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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA A ONU e os Refugiados Ambientais Uma Análise acerca da Influência da Ciência sobre o Regime Internacional dos Refugiados Ricardo de Sá Leitão Alencar Júnior Recife 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

A ONU e os Refugiados Ambientais

Uma Análise acerca da Influência da Ciência sobre o Regime Internacional dos Refugiados

Ricardo de Sá Leitão Alencar Júnior

Recife 2011

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A ONU e os Refugiados Ambientais

Uma Análise acerca da Influência da Ciência sobre o Regime

Internacional dos Refugiados

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Ciência Política da Universidade

Federal de Pernambuco, na área de

concentração em Política

Internacional, como requisito

obrigatório para a obtenção do grau

de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Ernani Carvalho

Ricardo de Sá Leitão Alencar Júnior

RECIFE 2011

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A368o Alencar Júnior, Ricardo de Sá Leitão A ONU e os refugiados ambientais : uma análise acerca da influência da ciência sobre o regime internacional dos refugiados / Ricardo de Sá Leitão Júnior. – Recife: O autor, 2011.

91 f: Il., 30 cm. Orientador : Prof. Dr. Ernani Carvalho

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Pós –Graduação em Ciência Política, 2011.

Inclui bibliografia.

1. Ciência Política. 2. Refugiados. 3. Organizações internacionais. 4. Comunidades epistêmicas. I. (Orientador). Carvalho, Ernani. II. Titulo.

320 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2011-16)

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Ata da reunião da Comissão Examinadora para julgar a Dissertação do aluno RICARDO DE

SÁ LEITÃO ALENCAR JÚNIOR intitulada: "A ONU e os Refugiados Ambientais - Uma análise

acerca da Influência da Ciência sobre o Regime Internacional dos Refugiados", para obtenção do

grau de Mestre em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Às 14:00 horas do dia 28 de fevereiro de 2011, na Sala no Auditório do Programa de Pós-

Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, reuniram-se os

membros da Comissão Examinadora para julgar a Dissertação intitulada "A ONU e os

Refugiados Ambientais - Uma análise acerca da Influência da Ciência sobre o Regime

Internacional dos Refugiados" composta pelos Professores Doutores Ernani Rodrigues de

Carvalho Neto (Orientador), Marcelo de Almeida Medeiros (Examinador Interno) e Andréa

Maria Calazans Pacheco Pacífico (Examinadora Externa). Sob a presidência do primeiro,

realizou-se a arguição do candidato Ricardo de Sá Leitão Alencar Júnior. Cumpridas todas

as disposições regulamentares, a Comissão Examinadora considerou a Dissertação

Aprovada com Distinção. Nada mais havendo a tratar, eu, Quezia Cristina Cavalcanti de

Morais, secretária substituta da Pós-Graduação em Ciência Política, lavrei a presente Ata

que dato e assino com os membros da Comissão Examinadora, Recife, 2§ de fevereiro de

2011.

Quezia ónstipa^GavAlcanti de Morais (Secretária substituta)

rientador)

•x./un ~\r InterProf, Dr. Marcelo de Almeida Medeiros j/Examinador Interno)

f/}

ProfDrVAndréa Maria "CalaáansPacheco Pacífico (Examinadora Externa)

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'cardo de Sá

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A Deus, causa de

todas as causas, e a

meus pais, cuja fé

esteia a minha razão.

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AGRADECIMETOS

Quero consignar minha gratidão, em geral, a todos aqueles que fazem o Programa

de Pós-Graduação em Ciência Política, desde nossas solícitas funcionárias aos professores

que souberam acolher, nesse Departamento cujo nascimento tive o prazer de presenciar,

este ousado curioso de outras plagas das Ciências Humanas.

Em especial, agradeço à minha querida Letícia, sempre companheira, por sua

compreensão com os percalços impostos por minha opção acadêmica, que lhe privaram de

tantas horas de minha companhia, e aos mestres que acompanharam esta etapa de minha

trajetória intelectual, especialmente, aos Profs. Drs. Flávio Rezende, competente e

abnegado professor e amigo de férteis confabulações; Ernani Carvalho, meu orientador,

cuja confiança em mim depositada incentivou meu esmero em acertar; Andréa Pacífico,

que acolheu a mim, refugiado egresso das plagas do Direito, e Marcelo Medeiros, com

quem não convivi em sala de aula, mas cujos conselhos, desde as reuniões do NEPI à banca

de qualificação, muito preciosos, procurei assimilar, e a quem atribuo muitas das virtudes

desta pesquisa.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO .............................................................................................................................. 7 RESUMO ............................................................................................................................... 8 ABSTRACT ........................................................................................................................... 9 1- REFÚGIO AMBIENTAL: UM ESTRANHO PARA O DIREITO INTERNACIONAL .............................................................................................................................................. 16 2 – A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA HISTÓRIA SINUOSA ............................................................................................... 20 2.1. Os princípios fundamentais e o contexto normativo da ONU ....................................... 20 2.2. O tratamento da questão dos refugiados pelas Nações Unidas ..................................... 23 3 - REVISÃO DA LITERATURA ....................................................................................... 31 3.1. As Teorias dos Regimes Internacionais ........................................................................ 31 3.1.1. A Essência das Teorias dos Regimes ..................................................................... 31 3.1.2. O Embate Teórico na Explicação dos Regimes Internacionais .............................. 34 3.1.2.1. O Mainstream Teórico dos Regimes Internacionais ....................................... 34 3.1.2.2. As correntes cognitivistas das Teorias dos Regimes Internacionais ............... 41

3.2. A Teoria das Comunidades Epistêmicas ....................................................................... 49 3.2.1. Conceito de comunidade epistêmica e suas possibilidades heurísticas .................. 49 3.2.2. Críticas à teoria das comunidades epistêmicas ....................................................... 53

4- HIPÓTESES DE PESQUISA .......................................................................................... 56 5. A ONU E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS: A AÇÃO DA COMUNIDADE EPISTÊMICA ....................................................................................................................... 57 5.1. A Postura Tradicional da ONU e o Sistema de Crenças Subjacente ............................. 57 5.2. Novas Ideias, Nova Política .......................................................................................... 60 5.3. A Comunidade Epistêmica Maximalista ....................................................................... 66 5.3.1. O ÉTHOS DA COMUNIDADE ............................................................................ 67 5.3.2. A ONU e a Comunidade Epistêmica Maximalista ................................................. 73

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 79 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 85

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RESUMO

O presente trabalho consiste de um esforço analítico sobre o fenômeno da formação

do regime internacional do refúgio ambiental, no seio da Organização das Nações Unidas

(ONU), que tem no ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados –

o órgão competente para conduzir e coordenar ações internacionais para proteção dos

refugiados e a busca por soluções duradouras para seus problemas.

Figura atípica no Direito Internacional, que, tradicionalmente, apenas admite o

refúgio motivado por conflitos e perseguições, o assim chamado refúgio ambiental tem, na

investigação de seu processo de formação, um instigante desafio para os analistas, tanto

pela oportunidade de, tomando como mote esse caso recente, avançar os estudos sobre a

formação dos regimes internacionais, quanto pela novidade do estudo deste fenômeno nas

Relações Internacionais. Nessa conjuntura convidativa, reside nosso problema: o que

explica a encampação de tal mudança institucional nos últimos anos?

Aparentemente, essa guinada no regime de refugiados tem caminhado pari passu

com as recentes descobertas e prognósticos científicos acerca das severas mudanças

climáticas observadas em nosso tempo e das catástrofes ambientais delas decorrentes

(tragédias responsáveis por numerosos fluxos migratórios), o que nos leva a indagar se

existe conexão causal entre uma possível articulação de acadêmicos para fazer essas novas

descobertas circular e a mudança de conduta institucional no seio da ONU.

Nesse sentido, nosso trabalho se mostra relevante como uma tentativa de

desenvolver as reflexões sobre a formação e modificação dos regimes internacionais,

lançando luzes sobre o papel das ideias – em especial, das ideias científicas – como

mecanismo concorrente para a ocorrência do fenômeno em estudo.

Palavras-chave: refugiados ambientais – organizações internacionais – regimes internacionais – teorias cognitivistas – comunidades epistêmicas

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ABSTRACT

Our essay endeavors to analyze the recognition of the environmental refuge, a brand

new phenomenon headed by the United Nations Organization and its High Commissioner

for Refugees – UNHCR –, regarding that as a transformational process of an international

regime.

The so-called environmental refuge is atypical in International Law. Explaining this

change is such an instigating challenge for every International Relations analyst, not only

for it fostering an advance in the study of regimes formation and changing but also because

the phenomenon in focus, though current and relevant, is practically unexplored in our

discipline.

Summarily speaking, our research problem is how to explain this process of

institutional change. Specifically, we intend to investigate if and how recent findings and

prognostics about climate changes and environmental catastrophes have been influencing

decision-making processes both at UN and UNHCR.

Doing so, this essay aims to contribute to IR’s reflections on international regimes’

constitution and changes by highlighting the role of ideas – specially the scientific ones – as

an explanatory mechanism for such phenomena.

Keywords: environmental refugees – international organizations – international regimes – knowledge-based theories – epistemic communities

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INTRODUÇÃO

Se o intuito é apresentar nosso trabalho, prezando pela boa lógica, convém que

principiemos dedicando algumas poucas linhas a tratar do seu título. Para tanto,

primeiramente, devemos proceder a um saneamento terminológico.

A discussão em torno dos refugiados ambientais é um dos temas candentes no

âmbito das Relações Internacionais, entretanto, devido à sua relativa novidade, ainda não

temos um acervo de literatura tão consistente quanto se tem, por exemplo, em relação aos

outrora designados temas de “alta política”. Dentro da Ciência Política, então, a escassez é

ainda mais sensível – carestia que vivenciamos no cotidiano de nossa pesquisa. Em

decorrência dessa incipiência nos estudos sobre esse objeto, ainda pairam, inclusive,

impasses (embora, ultimamente, atenuados) em torno da própria intitulação do instituto1:

afinal, estaríamos falando de refúgio ou asilo ambiental?

Embora, em círculos linguísticos menos formais, essa distinção pareça cerebrina,

para a academia, trata-se um imperativo da precisão. A verdade é que, no Direito

Internacional Público, no contexto do continente americano2, esses dois institutos jurídicos

de feições aparentadas – que, volta e meia, amalgamam-se na languidez descuidada do falar

– possuem fundamento normativo e consequências jurídicas discrepantes, de modo que se

impõe traçarmos um contraste entre as duas categorias.

Um dos institutos mais caros às relações internacionais e ao direito internacional, o

asilo já se reconhecia como direito inviolável na Antiguidade Clássica3. Diversas cidades

da Grécia Antiga concediam tal proteção a estrangeiros. Na História, sobejam casos ilustres

de asilados, como Descartes, nos Países Baixos, ou Voltaire, na Inglaterra, embora, na

1 A designação “instituto”, aqui, foi empregada na acepção própria do Direito, sob cujo domínio está a regulação do refúgio. Trata-se de categoria tipicamente jurídica sob a qual se designam as instituições revestidas de um arcabouço normativo. 2 No Direito Internacional de tradição europeia, tal distinção inexiste, tratando-se o asilo como sinônimo de refúgio. 3 RODRIGUES, Noronha. A História do Direito de Asilo no Direito Internacional. Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=979561. Acesso em 04 de outubro de 2008.

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atualidade, trate-se de prática restrita ao continente americano. Comumente, é

acompanhado da adjetivação “político”, o que representa, a bem da verdade, uma

redundância, tendo em vista que todo asilo é político, afinal de contas, posto que possui

como pressuposto a perseguição do indivíduo pela prática de crime político. É político,

também, o ato de sua concessão, haja vista tratar-se de decisão soberana do Estado de

destino, que pode negar o status de asilado. Arrematando a série de rigores para sua

concessão, o asilo requer, igualmente, a efetividade e atualidade da perseguição, não

bastando o simples receio.

Assim, embora ainda sejam encontradiços, volta e meia, textos nos quais se

empregue a designação “asilo ambiental”, julgamos mais apropriado – na esteira das

tendências da literatura especializada4 – nos referirmos a um verdadeiro refúgio ambiental,

em razão, mesmo, dos apanágios do instituto do refúgio: além de se tratar de prática

universal, o refúgio, também ao contrário do que se dá no caso do asilo, é um instituto de

feições mais humanitárias que políticas, a rigor. Tanto é assim que compreende um direito

dos refugiados, não um mero ato discricionário do Estado de destino, e ao qual os

migrantes fazem jus pelo simples temor por sua vida, seja em razão de perseguição política,

seja por motivos étnicos, religiosos, culturais etc5.

Concluído esse esclarecimento terminológico inicial, prossigamos com a

apresentação de nosso trabalho. Nossa proposta, aqui, é analisar o processo de definição do

refúgio ambiental, no âmbito da Organização das Nações Unidas, como um processo de

formação de um regime internacional – conceito que será melhor esclarecido,

oportunamente, no campo dedicado à revisão da literatura –, tentando lançar luzes sobre o

papel das ideias que hoje grassam, pela ação de cientistas especializados, relativas às

mudanças climáticas e suas relações com as catástrofes naturais – relacionem-se ou não a

fatores antropogênicos – e fluxos migratórios decorrentes daquelas, mas, igualmente, dos

valores com os quais esses acadêmicos se encontram comprometidos.

4 A título ilustrativo, confira-se o artigo de CONISBEE e SINS (ed.). Environmental Refugees: The Case for Recognition, disponível no endereço seguinte: http://www.neweconomics.org/gen/uploads/lpce0g55xjx5eq55mfjxbb5523102003180040.pdf. Acesso em 21 de junho de 2010. 5 UN, 1951. Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_refugiados.php. Acesso em 04 de junho de 2010.

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Como sói acontecer, uma das primeiras indagações que emergem no espírito do

leitor (especialmente, do leitor acadêmico), já a esta altura, diz respeito à relevância do

tema da pesquisa para o estado da arte da nossa disciplina. Seria esta dissertação de alguma

valia para a construção cumulativa do saber ou só uma reverberação dos gostos e

idiossincrasias de seu autor?

Decerto, nenhum pesquisador poderá negar, peremptoriamente, qualquer

envolvimento subjetivo com a escolha de seus temas de pesquisa, entretanto, a mera

predileção pessoal, por parte do cientista, nada acresce à relevância dos mesmos. Mas, para

nossa felicidade, a escolha do tema, para nós, representa uma composição amigável entre

nosso deleite intelectual e os misteres da academia e da sociedade, estes, sim, dignos de

serem levados em consideração.

Segundo apuramos, pelo material compulsado, a rubrica de indivíduos desalojados

por catástrofes naturais é assombrosa e o temor de novos efeitos demográficos não se cinge

a microestados, como exporemos oportunamente. Aliás, o fragor revelado por esses dados

estatísticos (expostos, adiante, no desenvolvimento da tese), mais do que apuração distante,

alcançável somente à custa de métodos sofisticados de observação, pode ser confirmada

pela observação do homem médio: Basta lançar os olhos sobre os diversos veículos de

comunicação para constatar a proliferação de sucessivos desastres, estendidos desde as

Américas ao Sudeste Asiático.

Ademais, diferentemente dos desabrigados por questões político-sociais, os

refugiados ambientais não parecem – pelo menos, a princípio – ter perspectiva de

repatriamento, pois os danosos fenômenos naturais que os vitimaram/vitimarão, muitas

vezes, superiores ao controle humano, podem implicar o próprio desaparecimento dos

territórios nacionais6.

6 A esse propósito, chama atenção o caso de Tuvalu, um Estado da Polinésia, constituído por nove atóis e cuja máxima altitude não passa dos 5m acima do nível do mar, atualmente, fica submerso duas vezes ao ano, durante as marés de primavera e outono. Esta matéria retrata, resumidamente, a apreensão da população tuvaluana e os fluxos migratórios que já começaram a ocorrer: http://www.istoe.com.br/reportagens/4053_ESSA+ILHA+VAI+SUMIR+DO+MAPA

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Não obstante a indiscutível relevância política do tema, um trabalho científico deve

se justificar, igualmente, por sua importância no contexto da construção cumulativa do

conhecimento dentro de um determinado campo epistêmico. Por isso, não podemos deixar

de realçar o impacto que semelhante empreitada intelectual pode gerar no estudo das

Relações Internacionais.

Nesse sentido, acreditamos que nosso trabalho pode oferecer, à Ciência Política – e,

especialmente, às Relações Internacionais –, um significativo esforço pelo propósito de

amadurecer as teorias neoinstitucionalistas (sobretudo nos seus desdobramentos, nas RI,

através das teorias dos regimes internacionais), especialmente, em sua vertente histórico-

sociológica.

Sem pretendermos, como podem pensar alguns, reduzir, ontologicamente, a

realidade, a esquemas cognitivos, acreditamos que o recurso ao neoinstitucionalismo de

matriz histórica e, principalmente, sociológica, tão bem explorados pela Ciência Política da

tradição continental europeia, pode propiciar uma visão mais holística dos fenômenos

políticos, na medida em que lança luzes sobre aspectos pouco alvejados pelo mainstream de

nossa disciplina.

Em nosso trabalho, a orientação teórica se justifica em função do nosso problema de

pesquisa, que é, como dito alhures, a explicação do fenômeno da mudança institucional do

regime dos refugiados, investigando se e em que medida a comunidade acadêmica, através

de uma possível difusão articulada de suas novas descobertas e prognósticos sobre

desequilíbrios ambientais e, mais ainda, sobre os fluxos migratórios que deles possam vir a

decorrer, influenciaram esse processo, engajando-se pela inserção do problema do refúgio

ambiental na agenda das Nações Unidas.

Pretendemos, exercitando a atitude de estranhamento típica do cientista, tentar

compreender esse fenômeno particular da institucionalização do status de refugiado

ambiental, que nos causou perplexidade redobrada, à primeira vista, porque, jurista de

formação que somos, estamos habituados à radical revolução que semelhante mudança

representa no contexto do Direito Internacional Público, para o qual, como se exporá em

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tempo oportuno, o refúgio é, tradicionalmente, um instituto jurídico de aplicação bastante

restrita.

Nossa preocupação, aqui, é dupla. Primeiramente, em um sentido mais geral,

visamos contribuir para o estudo dos regimes internacionais, desenvolvendo o repertório

teórico explanatório disponível, hoje, sobre gênese e, precipuamente, modificação

institucional.

Como objetivo específico, pretendemos analisar a atuação política de uma

comunidade de acadêmicos cujas ideias penetraram fortemente, nas Nações Unidas, nas

últimas duas décadas, perquirindo sua importância para influenciar os tomadores de

decisões daquela organização (no que, particularmente profícua é a teoria das comunidades

epistêmicas, como se discutirá a seguir).

Trabalho seminal sobre o tema, evidentemente, não temos condições de fazer desta

pesquisa um manancial de verificações empíricas muito abrangentes – o que se justifica

pela relativa escassez de dados e pela inviabilidade da ida a campo, tendo em vista a

patente carência dos recursos necessários a semelhante empreitada, sobretudo, de pessoal e

de tempo hábil –, mas um trabalho de cunho mais analítico (em certa medida, inclusive,

durante nossa pesquisa, tivemos de realizar, em adição, um esforço tipicamente

exploratório), de perfil qualitativo, enfocado em fontes de evidência documentais e dados

secundários.

Não bastasse a incipiência dos estudos sobre o processo de formação do regime dos

refugiados ambientais, nossa empreitada ganha em complexidade pelas transversalidades

do tema, que permeia o interesse de disciplinas as mais variegadas – desde ciências da

natureza, como a Biologia, até ciências sociais como a Geografia Humana, o Direito e,

claro, a Ciência Política. Decerto, algumas tintas de outros ramos do saber, aqui e acolá,

imprimirão suas cores em nossa discussão, mas, nem por isso, cairemos em um maelstrom

epistemológico, ancorados que estamos, precipuamente, nos referenciais teóricos de

Ciência Política.

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Como veremos, três matrizes teóricas competem na pretensão de explicar o

surgimento, a permanência, as transformações e a extinção de regimes internacionais, das

quais uma, em particular – a linha cognitivista – nos auxiliará sobremaneira em nossas

reflexões, por se adequar melhor ao problema de pesquisa idealizado por nós. Então, mais

por um imperativo de parcimônia e de adequação ao problema de pesquisa, ao seu objeto e

às variáveis operacionalizadas, o leitor perceberá, facilmente, a opção teórica pela qual

enveredamos, orientada pela natureza das questões aqui postas.

