigo 290, §

1º, a e b, do Código de Processo Penal, aplicado por analogia. Não sendo ininterrupta e

contínua, não pode haver a prisão em flagrante, sendo o caso de relaxamento de prisão,

conforme o artigo 5º, inciso, LXV, da Constituição Federal.124

Para melhores esclarecimentos, são transcritos os artigos acima mencionados:

Art. 290. Se o réu, sendo perseguido, passar ao território de outro município ou comarca, o executor poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de flagrante, providenciará para a remoção do preso. § 1o - Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando: a) tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.125 Artigo 5º. [...] LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.126

122 RANGEL, 2008, p. 669. [grifos originais]. 123 RANGEL, loc. cit. [grifos originais]. 124 Ibid., p. 670. 125 BRASIL, 1941. Acesso em: 21 set. 2009. 126 BRASIL, 1988. Acesso em: 21 set. 2009.

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Desta guisa, restou evidenciado que se a perseguição começar logo após, como

exige a norma jurídica, não tem importância quanto tempo dure (um minuto, uma hora, um

dia, uma semana), eis que, uma vez alcançado o perseguido em situação que se faça presumir

ser ele o autor do ilícito penal, estará ele preso em flagrante delito.127

3.1.3 Flagrante presumido

A lei também permite a prisão em flagrante no caso do inciso IV do artigo 302 do

Código de Processo Penal, quando o autor do fato “é encontrado, logo depois, com

instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”.128

Neste flagrante,

Não é necessário que haja perseguição, mas sim que a pessoa seja encontrada logo depois da prática do ilícito com coisas que traduzam um veemente indício de autoria ou participação no crime. A pessoa não é “perseguida”, mas “encontrada”, pouco importando se por puro acaso, ou se foi procurado após investigações. Para a configuração da flagrância presumida nada mais se exige do que estar o presumível delinqüente na posse de coisas que o indigitem como autor de um delito acabado de cometer. Não permite a lei que, fora dessa situação, se prenda o agente meramente por ter confessado a prática do ilícito.129

Edilson Bonfim sustenta que o flagrante ficto ou presumido ocorre quando o

suposto agente é encontrado logo depois da ocorrência do fato delituoso, com instrumentos,

armas, papéis ou objetos que façam presumir ser ele o autor da infração. Neste tipo, não se

exige a perseguição do agente pela autoridade, bastando ter sido encontrado logo depois do

crime. Todavia, ainda que o agente tenha sido delatado por comparsa (chamamento à autoria),

não pode ser falar em flagrante presumido neste caso, se o agente não for encontrado nas

circunstâncias mencionadas – com instrumentos, armas, papéis, etc.130

Para que haja a caracterização deste flagrante, é preciso que

[...] a prisão ocorra “logo depois” do crime. Embora essa expressão, no léxico, seja sinônima de “logo após”, tem-se admitido que há uma situação de fato que admite um maior elastério ao juiz na apreciação da hipótese. Considerando-se o interesse na repressão dos crimes, há maior margem na discricionariedade da apreciação do

127 RANGEL, 2008, p. 670. 128 BRASIL, 1941. Acesso em: 21 set. 2009. 129 MIRABETE, 2007, p. 377. 130 BONFIM, 2009, p. 407. [grifos originais].

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elemento cronológico quando o agente é encontrado com objetos indicativos do crime, o que permite estender o prazo a várias horas ou, considerando-se o problema de repouso noturno, até o dia seguinte.131

Quanto à controvérsia acerca das expressões “logo após” e “logo depois”, alega

Edilson Bonfim que

[...] ao contrário do que parte da doutrina sugeriu no passado, as expressões não se referem a um lapso fixo e determinado no tempo, cabendo ao juiz, em seu prudente arbítrio, reconhecer, diante de cada caso concreto e em razão das circunstâncias em que houver ocorrido a captura do agente, a ocorrência ou não de um decurso de tempo que coadune com a determinação legal.132

O mesmo autor discorre sobre a existência de uma controvérsia a respeito da

existência ou não de diferença de sentido entre uma e outra expressão – logo após e logo

depois. Afirma que, de um lado, sustenta-se que as expressões são sinônimas, mostrando um

decurso mínimo de tempo. De outra banda, diz que há, sim, uma diferença entre as

expressões, onde logo depois representa um lapso temporal menos exíguo que logo após.133

Temos, portanto, que

[...] a expressão “acaba de cometê-la”, empregada no flagrante próprio, significa imediatamente após o cometimento do crime; “logo após”, no flagrante impróprio, compreende um lapso temporal maior; e, finalmente, “logo depois”, do flagrante presumido, engloba um espaço de tempo maior ainda.134

Para Eugênio Pacelli de Oliveira, este tipo de flagrante é exatamente o mesmo que

o flagrante impróprio (artigo 302, inciso III, Código de Processo Penal), pois “enquanto no

primeiro caso se declina uma situação específica, no segundo se faz referência a uma situação

genérica, que, por isso mesmo, abrange as demais”.135

E continua o renomado autor:

De outro lado, o logo depois (do inc. IV) não pode ser diferente do logo após (do inc. III), significando ambos a relação de imediatidade entre o início da perseguição, no flagrante impróprio, e o encontro como acusado, no flagrante presumido. A diferença residiria, assim, no fato de que em um (impróprio) haveria perseguição, e, no outro (presumido), o que ocorreria é o encontro. Curiosíssima distinção.136

131 MIRABETE, 2007, p. 377. 132 BONFIM, 2009, p. 406. 133 BONFIM, loc. cit. 134 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 114. 135 OLIVEIRA, 2009, p. 441. 136 OLIVEIRA, loc. cit. [grifos originais].

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Assim, na hipótese do flagrante impróprio trata-se de uma determinada

presunção, já o inciso em tela (inciso IV do artigo 302 do Código de Processo Penal), fala, na

verdade, de uma ficção.137

3.1.4 Classificação quanto às circunstâncias

Quanto à circunstância em que se efetua a prisão em flagrante, pode-se classificá-

la dos seguintes modos:

a) Flagrante Preparado ou Forjado: este flagrante ocorre

[...] quando a autoridade instiga a prática de um crime, de maneira que este é cometido preponderantemente em razão de sua atuação. Para tais situações, estabelece a Súmula 145 do STF que “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. A hipótese não configura, dessarte, flagrante delito, mas sim crime impossível por obra de agente provocador.138

O agente, aqui, não pode ser autuado em flagrante por crime provocado, ou seja,

quando o agente é induzido a praticar um crime pela pseudo-vítima, por terceiro ou pela

polícia, neste caso, chamado de agente provocador.139

Uma diferente situação se verifica quando da prática de um crime que houve

consumação, como ocorre, por exemplo, no caso de tráfico de entorpecentes, onde o traficante

é induzido a vender a droga a um policial e é apanhado quando traz consigo a mercadoria.

Não ocorre o flagrante preparado, pois, aqui, a conduta já é típica (ter em depósito ou trazer

consigo substância entorpecente – artigo 33 da Lei nº 11.343/06), e o agente desconhecia a

condição de policial do comprador.140 Assim, “[...] se o traficante já estiver na posse do

entorpecente e desde que a posse não tenha sido induzida por policial, haverá crime e prisão

em flagrante válida, pois a conduta configura, por si só, o delito, independentemente da venda

posterior”.141

b) Flagrante Esperado: aqui,

137 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 3. ed. rev., atual. e com. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 516. [grifos originais]. 138 BONFIM, 2009, p. 407. 139 MIRABETE, 2007, p. 379. 140 Ibid., p. 380. 141 BONFIM, loc. cit.

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[...] a atividade policial é apenas de alerta, sem instigar o mecanismo casual da infração, e que procura colher a pessoa ao executar a infração, frustrando a sua consumação, quer porque recebeu informações a respeito do provável cometimento do crime, quer porque exercia vigilância sobre o delinqüente.142

Este flagrante é válido e “[...] ocorre quando a polícia, informada da possibilidade

de ocorrer um delito, dirige-se até o local, aguardando a sua execução. Iniciada esta, a pronta

intervenção de agentes policias, prendendo o autor, configura o flagrante”.143

c) Flagrante Forjado, Urdido, Fabricado, Maquiado: neste tipo,

[...] os policiais ou particulares criam provas de um crime que inexistente, colocando, por exemplo, no interior de um veículo substância entorpecente. Nesse caso, além de, obviamente, não existir crime, responderá o policial ou terceiro por crime de abuso de autoridade.144

Pode haver, ainda, por parte das pessoas que efetuaram a prisão, o delito de

denunciação caluniosa, concussão, etc. E já entendeu o Supremo Tribunal Federal que não é

flagrante forjado aquele resultante de diligências policiais após uma denúncia anônima sobre

tráfico de drogas.145

d) Flagrante Retardado, Diferido, Protelado: está previsto no artigo 2º, inciso

II, da Lei nº 9.034/95, chamada Lei do Crime Organizado e

[...] consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.146

In casu, o agente policial possui discricionariedade para deixar de efetuar a prisão

em flagrante no momento em que presencia a prática de uma ilicitude penal, podendo

aguardar uma oportunidade mais importante do ponto de vista da investigação criminal ou da

colheita de provas.147

Pode haver esta modalidade de flagrante na hipótese prevista no artigo 53, inciso

II, da Lei nº 11.343/06 – Lei de Drogas:

142 MIRABETE, 2007, p. 379. 143 BONFIM, 2009, p. 407. 144 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 116. 145 MIRABETE, op. cit., p. 380. 146 BRASIL. Lei 9.034, de 03 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9034.htm>. Acesso em: 22 set. 2009. 147 CAPEZ; COLNAGO, op. cit., p. 115.

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Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: [...] II - a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.148

Como exemplo, tem-se o retardamento da lavratura do flagrante de

transportadores de drogas, permitindo-se, portanto, o monitoramento, a perseguição e a

chegada aos destinatários finais do crime. Assim, a medida do flagrante terá o seu maior

proveito.149

3.1.5 Flagrante nas várias espécies de crime

Pode-se destacar a prisão em flagrante nas seguintes espécies de crimes:

a) Crime Permanente: crimes permanentes são aqueles que “[...] seu momento

consumativo protrai-se no tempo, por um período mais ou menos dilatado, em perfeita

harmonia com a vontade do agente”.150

Quanto a esse tipo de crime, não há dúvida sobre a possibilidade da prisão em

flagrante enquanto não cessar a permanência, porque a regra está expressa no artigo 303 do

Código de Processo Penal151, nos seguintes termos: “Nas infrações permanentes, entende-se o

agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”.152

b) Crime Habitual: crimes habituais

[...] são aqueles que se configuram com a prática reiterada de atos, de forma a constituir um estilo ou hábito de vida, incidindo sob a reprovação penal. Os atos praticados, de forma isolada, são indiferentes penais. Tratam-se de crimes plurissubsistentes, ou seja, com pluralidade de ações.153

148 BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11343.htm>. Acesso em: 22 set. 2009. 149 BONFIM, 2009, p. 408. 150 RANGEL, 2008, p. 675. 151 Ibid., p. 676. 152 BRASIL, 1941. Acesso em: 22 set. 2009. 153 RANGEL, op. cit., p. 675.

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No que tange a estes crimes, o cabimento da prisão em flagrante, na doutrina, não

é pacífico.

Isso porque a determinação da situação de flagrância implicaria identificar, desde logo, a existência da habitualidade, ou seja, a reiteração passada dos fatos que, conjuntamente, constituem a prática criminosa, constatação que não poderia ser feita no momento da prisão. Nesse caso, aponta a doutrina que a possibilidade apenas existirá nas situações em que a prova da habitualidade seja imediata, citando como exemplo a situação de alguém que exerça ilegalmente a medicina, surpreendido quando se encontre atendendo diversos pacientes. Há, entretanto, posição em sentido contrário, admitindo a prisão em flagrante durante a prática de quaisquer das condutas que compõem o crime habitual (Hélio Tornaghi).154

Para Capez e Colnago,

Em tese, não cabe a prisão em flagrante, pois o crime só se aperfeiçoa com a reiteração da conduta, o que não é possível verificar em um ato ou momento isolado. Assim, no instante em que um dos atos componentes da cadeia da habitualidade estiver sendo praticado, não se saber ao certo se aquele ato era de preparação, execução ou consumação. Daí a impossibilidade do flagrante.155

Na acepção de Mirabete,

Apesar de tudo, não é incabível a prisão em flagrante em ilícitos habituais se for possível, no ato, comprovar-se a habitualidade. Não se negaria a situação de flagrância no caso da prisão de responsável por bordel onde se encontram inúmeros casais para fim libidinoso, de pessoa que exerce ilegalmente a medicina quando se encontra atendendo vários pacientes etc.156

Como se pode notar, a possibilidade ou não da prisão em flagrante nos crimes

habituais é, na doutrina, muito controversa.

c) Crime de Ação Penal Privada: o artigo 301 do Código de Processo Penal não

distingue crime de ação penal pública e privada, referindo-se, genericamente, a todos os

sujeitos que se encontrem em flagrante delito. Traz-se à colação aludido artigo: “Qualquer do

povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja

encontrado em flagrante delito”.157

Bonfim opina que

154 BONFIM, 2009, p. 408-409. 155 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 116. 156 MIRABETE, 2007, p. 378. 157 BRASIL, 1941. Acesso em: 22 set. 2009.

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[...] nos crimes de ação penal privada e nos de ação pública condicionada à representação, a lavratura do auto de prisão em flagrante dependerá da autorização da vítima ou de seu representante legal. Nada impede, contudo, que se realize a captura de quem quer se encontre em situação de flagrância por algum desses crimes, até com o intuito de interromper a conduta que constitua prática criminosa.158

Quanto ao prazo que tem o ofendido ou seu representante legal para a autorização

da lavratura o auto, o Código de Processo Penal não faz menção, contudo entende-se que o

prazo máximo seria de 24 horas após a prisão, o mesmo da entrega da nota de culpa ao preso,

bem como da comunicação da prisão ao juiz.159

Além desta autorização, deve o ofendido oferecer a queixa-crime no prazo de

cinco dias após o encerramento do inquérito policial, que deve ser concluído em dez dias, a

partir da lavratura do auto.160

d) Crime Continuado: “existem várias ações independentes, sobre as quais

incide, isoladamente, a possibilidade de se efetuar a prisão em flagrante”.161

3.1.6 Sujeitos do flagrante

Quanto ao sujeito ativo do flagrante, ou seja, aquele que efetua a prisão,

expoentiza-se:

Qualquer pessoa do povo pode prender (capturar) quem se encontrar em situação de flagrância. Essa a determinação do art. 301 do CPP. É o chamado flagrante

facultativo, já que não existe o dever de realizar a captura. Diferentemente, as autoridades policiais e seus agentes que presenciarem a prática de um delito penal terão o dever de capturar o delinqüente, motivo pelo qual se denomina essa situação flagrante obrigatório. Neste caso, os policiais civis e militares que descumprirem o dever de prender em flagrante serão responsabilizados administrativa e criminalmente.162

A autoridade e seus agentes, que têm o poder-dever de efetuar o flagrante, além de

responderem pela omissão administrativa e criminalmente, respondem, eventualmente, até

158 BONFIM, 2009, p. 410. 159 BONFIM, loc. cit. 160 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 116. 161 Ibid., p. 117. 162 BONFIM, op. cit., p. 415. [grifos originais].

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pelo resultado causado pelo autor da infração se podiam evitar a consumação do crime (artigo

13, § 2º, a163, do Código Penal).164

Mirabete traz à baila, sobre o flagrante facultativo:

Trata-se de um caso especial de exercício de função pública transitória exercida por particular, em caráter facultativo e, portanto, de exercício regular de direito. Embora a lei não seja expressa, admite-se que o particular, autor da prisão, que pode ser o ofendido, possa apreender coisas em poder do preso desde que relacionadas com a prova do crime e da autoria.165

Sobre o sujeito passivo, diz-se que é aquele que é detido em situação de

flagrância. Em geral, qualquer pessoa pode ser surpreendida na prática de um delito penal e

ser capturada em flagrante. A lei prevê, entretanto, algumas exceções166, quais sejam:

a) os menores de dezoito anos, visto que são inimputáveis e são sujeitos às

medidas socioeducativas e às medidas específicas de proteção previstas no Estatuto da

Criança e do Adolescente (artigos 106 e 107 da Lei nº 8.069/90; artigo 228 da Constituição

Federal; artigo 27 do Código Penal);167

b) os diplomatas estrangeiros, em decorrência dos tratados e convenções

internacionais.168 Eugênio Pacelli aduz que

Para os agentes diplomáticos, bem como para seus familiares, não será possível a imposição de qualquer prisão, tendo em vista a ampla imunidade material de que são portadores, somente respondendo penalmente perante o Estado acreditante (o da respectiva origem), conforme previsto na Convenção de Viena, em 1961, promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 56.435/65.169

c) o Presidente da República, conforme prevê o artigo 86, § 3º, da Constituição

Federal;170

d) o condutor de veículo que prestar socorro à vitima, em casos de acidente de

trânsito (artigo 301 da Lei nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro);171

163 Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. 164 MIRABETE, 2007, p. 381. 165 MIRABETE, loc. cit. 166 BONFIM, 2009, p. 414. 167 BONFIM, loc. cit. 168 BONFIM, loc. cit. 169 OLIVEIRA, 2009, p. 448. 170 BONFIM, loc. cit. 171 BONFIM, loc. cit.

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e) o autor de fato considerado como crime de menor potencial ofensivo quando,

após a lavratura do termo circunstanciado, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou

assumir o compromisso de a ele comparecer (artigo 69, parágrafo único, da Lei nº

9.099/95);172

f) segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, não pode ser presa em

flagrante a pessoa que se apresentar espontaneamente à autoridade após o cometimento de

delito (independentemente do prazo de 24 horas), vez que não há, no direito brasileiro, a

“prisão por apresentação”. A prisão por apresentação não impede, todavia, seja decretada a

prisão preventiva do autor da infração (artigo 317, Código de Processo Penal);173

Em caso de crime inafiançável, poderão ser presos em flagrante os senadores e

deputados federais (artigo 53, § 2º, da Constituição Federal), os deputados estaduais (artigo

27, § 1º c/c artigo 53, § 1º, da Constituição Federal), os magistrados (artigo 33, inciso II, da

LOMN), os membros do Ministério Público (artigo 40, inciso III, da LONMP), os advogados,

por motivo de exercício da profissão (artigo 7º, § 3º, da Lei nº 8.906/94).174

3.1.7 Autoridade competente

Após efetuada a prisão em flagrante, o capturado deve ser apresentado à

autoridade competente, que, em regra, é a policial, para que seja procedida a autuação. A

autoridade policial, no exercício da sua função primordial na polícia judiciária, não exclui a

competência de outra autoridade administrativa.175

A regra é que seja a autoridade policial da circunscrição onde foi efetuada a prisão

e não a do local do crime. Caso na haja autoridade policial onde foi feita a prisão, o capturado

será apresentado a do local mais próximo, conforme o artigo 308 do Código de Processo

Penal.176

Em caso de infração prevista no Código Penal Militar, quem fará a lavratura do

auto será o oficial militar, presidente do inquérito militar. Conforme a Súmula 397 do

Supremo Tribunal Federal, a autoridade competente para lavratura do flagrante e a

172 BONFIM, 2009, p. 414. 173 MIRABETE, 2007, p. 381-382. 174 BONFIM, op. cit., p. 414-415. 175 MIRABETE, op. cit., p. 382. 176 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 118.

