a organizaÇÃo curricular de matemÁtica no ensino ... · ensino fundamental e médio, da rede...
TRANSCRIPT
A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DE MATEMÁTICA NO ENSINO
FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: INTERROGAÇÕES E RETICÊNCIAS
Elaine Sampaio Araujo- FFCLRP/USP
Ingrid Thais Catanante- FFCLRP/USP
Stefanie Lello Wilkins- FFCLRP/USP
Resumo
Este texto busca apresentar questões relativas à organização do ensino de
matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que vem sendo discutidas em uma
pesquisa no âmbito do Projeto Observatório da Educação/CAPES. Neste trabalho nosso
olhar voltar-se-á, particularmente para duas perspectivas sobre a organização do ensino
de matemática: no contexto da ampliação do ensino fundamental para nove anos e na
relação com as avaliações externas. Para isso, buscamos analisar como a inserção do
Brasil, no cenário das avaliações externas de grande escala - a destacar o PISA, e em
âmbito nacional, a Provinha Brasil –, pode afetar a organização curricular dos anos
iniciais do Ensino Fundamental (EF). A ampliação do EF para nove anos é outro fator
que se encontra diretamente relacionado com este proceso. Considerando as
especificidades do processo de ensino e aprendizagem para crianças pequenas, quando
pensamos em avaliação, reforçam-se as algumas das já conhecidas indagações no
ambiente escolar: O que ensinar? Como reorganizar o currículo, de forma que não seja
a antiga primeira série para as crianças de sete anos, nem a pré-escola, que, até então,
era quem deveria atender as crianças de seis anos? Ao mesmo tempo em que os
documentos oficiais, relativos ao ensino de 9 anos, defendem uma nova organização
curricular, que considere as peculiaridades da infância nas diferentes áreas do
conhecimento, tal defesa não se materializa em documentos que, de fato, subsidiam a
elaboração de um novo currículo, muito menos nos instrumentos de avaliação da
aprendizagem. Desta forma, fica evidente a necessidade de repensar metodologias e
práticas que se mostram deficitárias e pouco têm contribuído para crianças maiores,
quanto mais para as crianças menores, bem como a emergência, no âmbito escolar, na
produção de projetos político-pedagógicos que neguem a regulação e gerenciamento dos
currículos a partir das avaliações externas.
Palavras-chave: Ensino Fundamental de 9 anos; avaliações externas; matemática;
organização curricular.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002059
2
Questões primeiras
Este texto busca apresentar questões relativas à organização do ensino de
matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que vem sendo discutidas em uma
pesquisa no âmbito do Projeto Observatório da Educação/CAPES, cujo objetivo
principal é investigar as relações entre o desempenho escolar dos alunos, representado
pelos dados do INEP e a organização curricular de matemática nos Anos Iniciais de
Ensino Fundamental (EF). Neste trabalho nosso olhar voltar-se-á, particularmente para
duas perspectivas sobre a organização do ensino de matemática: no contexto da
ampliação do ensino fundamental para nove anos e na relação com as avaliações
externas.
Considerando as especificidades do processo de ensino e aprendizagem para
crianças pequenas, reforçam-se as algumas das já conhecidas indagações no ambiente
escolar, voltadas agora para os novos sujeitos que frequentam o Ensino Fundamental de
nove anos: o que ensinar? Como reorganizar o currículo, de forma que não seja a antiga
primeira série para as crianças de sete anos, nem a pré-escola, que, até então, era quem
deveria atender as crianças de seis anos?
Com vistas ao ensino da matemática, o cenário também gera incertezas.
Questões se apresentam. Em relação ao currículo poderíamos, entre tantas, interrogar:
quais são as implicações da ampliação do Ensino Fundamental na organização do
currículo de matemática? Há clareza dos conteúdos a serem trabalhados no ensino de
matemática com a entrada de crianças de seis anos no Ensino Fundamental? E em
relação aos instrumentos de avaliação, as avaliações externas têm regulado o currículo?