Cônscios do proselitismo e sectarismo que, infelizmente, ainda turvam algumas

instâncias do debate acadêmico, sentimos a necessidade de alertar o leitor, reiterando que o

caminho teórico aqui perfilhado em nada se assemelha a uma eventual tentativa de redução

ontológica dos processos sociais estudados a aspectos culturais, mas consiste, isto sim, em

um saudável exercício de “oportunismo teórico” que convém a toda empreitada acadêmica

honesta e parcimoniosa.

Metodologicamente, traçamos um desenho de pesquisa na forma de estudo de caso

único qualitativo – opção justificada pela singularidade do objeto de análise, bem como

pela intenção de investigar o fenômeno em cotejo com o contexto no qual o mesmo emerge

e devido ao fato de o universo de variáveis de interesse ser grande em comparação com a

quantidade de pontos de dados, o que requer um esforço para estender as fontes de

evidência7.

Utilizando técnicas de análise de conteúdo (mormente, de análise categorial

temática) para a interpretação dos discursos (desde tratados internacionais a documentos

oficiais de outra natureza produzidos pela Organização das Nações Unidas e declarações de

alguns atores centrais), buscamos realizar inferências a propósito do quadro de valores que

norteiam as Nações Unidas em matéria de refugiados e do sistema de crenças causais

acerca das dimensões do problema dos refugiados, bem como de suas possíveis relações

com as catástrofes climáticas, segundo o entendimento esposado por aquela organização

internacional.

7 A propósito, Robert Yin (2010, p. 39) recomenda o emprego do estudo de caso quando se quiser investigar, em profundidade, e em seu contexto da vida real, um fenômeno contemporâneo cujos eventos não podem ser controlados pelo pesquisador.

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Em adição, através de fontes de evidência diversas, pretendemos identificar alguns

dos possíveis membros da comunidade epistêmica que parece ter-se articulado em torno do

tema dos refugiados ambientais.

No trabalho, perquirimos, primeiramente, se é possível falar-se de uma comunidade

epistêmica com todos os liames usualmente apontados pela literatura, para, em seguida,

verificarmos se esta se engajou em um empreendimento político em prol do

reconhecimento do status de refugiado ambiental e se este esforço foi decisivo para inserir

o tema na agenda da Organização das Nações Unidas.

1- REFÚGIO AMBIENTAL: UM ESTRANHO PARA O DIREITO INTERNACIONAL

Nos estudos sobre migrações, costuma-se categorizar os migrantes, primeiramente,

quanto ao elemento volitivo de seu deslocamento, dividindo-os entre migrantes voluntários

(aqueles que deixam suas terras natais por iniciativa própria) e forçados (aqueles cuja saída

de seu território de origem é impingida por circunstâncias adversas). A migração forçada é,

ainda, subdividida, segundo um critério geográfico do deslocamento, entre deslocados

internos (aqueles que, apesar de migrarem, não cruzam as fronteiras de seu país de origem),

os refugiados (assim qualificados os indivíduos que buscam refúgio no território de outro

Estado soberano) e os traficados.

Da classificação acima, extrai-se, a princípio, que o refugiado é uma espécie de

migrante forçado que cruzou as fronteiras do seu Estado nacional para se abrigar. Esses são

os apanágios essenciais do ponto de vista dos estudos demográficos. Não obstante, a

condição de refugiado, segundo o Direito Internacional, não se contenta somente com

aqueles critérios, demandando a concorrência do receio do migrante por sua vida,

segurança ou liberdade, motivada por fatores antropogênicos, como, doravante, passaremos

a demonstrar.

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O instituto do refúgio, fruto dos costumes internacionais, na atualidade, encontra

amparo jurídico-formal na Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados8,

firmado em 1951, cujo artigo 1º assim define o refugiado para o Direito Internacional:

Para fins da presente Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer pessoa:

[...]

2) Que, em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade encontra-se fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

Como se pode depreender, a partir da transcrição acima, os signatários,

inicialmente, vislumbraram o refúgio como uma prática provisória, para acolher,

unicamente, aqueles estrangeiros perseguidos em decorrência de fatos ocorridos

anteriormente à vigência da própria Convenção (em especial, aqueles relacionados à

Segunda Guerra Mundial).

Essa opção política denota a intenção de prestigiar os povos europeus, bem como se

coaduna com o projeto e o anelo de estabilidade política futura ao longo do Globo,

capitaneados pela, então, recém-criada Organização das Nações Unidas. No entanto, a

História se encarregou de denunciar o equívoco no qual incorreram as Partes Contratantes

ao cingirem o conceito de asilado daquela forma, esperando por uma pacificação súbita do

planeta que eliminasse qualquer possibilidade de novos fluxos migratórios decorrentes de

conflitos. Prova disso é que, em 1967, foi firmado o Protocolo à Convenção de 19519,

revogando a referência temporal do conceito:

§2. Para os fins do presente Protocolo, o termo "refugiado", salvo no que diz respeito à aplicação do §3 do presente artigo, significa qualquer pessoa que se

8 UN, 1951. Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_refugiados.php. Acesso em 14 de julho de 2008. 9 UN, 1967. Protocolo de 1967, Relativo ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc/Protocolo%20de%201967%20sobre%20o%20Estatuto%20dos%20Refugiados.doc. Acesso em 14 de julho de 2008.

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enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras "em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e..." e as palavras "...como conseqüência de tais acontecimentos" não figurassem do §2 da seção A do artigo primeiro.

Dois outros instrumentos – a Convenção da Organização da Unidade Africana de

1969 e a Declaração de Cartagena, de 1984, ambos de aplicação regionalizada – completam

o arcabouço normativo internacional destinado à proteção aos refugiados, acrescentando à

definição da Convenção de Genebra aqueles desalojados em razão de riscos à sua vida,

liberdade e/ou segurança, em razão de agressões externas, ocupações, dominação, conflitos

internos, massiva violação dos direitos humanos, ou outros eventos perturbadores da ordem

pública10.

Se, por um lado, o alargamento do conceito pelo Protocolo de 1967, permitindo o

socorro aos refugiados quanto aos fatos posteriores a 1951, secundado pelos dois acordos

internacionais regionais, que ampliaram as hipóteses de admissibilidade do refúgio, teve o

mérito de assimilar a consciência histórica sobre a evolução dos fatos sociais, por outro, o

instituto do refúgio, hoje, é desafiado pelo espantoso crescimento de uma outra categoria de

desalojados que, embora não se trate, absolutamente, de novidade, não merecera, até então,

atenção especial da sociedade internacional a ponto de se lhe institucionalizar a proteção:

trata-se dos refugiados ambientais (“environmental refugees”), que, conquanto totalizem,

na atualidade, cerca de 25 milhões de indivíduos11 saídos de suas terras devido a desastres

naturais (representando cerca de 58% do total de refugiados no mundo12), não gozam,

ainda, de proteção, à luz do Estatuto dos Refugiados, embora já haja, na literatura, algo

próximo de um acordo sobre alguns aspectos essenciais inerentes ao conceito dessa

categoria de migrantes forçados:

10 SILVA, Camila Rodrigues Braz. A Questão dos Refugiados Ambientais: um ovo Desafio para o Direito Internacional. Disponível em http://gedi.objectis.net/ilsabrasil2008/artigos/dheh/brazsilva.pdf. Acesso em 02 de outubro de 2008. 11 PENTINAT, Susana Borras. Refugiados Ambientales: El nuevo desafío del dereho internacional del medio ambiente. Rev. derecho (Valdivia). [online]. dic. 2006, vol.19, no.2, p.85-108. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-09502006000200004&lng=es&nrm=iso>. ISSN 0718-0950. Acesso em 22 de julho de 2009. 12 CONISBEE e SINS (ed.). Environmental Refugees: The Case for Recognition. Disponível em: http://www.neweconomics.org/gen/uploads/lpce0g55xjx5eq55mfjxbb5523102003180040.pdf. Acesso em 20 de julho de 2009.

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Actualmente se han agregado otras causas de destierro, como el progresivo deterioro de las tierras que no permita sostener a sus propios habitantes y los obliga a abandonarlas. Éstos son los llamados refugiados ambientales o ecológicos. Es decir, el refugiado ambiental es toda persona que no puede seguir viviendo en su territorio como consecuencia de causas ambientales de repercusiones anómalas13.

Uma vez que as razões motivadoras do deslocamento dos refugiados ambientais –

as “causas ambientais” às quais se referem Conisbee e Sins – não se encontram

contempladas na Convenção de Genebra, aqueles não gozam, ainda hoje, do status de

refugiados, para o Direito Internacional, por isso, sua proteção jurídica depende dessa

mudança institucional.

Nos últimos anos, tem ganhado notoriedade, no âmbito das Nações Unidas, um

clamor por proteção bradado a plenos pulmões, especialmente, por Estados como Tuvalu,

Ilhas Maldivas, Kiribati, entre outros, que, buscando dar maior eco às suas reivindicações,

têm atuado coletivamente, por meio da Aliança dos Pequenos Países Insulares (Alliance of

Small Island States – AOSIS), com a liderança tuvaluana, que, inclusive, protagonizou um

dos momentos mais comentados da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças

Climáticas – a COP-15, realizada em Copenhague, Dinamarca, no ano de 2009 – ao

encampar uma proposta de enrijecimento das metas do Protocolo de Kyoto, granjeando a

simpatia de uma considerável parcela dos Estados participantes, bem como da própria

ONU14.

Nos tempos recentes, em sucessivas ocasiões (inclusive, por meio de declarações

oficiais), a serem debatidas adiante, a ONU vem sinalizando positivamente (apesar da

postura mais conservadora adotada, particularmente, pelo Alto Comissariado para os

Refugiados) a um aggiornamento do regime dos refugiados, de modo a contemplar a

proteção do status de refugiado ambiental, conforme veremos no capítulo seguinte.

13

Idem, ibidem (grifo por nossa conta). 14 Ao leitor, recomenda-se a consulta às matérias a seguir, que relatam alguns dos debates mais relevantes travados na COP-15: <http://info.abril.com.br/noticias/tecnologias-verdes/discussao-na-cop-15-divide-paises-10122009-11.shl> e <http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2009/12/10/ilha-de-tuvalu-no-pacifico-causa-polemica-na-cop-15-248775.asp>, matérias por nós acessadas, pela última vez, em 12 de outubro de 2010.

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O processo de consolidação do refúgio ambiental, não obstante, ainda não se perfez

completamente, na medida em que ainda não se elaborou um protocolo internacional

aditando o Estatuto dos Refugiados ou, mesmo, um acordo exclusivo para os refugiados

ambientais, mas, na esfera da Organização das Nações Unidas, a questão se mostra bem

amadurecida, impelindo-nos, já de agora, a indagar as possíveis causas dessa guinada de

atitude daquele organismo internacional, ao incluir esse problema em sua agenda política.

Antes de problematizarmos esse processo, porém, é de bom alvitre, neste passo,

contextualizar o leitor na realidade do ente internacional em questão, o que passamos a

fazer na seção a seguir.

2 – A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS: UMA HISTÓRIA SINUOSA

2.1. Os princípios fundamentais e o contexto normativo da ONU

Uma vez que nossa análise sobre a construção do regime para os refugiados

ambientais foca a abordagem sobre variáveis cognitivas – isto é, sobre ideias, trocando em

miúdos –, é de se esperar que as principais categorias de análise apontem para os sistemas

de crenças e valores compartilhados no seio das Nações Unidas. Por isso, seria impraticável

semelhante proposta à míngua de conhecimentos sobre aquele organismo internacional e

sua conjuntura normativa, histórica e principiológica, na qual estão imersos os tomadores

de decisão dentro daquele organismo internacional.

Criada nos idos da década de 40 do século passado, ainda no rescaldo da comoção

global com a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas é herdeira

remota do projeto da Paz Perpétua kantiano, que, ainda no Século XVIII, vislumbrava, na

criação de uma “Federação de Estados”, condição para ensejar o espírito de solidariedade

necessário para mitigar o ânimo beligerante dos entes soberanos.

Passados quase dois séculos, duas guerras e um fracasso na experiência da Liga das

Nações, a ONU foi instituída com uma proposta humanitária robusta (comprovada, na

prática, pela atuação da organização em ações como o PAM – Programa de Alimentação

Mundial –, que, segundo dados oficiais, auxilia, anualmente, cerca de noventa milhões de

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pessoas ao redor do globo15, entre outras), consagrando uma das premissas típicas do

Liberalismo, nas Relações Internacionais, da cooperação como caminho para minimizar as

chances de conflitos. Tal é, inclusive, o teor do Preâmbulo da Carta das Nações Unidas:

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS

a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

Da declaração acima, importantes inferências podem ser extraídas acerca dos

valores preconizados pela organização, assim como a respeito da sua visão do contexto

internacional e de seu próprio papel nessa ordem mundial.

A respeito do emissor da mensagem, inicialmente, pode-se inferir que este se

expressa de modo projetivo, isto é, trata-se de uma declaração lançada, inicialmente, por

alguns Estados (para ser preciso, a Organização contava, na ocasião de sua fundação, com

apenas cinquenta e um membros, isto é, menos de um terço dos atuais cento e noventa e

dois Estados, segundo dados fornecidos pelo próprio organismo internacional16), como um

pacto que haveria sido celebrado pela própria humanidade, com a qual aquela própria

coletividade de signatários se identificava em seu discurso. Outras passagens do texto

revelam o mesmo tom, como a que se segue, também contido no preâmbulo da Carta da

ONU:

[Resolvidos a] praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

Apesar de a representatividade dos membros-fundadores em relação aos demais

Estados nacionais ser limitada, como vimos, os signatários originais lançam, no preâmbulo

15 Confiram-se os dados oficiais declarados no sítio do Programa na Internet, disponíveis no endereço <http://one.wfp.org/portuguese/?NodeID=2#IDAGBSKIDAHBSK>, por nós acessado em 12 de outubro de 2010. 16 Confira-se a listagem completa dos Estados-membros e fundadores no sítio da ONU no Brasil: <http://www.onu-brasil.org.br/conheca_paises.php>, por nós acessado em 15 de outubro de 2010.

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da Carta das Nações Unidas, normas e procedimentos sobre a atuação de todos os povos,

com efeitos sobre a humanidade inteira – a manutenção da paz. A riqueza simbólica dessa

declaração é potencializada por sua posição topográfica, o preâmbulo da Carta, visto que,

além de ser esse setor do texto que se resumem o ambiente histórico da sua criação e as

expectativas e ideologia dos legisladores (no caso, tratando-se de acordo internacional, das

partes contratantes), é de se destacar, igualmente, que, em hermenêutica jurídica, o

preâmbulo representa uma fonte das diretrizes para a interpretação de todo o texto legal no

qual está inserido. Tratando da função dos preâmbulos no Direito Constitucional,

Alexandre de Moraes arremata que:

o preâmbulo deve sintetizar sumariamente os grandes fins da Constituição, servindo de fonte interpretativa para dissipar as obscuridades das questões práticas e de rumo para a atividade política do governo.17

Em outras palavras, na vida da Organização das Nações Unidas, o fiel da balança,

para as decisões ali tomadas serem consideradas apropriadas, reside na sua consonância

com o conteúdo das declarações do preâmbulo, no qual os compromissos assumidos, como

vimos, projetivamente, vinculam (na ótica dos signatários) toda a humanidade e têm nela,

reciprocamente, a destinatária das benesses prometidas na Carta.

Consequência do caráter projetivo inferido a partir do discurso é, igualmente, a

mentalidade imbuída nas Nações Unidas de que os problemas internacionais são problemas

que reverberam em toda a humanidade, logo, cabe a ela, como sua representante, capitanear

os esforços no sentido de tentar solucioná-los. Nessa ideologia, assenta-se o trabalho

humanitário desenvolvido pela organização, por exemplo, ao propiciar apoio aos

refugiados: os deslocamentos humanos em razão de conflitos, potencialmente, podem partir

de qualquer Estado ou a qualquer deles se destinar, afinal, o que justifica o tratamento da

questão como um “problema da humanidade”, em geral.

Prosseguindo com a análise categorial temática do discurso, a primeira inferência,

expendida acima, impele-nos a outra constatação, atinente a um importante preceito que

norteia a Organização das Nações Unidas: a Carta da ONU nos revela que aquele

organismo tem por princípio a responsabilidade pela mantença da paz e dos direitos

17 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 51.

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humanos, dois valores que se pretendem de validade universal, cuja violação as Nações

Unidas tomam a dianteira de combater.

Esse perfil combativo demonstrado pela organização, a despeito do que possa

aparentar à primeira vista, não se resume ao engendramento de paliativos pontuais, ante a

emergência de grandes comoções internacionais: mais do que isso, pressupõe uma atitude

proativa, de capitanear processos inovadores, inclusive, em nível de mudanças

institucionais.

Com efeito, em diversas ocasiões, a ONU assumiu a liderança de importantes

iniciativas políticas, nas mais variegadas esferas, como meio ambiente (a exemplo da

ECO/92 e da Convenção de Kyoto, que resultou na assinatura do Protocolo toponímico),

erradicação da pobreza (matéria encartada, entre outros documentos, na Declaração do

Milênio das Nações Unidas, firmada em 08 de setembro de 2000 pela Assembleia Geral da

ONU, após a Cúpula do Milênio) e – no que nos interessa, em particular, neste trabalho –,

também, em matéria de refugiados, como passaremos a discutir adiante.

2.2. O tratamento da questão dos refugiados pelas Nações Unidas

A preocupação com o drama dos refugiados tem sido uma constante desde a criação

da ONU. A miríade de desalojados em decorrência da Segunda Guerra Mundial, como

discutimos há pouco, era um descalabro de grandes proporções – embora, a princípio,

afetasse, preponderantemente, o continente europeu, pela óbvia razão de ter sido o cenário

onde se travaram os principais enfrentamentos, além do quê, as perseguições promovidas

pelo regime nazista também induziram portentosos fluxos migratórios –, que logo ocupou a

agenda da Organização.

Tamanho é o interesse das Nações Unidas pela questão dos refugiados, que, logo na

primeira sessão de sua Assembleia Geral, realizada em 12 de fevereiro de 1946, em

Londres, adotou a Resolução nº 8 (I), declarando, categoricamente, que “O problema dos

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refugiados possui amplitude e características internacionais”18, reverberando, novamente, o

princípio da responsabilidade comum de toda a humanidade sobre o qual nos referimos há

pouco.

Diante da grave conjuntura que se lhe apresentava, as Nações Unidas, nos primeiros

anos que se seguiram à sua fundação, dedicaram-se a comover os Estados-membros a se

engajar em uma ação coletiva para se engendrarem meios de garantir àquela categoria de

migrantes forçados o atendimento de seus direitos básicos, reconhecidos na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Resolução nº 217 da Assembleia

Geral da organização. No próprio texto da Convenção de Genebra de 1951, relativa ao

Estatuto dos Refugiados, faz-se menção à ação da ONU em prol da celebração daquele

acordo internacional e ao protagonismo daquele organismo na luta humanitária pelos

direitos dos refugiados, como corrobora o trecho a seguir, extraído dos consideranda19:

Considerando que a Organização das Nações Unidas tem repetidamente manifestado sua profunda preocupação pelos refugiados e que tem se esforçado por assegurar-lhes o exercício mais amplo possível dos direitos do homem e das liberdades fundamentais [...].

Ademais do plano normativo, historicamente, a ONU tem-se dedicado, em adição, a

ações para a formulação e execução de programas visando à proteção dos direito dos

refugiados, atuando tanto no tratamento do refugiado no Estado do refúgio, auxiliando a

ambientação, quanto intermediando, nos casos em que se demonstre possível, o processo de

repatriação.

Para otimizar suas ações em nível de execução, dirigidas aos refugiados, as Nações

Unidas contaram, em sua estrutura, inicialmente, com a Organização Internacional dos

Refugiados20, constituída em caráter provisório. Entretanto, com a persistência de

18 Apud CRETELLA NETO, José. Teoria Geral das Organizações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 525. 19 Consideranda, plural latino de considerandum, em técnica legislativa, é como se denomina a parte do preâmbulo de algum texto normativo (de Portarias administrativas a acordos internacionais) no qual se elencam as razões que justificam a edição do ato. Recebe esse epíteto por conta da anáfora do gerúndio do verbo “considerar” no início de cada justificativa. 20 É bem verdade que, anteriormente à OIR, foram criados a United Nations Relief and Rehabilitation Agency (UNRRA) e o Comitê Intergovernamental para os Refugiados (CIR), entretanto, ambos precederam a criação da própria ONU, embora tenham, ainda, coexistido com esta – vindo a ser extintos, em 1947, com a criação da Organização Internacional dos Refugiados. A propósito, confira-se CRETELLA, op.cit., pp. 525-526.