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presidência do inquérito será a da respectiva Mesa ou a autoridade parlamentar previamente

indicada, quando da ocorrência de crime nas dependências da Câmara dos Deputados ou do

Senado Federal. A Lei nº 1.505/51 indica, em seu artigo 2º, a autoridade competente nos

casos de contravenções.177

Caso o fato for praticado na presença de autoridade, ou contra esta, no exercício

de sua função, ela mesma poderá presidir a lavratura do auto, na forma como indica o artigo

307 do Código de Processo Penal:178

[...] constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.179

A lei permite, assim,

[...] que a autoridade judiciária, policial ou outra administrativa, encarregada de inquéritos funcionais, presidam o auto de prisão em flagrante, nas hipóteses mencionadas, tendo-se em vista não só a figura do funcionário, mas também a dignidade da função por ele exercida, o interesse público que nela está encarnado etc.180

A autoridade figura como condutor, porém não pode cumular as posições de

presidente do auto de prisão em flagrante e testemunha, por óbvio. Após o encerramento da

lavratura do auto, deve este ser encaminhado, imediatamente, ao juiz competente.181

3.1.8 Formalidades da prisão em flagrante

Far-se-á, nesta seção, uma breve síntese sobre as etapas do auto de prisão em

flagrante.

Anteriormente à lavratura do auto de prisão em flagrante, a autoridade competente

deve entrevistar as partes (condutor, testemunhas e conduzido) e, logo após, conforme sua

177 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 118. 178 CAPEZ; COLNAGO, loc. cit. 179 BRASIL, 1941. Acesso em: 22 set. 2009. 180 MIRABETE, 2007, p. 38 181 MIRABETE, loc. cit.

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discricionária convicção, ratificar ou não a voz de prisão do condutor.182 A autuação de

flagrante delito pode se dar como abuso de autoridade, caso não pressupor a certeza da

materialidade do crime e indícios mínimos de autoria.183

Mas, antes mesmo de se lavrar o auto, “deve a prisão ser comunicada à família do

preso ou à pessoa por ele indicada, bem como deve ser cientificado do direito à assistência de

um advogado (art. 5º, LXII e LXIII, da CF)”.184

Quanto à oitiva do condutor, a nova redação determinada ao artigo 304, caput e §

3º, do Código de Processo Penal, alteração feita pela Lei nº 11.113, de 13 de maio de 2005,

possibilitou que o condutor

[...] não mais necessitará aguardar a oitiva das testemunhas, o interrogatório do acusado, e a conseqüente lavratura do auto de prisão, para lançar a sua assinatura e ser liberado. Trata-se de aplicação do princípio constitucional da eficiência, previsto no art. 37, caput, da CF, na medida em que se imprimiu uma maior agilidade no procedimento de lavratura do auto de prisão em flagrante.185

Em seguida, as testemunhas serão ouvidas (artigo 304, caput e § 2º, Código de

Processo Penal), e devem ser no mínimo duas, presenciais ou não, que acompanharam a

condução. Admite-se que o condutor funcione como primeira testemunha. Caso possível, em

crime de ação privada ou pública condicionada à representação, deve ser ouvida a vítima.

Após cada depoimento devem ser recolhidas as respectivas assinaturas, em termo próprio,

sendo as testemunhas liberadas, conforme a Lei nº 11.113/05.186

As partes, condutor e testemunhas serão inquiridos separadamente, em termos

próprios, reunindo-se tudo no final, quando da formação do auto de prisão em flagrante.

Portanto, as partes podem ser liberadas tão-logo após sua oitiva. Deve ser assegurada, pela

autoridade competente, a incomunicabilidade entre as testemunhas, bem como entre condutor

e testemunha que já tenha falado, para que seja preservado o correto esclarecimento dos

fatos.187

Em seguida, proceder-se-á ao “interrogatório do acusado sobre a imputação que

lhe é feita” (artigo 304, caput, Código de Processo Penal), em termo próprio. Neste momento,

deve ele ser alertado sobre seu direito constitucional de permanecer calado (artigo 5º, inciso

182 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 119. 183 MIRABETE, 2007, p. 383. 184 BONFIM, 2009, p. 409. 185 CAPEZ; COLNAGO, loc. cit. 186 Ibid., p. 120. 187 Ibid., p. 120.

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LXIII, Constituição Federal e artigo 186 do Código de Processo Penal)188. A falta do

interrogatório “não anula o auto de flagrante se houver absoluta impossibilidade de ser ouvido

o conduzido, como, por exemplo, no caso de encontrar-se ele hospitalizado”.189

Após o interrogatório e as oitivas, o auto de prisão deve ser lavrado pelo escrivão

ou escrevente e também por ele encerrado, necessitando ser assinado pela autoridade e pelo

conduzido, observando que o condutor, as testemunhas e, algumas vezes, a vítima, já tiveram

as suas assinaturas coletadas em termo próprio, de acordo com o novo procedimento

instaurado pela Lei nº 11.113/05.190

Ainda, reza o artigo 305 do Código de Processo Penal que “Na falta ou no

impedimento do escrivão, qualquer pessoa designada pela autoridade lavrará o auto, depois de

prestado o compromisso legal”.191

O auto de prisão em flagrante

[...] deve retratar resumidamente o ocorrido e os atos praticados, relatando, assim, a autoridade a apresentação do preso pelo condutor, o fato delituoso que justificou a prisão, a prévia cientificação do preso de seus direitos constitucionais, as oitivas e o interrogatório realizados, a expedição da nota de culpa, as deliberações adotadas, como eventual concessão de fiança nos casos em que a lei admite, etc.192

Quando alguma testemunha ou o ofendido se recusarem, não souberem ou não

puderem assinar o termo, “o auto de prisão em flagrante será assinado por duas testemunhas,

que tenham ouvido sua leitura na presença deste”.193 (artigos 216 e 304, § 3º, ambos do

Código de Processo Penal).

Referentemente à entrega da nota de culpa, houve algumas alterações trazidas

com a Lei nº 11.449, de 15 de janeiro de 2007. Com efeito, o artigo 306 do Código de

Processo Penal rezava, tão-somente, que dentro do prazo de vinte e quatro horas a nota de

culpa deveria ser entregue, com o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas.

Transcreve-se a nova redação do artigo 306 do Código de Processo Penal:

Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. § 1º - Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas

188 MIRABETE, 2007, p. 385. 189 BONFIM, 2009, p. 411. 190 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 120. 191 BRASIL, 1941. Acesso em: 22 set. 2009. 192 MIRABETE, op. cit., p. 386. 193 BRASIL, loc. cit.

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colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2º - No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.194

Assim, em similitude com o prazo da entrega de nota de culpa, a lei impôs o prazo

máximo de vinte e quatro horas para que seja enviado o auto de prisão à autoridade

competente, buscando obter a aplicabilidade ao preceito constitucional195 contido no artigo 5º,

inciso LXII, primeira parte, da Constituição Federal (“a prisão de qualquer pessoa e o local

onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente”).196

Com esta inovação, a autoridade judiciária terá rápido acesso ao auto,

possibilitando, assim, o imediato relaxamento da prisão, caso esta for ilegal, impedindo que a

pessoa seja mantida em cárcere erroneamente197, como manda o inciso LXV do artigo 5º da

Constituição: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.198

Além disto, outra novidade trazida pela lei é o encaminhamento de cópia integral

do auto para a Defensoria Pública, caso o autuado não informe o nome de seu advogado

(artigo 306, § 1º, segunda parte, do Código de Processo Penal).199

A nota de culpa é “o documento que informa ao preso a razão de sua prisão e a

identidade de quem o prendeu”,200 conforme expresso na Constituição, em seu artigo 5º,

inciso LXIV: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu

interrogatório policial”.201

Ela deve ser entregue ao preso, no prazo de vinte e quatro horas, a contar da

prisão, mediante recibo. Deve ser assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome

do condutor e o das testemunhas.202

Não há necessidade, na nota de culpa, “[...] de se fazer menção ao dispositivo

penal em que se enquadra o agente, e, entregue o documento, o preso deverá passar o recibo e,

caso não queira assinar ou não saiba, deverá ser assinada por duas testemunhas”.203

194 BRASIL, 1941. Acesso em: 22 set. 2009. 195 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 121. 196 BRASIL, 1988. Acesso em: 22 set. 2009. 197 CAPEZ; COLNAGO, loc. cit. 198 BRASIL, 1988. Acesso em: 22 set. 2009. 199 CAPEZ; COLNAGO, op. cit., p. 122. 200 BONFIM, 2009, p. 412. 201 BRASIL, 1988. Acesso em: 24 set. 2009. 202 CAPEZ; COLNAGO, op. cit., p. 122. 203 LIMA, 2009, p. 549.

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A entrega da nota de culpa “[...] é formalidade essencial referente à liberdade da

pessoa, comunicação que é, sob responsabilidade da autoridade, do motivo da prisão,

proporcionando ao capturado a ampla defesa, que é garantia constitucional”.204

Tendo em vista o exposto, a omissão deste ato enseja no relaxamento da prisão.205

3.2 PRISÃO PREVENTIVA STRICTO SENSU

A prisão preventiva é

[...] espécie do gênero “prisão cautelar de natureza processual”. É aquela medida restritiva da liberdade determinada pelo Juiz, em qualquer fase do inquérito ou da instrução criminal, como medida cautelar, seja para garantir a eventual execução da pena, seja para preservar a ordem pública, ou econômica, seja por conveniência da instrução criminal.206

Para Bonfim, é

[...] a modalidade de prisão provisória, decretada pelo juiz a requerimento de qualquer das partes, por representação do delegado de polícia ou de ofício, em qualquer momento da persecução penal, para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.207

É prevista na ordem jurídica pátria, bem como em todos os países civilizados,

Embora se façam críticas ao instituto da prisão preventiva, já que suprime a liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, causando ao eventualmente inocente a desmoralização e a depressão de seus sentimentos de dignidade [...].208

É considerada

[...] um mal necessário, uma fatal necessidade, uma dolorosa necessidade social perante a qual todos devem se inclinar, [...]. Mas como ato de coação processual e,

204 MIRABETE, 2007, p. 388. 205 MIRABETE, loc. cit. 206 TOURINHO FILHO, 2009, p. 638. 207 BONFIM, 2009, p. 416. 208 MIRABETE, op. cit., p. 389.

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portanto, medida extremada de exceção, só se justifica em situações específicas, em casos especiais onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável.209

Como toda prisão que antecede a decisão definitiva é medida drástica,

A prisão preventiva somente poderá ser decretada dentro daquele mínimo indispensável, por ser de incontrastável necessidade e, assim mesmo, sujeitando-a a pressupostos e condições, evitando-se ao máximo o comprometimento do direito de liberdade que o próprio ordenamento jurídico tutela. Incontrastável necessidade, eis seu fundamento.210

Sabe-se que é um meio limitado a casos certos e determinados, não é um ato

discricionário e somente pode ser decretada por um magistrado, órgão imparcial cuja

finalidade é aplicar a justiça.211

Segundo prescreve o artigo 311 do Código Processual Penal, a prisão preventiva

caberá durante o inquérito policial ou no curso da ação penal. Todavia, como o inquérito é

peça prescindível ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, pode ser admitida,

também, a prisão preventiva no curso ou com base nas peças de informação. Em outros

termos, é possível haver o decreto de prisão preventiva no curso de um processo

administrativo, mesmo sem haver um inquérito policial.212

Quanto à preventiva no curso da ação penal, entende-se este período como sendo

[...] entre a resposta prévia à acusação e as alegações finais, pois durante todo este período as partes tentam instruir o juiz do acerto de suas teses, levando para os autos do processo todos os meios de provas legais, bem como os moralmente legítimos admitidos no direito.213

Paulo Rangel evidencia que a fase da instrução criminal não termina com a oitiva

das testemunhas de defesa, pois, após esta, surge a fase dos esclarecimentos dos peritos,

interrogatório, diligências e alegações finais, onde novos fatos podem surgir ou até mesmo

serem comprovados.214

209 MIRABETE, 2007, p. 389. 210 TOURINHO FILHO, 2009, p. 638. 211 MIRABETE, loc. cit. 212 RANGEL, 2008, p. 691. 213 RANGEL, loc. cit. [grifos originais]. 214 RANGEL, loc. cit.

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Marcellus Lima expõe seu ponto de vista: “deve ser dada interpretação extensiva

ao art. 311 do CPP. O legislador disse menos do que queria. Na verdade ao se referir à

instrução criminal, queria se referir ao processo”.215

E segue o autor:

[...] mesmo após a sentença, em havendo recurso, poderia ser decretada a prisão com base nos fundamentos que autorizam a prisão preventiva, já que, com a oportunidade do recurso se dá a prorrogação da ação e do processo, e, assim, cabível seria a prisão preventiva, podendo o juiz, com a sentença condenatória recorrível, se presente um dos motivos autorizadores do art. 312 do CPP, decretar a prisão provisória. Agora, a Lei 11.719/2008, integrante da reforma processual pontual realizada no processo penal brasileiro, acabou adotando este nosso entendimento ao dispor, no novo parágrafo único do artigo 387, que o juiz, ao proferir a sentença condenatória... “decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”.216

Esta prisão cautelar pode ser decretada pelo juiz, de ofício, isto é, sem o

requerimento das partes ou de representação da autoridade policial. Entende-se que a

decretação de ofício somente ocorrerá no curso do processo e não na fase no inquérito

policial, pois “[...] face ao sistema acusatório vigente na ordem jurídica, o juiz, como já

salientado, foi afastado da fase pré-processual, deixando a investigação a cargo apenas do

Ministério Público e da autoridade policial”.217

E, ainda,

[...] em se tratando de decretação da prisão de ofício durante o processo, não vemos nenhuma impropriedade, sendo tal atuar consentâneo com a especial característica do processo penal, até porque são dados ao juiz vastos poderes instrutórios durante o processo, consoante se vê do art. 156 do CPP, advindo a Constituição de 1988, a decretação da prisão preventiva de ofício, no caso de investigação penal, passa a ser inconstitucional, em vista do disposto no art. 129, I, da CF, pois, agora, em vista do dispositivo constitucional, o magistrado, no processo penal, deve se abster de promover atos na investigação da ação penal pública de ofício.218

Portanto, manifestação da autoridade judicial na fase no inquérito só seria possível

se houvesse requerimento do órgão ministerial ou da autoridade policial acerca de qualquer

medida cautelar (busca e apreensão, prisão cautelar, etc.).219

215 LIMA, 2009, p. 569. 216 LIMA, loc. cit. [grifos originais]. 217 RANGEL, 2008, p. 691-692. 218 LIMA, op. cit., p. 567. [grifos originais]. 219 RANGEL, op. cit., p. 692.

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3.2.1 Hipóteses que autorizam o decreto de prisão preventiva

Esta prisão somente pode ser decretada “quando houver prova da existência do

crime e indício suficiente de autoria” (artigo 312, Código de Processo Penal).

A primeira exigência diz respeito à materialidade do crime, que diz se

correlaciona à

[...] existência do corpo de delito que prova a ocorrência do fato criminoso (laudos de exame de corpo de delito, documentos, prova testemunhal etc.). Exigindo-se “prova” da existência do crime, não se justifica a decretação da prisão preventiva diante de mera suspeita ou indícios da ocorrência de ilícito penal.220

Se estiver na pendência de realização de perícia, “pode ser decretada a prisão, se

por outros elementos dos autos deflui a certeza da materialidade”.221

O segundo requisito atrela-se aos indícios, sendo que a lei

[...] contenta-se com simples indícios, elementos probatórios menos robustos que os necessários para a primeira exigência. Não é necessário que sejam indícios concludentes e unívocos, como se exige para a condenação; não é preciso que gerem certeza da autoria. Nesse tema, a suficiência dos indícios de autoria é verificação confiada ao prudente arbítrio do magistrado, não exigindo regras gerais ou padrões específicos que a definam.222

Nesta fase não se exige uma prova plena, bastando somente indícios, ou seja, “[...]

que se demonstre a probabilidade de o réu ou indiciado ter sido o autor do fato delituoso. A

dúvida, portanto, milita em favor da sociedade, e não do réu (princípio do in dubio pro

societate)”.223

Em síntese, pode-se dizer que é imprescindível que o juiz verifique se há o fumus

boni iuris (“fumaça do bom direito”) que aponte o acusado como autor do delito. Caso não

existam estes indícios suficientes, não se deve decretar a prisão preventiva.224

O periculum in mora também é indispensável para a decretação da prisão

preventiva, e este consiste na identificação de um dos motivos do artigo 312 do Código de

220 MIRABETE, 2007, p. 390. 221 LIMA, 2009, p. 557. 222 MIRABETE, loc. cit. 223 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 129. 224 MIRABETE, loc. cit.

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Processo Penal, quais sejam: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica,

conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal.225

a) Garantia da Ordem Pública: quanto a esta expressão, entende-se por “paz e

tranqüilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo

em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em

sociedade”.226

Para Tourinho Filho, esta expressão tem conceito indeterminado:

Normalmente entende-se por ordem pública a paz, a tranqüilidade no meio social. Assim, se o indiciado ou réu estiver cometendo novas infrações penais, sem que se consiga surpreendê-lo em estado de flagrância; se estiver fazendo apologia ao crime, ou incitando ao crime, ou se reunindo em quadrilha ou bando, haverá perturbação da ordem pública. Mas isto é que é importante: outras situações podem traduzi-la, tamanha a vaguidade da expressão. E aí a medida extrema fica ao sabor da maior ou menor sensibilidade do Magistrado, de idéias preconcebidas a respeito de pessoas, de suas concepções religiosas, sociais, morais, políticas, que o fazem guardar tendências que o orientam inconscientemente em suas decisões.227

Não se deve tratar, aqui, de clamor público, vez que “[...] este pode ter o sentido

de vingança ou revolta, mormente numa época em que os meios de comunicação em muito

influem na formação da opinião pública, que pode, assim, ser facilmente manipulada por

interesses privados”.228

Embora não se tenha decidido um conceito firme, na jurisprudência, para a

expressão garantia da ordem pública, “a periculosidade do réu tem sido apontada como fator

preponderante para a custódia cautelar”.229

Entretanto, este conceito não se limita a prevenir que novos ilícitos sejam

praticados, mas acautela, ainda, o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da

gravidade do crime e de sua repercussão. Todavia, sabe-se que a gravidade do delito, por si

só, e a simples repercussão do fato sem outras conseqüências, não podem ensejar um decreto

de prisão preventiva. Não se deve confundir e mesclar a “ordem pública” com o “estardalhaço

causado pela imprensa pelo inusitado crime”.230

Como visto, esta medida extrema somente é aplicável se o indiciado ou acusado

que estiver em liberdade, continuar a praticar ilícitos penais, havendo, assim, desrespeito à

ordem pública.

