a politizaÇÃo do discurso de aplicaÇÃo normativa … · separaÇÃo dos poderes À luz do...

23
6711 A POLITIZAÇÃO DO DISCURSO DE APLICAÇÃO NORMATIVA PELO STF: PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA DO SIGNIFICADO DO PRINCÍCIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES À LUZ DO JULGAMENTO DA ADIN 855-2/PR * THE POLITICIZATION OF DISCOURSE OF APPLICATION LEGAL FOR STF: TOWARDS A CRITICAL ANALYSIS OF THE MEANING OF PRINCÍCIO THE SEPARATION OF POWERS IN THE LIGHT OF THE TRIAL ADIN 855-2/PR Renata Pereira Carvalho Costa RESUMO Infelizmente, em diversas ocasiões, tem nos causado verdadeiro espanto a atuação do Supremo Tribunal Federal. Ora ele ergue-se como verdadeiro arauto da democracia, ora desconsidera princípios basilares da República, fazendo valer decisões que transcendem sua esfera legítima de atuação e se inserem em matérias próprias de outros Poderes. Foi nesse contexto que procuramos analisar a ADIn 855-2/PR, indagando sobre a natureza dos argumentos utilizados pelo STF , mormente, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Através da contribuição de autores como Luhmann, Günther e Dworkin foi possível se concluir que realmente nossa mais alta Corte tem recorrido a argumentos de política para fundamentar suas decisões, realizando claramente um controle de razoabilidade substitutivo daquele realizado pelo Poder Legislativo no momento de confecção da norma, sem qualquer argumento jurídico plausível, fundando-se apenas num juízo subliminar de custo/benefício, que malfere, indubitavelmente, o princípio da separação dos poderes. PALAVRAS-CHAVES: CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, DISCURSO DE JUSTIFICAÇÃO E APLICAÇÃO NORMATIVA, PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. ABSTRACT Unfortunately, on several occasions, some actions of the Supreme Court has caused genuine surprise. Sometimes the Court stands as a true base of democracy, but offen ignores basic principles of the Republic with decisions that transcend their legitimate sphere of action and fit in areas of others Powers. In this context, we seek to analyze the ADIN 855-2/PR, inquiring about the nature of the arguments used by the STF, especially, in the concentrated control of constitutionality. Through the contributions of authors like Luhmann, Günther and Dworkin was possibly to accomplish that our Supreme Court has used arguments of policy to justify Their decisions, making a substitutive control of reasonableness that was suppose to be done by the Legislative Branch at the time of preparation of Law, without any plausible legal argument and * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

Upload: phungque

Post on 17-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

6711

A POLITIZAÇÃO DO DISCURSO DE APLICAÇÃO NORMATIVA PELO STF: PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA DO SIGNIFICADO DO PRINCÍCIO DA

SEPARAÇÃO DOS PODERES À LUZ DO JULGAMENTO DA ADIN 855-2/PR*

THE POLITICIZATION OF DISCOURSE OF APPLICATION LEGAL FOR STF: TOWARDS A CRITICAL ANALYSIS OF THE MEANING OF

PRINCÍCIO THE SEPARATION OF POWERS IN THE LIGHT OF THE TRIAL ADIN 855-2/PR

Renata Pereira Carvalho Costa

RESUMO

Infelizmente, em diversas ocasiões, tem nos causado verdadeiro espanto a atuação do Supremo Tribunal Federal. Ora ele ergue-se como verdadeiro arauto da democracia, ora desconsidera princípios basilares da República, fazendo valer decisões que transcendem sua esfera legítima de atuação e se inserem em matérias próprias de outros Poderes. Foi nesse contexto que procuramos analisar a ADIn 855-2/PR, indagando sobre a natureza dos argumentos utilizados pelo STF , mormente, em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Através da contribuição de autores como Luhmann, Günther e Dworkin foi possível se concluir que realmente nossa mais alta Corte tem recorrido a argumentos de política para fundamentar suas decisões, realizando claramente um controle de razoabilidade substitutivo daquele realizado pelo Poder Legislativo no momento de confecção da norma, sem qualquer argumento jurídico plausível, fundando-se apenas num juízo subliminar de custo/benefício, que malfere, indubitavelmente, o princípio da separação dos poderes.

PALAVRAS-CHAVES: CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, DISCURSO DE JUSTIFICAÇÃO E APLICAÇÃO NORMATIVA, PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.

ABSTRACT

Unfortunately, on several occasions, some actions of the Supreme Court has caused genuine surprise. Sometimes the Court stands as a true base of democracy, but offen ignores basic principles of the Republic with decisions that transcend their legitimate sphere of action and fit in areas of others Powers. In this context, we seek to analyze the ADIN 855-2/PR, inquiring about the nature of the arguments used by the STF, especially, in the concentrated control of constitutionality. Through the contributions of authors like Luhmann, Günther and Dworkin was possibly to accomplish that our Supreme Court has used arguments of policy to justify Their decisions, making a substitutive control of reasonableness that was suppose to be done by the Legislative Branch at the time of preparation of Law, without any plausible legal argument and

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

6712

based only on a sense of cost / benefit, which hurts the principle of separation of powers.

KEYWORDS: CONCENTRATED CONTROL OF CONSTITUTIONALITY, SPEECH OF JUTIFICATION AND APPLICATION, PRINCIPLE OF SEPARATION OF POWERS

Introdução

Como é cediço, em nosso sistema jurídico o controle concentrado de constitucionalidade das leis federais e estaduais é atribuído ao Supremo Tribunal Federal. Este órgão, de suma importância para consolidação de um Estado que pretenda democrático, verifica no controle concentrado que realiza a conformação das leis aos princípios e regras que emanam da Carta Maior, atividade que lhe rendeu o título de “guardião da Constituição”.

Indubitavelmente, o controle concentrado de constitucionalidade das leis atua como verdadeiro trunfo da democracia, na medida em que configura claramente um instrumento a serviço do princípio da separação dos poderes, e, outrossim, evita que indivíduos sejam atingidos em suas esferas jurídicas por normas incompatíveis com o Texto Maior, malferindo, desta forma, o macroprincípio da supremacia da Constituição.

Faz-se necessário, para própria harmonia entre os Poderes da República, que a atuação do STF por esta via se dê em caráter excepcional, haja vista que se espera que o Legislativo produza leis razoáveis e em consonância com o Texto Maior, fato que se impõe como verdadeiro limite material à sua atividade.

Assim, sempre que a atividade legiferante não observar seu dever de total subordinação à Constituição Federal e produzir normas que maculam o princípio da supremacia da Constituição, aqueles que estão legitimados poderão se utilizar da via própria a fim de que o Supremo Tribunal Federal extirpe de nosso Ordenamento Jurídico a norma que põe em risco a exigência de unidade de nosso sistema, vez que todo ato normativo produzido deve convergir para um único fundamento de validade, qual seja: a Carta Maior.