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significativos problemas com refugiados – contrariando os prognósticos otimistas de 1947,

quando da criação da OIR –, a Organização Internacional dos Refugiados foi sucedida por

Alto Comissariado especialmente dedicado a essa questão, o ACNUR, instituído pela

Resolução nº 428 (V) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 14 de dezembro de

1950.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ou, simplesmente,

ACNUR, é um órgão – ou agência, no linguajar anglófilo – da Organização das Nações

Unidas, diretamente subordinado à Assembleia Geral e ao Conselho Econômico e Social,

dois dos órgãos principais da ONU, segundo dispõe o parágrafo terceiro do Estatuto do

Alto Comissariado.

Criado em 1950, pela Resolução nº 248 da Assembleia Geral, considerada seu

Estatuto, o ACNUR é definido, ali, como um órgão apolítico, humanitário e social21, tendo

por tarefa:

“[...] proporcionar proteção internacional, sob os auspícios das Nações Unidas, e aos refugiados que reúnam as condições previstas no presente Estatuto, e de encontrar soluções permanentes ao problema dos refugiados, ajudando aos governos e, com sujeição à aprovação dos governos interessados, às organizações privadas, a facilitar a repatriação voluntária de tais refugiados ou a sua assimilação em novas comunidades nacionais”22.

Na declaração transcrita, testifica-se o caráter eminentemente executório com o qual

órgão foi concebido – apanágio confirmado, na prática, pela distribuição de seus

funcionários, dos quais, segundo informação do próprio órgão, 83% atuam diretamente em

campo23, desempenhando as funções institucionais do ACNUR, consignadas acima, de

ajuda na assimilação dos refugiados aos novos ambientes ou na repatriação voluntária

daqueles.

Não obstante essa preponderância do caráter executório das atividades do órgão, os

atos de execução não prescindem de considerações jurídicas, afinal, como é razoável se

21 Estatuto do ACNUR, §2º. Texto disponível em http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_20020319150524/20030623152049/20030623155743/ . Acesso em 15 de janeiro de 2010. 22 Idem, §1º. 23 Em http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/breve-historico-do-acnur/ . Acesso em 15 de janeiro de 2010.

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imaginar, para intervir em favor de indivíduos ausentes de seu Estado de origem, o

ACNUR deve reconhecê-los como refugiados e, nessa tarefa de identificação, o órgão,

acompanhando a evolução dos fatos sociais, volta e meia, depara-se com novas demandas

que o impelem a se debruçar sobre os pressupostos de suas ações, por exigirem a

rediscussão do próprio status jurídico de refugiado.

Assim, apesar da resiliência tradicionalmente manifestada pelas Nações Unidas –

demonstrada, com maior intensidade, no bojo de seu Alto Comissariado para a questão dos

refugiados, e sentida através de evidências como a demora de dezesseis anos para a

primeira ampliação do conceito de refugiado –, usualmente conservadora quanto à

limitação do status de refugiado, essa organização já encabeçou uma sintaticamente

discreta, mas semanticamente profunda alteração da versão original do Estatuto dos

Refugiados.

Essa notável mudança de postura da ONU resultou na aprovação, pela Assembleia

Geral das Nações Unidas, do Protocolo de 1967 ao Estatuto de 1951, revogando as

restrições cronológicas e geográficas à concessão do refúgio. A partir de então, aboliu-se o

eurocentrismo do instituto do refúgio, permitindo o acolhimento dos refugiados oriundos

dos Estados subdesenvolvidos e em desenvolvimento, que perfazem a grande maioria do

total mundial24.

Processo semelhante de mudança institucional vem-se desenvolvendo, nos últimos

anos, ao longo dos quais a Organização das Nações Unidas tem passado a dedicar atenção à

questão dos refugiados ambientais, que, por ora, não se enquadram na definição canônica (e

juridicamente vigente) de refugiado, transcrita no começo desta dissertação, oriunda do

Estatuto dos Refugiados, para o qual a perseguição do migrante forçado, ainda remanesce

como pressuposto do refúgio25.

24 Segundo dados do Refugee Survey de 2009, elaborado pelo Comitê dos Estados Unidos para os Refugiados e Imigrantes, o United States Committee for Refugees and Immigrants (USCRI), do total mundial de quase treze milhões e seiscentos mil refugiados, apenas quatrocentos e noventa e três mil (pouco mais de 3,6%) provêm do continente europeu. Os dados completos da pesquisa encontram-se disponíveis no endereço a seguir, acessado por nós, pela última vez, em 13 de novembro de 2010: <http://www.refugees.org/FTP/WRS09PDFS/RefuandAsylumseek.pdf>. 25 É notável, a esse propósito, a estreita interação da ONU com o Painel Internacional para Mudanças Climáticas, cujas conclusões desalentadoras têm reverberado nas discussões sobre o status dos refugiados, como salienta, entre outros, Richard Black, no artigo intitulado “Environmental Refugees: Myth or Reality?”.

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Em diversos momentos, atores centrais da política das Nações Unidas vêm

reiterando grande preocupação com o tema dos refugiados ambientais e a própria

organização vem tomando a iniciativa de qualificar os debates a propósito desse problema,

inclusive, incentivando os estudos correlatos no âmbito da Universidade das Nações Unidas

– UNU.

Declaração do ex-Reitor da Universidade das Nações Unidas e ex-Subsecretário

Geral da organização (no mandato de Kofi Annan), o Professor Hans van Ginkel, ao Jornal

Público, de Portugal, sintetiza o atual sentimento da ONU a respeito do tema dos

refugiados:

Esta é uma questão altamente complexa, com as organizações globais já inundadas de pedidos de ajuda para os refugiados convencionais, reconhecidos desde 1951. Agora devemos definir, aceitar e integrar este novo tipo de refugiados26.

Conquanto não se trate, a rigor, de um tema ambientalista, a questão dos refugiados

ambientais, historicamente, tem emergido, no âmbito das Nações Unidas, sempre associada

aos debates sobre meio ambiente, especialmente relacionada a discussões sobre grandes

catástrofes naturais.

A primeira ocorrência do tema, sob os auspícios da ONU, deu-se há mais de vinte e

cinco anos e, curiosamente, não no ACNUR, como seria de se esperar, mas no Programa

das Nações Unidas para o Meio Ambiente – agência considerada a principal autoridade

global, em matéria ambiental, no Sistema da ONU. Em 1985, Essam El-Hinnawi, então

vinculado ao PNUMA, sugeriu a incorporação, ao conceito canônico de refugiado, da

situação dos indivíduos que

[...] fogem ou deixam sua terra natal em função de ameaças de vida e segurança provocadas pelo ambiente, dentre essas ameaças quaisquer mudanças físicas, químicas e biológicas nos ecossistemas ou diretamente nos recursos naturais que o transformam tornando o ambiente impróprio para manter ou reproduzir a vida humana27.

26 Entrevista disponível no endereço < http://www.publico.pt/Sociedade/peritos-pedem-melhor-definicao-de-refugiados-ambientais_1238516>, acessado em 21 de dezembro de 2010. 27 Apud BATES, Diane C. Environmental Refugees? Classifying Human Migrations Caused by Environmental Change. Population and Environment, Vol. 23, No. 5, May 2002 2002 Human Sciences Press, Inc.

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Já em 1992, ao cabo da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (CNUMAD, afamada, mundialmente, pelo

epíteto “Eco-92”), produziu-se a Agenda 21, documento composto de quarenta capítulos,

contendo diretrizes dirigidas a todos os Estados, destinadas à garantia de sustentabilidade

das atividades humanas e à garantia de melhores condições de vida para as gerações atuais

e futuras. Ali, precisamente, no capítulo 12, reiterou-se a preocupação com a administração

do problema dos refugiados ambientais:

Desenvolvimento de planos abrangentes de preparação para a seca e de esquemas para a mitigação dos resultados da seca, que incluam dispositivos de auto-ajuda para as áreas propensas à seca e preparem programas voltados para enfrentar o problema dos refugiados ambientais28.

Em mais uma Conferência Climática – desta feita, na 15ª Conferência das Partes das

Nações Unidas sobre Mudança do Clima, popularizada como COP-15, realizada em

Copenhague, Dinamarca –, a Organização das Nações Unidas tornou a promover o debate

em torno dos refugiados ambientais, instigado pela apresentação, no evento, do estudo

“Migração, Desenvolvimento e Mudança Climática – Acessando a Evidência”, produzido

pela Organização Internacional para as Migrações, no qual, além de se prognosticar a

possibilidade de o número de migrantes forçados por causas ambientais alcançar um bilhão

de indivíduos, nas próximas quatro décadas, defendeu-se, veementemente, a atualização

dos instrumentos normativos para a proteção dos refugiados, encarecendo, eloquentemente,

que:

Given the inevitability of climate change, society is considered to have a special

responsibility towards those people experiencing the severest impacts. When such

change has the potential to generate migration, leaving affected groups highly

vulnerable, institutionalized protection for these groups needs to be developed and

coordinated. Consequently, recent efforts to determine how to use existing and new

legal apparatuses to provide protection for affected groups represent an important

conceptual and policy-related endeavour29.

28 UN, 1992. Agenda 21. Disponível em: http://phnatural.blogspot.com/2009/06/depois-de-tanto-tempomudou-algo-eco-92.html. Acesso em 21 de dezembro de 2009. 29 OIM, 2009. Migration, Environment and Climate Change: Assessing the Evidence. Disponível em: http://publications.iom.int/bookstore/free/migration_and_environment.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2010.

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No próprio Alto Comissariado da ONU para os refugiados, inclusive, tem-se

reverberado o assentimento com a ampliação do regime de refugiados para abarcar a

situação dos migrantes decorrentes de perturbações ambientais.

Recentemente, em novembro de 2010, Erika Feller, alta-comissária adjunta das

Nações Unidas para os Refugiados, em seu pronunciamento proferido por ocasião do

Congresso Internacional do Conselho Português para os Refugiados, realizado na cidade de

Lisboa, em parceria com o ACNUR, reafirmou:

A definição de refugiado deveria ser mais ampla face aos problemas actuais [...] Numa altura em que o estado do asilo no mundo é preocupante e já há alguns anos que está em risco, esta nova realidade [aumento dos refugiados ambientais] vem tornar ainda mais urgente uma discussão em torno das políticas, cada vez mais restritivas, que a maioria dos países tem vindo a seguir30.

Das evidências acima, é possível inferir que, a despeito de, juridicamente, o

reconhecimento do status de refugiado costumar ser processado dentro de uma perspectiva

estritamente legalista, isto é, jungido ao arcabouço normativo do Estatuto dos Refugiados,

politicamente, a Organização das Nações Unidas, por meio de muitos de seus órgãos, tanto

gerais (como a Assembleia Geral e a Secretaria Geral) quanto especializados – a exemplo

do PNUMA e da Universidade das Nações Unidas – vêm empreendido enorme esforço em

prol da categorização do refugiado ambiental como uma condição digna de proteção

internacional especial, tendo sido responsável por desencadear o processo de mudança ora

em marcha.

Ponto convergente entre todas essas investidas das Nações Unidas listadas acima –

que, diga-se, estão longe de representar a iteratividade com a qual o tema vem sendo

encampado pela organização – é a adoção de lastro científico semelhante sobre o problema

dos refugiados ambientais: os dados estatísticos adotados, em geral, pelos diversos órgãos

são compatíveis, seja quanto ao quantitativo de refugiados, sua porcentagem no cômputo

geral ou, até mesmo, à estimativa futura; e a convicção quanto à correlação causal entre

essas correntes migratórias e alterações ambientais, etc.

30 Matéria do Jornal Diário de Notícias, de Portugal, disponível no endereço < http://dn.sapo.pt/inicio/interior.aspx?content_id=1137217&page=-1>, acessado no dia 21 de dezembro de 2010.

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Diante dessa coincidência, a questão que se nos põe é: haverá correlação entre esse

processo de mudança institucional capitaneado pela Organização das Nações Unidas e uma

possível difusão de ideias científicas inovadoras? Perquirindo mais além, teriam sido essas

ideias deliberadamente disseminadas por um grupo de acadêmicos movidos por uma gama

de valores compartilhados e por um propósito comum de influir nos processos decisórios

desenvolvidos no âmbito daquele organismo internacional? A essa investigação, dedicar-

nos-emos nas sessões seguintes, que explorarão, inicialmente, o estado da arte, na literatura

das Relações Internacionais, no que tange aos estudos sobre o papel das ideias como

variáveis explicativas dos processos de criação e modificação das instituições políticas.

Munidos desse cabedal teórico, formularemos as hipóteses cuja verificação se dará em

seguida a estas etapas. Antes de prosseguirmos, porém, é preciso proceder a uma

observação.

Um dos grandes percalços com os quais, enquanto cientistas sociais, temos de nos

embater, é a tensão que nos atormenta, entre a volúpia racional de ter a realidade sob

domínio do intelecto e a impossibilidade da observação controlada da realidade, isto é, do

experimento. Diante dessa nossa limitação, vemos, nos tipos ideais, um frutífero recurso

do qual lançamos mão ao longo de nosso labor, desde o momento da observação até os

píncaros da construção teórica.

Mas é preciso bom-senso para evitar que o remédio se desnature em veneno. Por

isso, é importante que nunca percamos de vista o papel instrumental dos tipos ideais como

uma simplificação artificial da realidade, a fim de evitarmos a armadilha da redução

ontológica da realidade observada através de nossos cortes epistemológicos, como um

grande efeito Pigmaleão. Se, aqui, focamos nossa observação no papel das ideias científicas

sobre as transformações institucionais, não se exclui a possibilidade da incidência de outras

variáveis para explicar o fenômeno em apreço, mas, simplesmente, por imperativo de

parcimônia, limitamos o escopo da investigação para nos concentrarmos em um dos

possíveis mecanismos.

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31

3 - REVISÃO DA LITERATURA

3.1. As Teorias dos Regimes Internacionais

3.1.1. A Essência das Teorias dos Regimes

Ao lado dos enfoques de escolha racional, a abordagem neoinstitucionalista figura

como grande tendência teórica do mainstream da Ciência Política (tendência essa que,

diga-se de passagem, vem ganhando cada vez mais território, na academia, devido à

atenção prestada aos processos de formação das preferências, ao contrário determinismo do

modelo de preferências assumidas exogenamente, predominante na abordagem da escolha

racional, além da preocupação com o desenvolvimento de alternativas teóricas à premissa

da racionalidade instrumental), sobretudo, a partir das décadas de 80 e 90 do século

passado, ao longo das quais se produziram obras emblemáticas como os volumes “Bringing

the State Back In” (1985), organizado por Peter B. Evans, Dietrich Rueschemeyer, Theda

Skocpol, e “Do Institutions Matter”, de 1993, organizado por Robert Kent Weaver e Bert

Rockman.

Segundo comenta Ellen Immergut, o neoinstitucionalismo surge, embatendo-se

contra o enfoque behaviorista, cuja análise da ação coletiva, uma vez que se cinge à

observação do somatório das preferências individuais e à quantificação dos

comportamentos observáveis, seria ingênua demais; e, ainda, insurgiu-se contra o

determinismo social próprio das análises marxianas, pelo completo apriorismo da ação

coletiva, tida como produto das estruturas31. Nesse contexto, o neoinstitucionalismo já

nasce na linha de frente do infindável debate agência-estrutura, sempre candente nas

ciências sociais.

Assim, malgrado as diversas matizações neoinstitucionalistas32, em comum entre

elas, estão, além da rejeição ao puro voluntarismo, bem como ao determinismo, alguns

31 IMMERGUT, Ellen M. The theoretical core of the new institutionalism, Politics and Society 26,5, 1998: 5-34. 32 A propósito das vertentes neoinstitucionalistas, recomenda-se a leitura do já mencionado artigo de Immergut, assim como do clássico trabalho de HALL & TAYLOR (2003).

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apanágios, entre os quais, alguns são destacados por Goodin33, como a premissa de que as

preferências e ações individuais e coletivas estão inseridas em um contexto restringente,

povoado de instituições contendo normas, valores e padrões socialmente criados e

modificados.

O prestígio do neoinstitucionalismo dentro da Ciência Política encontrou eco,

também, no estudo das Relações Internacionais, sobretudo, através das teorias dos regimes

internacionais. Em 1982, a revista International Organization publicou volume compilando

artigos de renomados cientistas políticos como Stephen Krasner, Susan Strange e Robert

Keohane, dedicados ao tema dos regimes. Naquela publicação, encontra-se a definição mais

clássica de regime internacional, de autoria de Stephen Krasner, que, maciçamente presente

nas diversas publicações sobre o tema, descreve os regimes como:

(...) sets of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making

procedures around which actors’ expectations converge in a given area of

international relations. Principles are beliefs of fact, causation and rectitude.

2orms are standards of behavior defined in terms of rights and obligations. Rules

are specific prescriptions or proscriptions for action. Decision-making procedures

are prevailing practices for making and implementing collective choice34.

A definição de Krasner, considerada canônica para os estudiosos de Relações

Internacionais , conquanto não se possa dizer isenta de contestações, fornece os principais

elementos que a literatura costuma destacar como componentes de um regime

internacional:

� Princípios: elementos fundamentais dos regimes, correspondem à noção de crenças

do neoinstitucionalismo, sejam elas de natureza causal ou ética;

� Normas: comandos definidores de direitos e obrigações, na medida em que definem

os comportamentos socialmente aceitáveis;

� Regras: constituem comandos, tais quais as normas, porém, dotados de menor

generalidade que aquelas;

33 GOODIN, R. The theory of institutional design. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, passim. 34 KRASNER, Stephen D. (1982), “Structural causes and regime consequences: regimes as intervening variables”, International Organization 36, 2: 185-205.

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� Procedimentos decisórios: correspondem aos meios aceitos para a deliberação

coletiva.

Os regimes, então, aparecem, no campo das Relações Internacionais, como

instituições para as quais convergem os comportamentos e expectativas dos atores, o que

nos remete às restrições (constraints) à ação, referidas por Goodin.

Se as instituições, dentro do enfoque neoinstitucionalista – do qual, como vimos, as

teorias dos regimes internacionais são tributárias –, têm o condão de influenciar a ação,

sobreleva-se o interesse da análise política sobre elas, que, então, assumem o status de

variáveis da análise, tanto independentes quanto dependentes.

É bem verdade que, no cômputo geral, as teorias neoinstitucionalistas têm assumido

a premissa de que, brotando dos influxos das estruturas sociais, as instituições, uma vez

formadas, desenvolvem resistência à mudança, e essa conclusão tem levado os estudiosos a

um interesse maior na ação das instituições como mecanismo causal da ação social do que

no estudo das mudanças institucionais, porém, são encontradiços, na literatura, profícuas

produções também neste tema, especialmente, na linha neoinstitucionalista sociológica. Nas

teorias dos regimes, os mesmos problemas são postos acerca das instituições, como

exporemos logo a seguir.

Assim, tratando a figura do refúgio ambiental como um regime internacional em

fase de constituição (tendo em vista que o mesmo desponta como instituição à qual a ONU

tem-se alinhado, como discorremos há pouco), tencionamos analisar o processo de

formação dessa questão que vem se tornando ordem do dia da agenda da organização, do

final de 2009 para cá, após a recente sucessão de catástrofes naturais, no Chile, Haiti,

Sudeste Asiático e alhures. Para nos desincumbirmos bem dessa missão, é necessário, antes

de tudo, recapitularmos as posições teóricas sobre as mudanças dos regimes internacionais,

o que passaremos a fazer, na subseção a seguir.

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3.1.2. O Embate Teórico na Explicação dos Regimes Internacionais

3.1.2.1. O Mainstream Teórico dos Regimes Internacionais

O nascedouro da teoria dos regimes internacionais remonta à década de 1970 e, no

presente, tem granjeado muitos adeptos, interessados, no pós-Guerra Fria, em ampliar a

variedade de temas de ocupação das Relações Internacionais, atualmente, bastante

dedicadas à “issue politics”.

Já discutimos, há pouco, que as diversas teorias qualificam os regimes como

instituições para as quais convergem os comportamentos e expectativas dos agentes,

orientados por normas e valores compartilhados. Tais instituições se caracterizam pela

ausência de uma ordem política hierarquizada e de mecanismos coercitivos impostos por

um poder soberano. O que ocorre, portanto, é uma delimitação do comportamento tido

como legítimo ou admissível, por parte dos atores, em relação a um contexto específico

(traço marcante da teoria dos regimes é que estes estão diretamente relacionados a áreas

temáticas – direitos humanos, auxílio humanitário, proteção internacional da propriedade

intelectual, comércio internacional, etc.), isto é: os regimes internacionais ostentam uma

autoridade, mesmo na ausência de governo35.