225 LIMA, 2009, p. 559. [sem grifos nos originais]. 226 RANGEL, 2008, p. 693. 227 TOURINHO FILHO, 2009, p. 639-640. 228 LIMA, op. cit., p. 560. 229 MIRABETE, 2007, p. 391. 230 MIRABETE, loc. cit.

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b) Garantia da Ordem Econômica: “permite-se a prisão preventiva para a

garantia da ordem econômica, ou seja, as que podem provocar os efeitos mencionados no art.

20 da Lei nº 8.884/94, como os das Leis nºs 8.137/90, 7.492/86, 1.521/52 etc.”.231

Com a garantia da ordem econômica, “o legislador quis permitir a prisão do autor

do fato-crime que perturbasse o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso

de poder econômico, visando à dominação dos mercados, à eliminação de concorrência e o

aumento arbitrário dos lucros”.232

Foi introduzida esta expressão ao artigo 312 do Código de Processo Penal pelo

artigo 86 da Lei Antitruste (Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994), “o que se trata de

redundância, uma vez atingida a ordem econômica, também estará atingida a ordem

pública”.233

c) Conveniência da Instrução Criminal: aqui se trata de

[...] necessidade ou indispensabilidade da decretação da medida, para fins de possibilitar o bom andamento da instrução criminal, e não uma mera “conveniência”, consoante a letra da lei. Destarte, havendo outros meios de se assegurar o regular desenvolvimento da instrução criminal, não deve ser decretada a medida cautelar prisional. Estando presente o periculum in mora, como, v.g., no caso do acusado estar ameaçando testemunhas ou influenciando a coleta probatória, deve ser decretada a medida extrema.234

Deve-se mencionar que a instrução criminal não é conveniente, mas necessária,

porque, em face dos princípios da verdade processual, da ampla defesa e do contraditório, a

instrução é imprescindível para que, ao acusado, sejam assegurados todos os meios

constitucionais de defesa, fazendo existir um verdadeiro Estado Democrático de Direito.235

d) Assegurar a Aplicação da Lei Penal: neste caso, a prisão deve ser medida de

rigor caso

[...] houver provas seguras de que o acusado, em liberdade, irá se desfazer (ou está se desfazendo) de seus bens de raiz, ou seja, tentando livrar-se de seu patrimônio com escopo de evitar o ressarcimento dos prejuízos causados pela prática do crime. Ou ainda, se há comprovação de que se encontra em lugar incerto e não sabido com a intenção de se subtrair à aplicação da lei, pois, uma vez em fuga, não se submeterá ao império da Justiça.236

231 MIRABETE, 2007, p. 391. 232 RANGEL, 2008, p. 693. 233 LIMA, op. cit., p. 560. 234 Ibid., p. 560-561. 235 RANGEL, loc. cit. 236 Ibid., p. 693-694.

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Tourinho Filho expõe o seguinte:

[...] se o indiciado está se desfazendo de todos os seus bens de raiz, injustificadamente, se “lhe é indiferente a vida errante dos perseguidos pelos órgãos da repressão penal”, a medida cautelar se impõe, a fim de que se evite o periculum

libertatis, assegurando-se, pois, a aplicação da lei penal.237

Aqui, a prisão cautelar é necessária em nome “da efetividade do processo penal,

assegurando que o acusado estará presente para cumprir a pena que lhe for imposta”.238

As motivações aludidas são taxativas, mesmo que contenham conceitos abertos e

até mesmo vagos, porque é evidente que não se pode aplicar a prisão preventiva com fulcro

em outro motivo que não um dos mencionados no artigo em comento (artigo 312, CPP).239

Dentre as quatro hipóteses, referentes ao periculum in mora, “[...] existindo

apenas uma delas haverá o periculum in mora (periculum libertatis). Basta, agora, verificar se

há o fumus boni iuris (fumus comissi delicti), representado pelas expressões prova de

existência do crime e indícios suficientes de autoria”.240

Do magistério de Tourinho Filho, quanto à decretação da prisão preventiva, colhe-

se:

[...] para o Juiz poder decretá-la, haverá necessidade de tríplice análise: primo, o Magistrado procura ver se no caso concreto a lei a permite; secundo, permitindo-a, cumpre-lhe constatar se estão presentes os pressupostos, i.e., prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria; tertio, finalmente, com os elementos constantes dos autos, perquire o Juiz a presença de alguma das condições de admissibilidade, i.e., conveniência da instrução criminal ou perigo de insatisfação da pena, periculum in mora (rectius: periculum libertatis).241

Por conseguinte, caso estejam presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris,

há de se perquirir se a lei permite a prisão em cada caso concreto, fazendo-se uma verificação

das condições de admissibilidade, ínsitas no artigo 313 do Código de Processo Penal.242

237 TOURINHO FILHO, 2009, p. 642. 238 BONFIM, 2009, p. 418. 239 LIMA, 2009, p. 561. 240 RANGEL, 2008, p. 695. 241 TOURINHO FILHO, op. cit., p. 644. 242 RANGEL, loc. cit.

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3.2.2 Condições de admissibilidade

A lei processual penal, em seu artigo 313, impõe os casos que será admitida a

prisão preventiva:

Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I - punidos com reclusão; II - punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III - se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal; IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.243

A regra geral, conforme o caput do artigo 313, é a permissão da prisão preventiva

em caso de crime doloso, e desde que presentes alguma/algumas das hipóteses do artigo 312

do Código de Processo Penal. Afasta-se de plano, pela redação do inciso I, a possibilidade de

prisão preventiva para os crimes culposos e para as contravenções penais. Isso porque,

conforme já explanado no item 2.3.4 deste trabalho acadêmico, impera o princípio da

proporcionalidade, o qual impede que a medida deferida seja mais grave e muito mais intensa

que a pena a ser aplicada na ação penal, quando do fim do processo.244

Outrossim, o caput se refere a crime doloso, portanto

[...] quando a infração penal se constituir em mera contravenção penal e, ainda, não sendo previsto ao crime pena de detenção ou reclusão, não será cabível, também, a medida. Destarte, não cabe prisão preventiva em caso de pena de multa ou no caso de punição com prisão simples ou, ainda, se o indiciado se livra solto. Será, ainda, incabível a prisão preventiva em crimes culposos, eis que a lei só se refere a crimes dolosos.245

A regra é o cabimento da prisão preventiva somente em casos de crimes punidos

com reclusão. Caso seja um crime doloso punido com detenção, caberá a medida se o agente

for vadio ou haja dúvida sobre a sua identidade, e não forem fornecidos elementos para

esclarecê-la (inciso II).246

A expressão “ser vadio”, para Eugênio Pacelli, atualmente

243 BRASIL, 1941. Acesso em: 23 set. 2009. 244 OLIVEIRA, 2009, p. 455. 245 LIMA, 2009, p. 563. 246 Ibid., p. 564.

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[...] é inteiramente vazia de conteúdo. Ora, se a lei parte do pressuposto que aquele que não trabalha (o tal vadio) deve dedicar-se à prática de atividade criminosa, uma prisão sob tal fundamentação não guardará qualquer instrumentalidade em relação ao processo no qual seja decretada. E mais: partira de juízo de pura abstração, com conseqüências típicas de antecipação de culpabilidade. Não vemos, pois, como se possa dimensionar o sentido do termo vadio.247

No caso do inciso III, “[...] os olhos estão postos na periculosidade demonstrada

pelo agente, independentemente da natureza do crime, até mesmo porque se referem aos

crimes punidos com detenção [...]”.248

Este inciso diz respeito ao réu que foi condenado por outro crime doloso, com

qualquer tipo de pena (reclusão ou detenção), com sentença transitada em julgado, ressalvada

a possibilidade de ter ocorrido a prescrição da reincidência (artigo 64, inciso I, do Código

Penal). Tal hipótese, nos termos de Paulo Rangel, refere-se ao

[...] reincidente, ou seja, daquele que não se ajusta socialmente e que, por isso, não terá sua pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos (cf. art. 44, II, do CP). O reincidente poderá ter sua prisão preventiva decretada para se proteger da sociedade. Absurdo. Reincidência é a instituição do bis in idem. quer-se dizer: punição duas vezes pelo mesmo fato em afronta a regra proibitiva clara da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): art. 8º, item 4.249

E continua o autor:

O inciso III refere-se ao reincidente e não apenas ao réu de maus antecedentes. O primeiro é aquele que comete um crime, tendo sido condenado anteriormente, dentro do prazo de 5 (cinco) anos, com sentença transitada em julgado, pela prática de outro crime (cf. art. 64, I, do CP). O segundo (réu de maus antecedentes) é aquele que comete um crime, tendo sido condenado anteriormente, dentro ou não do prazo de 5 (cinco) anos, pela prática de outro crime com sentença transitada em julgado (cf. art. 5º, LVII, da CRFB). Portanto, podemos afirmar que todo reincidente tem maus antecedentes, porém nem todo aquele que tem maus antecedentes será, necessariamente, reincidente.250

A inserção do inciso IV decorre da Lei de Violência Doméstica e, segundo

Marcellus Lima,

[...] em vista do princípio da proporcionalidade não se pode decretar prisão preventiva se a pena final não comportar a efetiva prisão. Como a pena de lesão corporal leve não levará o agente à prisão, em vista de ser cabível a substituição ou mesmo o cumprimento em regime aberto (isto se levarmos em conta a

247 OLIVEIRA, 2009, p. 455-456. 248 Ibid., p. 456. 249 RANGEL, 2008, p. 697. 250 RANGEL, loc. cit. [grifos originais].

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admissibilidade de se vedar a conciliação e a transação penal, como quer o legislador), é totalmente exdrúxula [sic] a previsão de prisão preventiva in casu.

251

Consoante o exposto, para que se decrete a prisão preventiva, é preciso analisar o

artigo em comento, bem como observar se há o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Havendo a combinação destes três elementos, poderá o juiz, fundamentada e

excepcionalmente, decretar a medida.252

3.2.3 Fundamentação da decisão que decreta ou denega a prisão preventiva

Dispõe o artigo 315 do Codex Processual Penal que “O despacho que decretar ou

denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado”.253

Exige-se, portanto, que

[...] a autoridade judiciária esclareça em seu despacho qual ou quais os fundamentos existentes para a decretação da excepcional medida que é a custódia preventiva. Sem a exposição dos fundamentos suficientes à determinação, em que se mencionem os mínimos requisitos exigidos pela lei, há constrangimento ilegal à liberdade de locomoção que enseja, por falta de fundamentação ou sua deficiência, o deferimento do pedido de habeas corpus.

254

O despacho deve conter uma fundamentação baseada em dados concretos, não

sendo suficiente a genérica referência aos autos, vagas alusões ao acusado ou meras

suposições negativas quanto ao caráter pessoal.255

Portanto, deve o juiz demonstrar a presença dos requisitos necessários que

autorizam a prisão,

[...] não copiando o que diz a lei, mas, sim, mostrando, por exemplo, onde está a necessidade de garantir a ordem pública com a prisão do acusado, citando depoimentos de testemunhas que se dizem (no curso do inquérito) ameaçadas com a liberdade do acusado. Ou, ainda, ditando a folha de antecedentes criminais do acusado, recheada de condutas ofensivas à ordem jurídica, com clara alusão de que, em liberdade, voltará a delinqüir.256

251 LIMA, 2009, p. 564-565. 252 RANGEL, 2008, p. 699. 253 BRASIL, 1941. Acesso em: 23 set. 2009. 254 MIRABETE, 2007, p. 395. 255 MIRABETE, loc. cit. 256 RANGEL, op. cit., p. 701.

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Tal exigência tem o fim de satisfazer o que institui o artigo 93, inciso IX, da

Constituição Federal, o qual regula o princípio da publicidade dos julgamentos e da

motivação das decisões judiciais.257

Lembrando que não se pode confundir decisão sucinta com decisão

fundamentada. Embora lacônico, o despacho deve demonstrar a expressa necessidade da

custódia.258

3.2.4 Revogação e redecretação

A possibilidade de revogação encontra respaldo no artigo 316 do Código de

Processo Penal, segundo o qual o juiz poderá “revogar a prisão preventiva se, no correr do

processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se

sobrevierem razões que a justifiquem”.259

Quanto à expressão “poderá”, detalha Paulo Rangel: “[...] não pode ser vista como

mera faculdade do juiz, pois, tratando-se de norma concessiva de um direito, qual seja, o

direito de liberdade, surge, uma vez presentes os requisitos legais, o direito subjetivo do réu

de permanecer em liberdade”.260

Caso o magistrado verifique que o motivo que autorizou a prisão preventiva tenha

desaparecido, deverá revogar o decreto de prisão. Mas, se após a revogação surgirem razões

que justifiquem a prisão novamente, é possível que haja o decreto.261

O Ministério Público poderá interpor recurso em sentido estrito com fundamento

no artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal, se estiver insatisfeito com a revogação

da prisão preventiva.262

Mirabete ressalta que esta prisão

[...] apresenta o caráter rebus sic stantibus, podendo ser revogada conforme o estado da causa. [...] Não mais presentes os fatores que recomendam a custódia preventiva, não deve ser ela mantida só porque a autoria está suficientemente provada e a materialidade da infração demonstrada. Assim, se foi decretada apenas para garantir a instrução criminal, finda esta não é mais necessária, impondo-se a revogação da

257 RANGEL, 2008, p. 701. 258 MIRABETE, 2007, p. 395. 259 BRASIL, 1941. Acesso em: 23 set. 2009. 260 RANGEL, op. cit., p. 703. 261 RANGEL, loc. cit. 262 RANGEL, loc. cit.

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medida. [...] A revogação deve-se calcar, e indicar com explicitude, no desaparecimento das razões que, originalmente, determinaram a custódia preventiva, sem desgarrar dos parâmetros traçados pelo art. 316.263

O Código não anuncia prazo expresso para a duração da medida preventiva e é

sabido que o réu não pode ficar preso preventivamente por prazo indeterminado. Caso o

acusado permaneça preso por longa data, há o risco de o constrangimento ilegal ser

caracterizado e a jurisprudência construiu mecanismos para o chamado “excesso de prazo”.264

A exceção na legislação brasileira acerca do prazo está na Lei nº 9.034/95, que

prevê, em seu artigo 8º, o prazo de 81 (oitenta e um) dias para o encerramento da instrução

criminal, quando o acusado estiver preso, nas ações praticadas por organizações

criminosas265. Assim, parte da doutrina passou a entender que este lapso temporal seria

aplicado aos casos de prisão cautelar em que não houvesse prazo certo e determinado.266

Sobre o tema, explana Eugênio Pacelli:

Entendendo a ausência de fixação de prazo certo para a duração da prisão preventiva deixava o acusado inteiramente à mercê do Estado, nossa jurisprudência elaborou entendimento segundo o qual, cuidando-se de réu preso provisoriamente no curso da ação penal, esta deveria ser concluída nos prazos previstos em lei, sob pena de caracterização de constrangimento ilegal. A hipótese, então, estaria a ensejar o habeas corpus, com fundamento no art. 648, II, CPP, cujo comando considera ilegal a coação “quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei”.267

O somatório desses prazos, totalizando os 81 dias, leva em conta “os prazos para a

conclusão do inquérito ate o prazo para prolação da sentença, nos termos do art. 800, I, § 3º,

do CPP”. Contudo, a Lei nº 11.719/08 alterou os ritos procedimentais, modificando,

conseqüentemente, a operação aritmética da conta final dos 81 dias. Agora, o prazo de 81 dias

passa a ser de 86 dias e deve ter início com a prisão do acusado, sendo encerrado no final da

instrução criminal, tendo o Superior Tribunal de Justiça sumulado a questão (Súmula 52:

“Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de

prazo”).268

Todavia, a própria jurisprudência expõe que o prazo pode ser excedido por justo

motivo, ou caso a demora seja causada por atos protelatórios praticados pelo próprio acusado

263 MIRABETE, 2007, p. 396. [grifos originais]. 264 BONFIM, 2009, p. 420. 265 OLIVEIRA, 2009, p. 456. 266 BONFIM, op. cit., p. 421. 267 OLIVEIRA, loc. cit. 268 Ibid., p. 457.

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(neste sentido, há a Súmula 64 do Superior Tribunal de Justiça, a qual afirma que “Não

constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provado pela defesa”).269

É preciso mencionar que há um Projeto de Lei (PL-4793/2009), do deputado Vital

do Rêgo Filho (PMDB-PB), que tem por finalidade fixar os prazos para a prisão preventiva,

tornando-a compatível com o princípio da presunção de inocência270. Referido projeto

“estabelece que o prazo da prisão preventiva será de até 30 dias na fase de inquérito e de 120

dias na fase de instrução criminal, prorrogável por iguais períodos na hipótese de extrema e

comprovada necessidade”.271

Cabe lembrar que se “revogada a prisão por excesso de prazo, não se aplica o

disposto no art. 316 do CPP. Assim, a medida não poderá ser novamente decretada”.272

Em síntese, a regra é que seja o prazo respeitado, sendo admitida a não-

observância em situações extraordinárias, “em que se exija uma reflexão hermenêutica para

além dos limites dogmáticos, na linha da necessidade de afirmação dos princípios

constitucionais de igual relevância”.273

3.2.5 Apresentação espontânea

O artigo 317 do Código de Processo Penal afirma que “A apresentação espontânea

do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a

lei a autoriza”.274

Se assim não fosse, “estar-se-ia protegendo o criminoso astuto, que com esse

expediente, se furtaria àquela medida”.275 Porém, cabe ressaltar que se o acusado se

apresentar espontaneamente ao juízo e tiver primariedade e boas condições pessoais, poderá

haver um decreto de revogação da custódia já decretada.276

269 BONFIM, 2009, p. 421. 270 CHRISTÓFARO, Danilo Fernandes. Projeto estabelece prazos para duração da prisão preventiva. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090601091224641>. Acesso em 23 set. 2009. 271 Ibid. 272 BONFIM, op. cit., p. 422. 273 OLIVEIRA, 2009, p. 459. 274 BRASIL, 1941. Acesso em: 24 set. 2009. 275 MIRABETE, 2007, p. 397. 276 MIRABETE, loc. cit.

