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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS *Mestranda em Geografia PPGG UFGD ** Doutorando em Geografia PPGG UFGD *** Doutoranda em Geografia PPGG UFGD
A paisagem pantaneira como a cultura do turismo: O caso da cidade de Corumbá-MS
Érica dos Santos Oliveira*
Éder Damião Goes Kukiel**
Claudia Vera da Silveira***
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo compreender a construção simbólica da
paisagem pantaneira e sua apropriação como atrativo turístico. A Paisagem
Pantaneira possui grande influência no modo de vida dos habitantes da cidade de
Corumbá-MS, que é considerada a capital do pantanal. Devido à grande diversidade
de fauna e flora e sua morfogeografia única, a planície atrai muitos interessados em
conhecê-la e em consumir o espaço natural pantaneiro, criando uma dependência
econômica e um círculo de mercantilização da natureza onde muitos se beneficiam,
principalmente empresários do setor turístico em suas diversas escalas. Em relação
aos procedimentos metodológicos, foram realizados trabalho de campo enfatizando-
se a observação e a descrição para compreensão das relações estabelecidas no
contexto pantaneiro, além de entrevistas semiestruturadas e conversas informais
junto a representantes do trade turístico local e turistas presentes na cidade de
Corumbá-MS. Os resultados indicam a existência de uma diversidade cultural
presente na cidade de Corumbá–MS, intensificada pela atratividade turística
relacionada ao Pantanal, que torna a cidade única por sua potencialidade e
diversidade, oportunizando troca de saberes e experiências, produzindo uma
hibridez natural, típica de áreas complexas e intensas culturalmente (OLIVEIRA;
COSTA, 2013). Com isso podemos observar que tanto na natureza, quanto na
cultura, os fatores de atração turística estão em expansão no ambiente pantaneiro.
Palavras – chave: Paisagem Pantaneira – Turismo - Cultura
Introdução
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O objetivo deste estudo é compreender os aspectos relacionados à
diversidade cultural e às relações turísticas presentes na área da cidade de
Corumbá – MS. Oliveira & Costa (2013) destacam que a cidade é repleta de
representações culturais, salientando as animosidades decorrentes desse leque
intensificado pela atratividade turística relacionada ao Pantanal, que torna a Cidade
de Corumbá - MS, única, por sua potencialidade e diversidade, oportunizando troca
de saberes e experiência, e logo, uma hibridez natural, típica de áreas complexas e
intensas culturalmente. Contudo, Costa (2012, p.33) acrescenta que a hibridização
cultural, dependerá da construção histórica das relações sociais.
Buscamos tanto na natureza, quanto na cultura, enfatizar que o fator de
atração turística está em expansão no contexto do ambiente pantaneiro. Mas o
turismo carrega sua complexidade por sua potencialidade como produto explorador
de recursos naturais. O Pantanal é um atrativo turístico de grande importância
biológica, geográfica e histórica. Seguimos o pensamento de Saquet (2007, 2009),
procurando reconhecer a unidade entre as dimensões da economia-política-cultura-
natureza (E-P-C-N). Os procedimentos metodológicos, foram realizados em trabalho
de campo pautados na observação e na descrição para compreensão das relações
estabelecidas no contexto pantaneiro, além de entrevistas semiestruturadas e
conversas informais junto a representantes do trade turístico local e turistas
presentes na cidade de Corumbá-MS.
Por se tratar de uma área fronteiriça e com potencialidades naturais, ou seja,
complexa por tamanha teia de especificidades e animosidades, constata-se que
existem também as relações de enriquecimento cultural, de amizades, de respeito e
gratidão, constituindo a diversidade cultural que se apresenta na Cidade Branca,
como é conhecida a cidade de Corumbá, MS (Figura 01).