Qual o sentido dessas avaliações, particularmente nos anos iniciais? E, nesse sentido,
quais os impactos que podem ser previstos em relação ao instrumento “Provinha Brasil”
na versão sobre conhecimento matemático? Quais relações, de similitudes e diferenças,
podem ser estabelecidas entre o primeiro instrumento de avaliação externo com o qual
nossa criança se depara, comumente com seis ou sete anos de idade, a Provinha Brasil,
realizada no segundo ano do Ensino Fundamental das escolas públicas brasileiras e a
avaliação realizada pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação dos Alunos),
dirigida a estudantes com idade de quinze anos? O que está sendo avaliado em cada
situação?
Assim, o objetivo deste texto é explicitar as indagações que têm orientado a
pesquisa envolvendo os princípios e as práticas da organização do ensino de matemática
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002060
3
nos anos iniciais do EF e os caminhos que temos percorrido para respondê-las. Trata-se
de um percurso no qual não apenas interrogações se fazem presentes. Exclamações,
vírgulas, reticências também marcam o trajeto. A intenção não é acrescentar um ponto
final, mas contribuir com algumas pontuações. Uma delas refere-se à compreensão de
que a aprendizagem, em situação escolar passa, necessariamente, pelo ensino. Isso
significa que a discussão sobre a aprendizagem das crianças não pode ser feita senão em
sua inter-relação com o ensino, que se objetiva na organização curricular. A outra
pontuação diz respeito ao fato de entendermos que a organização do ensino de
matemática deve ser feita na dimensão horizontal do percurso escolar do estudante,
abrangendo a Educação Básica em sua totalidade, desde a Educação Infantil até o
Ensino Médio. Ou seja, não é possível olhar a organização do ensino de matemática em
um determinado momento do sistema de ensino, no caso os anos iniciais do EF, sem
considerá-la em relação ao que antecede e ao que precede. Daí a razão pela qual neste
texto procuraremos em um primeiro momento contextualizar o PISA em relação aos
programas de avaliação externa de âmbito nacional, e em seguida tratar de um contexto
específico, o da ampliação do EF para nove anos e, por fim, buscamos traçar, ainda que
brevemente, a relação entre avaliação, aprendizagem e organização do ensino.
Do fim para o começo ou do começo para o fim
Em agosto de 2011 a agência de avaliação de risco financeiro Standard and
Poor´s (S&P) rebaixa a nota atribuída à qualificação do crédito da maior economia do
mundo, a dos Estados Unidos, de nota máxima AAA para AA+. Palavras de ordem
como “eficácia”, “estabilidade” e “previsibilidade” serviram como descritores do
enfraquecimento de instituições políticas estadunidenses e o consequente rebaixamento
na avaliação de risco financeiro. O ranking do sistema financeiro mostrava sua face
cruel a então sólida economia americana. Colocava a desnudo a crescente dívida e o
déficit de orçamento não apenas dos Estados Unidos, mas de outros países europeus. O
World Economic Forum (WEF), com a autoridade que lhe foi atribuída pelas maiores
economias do planeta, decreta a existência da crise financeira mundial, que pode ser
caracterizada por letras e sinais.
Como a discussão sobre a crise econômica que assola a economia global,
relaciona-se com as discussões sobre a organização do conhecimento matemático nos
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002061
4
anos iniciais do EF? Não se trata com certeza da linguagem algébrica, nem pela
evidência de que tudo pode ser medido, tudo pode ser ranqueado. Relaciona-se,
outrossim, com a questão dos princípios que conduzem a avaliação, seja dos sistemas
financeiros, seja dos estudantes. Em ambos os casos a avaliação justifica-se como
indicador para o reordenamento de ações. Eficácia, estabilidade e previsibilidade no
campo econômico equivalem à competência e habilidade no campo educacional.
Assim, não é por acaso que o PISA, Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes, foi criado em finais do milênio passado e sob a égide da OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Ele tem por objetivo
estabelecer um ranking mundial da educação e, atualmente, congrega mais de sessenta
países de todos os continentes. Estão inclusos os países considerados economicamente
mais “avançados”, países considerados “emergentes”, como o México, Chile e Turquia,
os “gigantes emergentes” como Brasil, Rússia, Índia China (BRIC) e países em
desenvolvimento da África, Ásia, América Latina e Caribe.