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Quanto ao artigo 318 do mesmo diploma legal, este indica “[...] hipótese em que

se vislumbra arrependimento do agente que colabora com a Justiça ao confessar o ilícito. Mas

o benefício só pode ser reconhecido se a autoria era ignorada ou havia erro na imputação de

terceiro”.277

Para Bonfim, este dispositivo não tem aplicação, eis que “assim que for absolvido,

o acusado será posto em liberdade, independentemente de sua anterior apresentação e

confissão”.278

3.3 PRISÃO TEMPORÁRIA

A prisão temporária foi criada pela Medida Provisória nº 111, de 24 de novembro

de 1989, sendo convertida na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. É uma modalidade de

prisão cautelar, específica para o inquérito policial, e tem por escopo permitir que crimes

particularmente graves sejam investigados.279

Outros países adotam esta prisão cautelar, dentre eles, Portugal, Espanha, Itália,

França, Estados Unidos etc.280 A prisão temporária é “uma medida acauteladora, de restrição

de liberdade de locomoção, por tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações a

respeito de crimes graves, durante o inquérito policial”.281

Ainda,

Trata-se de prisão cuja finalidade é a de acautelamento das investigações do inquérito policial, consoante se extrai do art. 1º, I, da Lei nº 7.960/89 no que cumpriria a função de instrumentalidade, isso é, de cautela. E será ainda provisória, porque tem a sua duração expressamente fixada em lei, como se observa de seu art. 2º e também do disposto no art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).282

277 MIRABETE, 2007, p. 397. 278 BONFIM, 2009, p. 422. 279 Ibid., p. 423. 280 MIRABETE, op. cit., p. 398. 281 MIRABETE, loc. cit. 282 OLIVEIRA, 2009, p. 462.

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O prazo máximo desta prisão está expresso na lei, qual seja, “5 (cinco) dias,

prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade” (artigo 2º da

Lei nº 7.960/89).283

Quando da ocorrência de crime hediondo, a Lei nº 11.464, de 28 de março de

2007 alterou o artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990),

reposicionando o § 3º para o § 4º, do artigo 2º, o qual explana sobre o prazo da prisão

temporária para esta modalidade de crime: “Art. 2º. [...] § 4º - A prisão temporária, sobre a

qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá

o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada

necessidade”.284

No que diz respeito à contagem do prazo para o encerramento da instrução

criminal, prazo este de 81 dias, que após o advento da Lei nº 11.719/08, foi alterado para 86

dias, como já dito alhures. A questão é saber se o prazo da prisão temporária estaria incluso

nestes mencionados 86 dias.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira, a resposta é negativa, eis que

[...] a prisão temporária só se justifica para determinados crimes, mais gravemente apenados, a demonstrar maior complexidade na apuração e individualização das condutas e dos fatos. É por isso que o art. 2º, § 7º, da Lei nº 7.960/89, estabelece que, decorrido o prazo de cinco dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva. Com isso, o prazo para encerramento do inquérito, de dez dias estando preso o acusado (e de 15 dias, prorrogáveis, na Justiça Federal), somente teria início a partir da decretação da prisão preventiva, não incluindo, portanto, o prazo da prisão temporária.285

Como esta prisão se destina às investigações policiais, cujo destinatário é o

Ministério Público, o legislador foi de acordo com a Constituição de 1988, que prevê feições

acusatórias como modelo processual, ou seja, onde não se dá ao juiz um papel de acusador

nem de investigador. Portanto, a lei, acertadamente, não contemplou a possibilidade de

decretação de ofício da prisão temporária, vide artigo 2º, primeira parte, da Lei nº 7.960/89:

“A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial

ou de requerimento do Ministério Público”.286

283 BRASIL. Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. Dispõe sobre a prisão temporária. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7960.htm>. Acesso em: 24 set. 2009. 284 BRASIL. Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072.htm>. Acesso em: 24 set. 2009. 285 OLIVEIRA, 2009, p. 464-645. 286 Ibid., p. 462.

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Quanto aos requisitos necessários para sua decretação, podem ser encontrados no

artigo 1º, o qual se transcreve:

Art. 1°. Caberá prisão temporária: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).287

A doutrina não tem uma posição uníssona no que se refere à possibilidade de

decretação, senão vejamos:

- para Tourinho Filho e Júlio Mirabete, é cabível a prisão temporária em qualquer das três situações previstas em lei (os requisitos são alternativos: ou um, ou outro); - Antonio Scarance Fernandes defende que a prisão temporária só pode ser decretada se estiverem presentes as três situações (os requisitos são cumulativos); - segundo Damásio E. de Jesus e Antonio Magalhães Gomes Filho, a prisão temporária só pode ser decretada naqueles crimes apontados pela lei. Nestes, desde que concorra qualquer das duas primeiras situações, caberá a prisão temporária. Assim, se a medida for imprescindível para as investigações ou se o endereço ou identificação do indiciado forem incertos, caberá a prisão cautelar, mas desde que o crime seja um dos indicados por lei; - a prisão temporária pode ser decretada em qualquer das situações legais, desde que com ela concorram os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (CPP, art. 312). É a posição de Vicente Greco Filho.288

Eugênio Pacelli deixa claro que:

287 BRASIL, 1989. Acesso em: 24 set. 2009. 288 MEDICI, [s/d] apud CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 134.

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[...] devem estar presentes, necessariamente, tanto a situação do inc. I, imprescindibilidade para a investigação policial, quanto aquela do inc. III. A hipótese do inc. II, repetimos, já estaria contemplada pela aplicação do inc. I. Assim, a prisão temporária somente poderá ser decretada, e desde que presentes os requisitos cautelares (indícios de autoria e prova da materialidade), quando imprescindível para as investigações policiais e quando se tratasse dos crimes expressamente arrolados no inc. III do art. 1º, para outros, ali não mencionados, a única prisão cautelar possível seria a preventiva, nunca a temporária.289

Referentemente ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, sabe-se que, como

uma espécie de prisão cautelar, a prisão temporária deve apresentar tais requisitos, os quais

não são idênticos aos da prisão preventiva, mas existem e devem estar sempre presentes para

que haja o decreto da medida temporária.290

Paulo Rangel, com objetividade, adverte:

Quando a lei diz ser “imprescindível para as investigações do inquérito policial”, claro nos parece que a imprescindibilidade configura o periculum in mora

(periculum libertatis), pois, se não for decretada a medida odiosa, porém necessária, o inquérito não poderá ser concluído. Assim, a necessariedade repousa no periculum

in mora (periculum libertatis), que está no inciso I do art. 1º. Entretanto, mister se faz, [...] a existência cumulativa do fumus boni iuris (fumus comissi delicti), representado pelo inciso III, ou seja, a probabilidade do indiciado ser autor ou partícipe. Desta forma, os incisos I e III do art. 1º devem ser vistos em conjunto, pois configuram o periculum in mora (periculum libertatis) e o fumus boni iuris (fumus comissi delicti). Portanto, não se deve dissociar os incisos I e III para se decretar a prisão temporária.291

Como se vê, para que haja o decreto de prisão temporária, a maior parte dos

doutrinadores entende que deve haver a presença obrigatória do inciso III, este somado ao

inciso I ou ao inciso II, estes evidenciadores do periculum in mora, pois “[...] afrontaria o

princípio constitucional do estado de inocência permitir a prisão provisória de alguém apenas

por ser suspeito de um delito grave. Inequivocamente, haveria antecipação da execução da

pena”.292

O despacho da prisão temporária deve ser fundamentado, assim como o da prisão

preventiva, não sendo suficientes meras expressões formais ou repetição do texto legal. O juiz

deve apreciar os fundamentos de fato e de direito do pedido, motivando sua decisão de forma

conveniente, mencionando os pressupostos exigidos pela lei, conforme o caso. A

289 OLIVEIRA, 2009, p. 463.464. 290 RANGEL, 2008, p. 715-716. 291 Ibid., p. 716. 292 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 134-135.

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reconsideração do despacho de decretação da prisão temporária é possível, quando surgirem

fatos que não indiquem mais a necessidade da medida.293

3.4 PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DE SENTENÇA DE PRONÚNCIA

A pronúncia é

[...] a decisão judicial que reconhece a admissibilidade da acusação feita pelo Ministério Público (ou excepcionalmente pelo ofendido) em sua petição inicial penal (denúncia), determinando, como conseqüência, o julgamento do réu em plenário do Tribunal do Júri, perante o Conselho de Sentença. Trata-se de decisão de cunho meramente declaratório, pois reconhece a plausibilidade da acusação feita, declarando a necessidade de se submeter o réu a julgamento perante seu juiz natural, em face da presença da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria.294

Quanto a sua natureza jurídica, é “decisão interlocutória mista não terminativa,

pois o que se encerra não é o processo, mas sim uma fase do procedimento”295. Decisão

interlocutória mista terminativa quer dizer que é uma decisão judicial que aprecia questão

incidente, não julga o meritum causae e põe fim a uma relação processual. Ocorre que a

decisão de pronúncia não encerra o processo, mas somente a primeira fase procedimental,

portanto, é uma decisão interlocutória mista não terminativa.296

Acerca das fases procedimentais do julgamento pelo Tribunal do Júri, onde se

julga os crimes dolosos contra a vida e os crimes conexos com aqueles, sabe-se que o

procedimento é

[...] escalonado, ou seja, tem duas fases: a primeira, denominada judicium

accusationis e, a segunda, judicium causae. A primeira fase se inicia com a denúncia e se encerra com a apreciação, pelo juiz, da imputação aduzida naquela peça processual, sendo que o magistrado poderá decidir pela pronúncia, a impronúncia e a desclassificação para outro tipo que defina delito que não seja doloso contra a vida. Somente se tivermos a pronúncia, é que teremos a segunda fase, cujo julgamento será feito em Plenário do Júri, desta feita a cargo do Conselho de Sentença, composto por sete jurados, e sob a presidência do Juiz togado.297

293 MIRABETE, 2007, p. 399. 294 RANGEL, 2008, p. 570-571. 295 Ibid., p. 571. 296 Ibid., p. 571. 297 LIMA, 2009, 572.

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Anteriormente à reforma processual trazida com a Lei nº 11.689, de 09 de junho

de 2008,298 o Código de Processo Penal dispunha que se o delito pelo qual o acusado foi

pronunciado fosse inafiançável, não sendo o caso de regime aberto, deveria acarretar a

prisão do acusado, traduzindo-se em verdadeira prisão automática.299 Assim previa o

artigo 408, § 1º, do Código de Processo Penal:

Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento. § 1º - Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, mandará lançar-lhe o nome no rol dos culpados, recomendá-lo-á, na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para a sua captura.300

Em seguida, foi introduzido ao supracitado artigo, o § 2º, o qual afirmava que “Se

o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou

revogá-la, caso já se encontre preso”, parágrafo este inserido pela Lei nº 5.941, de 23 de

novembro de 1973.

Havia, nesta época, uma certa imposição legal de recolhimento à prisão,

[...] que era a regra em se tratando de pronúncia, pois existiria sempre uma decisão fundada no fumus comissi delicti, diferentemente da situação anterior do acusado e, além do mais, o réu que tivesse sido pronunciado por crime inafiançável só poderia ser julgado pelo plenário do júri se estivesse presente. Aqui estava evidenciado o periculum libertatis.

301

Todavia, o panorama se modificou com a reforma processual de 2008, eis que a

prisão ora em comento não mais se trata de efeito da decisão de pronúncia. Atualmente, com a

pronúncia, ainda tem-se um dos requisitos da prisão cautelar (o fumus comissi delicti). Ocorre

que agora, o periculum libertatis deve ser fundamentado pelo magistrado para que se decrete

a prisão provisória no momento da pronúncia. Pelo visto, não há mais que se avaliar os maus

antecedentes ou a não primariedade do acusado, mas, sim, demonstrar os requisitos do artigo

312 do Código de Processo Penal, pertinentes à prisão preventiva.302

Ora,

Não há mais a exigência da primariedade ou dos bons antecedentes para se conceder a liberdade provisória [...]. Hodiernamente, se o juiz verificar que não

298 Altera dispositivos do Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências. 299 LIMA, 2009, 572. 300 BRASIL, 1941. Acesso em: 25 set. 2009. 301 LIMA, op. cit., 573. 302 Ibid., p. 574.

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estão presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva deixa o acusado em liberdade, sem assim estiver. Se estiver preso preventivamente, solta-o revogando a prisão. O magistrado, portanto, poderá decretar a prisão, independentemente, de ser o réu primário e de bons antecedentes, bastando para isso estarem presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva.303

Assim restou modificado o artigo 413, § 3º, do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 3º - O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.304

Desapareceu do ordenamento jurídico pátrio, assim, a prisão em decorrência da

decisão de pronúncia, isto é, “não há mais prisão decorrente do ato decisório, mas, sim, prisão

eventualmente mantida ou decretada, fundamentadamente, nos respectivos atos processuais.

Prisão concretamente necessária e acautelatória, portanto”.305

É bom frisar que o único fundamento com o qual se pretendia justiçar a prisão

decorrente da pronúncia, residia

[...] na probabilidade de fuga, diante da valoração provisória contida nas apontadas decisões judiciais. Ou, o que é pior, na probabilidade de condenação, quando significaria inegável antecipação de culpabilidade, a esbarrar no princípio constitucional da inocência, consolidado legislativamente, agora, no art. 387, parágrafo único, no art. 413, § 3º, e no art. 492, I, d, todos do CPP.306

Apesar de parecer ser uma “prisão por razão da pronúncia”, na verdade sua

natureza é de prisão preventiva, só que decretada no momento da pronúncia, eis que evidente

a possibilidade de decretar a prisão do réu que estava solto ou mesmo de substituir outra

cautelar prisional anteriormente decretada.

Sobre o tema, expõe Marcellus Limas:

[...] se o agente já estava preso em flagrante ou preventivamente, com a decisão de pronúncia, deve ser mantido na prisão, caso não haja alteração do periculum

libertatis, só se justificando a liberdade, nesta fase, se porventura, quando da prolação da sentença, deixarem de subsistir os motivos autorizadores da preventiva.

303 RANGEL, 2008, p. 710. [grifos originais]. 304 BRASIL, 1941. Acesso em: 25 set. 2009. 305 OLIVEIRA, 2009, p. 466. 306 Ibid., p. 466-467.

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Deve ser observado que o legislador da reforma se refere genericamente à “manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada” e, assim, fica evidente que pode ser mantida tanto a prisão preventiva como a em flagrante (tudo dependerá do título original da prisão), podendo, ainda, em caso de prisão preventiva revogá-la, na forma do art. 316 do CPP, caso não mais subsistam os motivos que a autorizaram.307

Quando a lei menciona “manutenção, revogação ou substituição da prisão ou

medida restritiva de liberdade anteriormente decretada”, no § 3º do artigo 413, e quando

for o caso de acusado solto, é preciso ter em mente o Projeto de Lei nº 4.208/2001, que traz

um rol de outras medidas cautelares restritivas de liberdade que não a prisão. Cabe frisar que

tal projeto está pendente de tramitação, logo, o que se tem hoje são as espécies de prisão

preventiva e a prisão em flagrante delito.308

Outrossim,

[...] há uma imensa variedade de medidas cautelares pessoais geralmente esquecidas pela doutrina e jurisprudência e que podem, desde já, servir como alternativas à prisão provisória. A Lei 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”) também trouxe novas medidas cautelares pessoais.309

Sob outro prisma, se o acusado estava solto até o momento da decisão de

pronúncia, só poderá permanecer solto se não existirem contra si motivos que autorizem a

prisão preventiva. O magistrado, ao proferir a decisão, somente poderá decretar a preventiva

se fizer uma análise e constatar a presença do periculum libertatis.310

Outra situação pode ocorrer, quando

[...] o motivo da preventiva surja após a sentença, quando no lapso da liberdade para recorrer, logo após a sentença, ou mesmo já em fase do andamento do recurso, advier o risco de tornar-se o condenado foragido ou por outro modo se der o periculum libertatis. Nesses casos, obviamente, poderá se dar a decretação da prisão, após a decisão já prolatada ou caso o recurso esteja em andamento no Tribunal ad

quem. Mas, o título legitimador da prisão, frise-se, será sempre a prisão preventiva do art. 312 do CPP.311

Por conseguinte, a medida cautelar prevista no 3º do artigo 413 do Código

Processual Penal

307 LIMA, 2009, p. 574-575. 308 Ibid., p. 575. [sem grifos nos originais]. 309 FEITOZA, Denílson. Reforma processual penal: leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008: uma abordagem sistêmica. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2008. p. 268. 310 LIMA, op. cit., p. 575. 311 LIMA, loc. cit.

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[...] se trata de forma de aferição da necessidade de manutenção (podendo se dar também a revogação caso não haja perigo para o processo) da prisão preventiva ou em flagrante no momento da prolação da decisão de pronúncia pelo juiz a quo, deveria o magistrado examinar os requisitos para tanto. Assim, não basta que seja a pronúncia simplesmente (ou por si só), mas deve ser verificado se estão presentes os requisitos autorizadores da prisão provisória, ou seja, o periculum libertatis, pois só assim a prisão será cautelar, afastando-se a inconstitucionalidade.312

Por fim, fica revogado, em parte (derrogação), o artigo 311 do Código de

Processo Penal, no que diz respeito à vedação de decretação de prisão preventiva após a

instrução criminal, eis que é cabível por ocasião da pronúncia, como alhures explanado.313

3.5 PRISÃO PREVENTIVA DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECORRÍVEL

Por ora, far-se-á, tão-somente, uma análise sobre o conceito de sentença

condenatória recorrível, pois este tema será objeto de debate no capítulo três da presente

pesquisa.

O Código de Processo Penal não possui um conceito normativo para sentença. Já

o Código Processual Civil, em seu artigo 162, § 1º define sentença como “o ato pelo qual o

juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.314

Sentença é “[...] aquele ato jurisdicional por meio do qual se resolve a lide. A

tendência, contudo, é para conceituá-la como o ato pelo qual o Juiz põe termo ao processo,

com ou sem julgamento do mérito. A sentença é o ato più eminente da relação processual”.315

Sua função é

[...] declarar o direito. Quando o Juiz procede à subsunção do fato à norma, aplicando o direito à espécie concreta, ele nada mais faz que declarar o direito preexistente. Quando o Juiz condena o réu por furto, p. ex., ele está declarando, naquele caso concreto, o direito de punir do Estado.316

Em relação à sentença condenatória, esta ocorre quando “[...] o Juiz julga a

denúncia ou queixa procedente, fala-se em sentença condenatória. Com a sentença

312 LIMA, 2009, p. 575. 313 OLIVEIRA, 2009, p. 465. 314 CHOUKR, 2009, p. 606. 315 TOURINHO FILHO, 2009, p. 788. 316 TOURINHO FILHO, loc. cit.

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condenatória o Juiz julga procedente o jus puniendi, afirmando a responsabilidade do acusado

e infligindo-lhe a sanctio júris”.317

A legislação processual penal brasileira dispõe acerca da sentença condenatória e

da prisão preventiva no seguinte artigo:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: I - mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Código Penal, e cuja existência reconhecer; II - mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - aplicará as penas de acordo com essas conclusões; IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; V - atenderá, quanto à aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança, ao disposto no Título Xl deste Livro; VI - determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará o jornal em que será feita a publicação (art. 73, § 1o, do Código Penal). Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

Portanto, conforme o parágrafo único do artigo acima exposto, não há mais prisão

decorrente de ato decisório, mas, sim, prisão mantida ou imposta, de forma fundamentada.