A despeito da matização conceitual entre os diversos marcos teóricos, que oscilam

entre concepções mais abrangentes e outras, minimalistas, a ideia de regime internacional,

em geral, é de instituições para as quais convergem os comportamentos e expectativas dos

agentes, orientados por normas e valores compartilhados. Tais instituições se caracterizam

pela ausência de uma ordem política hierarquizada e de mecanismos coercitivos formais. O

que ocorre é uma delimitação do comportamento tido como legítimo ou admissível, por

parte dos atores, em relação a um contexto específico (traço marcante da teoria dos regimes

é que estes estão diretamente relacionados a áreas temáticas – direitos humanos, auxílio

humanitário, etc.).

35 HURD, Ian. Legitimacy and Authority in International Politics. International Organization 53, 2, Spring 1999, pp. 379–408.

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As teorias dos regimes internacionais ocupam-se, especialmente, com a formação de

determinados costumes, normas e identidades na ausência de uma potência supranacional

impositiva da violência legítima sobre os Estados. Ademais, outra pauta de grande

relevância para os teóricos dos regimes diz respeito à maneira como essas instituições

(formais ou informais) intervêm, como variáveis independentes, para influenciar certas

condutas dos atores na política internacional.

A partir da perspectiva dos regimes internacionais, tem sido muito profícua a

teorização de médio alcance, permitindo maior acuidade na explicação de fenômenos mais

particulares, como a formação e a difusão de determinados princípios ou normas – como,

v.g., de proteção ao meio ambiente ou de tratamento a refugiados, caso objeto de nossa

observação –, ou sobre como se consegue proporcionar a cooperação em determinada ação

coletiva. Na história recente da disciplina, pululam teorias de médio alcance aplicadas ao

tratamento de fenômenos os mais variados.

Nas abordagens hegemônicas das Relações Internacionais, norteadas pela lógica

consequencialista típica do pensamento anglo-saxônico36, a mais prestigiada explicação

para o surgimento de novos regimes internacionais ou para a transformação dos mesmos

atribui tais fenômenos à finalidade dos atores de reduzir os custos de informação e de

transação por meio da cooperação, que, em sua projeção, aparece como um cenário mais

vantajoso do que o isolamento e o conflito, como ressalta Robert Keohane:

Traditional microeconomic supply and demand analysis, by contrast, assumes a

situation in which choices are made continuously over a period of time by actors

for whom "exit"-refusal to purchase goods or services that are offered-is an ever-

present option. This conforms more closely to the situation faced by states

contemplating whether to create, join, remain members of, or leave international

regimes. Since no binding decisions can be made, it is possible to imagine a market

for international regimes as one thinks of an economic market: on the basis of an

36 A despeito de não se tratarem de teorias da moral, as elucubrações realistas e liberalistas são tributárias do mesmo tipo ideal do indivíduo maximizador (conquanto o Realismo realce o aspecto da redução do sofrimento e o liberalismo se detenha mais com a otimização das vantagens), presente no pensamento de Jeremy Bentham, James Mill e John Stuart Mill, que, ao contrário do que possa parecer, não goza do mesmo prestígio na Europa Continental, onde muitos autores, talvez para o arrepio dos adeptos de ambas as escolas, lançam-nas à vala comum das teorias de lógica consequencialista. A propósito, confira-se, para aprofundamento, o difundido artigo de Thomas Risse, “‘Let’s Argue!’ - Communicative Action in World Politics”. International Organization 54, 1,Winter 2000, pp. 1–39.

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analysis of relative prices and cost-benefit calculations, actors decide which

regimes to ‘buy’37.

A despeito desse predomínio, não podemos considerar as teorias dos regimes como

um grande bloco monolítico. Na verdade, as rivalidades teóricas são tão amplas, que, por

vezes, tornam as diversas vertentes, praticamente, incomunicáveis, e seus adeptos,

verdadeiramente, proselitistas.

Basicamente, em uma taxonomia mais didática, pode-se falar em três grandes

tendências de teorias dos Regimes Internacionais38. A primeira e mais tradicional delas

possui um enfoque baseado no poder como variável central da análise. Essa visão é

associada à escola realista de Relações Internacionais (e aos seus consectários, como o

Neo-Realismo, malgrado as peculiaridades destes), possuindo como premissas a anarquia

internacional e a balança de poder. Em geral, centra-se em uma racionalidade instrumental

de ganhos relativos.

A segunda, baseada no interesse – cujo representante mais típico consiste na escola

liberal de RI –, que, geralmente, assume como premissa a racionalidade instrumental,

vislumbra os Regimes Internacionais como as “regras do jogo”, cuja observância é

imprescindível para minorar os custos de transação e, na medida em que facilitam a

cooperação entre os atores, proporcionam uma maximização na utilidade esperada por

aqueles. Metodologicamente, tem seguido as mesmas orientações consagradas pelo

chamado “neo-institucionalismo da Escolha Racional”, empregando largamente – muito

embora, não exclusivamente – modelos de teoria dos jogos.

Já a terceira tradição – dita cognitivista – tem, por variáveis predominantes, as

ideias (entendidas estas no sentido mais amplo, de modo a abranger tanto crenças causais

como normativas, além de significados compartilhados). Ontologicamente, adota

pressupostos eminentemente sociológicos, implicando, primeiramente, uma concepção

mais larga dos Regimes Internacionais, mais culturalista, segundo a qual os regimes são

37 KEOHANE, Robert O. The Demand for International Regimes. International Organization, Vol. 36, No. 2, International Regimes (Spring, 1982), pp. 325-355. 38 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter e RITTBERGER, Volker. Theories Of International Regimes. Cambridge: Cambridge ed., 1997, passim.

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constituídos a partir de valores e crenças compartilhados, capazes de impelir os

comportamentos e expectativas dos agentes. Metodologicamente, privilegia abordagens

mais hermenêuticas, qualitativas, demandando maior sensibilidade contextual do

pesquisador.

A tabela 1 resume as três tendências, que serão mais bem exploradas logo em

seguida:

Ditas correntes diferem entre si, entre outros aspectos, quanto ao conceito de regime

internacional encampado por cada uma, bem como a respeito do papel dos regimes nas

explicações causais.

Quanto às teorias baseadas no poder (“power based theories”), na verdade, sua

contribuição para o desenvolvimento teórico dos regimes é modesta, haja vista que o

Realismo, escola na qual essas teorias grassaram, leva a influência da estrutura anárquica

sobre os atores, em geral, às raias do determinismo, de modo a impor o conflito como

consequência direta da anarquia do meio internacional. Quando muito, apenas

discretamente, os realistas admitem qualquer influência dos regimes internacionais como

variáveis independentes para explicar os comportamentos dos agentes. Já alguns, como

Susan Strange, chegam a desdenhar o valor dos regimes internacionais, como,

eloquentemente, ilustra o excerto a seguir, no qual a autora afirma a ingenuidade daqueles

que sustentam o valor analítico das teorias dos regimes internacionais:

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I shall suggest where this path might be discovered after a word about the second

indirect reason for skepticism about the value of regime analysis. This is that it

persists in the assumption that somewhere there exists that El Dorado of social

science, a general theory capable of universal application to all times and places

and all issues, which is waiting to be discovered by an inspired, intrepid treasure-

hunter. I confess I have never been convinced of this; and the more I know of

political economy, the more skeptical I become. If (as so many books in

international relations have concluded) we need better "tools of analysis," it is not

because we will be able to dig up golden nuggets with them. Those nuggets-the

great truths about human society and human endeavor-were all discovered long

ago. What we need are constant reminders so that we do not forget them39.

Na verdade, em geral, na ótica realista (ou neo-realista), a criação de um regime

internacional medrará quando os atores, por via daquele, vislumbrarem a possibilidade de

maximizar seus ganhos relativos, finalidade que torna menos sedutores os ganhos absolutos

oriundos da cooperação40. Nesse sentido, é a análise de Kenneth Waltz, o grande expoente

do neo-realismo no Século XX:

Quando deparados com a possibilidade de uma cooperação com ganhos mútuos, os Estados que se sentem inseguros devem se perguntar como o ganho foi dividido. Eles também serão compelidos a perguntar: ‘os dois ganharão?’, mas ‘quem ganhará mais?”. Se se espera que o ganho será dividido, por exemplo, na proporção de 2 para 1, um dos Estados pode utilizar o seu ganho desproporcional para implementar uma política para prejudicar ou destruir as outras nações. Até os grandes ganhos absolutos para ambas as partes não produzem cooperação por muito tempo, pois cada um teme como o outro utilizará suas crescentes capacidades. Nota-se que os impedimentos à cooperação pode não residir na intenção imediata dos Estados. Todavia, a condição da insegurança – a incerteza a respeito das ações e das intenções futuras dos outros – trabalha contra a cooperação41.

Basicamente, a grande contribuição realista ao estudo dos regimes internacionais

provém da teoria da estabilidade hegemônica, para a qual a criação e manutenção daquelas

instituições se dão em função da distribuição do poder no sistema internacional: quanto

mais concentrado o poder, mais simples a implementação e conservação do regime, o

oposto ocorrendo em um contexto de poder fragmentado, que facilita a deserção por conta

de sua menor estabilidade.

39 STRANGE, Susan. "Cave! Hic Dragones: A Critique of Regime Analysis", in Stephen D. Krasner, ed., Interna tional Regimes. International Organization, Vol. 36, No. 2 (Spring 1982), pp. 493. 40 SNIDAL, Duncan. Relative gains and the pattern of international cooperation. American Political Science

Review, Washington, v. 85, n. 3, pp. 701-726, September 1991. 41 WALTZ, Kenneth N.. Theory of International Politics. Massachussets: Addison-Wesley Publishing Company, 1979, p. 105.

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39

Ao cabo do Século XX, o “interest based paradigm” sobressaiu-se, denotando o

maior prestígio do Liberalismo sobre seu arquirrival, o Realismo, no estudo dos regimes

internacionais. Robert Keohane e Joseph Nye Jr. (1989) legaram à teoria das Relações

Internacionais um dos trabalhos mais significativos construídos no tema. Para os pais da

teoria da interdependência complexa, a atitude cooperativa dos diversos atores do cenário

internacional é o comportamento mais racional, pois tem o condão de maximizar os

outcomes de cada um deles. Para usar a terminologia da teoria dos jogos, podemos dizer

que o jogo de cooperação possui soma positiva para todos os participantes, na medida em

que estes se encontram em situação de interdependência com outros indivíduos

maximizadores de utilidade.

Sendo assim, para o neoinstitucionalismo liberal, a balança de poder não é capaz de

ampliar os ganhos dos atores internacionais, sujeitando os termos da cooperação a um

complexo de regras de reciprocidade, delimitadoras das perdas e dos ganhos individuais. O

que explica a adesão dos Estados a ações coletivas é o fato de que os regimes internacionais

aumentam os custos da não-cooperação e, a fortiori, do conflito e, por outro lado, ensejam

a cooperação, por reduzirem a desconfiança recíproca entre os atores (este, aliás, é um

insight que já se fazia presente na obra de Immanuel Kant, reconhecido como uma das

influências filosóficas do Liberalismo42).

Desse modo, explica-se o engajamento dos autores internacionais em ações

coletivas através dos regimes internacionais, à moda do neoinstitucionalismo da escolha

racional, pela capacidade das instituições de ampliar os ganhos individuais, tornando mais

atrativa a cooperação do que a deserção.

Como mecanismo causal, então, os regimes, na ótica da “tradição baseada no

interesse”, influenciam os pay-offs esperados por cada ator e ensejam a participação em

jogos cooperativos, na medida em que atuam como fatores redutores de incerteza ao

ensancharem maior previsibilidade aos comportamentos. Nesse sentido, os regimes

internacionais são tratados como as “regras do jogo”, de maneira a proporcionar maior

confiança recíproca na arena internacional.

42 Ao leitor, recomenda-se a consulta ao opúsculo “À Paz Perpétua”, publicado, em português, pela Editora L&PM (2008).

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As instituições, para essa corrente, são fruto da ação orientada pela racionalidade

instrumental, pela qual os atores, à guisa de negociações contratuais, estipulam as regras

mais vantajosas:

Regimes are more like contracts, when these involve actors with long-term

objectives who seek to structure their relationships in stable and mutually

beneficial ways43

.

Em termos de hipóteses, tanto a abordagem baseada no poder quanto a baseada no

interesse praticamente ignoram o papel das ideias na explicação dos fenômenos de

formação e modificação dos regimes internacionais44. Muito embora, em certa medida,

Keohane tenha reconhecido o papel das ideias para influenciar a política internacional, a

atuação delas ainda aparece de forma moderada, como “mapas” para conduzir os atores em

situações estratégicas norteadas pela mesma lógica consequencialista da racionalidade

instrumental:

Our argument is that ideas influence policy when the principled or causal beliefs

they embody provide road maps that increase actors clarity about goals and ends-

means relationships, when they affect the outcomes of strategic situations in which

there is no unique equilibrium, and when they become embedded in political

institutions45

.

A despeito dessa aparente “redenção” transparecida pela citação acima, a verdade é

que, sob a perspectiva das teorias calcadas no interesse, a sobrevivência de um regime, bem

como sua estabilidade se explicam em função de sua capacidade para otimizar os ganhos

dos atores, de modo que, uma vez que se demonstrem ineficientes para essa finalidade,

enfraquecem e são extintos ou modificados, passando ao largo do papel causal das ideias

nos processos de formação e modificação dos regimes internacionais, e atraindo, rectius,

várias objeções por parte de teóricos influenciados por outros referenciais

neoinstitucionalistas.

43 KEOHANE, R. (1983), "The demand for International Regimes", in S. Krasner (org.), International regimes, Nova York, Cornell University Press. 44 Aliás, para sermos precisos, muitos realistas chegam, inclusive, a negar relevância aos regimes internacionais na análise política, como é o caso de Susan Strange, que, no mesmo lapidar volume organizado por Stephen Krasner – “International Regimes” –, publicou artigo na contramão da tônica do livro, intitulado “Cave! Hic Dragones:ACritique of Regime Analysis”. 45 GOLDSTEIN, J e KEOHANE, R. Ideas and Foreign Policy: Beliefs, Institutions and Political Change. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1993, p. 3.

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O neoinstitucionalismo de escolha racional, conquanto mais prestigiado e influente,

não é a única inspiração das teorias dos regimes internacionais, as quais recebem,

igualmente, muitos aportes dos ditos neoinstitucionalismos histórico e sociológico, que se

propõem a estudar a origem desses regimes a partir de aspectos culturais, valores

compartilhados e legados históricos, no afã de ampliar o potencial heurístico das análises

dos regimes, incorporando novos mecanismos causais desprezados pelas teorias de matriz

utilitarista. Essa influência alternativa é particularmente mais sensível nas ditas

perspectivas cognitivistas dos regimes internacionais46.

Embora as teorias calcadas no conhecimento ainda se situem em posição um tanto

marginal, em relação ao hardcore teórico sobre os Regimes Internacionais, é notável, por

outro lado, o crescimento de seu prestígio, na academia, sobretudo, nas escolas de tradição

europeia, pelas quais as teorias cognitivistas são sensivelmente mais utilizadas que no

ambiente acadêmico norte-americano. A seguir, trataremos, especialmente, da tradição

cognitivista, talvez a mais prenhe de ramificações das três, à qual pertence a teoria das

comunidades epistêmicas.

3.1.2.2. As correntes cognitivistas das Teorias dos Regimes Internacionais

Segundo sinalizamos, ao longo da subseção anterior, a tradição baseada no

conhecimento é, entre as três vertentes ali descritas, a mais multifacetada, bastante diversas

que são as orientações cognitivistas. Malgrado sua considerável variedade, podemos

divisar, entre todas as tendências desse paradigma, alguns importantes pontos de

congruência:

� O destaque do conhecimento e das ideias como variáveis explicativas (em termos

gerais, podemos afirmar que mudanças nos sistemas de crenças são responsáveis

por mudanças políticas);

46 HASENCLEVER, MAYER e RITTBERGER. Op. Cit., passim.

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� O olhar crítico sobre as teorias da tradição liberal, cujo escopo é considerado

limitado. Ademais, não admitem a premissa por elas adotada de que os interesses

são dados de forma exógena;

� A ênfase dada aos processos de formação das identidades e preferências – tomadas

como dadas nas teorias racionalistas –, influenciados por normas e crenças

compartilhadas.

As ideias (entendam-se ideias tanto como crenças causais, como valorativas e

normativas), para as teorias cognitivistas, ganham uma posição de protagonismo no

raciocínio causal, visando à explicação, tanto da criação, quanto da modificação dos

regimes internacionais.

Na verdade, abarcar um espectro tão vasto de possibilidades analíticas sob um único

rótulo – teorias cognitivistas – é uma tarefa que exige um ponderável esforço de abstração,

pois, por trás dessa alcunha, acomodam-se autores que discordam mutuamente, até mesmo

sobre o conceito da variável nuclear dessa tradição teórica – ideia –, como detalharemos

mais adiante.

Esquecidas, por ora, as discrepâncias recíprocas entre os adeptos do cognitivismo,

une-os a rivalidade que nutrem, em comum, em face das teorias baseadas no poder e no

interesse, contra as quais costumam brandir mordazes críticas, denunciando-lhes,

sobretudo, o engano de tomarem como dadas, exogenamente, as identidades e interesses

dos atores47, quando, na verdade, estes são estruturados de maneira endógena, em função de

arquétipos cognitivos introjetados por diversas maneiras (embora o modo como os sistemas

de crenças são transformados seja um dos pontos litigiosos entre as diversas orientações

cognitivistas):

Cognitivists, too, have been sharply critical of the neoliberal approach to

international institutions. Yet the thrust of this criticism is directly opposed to that

of the realist one: from the cognitivist point of view, the problem with neoliberalism

is not that it has misconstrued some of the realist assumptions about the nature of

world politics. Rather, its limits as a theory of international institutions can be

traced back directly to various realist ‘heritages’ still operative in neoliberal

47 WENDT, Alexander. Collective Identity Formation and the International State. The American Political Science Review, Vol. 88, No. 2. (1994), pp. 384-396.

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theories. Thus, cognitivists of all shades criticize realists and neoliberals alike for

treating actors’ preferences and (perceived) options as exogenous ‘givens’, i.e. as

facts which are either assumed or observed, but not theorized about. By this move,

according to cognitivists, realists and neoliberals ignore or trivialize a significant

source of variation in international behaviour48.

Hasenclever, Mayer e Rittberger (1997), movidos por um esforço didático,

classificam as diversas teorias cognitivistas em cognitivismo forte e fraco, segundo alguns

critérios que exporemos a seguir.

Por cognitivismo forte, compreendem-se as teorias mais críticas da premissa da

racionalidade instrumental e da exogenia dos interesses preconizadas pelas teorias

hegemônicas, especialmente, aquelas ditas baseadas no interesse, típicas do Liberalismo e

seus cognatos.

Para os cognitivistas fortes, o comportamento dos atores sociais não se restringe a

uma resultante da interação entre seus interesses e a sua interpretação do mundo, mas

decorre, sim, da autopercepção que têm de si e do seu papel, construído socialmente,

através da internalização de instituições como expectativas mútuas, padrões de

comportamento e determinadas regras fundamentais compartilhadas socialmente. Assim, as

regras fundamentais assimiladas como legítimas influenciam os interesses e identidades dos

atores, impulsionando a criação, modificação, bem como a extinção de regimes

internacionais.

Fundamentalmente, o cognitivismo forte – sobretudo por via do Construtivismo –,

também designado “reflexivista”, defende uma interpretação relativista dos fenômenos

políticos, empreendida, unicamente, a partir das ideias. Para esta tradição, apenas as ideias

têm relevância para a análise e somente elas podem ser estudadas49. As ideias moldam os

próprios interesses dos atores, que não são mais dados de forma exógena, mas construídos

nas relações recíprocas entre eles.

Por seu turno, os processos de interação são valorizados pelo cognitivismo forte,

entretanto, diferentemente do que se passa na abordagem baseada no interesse, não do

48 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter & RITTBERGER, Volker. (2000). "Integrating theories of International Regimes" in Review of International Studies, 26, pp. 03-33. 49 ADLER, Emanuel. (1999), “O Construtivismo no Estudo das Relações Internacionais”. Lua Nova, nº 47.

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ponto de vista das situações estratégicas, mas, diversamente, priorizando a dimensão ética

das relações sociais e a co-construção entre agência e estrutura, como ressalta Alexander

Wendt50.