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Figura 01: Localização da Cidade de Corumbá- MS. Fonte: Acervo do autor
Tal nomenclatura se dá por sua formação calcária, como destaca Pereira
(2007), cidade edificada sob um platô calcário à margem direita do rio Paraguai,
região noroeste do Estado de Mato Grosso do Sul. Fundada em 1778, segundo
Barros (2012, p.63) possui 104.317 habitantes e fica localizada a 420 km da Capital,
Campo Grande, numa área total de 64.960,863 km², o que representa 18,19% da
área do Estado de Mato Grosso do Sul, abrigando cerca de 60% do Complexo
Pantanal, uma planície inundável de vasta biodiversidade com fauna e flora
exuberantes, com suas tipografias de vegetação do cerrado, sendo o bioma
brasileiro mais preservado, apesar da criação de gados que é uma importante
atividade econômica para a região, aliadas as atividades turísticas.
É reconhecida como a maior planície de inundação contínua do Planeta
Terra, diferenciando sua formação em relação aos demais biomas (IBGE, 2010). A
cidade de Corumbá está localizada a cerca de 5 km da linha de divisa internacional,
de Arroyo Concepción, localizada na unidade municipal de Puerto Quijarro,
Província de Germán Busch, na Bolívia. Oliveira & Costa (2013) destacam que de
forma empírica se observam os arranjos espaciais da biodiversidade pantaneira,
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onde diferentes atores culturais – locais ou não – interagem nessas zonas de
contato, promovendo a construção de identidades.
O contexto social pantaneiro existente no município de Corumbá é composto
não somente trabalhadores no Pantanal, como os ribeirinhos, mas também de
grandes proprietários de terra em suas vastas fazendas, assim, como de instituições
ambientalistas, pesquisadores de vários lugares do mundo, indígenas, quilombolas,
libaneses, paraguaios, bolivianos, além de migrantes regionais. Como destaca
Banducci Jr (2012 p.9) no ambiente pantaneiro se misturam referências de povos
indígenas, dos trabalhadores paraguaios, sulistas, mineiros e nordestinos. Além dos
demais grupos presentes no Pantanal, como os pescadores, agricultores e os
distintos povos indígenas.
Apesar do paraíso imaginário, adaptar-se às frequentes inundações da
planície e ao seu isolamento nessas épocas, não é tarefa fácil para o povo
pantaneiro, o que lhes proporciona conhecimentos distintos em plantações para a
subsistência, cultivo de plantas medicinais e suas determinadas curas,
conhecimentos sobre plantas aquáticas e as alterações comportamentais dos peixes
em época de cheias. A observação do ambiente pantaneiro torna-se primordial para
a vivência em cada comunidade ribeirinha.
Tal diversidade, desperta o interesse e entendimentos peculiares dessa
conjuntura social onde o ator principal é o Pantanal. Importa conhecer a relação
entre a sociedade e a natureza e se nesse processo existe a consciência da
conservação ambiental ou somente a valorização em âmbito capitalista, na
mercantilização do Pantanal como paisagem preservada e de beleza única.
Segundo Moretti (2012 p.272) a transformação do valor de uso em valor de troca
nas relações da sociedade com a natureza faz parte do processo de produzir a
natureza de acordo com as necessidades e interesses do mundo moderno.
O turismo e o Pantanal
O turismo de pesca é o grande atrativo turístico da região, mas a comunidade
local se depara com a falta de estrutura política voltada para o seguimento turístico
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além da pesca, existem muitas propagandas midiáticas atrativas, mas nenhuma
ação de fiscalização ou roteiro planejado para consumo da cidade em outras
perspectivas, como o turismo de compras, turismo de fronteira e o turismo cultural.
Os turistas exploram a natureza pantaneira, capturam seus exemplares de
peixes e seguem para suas origens, beneficiando quase que unicamente, os
empresários do setor turístico, apesar do setor empregar pessoas em diversas
escalas de trabalho, Oliveira & Costa (2013) nos auxilia ao destacar que o turismo
de pesca também fortalece o quadro sociocultural e econômico dessa região.