Conquanto a via do controle concentrado de constitucionalidade seja uma via que vise resguardar o princípio da separação dos poderes, não se pode negar que também está suscetível a abusos e que muitas vezes deflagra verdadeira hipertrofia do Poder Judiciário em relação aos demais Poderes. Possível perceber que recôndito em conceitos abertos como o de razoabilidade/proporcionalidade, o controle de constitucionalidade tem sido, não raramente, desvirtuado para atender a fins políticos ou outros seguramente

6713

não justificados juridicamente, sendo recorrente a utilização de argumentos tão-somente políticos para invalidar uma norma.

Caso que bem exemplifica o que estamos a dizer é a ADIn 855-2, na qual o Supremo Tribunal Federal realiza claramente um controle de razoabilidade substitutivo daquele realizado pelo Poder Legislativo no momento de confecção da norma, sem qualquer argumento jurídico plausível, fundando-se apenas num juízo subliminar de custo/benefício.

Em casos como esse é possível concluir que o Supremo Tribunal Federal ainda precisa compreender melhor seu papel no atual paradigma constitucional. Não é sua função aferir simplesmente se uma lei é boa ou não, viável ou inviável, pois estes são argumentos levados em consideração quando do discurso de criação da norma. Ao Judiciário cabe decisões objetivamente jurídicas, ainda que toque princípios políticos, mas jamais decisões que impossibilitem a defesa dos argumentos por pertencerem a outras searas que não a jurídica.

A linha imaginária que determina a separação dos poderes é, sem dúvida, tênue, mas possível de ser percebida se não desviarmos nossos olhares da Constituição Federal, onde o constituinte fez questão de repartir o “bolo” na mesma proporção, não tolerando ingerências não autorizadas de um Poder no outro, mas tão-somente aquelas indispensáveis a uma convivência harmônica.

1 ADIn 855-2/PR E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Em julho de 1993, a Confederação Nacional do Comércio ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal, com pedido de suspensão cautelar, a referida ação a fim de ver declarada a inconstitucionalidade da lei do Estado do Paraná de nº 10. 248, de 14 de janeiro do mesmo ano.

A lei estadual impugnada estipulava que na ocasião da venda do botijão ou cilindro de GLP (gás liquefeito do petróleo), pelos estabelecimentos que o comercializassem, seria obrigatória a pesagem à vista do consumidor. Assim dispunha a súmula da legislação em análise:

Súmula: Dispõe que é obrigatória a pesagem, pelos estabelecimentos que comercializarem GLP – Gás Liquefeito do Petróleo, à vista do consumidor, por ocasião da venda de cada botijão ou cilindro entregue e também recolhido, quando procedida a substituição, conforme especifica.

6714

A fim de cumprir o desiderato a que se destinava, a lei exigiu, já em seu art. 1º, parágrafo único, que os postos revendedores, bem como os veículos que realizassem a distribuição do GLP, portassem uma balança apropriada para a pesagem. Uma vez constatada a diferença a menor entre o conteúdo e a quantidade líquida especificada no botijão ou cilindro, o consumidor teria direito de receber, no ato do pagamento, o abatimento proporcional ao preço do produto (art. 2º). Já caso fosse constatada sobra de GLP, o consumidor seria ressarcido da importância correspondente, através da compensação no ato do pagamento do produto adquirido (art. 3º).

Para tanto, os botijões ou cilindros deveriam conter, na forma do Código de Defesa do Consumidor, em local visível, as especificações acerca do peso da embalagem e o peso do produto líquido envasilhado.

Inicialmente, fora argüida a inconstitucionalidade formal da lei em comento em virtude da incompetência do Estado-membro para legislar sobre energia e sistema de medidas, matéria que seria de competência privativa da União. Nesse sentido foram invocados os seguintes artigos da Constituição Federal: 22, IV e VI, e parágrafo único, 25, § 2º e 238. Para o fim que se pretende neste trabalho não abordaremos o aspecto da inconstitucionalidade formal.

Num segundo momento fora argüida a inconstitucionalidade material da norma, por entender o requerente que a mesma afronta o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade. Nesta questão nos deteremos.

Os argumentos levantados para justificarem a segunda pretensão deduzida na exordial podem ser assim resumidos: (a) a utilização da balança como preconiza a lei seria prejudicial devido a necessidade de conterem dispositivos de predeterminação de tara, trazendo um elevado grau de desgaste e desregulagem o que poderia prejudicar as medições; (b) caso as balanças não fossem facilmente retiradas da balança o consumidor teria que subir na mesma para acompanhar a pesagem; (c) quando o consumidor recebe o botijão em locais distantes do veículo, não haverá praticidade, já que entregador e consumidor terão que retornar ao veículo para conferência do produto; (d) as empresas distribuidoras já possuem selo aprovado pelo INMETRO que deve ser oposto à válvula do botijão de forma a garantir a quantidade de produto contido no recipiente; (e) a imposição de balanças em todos os caminhões de distribuição e a mão de obra necessária à medição individual gerando crédito a consumidor individual, a par de erro ou fraude, pode gerar onerosidade e agravar o custo do preço médio do produto fornecido.

6715

A natureza dos argumentos levados em conta pelo STF para, primeiramente, deferir a cautelar e, mais tarde, julgar procedente o pedido para extirpar do Ordenamento Jurídico a lei paranaense nº 10. 248/93, nos impulsionou a meditar, a partir dos supostos do Estado Democrático do Direito, qual o papel do Judiciário, e, mais especificamente, do STF, na atual conjuntura constitucional, tendo sempre por referencia a evolução funcional e substancial experimentada pelo conceito de “separação dos poderes”.

Talvez numa análise apressada dos fundamentos expostos pelo voto condutor (do Min. Sepúlveda Pertence, o qual acatou os argumentos da requerente), possamos até imaginar que a lei atacada não era razoável. Mas, reflitamos. Por que não era razoável? Quais fundamentos jurídicos foram erigidos e desenvolvidos a fim de dar sustentação racional e legítima à decisão do STF?

Infelizmente, se nos atentarmos mais detidamente na questão, veremos que as justificativas deduzidas não passam de mera análise de custo/benefício, de argumentos claramente políticos travestidos de princípio, isto é, do princípio da proporcionalidade[*].

Tal princípio, como se sabe, é utilizado como verdadeira “censura judicial no âmbito da discricionariedade legislativa ou, como assente na doutrina alemã, na esfera de liberdade de conformação do legislador” (MENDES; COELHO & BRANCO, 2008, p. 322). Tal censura somente se justifica se e quando houver afronta direta aos direitos e garantias fundamentais ou demais disposições constitucionais.

No caso da ADIn 855-2 em nenhum momento foi aclarado em que medida a lei paranaense malferia direitos fundamentais ou qualquer norma constitucional, ao revés, se contentou em referir-se genericamente ao princípio da proporcionalidade. Indubitavelmente, tal princípio enquanto critério metodológico possibilita ao Judiciário o alcance de maior racionalidade e legitimidade em suas decisões. Mas tal critério impõe que sua utilização respeite critérios rígidos, não podendo o mesmo ser aplicado de forma aleatória, possibilitando que o judiciário substitua o juízo de razoabilidade do Legislativo pelo seu. Antes, a decisão deve perpassar por cada um de seus subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) a fim de justificar em que medida a norma atacada não atende a exigência constitucional de ajustamento entre os meios utilizados e os fins perseguidos pela lei restritiva.