Como teorias cognitivistas, dão destaque ao papel do conhecimento (entendido em

acepção ampla, não só como conhecimento causal) na formação dos regimes internacionais,

entretanto, valorizam muito mais o “conhecimento social”, isto é, aquele que diz respeito ao

contexto social, envolvendo o ambiente normativo, as autopercepções e as percepções do

outro:

[…] strong (or maximalist) cognitivists—who also go by the names ‘reflectivists’

and ‘constructivists’ —emphasize the social character of international relations. 2o

less than weak cognitivists, strong cognitivists are concerned with actors’

knowledge, but rather than causal beliefs they accentuate social knowledge (i.e.

knowledge of norms and understandings of self and other). This sociological stance

brings them into even sharper opposition to realists and neoliberals than their weak

counterparts51

.

A figura 1 ilustra os processos de criação dos regimes a partir das interações dos atores com esquemas cognitivos causais e normativos:

FIGURA 1 – Ontologia do Cognitivismo Forte

50 WENDT, Alexander. The Agent-Structure Problem in International Relations Theory. International Organization, Vol. 41, No. 3 (Summer, 1987), pp. 335-370. 51 HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter & RITTBERGER, Volker. (2000). Op. cit.

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Outro apanágio importante presente nessas teorias diz respeito à rejeição ao tipo

ideal dos Estados como atores racionais egoístas, cujos interesses precedam,

invariavelmente, os da coletividade. A crítica construtivista a essa premissa é, talvez, a

mais acerba, como sugere Jonathan Mercer:

Because we have neither interests nor identity prior to interaction with others,

Wendt argues that it is sensible to imagine anarchy becoming an other-help rather

than a self-help system. Unlike the competitive self-help system, other-help is a

cooperative security system in which ‘the security of each is perceived as the

responsibility of all’. By recognizing that practice determines states’ identity,

Wendt hopes to inject Waltz’s theory with a dose of agency, thus paving the way for

systemic change52

.

Na classificação em lanço, consagrada nos estudos dos regimes internacionais, são

apontadas, como teorias cognitivistas fortes, o Construtivismo, a Ação Comunicativa e a

Sociedade Internacional, todas partindo da negação da primazia da racionalidade

instrumental e, cada qual, apegando-se a um elemento analítico principal, respectivamente:

� Identidade – a autopercepção dos atores, bem como a sua percepção dos demais,

forjadas ao longo da contínua interação, seriam decisivas para a formação dos

regimes, na medida em que definiriam a disposição para a cooperação ou para o

conflito. O Construtivismo, nas Relações Internacionais, que possui como uma de

suas mais sensíveis inspirações o interacionismo simbólico, é notável pela primazia

dessa variável53;

� Argumentação – inspirada na obra de Jürgen Habermas, essa corrente teórica

preconiza que os regimes seriam resultado do mútuo convencimento entre os atores

– sob certas condições do discurso, como a existência de um mundo da vida comum

e a aceitação recíproca dos atores como iguais –, acerca de parâmetros de validade e

de facticidade54;

52 MERCER, Jonathan. Anarchy and Identity. International Organization, Vol. 49, No. 2 (Spring, 1995), p. 230. 53 WENDT, Alexander. Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of Power Politics. International Organization, Vol. 46, No. 2 (Spring, 1992), pp. 391-425. 54 RISSE, Thomas (2000) '“Let's Argue!”: Communicative Action in World Politics' , International Organization 54(1), pp. 1-39.

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� Legitimidade – a despeito da inexistência de uma instância governamental

supranacional, seria possível, ainda assim, falar-se de uma autoridade internacional,

proveniente das normas consideradas legítimas pelos atores55, impelindo-os ao

ânimo cooperativo e, consequentemente, à disposição para se engajarem em regimes

internacionais.

Reportando-nos aos famigerados grandes debates das Relações Internacionais,

podemos afirmar a pertinência das escolas do cognitivismo forte às orientações pós-

positivistas, centradas no discurso, nas ideias e na interpretação, categorias que

transcendem a posição de coadjuvação à qual foram relegadas pelas teorias de tradição

positivista:

“Mais do que atores racionais perseguindo os seus interesses, é a interação de valores, normas e diferentes formas de conhecimento que caracteriza o processo das políticas [policy process]. Há apenas uma curta distância entre o argumento de que a linguagem é central ao policy-making e a afirmação de que as idéias são reais apenas porque elas dão sentido àqueles que as usam. As políticas são uma disputa entre formas de discurso que são baseadas na luta pelo poder e na busca de significado. Os sistemas de idéias constroem os interesses dos tomadores de decisões. A ação política refere-se à linguagem [is about language], que é um sistema de significação através do qual as pessoas constroem o mundo [...]. Sendo a maneira pela qual as pessoas enquadram as questões, conferem sentido ao mundo e propõem soluções, as idéias têm uma vida que lhes é própria. Elas são independentes no sentido em que o discurso tem as suas próprias regras, as quais estruturam a forma como o público e os ‘policy makers’ percebem as ‘policy

issues’, como quando um problema público assume a forma de uma história, com um começo, um meio e um fim, sendo o fim a intervenção governamental bem-sucedida”56.

Na outra ala da classificação, encontramos as teorias cognitivistas fracas (ou

cognitivistas leves, segundo algumas traduções). Segundo Hasenclever, Mayer e Rittberger

(2000), o cognitivismo fraco é tido como minimalista, pois limita a análise sobre o papel

causal das ideias para avaliar o papel das crenças causais e principiológicas nos processos

de formação e mudança dos regimes internacionais.

55 HURD, Ian (1999). Legitimacy and Authority in International Politics . International Organization, 53, pp. 379-408. 56 JOHN, Peter, apud FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Idéias, conhecimento e políticas públicas: um inventário sucinto das principais vertentes analíticas recentes. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 18, n. 51, Feb. 2003 .

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Diferentemente de suas cognatas mais radicais, tais teorias não objurgam,

peremptoriamente, a racionalidade instrumental: a despeito de seu criticismo, o

cognitivismo fraco sustenta, na verdade, não a imprestabilidade do mecanismo da ação

finalística, mas a incompletude das análises de matrizes neoliberal e neo-realista, por, na

maioria das vezes passarem ao largo do papel do conhecimento na construção dos regimes

internacionais57. Novos conhecimentos seriam capazes de induzir novas interpretações dos

atores acerca do contexto no qual estão inseridos e dos problemas sobre os quais precisam

atuar. Por sua vez, essas novas interpretações seriam decisivas para fomentar a cooperação.

A informação, aqui, pode ser considerada como a matéria-prima da ação política

internacional.

As premissas do cognitivismo fraco, como já dito, não são incompatíveis com o

cálculo da utilidade esperada ao qual se dedicariam os atores racionais, segundo assumido

pelas teorias baseadas no interesse: as decisões tomadas pelos atores internacionais podem

ser, sim, fruto da estimativa dos pay-offs por eles formuladas, entretanto, as informações

disponíveis são decisivas para a aferição da utilidade esperada.

Em suma, a admitir-se a ocorrência de um cálculo de utilidade esperada, esclarece-

se, por outro lado, que este é contingenciado pelas percepções/interpretações dos atores

sobre o contexto da ação e sobre a questão na qual atuarão, que, por sua vez, são

dependentes do conhecimento disponível.

Na figura 2, a seguir, extraída de Hasenclever et alii (1997), esboça-se, em linhas

gerais, o mecanismo explicativo básico do cognitivismo fraco, ilustrando-se o papel do

conhecimento nos processos de criação, assim como de modificação dos regimes

internacionais, explorando os mecanismos e condições da chamada “aprendizagem

governamental”58.

57 Essa crítica parece ter sido assimilada por Keohane e Goldstein ao incorporarem o papel das ideias no volume já citado neste trabalho, “Ideas and Foreign Policy: Beliefs, Institutions and Political Change”, ao qual remetemos o leitor. 58 Hasenclever et alii (2000), p. 10.

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FIGURA 2 – Ontologia do Cognitivismo Fraco

Três características são marcantes no cognitivismo fraco: a já mencionada

importância da interpretação; o valor da intersubjetividade dos significados compartilhados

e a demanda por informação especializada, especialmente, pelo conhecimento científico,

como fator redutor de incerteza, sobretudo, em temas de alta complexidade:

“Before states can agree on whether and how to deal collectively with a specific problem, they must reach some consensus about the nature and scope of the problem and also about the manner in which the problem relates to other concerns in the same and additional issue-areas”59.

Em linhas gerais, podemos dizer que, para o cognitivismo fraco, quando, a partir da

informação nova (que servirá como um mapa para as ações), forma-se um conhecimento

consensual entre os atores, que, segundo este – e após um processo interpretativo –,

visualizam um determinado problema como comum e de alta relevância, a opção pela

cooperação se torna vantajosa, propiciando o engajamento na criação de um regime

internacional, em termos alcançados, igualmente, por meio da interpretação (desta vez,

acerca das melhores alternativas para a resolução do problema). Esses apanágios são

emblemáticos na teoria das comunidades epistêmicas, preclara representante do

cognitivismo fraco, que, a seguir, passaremos a discutir.

59 HAAS, Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), p.30

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3.2. A Teoria das Comunidades Epistêmicas

3.2.1. Conceito de comunidade epistêmica e suas possibilidades heurísticas

Há pouco, afirmamos que, em geral, para as teorias dos regimes internacionais mais

difundidas, os atores buscam a cooperação na medida em que vislumbrem um problema

comum para cuja solução a ação coordenada é mais vantajosa. Por outro lado, também

mencionamos que, na ótica cognitivista, essa aferição do problema comum é orientada por

um conhecimento consensual. Nas teorias baseadas no interesse, a etapa do cálculo

estratégico é amiúde analisada, todavia, o processo segundo o qual a informação nova se

consolida em conhecimento consensual é desprezada, como se o conhecimento fosse uma

realidade estática ou um a priori inquestionável.

A teoria das comunidades epistêmicas procura dar conta, exatamente, da difusão da

informação científica até se tornar conhecimento consensual, de tal modo a, influindo no

ânimo dos atores internacionais, configurar-se em mecanismo causal da ação política, na

medida em que atua na formação dos seus interesses e preferências60. Nesse sentido,

negando o determinismo da estrutura anárquica, como faz a tradição cognitivista, em geral,

a teoria das comunidades epistêmicas valoriza os processos de mudança, realçando o papel

da agência, em constante formação e aprendizagem, como chama atenção Peter Haas, em

um dos trabalhos lapidares dessa vertente teórica:

In focusing on the structure of international or domestic power in their

explanations of policy coordination, many authors ignore the possibility that actors

can learn new patterns of reasoning and may consequently begin to pursue new

state interests. While others mention this possibility, few investigate the conditions

that foster a change in state interests and the mechanisms through which the new

interest can be realized61.

Igualmente, alerta-nos que essa propalação do conhecimento, ao revés de um

processo espontâneo, é, na verdade, um processo preordenado, concebido pela comunidade

60 HASENCLEVER; MAYER e RITTBERGER. (1997), p. 154. 61 HAAS, Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), p. 2.

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científica especializada em determinada questão, cujo sucesso depende da capacidade de

coordenação desses experts e do seu acesso aos tomadores de decisão.

Segundo a teoria das comunidades epistêmicas, a informação nova – que pode

influenciar tanto a formação de preferências, quanto a definição das possibilidades de

solução para os problemas compreendidos como coletivos –, para vir a influir nas tomadas

de decisão, necessita de uma conjuntura favorável, que envolve três condições62:

� A questão enfrentada pelos atores há de ser de alta complexidade, gerando, pois, um

estado de incerteza que os torne carentes de informação especializada (o rigor das

análises científicas confere maior segurança aos tomadores de decisão);

� A informação científica deve gozar de larga aceitação pela comunidade – afinal,

uma informação muito contestada não seria apta a debelar a incerteza dos tomadores

de decisão;

� A comunidade de acadêmicos deve ser altamente institucionalizada (para ter acesso

aos tomadores de decisão).

A atuação do conhecimento científico possui, portanto, no dito contexto de

incerteza, melhores chances de medrar. Entretanto, se, tal qual genes, a informação tende a

se espalhar, como preconiza a memética de Richard Dawkins63, a disseminação do

conhecimento científico até as esferas decisórias, diferentemente da implacável pré-

programação química da genética, é obra deliberada de atores cuja atuação, malgrado

discreta, não pode ser desprezada – as comunidades epistêmicas.

A grande inovação da teoria das comunidades epistêmicas é, precisamente, sua

maior virtude: lançar luzes sobre a força dos acadêmicos para induzir a criação e a

modificação dos regimes internacionais. Tais comunidades64, constituídas por profissionais

62 Idem. 63 DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 64 É prudente que se esclareça que o conceito de comunidade epistêmica não se confunde com o da comunidade acadêmica, como um todo. Para que se caracterize uma comunidade epistêmica, não é mister uma comoção geral de toda a academia, mas a constituição de uma rede de especialistas em determinada área jungida pelas características que, realçadas por Peter Haas, são comentadas nesta subseção.

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prestigiados em determinado domínio do saber, são identificadas quando se divisam alguns

elementos fundamentais, para os quais chama atenção Peter Haas65:

� Compartilhamento de crenças causais e normativas;

� Noções compartilhadas de validação do conhecimento científico em sua área;

� Um empreendimento político comum.

A comunhão de crenças e de padrões de validação é essencial para a aceitabilidade

da comunidade aos olhos das autoridades “profanas”, haja vista que, em um contexto

político de incerteza, de pouca valia seria a opinião de especialistas em profundo desacordo

interno entre os integrantes da comunidade: adotassem-se as informações oriundas dessas

fontes, estar-se-ia, tão-somente, por assim dizer, delegando a insegurança dos próprios

tomadores de decisão para a comunidade epistêmica. Tal pressuposto é coerente com a

premissa de que as comunidades epistêmicas ganham destaque em momentos de incerteza,

diante de problemas de alta complexidade, já mencionada, anteriormente, ainda nesta

subseção.

A propósito dessa necessidade de segurança dos tomadores de decisão, Peter Haas,

em artigo no qual analisa o processo de formação do regime de proteção à camada de

ozônio e de limitação das emissões de gases poluentes, chama atenção para o papel da

comunidade epistêmica de mitigação das incertezas pela difusão direcionada da informação

científica:

In the face of foreign policy decision makers' uncertainty about the causes of the

problem and the possible consequences of action, the epistemic community was

largely responsible for identifying and calling attention to the existence of a threat

to the stratospheric ozone layer and for selecting policy choices for its protection.

The community channeled discussions toward a strong ozone treaty by spreading

information that suggested the need for stringent international CFC controls66.

65 HAAS, Peter. Op. cit. 66 HAAS, Peter M. Banning Chlorofluorocarbons: Epistemic Community Efforts to Protect Stratospheric Ozone. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination (Winter, 1992), pp. 188

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Na citação acima, chama atenção o argumento de que os acadêmicos não

simplesmente opinavam tecnicamente ou forneciam dados, mas “canalizavam a discussão

no sentido de um forte tratado sobre a questão do ozônio”. Adiante, o autor sugere que a

autoridade do conhecimento científico nada mais era do que um meio para realizar esse

projeto, ao disseminarem informações sugestivas da necessidade por controles estritos da

emissão de CFC. Essa passagem ilustra a última das três características listadas acima, qual

seja, o empreendimento político comum, que, em outras palavras, corresponde ao

engajamento dos acadêmicos em prol de alguma causa – no nosso caso, do reconhecimento

e proteção dos refugiados ambientais, que verificaremos na subseção a seguir –, vital para

lhes proporcionar mais audiência, nas arenas decisórias, e para granjear a adesão dos

tomadores de decisão.

Exemplificando a identificação desses elementos acima descritos, socorremo-nos da

análise de Peterson a respeito do regime de gerenciamento da baleação, em cuja formulação

prevaleceu a postura sustentabilista preconizada pela comunidade epistêmica de biólogos

marinhos e outros profissionais de áreas correlatas sobre as posições dos baleeiros

(consumista predatória) e dos ambientalistas (preservacionista intransigente). A

comunidade epistêmica, na análise em apreço, compartilhava a visão das baleias como um

recurso, bem como o princípio da racionalidade da sua exploração67.

Outrossim, estavam de acordo quanto à metodologia para prognosticar a evolução

das populações das diversas espécies e para calcular os níveis aceitáveis de pesca

respectivos. Por fim, o autor destaca a abnegação da comunidade em prol de um projeto de

conservação das baleias conciliável com as necessidades do mercado, de modo a

influenciar as decisões da Comissão Internacional de Baleação (International Whaling

Commission).

Ao atinar para o papel da informação e da interpretação, a teoria das comunidades

epistêmicas, em casos como os descritos há pouco, bem como neste para o qual voltamos

nossa análise, ou em outras matérias de alta complexidade, tem enriquecido a análise causal

67 PETERSON, M. J. Whalers, Cetologists, Environmentalists, and the International Management of Whaling. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination (Winter, 1992), pp. 147-186.

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dos fenômenos atinentes aos regimes internacionais. Isto porque, sem repudiar,

categoricamente a ação racional instrumental, desvela outros mecanismos causais

precedentes à própria definição dos problemas – e, mesmo, dos próprios interesses dos

atores –, atinentes aos processos interpretativos, cujo substrato está na informação

disponível. A propósito desta última, o caminho entre a informação e a ação, outrora

obnubilado nas teorias clássicas das tradições realista e liberalista, é esclarecido pela teoria

das comunidades epistêmicas, que, todavia, não está imune a críticas, como veremos logo

adiante.

3.2.2. Críticas à teoria das comunidades epistêmicas

Ao conduzirmos nosso problema de pesquisa tendo por referencial a teoria das

comunidades epistêmicas, fizemos uma opção baseada em suas virtudes heurísticas,

considerando o tipo de questionamento ao qual a nossa pesquisa se propõe. Todavia, por

imperativo de parcimônia e de maturidade teórica, cuidamos ser recomendável verificar

eventuais fraquezas da teoria, o que faremos, nesta subseção, tomando por referência a

literatura especializada no estudo dos regimes internacionais.

Curiosamente, as críticas mais acerbas recebidas pela teoria das comunidades

epistêmicas provêm, exatamente, de dentro da própria tradição cognitivista, precisamente,

das teorias cognitivistas fortes, sobretudo, por parte dos teóricos construtivistas.

Para o denominado cognitivismo forte, como vimos há pouco, o racionalismo

instrumental preponderante no mainstream teórico das Relações Internacionais é incapaz de

dar conta da explicação da ação política, porque – dizem – ineficaz para traduzir toda a

complexidade desse fenômeno tão imbuído de fatores culturais. Em geral, a mesma diatribe

é dirigida contra o cognitivismo fraco da teoria das comunidades epistêmicas, que, sem

repudiar a premissa fundamental das teorias baseadas no interesse, acabaria – segundo

afirmam os críticos – se alinhando a estas como uma espécie de teoria utilitarista

“reciclada” ou como um simples suplemento ao mainstream teórico, que mantém intactas

as premissas deste, apenas com o mérito único de problematizar a origem dos interesses e

preferências subjacentes à ação.

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Também se objeta, na teoria das comunidades epistêmicas, a sua preocupação

exclusiva com a percepção dos atores sobre o contexto de suas ações, vista, pelos

cognitivistas fortes, como um redutivismo ingênuo da realidade analisada, na medida em

que passa ao largo do aspecto fundamental da ação política, qual seja, a identidade, a

autopercepção, mais do que a visão do entorno do agente.

As identidades, construídas e não dadas, é que determinam as possibilidades de

cooperação ou conflito, e não um simples cálculo de utilidade esperada – ainda que inclua,

como variáveis, o conhecimento e a percepção de mundo. Por não levar em consideração o

papel das identidades para explicar os regimes internacionais, a teoria das comunidades

epistêmicas é rechaçada, sobretudo, pelo Construtivismo, que a acusa de relegar às ideias

um papel secundário, quando, na verdade, estas são a grande força motriz da ação política.

Para o Construtivismo, orientação mais acerbamente crítica entre os cognitivistas

fortes, a otimização das escolhas instruídas pela informação científica não representaria,

inteiramente, a complexidade da ação coletiva, que se desenvolve imbricada em estruturas

normativas e conceitos identitários fundamentais, os quais evoluem e se transformam ao

longo das interações sociais que nem o racionalismo utilitarista do mainstream

neoliberalista, nem o cognitivismo fraco – visto quase como uma variante daquele –

conseguiriam contemplar68, apesar de sua essencialidade para a definição dos papéis sociais

e do comportamento legítimo69.