Os autores destacam ainda, que essa diversidade atrativa proporciona uma
multiplicidade de segmentos ligados à exploração turística e se torna de grande
importância na percepção do trabalhador, que apesar de visualizar todo o potencial
econômico da região, se depara, muitas vezes, com a dificuldade em explorá-la por
falta de capacitação adequada.
AMARILIO & MARIANI (2010, p.30) indicam a possibilidade de exploração do
turismo pela população:
Ao invés do turismo da pesca, contribuir com seu saber em outras atividades do turismo, como turismo contemplativo no qual inclui safári fotográfico, canoagem, caminhadas, noturnas e diurnas, cavalgadas, passeios de barco e até o turismo de habitação, na área urbana de Corumbá, dado seu valor histórico e cultural.
Destacam-se nesse contexto, as relações de alteridade, relacionadas à
paisagem pantaneira, assim como a interação econômica congruente desse espaço
geográfico e seus recursos naturais (Figuras 02 e 03), o que desperta o intento de
compreender a construção desse ecossistema como atrativo turístico sem
menosprezar o arranjo social e cultural a partir de seus moradores e de seus
consumidores.
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Figuras 02 e 03: Ecossistema Pantanal e Porto Geral de Corumbá Fonte: Fundação de cultura e Turismo do Pantanal e Corumbá Incrível
As relações do setor turístico com a paisagem pantaneira foram construídas
através de símbolos culturais, com destaque para a fauna e flora, as crenças,
religiões e o misticismo, muito presentes nas comunidades tradicionais pantaneiras
ribeirinhas, o que nos intenta a pesquisar a relação entre a produção da cultura e a
construção da paisagem, no sentido de entender dialeticamente a prática
exploratória da natureza e sua mercantilização pelo turismo, assim, como a relação
de dependência das comunidades para com o Pantanal, não só como fonte de
alimento e trabalho, mas pela construção simbólica pantaneira para venda e (des)
envolvimento local.
Símbolos culturais e a relação com a paisagem Pantaneira
A riqueza cultural da cidade, também explora a nomenclatura Pantanal,
porém, em menor escala que o turismo de pesca. Nesse sentido, o bioma Pantanal
se identifica como símbolo de pertencimento de seu povo, construído ‘de e para’ o
povo, mesmo que haja, a exploração econômica advinda da exuberância da fauna e
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flora local, utilizada também, pelo poder público para a divulgação de eventos na
cidade de Corumbá- MS.
Convém abarcar a este amplo tema, a festividade do Banho de São João
(Figuras 04 e 05), onde muitos “festeiros” participam do concurso de andores e em
procissões descem a Ladeira Cunha e Cruz conduzindo as imagens do Santo com
animais pantaneiros e a viola de coxo, instrumento típico pantaneiro, até a margem
direita do Rio Paraguai para banhá-las, pedindo proteção e casamento. Apesar de
São João não ser considerado o Santo casamenteiro, diz a lenda, que para a moça
conseguir bom pretendente, torna-se necessário passar embaixo de três andores
diferentes.
Figuras 04 e 05: Imagem de São João no Rio Paraguai – Folder do Arraial do Banho de São João Fontes: IPHAN e Fundação de Cultura do Pantanal
A religiosidade se destaca através das inúmeras obras de artes, expostas ao
ar livre pela cidade, como o São Francisco de Assis representado com os animais
pantaneiros e São João sendo banhado no Rio Paraguai simbolizando o seu
batismo em águas pantaneiras
Para Geertz (1989), ‘quando o ser humano se organiza em sociedade em
busca de sua identidade e sobrevivência, surgem às curiosidades, a busca por
contatos com o desconhecido, elaborando práticas mitos, símbolos, ritos sagrados
ou não, como modos de sintetizar o mundo’. Nessa relação, o sagrado passa a fazer
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parte da reflexão e das ações culturais, transpondo segurança e moral ao ser
humano. A natureza e o seu esplendor pode ser considerada sagrada e o ser
humano, profano.
