a obra de arte na era de sua hiper- reprodutibilidade …

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176 Revista Científica de Comunicação Social do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e-Com, Belo Horizonte, v.9, nº 2, 2º semestre de 2016 A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE DIGITAL The work of art in the age of its digital hyperreproducibility Título original: La obra de arte en la época de su hiperreproductibilidad digital Álvaro Cuadra 1 (Tradução de José Wenceslau Caminha Aguiar Junior, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais [UEMG]) Resumo: Este artigo se propõe a examinar a noção benjaminiana de reprodutibilidade nas condições geradas pela expansão das tecnologias digitais à época da hipermodernidade. Mais do que um texto sobre Walter Benjamin, trata-se de um ensaio inspirado na heurística, e as correspondênciasimplícitas na obra desse grande pensador frankfurtiano, para interpelar o presente da cultura planetária instilada cotidianamente pelas novas mnemotecnologias. Palavras-chave: Hiper-reprodutibilidade; Arte; Fluxos; Digital; Midiatização. Abstract: This article aims to examine the Benjaminian notion of reproductibility in the conditions generated by the expansion of digital technologies in the age of hypermodernity. More than a study of Walter Benjamin, it is an essay inspired by the heuristics and the “correspondences” implicit in the work of the great thinker of the Frankfurt School with a view to interrogating the present moment of planetary culture, as pervaded day- to-day by the new mnemotechnologies. Keywords: Hyperreproducibility; Art; Flux; Digital; Media. La Nature est un temple où de vivant piliers Laissent parfois sortir de confuses paroles: 1 Doutor pela Sorbonne. Catedrático em Comunicação Social e diretor acadêmico do Programa de Doutorado em Educação e Cultura na América Latina da Escola Latino-americana de Estudos de Pós- graduação e Políticas Públicas (ELAP) da Universidade de Arte e Ciências Sociais (ARCIS).

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Page 1: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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Revista Cientiacutefica de Comunicaccedilatildeo Social do Centro Universitaacuterio de Belo Horizonte (UniBH) e-Com Belo Horizonte v9 nordm 2 2ordm semestre de 2016

A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER-

REPRODUTIBILIDADE DIGITAL The work of art in the age of its digital hyperreproducibility

Tiacutetulo original La obra de arte en la eacutepoca de su hiperreproductibilidad digital

Aacutelvaro Cuadra1

(Traduccedilatildeo de Joseacute Wenceslau Caminha Aguiar Junior

professor da Universidade do Estado de Minas Gerais [UEMG])

Resumo

Este artigo se propotildee a examinar a noccedilatildeo benjaminiana de

reprodutibilidade nas condiccedilotildees geradas pela expansatildeo das tecnologias

digitais agrave eacutepoca da hipermodernidade Mais do que um texto sobre

Walter Benjamin trata-se de um ensaio inspirado na heuriacutestica e as

ldquocorrespondecircnciasrdquo impliacutecitas na obra desse grande pensador

frankfurtiano para interpelar o presente da cultura planetaacuteria instilada

cotidianamente pelas novas mnemotecnologias

Palavras-chave Hiper-reprodutibilidade Arte Fluxos Digital

Midiatizaccedilatildeo

Abstract

This article aims to examine the Benjaminian notion of reproductibility

in the conditions generated by the expansion of digital technologies in

the age of hypermodernity More than a study of Walter Benjamin it is

an essay inspired by the heuristics and the ldquocorrespondencesrdquo implicit

in the work of the great thinker of the Frankfurt School with a view to

interrogating the present moment of planetary culture as pervaded day-

to-day by the new mnemotechnologies

Keywords Hyperreproducibility Art Flux Digital Media

La Nature est un temple ougrave de vivant piliers

Laissent parfois sortir de confuses paroles

1 Doutor pela Sorbonne Catedraacutetico em Comunicaccedilatildeo Social e diretor acadecircmico do Programa de

Doutorado em Educaccedilatildeo e Cultura na Ameacuterica Latina da Escola Latino-americana de Estudos de Poacutes-

graduaccedilatildeo e Poliacuteticas Puacuteblicas (ELAP) da Universidade de Arte e Ciecircncias Sociais (ARCIS)

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Revista Cientiacutefica de Comunicaccedilatildeo Social do Centro Universitaacuterio de Belo Horizonte (UniBH) e-Com Belo Horizonte v9 nordm 2 2ordm semestre de 2016

LHomme y passe agrave travers des forecircts de symboles

Qui lobservent avec des regards familiers

Correspondances

(Charles Baudelaire)