Por isso, a teoria das comunidades epistêmicas cairia na vala comum onde a maioria

dos construtivistas – em especial, Alexander Wendt – relega o Neoliberalismo e o Neo-

Realismo, por desprezarem a importância da intersubjetividade no processo de co-

construção dos agentes e de suas identidades e interesses, aspectos que não podem ser

ignorados quando se tenta empreender uma análise sobre os processos de cooperação

internacional:

Their weakness, in other words, is a lingering willingness to transcend, at the level

of systemic theory, the individualist assumption that identities and interests are

68 HASENCLEVER; MAYER e RITTBERGER. Op. Cit., p. 155. 69 Para discussões mais qualificadas sobre o papel da legitimidade e da “lógica da adequação”, ver: HURD, Ian (1999). Legitimacy and Authority in International Politics . International Organization, 53, pp. 379-408.

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exogenously given. Constructivists bring to this lack of resolution a systematic

communitarian ontology in which intersubjective knowledge constitutes identities

and interests70.

A despeito do fundamento das críticas cognitivistas fortes, estas pecam, no mais das

vezes, ora por desprezar o poder heurístico das teorias racionalistas – equívoco que o

cognitivismo fraco não comete e que o próprio Wendt admite71 –, ora pela superficialidade

de algumas apreciações sobre a teoria das comunidades epistêmicas, ignorando que esta

leva, sim, em consideração, não só o sistema de crenças causais, mas princípios, normas e

valores em torno dos quais os acadêmicos se aglutinam e se engajam para influenciar o

poder. Se, de certo modo, os processos interacionais não recebem, da teoria das

comunidades epistêmicas, maior consideração, este pode ser, antes de um sinal de

obsolescência, um caso para ulterior integração teórica, como sugerem Hasenclever, Mayer

e Rittberger.72

Aliás, confirmando nossas considerações sobre o excesso de algumas críticas à

teoria das comunidades epistêmicas, um preclaro representante do cognitivismo forte,

Thomas Risse73, reconhece a exacerbação do criticismo de sua tradição, afirmando que a

ação social pode ser movida por três lógicas: uma consequencialista (à qual se apegam as

teorias de matriz utilitarista); uma lógica da adequação (estudada sobremaneira pela Escola

Inglesa) e uma lógica argumentativa (esta explorada mais amiúde pela teoria da ação

comunicativa). Essas lógicas, antes de se apresentarem de forma estanque ou mutuamente

excludente, encontrar-se-iam presentes, em variadas medidas, nos diversos

comportamentos dos atores, e levar-lhes a coexistência em consideração é essencial,

visando a um melhor direcionamento do problema agência-estrutura no âmbito da Teoria

Política74.

70 WENDT, Alexander. Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of Power Politics. International Organization, Vol. 46, No. 2 (Spring, 1992), p. 425. 71 Idem, ibidem. 72 Cf. "Integrating theories of International Regimes". Review of International Studies, 26, 2000, pp. 03-33. 73 RISSE, Thomas (2000) '“Let's Argue!”: Communicative Action in World Politics', International Organization 54(1), pp. 1-39. 74 Idem, ibidem.

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4- HIPÓTESES DE PESQUISA

Nas sessões precedentes, esclarecemos e justificamos nossa opção pela teoria das

comunidades epistêmicas, por sua melhor adequação ao problema de pesquisa, haja vista

tratar-se de referencial teórico de larga utilização na investigação do tema das mudanças

institucionais, bem como por sua aptidão para deslindar relações entre inovações científicas

e ação política internacional, justamente o foco de nossa pesquisa.

Pelo que já discutimos a respeito de nosso referencial teórico, o mecanismo da ação,

para a teoria das comunidades epistêmicas, preconiza que novas ideias induzem novas

interpretações sobre os problemas submetidos aos tomadores de decisão, acerca da própria

existência e das dimensões dos mesmos, bem como novas estratégias para atuar sobre eles e

novas expectativas sobre resultados, levando à criação de novas instituições ou à

modificação daquelas já existentes.

Ademais, argumenta-se que essas novas ideias desencadeadoras do processo de

mudança institucional não nascem no vácuo, nem de difundem aleatoriamente, mas por

meio do esforço coordenado de atores dotados de conhecimentos especializados nas áreas

de interesse para os problemas sobre os quais incidirá a ação política internacional, isto é,

as comunidades epistêmicas.

Diante dessa breve recapitulação, no caso em análise, são esperadas as seguintes

constatações:

1ª. A mudança de posição da ONU acerca do problema dos refugiados ambientais

decorre da adoção de uma visão mais alarmista sobre a questão no âmbito da

organização;

2ª. Esse redimensionamento do problema decorre da chegada de novas informações

especializadas acerca do problema, cujos impactos e causas são altamente polêmicos,

gerando um estado de incerteza;

3ª. A difusão das informações científicas é resultante de um esforço coordenado de uma

rede de cientistas que conseguiu acesso a diversas instâncias daquele organismo

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internacional, fazendo prevalecer crenças causais e princípios comuns, no afã de pôr em

prática um projeto político compartilhado, qual seja, a conquista da proteção aos

refugiados ambientais.

5. A ONU E OS REFUGIADOS AMBIENTAIS: A AÇÃO DA COMUNIDADE EPISTÊMICA

5.1. A Postura Tradicional da ONU e o Sistema de Crenças Subjacente

Em primeiro lugar, vimos que a bandeira da proteção aos refugiados ambientais foi

desfraldada, nas Nações Unidas, de forma associada aos seus programas de proteção ao

meio ambiente. Inclusive, como chamamos atenção, anteriormente, a primeira alusão

oficial a essa categoria de migrantes forçados é atribuída a um órgão especializado da

ONU, o PNUMA, justamente, a agência encarregada de ações ambientalistas.

No princípio, porém – aí, estamos falando de meados da década de 1980 –, o

discurso pró-refugiados ambientais era uma causa, por assim dizer, marginal, na

organização, que, então, reverberava uma postura mais conservadora sobre o tema, fiel ao

conceito jurídico de refugiado, restritivo, segundo a já discutida Convenção de Genebra de

1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Em discurso proferido nos idos de 1992, perante a

Fundação de Paz da Suíça, Sadako Ogata, então Alta Comissária das Nações Unidas para

os Refugiados, convidada a discorrer sobre o tema dos refugiados ambientais, dava a tônica

da visão oficial de então:

Within international law, refugees are defined as individuals who flee their country

because of fear of ethnic, religious or political persecution, or to escape conflict,

and cannot rely on the protection of their own government. The loss of national

protection is a key element of the refugee definition, and of direct consequence for

the work of the United 2ations High Commissioner for Refugees. It is the mandate

of my Office to provide international protection and assistance to refugees and to

find solutions to their problems.

Using the term "environmental refugee" to refer to all people forced to leave their

homes because of environmental change loses the distinctive need of refugees for

protection. It blurs the respective responsibilities of national governments towards

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their citizens and of the international community towards those who are without

protection. It also impedes a meaningful consideration of solutions and action on

behalf of the different groups. Therefore, U2HCR believes the term "environmental

refugee" is a misnomer75

.

Pela palavra de sua autoridade para a causa dos refugiados, ficava claro não só o

legalismo da ONU como, de certo modo, um quê de antipatia pelo conceito de refugiado

ambiental, não só por suas implicações na política internacional, como, também, na política

interna dos Estados, como fica evidente no segundo parágrafo da transcrição.

Implicada nesse desdém pelo conceito de refugiado ambiental está a subestimação

das dimensões do problema pelas Nações Unidas, em boa parte, calcada em uma visão dos

fatos que mitigava a relação causal entre mudanças climáticas e os fluxos migratórios

internacionais, como se infere, mais adiante, quando, no mesmo discurso, a então Alta

Comissária, a despeito de reconhecer, em certa medida, a conexão, preconiza que esta só

existe, praticamente, quando o desequilíbrio ambiental aparece associado a conflitos

sociais, étnicos e culturais e ao esfacelamento econômico:

Although the notion of "environmental refugees" may not have a place in the

conceptual framework of refugees, environmental decline is an important factor in

a very complex combination of causes which compel refugees to move. The refugees

of today are not only victims of persecution, but also, and overwhelmingly so,

victims of social dislocation and conflict of the kind we are witnessing in Bosnia-

Herzegovina and Somalia. Environmental damage is an inevitable consequence of

the fighting, but often it is also directly inflicted as a weapon to subdue the

population or prevent their return to certain areas. Indeed, in the case of ex-

Yugoslavia, the very objective of the conflict is to destroy homes and habitats so

that people are unable to return.

At the same time, environmental decline, coupled with demographic pressure and

poverty, can also exacerbate competition for scarce resources and contribute to

tensions. Frustration, despair and hostility can easily explode into violence in

countries comprised of a patchwork of different ethnic, linguistic, religious or

ideological groups76.

75 A íntegra do discurso encontra-se disponível no site oficial do ACNUR, através do endereço <http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/search?page=search&docid=3ae68fad20&query=%22environmental%20refugees%22>, acessado, pela última vez, em 22 de dezembro de 2010. 76 Idem, ibidem.

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A interpretação do discurso acima nos leva a algumas conclusões sobre a dimensão

oficial que, tradicionalmente, as Nações Unidas imprimiam ao problema dos refugiados

ambientais. De acordo com o estado da arte de então, no ambiente acadêmico (ou, pelo

menos, na corrente que influía mais diretamente no centro decisório da ONU), tratava-se de

um, por assim dizer, pseudoproblema: segundo se acreditava, seria impróprio referirmo-nos

a refugiados legitimamente ambientais, posto que, isoladamente, não se vislumbrava, nos

problemas ambientais, severidade suficiente, a ponto de determinarem as migrações. Ao

invés disso, a visão predominante reputava tais desequilíbrios como combustíveis para

conflitos demográficos precedentes. Tanto é que a problemática dos refugiados ambientais,

usualmente, aparece associada a regiões politicamente instáveis e economicamente

subdesenvolvidas77.

Em estudo de geografia humana sobre a região do Sahel, na África – região

localizada logo ao Sul do Deserto do Saara, abrangendo países como Senegal, Burkina

Faso, Mali e Sudão, usualmente noticiada por seus longos períodos de estiagem e pelos

prognósticos de desertificação –, Ros David, em 1995, desqualificando os fluxos

demográficos, afirmava que, ao contrário do que se pensava, não se tratava de migrações

forçadas, mas de movimentos sazonais comuns, motivados por fatores de ordem

econômica:

Migration does not necessarily signify a rejection of a rural livelihood. Rather, it

demonstrates that the survival strategies of rural Sahelians are not only rooted in

their immediate vicinity, but are also linked into economies in other rural and

urban locations. It is precisely this inter-linkage which supports rural communities

and helps them to survive in such climatically unstable environments78

.

Nessa ótica causal, de fato, o universo do que se poderia considerar refugiado

ambiental seria reduzidíssimo, afinal, a imensa maioria desses migrantes poderia ou ser

enquadrada como refugiados, no conceito tradicional, ou, simplesmente, como migrantes

econômicos, o que, equiparando o flagelado da desertificação a qualquer cidadão que

resolve tentar a vida fora de seu Estado de origem, tornaria injustificável tutelá-lo como

77 BATES, Diane C. Environmental Refugees? Classifying Human Migrations Caused by Environmental Change. Population and Environment, Vol. 23, No. 5, May 2002 2002 Human Sciences Press, Inc., p. 466 78 David, Ros (1995). Changing Places? Women, Resource Management and Migration in the Sahel. Case Studies from Senegal, Burkina Faso, Mali and Sudan. London: SOS Sahel, p. 18.

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refugiado, pois retiraria, do movimento migratório, sua imperatividade, desnaturando-o em

migração voluntária79.

Além desses reenquadramentos dos refugiados ambientais como refugiados comuns

ou (principalmente) migrantes econômicos, essa dissociação causal entre desequilíbrios

ambientais ameniza, também, imensamente, as dimensões quantitativas do problema dos

refugiados, relativizando sensivelmente os contingentes declinados nas estatísticas mais

alarmantes, como as citadas ao longo deste trabalho. Enquanto a envergadura do problema

fosse minimizada, na ótica das Nações Unidas, não se justificaria a mudança institucional,

pois, como parece ser acordo entre as diversas matrizes teóricas dos regimes internacionais,

a sobrevivência das instituições costuma estar associada à medida na qual estas são capazes

de enfrentar os problemas para os quais são concebidas80. Nesse sentido, as crenças causais

perfilhadas pela ONU indicavam que, mantido o conceito clássico de refugiado, a questão

estava tratada a contento, noção que, nos dias atuais, sofreu uma profunda revisão, como

analisaremos a seguir.

5.2. Novas Ideias, Nova Política

Já no final da década de 1990 e início do Século XXI, o mundo todo assistiu,

estupefato, a uma sucessão cada vez mais intensa de desastres naturais – obviamente, muito

dessa repercussão devido ao aumento do alcance dos meios de comunicação –, a exemplo

do tsunami no Oceano Índico, em 2004, do furacão Katrina, em 2005, nos Estados Unidos,

do ciclone Nargis, em 2008, no Mianmar, dentre outros tantos. Além dos fragorosos

prejuízos, o grande apelo midiático sobre essas hecatombes granjeou maior atenção da

79 BLACK, Richard. Environmental Refugees: Myth or Reality?. New Issues in Refugee Research Working Paper 34. Geneva: UN High Commissioner for Refugees, p. 6. 80 Curiosamente, até o próprio Alexander Wendt, ao se debruçar sobre o problema da mudança institucional, deixou-se seduzir pelo argumento funcionalista, quando chegou a conclusão semelhante, em seu artigo “Anarchy is what States Make of it: The Social Construction of Power Politics”. International Organization, Vol. 46, No. 2 (Spring, 1992), pp. 391-425.

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opinião pública e da classe política para os desequilíbrios ambientais e suas

consequências81.

Foi a partir da última década que as posições científicas esposadas pelos órgãos e

programas ambientais da Organização das Nações Unidas saíram, por assim dizer, da

margem dos debates e assumiram a ribalta. Não possuímos suficiente conhecimento

especializado (e, mesmo que o tivéssemos, é grande a controvérsia, no meio acadêmico,

acerca do tema) para afirmar se, conforme o senso comum parece ter absorvido, as

mudanças ambientais estão mais dramáticas que antanho, mas, certamente, as correntes

mais conservacionistas do meio acadêmico vêm conquistando um prestígio sem

precedentes. Isto tem-se refletido no seio da ONU, que, como vimos nas seções anteriores,

tem creditado maior confiança nas correntes mais catastróficas e alarmistas, cujo clamor se

lastreia, basicamente, sobre três pilares:

� Crença na existência de causalidade direta entre mudanças ambientais e migrações

forçadas: esta ideia é nuclear para o dimensionamento do problema dos refugiados

ambientais; dela, decorrem as outras duas;

� Proporção de refugiados ambientais, que, para o organismo internacional,

atualmente, já bateu o contingente de refugiados enquadrados nas hipóteses da

Convenção de Genebra82;

� Prognósticos para a multiplicação dos refugiados ambientais pelas próximas

décadas, que, segundo as mesmas fontes, deverão atingir a casa dos 200 milhões de

indivíduos.

81 Não foi à toa que, em 2006, o ex-Vice-Presidente norte-americano, Al Gore, protagonizou o documentário “Uma Verdade Inconveniente”, alertando sobre os perigos do aquecimento global sobre o meio ambiente. 82 Dados da Universidade das Nações Unidas, reverberados na Convenção Climática da ONU de 2008, realizada em Bonn, Alemanha, segundo noticiado pelas redes BBC e Deutsche Welle, em matérias disponíveis nos endereço a seguir, acessados, pela última vez, em 28 de outubro de 2009: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2005/10/051011_refugiadosro.shtml > e <http://www.dw-world.de/dw/article/0,,3704948,00.html>.

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Até aqui, nas diversas citações feitas, ficou clara a posição atual da ONU sobre

essas três questões. Entretanto, a convicção da organização a respeito delas não é

sintomática da concordância na academia a respeito delas, mas, simplesmente, da opção por

uma das correntes que contendem sobre a análise do fenômeno.

Com efeito, apesar da forma como o tema se assentou no ideário coletivo, não há

acordo, na academia, sobre os refugiados ambientais. Richard Black, no título de seu

debatido artigo83, conseguiu, além do apelo fácil de um clichê, resumir o embate de

pensamento das duas grandes correntes que se formaram em torno do tema dos refugiados

ambientais: “mito x realidade”. A essas duas comunidades, designaremos como minimalista

e maximalista, tomando por empréstimo as denominações atribuídas por Suhrke para se

referir às correntes que, respectivamente, desprezam e realçam o problema dos refugiados

ambientais84.

No mesmo artigo, publicado há relativamente pouco tempo – portanto, já

ambientado no contexto ideológico hoje predominante, o que demonstra a distância entre a

“convicção” do senso comum e a enorme polêmica no mundo acadêmico –, Black contesta,

com base em amplas pesquisas empíricas, as bases sobre as quais se sustenta a posição

maximalista ora perfilhada pela ONU, compilando os argumentos de dezenas de cientistas

renomados em sentido diverso.

Buscando infirmar a alegada causalidade entre os deslocamentos e desequilíbrios

ambientais, o autor reúne contra-evidências empíricas, desqualificando a propalada

conexão. Entre os trabalhos citados, está o artigo “Environmental Causes and Impact of

Refugee Movements”, no qual o autor, Gaim Kibreab, refuta a origem ambiental de um dos

focos mais citados de incidência dessa categoria de refugiados, o Chifre da África, também

tratado, em Geografia, como Nordeste Africano ou Península Somali, que inclui Somália,

Etiópia, Djibuti e Eritreia:

83 Op. Cit. 84 SUHRKE, Astri (1993). Pressure Points: Environmental Degradation, Migration and Conflict. Occasional Paper of Project on Environmental Change and Acute Conflict, Washington, DC: American Academy of Arts and Sciences, p. 4.

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The Horn of Africa is invariably cited as an example of a place where

environmental scarcity resulting from degradation of renewable resources has

given rise violent to conflicts forcing millions to flee (Molvaer, 1991; Westing,

1991; Myers, 1994; Hjort and Salih , 1989). What this region has experienced is

not environmental change engendering political conflict and insecurity. Rather, the

escalating levels of insecurity and conflicts have themselves compelled people to

congregate in safer zones intensifying the process of degradation of the available

local resources, while the un safe areas remained under-used. Here, people have

lived since time immemorial on the razor's edge of survival. Both small farmers and

pastoralists were well aware of the physical constraints inherent in their

environment and had developed multiple coping strategies and responses that

involved substitutions in production, income, assets and consumption. Their

production systems were designed to minimise problems stemming from variable

soil fertility and low and erratic rainfall. The underpinning principle was mobility

designed to take advantage of environmental variabili ty in different zones85.

A contestação ora à origem ambiental dos fluxos migratórios, ora a seu aspecto

volitivo municia os críticos nas suas objeções às estatísticas, afinal, desclassificando-se a

imensa maioria dos casos alardeados como de refugiados ambientais, os números caem

vertiginosamente. O próprio Richard Black, no citado artigo, desdenha as “estatísticas

milionárias”, pondo em dúvida sua credibilidade, justamente por partirem de um conceito

inconsistente de refugiado ambiental:

Whatever the precise definition or number of ‘environmental refugees’, a common

feature of the literature is to talk of ‘millions’ of displaced people, and their

dramatic impact on host regions, such that regional security is threatened. The

image is one of mis- or over-use of the environment leading to progressive decline

in the resource base, and possibly contributing to further dramatic (and

unintended) environmental collapse. Environmentalists and conflict specialists see

common cause in discussion of ‘environmental refugees’; even if the linkages

between environmental change, conflict and refugees remain to be proven86

.

Do outro lado do debate, encontra-se outra corrente de acadêmicos, encabeçada por

Norman Myers, cientista ambiental britânico, Professor e Pesquisador-Associado do Green

College, da Universidade de Oxford. Há quase duas décadas, Myers vem alertando para os

perigos da degradação ambiental, com especial atenção para o problema dos refugiados

ambientais, aliado a outros nomes de envergadura, como Thomas Homer-Dixon e Jennifer

Kent.

85 KIBREAB, Gaim (1997). “Environmental causes and impact of refugee movements: a critique of the current debate”, Disasters 21(1), p. 22. 86 Idem, p. 2.

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Segundo o discurso desse grupo – ao qual, para efeito de simplificação, como

adiantamos, reportamo-nos como maximalistas –, é possível divisar, claramente, um

enorme contingente de migrantes forçados cujo deslocamento teve, como leitmotiv,

justamente, problemas ambientais, que tornam a migração imperiosa, na medida em que

tornam inviável a vida no Estado de origem. Nesse sentido, pronunciaram-se Norman

Myers e Jennifer Kent, no seu estudo intitulado “Environmental Exodus: an Emergent

Crisis in the Global Arena”, publicado pelo Climate Institute, em 1995, incessantemente

mencionado, tanto por aqueles que advogam em seu favor (como as próprias Nações

Unidas), quanto pelos adversários da comunidade maximalista:

There are fast-growing numbers of people who can no longer gain a secure livelihood in their homelands because of drought, soil erosion, desertification, deforestation and other environmental problems. In their desperation, these ‘environmental refugees – as they are increasingly coming to be known and as they are termed in this report – feel they have no alternative but to seek sanctuary elsewhere, however hazardous the attempt. […] all have abandoned their homelands on a semi-permanent if not permanent basis, having little hope of foreseeable return87.