No campo literário, destacamos o poeta Manoel de Barros (1916-2014) que
declamava as belezas pantaneiras como nenhum outro (Figura 6). Ao longo dos
anos, destacou a paisagem pantaneira em seus livros e imortalizou suas belezas em
seus poemas e causos, que hoje, são conhecidos globalmente.
Figura 6: Poema exposto na Estação Natureza Pantanal Fonte: Arquivo da autora. Fundação Boticário
O poeta abarcava em suas obras, a infância em fazendas pantaneiras através
de suas lembranças e vivências. Manoel de Barros se mostrava preocupado com as
transformações ocorridas no espaço pantaneiro na estação das cheias, apesar do
período ser de suma importância para a vida no Pantanal.
Com pouco, esse rio se entedia de tanta planura, de tanta lonjura, de tanta grandura_ volta para sua caixa. Deu força para as raízes. Alargou, aprofundou alguns braços ressecos. Enxertou suas areias. Fez brotar sua flora. Alegrou sua fauna. Mas deixou no Pantanal um pouco de seus peixes. E emprenhou de seu limo, seus lanhos, seu húmus _ o solo do Pantanal. Faz isso todos os anos, como se fosse uma obrigação. Tão necessário, pelo que tem de fecundante e renovador, esse rio Taquari, desbocado e malcomportado, é temido também pelos seus ribeirinhos. Pois, se livra das pragas nossos campos, também leva parte de nossos rebanhos. Este é um rio cujos estragos compõem. (BARROS, 2003: p. 20.)
Em relação às atividades culturais e de aventuras elaboradas pelo poder
público local onde o grande atrativo é o contato com a Paisagem Pantaneira,
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destacamos o Festival América do Sul, que objetiva a integração cultural através da
literatura, da música, da dança, do artesanato, da gastronomia e principalmente da
história da formação dos países sul americanos.
A construção simbólica da paisagem pantaneira como atrativo turístico
A construção do Pantanal como atrativo turístico foi se destacando
amplamente, e no âmbito local, a sociedade também foi desenvolvendo estratégias
para que o interesse na biodiversidade do bioma também se tornasse atrativo
financeiramente. O turismo na região do Pantanal tornou-se importante para o (des)
envolvimento local. SMITH (1988) destaca que “no processo do trabalho, os seres
humanos tratam os materiais naturais como objetos exteriores do trabalho a serem
transformados em mercadorias” e acrescenta ainda que a imagem da paisagem
encarna a esperança e a promessa do futuro.
Diante da apresentação desse universo complexo e culturalmente rico, essa
área merece destaque, seja pela pluralidade cultural, pelas relações de poder ou
pela interação com a natureza pantaneira ou mesmo pelos fluxos de pessoas e
mercadorias.
O Pantanal influencia e é influenciado por seus atores, o homem passou a
idealizar a dominação da natureza e a vê-la como uma matéria a ser conquistada e
explorada em nome de um progresso sem limites, onde as riquezas e conquistas
humanas se constituem através da depredação natural em nome de um capitalismo
sem medidas. Destruímos a natureza, agredimos a fauna e a flora, poluímos o ar
atmosférico e contaminamos nossos alimentos em busca de sucesso financeiro e
não da qualidade de vida.
Descartes com a afirmação “penso, logo existo” ocasionou a visão
antropocêntrica e influenciou a máxima de que o homem é o dominador da natureza,
é racional, enfraquecendo a inter-relação homem-natureza, pois fez com que a
natureza fosse considerada um objeto não pensante, logo, passível de inexistência
racional, organizada e valorizada somente por sua utilidade ao homem. (jus.com).
A divisão entre espírito e matéria levou à concepção do universo como um sistema mecânico que consiste em objetos separados, os quais, por sua
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vez, foram reduzidos a seus componentes materiais fundamentais, cujas propriedades e interações, acredita-se, determinam completamente todos os fenômenos naturais. Essa concepção cartesiana da natureza foi, além disso, estendida aos organismos vivos, considerados máquinas constituídas de peças separadas (CAPRA, 1982, p. 37).