No Brasil a instituição responsável atualmente pela implementação do PISA é o
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP,
responsável também pela organização e manutenção do sistema de informações e
estatísticas educacionais, bem como pelo desenvolvimento de programas de avaliação
educacional.
De acordo com o Projeto Básico PISA (2012), em documento apresentado pelo
INEP, o programa objetiva “produzir indicadores de desempenho estudantil voltados
para as políticas educacionais, fornecendo orientações, incentivos e instrumentos para
melhorar a efetividade da educação, além de possibilitar a comparação internacional”.
Trata-se de uma avaliação trienal, cujo slogan determina “melhores políticas para
melhores vidas”. É uma avaliação por amostragem envolvendo alunos com 15 anos, do
ensino fundamental e médio, da rede pública e privada, de escolas urbanas e rurais.
Estima-se avaliar, então, o desempenho dos alunos no fim do segundo ciclo do Ensino
Fundamental e/ou anos iniciais do Ensino Médio.
A participação do Brasil nessa avaliação tem ocorrido desde o seu primeiro ano
de aplicação, no ano 2000, e nos anos subsequentes (2003; 2006; 2009). No período de
2000 a 2009 foram avaliados cerca de 21.000 alunos brasileiros e 400.000 no cenário
mundial. A cada ano que há a aplicação do PISA uma das disciplinas avaliadas é
privilegiada, isso significa que o aluno fará mais questões dessa disciplina e também
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002062
5
terá mais tempo para resolvê-la. No ano de 2003 enfocou-se a disciplina de matemática,
ou seja, o aluno resolveu 80 questões dessa disciplina, 30 questões referentes à Leitura e
30 da disciplina de Ciências. Seguindo o ciclo das disciplinas enfocadas pelo PISA, o
ano de 2012 terá como privilégio novamente a disciplina de Matemática. Em 2003 o
Brasil ocupou o último lugar no ranking, com a média de 356. Nos anos seguintes, o
país melhorou sua média e foi considerado pelos documentos técnicos da OCDE como
um “gigante emergente”, alcançando em 2006 a média de 370 e em 2009, 386. Vale
lembrar, porém, que nas duas últimas edições da prova a área de matemática não foi a
de maior ênfase. Assim, com os resultados do ano de 2012 poderemos ter uma
comparação mais adequada sobre o desempenho dos estudantes nessa disciplina.
De qualquer modo, o desempenho apresentado pelos estudantes brasileiros no
PISA demonstra algo que infelizmente não pode ser considerado uma novidade: “vamos
mal em matemática”. Não é preciso nenhum instrumento de avaliação externo para
indicar que não sabemos operações matemáticas elementares, como o algoritmo da
divisão, por exemplo, cuja ideia central é a de que “o todo deve ser de todos de forma
igual”. Essa é uma lição que ainda não aprendemos e a desigualdade social evidencia tal
realidade todos os dias, escancarada pelos rankings mundiais: em 2011 o Brasil ocupou
o 6º lugar na economia mundial, superando inclusive o PIB da Inglaterra; 84º em IDH e
88º em educação.
A inserção do Brasil no cenário das avaliações externas de grande escala teve
início da década de 90 com a criação do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação
Básica). As reformas educacionais que foram realizadas desde então estiveram
orientadas sempre na direção do mercado e da competitividade internacional,
sustentadas na estratégia de “desenvolvimento da competitividade para integração da
economia brasileira à globalização econômica” (FIGUEIREDO, 2009, p. 03). No caso
do SAEB, desde sua criação os governos federais que se sucederam o mantiveram,
realizando algumas alterações. No ano de 2005 a Portaria Ministerial nº 931 alterou a
sua estrutura que passou a ser composta por duas avaliações complementares: Avaliação
Nacional da Educação Básica (ANEB) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(ANRESC), conhecida como Prova Brasil. Entretanto, o caráter de mensuração do
SAEB não foi alterado, segundo Frigotto e Ciavatta:
Trata-se de uma avaliação que não avalia as condições de produção
dos processos de ensino e que não envolve diretamente o corpo
docente, portanto não é avaliação e sim uma mensuração simples. A
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002063
6
forma de divulgação e o uso desta “medida” como avaliação punitiva pelo Ministério da Educação ou a sua utilização seletiva como critério
de acesso ao nível superior e ao emprego ampliam as suas
deformações. Ressaltamos que não se trata de negar o direto e o dever
do Estado de avaliar, o que está em questão é o método, o conteúdo e a forma autoritários e impositivos de sua implementação (2003,
p.117).