Talvez pela forma descomprometida e heterogênea que tal princípio tem sido aplicado, sua utilização no controle de constitucionalidade das leis tem suscitado controvérsias entre renomados juristas da doutrina estrangeira. Assim, autores como E. Forsthoff e Schimitt percebem uma carência de legitimidade nos tribunais constitucionais para

6716

procederem à utilização deste princípio, já que sempre importaria em valorações que fugiriam à esfera de competência dos tribunais constitucionais. Outros, como J. H. Ely, entendem que a legitimidade de tais tribunais restringe-se à análise dos procedimentos democráticos mediante os quais o Legislativo toma suas decisões, não o conteúdo de suas decisões (PULIDO, 2007, p. 199-237).

Não obstante esses posicionamentos, entendemos pela legitimidade dos tribunais constitucionais para se valerem do princípio da proporcionalidade, pois, “admitir a interpretação de que o legislador pode a seu livre alvedrio legislar sem limites, seria pôr abaixo todo edifício jurídico e ignorar, por inteiro, a eficácia e majestade dos princípios constitucionais. A Constituição estaria despedaçada pelo arbítrio do legislador” (BONAVIDES, 2007, p. 436).

O que não é concebível é o atual estado das coisas. De forma recorrente o STF e também outros tribunais se valem do princípio da proporcionalidade de forma totalmente irresponsável e atécnica, como se o mesmo fosse um trunfo idôneo a travestir de jurídicas decisões de cunho político, econômico, moral etc. A ADIn 855-2 é, sem dúvida, um exemplo fiel do que estamos a dizer, isto é, do fenômeno desvirtualização proposital do princípio da proporcionalidade, denotando o abandono dos critérios lógico-jurídicos que balizam e legitimam a atuação jurisdicional.

De bom alvitre destacar que a mera referência a um princípio, por si só, não diz juridicamente nada, vez que por sua própria essência os princípios alcançam concretude e limites ante ao caso concreto. Certamente, os motivos levados a cabo pelo STF para entender a lei carente de razoabilidade foram considerados quando do processo de construção do discurso de justificação da norma, para usar a expressão de Günther, não sendo possível no discurso de aplicação, realizado pelo Judiciário, a utilização dos mesmos argumentos para invalidar uma norma, já que isso equivaleria a uma reabertura do processo legislativo de forma indevida.

Se considerarmos argumentos de política, será perfeitamente possível justificar a decisão do STF, mas se nos comprometermos com a exigência constitucional inafastável e absoluta de que toda decisão judicial há que ter uma fundamentação racional e “juridicamente” sustentável, veremos que houve sério desvio de função/competência na postura do Judiciário, que se enveredou por caminhos alienígenas ao Direito, denotando grave abuso de poder, e, assim, forte abalo à convivência harmoniosa entre os Poderes da República.

Passaremos agora a discorrer um pouco acerca do princípio da separação dos poderes a fim de compreendermos em que medida o mesmo se afigura como limitação, ou melhor,

6717

vedação a que o Judiciário profira decisões que se utilizam da tessitura aberta dos princípios para encobrir/legitimar decisões eminentemente políticas que malferem a essência desse princípio basilar de um Estado de Direito.

2 Algumas digressões acerca do princípio da separação de poderes

Segundo vertentes basilares da Filosofia Política e da Teoria do Estado, a gênese da faceta mais conhecida da doutrina ou teoria da separação dos poderes, qual seja: a limitação ou moderação do poder político e a garantia de liberdade, remonta à Antiguidade grego-romana, mais especificamente, à teoria da constituição mista (PIÇARRA, 1989, p.17).

Aristóteles já atentava em sua A Política (1995, Livro Sexto, p. 191-231) para o fato de que o exercício da soberania ou do governo, não deveria estar concentrado apenas em uma das partes constitutivas da sociedade, mas deveria ser comum a todas elas, numa forma de equilíbrio no poder. Assim, é possível dizer que no modelo aristotélico de constituição mista nasce o germe que evoluirá e contribuirá para a noção moderna de separação de poderes, qual seja: “a do equilíbrio ou balanceamento das classes sociais através de sua participação no exercício do poder político, viável mediante o seu acesso à orgânica constitucional” (PIÇARRA, 1989, p. 36).

Mas embora se extraia da constituição mista de Aristóteles enorme contribuição para a idéia de limitação do poder político, a grande inspiração para a concepção que se tornou um dogma na Modernidade remonta aos séculos XVII e XVIII. Foi com o inglês Locke e, posteriormente, com o francês Montesquieu, que a teoria da separação dos poderes alcançou maior complexidade, vindo a indicar uma distribuição racional de funções e competências entre os órgãos constitutivos do Estado, além, é claro, daquele sentido originário de limitação do poder político, razão de ser da própria teoria.

Locke (1978, Livro XII, p.91), ao observar a realidade inglesa de sua época e o temor de um governo tirânico, manifesta que:

[...] pode ser tentação demasiada grande para a fraqueza humana, capaz de tomar conta do poder, para que as mesmas pessoas que têm por missão elaborar as leis também tenham nas mãos a faculdade de pô-las em prática, ficando dessa maneira isentas de obediência às leis que fazem, e podendo amoldar a lei, não só quando elaboram como

6718

quando a põem em prática, a favor delas mesmas, e assim passarem a ter interesse distinto do resto da comunidade contrário ao fim da sociedade ou governo.

A saída vislumbrada por Locke para se evitar o abuso do poder era a divisão, a priori, do poder do Estado em três: Legislativo, Executivo e Federativo. Esta divisão, conforme destaca Manoel Messias Peixinho (2008, p. 02), levava em conta o caráter primordial das funções exercidas. Vejamos:

O Poder Legislativo tem o poder de fixar as leis com o objetivo de preservar a sociedade política e os seus membros. As leis elaboradas têm força para se estabilizarem com o tempo, mas requerem, contudo, execução continuada. Para cuidar da execução das leis há necessidade, em muitos casos, de um Poder Executivo separado do Poder Legislativo. O poder federativo compreende o poder de guerra e paz, de firmar ligas e promover alianças e todas as transações externas.

Montesquieu, por sua vez, com seu “Espírito das Leis” (1748) será o grande responsável por disseminar tal teoria por toda a Europa, tendo suas idéias incorporadas como verdadeiro dogma nas constituições posteriores. Na verdade, será no livro XI, capítulo VI da obra referente à Constituição Inglesa que o autor explanará a maior parte de suas idéias acerca da separação dos poderes.

Como Locke, Montesquieu também expressa claramente sua preocupação com o abuso do poder por aqueles que o detém. Desta forma afirma que “é uma experiência eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; e vai até onde encontra limites. Quem o diria? [...] Para que não se abuse do poder é necessário que pela disposição das coisas o poder limite o poder” (Livro XI, Cap. VI, 1999, p.165).