Ainda, não se poderá negar conhecimento ao recurso interposto pelo acusado pelo fato do seu

não recolhimento à prisão, como se verá, mais detalhadamente, no capítulo posterior.

3.6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS ÀS ESPÉCIES DE PRISÃO

Para que se possa discutir acerca dos princípios constitucionais aplicáveis a todas

as espécies de prisão em nosso ordenamento jurídico, mister se faz discorrer, primeiramente,

sobre a liberdade que nós, seres humanos, possuímos.

Ao se fazer uma análise da expressão “liberdade”, pode-se afirmar que “essa

liberdade da pessoa física, também chamada de individual, constitui a primeira forma de

liberdade que o homem teve que conquistar, formando um dos atributos mais significativos da

existência, a ela se opondo a idéia de escravidão e prisão”.318

317 TOURINHO FILHO, 2009, p. 797. 318 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 16 set. 2009.

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O Direito, enquanto ciência, acompanhou e tem por base a proteção da liberdade

pessoal. Tanto assim é, “A libertas para o romano, é seu maior bem, dividindo-se os homens

em livres e escravos, segundo a divisão fundamental de Gaio, denominada de suma divisio,

isto é, a principal divisão”.319

José Cretella Júnior salienta: “A liberdade – libertas – é o maior bem para o

romano. A condição de homem livre domina todo o mundo antigo, inclusive o império

romano, em que a liberdade se opõe à escravidão”.320

Assim,

[...] se percebe que a liberdade, desde longas datas se constituiu num bem de significativo valor, fazendo parte da essência do homem o nascer e permanecer livre, desempenhando a capacidade de movimentar-se e locomover-se. Todavia, a convivência social impõe determinadas regras que acabam restringindo a liberdade natural, por tal motivo e, em nome da paz social, nos obrigamos a sofrer as limitações mínimas, impostas pelo ordenamento jurídico estatal. Nisso constitui a liberdade pessoal ou física, sob o âmbito jurídico.321

Para José Afonso da Silva, a liberdade da pessoa física “é a possibilidade jurídica

que se reconhece a todas as pessoas de serem senhora de sua própria vontade e de

locomoverem-se desembaraçadamente dentro do território nacional”.322

Sobre a liberdade, o pensamento de Voltaire, é sui generis:

Ser verdadeiramente livre é poder. Quando posso fazer o que quero, eis minha liberdade; mas quero necessariamente aquilo que quero, pois de outro modo eu quereria sem razão, sem causa, o que é impossível. Minha liberdade consiste em andar quando quero andar, desde que não sofra de gota.323

Já sob o ponto de vista de Canotilho, o direito de liberdade “[...] significa direito à

liberdade física, a liberdade de movimentos, ou seja, o direito de não ser detido ou

aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente condicionado a um espaço, ou impedido de se

movimentar”.324

Cumpre destacar que o direito à liberdade tem sido recepcionado, com

abrangência e amplitude, pela maior parte dos ordenamentos jurídicos mundiais, seja por

319 FILARDI LUIZ, Antônio. Curso de direito romano. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 56. [grifos originais]. 320 CRETELLA JÚNIOR, 1998, p. 90. [grifos originais]. 321 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 16 set. 2009. 322 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 230-231. 323 VOLTAIRE, François Marie Arouet de. O filósofo ignorante. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 304. 324 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1219.

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meio de previsão nas cartas constitucionais, seja mediante declarações e pactos internacionais,

que passaram a adotar o valor liberdade como direito supremo e fundamental de uma

nação.325

Podemos citar, como exemplo de proteção ao direito de liberdade:

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) – art. 7º; Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – art. 3º; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) – art. 9º; Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – 1969) – art. 7º.326

Todavia, apesar de toda a proteção que existe em torno do direito fundamental da

liberdade, é possível que haja uma certa restrição a este direito:

Sendo a liberdade um dos direitos fundamentais do homem, natural deva a Constituição preservá-la. Sabe-se que a liberdade não é o direito de alguém fazer o que bem quiser e entender, mas sim o de fazer o que a lei não proíbe. Sem os freios da lei, a liberdade desenfreada conduziria ao tumulto, à anarquia, ao caos, enfim. Daí permitir-se, na Magna Carta, a restrição à liberdade, dês que tal restrição se faça com comedimento, dentro dos limites do indispensável, do necessário, e, assim mesmo, cercada de reais garantias para que se evitem extralimitações do Poder Público.327

Como claramente se demonstrou, a liberdade física implica no direito de ir, vir e

permanecer. Entretanto, essa liberdade que podemos chamar de “natural” não é absoluta,

esbarra no poder estatal, encarregado de manter a ordem e a paz pública.328

É cabível afirmar, portanto, que

[...] a liberdade pessoal é condicionada pela lei, que regula o que não se pode fazer, circunscrevendo o arbítrio de cada pessoa. Inexistindo, dessa forma, liberdade absoluta, pois todos devem agir dentro dos limites impostos pela ordem legal. [...] [...] o cerne da liberdade jurídica reside na possibilidade de fazer tudo aquilo que não é proibido pelo próprio ordenamento, mesmo assim, a liberdade constitui a regra, devendo a sua limitação ser justificada.329

O direito à liberdade individual é protegido pelo Estado, da mesma forma que as

suas limitações devem ser formalmente preestabelecidas, num primeiro momento, mediante a

325 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 16 set. 2009. 326 MEIRELLES, loc. cit. 327 TOURINHO FILHO, 2009, p. 608-609. 328 MEIRELLES, loc. cit. 329 MEIRELLES, loc. cit.

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instituição de uma Carta Política que preveja e tutele tal direito.330 Segundo Paulo Bonavides,

corresponde aos chamados direitos de primeira geração:

Os direitos de primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.331

Cabe lembrar que a não só a lei, como também a Constituição Federal trazem, em

seu bojo, disposições que disciplinam o processo judicial e que constituem,

consequentemente, o direito processual penal.332

A conduta dos cidadãos é regulada, pelo Estado, por meio de normas objetivas,

sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível. Regras são impostas para

que a convivência entre pessoas e as relações destas com o Estado sejam regulamentadas.333

Apesar de o Estado ter o dever de garantir a liberdade de locomoção e de proteger

este direito fundamental mediante a criação de instrumentos específicos, como é o caso do

habeas corpus, por exemplo, a ele incumbe a tarefa de manter a paz social, regulando o

proceder dos cidadãos através da instituição de normas com o fito de permitir que a vida em

sociedade seja possível. A esse complexo de normas de conduta que permitem que o Estado

efetue a regulamentação das relações sociais, dá-se o nome de direito objetivo.334

Nesta linha, é o raciocínio de Julio Fabbrini Mirabete:

[...] o direito objetivo, ao mesmo tempo em que possibilita as atividades lícitas, é um sistema de limites aos poderes e faculdades do cidadão, que está obrigado pelo dever de respeito aos direitos alheios ou do Estado. Quem se afasta do imperativo das regras jurídicas, fica submetido à coação do Estado pelo descumprimento de seus deveres, eis que seriam inócuas as normas se não estabelecessem sanções para aqueles que as desobedecem, lesando direito alheio, pondo em risco a convivência social e frustrando o fim perseguido pelo Estado.335

Quanto ao direito subjetivo, este é a “a faculdade ou poder que se outorga a um

sujeito para a satisfação de seus interesses tutelados por uma norma de direito objetivo é o que

constitui o direito subjetivo”.336

330 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 16 set. 2009. 331 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 517. 332 BONFIM, 2009, p. 08-09. 333 MIRABETE, 2007, p. 03. 334 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 17 set. 2009. 335 MIRABETE, 2007, p. 03-04. 336 Ibid., p. 03.

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Pois bem. A sujeição dos membros da sociedade às normas estabelecidas pelo

Estado

[...] somente pode ser obtida com a cominação, aplicação e execução das sanções previstas para as transgressões cometidas, denominadas ilícitos jurídicos. Essas sanções, em princípio, são o ressarcimento dos danos e prejuízos causados pela conduta proibida. Por vezes, porém, tais sanções se mostram insuficientes para coibir determinados ilícitos. Há certos deveres que, por sua transcendência social, devem ser reforçados com outras normas, destinadas a fazer a possível convivência dos indivíduos em sociedade. São deveres que devem ser obedecidos em favor de toda a comunidade, sem o que não poderia existir a paz jurídica. Em caso de infração desses deveres, a existência de que se sancione o ilícito transcende a esfera jurídica do interesse particular para afetar a própria comunidade social e política.337

Portanto, na hipótese de se lesar ou se colocar em perigo um direito que interessa

á própria sociedade, o Estado, cujo fim é a consecução do bem comum, institui sanções penais

contra o infrator, por meio do direito de punir (jus puniendi).338

Conclui Fernando da Costa Tourinho Filho que “o jus puniendi pertence, pois, ao

Estado, como uma das expressões mais características da sua soberania”.339

Este direito de punir é delimitado pelo respeito à dignidade humana e à liberdade

individual, sendo que o Estado fixa seu poder repressivo não só em pressupostos jurídicos

penais materiais (nullum crimen, nulla poena sine lege – não há crime sem prévia definição,

nem pena sem anterior cominação legal), bem como assegura, ainda, a aplicação da lei penal

ao caso concreto, conforme as formalidades prescritas previamente em lei, e sempre por meio

de órgãos jurisdicionais (nulla poena sine judice, nulla poeni sine judicio – nenhuma pena

pode ser imposta senão pelo Juiz, nenhuma pena pode ser aplicada senão por meio do

processo).340

Tendo em vista que nenhuma pena pode ser imposta senão por um magistrado,

La sentencia penal pronunciada por el órgano judicial competente para ello es hoy

el único fundamento que admite la aplicación de uma pena. Desde que la sociedad

moderna prohibió la justicia de propia mano (venganza privada) y erigió al Estado

(poder político central) en depositario y monopolizador del poder penal,

constituyendo a la pena como um instituto público, ella solo puede ser impuesta por

un órgano oficial determinado por la ley.341

337 MIRABETE, 2007, p. 04. [grifos originais]. 338 MIRABETE, loc. cit. 339 TOURINHO FILHO, 2009, p. 06. 340 TOURINHO FILHO, loc. cit. 341 MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal: fundamentos. 2. ed. Buenos Aires: Editores Del Puerto, 2004. p. 486.

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Ainda, “a garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas ‘ter um juiz’,

exige ter um juiz imparcial, natural e comprometido com a máxima eficácia da própria

Constituição”.342

Quanto à assertiva de que não se pode aplicar a pena senão por meio do um

processo, tem-se que

La ley fundamental supone también um procedimiento prévio a la sentencia tal que,

precisamente, le procure los elementos para la decisión del tribunal respecto de la

imputación deducida, esto es, los elementos que lê permitirán construir, sobre todo,

la premisa fáctica en la que apoyará su resolución, aplicando la ley penal o

prescindiendo de su actuación.343

Deste contexto, surgem as regras previstas na Constituição Federal: artigo 5º,

incisos XXXV, XXXIX, LIII e LIV:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.344

É imperioso concluir que, ao Estado, incumbe o direito de punir, aplicando a

norma penal quando algum fato tipificado como crime for praticado, todavia, ao mesmo

tempo em que detém o jus puniendi, garante, da mesma forma, ao cidadão, o jus libertatis,

conseguindo-se a efetivação dessas garantias e o seu equilíbrio por intermédio do direito ao

devido processo legal, inserido no inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal.345

A regra, como se nota, é a liberdade, o jus libertatis do cidadão deve ser

respeitado, sendo que a Constituição permite a prisão apenas diante de flagrante prática de

crime, ou mesmo mediante expedição de ordem de prisão competente e devidamente

fundamentada e nos demais casos previstos em lei.

A prisão, assim, há de ser em conformidade com a lei. A Constituição Federal

contém diversos princípios atinentes à prisão. Com o fito de proteger a liberdade dos

342 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. v. 1. 2008. p. 109. 343 MAIER, 2004, p. 488. 344 BRASIL, 1988. Acesso em: 17 set. 2009. 345 MEIRELLES, 2009. Acesso em: 17 set. 2009.

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indivíduos, a Constituição Federal prevê, em vários incisos do artigo 5º, garantias que

destacam a liberdade como regra e a prisão como exceção:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.346

Neste ponto, para que possamos entender, portanto, os princípios característicos

do processo penal moderno, transcreve-se a definição da palavra ora em comento: “sm (lat

principiu) 1 Ato de principiar. 2 Momento em que uma coisa tem origem; começo, início. 3

Ponto de partida. 4 Causa primária. 5 Fonte primária ou básica de matéria ou energia”.347

Os princípios que regem o direito processual penal

[...] constituem o marco inicial de toda construção de toda dogmática jurídico-processual (penal), sem desmerecer e reconhecer os princípios gerais do direito que lhe antecedem. [...] As respostas para determinados problemas que surgem no curso de um processo criminal estão muitas vezes nos princípios que os informam, porém, o intérprete ou aplicador da norma não os visualiza, dando interpretações ou aplicando normas em contraposição aos elementos primários de constituição do processo.348

Ainda,

Princípios são as proposições que se colocam no início de uma dedução e que não são deduzidas de nenhuma outra dentro do sistema considerado, são, em um sentido figurado, como as vigas mestras e iniciais de uma construção e de onde a estrutura será desenvolvida. Os princípios são representados pelos axiomas, pelos postulados e pelos teoremas. Os axiomas são as proposições ou enunciados tão evidentes em si mesmos que dispensam qualquer demonstração. Os postulados são um tipo de proposição lógica, a qual só deve ser admitida depois de demonstrada. Já os

346 BRASIL, 1988. Acesso em: 18 set. 2009. 347 MICHAELLIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em: 18 set. 2009. [grifos originais]. 348 RANGEL, 2008, p. 03.

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teoremas são enunciados de uma proposição ou uma propriedade que pode ser demonstrada por um raciocínio lógico, a partir de fatos dados ou de hipóteses justificáveis incluídas nestes enunciados. Portanto, os princípios são a base inicial de onde se desenvolve uma idéia e, no caso considerado, o próprio ramo do direito, considerando este como um sistema de normas positivas, através de uma visão analítica. Em outras palavras, o princípios do direito penal são os fundamentos lógicos que irão nortear a sua existência e a sua identidade.349

O processo penal pátrio “é regido por princípios e garantias, na maior parte de

cunho constitucional, traduzindo a clara preocupação do legislador constituinte neste sentido,

e outros princípios advindos do sistema processual penal adotado pelo legislador

ordinário”.350

É certo dizer que, no Brasil, a Constituição assegura o sistema acusatório no

processo penal, que é aquele que “[...] implica o estabelecimento de uma verdadeira relação

processual com o actum trium personarum, estando em pé de igualdade o autor e o réu,

sobrepondo-se a eles, como órgão imparcial de aplicação da lei, o juiz”.351

Dentre os princípios e garantias processuais que cercam a realização da prisão

cautelar, originários do sistema processual acusatório brasileiro, bem como advindos do

Código Processual Penal ou da Constituição, os quais demonstram a importância dada à tutela

do direito de liberdade, podem ser destacados os seguintes:

3.6.1 Princípio da ampla defesa

Este princípio

Consubstancia-se no direito das partes de oferecer argumentos em seu favor e de demonstrá-los, nos limites em que isso seja possível. Conecta-se, portanto, aos princípios da igualdade e do contraditório. Não supõe o principio da ampla defesa uma infinitude de produção defensiva a qualquer tempo, mas, ao contrário, que esta se produza pelos meios e elementos totais de alegações e provas no tempo processual oportunizado por lei. A defesa pode ser exercida por meio da defesa técnica e também da autodefesa.352

349 SILVA, Marco Antonio et al. Processo penal e garantias constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 42. 350 LIMA, 2009, p. 15. 351 MIRABETE, 2007, p. 21. 352 BONFIM, 2009, p. 43.

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A defesa técnica é aquela exercida em nome do réu, por um advogado habilitado,

constituído ou nomeado, garantindo, assim, a paridade de armas no processo diante da

acusação, normalmente exercida pelo órgão do Ministério Público. Já a autodefesa é exercida

diretamente pelo próprio acusado.353

Este princípio tem sede constitucional (artigo 5º, inciso LV) e, ainda, pode-se

mencionar o artigo 261 do Código de Processo Penal, que exige que o acusado seja assistido

por advogado (defesa técnica) e a Lei nº 9.271/96, a qual modificou o artigo 366 do Código

de Processo Penal, fazendo a exigência de que o acusado seja citado pessoalmente, vedando

seja julgado à revelia, a não ser que possua um advogado constituído, possibilitando, assim, a

garantia de sua autodefesa.354

3.6.2 Princípio da reserva legal ou da legalidade

Este princípio cristaliza-se no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição,

afirmando que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação

legal”355 e também no artigo 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina.

Não há pena sem prévia cominação legal”.356

Acerca deste primado, comenta Alexandre de Moraes:

A norma constitucional contém dois princípios: - princípio da reserva legal: não há crime sem lei que o defina; não há pena sem cominação legal; - princípio da anterioridade: não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia cominação legal. Esses princípios, como garantia essencial de um Estado de Direito, asseguram que a regulamentação da amplitude do exercício do direito sancionador do Estado, e consequentemente da liberdade do indivíduo, depende exclusivamente da prévia manifestação de vontade dos representantes populares, detentores de mandatos eletivos, diretamente eleitos pelo povo, conforme o parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal.357

353 BONFIM, 2009, p. 43. 354 LIMA, 2009, p. 37. 355 BRASIL, 1988. Acesso em: 28 set. 2009. 356 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 28 set. 2009. 357 MORAES, 2005, p. 313. [grifos originais].

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Estes princípios, quais sejam, da reserva legal e da anterioridade (nullum crimen,

nulla poena sine proevia lege), na seara penal, exigem que exista uma lei formal devidamente

elaborada pelo Poder Legislativo, por meio das regras de processo legislativo constitucional

(lex scripta), que a lei seja anterior ao fato sancionado (lex proevia) e que a lei descreva,

especificamente, um fato certo e determinado (lex certa).358

Tais exigências

[...] impedem a utilização de aplicação analógica in peius das normas penais como fonte criadora de infrações penais e respectivas sanções, bem como que no exercício jurisdicional o juiz converta-se em legislador, criando novas figuras típicas ou novas sanções. Dessa forma, o princípio da reserva legal não permite a condenação por analogia ou por considerações de conveniência social (RTJ 40/47).359

Conclama Nucci, sobre o tema:

Ao cuidarmos da legalidade, podemos visualizar três significados. No prisma político é garantia individual contra eventuais abusos do Estado. Na ótica jurídica, destacam-se os sentidos lato e estrito. Em sentido amplo, significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão sem virtude de lei (art. 5º, II, CF). Quanto ao sentido estrito (ou penal), quer dizer que não há crime sem lei que o defina, nem tampouco pena sem lei que a comine. Neste último enfoque, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal.360

O princípio em estudo possui quatro fundamentais funções:

1ª) proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege

praevia); 2ª) proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena

sine lege scripta); 3ª) proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta); 4ª) proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine

lege certa).361

Cabe ressaltar que

[...] a CR não admite que a doutrina, a jurisprudência ou o costume sejam capazes de habilitar o poder punitivo. Não obstante, os usos e costumes servem para estabelecer os limites da tipicidade penal quando a própria lei, de modo tácito ou explícito, a

358 MORAES, 2005, p. 314. 359 MORAES, loc. cit. 360 NUCCI, 2007, p. 85. 361 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 96.