Abordamos a paisagem pantaneira, sua dominação e exploração pelo
homem. NOGUEIRA (2009) acrescenta que aliado a tudo isso, a marcha da
globalização econômica e cultural, que, movida pela revolução da informatização a
que se refere Capra (1982, p.37), vem se desenhando um novo perfil da trajetória
humana em busca do entendimento das velhas e novas tradições.
Ainda segundo a autora, a cultura pantaneira, assim como as demais culturas,
oscila entre o apego aos valores tradicionais e o convite às mudanças ditadas pela
nova ordem, que se instaura na nova sociedade. Nogueira (2009), considera que o
Pantanal nasceu sob o enigma da diferença, tanto do espaço morfogeográfico
quanto de seu contexto antropocultural, marcada pela ocupação efetivada de fluxos
migratórios de diferentes regiões.
Ao contracenarem com os habitantes nativos e com os imigrantes, principalmente portugueses e paraguaios, contribuíram para novas formações interétnicas, cujo de processo de miscigenação originou-se o hibridismo cultural que sempre caracterizou a vida pantaneira. (NOGUEIRA, 2009)
Para Melo (2003), a Ciência Social vem enfrentando o desafio das interfaces
com outras linguagens e novas alternativas metodológicas, como a representação
que considera estratégia de sobrevivência de diversos atores sociais no processo de
elaboração do entendimento das mudanças que ocorrem em suas vidas. “É evidente
que essas significações têm que ser construídas, ressignificadas pela memória, o
que significa um intenso processo de percepção do espaço vivido e da formação da
consciência de si, do eu e do outro” (CHAUÍ, 1995, p. 28).
A cultura das comunidades tradicionais pantaneiras, enraizada na cidade de
Corumbá está muito ligada à religiosidade e se manifesta em devoção e festas
através de suas crenças, valores e fé que durante décadas vem sendo passado de
geração em geração, dando assim, continuidade as promessas e graças recebidas,
cultua-se a religiosidade africana, com festividades na Umbanda e Candomblé, das
influências Paraguaia e Boliviana, voltadas ao espiritismo “mesa branca” e católico,
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mas cada uma nacionalidade com suas especificidades, logo, o corumbaense
pantaneiro, adquiriu crenças e influências de outros povos, transformando suas
tradições e sofrendo o processo de hibridização.
A cidade de Corumbá é conhecida por suas festividades, seus símbolos
culturais sempre são representados por festas e muita alegria. Dorsa (2013)
corrobora ao dizer que “nas comunidades tradicionais sempre houve a valorização
dos símbolos, responsáveis não só pela continuidade das tradições ali existentes,
como também pela forma de transmissão de geração em geração”.
O Pantanal é constituído por uma paisagem de belezas naturais, singulares e
misteriosas, que compõem o cenário e a vida cotidiana dos povos ribeirinhos
pantaneiros. (LEITE, 2003), enfatiza que “o Pantanal sempre despertou a
curiosidade e o imaginário das pessoas”.
Os mitos presentes na cultura pantaneira se contrapõem a elementos
contemporâneos regidos pelo capitalismo onde a natureza se torna um bem de
consumo sem delegar importância ao conhecimento nativo e subjetivo sobre a
planície. Leite (2003) aborda que esses elementos culturais no mundo capitalista
regidos pela razão instrumental, pelo consumismo voraz, são relegados muitas
vezes aos guetos do conhecimento como algo sem importância e distanciado da
realidade objetiva.
O misticismo pantaneiro evidencia que culturalmente suas águas são
encantadas e diversos seres existem em sua paisagem, constituindo uma relação
íntima e singular com a fauna e flora, muito por sua segregação social e cultural.