No livro e capitulo retrocitados, o autor verifica três espécies de poderes num Estado: o Legislativo, o Executivo das coisas que dependem o Direito das Gentes e o Executivo das que dependem o Direito Civil. Pelo primeiro cabia ao Príncipe ou Magistrado fazer as leis, corrigi-las ou ab-rogar as que estavam feitas. Ao segundo, por sua vez, incumbia realizar a paz ou a guerra, enviar ou receber as embaixadas, estabelecer a segurança e prevenir invasões. Este podia ser chamado simplesmente de Poder Executivo do Estado. Ao último, também chamado de Poder de Julgar, restava a punição dos crimes e os julgamentos das demandas dos particulares (MONTESQUIEU, Livro XI, Cap. VI, p. 167).

Nesta classificação emergia uma das principais bases do constitucionalismo liberal, designando o que em tempos hodiernos se concebe com naturalidade como a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Evidentemente que o uso da

6719

expressão separação de poderes se mantém pela própria tradição, haja vista tratar-se de divisão meramente funcional, já que o poder em si é uno e indivisível[†].

Salutar ressaltar que a teoria aqui esboçada foi concebida inicialmente para assegurar liberdade aos indivíduos, só mais adiante vindo a se vislumbrar, com clareza, a demarcação e a repartição das funções e competências entre órgãos especializados a fim de atender a ditames de eficiência da máquina estatal (DALLARI, 2007, p. 216).

O próprio Montesquieu eleva ao máximo o princípio da liberdade, entendendo que a mesma só existe quando todos estiverem submetidos ao império da lei. Assim, a teoria da separação dos poderes emergiu como a resposta dada ao problema da concentração de poder na mão de um só homem ou autoridade. Veja que o ponto de partida é o reconhecimento da tendência humana, por sua própria natureza, de assenhorear-se do poder e se tornar um tirano, um ditador, restringindo, assim, o espaço de liberdade dos indivíduos, direito supedâneo de toda teoria liberal.

Aliás, como toda medida liberal tende a prosperar, não foi diferente com a doutrina da separação dos poderes. Em 1776, a Declaração de Direitos de Virgínia declarava em seu parágrafo 5º que “os poderes executivo e legislativo do Estado deverão ser separados e distintos do judiciário”. Também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 manifestava em seu artigo XVI que “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”.

Veja, portanto, a importância dessa doutrina para formação do constitucionalismo moderno. Essa temática, desde Locke e Montesquieu, tem ocupado grande parte dos estudos da jusplubicistíca ocidental, sofrendo diversas revisões e ganhando novos contornos em tempos marcados pelo fenômeno do neoconstitucionalismo[‡], que tem, inevitavelmente, acarretado o reformulamento de diversos conceitos basilares da Teoria da Constituição, como, por exemplo, povo, território, soberania etc.

De qualquer modo, pode-se dizer que a partir das Revoluções Inglesa e Francesa a adoção da separação de poderes enquanto distinção material das funções do Estado e como forma de controle do poder político permitiu delinear o tipo de estrutura organizativa adotada por cada Estado.

No Brasil, a doutrina esteve presente desde nossa primeira Constituição, em 1824, mesmo com a criação bizarra do Poder Moderador. No atual Texto Constitucional, o

6720

princípio vem consagrado já no 2º artigo, que prescreve a independência e a harmonia dos Poderes da República, denotando sua total imprescindibilidade na conformação do atual paradigma constitucional.

Aliás, vale dizer que a idéia de que tais funções sejam independentes e harmônicas entre si faz parte do ideal propugnado por Montesquieu, que pensou em um sistema em que os poderes se limitassem reciprocamente e que não fossem absolutamente separados e nem paralisassem uns aos outros (AZAMBUJA, 2003, p.179).

Contudo, a ideologia liberal que culminou com a Revolução Francesa fez com que a doutrina de Montesquieu fosse desvirtuada e que os revolucionários 1789 propugnassem uma separação absoluta dos poderes do Estado, causando conflitos entre os poderes e a até mesmo a paralisação da atividade pública (AZAMBUJA, 2003, p. 179).

Assim é que durante o paradigma constitucional liberal eleva-se à potência máxima a idéia de impenetrabilidade de uma função na outra. Evidentemente que sendo a lei considerada a expressão da soberania popular, da vontade geral, vontade esta manifesta por indivíduos livres e iguais, ainda que formalmente, será perfeitamente aceitável que haja uma supremacia do Legislativo.

Ante a uma dúvida, portanto, na aplicação da lei, o magistrado deveria se socorrer no legislador, este sim intérprete autêntico da Constituição e das leis. O juiz deveria tão-somente enunciar o que acreditava ser a interpretação literal da lei. Dado a isso, durante a vigência do Estado Liberal a atividade do Judiciário se limitou a uma tarefa meramente subsuntiva, silogística no sentido aristotélico da palavra. Pensava-se que assim estariam mantendo incólume o princípio da separação dos poderes, evitando qualquer retrocesso ao Antigo Regime.

Na vigência do Welfere State, apesar da atuação do juiz ter ganhando maior complexidade, a hipertrofia do espaço público decorrente do fracasso do modelo abstencionista, culminou na conseqüente hipertrofia do Poder Executivo, o qual passou a ser cada vez mais solicitado a prestar direitos elementares através de políticas públicas. Nessa toada, coube ao Judiciário a implementação dos fins sociais perseguidos pelo Estado.

Acrescenta-se ainda, que a velocidade e a complexidade das relações sociais impuseram uma atuação legislativa muito mais técnica e numerosa, incompatível com o modelo

6721

tradicional de separação de poderes (DALLARI, 2007, p. 222). Foi necessária, ainda, a fim de maximizar a eficiência do Estado, a criação das chamadas funções típicas e atípicas de cada Poder (PEIXINHO, 2008, p.4). Tornou-se possível, inclusive, a delegação de poderes/funções, a exemplo do que ocorre com as leis delegadas, fato inconcebível no século XVIII.

Mesmo no paradigma constitucional inaugurado em 1988, o princípio da separação dos poderes ainda não apresenta uma forma pronta e acabada, aliás, fato que se impõe pelo próprio dinamismo imanente às democracias, antes, passa por uma série de reformulações fim de apresentar respostas satisfatórias às demandas sociais, políticas, econômicas e jurídicas que se apresentam diariamente.

Não se pode negar que a linha que separa os poderes/funções do Estado tem se tornado cada vez mais tênue, permitindo-se, por exemplo, que o Executivo incorpore cada dia mais a função legislativa, através de medidas provisórias e de atos normativos infralegais originados de autarquias com efeitos regulatórios, como se dá com o Banco Central, caracterizando verdadeiro ativismo dos órgãos do Poder Executivo (PEIXINHO, 2008, p 04).

O Judiciário, por sua vez, mais nomeadamente, o STF, também não tem observado os limites impostos pela leitura constitucionalmente adequada do princípio da separação de poderes, de forma que não raramente tem atuado como verdadeiro legislador, substituindo os argumentos de política do Legislativo por argumentos seus, também de política, para invalidar atos do Legislativo. O STF se tornou a instância ou o palco das grandes e polêmicas discussões que envolvem o curso da Nação, desapropriando, em muitos casos, o Poder Legislativo de sua função.