Acrescentaríamos às críticas dos autores a questão de que tais instrumentos têm
servido de regulação das propostas curriculares. E é nessa esteira, de um projeto
econômico para a educação (dado o pouco espaço que dispomos a política do Banco
Mundial para a Educação, embora pertinente ao tema, não será aqui discutida), que
podemos situar a Provinha Brasil. O quadro 1 - Características da Provinha Brasil -
Anexo 1) apresenta uma síntese de sua estrutura.
A matriz de referência é composta por competências e habilidades e os eixos na
área de matemática são: Números e operações; Geometria; Grandezas e medidas e
Tratamento da informação. A matriz de referência, segundo declarado pelo INEP, no
item perguntas frequentes, (http://provinhabrasil.inep.gov.br/provinha-brasil),
configura-se como:
(...) uma referência para a construção do teste, sendo diferente de uma proposta curricular ou programa de ensino, que são mais amplos e
complexos. Desta forma, direcionar as práticas de alfabetização,
para que os alunos obtenham bons desempenhos na Provinha,
constitui um reducionismo pedagógico que deve ser evitado. A matriz da Provinha Brasil pode servir como referência, mas de forma alguma
deve substituir o currículo da escola em relação à alfabetização.
(grifos nossos)
Tal afirmação causa certa estranheza ao analisarmos a proximidade entre tal
matriz e os eixos presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais e, sobretudo, o limite
entre servir de referência para o currículo e substituí-lo. Será que tal reducionismo
previsto pelos próprios idealizadores do instrumento pode mesmo ser evitado? Tal
matriz de referência considerou o Ensino Fundamental de 9 anos?
Somadas a essas indagações, outras diretamente vinculadas surgem em relação à
concepção de ensino e aprendizagem: como a criança aprende? Quem é a criança dos
anos iniciais? O que ela tem aprendido? Quais são os objetivos de se ensinar
determinados conteúdos matemáticos? Quais são as diretrizes e orientações presentes
nos documentos oficiais para o ensino de matemática nos anos iniciais do EF?
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002064
7
Na tentativa de dialogar com algumas destas questões, o Ministério da Educação
por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB) e do Departamento de Políticas da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental (DEP), elaborou algumas publicações e
documentos sobre o ensino de nove anos. Um primeiro olhar sobre eles nos traz
algumas revelações.
Segundo o documento “Ensino Fundamental de nove anos - Orientações gerais”
(MEC, 2004) – publicação que se constitui como um referencial para as questões
pedagógicas e administrativas no que se refere à inclusão das crianças de seis anos de
idade no Ensino Fundamental – a ampliação desta etapa do ensino para nove anos “leva
necessariamente a repensá-lo no seu conjunto. Assim, esta é uma oportunidade preciosa
para uma nova práxis dos educadores, sendo primordial que ela aborde os saberes e seus
tempos, bem como os métodos de trabalho” (2004, p.18).
Desta forma, fica evidente a necessidade de repensar metodologias e práticas
que, como já afirmamos, se mostram deficitárias e pouco têm contribuído para a
aprendizagem das crianças maiores, quanto mais para as crianças menores. Assim,
parece ser um bom momento para uma nova organização do ensino de nove anos, de
forma que atenda as peculiaridades das crianças menores que ingressam agora nesta
etapa educacional, mas não só delas.
Ao olhar esse cenário indicamos outro ponto de interrogação que se instala em
nosso trabalho: quais ações são possíveis de se depreender dos dados apresentados pelas
avaliações da escola pública brasileira, em especial os da Provinha Brasil, que avalia os
alunos nos anos iniciais do EF? De acordo com o site do INEP, resumidamente,
algumas ações podem ser pretendidas a partir dos objetivos da Provinha Brasil e com
vistas à melhora na qualidade da educação, a saber: o estabelecimento de metas
pedagógicas para a rede de ensino; o planejamento de cursos de formação continuada
para os professores; investimento em medidas que garantam melhor aprendizado;
desenvolvimento de ações imediatas para a correção de possíveis distorções verificadas;
melhoria da qualidade e redução da desigualdade de ensino (informações disponíveis no
site do INEP). A questão que não quer calar, será esse o caminho para se alcançar uma
educação de qualidade e qual qualidade é almejada?
