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10/09/2015 A opinião do jornalista é importante? | Observatório da Imprensa – Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito
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Quinta-feira, 10 de Setembro de 2015 ISSN 1519-7670 - Ano 19 - nº867
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JORNAL DE DEBATES > A POLÊMICA DA ISENÇÃO
A opinião do jornalista é importante?Por José Carlos Aragão em 09/09/2015 na edição 867
Outro dia, numa rede social, alguém postou: “Quando leio um jornal, não quero saber a opiniãodo jornalista: só quero saber da notícia.” Rebati no ato: “Ao contrário, eu quero, sim, saber aopinião do jornalista!” E de outras pessoas. E a notícia também, por que não?
É que a minha opinião só se forma a partir do fato noticiado e da ponderação de todas asopiniões a respeito dele a que eu tiver acesso. E isso não significa que tenho que concordarnecessariamente com a opinião de nenhum jornalista ou de quem quer que emita sua opinião.Como ninguém precisa concordar com o meu ponto de vista. Basta respeitar.
Está na essência da democracia, da tolerância e da convivência a pluralidade de ideias e orespeito à diversidade. Cada cabeça, uma sentença, diz a sabedoria popular. E somos cerca desete bilhões de cabeças no mundo – 204 milhões delas só no Brasil. Por que deveria achar que aminha opinião é mais importante ou a única correta e que deveria ser seguida por todos?
Muita presunção.
Como é presunçoso e arrogante achar que a opinião alheia também seria irrelevante oudescartável. Como é injusto e antidemocrático vetar ao jornalista o direito de emitir juízo próprio.Como é ingênuo imaginar que toda notícia é isenta de manipulação por quem a publica.
Telefone sem fio
Sim, nenhuma notícia é a total expressão da verdade sobre um fato. Os livros de História estão aí,para comprovar isso. Entre o fato acontecido, o testemunho do fato, seu registro ou relato e suachegada ao conhecimento do leitor ou espectador final, muita coisa é editada e se transforma,como aquela clássica brincadeira de telefone sem fio. Vamos a exemplos:
– Um repórter de TV grava meia hora de entrevista com uma personalidade qualquer. Notelejornal da noite, a entrevista que vai ao ar não dura mais que 15 segundos.
– Um fotógrafo faz mais de 100 fotos durante a cobertura de uma partida de futebol. Na manhãseguinte, o jornal publica uma.
– Um portal de notícias publica em sua capa cerca de 80 chamadas para notícias diversas, depolítica, esporte, cultura, comportamento, finanças, tecnologia etc. Entre elas, uma chamada comfoto dizendo que a pseudocelebridade Tal foi flagrada exibindo seu corpão na praia, no diaanterior.
– O depoimento do ex-ministro sobre a crise econômica – que levou um dia inteiro para sernegociada pela produção do telejornal e incluída em sua apertada agenda – foi resumido a umaúnica frase, pinçada de meia hora de gravação bruta. Além disso, foi inserido em uma matéria de48 segundos, na qual o repórter incluiu ainda uma fala do ministro atual, de um economistaindependente e de uma dona de casa num supermercado.
Para o leitor que buscava apenas saber os detalhes do gol da vitória do seu time no jogo davéspera, o que ele viu, ao abrir o jornal, foi a foto da briga entre torcidas nas arquibancadas doestádio, em que morreu um inocente torcedor atingido na cabeça por um vaso sanitário e que,para o editor de esportes do jornal, foi o fato mais importante da partida.
O corpão exposto da ex-BBB na praia – como se “corpão” não fosse arroz de festa em qualquerpraia brasileira – foi considerado pelo editor como algo digno de nota e chamada no portal, aindaque isso não tenha a menor relevância para milhões de leitores que, como eu, não curtemcorpões ou celebridades instantâneas. (Mas o editor gosta e sabe que há outros milhões quepensam como ele e irão clicar no link só para ver a peladona famosa.)
O que há em comum em tudo isso? Todas essas informações foram, em alguma medida, editadas– ou manipuladas – antes de serem publicadas, segundo conveniências, gostos e convicçõespessoais, limitações de tempo ou espaço e, mesmo, interesses insabidos.
Então – tirando-se a suposta ingenuidade de quem possa julgar que toda notícia publicada é
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Então – tirando-se a suposta ingenuidade de quem possa julgar que toda notícia publicada éisenta por si própria –, o que move alguém a querer desancar a legítima opinião de um jornalista?
Educação, diversidade e pluralidade de ideias
De uns tempos para cá – mais precisamente com a profusão das redes sociais – muita genteachou confortável e oportuno culpar a chamada “grande mídia” pela mazelas do mundo. Cadaum, com seu smartphone e pau de selfie na mão, julgando-se a única e confiável “testemunhaocular da História”, passou a divulgar pela internet a sua “isenta” versão dos acontecimentos.
“Pau que dá em Chico, dá em Francisco”, entretanto.
Nada é isento, nas redes sociais. Se a grande mídia é acusada de conivência com governos (aquem deve impostos), subserviência ao poder econômico (que a patrocina) ou de favorecer esteou aquele partido político (visando a possíveis benesses pós-eleitorais), não se pode acreditar queas mídias chamadas “livres” também não tenham rabo preso, quer seja com ideologias e projetospróprios de poder, ou com grupos econômicos que as financiam subrepticiamente.
Num passado não muito distante, tivemos no país um fenômeno similar, embora guarde muitasdiferenças. Na década de 1970, tivemos no país o surgimento de vários jornais independentes, declara oposição à ditadura em que vivíamos. A maior parte deles era em formato tabloide, o que osdestacava dos jornalões tradicionais e que os levou a serem conhecidos como “imprensa nanica”.
Naquele tempo, contudo, mesmo os jornalões, em sua maioria, eram contrários ao governomilitar e eram recorrentemente perseguidos pela censura e pela prisão, tortura e morte de seusjornalistas. Havia também pressão e intimidação contra anunciantes, para que não veiculassempublicidade nesses veículos. Os “nanicos”, por seu lado, sobreviviam à custa de exemplaresvendidos, não dependiam de anunciantes (não que não o desejassem, claro), ou teriam sidofinanciados pelo fabuloso “ouro de Moscou”. O fato é que a maioria se autopublicava na marra,sob risco de morte de seus editores e colaboradores, de apreensão de tiragens antes dechegarem às bancas, e de empastelamento de suas gráficas e redações. Tempos de coragem emedo, muito medo.
Mas hoje, a coragem de quem ataca a “grande mídia” reside no território sem lei das redessociais, em que qualquer um se julga o herói da notícia e o dono da verdade. Abrigados noconforto e segurança do mundo virtual, franco-atiradores miram em quem não compartilha suaopinião e interesses próprios e, nessa batalha insana e míope, elegeram jornais e redes de TVcomo alvo principal – quando não, sua própria razão de viver.
Ao contrário do que pensam (pensam?), essa demonização da mídia tira o foco dos nossos reaisproblemas e canaliza para uma questão menor (não desprezível, porém) a energia e os esforçosnecessários para se mudar verdadeiramente o país. Mudança que só virá com a priorização deuma educação de qualidade, que forme cidadão críticos, tolerantes com a diversidade epluralidade de ideias, e impossíveis de serem manipulados pela mídia – seja ela de que tamanhofor.
***
José Carlos Aragão é escritor, dramaturgo e cartunista
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