Na solidão das planícies, em missões canoeiras, na orla dos rios, o pantaneiro vive em sociedade, numa sociedade muitas vezes elaborada por ele mesmo, num universo particular, que se define e caracteriza pelo tipo de relacionamento que se estabelece consigo mesmo, com outros e com a natureza (NOGUEIRA & VALEZZI, 1996, p. 26).
A fé e a religiosidade estão presentes na definição da cultura pantaneira. O
lugar tece as raízes de sua cultura, construindo a história e produzindo identidades
em seu espaço delimitado. “É através dessa identidade que o ser humano se
comunica com o resto do mundo” (SANTOS, 1987). Nas palavras de Dorsa (2013)
nos orienta que a subjetividade da experiência religiosa contribui para a vida social,
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o que motiva atitudes e comportamentos coletivos referentes ao sagrado e as
formas espaciais resultantes do cotidiano social.
Nossa Senhora do Pantanal, a Santa Sul-Mato-Grossense é Corumbaense
A devoção local a Nossa Senhora do Pantanal (Figuras 07 e 08), cujo oração
e hino são amplamente apresentados aos fiéis, em templos católicos, cria mais um
símbolo da identidade local, a Santa Protetora do Pantanal e dos pantaneiros. A
Nossa Senhora do Pantanal se materializa em forma da imagem da Virgem Maria
representando a gratidão do povo pela abundância de riquezas em formas e fluxos
da natureza pantaneira. Muller (2006), relata que Dom Milton Santos, Bispo
Diocesano em documento datado de 21 de setembro de 2001, em comemoração
aos duzentos e vinte e três anos da cidade de Corumbá, reconheceu a Santa como
mãe de Jesus e mãe de todos nós, Virgem Maria.
Dona Ida Santos, artesã e uma das fundadoras da Casa de Massa Barro,
sonhou que o povo pantaneiro, assim como a sua fauna e flora, necessitava de
proteção divina, logo, idealizou-se, através de sua aparição, a Santa que
representasse o amor e a gratidão de seu povo pelas belezas naturais do Pantanal.
A Santa foi batizada como Nossa Senhora do Pantanal por Dr. Gabriel
Vandoni de Barros, uma figura ilustre da cidade. Suas formas foram trabalhadas em
semelhança com a Nossa Senhora Aparecida, porém, com as particularidades que
remetem a paisagem pantaneira. A Santa de beleza única, foi sendo moldada pelo
barro e pelas mãos de sua idealizadora, com feições finas, manto e coroa bordados
com folhas e flores de camalotes, entre eles, três botões de flores que simbolizam a
Santíssima Trindade: o Pai, a Mãe e o Espírito Santo. Tendo aos seus pés, entre os
camalotes, as sandálias do Frei Mariano, uma lenda local.
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Figuras 07 e 08: Nossa Senhora do Pantanal – Imagens produzidas na Casa de Massa Barro Fonte: Arquivo da autora
Nossa Senhora do Pantanal é considerada a única Santa genuinamente Sul-
Mato-Grossense, foi reconhecida pela Igreja Católica através de Dom Milton Santos,
Arcebispo de Corumbá, em 2001. Há expectativas na difusão da Nossa Senhora do
Pantanal proporcionando intencionalidades sobre o turismo da fé.
O seu hino é de autoria do compositor Sandro Nemir e sua letra, do cantor
Aurélio Miranda. O hino representa a grandiosidade mítica da Nossa Senhora do
Pantanal, Santa protetora do Pantanal e de sua espiritualidade.