Por isso, é indubitável que mesmo tênues e desgastados pelas tentativas recorrentes de fraude, os limites impostos pelo princípio da separação de poderes precisam existir e serem respeitados, pois constituem conditio sine qua non para construção de espaço verdadeiramente democrático, não permitindo o sobrepujamento de uma função sobre a outra. Sua supressão ou seu amesquinhamento casuístico atenderá, certamente, a interesses tirânicos e ditatoriais.

3 O Papel do Supremo Tribunal Federal (STF) na conformação de um Estado Democrático

6722

Na atual conjuntura constitucional chega ser um truísmo afirmar que o STF ocupa um papel imprescindível na proteção dos direitos e garantias fundamentais, quer sejam individuais, quer sejam sociais. Decorrência lógica disso foi a exigência inafastável de aprimoramento das tutelas jurisdicionais a fim de maximizar a aplicação de tais direitos, tão violados pelos períodos antidemocráticos anteriores.

Não obstante, atuação do STF, sobretudo, através do controle concentrado de constitucionalidade, tem suscitado delicadas dificuldades na delimitação entre o poder legislativo e o poder judicial, no que tange ao princípio da separação de poderes. O caso sobre o qual nos propomos a debruçar, por exemplo, evidencia o quão sutil é a linha que permite este delineamento, ao que se soma a nebulosidade de posições doutrinárias que não facilitam o entendimento da questão, ao revés, têm se mostrado totalmente descompromissadas com os supostos do atual paradigma constitucional.

Nesse contexto, Piçarra Nunes (1989, p. 261) denuncia que já não vivemos sob a égide de um Estado Liberal, de modo que:

A legitimidade da lei já não encontra em si mesma, mas sim em sua compatibilidade ou conformidade com os objetivos e princípios constitucionais. A sua dimensão muitas vezes marcadamente política faz com que a tutela dos princípios constitucionais e valores especificamente jurídicos em geral não possa caber, em última instância, ao legislador, mas aos tribunais (nomeadamente ao tribunal constitucional) os quais justamente nessa tarefa encontram o limite do seu poder. Serão o legítimo <<contrapoder>> do legislador apenas na medida em que se confinarem no controle exclusivamente jurídico da constitucionalidade das leis. Mas já não estão, de modo algum, legitimados a erigir-se em contralegisladores ou em substitutos do legislador, invadindo a ampla liberdade de conformação política deste quadro da constituição e usurpando o núcleo essencial da função legislativa. (grifo nosso)

O celebrado autor português foi extremamente feliz em suas colocações, as quais estão em total consonância com nossas expectativas, isto é, da formação de um tribunal constitucional que tenha em si amadurecida a idéia de que o caminho para uma sociedade mais justa e democrática perpassa, necessariamente, pelo respeito ao equacionamento do poder/função/competência realizado na Constituição Federal. Isto pressupõe, de imediato, que sua atuação seja exclusivamente jurídica. Certamente que não estamos sendo ingênuos a ponto de desconsiderar que o Judiciário a todo tempo está a lidar com questões políticas. O que sob circunstancia alguma pode ocorrer, sob pena de desmantelamento das instituições que sustentam nosso Estado Democrático, é a apropriação do discurso político pelo Direito.

6723

Aliás, Niklas Luhmann, ao desenvolver sua teoria dos sistemas e da sociedade, consegue exprimir de maneira bastante elucidadora a relação entre Direito e Política. Segundo ele, a Política funda o Direito ao passo que o Direito legitima e dá operacionalidade à Política (LUHMANN, 2002, p.208). Cada um dos subsistemas vigentes na sociedade, como o Direito e a Política, seriam regidos por códigos próprios que lhes permitiriam o desempenho de suas funções, além, é claro, de possibilitar sua identificação e a distinção dos demais subsistemas.

O Direito, portanto, se regerá pelo código direito/não - direito, ao passo que a Política se pautará no código poder/não poder. Veja que os códigos pertinentes a cada um dos subsistemas verificados no interior da sociedade denotam lógicas de atuação totalmente diversas, o que é perfeitamente compreensível se considerarmos que como autopoiéticos que são, os subsistemas criam seus próprios códigos, devendo fidelidade aos mesmos. Segundo Luhmann (1996, p. 10), o acoplamento estrutural esperado e necessário entre Direito e política se dá através da Constituição, que torna viável a estabilidade de ambos os sistemas.

Nessa toada, o professor Menelick de Carvalho Netto (2004, p. 25) vislumbra certos paradoxos na Modernidade, vez que tanto o direito funda a si mesmo, bem como a política é o fundamento de si mesma. E arremata:

Esses paradoxos do fundamento de ambos os sistemas são velados, como demonstra Niklas Luhmann, pela aquisição evolutiva que representou a invenção da Constituição formal no final do século XVIII. É a diferenciação entre um direito superior, a Constituição, e os demais Direito, que acopla estruturalmente Direito e Política, possibilitando o fechamento operacional, a um só tempo, do Direito e da Política. Em outros termos, é por intermédio da Constituição que o sistema da política ganha legitimidade operacional e é também por meio dela que a observância ao Direito pode ser imposta de forma coercitiva (2004, p. 25).

Possível perceber, portanto, que Direito e Política estão um para o outro numa relação de complementaridade, estando os sistemas, como afirma Luhmann, fechados operacionalmente e abertos cognitivamente. Esta busca por vida própria, denunciada pelo mestre mineiro, tanto pelo Direito, como pela Política, já deflagra a tentativa de sobrepujamento de um sistema sobre o outro, fazendo com que não tenham fidelidade aos códigos que os identificam. Sem esta fidelidade, a estrutura do macrosistema fica prejudicada, já que haverá enorme dificuldade de identificar cada sistema e sua função, pois se admitirá que o Direito se manifeste através do código da política e vice-versa. Ao Judiciário, cabe se valer da linguagem do Direito, sob pena de sério atrito ao princípio da separação de poderes.

6724

Cabe ao STF, ao unificar a jurisprudência, velar pelo respeito aos preceitos e princípios constitucionais, mormente, através do controle concentrado de constitucionalidade, onde atua como verdadeiro filtro que impede a contaminação do ordenamento jurídico por normas portadoras do “vírus” da insubmissão ou da rebeldia, isto é, normas que já nascem afrontando seu próprio fundamento de validade, qual seja: a Constituição. Nisto está a legitimidade de sua atuação.

Aliás, na estruturação do sistema jurídico de forma hierarquizada, em que a Constituição ocupe o ápice, para onde todas as demais normas devem convergir e extrair seu último fundamento de validade está a maior contribuição de Hans Kelsen (2000) para a ciência jurídica. Isto porque é na idéia de supremacia da Constituição que se fundamenta todo processo de controle de constitucionalidade.

Mas, importante destacar que, embora o STF atue como “guardião da Constituição”, ele não está autorizado a se valer de argumentos alienígenas ao Ordenamento Jurídico para sustentar suas decisões. Resta indubitável que num Estado de Direito, a lei, mesmo larga e livremente interpretada, representa sempre um limite, e um limite necessário, ao arbítrio do juiz (VECCHIO , 2005, p. 58).