A mesma crença é compartilhada pelo cientista político Thomas F. Homer-Dixon,

um dos mais influentes estudiosos sobre conflitos de grupos, que, categoricamente, afirma a

sustentação empírica da conexão entre desequilíbrios ambientais e fluxos migratórios88.

Imbuído da mesma confiança com a qual afirmou, peremptoriamente, a causalidade

entre problemas ambientais, descurando dos aspectos sócio-político-econômicos brandidos

pelo grupo rival, Myers, ainda em 1995, deu números ao problema dos refugiados

ambientais, que reverberariam em inúmeros discursos e artigos científicos da mesma

orientação maximalista: já naquela ocasião, o quantitativo de refugiados enquadrados nessa

categoria, da ordem de vinte e cinco milhões, superava os vinte e dois milhões de

87 KENT, Jennifer e MYERS, Norman. Environmental Exodus: an Emergent Crisis in the Global Arena. Washington, DC: The Climate Institute, 1995, p.1. 88 HOMER-DIXON, Thomas (1994). “Environmental scarcities and violent conflict: evidence from cases”, International Security 19(1): 5-40. No mesmo sentido, cf., ainda, SUHRKE, Astri (1993). Pressure Points: Environmental Degradation, Migration and Conflict. Occasional Paper of Project on Environmental Change and Acute Conflict, Washington, DC: American Academy of Arts and Sciences.

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refugiados tutelados pelo regime do ainda vigente Estatuto da Convenção de Genebra de

195189.

Também os prognósticos de Myers tiveram bastante aceitação, no mundo político,

vindo, até hoje, a ser citados – desde a estimativa de cinquenta milhões de refugiados

ambientais para o ano de 2010, à perspectiva de alcançar o patamar de duzentos milhões

ainda neste século:

The total [25 millions] may well Double by the year 2010 if not before, as

increasing numbers of impoverished people press ever harder on over-loaded

environments. Their numbers seem likely to grow still more rapidly if predictions of

global warming are borne out, whereupon sea-level rising and flooding of many

coastal communities, plus agricultural dislocations through droughts and

disruption of monsoon and other rainfall systems, could eventually cause as many

as 200 million people to be put at risk of displacement90.

Segundo demonstramos, nas subseções anteriores, as Nações Unidas sustentam,

atualmente, as mesmas crenças causais dos acadêmicos maximalistas, o que, segundo os

dados levantados, mostra-se, mais do que uma coincidência, fruto de uma ação articulada

desses cientistas, como uma verdadeira comunidade epistêmica, para influenciar a

organização, como veremos a seguir. Tais cientistas, diante da inter, multi e

transdisciplinaridade do problema, provêm de diversas áreas, inclusive, tanto das ciências

naturais como das ciências humanas, o que não desnatura o conceito de comunidade

epistêmica, que, como alerta Haas, não é construído em bases corporativas (como

“comunidade dos biólogos”, “comunidade dos geógrafos” ou “comunidade dos juristas”):

Epistemic communities need not to be made up of natural scientists; they can

consist of social scientists and individuals from any discipline or profession who

have a sufficiently strong to a body of knowledge that is valued by society. 2or need

an epistemic community’s causal beliefs and notions of validity be based on the

methodology employed in the natural sciences; they can originate from shared

knowledge about the nature of social or other processes, based on analytic methods

or techniques deemed appropriate to the disciplines or professions they pursue91.

A subseção seguinte se dedica a conhecer melhor a comunidade epistêmica maximalista, identificar alguns de seus membros, que se encontram espalhados numa rede

89 Op. Cit., p. 1 90 Idem, ibidem. 91 HAAS, Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), p. 16.

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de dimensões globais, bem como investigar seus elementos distintivos, de acordo com o marco teórico aqui adotado.

5.3. A Comunidade Epistêmica Maximalista

À primeira vista, pode parecer paradoxal falar-se da existência de uma comunidade

epistêmica quando a comunidade acadêmica especializada no tema de migrações e meio

ambiente nutre notável dissenso sobre algumas das premissas mais elementares que

gravitam em torno desse problema.

Pensando, justamente, em debelar essa estranheza, fizemos uma oportuna ressalva,

na seção relativa à revisão da literatura, quanto à distinção conceitual entre essas

comunidades, de modo que, geralmente, a primeira categoria de comunidade representa

apenas uma parcela da última. Recapitulando essa diferenciação, desenvolvida por ocasião

da revisão de literatura, vimos que uma comunidade epistêmica encerra mais do que um

mero agrupamento de cientistas especializados em um determinado tema: para efeitos

políticos, ela representa um grupo que atua no cenário da política internacional, de forma

articulada, em redes supranacionais, tendo como elo:

� Comunhão de crenças causais e valorativas;

� Padrões de validação compartilhados;

� Um empreendimento político comum.

Há pouco, discutimos, profundamente, as crenças causais distintivas dessa

comunidade, atinentes à conexão entre desequilíbrios ambientais e migrações forçadas e,

consequentemente, à possibilidade de se falar em uma legítima categoria de refugiados

ambientais.

Além dessa premissa causal fundamental, vimos que, de um modo geral, a

comunidade epistêmica maximalista está de acordo – embora com algumas variações, por

se tratar de quantitativos estimados – acerca do contingente atual de refugiados ambientais,

bem como da sua prevalência numérica comparativamente aos refugiados comuns.

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Igualmente, na sua maioria, parecem estar de acordo com a metodologia empregada para

realizar essa estimativa, a despeito das críticas minimalistas quanto à falta de rigor teórico

na elaboração dessas estimativas, que, supostamente, partiriam de uma premissa causal, no

seu entender, duvidosa92.

Do acordo, dentro da comunidade, relativamente aos procedimentos adotados para

os levantamentos e estimativas, podemos suspeitar da sintonia da rede de acadêmicos em

relação aos padrões de validação baseados nos métodos científicos, segundo apanágio

identificador das comunidades epistêmicas, conforme nossos referenciais teóricos,

debatidos acima. Essa “suspeita” é confirmada quando acompanhamos os processos de

elaboração das pesquisas, a partir dos relatos feitos pelos próprios membros das

comunidades.

A título ilustrativo, citemos o trabalho lapidar da comunidade maximalista. Segundo

Norman Myers e Jennifer Kent, as estimativas feitas em seu relatório, já citado na subseção

anterior, provêm de um projeto de pesquisa de dezoito meses que envolveu um estudo de

casos múltiplos assistido por cientistas e analistas políticos de escol, amplamente calcado

nos referenciais teórico-metodológicos canônicos, registrados em mais de mil referências

citadas no relatório93.

Analisados os aspectos mais técnicos da comunidade maximalista acerca da questão

dos refugiados ambientais, devemos nos voltar, agora, para os elementos éticos que

fomentam o trabalho desses acadêmicos e formam a sua identidade coletiva. Para tanto,

dedicamos a seção seguinte à investigação dos parâmetros axiológicos e das motivações

políticas característicos dessa rede.

5.3.1. O ÉTHOS DA COMUNIDADE

Não se pode falar em comunidade epistêmica, na acepção política da expressão,

descurando de seus princípios normativos. O próprio Peter Haas esclarece a essencialidade

92 Cf. KIBREAB, op. cit., p.33 e BLACK, op. cit., p. 13. 93 Op. cit., p. 1.

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desses aspectos para distinguir uma comunidade epistêmica da comunidade científica, em

geral, bem como de uma simples profissão ou disciplina, que comungam do mesmo acervo

de conhecimento técnico, porém, não possuem a mesma comunhão de valores

normativos94:

Epistemic communities must also be distinguished from the broader scientific

community as well as from professions and disciplines. Although members of a

given profession or discipline may share e of causal approaches or orientations and

have a consensual knowledge base, they lack the shared normative commitments of

members of an epistemic community. An epistemic community’s ethical standards

arise from its principled approach to the issue at hand, rather than a professional

code. Unlike members of a profession or discipline, who seldom limit themselves to

work that is closely congruent with their principled values, members of an

epistemic community tend to pursue activities that closely reflect the community’s

principled beliefs and tend to affiliate and identify themselves with groups that

likewise reflect or seek to promote these beliefs95

.

Para esse marco teórico, toda atuação politicamente engajada de qualquer

comunidade epistêmica tem, por força motriz, o compromisso dos diversos acadêmicos que

a compõem com valores que formam a identidade do grupo e, por outro lado, servem-lhes

de parâmetro de legitimação da ação, ajudando a definir o comportamento considerado

adequado diante dos diversos problemas com os quais se depare a rede de cientistas a eles

vinculada.

Na tabela 2, extraída da obra de Peter Haas, introdutória ao volume dedicado às

teorias das comunidades epistêmicas publicado pela revista “International Organization”,

encontra-se esquematizado um quadro distintivo das comunidades epistêmicas em relação a

outros agrupamentos sociais, segundo os critérios do compartilhamento de crenças causais

e principiológicas:

94 Ao nosso ver, essa distinção requer maior esclarecimento, afinal, mesmo uma profissão possui uma ética própria. Parece-nos que, ao tratar do compartilhamento de compromissos normativos, Haas se refere a uma posição ética relativamente à questão política emergente da matéria sobre a qual recai a sua especialização técnica. 95 HAAS, Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), p. 19.

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Tabela 2 – Esquema distintivo das comunidades epistêmicas em relação a outros grupos sociais

Fonte: Peter Haas (1992a)

Ao analisarmos diversos trabalhos produzidos por profissionais dessa comunidade

epistêmica, percebe-se que, quase invariavelmente, emergem temas como a preocupação

humanitária e a proteção às vítimas de problemas ambientais, bem como sua prevalência

sobre os interesses nacionais dos Estados de refúgios dos indivíduos forçados a deixar suas

terras natais.

O valor da preservação da vida humana, para essa rede de cientistas, soa tão ou mais

legitimador do que a autoridade intelectual de que gozam por sua reputação e pela

fidelidade aos parâmetros de construção do conhecimento científico válido. A carga

valorativa do trabalho dessa comunidade epistêmica é realçada em artigos de juristas

internacionalistas que a compõem, como no vigoroso apelo de Susana Borras Pentinat,

renomada professora e pesquisadora da área de Direito Internacional:

Não só é necessário estabelecer um quadro jurídico internacional para esta nova categoria de refugiados, mas, igualmente, contar com a disposição dos países desenvolvidos em cooperar com aqueles países, geralmente, menos desenvolvidos, que sofrem as conseqüências da mudança ou da degradação ambiental, através da transferência de capacidade financeira e tecnológica. Ademais, quando ocorre uma catástrofe natural, também se exigem os melhores sistemas para oferecer uma resposta rápida e fornecer ajuda humanitária imediata96.

96 PENTINAT, Susana Borras. Op. cit.

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Aliás, os próprios cientistas naturais da comunidade revelam, implicitamente, sua

adesão ao princípio da proteção à vida humana e aos valores humanitários da comunidade,

como se infere na passagem a seguir, na qual Norman Myers manifesta sua preocupação

com o quadro de miséria que usualmente rodeia os refugiados ambientais:

It is their environmental plight as much as any other factor that makes them

economically impoverished. This generally applies to those refugees who migrate

to areas where economic conditions are little if any better than back home, as is the

case with many people who migrate within Sub-Saharan Africa and the Indian

subcontinent. In this instance, with poverty and "life on the environmental limits"

as the main motivating force, it matters little to the migrants whether they view

themselves primarily as environmental or economic refugees

On top of all these sub-problems is the lack of official recognition, whether on the

part of governments or international agencies, that there is an environmental

refugee problem at all97.

Essa adesão principiológica é revelada não somente pela preocupação com o

tratamento aos refugiados, mas, igualmente, pelo aspecto da preservação ambiental e do

auxílio aos países pobres para lidar com os problemas sócio-econômicos que agravam a

situação dos refugiados, os quais, em sua maioria, provêm de regiões mais depauperadas,

segundo a literatura especializada98.

Nos excertos transcritos acima, fica patente que, mais do que um debate teórico, a

causa dos refugiados é palco para uma profunda discussão moral, pela qual uma rede de

estudiosos, assumindo uma atitude protetiva, esmera-se em comover a classe política (o

próprio discurso de Myers, do qual extraímos a citação supra, foi proferido perante a

Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – OSCE).

Movidos por esse sentimento de compromisso com os valores da dignidade humana

e da proteção humanitária, os membros dessa comunidade epistêmica maximalista se

esmeram em um projeto político comum, que consiste, exatamente, na mudança

institucional que vemos em marcha: a proteção jurídica internacional aos refugiados

ambientais.

97 MYERS, Norman. (2005). Environment refugees: an emergent security issue. Conferência proferida no : 13º Fórum Econômico, promovido pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), realizado em Praga, entre 23 e 27 de maio de 2005. 98 MYERS, Norman. Environmental Refugees. Population and Environment, 19, p. 167-82, 1997.

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Segundo lembra Gaim Kibreab, em um primeiro momento, o conceito de refugiado

ambiental foi encampado, facilmente, como um projeto político dos Estados desenvolvidos

do Hemisfério Norte. Até aí, movia-os, não a preocupação humanitária, como se dá com a

comunidade epistêmica, mas o propósito de despolitizar muitos casos de refúgio, de modo

a, descaracterizando-lhes o pressuposto da perseguição, terem fundamentos jurídicos para

negar esses pedidos, de modo a barrar a sucessão de influxos demográficos prejudiciais aos

interesses nacionais:

The term 'environmental refugee' was, therefore, invented at least in part to

depoliticize the causes of displacement, so enabling states to derogate their

obligation to provide asylum. The rationale is that states have no obligation to

provide asylum to those who flee their homes because of environmental

deterioration rather than political persecution. In international refugee law,

environmental conditions do not constitute a basis for international protection99.

Nesse momento, o que se fez foi realçar outras causas da migração, em detrimento

de eventuais motivações políticas, religiosas e étnicas, que pudessem implicar a decisão dos

migrantes de deixar sua terra de origem, afinal, afastado tal nexo de causalidade, não há,

como vimos, no sistema do Estatuto dos Refugiados ainda vigente, obrigatoriedade de

concessão do refúgio, que é considerado um direito daquele indivíduo que se encontre em

situação enquadrada nas hipóteses da Convenção de Genebra de 1951, já analisadas amiúde

no começo deste trabalho.

Com o tempo, o que se mostrara, à primeira vista, uma engenhosa estratégia

jurídica, acabou se convertendo, ironicamente, em inspiração para uma causa política

diametralmente infensa aos interesses dos Estados desenvolvidos: a ampliação do conceito

de refugiado.

Inclusive, na própria literatura especializada, os trabalhos sobre refugiados

ambientais, em sua grande maioria, aparecem associados ao projeto de ampliar o conceito

tradicional de refugiado para contemplar essa nova categoria, ao invés de dar respaldo à

pretensão dos Estados desenvolvidos de descaracterizar o status de refugiados de muitos

requerentes. Tal conclusão foi apurada por Richard Black, seguramente, um dos mais

dedicados estudiosos do tema:

99 Op. cit., p. 21.

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However, the notion that ‘environmental refugees’ have been talked up by northern

governments seeking to restrict asylum sits somewhat uneasily with the fact that

much of the literature on ‘environmental refugees’ has in practice argued for an

extension of asylum law and/or humanitarian assistance to cover those forcibly

displaced by environmental degradation, rather than endorsing a differentiation

between ‘political’ and ‘environmental’ causes as a matter of policy100.

Com efeito, também em nossas pesquisas, constatamos que, em geral, os autores

que comungam das crenças causais maximalistas acerca da conexão entre problemas

ambientais e migrações forçadas, bem como das próprias dimensões do problema, têm

transcendido os misteres técnicos de explicação causal ou da hermenêutica jurídica,

conforme o caso, avançando para o campo prescritivo, no sentido de instar as autoridades

internacionais a promoverem uma revisão do estatuto jurídico dos refugiados, de modo a

contemplar, também, aqueles cuja migração for oriunda de intempéries naturais como

erosão, desertificação, tsunamis, estiagem, terremotos, inundações, etc.

A título ilustrativo, em paper publicado na revista “Philosophical Transactions”, da

Royal Society, Norman Myers conclama as autoridades internacionais a se engajar em p rol

da proteção jurídica aos refugiados, de forma muito categórica, como corrobora o trecho a

seguir:

There is much scope for preventive policies, with the aim of reducing the need to

migrate by ensuring an acceptable livelihood in established homelands. First of all,

we need to expand our approach to refugees in general in order to include

environmental refugees in particular. We cannot continue to ignore environmental

refugees simply because there is no institutionalized mode of dealing with them. If

official standing were to be accorded to these refugees, this might help to engender

a recognized constituency for, for example, those 900 million people who endure

some degree of desertification, four million of whom have become environmental

refugees in the Sahel alone101

.

Essa passagem ilustra com traços fortes o ativismo político dessa rede de cientistas

de visão maximalista sobre o problema dos refugiados ambientais, distinguindo-a, não mais

como simples fonte de informações à qual as autoridades recorrem segundo sua

conveniência, mas como verdadeira peça na engrenagem das relações internacionais, outro

apanágio primordial para a identificação de comunidades epistêmicas. Esse

100 Op. cit., p. 11. 101 MYERS, Norman. (2002). Environmental refugees: A growing phenomenon of the 21st century. Philosophical Transactions: Biological Sciences 357 (1420): pp. 609–613.

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empreendimento político comum aos membros da comunidade alimenta seu esforço

deliberado para exercer influência nas arenas decisórias, visando à concretização desse

interesse compartilhado102.

As evidências analisadas até aqui permitem-nos inferir, efetivamente, a existência

de uma comunidade epistêmica atuando, de forma coordenada, em prol da ampliação do

regime internacional dos refugiados de modo a contemplar, no sistema de proteção jurídica,

aqueles migrantes forçados a deixar seus Estados de origem em função de

comprometimentos ambientais severos.

Malgrado nossas conclusões acerca da existência da comunidade epistêmica

maximalista, ainda não se analisou, até aqui, se, nem como a mesma tem influenciado os

diversos órgãos das Nações Unidas nessa guinada de posição oficial, no sentido de defender

a referida mudança institucional. A esses questionamentos, passaremos a nos dedicar na

próxima subseção.

5.3.2. A ONU e a Comunidade Epistêmica Maximalista

Nesta subseção, investigaremos se existe conexão entre a atuação da comunidade

epistêmica em análise e o processo de modificação do regime internacional dos refugiados

capitaneado pelas Nações Unidas. Como vimos, esses dois fenômenos são “co-incidentes”,

o que pode significar uma relação de causação, hipótese suscitada neste trabalho, mas que

demanda maior aprofundamento, o que faremos a partir de uma análise diacrônica do

fenômeno.

Segundo já expusemos, a primeira grande penetração do pensamento maximalista,

nas Nações Unidas, remonta ao ano de 1985, quando o Programa da ONU para o Meio

Ambiente – PNUMA –, que associa às intempéries naturais graves riscos de deslocamento

forçados de indivíduos para outros Estados.

102 Esse interesse não possui a mesma carga egoísta da qual está imbuída a premissa da racionalidade instrumental, podendo-se harmonizar melhor com outra concepção de racionalidade, como a axiológica ou a cognitiva. Para uma reflexão mais profunda, recomenda-se a leitura de BOUDON, Raymond. The American Journal of Sociology, Vol. 104, No. 3 (Nov., 1998), pp. 817-828.

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Nesse primeiro momento, porém, as ideias da comunidade epistêmica, dentro da

organização, resumem-se, praticamente, à crença causal na conexão. A menção aos

refugiados ambientais aparece mais como um reforço retórico ao discurso ambientalista –

no afã de comover para o mister da preservação ambiental –, listado entre os perigos do

agravamento dos desequilíbrios ambientais.

Além disso, as crenças causais da comunidade apareceram, primeiramente, de forma

pura, destituída da reivindicação política de extensão da proteção internacional à nova

categoria de refugiados. Quanto à sua repercussão, essas ideias ocupavam uma posição um

tanto marginal na organização, tendo alcance restrito ao programa ambiental das Nações

Unidas.