“Nossa Senhora do Pantanal, virgem santíssima, mãe de Jesus! Protegei.... Os pescadores, e os pantaneiros, na procissão de um povo missioneiro, com a vossa bênção de amor e paz! Vossos filhos... que navegam em águas do Rio Paraguai: herdeiros dos sonhos dos seus ancestrais. Do sonho...a ponte da ponte a vitória, e o progresso se faz. Exalto... A beleza da mãe natureza sob um céu azul. Nobre santuário, de riquezas mil, chão do meu Brasil, Mato Grosso do Sul! O meu coração é Sul-Mato-Grossense! Eu sou pantaneiro, sou corumbaense, devoto de Nossa Senhora do Pantanal, sou da Terra Branca, Linda Corumbá, nosso cartão postal! Nossa Senhora do Pantanal, imaculada, rogai por nós! Acolhei todas as preces dos peregrinos, olhai... A fauna e flora, e o destino dos que vos louvam, cada vez mais, bendita seja, vossa imagem pura pelos aguaçais, lá da ribeirinha do Rio Paraguai! Bendito...é o futuro de paz e esperança, desse amor que nos traz. (NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA DO PANTANAL, Corumbá, 08 de setembro de 2001)
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Os ensinamentos de Rosendahl (1996), definem a religiosidade e a fé
pantaneira em seu espaço sagrado:
Um campo de forças e valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que transporta para um meio distinto no qual transcorre sua existência. É por meio de símbolos, dos mitos, dos ritos que o sagrado exerce a sua função de mediação entre o homem e a divindade. E é o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possibilita ao homem entrar em contato com a realidade transcendente chamada deuses (ROSENDAHL, 1996. P.30).
O Pantanal configurou-se ao longo dos anos como extensa gama ao atrativo
turístico e econômico, valorizando a sua dinâmica natural, cultural e social.
Conforme Bello (2014), “quando nos referimos ao Pantanal Brasileiro, fazemos
menção desse ecossistema como um todo, visando mostrar as tendências em
relação à imagem vendida da região pelo e para o turismo”. Assim, a cultura da
cidade de Corumbá se projeta como única em sua dinâmica, pois tudo e todos estão
ligados em todas as escalas, a exuberância da paisagem pantaneira, abarcando
efetivamente o segmento turístico, seja ele, de pesca, de fronteira, de compras, de
contemplação ou cultural. Uma tríade entre o homem, a natureza e o capital.
Considerações Finais
A Paisagem Pantaneira possui grande influência no modo de vida dos
habitantes da Cidade de Corumbá, MS. Considerada a Capital do pantanal, insere o
nome do Bioma em várias atividades e festividades, construindo aos poucos a
imagem do Pantanal como atrativo turístico para o desenvolvimento socioeconômico
do local. Devido à grande diversidade de plantas e animais e sua morfogeografia
única, a planície atrai muitos interessados em conhecê-la, em consumir o espaço
natural pantaneiro, criando uma dependência econômica e um círculo de
mercantilização da natureza onde muitos se beneficiam, principalmente,
empresários do setor turístico em suas diversas escalas, e em menor proporção, a
população prestadora de serviços ao turista, não menos importantes, porém bem
menos valorizados.
O foco da pesquisa é evidenciar que a cultura do turismo é fortemente
influenciada pela população local, pela gastronomia, pela religiosidade, pela
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preocupação com a natureza e a preservação do Pantanal, pelo misticismo
fascinante e ingênuo destacado na pesquisa, pelas crenças e costumes de
diferentes povos proporcionando uma miscelânea de sentimentos e uma diversidade
cultural única. Uma simbologia pautada na Paisagem Pantaneira e sua exuberância.
Essas configurações produzem territórios e territorialidades complexos pelo
leque de singularidades que a cidade apresenta. Seus fluxos e fixos, sua ordem e
desordem, seu concreto e abstrato, seu místico e o seu híbrido...
Apesar do Pantanal ser explorado pelo capital turístico, sua população ainda
mantém a simplicidade cultural, com comunidades tradicionais, que difundem suas
vivências cheias de especificidades, fatores típicos da imaginação de uma
sociedade que enxerga no bioma, sua fonte de sustento e inspiração.
O Pantanal permanece como o senhor da cidade Branca e de seus
habitantes, em suas águas se banham lendas, crenças, costumes, admiração,
fascínio, respeito, gratidão, beleza... e um capitalismo voraz.
REFERÊNCIAS
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