Não pode o STF, enquadrando-se no tão festejado ativismo judicial, enveredar-se em “subjetivismos disfarçados de interpretação constitucional” (FREIRE JUNIOR, 2005, p. 25) ou legal. Por isso deverá sempre no desempenho de sua função de efetivador de direitos fundamentais se valer de uma argumentação racional, consistente e consentânea com os ditames do Estado Democrático de Direito.

Sem dúvida que a perspectiva democrática invocada como pressuposto de legitimidade das decisões judiciais já representa significativo controle da atividade judicial a evitar arbítrios. Nessa cadência, a “teoria do discurso” de Habermas, por sustentar-se numa razão comunicativa, corrobora o que estamos a dizer, já que nela, não só os argumentos das partes, manifestados mediante pretensões de validade, são postos à refutação, mas também, os argumentos do julgador. Todos envolvidos constituem-se atores e participam da construção do discurso através do debate[§].

Essa dificuldade na delimitação das funções do Estado de forma clara e evidente atinge não somente o Brasil, mas diversos países do mundo. Na Alemanha, por exemplo, a cientista política, Ingeborg Maus (2000, p. 195), manifesta sua preocupação quanto ao fato de o Poder Judiciário a fim de dar concretude e efetividade a certos direitos, sobretudo, os fundamentais, quedar como verdadeiro superego de uma sociedade órfã, atuando na qualidade de administrador da moral pública.

6725

Para ela, a instância competente para debates de ponto de vistas morais não é o Judiciário. Assim, põe em relevo o perigo verificado “quando a jurisprudência trata seus próprios pontos de vista morais como regras jurídicas”, pois se assim for, “qualquer fato imaginável pode ser identificado como juridicamente relevante e transformado em matéria judicial” (MAUS, 2000, p. 195).

Denuncia que após a Segunda Guerra Mundial e a queda do regime nazista, os juízes alemães procuravam, a qualquer preço, “reerguer um Estado de direito, identificado como uma Justiça livre de todas as formas de controle e vinculação. Esta postura transparece no ditado de Klaus Adomek, citado por Ingerborg Maus (2000, p. 201), “a lei vincula seus destinatários não seus intérpretes”.

Também Juliano Zaiden Benvindo (2008, p. 22-23) destaca que a Corte Constitucional alemã, de maneira bem ativista, passou tratar como seu campo de responsabilidade e autoridade, não somente problemas jurídicos, mas também sociais, econômicos e políticos, de modo que se transformou em referência necessária para solução dos principais dilemas envolvendo a sociedade alemã. Para este autor, isso foi fruto:

de um controverso desenvolvimento histórico que não apenas favoreceu a descrença na política tradicional, como também requereu o surgimento de uma nova instituição que pudesse ocupar o vácuo de legitimidade após a Segunda Guerra Mundial, a Corte Constitucional alemã passou atuar fortemente em diferentes temas sociais, muitas vezes desacompanhada da crítica, até porque a doutrina estava enfraquecida no pós-guerra. Nesse contexto, ela pôde estender sua autoridade para os mais diferentes assuntos da vida social e, ao mesmo tempo, desenvolver teorias e metodologias que davam conta dessa assunção de poder. Assim, por exemplo, passou a adotar uma forma de controle constitucional fundado na idéia de direitos como princípios objetivos embarcando toda ordem social, política e jurídica que poderia dar razão ao estabelecimento de formas de argumentação claramente politizadas e que aumentava ainda mais seu espaço de atuação e discricionariedade. [...] E daí nasceu aplicação do princípio da proporcionalidade com essa assunção valorativa e objetiva, que, sem dúvida, causa perplexidade ao princípio da separação de poderes.

“O pior de tudo", ainda na análise do doutorando em direito público pela Humboldt-Universität zu Berlin (2008, p. 23), é que tal expansão foi percebida com ares de admiração pelo mundo jurídico, Assim, a doutrina, ao invés de procurar abalar a autoridade, que seria um dos seus principais papéis, acabou por deificar a autoridade, permitindo-se que as decisões da Corte Constitucional se tornassem a nova lei.

6726

Esta não é, certamente, a atuação que se espera do Poder Judiciário. A Justiça não é nem deve ser o filtro de valores e de concepções morais identificados numa dada comunidade. A instância competente para tanto seria o Legislativo, onde o procedimento é o mais democrático possível e a lei é concebida como expressão da vontade geral, manifestada pelos representantes eleitos por um povo soberano. Somente assim seria possível atenuar o “constante esvaziamento do significado e da importância do Legislativo, seja pelo argumento da eficiência, típico do Executivo, ou seja, pela “tecnicidade”, sacralizada e apolítica do Judiciário” (BIGONHA, 2008, p. 21).

Nessa ordem de idéias, são valiosos os ensinos de Klaus Günther (2000, p.87-99) ao estabelecer a distinção entre o discurso de justificação e o discurso de aplicação da norma. De maneira bem simplista, podemos dizer que o primeiro é pertinente ao Legislativo no processo de confecção normativa, diz respeito à validade da norma e impõe aos integrantes da atividade legislativa que considere todos os interesses envolvidos, ditos universais. O segundo, por sua vez, dito discurso de aplicação, é aquele do qual se valem os juízes na prestação jurisdicional. Parte do pressuposto de que não existe norma ideal capaz de prever todas as situações e condutas hipoteticamente possíveis, o que requer respeito ao senso de adequabilidade das normas válidas a um caso concreto, isto é, que se leve em conta todas as peculiaridades relevantes de uma dada situação, que devem ser avaliadas antes de se determinar a aplicação de uma norma. Evidentemente, cada um desses discursos observa uma lógica própria. Vejamos:

Nos discursos de aplicação, pesa a limitação da argumentação mais ampla existente nos discursos de justificação – argumentos pragmáticos e ético-políticos devem ficar excluídos, sob pena de se aceitar uma reabertura do processo legislativo, todavia, com um rol de legitimados à discussão muito inferior. Isso não significa negar que, ao longo de um discurso de aplicação jurídico, não surjam questões políticas e pragmáticas, mas alerta-se para o fato de que a decisão não poderá reabrir a discussão de justificação, ou seja, o magistrado deve tomá-las como produto do discurso anterior e tratá-las como válidas prima facie, avaliando-as e posicionando-se apenas no tocante a sua adequabi-lidade frente às circunstâncias do caso concreto, sem, com isso, buscar construir novos argumentos de ordem pragmática ou ético-política (PEDRON, 2008, p. 62)

Através dos discursos de justificação, o legislador político avalia um espectro ilimitado de razões normativas e pragmáticas, traduzindo-as à luz do código do Direito. Já o aplicador jurídico encontra uma constelação de normas bem mais limitadas, vez que ele deve lançar mão das escolhas já feitas pelo legislador. Uma vez que as escolhas do legislador são traduzidas conforme o código do Direito, elas passam a funcionar sob a lógica jurídica. Dado a isso, a tarefa deixada a cargo do aplicador não é mais justificar tais razões, mas encontrar, dentre as que o legislador considerou como prima facie válidas, a única adequada para fornecer uma fundamentação acerca da correção da ação singular trazida pelo caso sub judice. (PEDRON, 2008, p.63)

6727

Justamente por isso, estamos com Ronald Dworkin (2005, p.13) quando nos ensina que os juízes ao julgarem devem se valer de argumentos de princípio, e não de política, pois a prestação jurisdicional substantiva no Direito é uma questão de princípio. Os valores morais e políticos vigentes numa dada comunidade são importantes para o Direito na medida em adentram no sistema jurídico sob as vestes de princípios, deixando assim de ser para o Direito mera orientação moral ou política para assumir carga normativa e, portanto, vinculante.