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eles se remete: limite da fraude no comércio, o conceito de “objeto obsceno”, o devido cuidado em múltiplas atividades não-regulamentadas etc.362

Como visto, a legalidade tem um significado político de constituir uma garantia

individual, prevista na Constituição Federal e, ainda, no campo jurídico, tem o escopo de

deixar claro que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei

ou que não há crime sem prévia lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal

(sentidos amplo e estrito, respectivamente).363

3.6.3 Princípio da irretroatividade da lei penal

O presente princípio pode ser encontrado no artigo 5º, inciso XL, da Constituição

Federal e, também, no artigo 2º do Código Penal, sendo que tal norma penal prevê dois

princípios que regem conflitos eventuais de leis penais no tempo: irretroatividade da lei mais

severa (lex gravior) e retroatividade da lei mais benigna (lex mitior).364

Em decorrência do princípio da irretroatividade da lei penal in pejus, pode-se

afirmar que “a lei posterior que de qualquer modo vier a prejudicar o agente não terá

aplicação retroativa, ou seja, não poderá alcançar os fatos ocorridos anteriormente à sua

entrada em vigor”.365

Quando se tratar de lei penal mais benéfica, esta “pode voltar no tempo para

favorecer o agente, ainda que o fato tenha sido decidido por sentença condenatória transitada

em julgado”.366

Este princípio tem o claro sentido de

[...] a) impedir que alguém seja apenado por um fato que na época de seu cometimento não era delito nem era punível ou perseguível; b) proibir que seja aplicada a quem cometer um delito uma pena mais pesada que a legalmente prevista na época de seu cometimento.367

362 ZAFFARONI, E. Raúl et al. Direito penal brasileiro: teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan. v. 1. 2003. p. 203. 363 NUCCI, 2007, p. 91. 364 MORAES, 2005, p. 316. 365 GRECO, 2008, p. 119. 366 NUCCI, op. cit., p. 68. 367 ZAFFARONI, op. cit., p. 213.

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Portanto, a regra geral no direito pátrio é a aplicação da lei vigente á época dos

fatos (tempus regit actum). Admite-se, todavia, a retroatividade da lei penal mais benigna,

quando da ocorrência da prática de delito por agente.368

3.6.4 Princípio da imediata comunicação da prisão

Lavrado o auto de prisão, esta deve ser imediatamente comunicada à autoridade

competente, para que haja o exame de sua legalidade. Sendo legal, haverá um exame da

possibilidade de concessão de liberdade provisória.369

Tal mandamento está no inciso LXII do artigo 5º da Constituição: “a prisão de

qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz

competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.370

Ainda, conforme o inciso LXII, deverá a família do preso ser comunicada acerca

da prisão, dentre outros direitos assegurados a ele, quais sejam:

a) respeito à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX);371

b) asseguram-se às presidiárias condições para que possam permanecer com seus

filhos durante o período que irão amamentar (artigo 5º, inciso L);372

c) informação ao preso de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,

sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (artigo 5º, inciso LXIII);373

d) identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo interrogatório policial (artigo

5º, inciso LXIV).374

O texto constitucional alemão, sobre a garantia da imediata comunicação do local

onde o preso se encontra, ao juiz competente e aos familiares, estabelece que

[...] aquele que for preso em razão de suspeita de prática de delito há de ser apresentado ao juiz no dia da prisão, devendo a autoridade judicial comunicá-lo sobre os motivos da prisão, ouvi-lo e oferecer-lhe oportunidade de apresentar

368 MORAES, 2005, p. 316. 369 BONFIM, 2009, p. 412. 370 BRASIL, 1988. Acesso em: 29 set. 2009. 371 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 625. 372 LENZA, loc. cit. 373 Ibid., p. 626. 374 LENZA, loc. cit.

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objeções. O juiz deverá expedir de imediato uma ordem de prisão ou determinar o seu relaxamento (LF, art. 104, 3).375

Cabe acentuar que

A comunicação imediata da prisão ao juiz competente e aos familiares da pessoa indicada pelo preso consiste em verdadeira garantia de liberdade, pois dela dependem outras garantias expressamente previstas no texto constitucional, como a análise da ocorrência ou não das hipóteses permissivas para a prisão (inc. LXI – “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”), como a possibilidade de relaxamento por sua ilegalidade (inc. LXV – “prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”), ou, nos casos de legalidade, se possível for, a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança (inc. LXVI – “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”). Dessa forma, a comunicação deve ser feita no mínimo tempo possível, sendo de manifesta inconstitucionalidade a fixação de prazos infraconstitucionais que ignorem a imediata comunicação.376

Quanto à indagação sobre o descumprimento desta medida, alguns decisórios de

diversos tribunais têm sido no sentido de que acarreta a nulidade da prisão. O Superior

Tribunal de Justiça tem entendido que seria um ilícito administrativo inidôneo para repercutir

sobre a legalidade da prisão. Todavia, conforme doutrina germânica, a solução mais adequada

seria o relaxamento da prisão, eis que o não-cumprimento de preceito constitucional é uma

violação explícita e deve ser devidamente sancionada.377

Outra corrente seria a da responsabilização da autoridade policial omissa, não

acarretando a nulidade da prisão, desde que esta tenha sido efetuada nos moldes do

ordenamento jurídico.378

3.6.5 Princípio do direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo

interrogatório policial

Tem-se, aqui, “não só o reconhecimento de um direito formal, mas também uma

medida instrumental destinada a assegurar a integridade física e moral do preso”.379

375 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 634. 376 MORAES, 2005, p. 409. 377 BRANCO; COELHO; MENDES, loc. cit. 378 MORAES, loc. cit. 379 BRANCO; COELHO; MENDES, op. cit., p. 640.

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Este princípio repousa no inciso LXIV do artigo 5º da Constituição, que estatui o

seguinte: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu

interrogatório policial”.380

Salles Júnior, sobre o assunto, aclara:

Especificamente, no ato do interrogatório policial, tem o preso direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório (LXIV). É evidente que a norma constitucional dirige-se a prevenir prisões arbitrárias, bem como interrogatórios com emprego de métodos condenáveis, como a tortura. Em última análise, fica garantida a identificação daquele que procedeu ao interrogatório ou à prisão, para o caso de eventual apuração de ilícito nessa prática.381

Ora, esta garantia tem o claro propósito de “facilitar ao preso meios para uma

eventual responsabilização por abuso de poder dos responsáveis por sua prisão ou por seu

interrogatório policial”.382

3.6.6 Princípio do relaxamento da prisão ilegal

No inciso LXV do artigo 5º da Constituição, temos que “a prisão ilegal será

imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.383

Este inciso versa sobre o relaxamento de prisão, que se dá

[...] quando a prisão é ilegal, decretada ao arrepio da lei, não tendo sido observadas as formalidades exigidas em lei, ou quando, apesar da prisão ser legal a princípio, se torna ilegal, como é o caso do excesso de prazo, sabido, como expusemos alhures, que todo o procedimento penal tem um prazo para se findar, [...].384

Quanto à natureza do relaxamento de prisão ilegal, sabe-se que não tem “[...]

natureza de uma cautelar ou contracautela, sendo, antes de tudo, o relaxamento de prisão, um

380 BRASIL, 1988. Acesso em: 29 set. 2009. 381 SALLES JR., Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal: indagações, doutrina, jurisprudência e prática. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 61. 382 BITTENCOURT, João Alexandre Netto. Investigação preliminar: polícia judiciária ou ministério público. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6188>. Acesso em: 29 set. 2009. 383 BRASIL, loc. cit. 384 LIMA, 2009, p. 586.

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direito do réu a ser observado pelo juiz, inclusive de ofício, pois sendo a prisão ilegal, trata-se

de verdadeiro constrangimento estatal dirigido ao agente”.385

Pode-se dizer que prisão ilegal

[...] é toda a restrição da liberdade de locomoção do indivíduo, contrária ao Direito ou sem observância das normas vigentes. A ilegalidade, considerada isoladamente, podemos conceituar como sendo a prática de um ato sem os requisitos dos preceitos legais necessários para que o mesmo seja válido. Dessa forma, efetuada qualquer prisão sem que seja observado o ordenamento jurídico vigente, a mesma tornar-se-á ilegal, e, como bem anota Mossin, podendo traduzir-se numa flagrante arbitrariedade se for efetuada com excesso de autoridade, ou decorrer da prática de ato abusivo ou não permitido pela lei.386

Referentemente ao pedido de relaxamento da prisão ilegal, este

[...] decorre da ampla garantia constitucional do direito de petição, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, “a”, e que pode ser exercido junto aos Poderes Públicos “em defesa de direitos, contra ilegalidades ou abuso de poder”. O pedido de relaxamento da prisão ilegal, sendo a concretização ou uma das formas de instrumentalização do direito de petição, não poderá ser condicionado a formalidades descabidas, notadamente de natureza processual, como às vezes ocorre com o “Habeas Corpus”.387

Ainda, o relaxamento é possível em qualquer tipo de prisão cautelar e, caso o

magistrado não relaxe a prisão ilegal, a via será o habeas corpus, para que a coação ilegal seja

sanada (artigo 648 do Código de Processo Penal). Também, a autoridade policial, caso

verifique que, pelas provas colhidas, for o caso de o réu livrar-se solto, poderá relaxar a prisão

do agente, antes mesmo do juiz, consoante dispõe o artigo 304, § 1º, do Código Processual

Penal.388

Cabe lembrar que “a liberdade provisória não se confunde com o relaxamento da

prisão. Embora ambas se refiram à prisão em flagrante, na liberdade provisória a prisão é

legal, mas desnecessária. Já no caso do relaxamento, a prisão é ilegal”.389

385 LIMA, 2009, p. 587. 386 ALMEIDA, Arnaldo Quirino de. Relaxamento da prisão ilegal. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/10253/9818>. Acesso em: 29 set. 2009. 387 ALMEIDA, loc. cit. 388 LIMA, loc. cit. 389 BONFIM, 2009, p. 413.

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3.6.7 Princípio da liberdade provisória

Como conceito de liberdade provisória, podemos citar que

Trata-se de instituto processual que garante ao acusado o direito de aguardar em liberdade o transcorrer do processo até o trânsito em julgado, vinculado ou não a certas obrigações, podendo ser revogado a qualquer tempo, diante do descumprimento das condições impostas.390

Tourinho Filho aponta que a liberdade provisória

É medida intermediária entre a prisão provisória e a liberdade completa, vale dizer, antes de ser definitivamente julgado, aquele que comete infração penal não fica preso e tampouco desfruta da inteira liberdade. Ele assume uma série de compromissos que, de certa forma, privam-no de uma total liberdade. Concluído o processo e absolvido por sentença trânsita em julgado, desfazem-se os compromissos e sua liberdade torna-se completa.391

Relativamente às hipóteses enumeradas pelo Código de Processo Penal, há a

liberdade provisória

[...] vinculada sem fiança (art. 310, parágrafo único do CPP); a liberdade provisória vinculada sem fiança em caso de pobreza (art. 350 do CPP); a liberdade provisória sem fiança e sem vinculação (art. 321 do CPP) – que entendemos ser definitiva e não provisória; liberdade provisória mediante fiança (arts. 322 e 323, ambos do CPP); e a liberdade provisória sem fiança e sem vinculação (art. 408, § 2º, do CPP).392

Como é cediço, a prisão do acusado antes do trânsito em julgado da sentença

condenatória é um mal e “[...] o direito objetivo tem procurado estabelecer institutos e

medidas que assegurem o desenvolvimento regular do processo com a presença do imputado

sem o sacrifício da custódia, que só deve ocorrer em casos de absoluta necessidade”.393

Portanto, o direito fundamental da liberdade de locomoção em todo o território

nacional é a regra em nosso ordenamento jurídico pátrio, sendo que a exceção é a privação

deste direito, nos termos da lei.394

390 CAPEZ; COLNAGO, 2009, p. 138. 391 TOURINHO FILHO, 2009, p. 649. 392 RANGEL, 2008, p. 727-728. 393 MIRABETE, 2007, p. 408. 394 RANGEL, op. cit., p. 727.

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No que tange ao direito de liberdade, há o princípio do devido processo legal, já

anteriormente estudado, princípio este que afirma que para que “haja a privação desta

liberdade, como a própria Constituição diz, a lei tem que estabelecer os casos em que isto será

possível. Do contrário, haverá flagrante ilegalidade no ato de constrição”.395

Assim, a Constituição assegura que “ninguém será levado à prisão ou nela

mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.396 (artigo 5º, inciso

LXVI).

3.6.8 Princípio da jurisdição constitucional das liberdades – habeas corpus e mandado de

segurança

O habeas corpus é uma proteção especial oferecida pelo sistema constitucional

brasileiro e está presente nos incisos LXVIII397 e LXXVII398 do artigo 5º. Ainda, pode-se

mencionar os artigos 647 e seguintes, no Código de Processo Penal.

A expressão habeas corpus

[...] significa exiba o corpo, apresente a pessoa que está sofrendo ilegalidade na sua liberdade de locomoção. Habeas, do verbo habeo, habes, habui, habitum, habere, que significa ter, possuir, apresentar, e corpus (corpus, oris), que se traduz por corpo ou pessoa. A expressão “writ of habeas corpus”: ordem para apresentar a pessoa que está sofrendo o constrangimento.399

O habeas corpus é uma garantia constitucional, obtida por meio de um processo.

É um remedium juris, que tem o escopo de tutelar a liberdade de locomoção e o direito de ir e

vir, de maneira imediata. Trata-se de uma verdadeira ação, sendo que qualquer pessoa tem

legitimidade para impetrar o habeas corpus.400

O impetrante é o autor da ação constitucional de habeas corpus; o paciente é o

indivíduo em favor do qual se impetra (podendo ser o próprio impetrante); já a autoridade

395 RANGEL, 2008, p. 727. 396 BRASIL, 1988. Acesso em: 29 set. 2009. 397 Art. 5º. [...] LXVIII - conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. 398 Art. 5º. [...] LXXVII - são gratuitas as ações de “habeas-corpus” e “habeas-data”, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. 399 TOURINHO FILHO, 2009, p. 901. 400 Ibid., p. 907.

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coatora (ou impetrado) seria a autoridade que pratica ilegalidade ou abuso de poder. Por força

do disposto no inciso LXXVII do artigo 5º da Constituição, esta ação pode ser formulada sem

advogado e não tem que obedecer qualquer formalidade processual ou instrumental. Quanto

ao órgão competente para apreciar a ação, será determinado conforme a autoridade coatora,

respeitando o previsto na Constituição.401

No que tange às espécies, tem-se o habeas corpus preventivo e o

liberatório/repressivo. O primeiro ocorre quando alguém se achar ameaçado de sofrer

violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Neste caso, a

restrição à locomoção ainda não se consumou. O segundo quer dizer que a constrição ao

direito de locomoção já se consumou, impetrando-se a ação para que cesse referida coação.402

Esta ação não pode ser utilizada

[...] para a correção de qualquer inidoneidade que não implique coação ou iminência de coação à liberdade de ir e vir, assim, por exemplo, não caberá habeas corpus para questionar pena pecuniária (Súmula STF 693) ou quando já extinta a pena privativa de liberdade (Súmula STF 695).403

Com relação ao mandado de segurança, este é assegurado pela Constituição, em

seu artigo 5º, inciso LXIX. O mandado de segurança é criação brasileira e “é uma ação

constitucional de natureza civil, qualquer que seja a natureza do ato impugnado, seja ele

administrativo, seja ele jurisdicional, criminal, eleitoral, trabalhista etc”.404

O constituinte de 1988 afirma que o mandado de segurança será concedido para

“proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando

o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa

jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.405 (artigo 5º, inciso LXIX). Direito

líquido e certo é aquele que “pode ser demonstrado de plano mediante prova pré-constituída,

sem a necessidade de dilação probatória”.406 Ainda, é o que “resulta de fato certo, ou seja, é

aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca”.407

401 LENZA, 2008, p. 641. 402 Ibid., p. 643. 403 MORAES, 2005, p. 2599. 404 LENZA, op. cit., p. 644. 405 BRASIL, 1988. Acesso em: 30 set. 2009. 406 LENZA, op. cit., p. 646. 407 MORAES, op. cit., p. 2494.

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Cabe lembrar que a doutrina, em relação a esta terminologia empregada pela

Constituição Federal, afirma que o direito “é sempre líquido e certo. A caracterização da

imprecisão e incerteza recai sobre os fatos que necessitam de comprovação”.408

O impetrante é aquele detentor de direito líquido e certo: pessoa física, pessoa

jurídica, agentes políticos, o Ministério Público, etc. O impetrado é a autoridade coatora, ou

seja, a responsável pela ilegalidade ou abuso de poder, senão autoridade política ou agente de

pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.409

Quanto à competência para processar e julgar o mandado de segurança, esta

“dependerá da categoria da autoridade coatora e sua sede funcional, sendo definida nas leis

infraconstitucionais, bem como na própria CF”.410

O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que esses possam se

defender de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, sendo assim um verdadeiro

instrumento de liberdade civil e política. Ele pode ser repressivo, isto é, quando uma

ilegalidade já foi cometida; ou preventivo, quando o impetrante demonstrar justo receio de

sofrer uma violação de direito líquido e certo por parte da autoridade coatora. Neste, há a

necessidade de comprovar a grave ameaça no momento da impetração, não basta o simples

receio de lesão, subjetivamente analisado pelo titular do direito. Naquele, o pedido deve ser

no sentido de desconstituição do ato cuja consumação se pretende evitar.411

408 MORAES, 2005, p. 2494. 409 LENZA, 2008, p. 647. 410 LENZA, loc. cit. 411 MORAES, op. cit., p. 2496-2497.

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4 A PRISÃO PREVENTIVA NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECORRÍVEL

Inúmeros expoentes da cultura contemporânea vêm divulgando as mazelas da

sociedade hodierna. Em alguns campos, não há consenso lógico sobre as suas verdadeiras

causas, como por exemplo, quanto à exacerbada violência e vertiginoso incremento da

criminalidade. Todavia, muito embora não se tenha atingido o ápice da pirâmide causal,

doutrinadores e juristas vinham propalando a necessidade de urgentes reformas incidentes

sobre o diploma pátrio legal regente dos procedimentos e da aplicabilidade de normas

processuais penais.