Esta mesma ideia, a da melhoria na qualidade da educação, está presente no
documento: “Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de
implantação” (2009) ao declarar que o ensino fundamental de nove anos “é um novo
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002065
8
Ensino Fundamental, que exige uma proposta pedagógica própria para ser desenvolvida
em cada escola (Parecer CNE/CEB n° 4/2008). Portanto, um novo Ensino Fundamental
requer um currículo novo” (p.14). Poderíamos acrescentar: e instrumentos de avaliação
novos.
O documento (BRASIL, 2009) explicita ainda que a concepção de currículo
adotada deva ser entendida como um conjunto que envolve: os objetivos, as áreas de
conhecimento, a matriz curricular definida pelos sistemas de ensino; oferta equitativa de
aprendizagens e conseqüente distribuição equitativa da carga horária entre os
componentes curriculares; as diversas expressões da criança; os conteúdos a serem
ensinados e aprendidos; as experiências de aprendizagem escolares e os processos de
avaliação.
Um novo ensino fundamental, com um novo currículo que não seja o da pré-
escola, e nem o da antiga primeira série, voltado para as crianças de seis anos, é o que
propõe este documento:
Não se trata de realizar um “arranjo” dos conteúdos da primeira série
do Ensino Fundamental de oito anos. Faz-se necessário elaborar uma
nova proposta político-pedagógica e curricular coerente com as especificidades não só da criança de seis anos de idade, como também
das demais crianças de sete, oito, nove e dez anos de idade que
realizam os cinco anos iniciais do Ensino Fundamental, assim como os anos finais dessa etapa de ensino (BRASIL, 2009, p.25)
Entretanto, ao investigar o ingresso da criança de seis anos no ensino
fundamental, a pesquisa de Pansini e Marin (2011), aponta alguns efeitos negativos que
já podem ser visualizados após a ampliação do ensino fundamental, tais como:
a preocupação com o respeito à infância e com um possível descaso
em relação à EI; a precariedade da formação de professores; as atuais condições das escolas de EF; os aligeiramentos na aplicação e
adequação à Lei e, ainda, a suspeita de que tal política represente
apenas uma medida de interesse econômico em detrimento do
interesse pedagógico (2011, p.91).
Neste sentido, recentes pesquisas têm mostrado as dificuldades que os sistemas
de ensino têm enfrentado no processo de implantação do ensino fundamental de nove
anos, a destacar: a reorganização curricular, a metodologia e os recursos utilizados no
processo de ensino e aprendizagem.
Será que o princípio de um novo currículo, conforme orienta os documentos e
publicações do Ministério da Educação, tem se concretizado nas práticas pedagógicas
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002066
9
nos anos iniciais do EF ou a ampliação significou somente uma antecipação dos
conteúdos às crianças de seis anos? Essas publicações são suficientes para orientar a
elaboração de uma nova proposta de organização do ensino, em especial na área da
matemática? Como deve ser avaliada a criança nos anos iniciais do EF?
Considerações provisórias
Até o momento apresentamos muito mais interrogações que afirmações. Assim,
para continuar o debate, gostaríamos de apresentar alguns pontos que consideramos
relevantes. O primeiro deles, no plano da legalidade, é que não somos contrários ao que
reza a LDB (9394/96), em seu Art. 9º, no qual cabe a União “assegurar processo
nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior,
em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a
melhoria da qualidade do ensino”, porém entendemos que tal processo deve ser
assegurado em consonância com a autonomia que as instituições educacionais gozam,
também segundo a LDB 9394/96 em seu Art. 13, de produzirem seus projetos
pedagógicos e do qual a avaliação deve ser parte integrante.