O autor norte-americano, já precipita uma resposta para seus questionamentos acerca da atuação dos juízes no próprio título da obra “Uma questão de princípios”. Ele admite que os magistrados dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha recorrem a argumentos políticos ao fundamentar uma decisão judicial. Na Inglaterra, o fenômeno se dá maneira mais discreta, pois a grande maioria dos advogados, juízes, juristas e professores se mostra avessa à idéia de que decisões políticas possam ser proferidas com fundamentos meramente políticos. Mas ainda assim acentua de que a Câmara dos Lordes utiliza, freqüentemente, argumentos tão-somente políticos se esforçando para dar a impressão de que as decisões eram tomadas com fundamentos jurídicos (DWORKIN, 2005, p. 04).

Nos Estados Unidos a questão está mais dividida, havendo número expressivo de professores, estudiosos do Direito e até juízes de tribunais prestigiados, que defendem que “as decisões judiciais são inevitável e corretamente políticas” (DWORKIN, 2005, p. 05).

O autor, ao explicar o motivo pelo qual entende correta a utilização de argumentos de princípios e não de política, faz uma distinção fundamental. Segundo ele não há qualquer problema na utilização de argumentos de princípios políticos[**], mas sim quando julgamentos se contentam em explanar fundamentos de procedimentos políticos (DWORKIN, 2005, p. 06). Os primeiros emanam da própria Constituição, como fruto de um consenso acerca dos valores políticos vigentes à época da inauguração da mesma. Já o segundo, encontra-se presente nas constituições como atribuição da função legislativa, sendo considerada uma intromissão ilegítima do Judiciário no Legislativo quando aquele se reporta a fundamentos de natureza eminentemente política em sua atuação.

Assim, entendemos que o juiz ao confrontar-se com questões de natureza política, o que é perfeitamente natural em nosso contexto constitucional, deverá procurar nos limites do Ordenamento Jurídico a saída (que quando não estiver manifesta em forma de regra pode ser inferida através de princípios).

6728

O problema está quando recôndito em conceitos como proporcionalidade/ razoabilidade, o desvio de função perece se legitimar. Encobre-se, desta maneira, a faceta obscura da situação, qual seja: a retirada de campo dos argumentos essencialmente jurídicos, que legitimam a atuação do Judiciário, para uma dimensão totalmente axiológica que tornam sua atividade isenta de qualquer controle, permitindo que os onze ministros que compõe o Supremo Tribunal Federal exerçam autêntico “poder de veto sobre as políticas da nação” (DWORKIN, 2005, p. 41) o que representa verdadeiro golpe contra as bases democráticas de nossa República.

A ADIn 855-2 é apenas um caso, entre tantos outros, em que o STF tem se manifestado com fundamentos que indicam nitidamente a usurpação de funções dos demais Poderes, em especial do Legislativo. Na atual conjuntura, não podemos assistir passivos e apáticos o momento em que, segundo Menelick de Carvalho Netto (2004, p. 25-26):

[...] os próprios órgãos legitimados pela Constituição voltam-se contra a sua base de legitimidade para devorá-la, tal como Cronos fizera com seus próprios filhos. Revela-se a face brutal da privatização do público, do poder estatal instrumentalizado, reduzido a mero prêmio do eleito, visto como as batatas a que faz jus o vencedor, no dizer de Machado. É o sentimento de anomia que passa a campear solto, vigoroso, alimentando-se a fartar das dificuldades que encontramos em recuperar as sementes de liberdade presentes em nossa Constituição, mergulhada em nossas tradições. E as tradições de qualquer comunidade político-jurídica são sempre plurais, por mais autoritárias que possas ser as eventualmente vitoriosas ao longo da história.

Uma reação que combata a atual situação, descrita brilhantemente pelo mestre mineiro, requer uma nova postura dos profissionais do Direito, uma reação endógena, que comece lá em sua formação acadêmica, isto é, nos próprios cursos jurídicos, que insistem em um modelo de ensino “bancário”, na expressão de Paulo Freire, incapaz de incitar o aluno à criticidade ou à curiosidade epistemológica, antes, propagam um “conhecimento previamente mastigado dos manuais didáticos, associados à cuspida narrativa de práticas profissionais nem sempre auspiciosas, por vezes travestidas de doutrina” (VENTURA, 2007, p.261).

Não devemos nos intimidar pelos argumentos de autoridade que por vezes são utilizados para nos fazer retroceder na busca por dias melhores[††]. Se possível mudança parece não partir dos órgãos hierarquicamente superiores, vamos nós, a base da pirâmide, lutar para empreendê-la, e, assim, materializar o verdadeiro espírito democrático presente em nossa Constituição. Como bem nos ensina Paulo Freire (1996, p.53), seria uma imensa decepção sabermos que nossa presença no mundo não implica em nenhuma possibilidade de mudança, de construção da nossa presença. Devemos nos conscientizar de que não somos apenas objetos da História, mas sujeitos seus, e, portanto, com capacidade de intervir em seu curso (FREIRE, 1996, p.77).

6729

Nisto reside nossa esperança: em fazer nosso pequeno sussurro ou ruído se somar à multidão de vozes que, juntas, formam o grande coro que entoam o cântico “Basta”. Basta de desrespeito à nossa ordem democrática consagrada na Constituição.

4 Considerações finais

Conforme dito alhures, não raramente o STF tem se utilizado em suas decisões de argumentos extra-jurídicos em sede de controle concentrado de constitucionalidade. E pior, procura legitimar tais decisões através do uso indiscriminado de princípios, como, no caso da ADIn 855-2, do princípio da proporcionalidade.

Assim o faz como se a mera referência a um princípio, por si só, fosse capaz conferir racionalidade e legitimidade à sua atuação. Ignora o princípio da separação de poderes e se utiliza de argumentos tão somente políticos para invalidar uma norma, de modo que impõe seu juízo de razoabilidade ( cálculo custo/benefício) sobre aquele realizado pelo Legislativo.

Ao proceder desta maneira, o STF subverte a ordem constitucional e invade a competência de outros Poderes sem deixar qualquer possibilidade de defesa. É a consolidação de um dos paradoxos da Modernidade denunciado por Menelick Carvalho Netto, em que tanto o Direito funda a si mesmo, bem como política é o fundamento de si mesma. É preciso, com Dworkin, que o Judiciário se valha de argumentos de princípios. E com Günther, que respeite o acoplamento realizado entre direito e política pela Constituição. Somente neste acoplamento é que vamos encontrar os limites necessários a uma convivência democrática e harmoniosa entre os Poderes do Estado.