Neste particular merecem ênfase, dentre muitas outras, as premissas elencadas

pelo Dr. Rômulo de Andrade Moreira, o qual acentua:

O nosso Código de Processo Penal é do ano de 1941 e ao longo desse período poucas alterações sofreu em que pese serem evidentes as mudanças sociais ocorridas no País e tendo em vista a nova ordem constitucional vigente. [...] À época tínhamos em cada Estado da Federação um Código de Processo Penal, pois desde a Constituição Republicana a unidade do sistema processual penal brasileiro fora cindida, cabendo a cada Estado da Federação a competência para legislar sobre processo, civil e penal, além da sua organização judiciária. [...] Até que em 03 de outubro de 1941 promulgou-se o Decreto-Lei nº. 3.689, que entraria em vigor a partir de 1º. de janeiro do ano seguinte; para resolver principalmente questões de natureza de direito intertemporal, promulgou-se, também, o Decreto-Lei nº. 3.931/41, a Lei de Introdução ao Código de Processo Penal. [...] Este Código, elaborado, portanto, sob a égide e “os influxos autoritários do Estado Novo”, decididamente não é, como já não era “um estatuto moderno, à altura das reais necessidades de nossa Justiça Criminal”, como dizia Frederico Marques. [...] Assim, se o velho Código de Processo Penal teve a vantagem de proporcionar a homogeneidade do processo penal brasileiro, trouxe consigo, até por questões históricas, o ranço de um regime totalitário e contaminado pelo fascismo, [...].412

Foram feitas diversas alterações e modificações no Código de Processo Penal,

[...] seja no próprio texto consolidado, seja por intermédio de leis esparsas, nada mais foi feito para modernizar o nosso diploma processual penal, mesmo após a nova ordem constitucional consagrada pela promulgação da Carta Política de 1988. E, assim, o atual código continua com os vícios de 60 anos atrás, maculando em muitos dos seus dispositivos o sistema acusatório, não tutelando satisfatoriamente direitos e garantias fundamentais do acusado (vide o seu art. 594, a título de exemplo), olvidando-se da vítima, refém de um excessivo formalismo (que chega a lembrar o velho procedimentalismo), assistemático e confuso em alguns dos seus títulos e capítulos (bastando citar a disciplina das nulidades). Destarte, podemos

412 MOREIRA, Rômulo de Andrade. A reforma do código de processo penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2572>. Acesso em: 30 set. 2009.

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apontar como finalidades precípuas desta reforma que ora se avizinha a modernização do velho código e a sua adaptação ao modelo acusatório, com os seus consectários lógicos, tais como a distinção nítida entre o julgador, o acusador e o acusado, a publicidade, a oralidade, o contraditório, etc.413

Este clamor encontra ressonância em vários juristas e também na acepção de

excepcionais mestres do Direito Processual Penal. Ocorre que nem sempre as reformas

preenchem as lacunas e espaços silentes, deixando fendas e obscuridade que dificultam a

hermenêutica e ferem o verdadeiro sentido da lei.

Tanto assim é que, citando o insigne mestre José Frederico Marques, Rômulo

Andrade vaticina:

[...] Comentando a respeito do Título que trata das nulidades no processo penal, o saudoso Frederico Marques adverte que “não primou pela clareza o legislador pátrio, ao disciplinar o problema das nulidades processuais penais, pois os respectivos artigos estão prenhes de incongruências, repetições e regras obscuras, que tornam difícil a sistematização coerente de tão importante instituto. [...] Ainda aqui, dá-nos mostra o CPP dos grandes defeitos de técnica e falta de sistematização que pululam em todos os seus diversos preceitos e normas, tornando bem patente a sua tremenda mediocridade como diploma legislativo”.414

Pressionadas por este panorama negativo e cedendo às inúmeras críticas de que

O nosso País tem se caracterizado na área das reformas legislativas em matéria criminal pela descontinuidade dos projetos que são apresentados por um Governo e rejeitados por outro, além dos fenômenos da legislação de conjuntura e da legislação de pânico produzidas pelo Congresso Nacional, em momentos mais expressivos do Direito Penal simbólico.415

Soma-se a isso o fato de que o CPP brasileiro vinha sendo duramente contestado,

em especial porque seu texto, além de obsoleto, era originário de ditames constitucionais

outorgados e tinham por escopo resolver a problemática repressiva criminal mediante o uso

abusivo da cominação de “penas”, as reformas aconteceram.

Acredita-se, porém, que os reformadores se inspiraram não somente na

insatisfação proclamada, mas também em ideais e princípios mais intrínsecos e filosóficos,

como, por exemplo, no sentido e nos primados da verdadeira justiça, brilhantemente

expressos por Hans Kelsen, os quais, por analogia, podem ser aplicados às leis penais:

413 MOREIRA, 2009. Acesso em: 30 set. 2009. 414 MARQUES, 1998 apud MOREIRA, loc. cit. 415 DOTTI, René Ariel. Um novo e democrático tribunal do júri (I). Disponível em: <http://www.dottieadvogados.com.br/brev150608.html>. Acesso em: 30 set. 2009.

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Abri este ensaio com a pergunta “o que é a justiça?”. Agora, chegando ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única desculpa é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria sido muita pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito onde falharam os pensadores mais ilustres. Por conseguinte, não sei, nem posso dizer o que é justiça, a justiça absoluta que a humanidade está buscando. Devo contentar-me com uma justiça relativa e só posso dizer que é a justiça para mim. Uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, a justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. A ‘minha’ justiça, portanto, é a justiça da liberdade, a justiça da democracia: em suma, a justiça da tolerância.416

O inconformismo e as críticas sobre o modelo arcaico penalista processual

brasileiro surtiram resultados. E culminou por desencadear reformas no respectivo Codex, em

especial pela edição das Leis nºs 11.689, de 09 de junho de 2008, 11.690, de 09 de junho de

2008, e 11.719, de 20 de junho de 2008, que conferiram substanciais mudanças neste

ordenamento jurídico, podendo-se asseverar que se procedeu uma verdadeira reforma na

processualística penal pátria.

Por ser parte integrante do estudo da presente pesquisa, analisar-se-á a inovação

introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n° 11.719/2008, mais especificadamente no

parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal, o qual afirma que “o juiz decidirá,

fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou

de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser

interposta”.417

Observa-se, portanto, que o texto deste parágrafo é sucinto, mas, intrinsecamente,

se correlaciona a alguns princípios de substancial importância, quais sejam: a necessidade de

fundamentação do decreto de prisão preventiva na sentença penal condenatória, o da

presunção da inocência e do direito de apelar em liberdade.

4.1 A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO

PREVENTIVA SOB A ÉGIDE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 387 DO CÓDIGO

DE PROCESSO PENAL

Já se estudou, no capítulo anterior, o caráter excepcional do qual se reveste a

prisão preventiva, a demonstração da extrema necessidade para sua aplicação e as condições

416 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 165-167. 417 BRASIL, 1941. Acesso em: 30 set. 2009.

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em que são possíveis utilizá-la. Com isso, quando do decreto da medida, é imprescindível que

o julgador verifique a existência desses elementos e constate se efetivamente estão

preenchidos os pressupostos e os fundamentos da referida prisão, enumerados no artigo 312

do Código de Processo Penal, os quais, consoante já destacado, representam, respectivamente,

o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Com o advento da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que reformou o

parágrafo único do artigo 387, não mais se discute sobre a natureza jurídica da prisão imposta

na sentença penal condenatória recorrível. Antes, sustentava-se que era uma execução

provisória da pena.418

Com a nova redação, a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível

viabiliza-se num momento em que ainda não existe o trânsito em julgado e, por conseguinte, é

uma prisão provisória, contendo natureza cautelar, exigindo-se a necessidade cautelar –

presença do fumus boni iuris e o periculum in mora – para que seja constitucional e

legalmente justificada.419

O artigo 393, inciso I, do Codex em comento, diz que o efeito da sentença é “ser o

réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis

enquanto não prestar fiança”. Diante da reforma processual de 2008, entende Paulo Rangel

que o efeito da prisão que estabelece o artigo 393 não mais subsiste. A reforma foi parcial,

pois se olvidou de “modificar o art. 393, retirando da sentença esse efeito de levar o réu à

prisão pelo simples fato de ter sido condenado”.420

Nesta linha, a prisão no momento da sentença penal condenatória recorrível será

imposta preventivamente e só é cabível quando os pressupostos e motivos que a autorizam

estiverem claros e evidentes. Desaparece, consequentemente, a antiga execução provisória da

pena421, como era chamada a prisão decorrente da sentença condenatória penal recorrível,

pois, nitidamente, antecipava os efeitos da pena, já que não possuía os mesmos pressupostos

da prisão cautelar.422

O novo parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal é um avanço

para o Direito, eis que mesmo que o réu esteja preso durante o processo, deve o magistrado

fundamentar a manutenção de sua prisão, ou se for o caso, a decretação da prisão preventiva

418 RANGEL, 2008, p. 707. 419 FEITOZA, 2008, p. 268-269. 420 RANGEL, loc. cit. 421 RANGEL, loc. cit. 422 LIMA, 2009, p. 577.

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se estiver solto. A sentença penal condenatória deve, necessariamente, ter alicerce cautelar

para que acarrete a prisão do réu.423

É exatamente neste sentido que

[...] a reforma determina que deve o juiz analisar, ao proferir a sentença condenatória, se há necessidade – mantendo ou decretando a prisão nesta situação – ou não – neste caso, liberando-se o acusado ou concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade – da prisão preventiva ou de outra medida cautelar. Se estiverem presentes os pressupostos, fundamentos e requisitos de admissibilidade da prisão preventiva, deve o juiz decretá-la ou mantê-la. Do contrário, deve o réu permanecer em liberdade, enquanto aguarda o julgamento de seu recurso.424

Com a reforma, o legislador

[...] mandou um recado direto para os magistrados do país: mesmo a manutenção da cautelaridade da prisão decorrente de sentença condenatória recorrível precisa ser faticamente fundamentada. Faticamente pois não basta repetir o que diz a regra do art. 312 do CPP que cuida da prisão preventiva. [...] Não mais se admite que magistrados tenham preguiça na hora de fundamentar suas decisões e utilizem, exclusivamente, a redação pronta do art. 312 do CPP. Além da obrigatoriedade constitucional da fundamentação (art. 93, IX da CF), a regra prevista em abstrato deve encontrar respaldo fático compatível com a necessidade de fugir à regra, que é a liberdade.425

Deverá o julgador fundamentar, cautelarmente,

[...] conforme o caso, tanto a ordem de prisão quanto a manutenção da prisão, segundo os “requisitos” da prisão preventiva (art. 312, CPP). O fundamento cautelar da “conveniência da instrução criminal” não é mais cabível, pois a instrução já foi encerrada. [...] A sentença penal condenatória não poderá acarretar, “automaticamente”, a prisão do réu, nem do ponto de vista do texto legal.426

Impende frisar que a diferença entre a prisão decretada na sentença condenatória e

a decretada na instrução criminal ou durante a fase da instrução criminal é que o “fumus

comissi delicti já estará presente com a sentença proferida, necessitando-se, com o advento da

condenação, só do exame do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do CPP”.

Sendo assim, quanto ao momento da decretação da prisão, tramita no Congresso o

Projeto de Lei nº 4.208/2001, que trata da mudança do artigo 311 do Código de Processo

423 FEITOZA, 2008, p. 308. 424 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do código de processo penal: comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 240. 425 SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma processual penal de 2008: lei 11.719/2008, procedimentos penais: lei 11.690/2008, provas: lei 11.689/2008, júri: comentadas artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 31. 426 FEITOZA, op. cit., p. 267-268.

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Penal, para que assim fique redigido: “Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou

do processo penal, caberá a prisão preventiva [...]”427, adaptando-se à nova redação do

parágrafo único do artigo 387.

Para Eugênio Pacelli, “fica revogado, em parte (derrogação), o art. 311, CPP,

relativamente à vedação de decretação de prisão preventiva após a instrução criminal”.428

Sobre a expressão “outra medida cautelar”, o legislador faz menção a ela, no

mesmo Projeto de Lei nº 4.208/2001, que dispõe sobre outras medidas cautelares restritivas,

além da prisão.429

Esta inovação adaptou-se à Constituição Federal e, especialmente, ao princípio da

presunção de inocência, o qual será detalhado, dentre outros, em seção posterior,

individualmente.

4.2 A POSSIBILIDADE DE APELAR EM LIBERDADE

A inovação trazida pela Lei nº 11.719/2008 no parágrafo único do artigo 387 do

Código Processual Penal trouxe consigo a revogação automática do artigo 594 do mesmo

Código. O referido artigo assim dispunha acerca do direito de recorrer do acusado: “O réu não

poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons

antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se

livre solto”.430

No passado, se o acusado não se recolhesse à prisão, este perdia o direito de

recorrer e seu recurso não era conhecido. Evidentemente, a exigência do recolhimento à

prisão para obter o direito de recorrer configurava explícita violação à ampla defesa e à

paridade de armas.431

Paulo Rangel disserta acerca da situação anterior:

427 BRASIL. Projeto de Lei nº 4.208, de 2001. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/PL/2001/msg214-010308.htm>. Acesso em: 02 out. 2009. [sem grifos nos originais]. 428 OLIVEIRA, 2009, p. 467. 429 MENDONÇA, 2009, p. 240. 430 BRASIL, 1941. Acesso em: 01 out. 2009. 431 MENDONÇA, op. cit., p. 241.

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Alguns doutrinadores entendiam que este artigo encontrava-se revogado em face do princípio da presunção de inocência, pois não se podia exigir o recolhimento à prisão de quem ainda não tinha contra si trânsito em julgado. Pois bem. Tínhamos que investigar, primeiro, o que dizia realmente o legislador constituinte, pois a lei ordinária deve ser interpretada de acordo com a Constituição e não vice-versa. A Constituição não impedia que o Estado-juiz, havendo necessidade, determinasse, mediante decisão fundamentada (cf. art. 93, IX, da CRFB), o recolhimento do réu à prisão e, ainda, respeitando o procedimento expresso em lei. Não. Inconstitucional não era a exigência do recolhimento à prisão do condenado, mas sim o não-recebimento de seu recurso sob a condição de só o receber se se recolher à prisão.432

Já asseverava Antonio Scarance Fernandes que “fica mais patente a

inconstitucionalidade do art. 594 quando se verifica que constitui, na realidade, cláusula de

impedimento ao direito de recorrer, cerceando o acesso ao segundo grau”.433

Com a reforma processual, eventual prisão provisória não pode condicionar o

direito de recorrer, isto é, o réu poderá apelar sem se recolher ao cárcere ou prestar fiança.434

Ainda, com a revogação expressa do artigo 594 do Código de Processo Penal,

pelo artigo 3º da Lei 11.719/2008,

[...] não há mais que se cogitar da exigência ou não primariedade e de inexistência de maus antecedentes do acusado, uma vez que, [...] ao prolatar a sentença condenatória o juiz deverá, de forma fundamentada, decidir se mantém ou não a prisão preventiva ou em flagrante delito (frise-se que a lei se refere à prisão preventiva ou outra medida cautelar), isto se o acusado já estiver preso provisoriamente, e caso contrário, ou seja, se o acusado, agora condenado, estiver solto quando da prolação da sentença, estabelece o dispositivo que devera o juiz decidir se decreta ou não a prisão preventiva.435

É claro, pois, segundo o constituinte de 1988, não é possível admitir restrições ao

direito de recorrer, nos termos do artigo 7º, item 6, da Convenção Americana sobre os

Direitos Humanos. Neste sentido, foi editada a Súmula 347 no Superior Tribunal de Justiça:

“O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

E justamente

Para sepultar qualquer tentativa inquisitorial de valer-se da hermenêutica como forma de burlar a letra da lei, o final do parágrafo único deixa bem clara a opção legislativa: sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. Trata-se, por fim, da derrubada de outro provérbio jurídico que busca a generalização para facilitar a vida dos que decidem e desrespeitam a análise individualizada que cada caso – por estarmos tratando de critérios concretos e fáticos, e não abstratos – merece. Não se pode mais falar em: réu que responde processo preso, recorrerá preso após a sentença condenatória. Se os motivos que

432 RANGEL, 2008, p. 05. [grifos originais]. 433 FERNANDES, 2007, p. 344. 434 FEITOZA, 2008, p. 308. 435 LIMA, 2009, p. 580.

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justificavam a prisão cautelar encerraram, ao réu deve ser dada a oportunidade de recorrer em liberdade.436

Portanto, com a nova legislação, dúvidas não restam de que o conhecimento do

recurso de apelação não depende do recolhimento à prisão ou mesmo de prestação de

fiança437, mesmo porque, nesta fase do processo, o réu ainda é, de acordo com a Constituição,

presumido como inocente.

4.3 A APLICAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA SOB A LUZ DOS PRINCÍPIOS DO

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

O parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal trouxe consigo

elementais princípios, os quais devem ser rigorosamente respeitados e que serão analisados

particularmente, eis que possuem importância única no Direito.

4.3.1 Princípio do estado de inocência, da presunção de inocência ou princípio da não-

culpabilidade

O fundamento legal deste princípio pode ser encontrado no inciso LVII da

Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória”438 e, para Tourinho Filho, “nada mais representa que o

coroamento do due processo of law”.439

Consiste em assegurar, ao imputado, o “direito de ser considerado inocente até

que sentença penal condenatória venha a transitar formalmente em julgado, sobrevindo, então,

a coisa julgada de autoridade relativa”.440

436 SILVA, 2008, p. 31. 437 MENDONÇA, 2009, p. 241. 438 BRASIL, 1988. Acesso em: 21 set. 2009. 439 TOURINHO FILHO, 2009, p. 29. 440 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 379.

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Pode-se dizer, também, que este princípio “impede a outorga de conseqüências

jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do trânsito em julgado da sentença

criminal”.441

Ao analisar a expressão “presunção de inocência”, Edílson Bonfim ensina que

[...] é de utilização vulgar, já que não é tecnicamente correta. É verdade. Presunção, em sentido técnico, é o nome da operação lógico-dedutiva que liga um fato provado (um indício) a outro probando, ou seja, é o nome jurídico para descrição justamente desse liame entre ambos. No caso, o que se tem mais propriamente é a consagração de um princípio de não-culpabilidade, ate porque a Constituição Federal (art. 5º, LVII), não afirma presumir uma inocência, mas sim garantir que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII). Assim, o princípio em questão alberga uma garantia constitucional, referindo-se, pois, a um “estado de inocência” ou de “não culpabilidade”: vale dizer, ninguém pode ser reputado culpado até que transite em julgado sentença penal condenatória.442

Ainda sobre a terminologia da expressão:

O princípio da inocência, cuja origem mais significativa pode ser referida à Revolução Francesa e à queda do Absolutismo, sob a rubrica da presunção de inocência, recebeu tratamento distinto por parte de nosso constituinte de 1988. A nossa Constituição, com efeito, não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou da persecução penal, abrangendo, assim, tanto a fase investigatória (fase pré-processual) quanto a fase processual propriamente dita (ação penal).443

Ou seja, “o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu

estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado”.444 Ou, ainda,

O magistrado, ao condenar, presume a culpa; ao absolver, presume a inocência, presunção esta juris tantum, pois o recurso interposto desta decisão fica sujeito a uma condição (evento futuro e incerto), qual seja a reforma (ou não) da sentença pelo tribunal.445

Este princípio teve como marco inicial o

[...] final do século XVIII, em pleno Iluminismo, quando, na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema processual penal inquisitório, de base romano-canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. Surgiu a necessidade de se

441 BRANCO; COELHO; MENDES, 2007, p. 596. 442 BONFIM, 2009, p. 45. 443 OLIVEIRA, 2009, p. 431-432. [grifos originais]. 444 MIRABETE, 2007, p. 23. 445 RANGEL, 2008, p. 25.