Em termos teóricos assinalamos a necessidade de compreender a relação
existente entre avaliação, ensino e aprendizagem. A avaliação da aprendizagem é,
igualmente, avaliação do ensino. Isto significa romper com a ideia tão difundida da
avaliação para fins diagnósticos e compreendê-la como instrumento do ensino e como
tal “deve orientar-se não ao ontem, senão ao amanhã do desenvolvimento infantil”
(VYGOTSKI, 2001, p.242). Em termos de teorias de aprendizagem isto significa
considerar a avaliação no âmbito da Zona do Próximo Desenvolvimento (VYGOTSKI,
2001), como um momento também de instrução e não apenas de comprovação, na
perspectiva de que a instrução promove o desenvolvimento:
No momento de assimilação de uma operação aritmética ou de um
conceito científico, o desenvolvimento dessa operação e deste conceito não finaliza, apenas começa. A curva do desenvolvimento
não coincide com a do curso do programa escolar. Nestas
circunstâncias, a instrução se adianta no fundamental ao
desenvolvimento. (VYGOTSKI, 2001, p.237)
Tais considerações possuem algumas implicações, das quais se destacam:
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002067
10
• a necessidade de compreender a (im)posição das avaliações, das diretrizes
curriculares - LEI, em relação a “lei” do mercado, no âmbito de um projeto
capitalista de sociedade;
• o questionamento da estrutura e dos instrumentos de avaliação externa, voltados
apenas ao produto;
• o questionamento de referenciais curriculares com caráter prescritivo;
• a produção de projetos políticos pedagógicos que neguem a regulação e
gerenciamento dos currículos a partir das avaliações externas e
• a garantia, no interior da escola, de instrumentos que permitam acompanhar o
processo de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes, de forma a agir a
tempo.
Refletindo sobre estas questões, podemos visualizar em que medida a
implantação do Ensino Fundamental para nove anos se relaciona com as avaliações
externas e a organização do ensino de matemática.
Segundo dados do Ministério da Educação (www.mec.gov.br) a iniciativa de
ampliar para nove anos o ensino fundamental (Lei no
9.394/1996) veio com a
justificativa de aumentar o número de alunos incluídos no sistema educacional,
oferecendo oportunidades de aprendizagem no período de escolarização obrigatória e a
possibilidade das crianças alcançarem um maior nível de escolaridade, prosseguindo
nos estudos. Em contrapartida, os sistemas de ensino tiveram que buscar diferentes
formas de estabelecer parâmetros que guiassem o processo de adequação à Lei, como a
criação de infraestrutura física e material para a faixa etária, conteúdos, organização do
currículo, planejamento e avaliação da proposta pedagógica.
Em relação ao conhecimento matemático, sabe-se que são muitas as maneiras de
ele ser veiculado em sala de aula e que cada uma delas traz implicitamente certa
perspectiva de ensino e aprendizagem da matemática. Para a perspectiva histórico-
cultural, a qual nos fundamentou, a história da constituição do conhecimento
matemático se desenvolve juntamente com a história da própria humanidade. Partindo
do princípio de que a matemática caracteriza-se como uma ferramenta simbólica e um
produto cultural, essa pode ser considerada como um instrumento criado pelo homem
para satisfazer suas necessidades instrumentais e integrativas (MOURA, 2007). Neste
sentido, devemos ressaltar o importante papel da linguagem a qual permite a
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002068
11
“hominização” da sociedade humana e o desenvolvimento de instrumentos e signos, os
quais se constituem como ferramenta essencial para a aprendizagem. Desta forma,
matemática se constitui no processo de análise e síntese gerado na dinâmica da
construção de respostas a questões que buscam o aperfeiçoamento da vida coletiva e
neste movimento se destaca a necessidade de controlar quantidades, a fim de colaborar
com a ampliação da capacidade humana para manter-se vivo e confortável.