5 Referências Bibliográficas

ARISTÓTELES. A política. São Paulo: EDIPRO, 1995 (Série Clássicos).

AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 15ª Ed. São Paulo: Globo, 2003.

6730

BENVINDO, Juliano Zaiden. O método e a verdade: O aprendizado Constitucional e a Universidade Alemã. In: Constituição e Democracia (SindjusDF/UNB), Brasília, n.27, p. 22-23, Nov. 2008.

BIGONHA, Antônio Carlos Alpino. Corte Constitucional dos Trópicos. In: Constituição e Democracia (SindjusDF/UNB), Brasília, n.27, p. 21, Nov. 2008.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CARVALHO NETTO, Menelick de. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Hermenêutica e Jurisdição Constitucional. Coord. Marcelo Cattoni. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 27ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. Trad. Luís Carlos Borges. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FREIRE JR, Américo Bedê. O Controle Judicial das Políticas Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 37ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LOCKE, John. Carta acerca da tolerância; Segundo Tratado sobre o Governo; Ensaio acerca do entendimento humano. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores)

6731

LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. Tradução livre feita por Menelick de Carvalho Netto. In: ZAGREBELSKY, Gustavo (coord.). Il Futuro Della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996.

LUHMANN, Niklas. El Derecho de la Sociedade. México: Universidad IberoAmericana, 2002.

MAUS, Ingerborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã. In: Novos Estudos CEBRAP, n.58, Novembro, 2000.

MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 1999.

PEDRON, Flávio Quinaud. A distinção entre Jurisdição e Legislação no Pensamento de Klaus Günther. In: Revista da CEJ, ano XII, n.41, p. 59-66, abr/jun.2008. Disponível em: << www2.cjf.jus.br>>

PEIXINHO, Manoel Messias. O princípio da Separação dos Poderes, a Judicialização da Política e Direitos Fundamentais. Disponível em: <<www.scribd.com>> Acesso: 15 de março de 2009.

PIÇARRA, Nuno. Separação dos Poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra, 1989.

PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. 3ª ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos e Constitucionales, 2007.

VASCONCELOS, Padre Francisco de. Habermas e o conteúdo normativo da Modernidade. Vila Velha: Gráfica Editora Quatro Irmãos, 2008.

6732

VECCHIO, Giorgio Del. O Estado e suas fontes do Direito. Belo Horizonte: Líder, 2005.

VENTURA, Deisy de Lima. Do direito ao método e do método ao direito. In: CERQUEIRA, Daniel Torres de; FILHO, Roberto Fragale (Org.) O ensino jurídico em debate: o papel das disciplinas propedêuticas na formação jurídica. Campinas: Millennium, 2007.

[*] O surgimento da concepção de proporcionalidade, enquanto um conceito próprio do Direito Público, remonta ao contratualismo jusnaturalista da época do Iluminismo. Assim, nas conhecidas teorias contratualistas, como a de John Locke, que procurava justificar a fundação do Estado na celebração de um pacto civil, nasciam os pressupostos filosófico-políticos mais importantes do princípio em análise (PULIDO, 2007, p. 44-45). Com o fortalecimento da idéia de poder político, as intervenções estatais na esfera de liberdade individual passaram a ter que ser proporcionais, fato que impunha adequação entre os meios e os fins perseguidos pela ingerência estatal. (PULIDO, 2007, p. 46). Mas foi com a consolidação do Direito prussiano de polícia, com a destacada contribuição de Carl Glottlieb Svarez (quem esboçou os subprincípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito), que o conceito normativo de proporcionalidade experimentou enorme expansão no Direito Público, sobretudo, o europeu (PULIDO, 2007, p. 46-47). Assim, ao longo de todo século XIX tal princípio passou a ser aplicado nas mais variadas áreas do Direito Administrativo alemão, representado uma reivindicação de direitos fundamentais frente ao Estado, o que alcançou seu ápice após a Segunda Grande Guerra, onde diversos países também passaram a se valer dele como fundamento para o controle dos atos administrativos do Estado, mesmo que não previsto explicitamente nos textos constitucionais (PULIDO, 2007, p. 49).Mesmo depois de diversas aprimorações, estamos com o publicista francês Xavier Philippe, citado pelo ilustre professor Paulo Bonavides (2007, p. 392), de que há princípios muito mais fáceis de entender do que definir, e que, certamente, o princípio da proporcionalidade está entre estes. Mas, de um modo geral, pode-se dizer que há certo consenso de que o mesmo “se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo” (BONAVIDES, 2007, p.393). Assim, verificado o excesso de poder pelo Legislador, que não equilibrou os meios com os fins constitucionais perseguidos, será possível declarar a norma produzida como inconstitucional.

6733

[†] Segundo o professor J.J Gomes Canotilho (2003, p. 579) “quando se fala de divisão ou separação de poderes não se coloca em crise, como já se acentuou, a unidade do Estado, pois mesmo numa democracia pluralista integrada em comunidades políticas mais amplas, não está em causa a indivisibilidade da estadualidade ou estatalidade .<<Dividir>> ou <<separar>> poderes é uma questão atinente ao exercício de competências dos órgãos de soberania e não um problema de divisão do poder unitário do Estado. Neste contexto se deve compreender as idéias de freios e contrapesos, checks and balances, separação e interdependência, tradicionalmente associadas ao princípio da separação dos poderes”.

[‡] Segundo o professor Manoel Messias Peixinho (2008, p.13) “o neoconstitucionalismo propõe-se a ser uma saída metodológica ao juspositivismo, mediante a construção de uma nova teoria constitucional que não se limita ao reconhecimento da organização das competências estatais, mas objetiva efetivar os direitos fundamentais e as garantias inerentes ao Estado democrático”.

[§] Na concepção habermasiana, “a participação em discursos possui força revolucionária em dois aspectos: “Ultrapassa convenções e leis existentes, tomando distâncias de papéis sociais concretos e engendrando novos princípios a partir da projeção de uma publicidade argumentativa aberta. E, em outra vertente, as barreiras que provém das repressões de caráter, são também explodidas pela participação em discursos, abrindo-se espaço à auto-realização”. (VASCONCELOS, 2008, p. 114)

[**] Interessantes anotações fazem Canotilho acerca dos “princípios políticos constitucionalmente conformadores”. Segundo o autor português são eles que “explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Nestes princípios de condensam as opções políticas nucleares e se reflete a ideologia inspiradora da constituição [...] os princípios políticos constitucionais são o cerne político de uma constituição política. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.1166)

[††] Isso porque é recorrente o argumento falacioso de que nada podemos fazer, pois ao STF cabe errar por último. Aliás, argumento que ele mesmo consagra. O professor Antônio Carlos Alpino Bigonha (2008, p.21), assim relata: “O decano do Supremo Tribunal Federal, na recente cerimônia de posse da nova presidência da Casa, invocando Rui Barbosa, afirmou categoricamente, que a Corte, não sendo infalível, pode errar, mas a alguém deve ficar o direito de errar por último.” É lamentável.