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proteger o cidadão do arbítrio do Estado que, a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como regra, culpado. Com a eclosão da Revolução Francesa, nasce o diploma marco dos direitos e garantias fundamentais do homem: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Nesta, fica consignado em seu art. 9º, que: Todo homem é considerado inocente, até ao momento em que,

reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo rigor

desnecessário, empregado para efetuar, deve ser severamente reprimido pela lei.446

Em decorrência deste princípio, pode-se concluir que

(a) a restrição à liberdade do acusado antes da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, de necessidade ou de conveniência, segundo estabelece a lei processual; (b) o réu não tem o dever de provar sua inocência; cabe ao acusador comprovar a sua culpa; (c) para condenar o acusado, o juiz deve ter a convicção de que é ele responsável pelo delito, bastando, para a absolvição, a dúvida a respeito da sua culpa (in dubio pro reo).447

Também decorre deste princípio a excepcionalidade de qualquer prisão

processual. Por isto, o decreto de prisão cautelar, sem a prova cabal da culpa, só pode ser

admitido quando presentes elementos que justifiquem a necessidade desta medida.448

Assim, uma vez que cabalmente demonstrados os requisitos essenciais para a

decretação da prisão processual, não tem nenhuma interferência este princípio com relação às

hipóteses de prisão cautelar,449 senão vejamos:

A Constituição Federal, a par do princípio da presunção de não culpabilidade, estabelece em outros incisos a excepcionalidade da prisão cautelar (art. 5º, LXI, LXV e LXVI). Assim, a regra é que o réu aguarde o transcurso do processo em liberdade. O art. 5º, LXI, do texto constitucional estatui que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, ressalvados os casos de transgressão militar ou crime militar próprio, definidos em lei. Em consonância com esse dispositivo, o art. 282 do CPP dispõe que, com exceção do flagrante delito, a prisão só será efetuada mediante ordem escrita da autoridade competente, nos casos previstos em lei. Da análise dos dois preceitos se conclui que a prisão somente poderá resultar: a) de flagrante delito; b) de ordem escrita e fundamentada do juiz competente, isto é, mediante mandado de prisão. Além dessas hipóteses, identificam-se algumas situações que, em face de seu caráter absolutamente excepcional, constitucionalmente previstas, justificam a prisão sem ordem legal: a) a prisão durante o estado de defesa (art. 139, § 3º, I) e b) a prisão durante o estado de sítio (art. 139, II). Tais situações, por requererem esforços urgentes no sentido de manter a ordem pública, admitem que a liberdade dos indivíduos seja extraordinariamente limitada até que se retorne à normalidade. Fora dessas hipóteses, a prisão de qualquer indivíduo será inconstitucional.450

446 RANGEL, 2008, p. 24. [grifos originais]. 447 MIRABETE, 2007, p. 23. 448 BONFIM, 2009, p. 46. 449 LIMA, 2009, p. 30. 450 BONFIM, op. cit., p. 398-399.

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Alexandre de Moraes alerta que:

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seus status libertatis. Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.451

Como visto, este princípio não obsta que o legislador adote certas medidas de

caráter cautelar, seja em relação à liberdade do eventual investigado ou denunciado, seja em

relação a seus bens e/ou pertences.452 Com efeito, tem-se a Súmula 9 do Superior Tribunal de

Justiça: “A exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da

presunção de inocência”.

Porém, no campo das prisões provisórias,

O princípio exerce função relevantíssima, ao exigir que toda privação de liberdade antes do trânsito em julgado deva ostentar natureza cautelar, com a imposição de ordem judicial devidamente motivada. Em outras palavras, o estado de inocência (e não a presunção) proíbe a antecipação dos resultados finais do processo, isto é, a prisão, quando não fundada em razoes de extrema necessidade, ligadas à tutela da efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal.453

É um ponto de grande discussão e, não obstante a clareza do preceito, a

interpretação deste princípio tem sido polêmica. Sendo assim, merecem especial destaque as

palavras do Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho:

Outro exemplo do descalabro da situação – e que coloca de joelhos o Direito penal no processo penal – diz respeito à condição lastimável da estrutura material e pessoal de que dispõe a Justiça Criminal. Caberia, nesse passo, uma longa incursão, impossível nos limites destas parcas anotações. De qualquer forma, é imprescindível ter presente, sempre e sempre, em razão dos dados do Ministério da Justiça no final de 2007 que, se bem contado (no Brasil as estatísticas devem sempre ser computadas assim!), 67% dos presos em todo o sistema prisional do país lá estão em face de prisão cautelar, ou seja, prisão de natureza processual e que desafia, mesmo que se não queira, o constitucional princípio da presunção de inocência, mormente em razão da extragrande maioria deles serem das classes menos favorecidas e, assim, sem a Defensoria Pública devidamente implantada (apesar da CR), não se consegue medir o grau de injustiça que se está a praticar. O certo, não obstante tudo o mais que se pode discutir sobre o assunto, é que a prisão cautelar tem-se

451 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 132. 452 BRANCO; COELHO; MENDES, 2007, p. 602. 453 OLIVEIRA, 2009, p. 37.

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colocado, com freqüência anormal, como prisão definitiva, satisfazendo um certo gozo coletivo em determinadas hipóteses, embora sempre inconstitucionais.454

Surgiram duas posições sobre a extensão deste brocardo, quais sejam: a) mais

restritiva, que se refere ao ônus de provar: afirma que não é o acusado que deve provar sua

inocência, mas, sim, o Ministério Público quem deve provar sua culpa; b) mais ampla, que

vincula este princípio ao ônus de provar e à prisão: afirma que qualquer prisão antes do

processo deve ter natureza cautelar e não pode significar antecipação de pena, pois a pena

deve decorrer de sentença condenatória transitada em julgado. Assim, não ocorrerá ofensa ao

lema da presunção de inocência.455

No que concerne à primeira posição:

Incumbe ao acusador demonstrar a pertinência dos fatos que alega, tendo a defesa o ônus de desconstituí-los apenas na hipótese de se fazerem acompanhar da indispensável prova. Por outro lado, jamais poderá o acusado ser constrangido, direta ou indiretamente, a se auto-incriminar. Precisamente por isto consagrou a Carta Política o direito ao silêncio (CF art. 5º, LXIII [...]).456

Cabe frisar, ainda, que não se pode interpretar este princípio ao pé da letra,

literalmente, “do contrário os inquéritos e os processos não seriam toleráveis, posto não ser

possível inquérito ou processo em relação a uma pessoa inocente”.457

O real objetivo deste princípio é de nos fazer enxergar que a prisão provisória

somente se justifica se for indispensável a título de cautela, ou seja, “sendo o homem

presumidamente inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória

implicaria antecipação da pena”,458 sendo que ninguém poderá, antes de ser definitivamente

condenado, ser punido antecipadamente. Mas há uma exceção: se a prisão for indispensável a

título de cautela.459

454 Trecho extraído do prefácio do Prof. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. In: BRANDÃO, Cláudio. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. XXIII. [grifos originais]. 455 FERNANDES, 2007, p. 327-328. 456 BASTOS, 2009. Acesso em: 22 set. 2009. 457 TOURINHO FILHO, 2009, p. 30. 458 TOURINHO FILHO, loc. cit. 459 TOURINHO FILHO, loc. cit.

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4.3.2 Garantia da motivação dos atos decisórios penais

Tem dever inafastável, o agente (juiz ou tribunal) do Poder Judiciário, de motivar

seus atos decisórios. É mediante a motivação que o juiz demonstra como aprendeu os fatos e

sua forma de interpretação da lei.460

A fundamentação “abrange tanto as matérias jurídicas como as de fato, devendo o

juiz examiná-las em todas as circunstâncias juridicamente relevantes”.461

As decisões devidamente fundamentadas podem ser submetidas a um processo de

controle e a uma eventual impugnação. Motivar quer dizer “dar razões pelas quais

determinada decisão há de ser adotada, expor as suas justificações”.462

A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX determina que

[...] todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.463

Sejam os atos decisórios “[...] finais, sejam interlocutórios, devem ser

devidamente fundamentados, representando a falta de fundamentação afronta à garantia da

motivação, e, portanto, causa de nulidade insanável”.464

Assim sendo, quando o ato decisório final, especialmente se condenatório

[...] sem a necessária fundamentação, ou quando esta se apresente contraditória ou ambígua, resta mutilado, não só no tocante à forma, mas, também, quanto ao seu conteúdo: a garantia da motivação exige seja ele fundamentado; mais, ainda, que esta não revele qualquer contradição ou propicie mínima perplexidade.465

Pode-se mencionar, também, que o artigo 93, inciso IX da Constituição prevê que

a exigência de fundamentação das decisões judiciais trata-se de “garantia não só para as

partes, como também para o próprio Estado, pois demonstra uma administração correta da

460 TUCCI, 2004, p. 226. 461 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 965-966. 462 BRANCO; COELHO; MENDES, 2007, p. 497. 463 BRASIL, 1988. Acesso em: 02 out. 2009. [sem grifos nos originais]. 464 TUCCI, op. cit., p. 34. 465 Ibid., p. 235.

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Justiça”466, eis que a motivação é a “‘alma’ da sentença, onde o juiz externa o seu sentir

acerca das provas e das razões de seu convencimento, isso sempre através de um raciocínio

lógico e técnico, [...]”.467

Esta garantia obrigatória representa uma proteção contra

[...] arbitrariedades no exercício do poder estatal. Tal se dá como garantia política dos cidadãos, característica precípua do Estado Democrático, [...]. Ao motivar, o juiz (Estado) presta conta às partes e à sociedade, demonstrando sua efetiva participação na formação da convicção contida na decisão proferida. A motivação, portanto, concretiza nos autos a observância do princípio do contraditório.468

Sobre a possibilidade de se decretar a prisão preventiva e a garantia de que esta

decisão seja devidamente fundamentada, elucida Eugênio Pacelli:

[...] o reconhecimento da situação jurídica de inocente (art. 5º, LVII) já impunha e impõe a necessidade de fundamentação judicial para toda e qualquer privação de liberdade, tendo em vista que só o Judiciário poderá determinar a prisão de um inocente. E mais: que essa fundamentação seja construída em bases cautelares, isto é, que a prisão seja decretada como acautelamento dos interesses da jurisdição penal, com a marca da indispensabilidade e da necessidade da medida.469

E continua o mesmo autor:

E por se tratar de prisão de quem deve ser obrigatoriamente considerado inocente, à falta de sentença penal condenatória passada em julgado, é preciso e mesmo indispensável que a privação de liberdade seja devidamente fundamentada pelo juiz e que essa fundamentação esteja relacionada com a proteção de determinados e específicos valores positivados na ordem constitucional em igualdade de relevância. A reserva de jurisdição, ou seja, a atribuição expressa à ordem escrita de autoridade judicial, é perfeitamente compreensível, já que, em qualquer Estado Democrático de Direito, é ao Judiciário que se atribui a missão de tutela dos direitos e garantias individuais, ou das ainda chamadas liberdades públicas (garantias do indivíduo em face do Estado). E a exigência de vinculação da fundamentação judicial à proteção de determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica atende a critérios de proporcionalidade na interpretação e/ou na aplicação do direito, sobretudo quando de índole constitucional, como será sempre a hipótese das questões ligadas ao interesse público na preservação da segurança de todos os membros da comunidade (segurança pública, Direito Penal, sistema penitenciário etc.), quando em oposição à garantia de liberdade individual do acusado. Assim, as privações da liberdade antes da sentença final devem ser judicialmente justificadas e somente na medida em que estiverem protegendo o adequado e regular exercício da jurisdição penal. Pode-se, pois, concluir que tais prisões devem ser cautelares, acautelatórias do processo e das funções da jurisdição penal. Somente aí

466 LIMA, 2009, p. 824. 467 LIMA, loc. cit. 468 BONFIM, 2009, p. 55. [grifos originais]. 469 OLIVEIRA, 2009, p. 431.

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se poderá legitimar a privação da liberdade de quem é reconhecido pela ordem jurídica como ainda inocente.470

Portanto, é decisiva e confere legitimidade a motivação do decreto de prisão

preventiva, eis que, conforme os artigos 316 e 381, inciso III, ambos do Código de Processo

Penal e o artigo 93, inciso IX, da Constituição, é imprescindível que o magistrado exponha

quais os fundamentos existentes para o decreto desta excepcional medida, qual seja, a

custódia preventiva.471

470 OLIVEIRA, 2009, p. 431-432. 471 MIRABETE, 2007, p. 395.

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5 CONCLUSÃO

Na presente monografia, de início, foi elaborada uma análise acerca das espécies

de prisão no sistema jurídico processual penal brasileiro e das modalidades de prisão cautelar

de natureza processual. Discorreu-se, além de noções históricas, sobre suas características,

requisitos, cabimento, princípios constitucionais e os parâmetros as mesmas aplicáveis.

Outrossim, foram abordados os pontos relevantes e diferenças entre as várias espécies de

prisões integrantes do tema.

Foram explanados, ainda, os mais importantes aspectos da prisão preventiva na

sentença penal condenatória recorrível, destacando-se em especial, a necessidade de

fundamentação do respectivo decreto. Ao se proceder uma análise do ordenamento jurídico

gerador desta exigência, pode-se afirmar, sem dúvida, que ele teve suas raízes na doutrina

iluminista e na filosofia liberal, que reprime o arbítrio do julgador, comprometendo-o com a

idéia de liberdade e minimizando o abuso exercido pela injustificada punição decorrente do

poder estatal.

Com o advento de outras inovações, discorridas no teor deste trabalho, pode-se

asseverar que o Direito Penal Brasileiro vem se desconstituindo de sua dogmática exacerbada,

ou seja, da idolatria por leis repressivas, eis que as penas privativas de liberdade, aos poucos,

estão sendo desmitificadas.

Sabe-se que a prisão é considerada como a principal alternativa do Direito Penal e

Processual Penal àqueles que infringem as leis e normas e, também, que no Brasil há muita

violência. Urge assegurar a segurança e a paz na coletividade. Entretanto, é de se ponderar

que o problema não reside na existência das prisões, mas sim, “em como se comina a

penalidade e se cumpre a prisão”. Esta assertiva encontra ressonância na ausência conjuntural

e ocorre, principalmente, pela falta de sincronia entre a pena imposta com o respeito aos

fundamentos da dignidade da pessoa humana, dos direitos e garantias individuais, da

ineficácia da ressocialização e da justiça restaurativa. Isto implica, em essência teórica, em

focalizar o “preso”, o “delinquente” ou o “criminoso” não apenas como infrator e mantê-lo à

margem da sociedade, em decorrência de sua culpabilidade ou periculosidade, mas sim, em

considerá-lo como alguém destinado à reclusão para se que recupere e volte ao convívio de

seus semelhantes. Aqui reside a maior tragédia das prisões brasileiras, tristemente sintetizada

nas marcantes palavras de Edmundo Oliveira:

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Elas trazem em sua história ao longo dos tempos abuso, maus tratos, tortura, aflição, extermínio e também houve avanços técnicos como intenção de ressocializar, trabalhos reeducativos e outros. Todavia neste início de milênio continua o lamento de que a prisão é permanente espetáculo deprimente que atinge além da pessoa do delinqüente; orfana filhos de pai vivo; enviúva a esposa de marido combalido; prejudica o credor do preso tornado insolvente; desadapta o encarcerado à sociedade; suscita vários conflitos sexuais; onera o Estado; amontoa seres vivos em jaulas sujas, imundas, onde vegetam em terrível promiscuidade [...]. Contudo, no conjunto mundial, sobretudo nos países do terceiro mundo, o panorama geral é ruim por isso se conclui que qualquer estabelecimento penitenciário de bom nível representa apenas uma ilha de graça, num mar de desgraças.472

Contudo, nestes novos tempos, parece-nos que esta imagem da prisão como porta

limiar de loucura e terror medieval começa a desaparecer.

As reformas materializadas, expostas nesta pesquisa, bem como o despontar de

novas correntes conhecidas como “Direito Penal Mínimo”, “Direito Penal Alternativo” e

“Direito Penal Garantista” forjam novos horizontes. Apregoa-se uma Política Criminalista e

Penitenciária onde o Direito Penal passa a intervir de forma subsumida, trincando o seu

compassado rigorismo punitivo. Alastra-se, também, a idéia de que o encarceramento deverá

ser imputado apenas à prática de crimes infamantes, hediondos e aos infratores de

periculosidade e agressividade extrema.

Como toda alternância, o tempo dirá sobre a eficácia destes novos paradigmas no

contexto legal e societário.

Para a liberdade, a prisão, qualquer seja sua forma e causa, será sempre um grave

problema metafísico.

Mas, quem sabe um dia, no vir-a-ser, serão reais as palavras da poetisa Cora

Coralina:

Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará. As prisões se transformarão em escolas e oficinas. E os homens imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro estórias absurdas de prisões, celas, altos muros, de um tempo superado.473

Por derradeiro, pode-se afirmar que nesta monografia, além do estudo sobre as

prisões, enfatiza que o Direito Penal e Processual Penal Pátrio, na contemporaneidade,

revelam o cuidado de não retroagir na pirâmide dos direitos humanos já conquistados. E que

as penas privativas de liberdade vêm sendo reestruturadas no que tange à ordem do decreto

cominativo, doravante fundamentado. E, ainda, que ao se viabilizar ao apenado a

472 OLIVEIRA, 2002 apud PFALLER, 2009. Acesso em: 14 out. 2009. 473 CORALINA, 2001 apud PFALLER, loc. cit.

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possibilidade de recorrer em liberdade provocou-se uma ruptura no sistema tradicional,

fracassando o antigo sistema de estigmatizar e segregar os transgressores, quanto à defesa

formal.

Merece ser refletido que a filosofia existencialista deixa transparecer, em sua

essência, que inexistem valores ou regras eternas e absolutas. E que o ser humano é livre para

fazer a escolha quanto ao seu agir e esta liberdade torna-o responsável pelo que faz, devendo

ser privado deste direito fundamental só e unicamente no caso em que não houver nenhuma

outra solução.

E, em última análise, que o grande desafio a ser enfrentado pelas normas penais e

processuais penais brasileiras é encontrar uma forma de punição que, simultaneamente, sirva

de aparato impeditivo da criminalidade e seja eficaz na recuperação daqueles que violaram as

diretrizes de conduta vigentes na sociedade na qual estavam inseridos.

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