1 A iluminaccedilatildeo profana

A obra de Walter Benjamin tem sido objeto de numerosos estudos e natildeo poucos

equiacutevocos A razatildeo disto encontramos tanto na pluralidade de fontes que alimentaram

seu pensamento como no modo singular de conjugaacute-las em sua escrita O texto que agora

nos interessa Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit 1936

(A obra de arte na era de sua reprodutibilidade teacutecnica)2 natildeo estaacute isento desta

singularidade que eacute ao mesmo tempo a sua profunda riqueza Se bem devemos

reconhecer que no complexo pensamento de Benjamin haacute elementos de teologia

filologia teoria da experiecircncia e do materialismo dialeacutetico essas procedecircncias diversas

se unem em torno de um centro de gravidade a teoria esteacutetica3

Isto supotildee jaacute uma dificuldade pois na eacutepoca era faacutecil reconhecer o esteacutetico na pintura na

poesia ou na criacutetica literaacuteria poreacutem natildeo era tatildeo evidente ao se tratar de ldquooutros objetosrdquo

a obra de arte a fotografia ou o cinema De acordo com nossa hipoacutetese o que Benjamin

chama inicialmente na deacutecada dos anos trinta do seacuteculo XX de teoria esteacutetica eacute uma

nova hermenecircutica criacutetica cuja heuriacutestica natildeo poderia senatildeo fundar-se sobre conceitos

totalmente novos e originais ou seja ligar a noccedilatildeo de esteacutetica ao seu sentido etimoloacutegico

aiesthesis enquanto compromisso perceptivo quer dizer corporal4 Em uacuteltima instacircncia

2 BENJAMIN La obra de arte en la eacutepoca de su reproductibilidad teacutecnica In Discursos interrumpidos I

p 17 -59 3 No curriacuteculo que Benjamin redigiu em 1925 devido agrave sua tese de habilitaccedilatildeo ele declarava ldquoa esteacutetica

representa o centro de gravidade de meus interesses cientiacuteficosrdquo Ver FERNAacuteNDEZ MARTORELL

Walter Benjamin croacutenica de un pensador p 155 4 Este ponto de vista tem encontrado eco nas ciecircncias sociais e ateacute hoje satildeo muitos os teoacutericos que tem

avanccedilado nessa direccedilatildeo Assim Giddens escreve ldquoA percepccedilatildeo nasce de uma continuidade espacial e

temporal organizada como tal de uma maneira ativa por aquele que percebe O principal ponto de referecircncia

natildeo pode ser nem o sentido isolado nem o observador contemplativo senatildeo o corpo em seus empenhos

ativos com os mundos material e social Esquemas perceptivos satildeo formatos com base neuroloacutegica por

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o esforccedilo de Benjamin se configura um dos primeiros estudos seacuterios sobre os modos de

significaccedilatildeo5

Eacute interessante destacar que o ceacutelebre texto de Walter Benjamin sobre A obra de arte na

era da reprodutibilidade teacutecnica comeccedila com uma citaccedilatildeo de Paul Valeacutery no texto

intitulado La conquecircte de lubiquiteacute na qual nos adverte ldquoEm todas as artes haacute uma parte

fiacutesica que natildeo pode ser tratada como outrora que natildeo pode subtrair-se agrave abordagem do

conhecimento e da forccedila modernos Nem a mateacuteria nem o espaccedilo nem o tempo satildeo

desde haacute vinte anos o que foram desde sempre Eacute preciso contar com que novidades tatildeo

grandes transformem toda a teacutecnica das artes e operem portanto sobre a inventiva

chegando quiccedilaacute ateacute a modificar de uma maneira maravilhosa a noccedilatildeo mesma de arterdquo6

Podemos conjeturar que o texto de Benjamin natildeo eacute senatildeo o desenvolvimento dialeacutetico

desta citaccedilatildeo na qual se inspira o nosso autor Devemos destacar que a citaccedilatildeo constitui

parte de sua estrateacutegia escritural questatildeo que foi reconhecida por grande parte de seus

inteacuterpretes A citaccedilatildeo eacute um dispositivo central na escrita benjaminiana ao ponto que se

fala do meacutetodo Benjamin com reminiscecircncias claras do modo surrealista como escreve

Sarlo Com as citaccedilotildees Benjamin tem uma relaccedilatildeo original poeacutetica ou para dizecirc-lo mais

exatamente que corresponde a um meacutetodo de composiccedilatildeo que hoje descreveriacuteamos como

a noccedilatildeo de intertextualidade as incorpora ao seu sistema de escrita as corta e as repete

as observa desde diferentes lados as copia vaacuterias vezes as parafraseia e as comenta se

adapta a elas as segue como quem segue a verdade de um texto literaacuterio as esquece e as

volta a copiar Fazem-nas render um sentido exigindo delas7

cujo intermeacutedio se elabora constantemente a temporalidade de uma experienciardquo GIDDENS La

constitucioacuten de la sociedad p 82

5 A hermenecircutica benjaminiana procede analogicamente mediante imagens e alegorias estabelecendo

correspondances para construir sutis ldquofigurasrdquo que abrem vastos territoacuterios para sua exploraccedilatildeo entre eles

os modos de significaccedilatildeo 6 VALEacuteRY Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 17