Nesta perspectiva, defender a construção de uma proposta de ensino que atenda
às peculiaridades e necessidades das crianças significa pensar o conhecimento
matemático como produção humana, que pode e deve ser apropriado pelas crianças de
forma a tornar sua a experiência acumulada pela humanidade. Pretendemos desta forma,
mais do melhorar os “números” e estatísticas que denunciam o “fracasso escolar” na
área da matemática, garantir que esta possa ser ensinada para todos com qualidade nos
primeiros e próximos anos da vida escolar.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei n. 9394 de 20/12/1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação
(LDB). Brasília, DF, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Ensino Fundamental de 9 anos: passo a passo do
processo de implantação. Brasília: MEC/SEB, 2009. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/passo_a_passo_versao_atual_16_setembro.pdf
BRASIL. Ministério da Educação. Ensino Fundamental de 9 anos: orientações gerais.
Brasília: MEC/SEB/DPE/COEF, 2004. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/noveanorienger.pdf
BRASIL. MEC. INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira). Reflexões Sobre a Prática (Provinha Brasil). Brasília, 2011. Disponível em
http://download.inep.gov.br/educacao_basica/provinha_brasil/kit/2011/2_semestre/refle
xoes_sobre_pratica_2_2011.pdf
BRASIL. MEC. INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira). Projeto Básico do PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes). Brasília, 2012. Disponível em
http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/itens/2011/projeto_basico_aplica
cao_pisa_2012_rev2.pdf .
FRIGOTTO, Gaudêncio. CIAVATTA, Maria. Educação Básica no Brasil na década de
1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Campinas: Revista
Educação e Sociedade, vol. 24, 2. 82, p. 93-130, 2003.
MOURA, M. O. Matemática na Infância. In: MIGUEIS, M. R. e AZEVEDO, M. G.
(Orgs.) Educação Matemática na Infância. Abordagens e desafios. 1 ed. Vila Nova
de Gaia: Gailivro, 2007. (p. 39-64).
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002069
12
PANSINI, Flávia e MARIN, Aline Paula. O ingresso de crianças de 6 anos no ensino
fundamental: uma pesquisa em Rondônia. Educação e Pesquisa. 2011, vol.37, n.1,
jan/abr, 2011. Site do Ministério da Educação.
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira):
http://portal.inep.gov.br/web/provinha-brasil/objetivos, acessado em 04 de março de
2012. VYGOTSKY, L.S. Obras Escogidas. Tomo 2. Antonio Machado Libros: Madrid,
2001.
Anexo 1 - Quadro 1 (Características da Provinha Brasil)
(Informações disponíveis em: http://provinhabrasil.inep.gov.br)
Provinha Brasil
Ano de Criação2008
2011 MAT
AvaliaçãoFederal
Abrangência
2ºs anos do Ensino Fundamental –Alfabetização
alunos matriculados nas redes públicas
Escolas públicas constantes do Educacenso
Características gerais dessa avaliação
AVALIAÇÃO CENSITÁRIA – A Provinha Brasil é uma avaliação diagnóstica do nível de alfabetização das criançasmatriculadas no segundo ano de escolarização. Essa avaliação acontece em duas etapas, uma no início e a outra aotérmino do ano letivo.
INSTRUMENTOS – Os testes são compostos de 20 questões. De múltipla escolha, algumas dessas questões são lidas pelo aplicador da prova – na íntegra ou em parte - e outras são lidas apenas pelos alunos. Em cada ano ocorre um novo ciclo de avaliação da Provinha Brasil.
REFERÊNCIAS DA AVALIAÇÃO – “As habilidades avaliadas por meio da Provinha Brasil estão organizadas na Matriz deReferência para Avaliação da Alfabetização e do Letramento Inicial. Seleção de habilidades passives de aferição por meiodeste instrumento, consideradas também essenciais Cada questão do teste avalia, de forma preponderante, uma dashabilidades descritas na Matriz. A matriz é apenas uma referência para a construção do teste. É diferente de umaproposta curricular ou programa de ensino, que são mais amplos e complexos.
DISCIPLINA AVALIADAS – anualmente Língua Portuguesa e Matemática.
RESULTADOS – São descritos os cinco níveis de desempenho, identificados a partir das análises pedagógica e estatísticadas questões de múltipla escolha. A quantificação de acertos de questões caracterizam cada nível de alfabetização eletramento inicial que as crianças demonstraram. Por isso, cada teste possui um número distinto de questões paraidentificação de cada nível. – Os resultados não são enviados ao MEC e devem ser analisados pelas escolas e/ou SMEs.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.002070