Com o passar dos anos, a presença das ideias da comunidade se tornou muito mais

difundida. Vimos como, sucessivamente, o Alto Comissariado para os Refugiados, o Painel

Internacional sobre Mudanças Climáticas, a Universidade das Nações Unidas e, mesmo, a

Secretaria Geral, foram incorporando aos seus discursos, inicialmente, a crença causal na

conexão entre problemas ambientais e migração. Em seguida, as estimativas da ONU se

harmonizaram com as estatísticas mais alarmistas da comunidade.

Mais adiante, assistimos à encampação, pelas Nações Unidas – com a ressalva feita

à já mencionada posição conservadora do ACNUR –, do mesmo projeto político levantado

pelos membros da comunidade epistêmica maximalista, qual seja, a defesa da criação da

categoria jurídica dos refugiados ambientais, com prerrogativas análogas às dos refugiados

comuns. Nas palavras do outrora sub-Secretário Geral, Hans Van Ginkel, transcritas no

começo deste trabalho, testifica-se o engajamento do organismo internacional pela

mudança institucional.

Segundo dão conta os estudiosos mais experientes no tema dos refugiados

ambientais, a penetração dessas ideias se deu através de uma articulação da comunidade

para influenciar os tomadores de decisão. Nesse sentido, é o testemunho de Richard Black,

que acompanhou o processo:

The examination of statistics on ‘environmental refugees’, and of the detailed case

studies in which this category of forced migrant is supposed to be prominent, are

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not encouraging in terms of staking out a new area of academic study or public

policy. Yet, the list of international organizations that have stressed concern about

‘environmental refugees’ remains impressive. Organizations from the International

Organization for Migration (IOM) to the United 2ations Environment Programme

(U2EP), and the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) have shown

an interest in the concept, sponsoring a wide range of reports and initiatives.

Meanwhile, amongst others, 2orman Myers in particular has been prominent in

popularising the term amongst dignitaries ranging from President Clinton to the

then United 2ations Secretary General, Boutros Boutros-Ghali103.

O próprio Myers, aliás, confirma a informação fornecida por Black, mencionando

algumas das diversas lideranças entre as quais a comunidade conseguiu disseminar o

conceito de refugiado ambiental:

[T]he term ['environmental refugee'], has gained widespread acceptance from e.g.

US President Clinton , Vice-President Gore, Warren Christopher and Wirth at the

US State Department; John Major, Boutros Boutros-Ghali , Gus Speth, 2afis Sadik,

Richard Jolly and other U2 leaders, plus top officials at the World Bank ; and

departmental heads at the OECD and the European Commission104.

Quando fizemos a diferenciação entre as comunidades epistêmicas e outros grupos

sociais, distinguimo-las, citando Peter Haas, das burocracias. Vimos, na ocasião, que,

fundamentalmente, esses dois agrupamentos divergem no que concerne às crenças causais e

principiológicas, que, enquanto nas primeiras, são compartilhados, nas últimas, já não o

são.

Entretanto, se, por um lado, dedicamo-nos à explanação das distinções, não nos

detivemos, ainda, ao estudo das semelhanças mútuas. A esse respeito, vemos que ambas as

categorias têm em comum o apelo de um conhecimento especializado, cada qual à sua

maneira, e a penetração administrativa nas organizações, permitindo-lhes influir nas ações

políticas105.

A respeito dessa penetração das comunidades epistêmicas nos gabinetes da

administração de organizações, pudemos, ao longo de nossas pesquisas, verificar alguns

103 Op. cit., p. 10. 104 MYERS, Norman. Environmentally-Induced Displacements: The State of the Art. Paper for International Symposium on Environmentally-Induced Population and Environmental Impacts Resulting from Mass Migration, UNHCR/10M/RPG, 21th April, Geneva. 105 HAAS, Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), p. 19.

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fatos que endossam a hipótese dessa influência. O próprio Norman Myers, talvez a maior

liderança da comunidade, desde a década de 1980, tem ocupado posições de prestígio nas

Nações Unidas, entre as quais:

� Consultor ambiental sênior do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

(PNUMA);

� Consultor de Projetos do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (PIMC);

� Consultor sênior da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CNUMAD).

A presença dos membros da comunidade, menos midiáticos que Myers, é verdade, é

bastante sensível na Universidade das Nações Unidas, como Janos Bogardi, diretor do

Instituto para o Meio Ambiente e Segurança Humana da UNU; e, até mesmo, no Conselho

de Segurança, onde Sir Crispin Tickell, geógrafo e diplomata, foi representante permanente

do Reino Unido, entre as décadas de 1980 e 1990; no próprio PNUMA, entre outros órgãos

das Nações Unidas.

A propósito de realizarem trabalhos eminentemente técnicos, para os quais sua

trajetória intelectual os legitima como autoridades nos respectivos ramos de saber acerca de

matéria cercada de incerteza sobre as quais a Organização das Nações Unidas tem, por

ofício, atuar, os acadêmicos ligados a essa comunidade conseguiram penetrar naquele

organismo internacional, quer ocupando cargos, diretamente, ou através da difusão de suas

ideias por meio de publicações e apresentações, em eventos diversos, como a CNUMA, as

Conferências sobre o Clima, entre outros, nos quais, para além de prestigiarem uma visão

causal própria sobre os eventos da natureza e os movimentos migratórios, disseminarem

seus valores e seu projeto político voltado para o problema da proteção internacional dos

refugiados ambientais através da transformação dos instrumentos jurídicos atualmente em

vigor.

A mudança de postura da ONU com relação aos refugiados ambientais vem-se

mostrando, segundo observamos, um processo centrípeto – no sentido de que veio

avançando sobre a organização a partir de suas agências e programas até chegar órgãos

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centrais como a Secretaria Geral –, desenvolvido há cerca de década e meia (a segunda

metade da década de 1990 marcou a transição do problema dos refugiados ambientais, de

uma posição marginal para o centro das preocupações das Nações Unidas, que, por seus

órgãos centrais e agências, conforme relatamos, encampa, atualmente, a causa da mudança

institucional), que toma mais corpo à medida que a difusão das crenças e valores da

comunidade maximalista se intensifica, determinando, definitivamente, a inclusão da

questão na agenda da ONU.

Essa convergência de pensamento das Nações Unidas para o projeto de mudança

institucional em prol dos refugiados ambientais se explica, pelo visto, pela articulação dos

cientistas para fazerem prosperar sua posição acadêmica sobre a dimensão do problema e

seus prognósticos futuros (o que se patenteou, aqui, ao vermos a reiteração da ideia da

conexão causal entre meio ambiente e migrações forçadas, mas, também, pela repetição das

estimativas de Myers e Kent, replicadas em inúmeros estudos ulteriores, bem como nos

próprios relatórios oficiais da ONU e nos estudos levados a cabo pela Universidade das

Nações Unidas – UNU).

Por outro lado, o êxito na difusão dessas ideias se mostra, outrossim, fruto da

confluência entre os valores da comunidade (proteção da vida humana, responsabilidade

humanitária, etc., discutidos anteriormente) e a tábua de valores que norteia a organização.

A própria Carta das Nações Unidas, documento que institui o organismo internacional,

erige, em seu preâmbulo, a dignidade humana como um de seus pilares. Esta imprime

fortemente suas cores na condução dos grandes problemas internacionais pela ONU106.

É de se considerar que, no momento do aparecimento da figura do refugiado

ambiental, no início da década de 1980, os próprios acadêmicos pioneiros no seu estudo,

em geral, citavam o conceito mais como um prognóstico pessimista para as mudanças

climáticas, aplicando-o, praticamente, como uma figura retórica para persuadir sobre a

necessidade de preservação ambiental, desprovidos de uma preocupação com o tratamento

jurídico internacional para essa categoria de desalojados.

106 Essa mesma orientação se faz presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida já pela então recém-criada Organização das Nações Unidas.

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Com o passar dos anos, o que era uma ameaça em potencial se tornou – ao menos,

na crença da comunidade – realidade, com a multiplicação das migrações oriundas de

eventos ambientais. Foi então que, paralelamente ao ativismo ambientalista (que, atuando

na prevenção de catástrofes ambientais, ataca o problema na fonte), a comunidade

maximalista encampou a causa do reconhecimento dos refugiados.

Em um ambiente tão rodeado de polêmica como o da política para os refugiados

ambientais, os argumentos tecnicamente legitimados da comunidade medraram, secundados

pela simpatia crescente da opinião pública, seduzida pela autoridade dos ambientalistas e

assombrada pelas tragédias naturais que se sucedem nas manchetes dos meios de

comunicação de massa.

No momento em que, inserindo-a no discurso humanitário, a comunidade

epistêmica maximalista conseguiu levar a termo sua empreitada de realçar a gravidade e a

amplitude das proporções do flagelo dos refugiados ambientais, a questão ganha ares de

relevância para as Nações Unidas. Estas, munidas de informação considerada consistente,

procedem a uma reinterpretação do problema dos refugiados. Ao concluírem que as

instituições existentes para lidar com esse problema já não respondem bem às demandas

internacionais, passaram a buscar a mudança institucional, cumprindo o percurso sugerido

pela teoria das comunidades epistêmicas107:

ICERTEZA ITERPRETAÇÃO ISTITUCIOALIZAÇÃO

Assim, após percorrerem esse itinerário, as Nações Unidas, convencidas da

deficiência da instituição do refúgio, nos moldes vigentes, graças às informações fornecidas

pela comunidade epistêmica – que, inclusive, chegou a sobrepor o quantitativo de

refugiados ambientais ao de refugiados albergáveis pela Convenção de Genebra de 1951 –,

nitidamente, demonstrou uma mudança de atitude em relação ao problema e, hoje,

capitaneia o processo de mudança do regime internacional dos refugiados, projeto político

que ganhou força, no seio daquela organização, secundado pelo prestígio intelectual e pela

autoridade acadêmica de inúmeros cientistas influentes como os citados aqui. 107 HAAS, Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy. International Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), p. 20.

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CONCLUSÃO

Não é sem certo desconforto que nos atrevemos a falar de uma “conclusão” para

este trabalho. A questão dos refugiados ambientais, ademais de politicamente candente,

acirrando rivalidades de todas as direções, é um tema que, para a Ciência Política, ainda se

encontra por descobrir. Aqui, não fizemos mais que puxar o primeiro Véu de Maya para

expor essa fonte profícua de novos problemas – de pesquisa, diga-se, à parte os inúmeros

problemas, de ordem política, propriamente, que gravitam ao seu redor –, que, de tão

variados, fizeram da delimitação do escopo um de nossos mais árduos percalços, como dão

testemunho os prestimosos colaboradores que nos deram o suporte de sua maior maturidade

como pesquisadores sociais.

O trajeto que percorremos para fazer este texto chegar até o leitor foi, ele próprio,

uma experiência de “exílio”, de um “refúgio epistemológico”. Justo esse tema, tão cheio de

transversalidades disciplinares, ironicamente, pôs-nos diante da solidão: o preço de nossa

perseverança em enfrentá-lo foi o de não poder contar com o apoio da cumulatividade do

conhecimento. Revolvemos, debalde, livrarias, bibliotecas e plataformas de pesquisa, e,

praticamente, não encontramos estudos prévios, em Ciência Política, dando conta desse

fenômeno.

Por isso, embora, por exigência lógica, o raciocínio aqui desenvolvido requeira uma

conclusão, psicologicamente, parece-nos mais adequada a ideia de uma “parada

obrigatória”, para debater e avaliar potencialidades e meandros, sobretudo, visando à

ampliação gradativa do nosso escopo em trabalhos vindouros.

Tendo em conta toda essa conjuntura na qual nossa pesquisa esteve inserida, que,

por necessidade de parcimônia, talvez não tenha demonstrado toda sua complexidade no

texto final – já moldado pela abstração implicada no corte epistemológico –, insistimos que

esta realização é fruto de um recorte radical cingir o escopo da pesquisa aos recursos

disponíveis, sobretudo, cronológicos. Por isso, apenas realçamos um mecanismo causal

possível – a ação de uma comunidade epistêmica para influenciar uma organização

internacional a perfilhar um projeto político daquela, que refletia o ideário da rede de

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acadêmicos – e avaliamos sua efetiva concorrência para o fenômeno analisado neste

trabalho.

Nos primeiros capítulos, dedicamo-nos a familiarizar o leitor com as peculiaridades

do regime internacional dos refugiados – em si, já repleto de uma pletora de sinuosidades –,

retratando sua evolução histórica, que revelou uma ampliação progressiva. Além disso,

ainda à guisa de apresentação do objeto de pesquisa, fizemos uma exposição sobre o

conceito de refúgio ambiental, cotejando-o com a categoria de refúgio tutelada

internacionalmente pelo Estatuto dos Refugiados, informações imprescindíveis,

considerando o relativo alheamento, mesmo na academia, sobre o que vem a ser o

refugiado ambiental (nosso próprio contato com o conceito é recente, contando, hoje, cerca

de três anos, apesar de a expressão já vir sendo utilizada há mais de duas décadas).

Prosseguindo, no capítulo seguinte, mergulhamos o leitor no contexto das Nações

Unidas. Traçamos uma retrospectiva da criação da ONU, descrevendo a conjuntura política

e ideológica na qual se deu sua criação, seus instrumentos normativos, o sistema de

proteção humanitária – onde se insere a questão da tutela dos refugiados –, entre outras

informações relevantes.

Nesse capítulo, é verdade, ainda é perceptível certo esforço descritivo, prévio à

análise, mas o próprio processo analítico principia nesse ponto. Através dessa remissão

político-histórica sobre a Organização das Nações Unidas, procedemos à investigação do

sistema de crenças e valores inerente àquele organismo internacional.

Como chamamos a atenção, no próprio capítulo, cotejamos diversos documentos

produzidos pelas Nações Unidas entre si, considerando, igualmente, o contexto no qual

foram gestados, para, mediante procedimentos de análise de conteúdo, inferirmos os

princípios que norteiam a organização, sobretudo, em matéria humanitária. Esses dados,

para além de mero conhecimento enciclopédico, foram retomados, ulteriormente, para

compor a análise do processo de mudança institucional em andamento.

Revelamos, no texto, nossa referência pela teoria das comunidades epistêmicas, por

nos fornecer ferramentas analíticas mais adequadas ao nosso problema de pesquisa –

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análise de processo de mudança de regime internacional a partir da difusão de ideias

compartilhadas por redes de acadêmicos politicamente engajados.

A partir desse referencial, propusemos as hipóteses de pesquisa: a correlação entre o

desencadeamento do processo de mudança do regime de refugiados pela ONU e uma

reinterpretação dos problemas dos refugiados; a conexão entre essa reinterpretação e a

disseminação de indicativos pessimistas sobre o problema, decorrentes da chegada de novas

informações especializadas; e a chegada deliberada dessas novas crenças, proveniente de

um esforço articulado de uma comunidade epistêmica preordenada à modificação do

regime dos refugiados e comprometida com princípios de proteção da vida e dignidade

humanas.

Munidos dessas informações fáticas e teóricas prévias, passamos a verificar nossas

hipóteses. Primeiramente, concentramo-nos em perquirir a real existência de uma

comunidade epistêmica. Haveria uma rede de acadêmicos com todos os apanágios descritos

por Peter Haas, atuando em favor da causa dos refugiados ambientais para influenciar a

ONU ou haveria, na verdade, esforços esporádicos e pontuais advindos da iniciativa

individual de uns poucos cientistas?

Para respondermos essa questão, empenhamo-nos em perscrutar os elementos

identificadores indicados pela teoria das comunidades epistêmicas. Ao cabo dessa

investigação, inferimos a existência uma quantidade considerável de acadêmicos, de

variadas áreas, em um espectro que se estende desde as ciências da natureza às ciências

sociais (muitos dos quais citados ao longo do texto), que compartilham uma crença causal

fundamental: é possível falar-se de uma categoria de refugiados cuja migração decorre,

diretamente, da ocorrência de determinados fenômenos naturais comprometedores de sua

sobrevivência, ou seja, existe conexão causal entre intempéries da natureza e fluxos

migratórios forçados.

Igualmente, há certa uniformidade quanto às dimensões do problema dos refugiados

ambientais: em geral, a grande maioria dos trabalhos dessa comunidade lida com as

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estimativas de Jennifer Kent e Norman Myers108, de 25 (vinte e cinco) milhões, nos idos da

década de 1990, e 50 (cinquenta) milhões em 2010. Devido à visão enaltecedora do

problema, tomamos de empréstimo a nomenclatura de Suhrke, para designar o grupo como

“maximalista”.

Também nos detivemos na escrutação do sistema de valores que norteia a atividade

da comunidade. A partir de variados pronunciamentos e, mesmo, do teor dos próprios

trabalhos científicos desses acadêmicos, verificamos, também através de análise qualitativa

de conteúdo, que a comunidade maximalista se pauta por um compromisso com a proteção

da vida humana e com os direitos humanos.

Esse comprometimento principiológico, aliado às crenças causais comuns, propele o

engajamento político dos membros da comunidade, que, das entranhas dos debates

ambientais, desenvolveram uma causa humanitária, de reconhecimento jurídico e proteção

dos refugiados ambientais, apelo reiterado em diversos estudos sobre o tema, alguns dos

quais, inclusive transcritos, aqui, a título ilustrativo.

Confirmada a existência da comunidade epistêmica, como supúnhamos, partimos

para a análise de sua influência sobre as Nações Unidas. Para tanto, fizemos, inicialmente,

uma digressão histórica da postura da organização a respeito do problema dos refugiados.

Notamos, na ocasião, que, tradicionalmente, a ONU adotou uma posição ortodoxa,

mantendo-se fiel às balizas do Estatuto dos Refugiados, cujas exigências ficaram bem

delineadas no começo deste trabalho.

Segundo os dados levantados, as primeiras menções ao conceito de refugiado

ambiental se deram a partir de setores periféricos da organização109, cujas competências,

por sinal, eram alheias a migrações e, ainda mais, a refugiados. Na verdade, o tema foi

inserido, nas Nações Unidas, através de agências e programas ambientais, enumerado como

108 Op. cit., passim. 109 Referimo-nos a essas instâncias como periféricas sem juízo de valor implicado no comentário, mas, tão-somente, para distingui-las dos órgãos centrais das Nações Unidas, quais sejam: a Assembleia Geral, o Secretariado Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça e o Conselho Econômico e Social.

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uma em meio à miríade de potencialidades lesivas associadas dos desequilíbrios ambientais

que se agravavam.

Como afirmamos, no último capítulo, a análise diacrônica do processo nos permite

enxergar um movimento centrípeto da causa dos refugiados ambientais, através,

inicialmente, da proliferação das crenças causais da comunidade epistêmica, chegando aos

órgãos centrais da ONU, até que esta, afinal, passou a uma reinterpretação do problema do

refúgio ambiental: primeiramente, adotando a crença na sua existência, isto é, na conexão

causal entre refúgio e flagelos da natureza. Depois, anuindo com a severidade de suas

proporções.

A convergência entre os valores compartilhados pela comunidade epistêmica e o

sistema de princípios norteadores da organização (inferidos, no início do trabalho, a partir

da análise de alguns documentos oficiais fundamentais, como a própria Carta das Nações

Unidas) se mostrou decisiva para granjear a adesão da ONU às crenças causais da

comunidade epistêmica maximalista, que, como demonstramos, estão longe da

unanimidade no contexto da comunidade acadêmica em geral: a disputa técnica pendeu

para o lado maximalista no rescaldo das preocupações humanitárias que seus argumentos

inspiram.

O prestígio da comunidade se mostrou, não só na adoção de suas conclusões pela

organização, como na ocupação de importantes postos por alguns de seus membros mais

preclaros, que, inseridos na própria administração da ONU, catalisaram a difusão de suas

crenças e valores, patenteando a influência decisiva da ação dessa rede de acadêmicos no

desencadeamento de um radical processo de mudança institucional ainda em

desenvolvimento.

É inconteste a dependência da Ciência em relação aos recursos de observação.

Infelizmente, nossa curiosidade investigativa teve de se amoldar à realidade das condições

de pesquisa, que, como projeto de mestrado, contou com apenas um pesquisador, cingido

pelos constrangimentos de tempo e da impossibilidade de incursão em campo. Acreditamos

que, a despeito disso, nosso trabalho tenha extraído ricas inferências a partir do material

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documental disponível – e, aliás, tornado inteligível muito desse material, por diversas

vezes, amalgamado nos bancos de dados de agências das Nações Unidas.

Tão importante quanto as conclusões oferecidas por esta pesquisa é o flanco que ela

abre para ulteriores desenvolvimentos, que, seguramente, lograrão descobertas ainda mais

prolíferas, sobretudo se contarem com uma maior mobilização de recursos para a

compreensão desse fenômeno tão intrigante. Por ora, ficamos por aqui, com o sentimento

de parada, mas não de chegada.

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