7 SARLO Siete ensayos sobre Walter Benjamin p 28

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Notemos que Valeacutery reconhece uma mutaccedilatildeo radical naquela parte fiacutesica da obra de arte

disso se pode inferir que eacute precisamente daqui de onde se baseia uma nova questatildeo

esteacutetica na materialidade significante da obra Natildeo soacute isso ademais eacute capaz de nos

advertir sobre a tremenda transformaccedilatildeo operada na arte europeia desde 1890 ateacute 1930

em certa concepccedilatildeo espaccedilo-temporal que poderiacuteamos resumir na arte cineacutetica e na forma

matricial da collage8 Para dizecirc-lo em poucas palavras Valeacutery anuncia uma nova

fenomenologia produzida pelos dispositivos tecnoexpressivos da modernidade esteacutetica

Benjamin seraacute o encarregado de criar a nova teoria que decirc conta dessa condiccedilatildeo ineacutedita

da obra de arte e o faraacute apelando agrave materialidade da obra por oposiccedilatildeo a qualquer apelo

idealista sobre a genialidade o misteacuterio e o seu eventual uso em dito contexto histoacuterico

em um sentido fascista9

Reconhecer em Benjamin um pensador de tradiccedilatildeo materialista supotildee o risco de uma

concepccedilatildeo vulgar acerca do que isso significa10 Para fazer justiccedila ao autor eacute

imprescindiacutevel aclarar que o materialismo benjaminiano eacute em primeiro lugar uma opccedilatildeo

epistemoloacutegica um conjunto de pressupostos de investigaccedilatildeo que ele adota ao longo de

sua tese e cujo princiacutepio axial eacute por certo a reprodutibilidade teacutecnica Com isso

Benjamin elabora uma teoria sobre a condiccedilatildeo da obra de arte no seio das sociedades

industriais em sua dimensatildeo econocircmica e cultural mas principalmente nos modos de

significaccedilatildeo propondo em suma as coordenadas de um novo regime de significaccedilatildeo

Um segundo aspecto que deve ser esclarecido eacute o alcance dessa opccedilatildeo epistemoloacutegica

materialista Quando Benjamin escreve sobre o Surreacutealisme em 1929 reconhece neste

8 BELL Contradicciones culturales del capitalismo p 117 e seguintes 9 Como afirma Hauser ldquoA atraccedilatildeo do fascismo sobre o enervado estrato literaacuterio confundido pelo vitalismo

de Nietzsche e Bergson consiste em sua ilusatildeo de valores absolutos soacutelidos e inquestionaacuteveis e na

esperanccedila de se livrar da responsabilidade que vem unida a todo racionalismo e individualismo E do

comunismo a intelectualidade promete a si mesma o contato direto com as amplas massas do povo e a

redenccedilatildeo de seu proacutepio isolamento na sociedaderdquo HAUSER Historia social de la literatura y el arte p

265 10 ldquoBenjamin manteve sempre a tensatildeo entre uma perspectiva materialista e uma dimensatildeo utoacutepica moral

que deve capturar no passado a marca da exploraccedilatildeo (ou da barbaacuterie para dizecirc-lo com suas palavras) para

redimiacute-lardquo SARLO op cit p 44

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movimento uma ldquoexperiecircnciardquo e um grito libertaacuterio comparaacutevel ao de Bakunin um

distanciamento de qualquer iluminaccedilatildeo religiosa natildeo para cair em um mundo material

sem horizontes nem altura senatildeo para superaacute-la ldquoMas a verdadeira superaccedilatildeo criadora

da iluminaccedilatildeo religiosa natildeo estaacute sem duacutevida nos estupefacientes Estaacute em uma

iluminaccedilatildeo profana de inspiraccedilatildeo materialista antropoloacutegica da qual o haxixe o oacutepio

ou outra droga natildeo satildeo mais que uma escola primaacuteriardquo11 Nesse sentido o discurso de

Benjamin mostra um parentesco com as teses de Andreacute Breton e os surrealistas enquanto

entendimento do materialismo como uma antropologia filosoacutefica assentada na

experiecircncia e na exploraccedilatildeo Se bem que a palavra surreacutealisme se associe de imediato agrave

esteacutetica devemos esclarecer de que se trata de uma visatildeo que rigorosamente excede em

muito o domiacutenio artiacutestico em seu sentido tradicional

Quando os surrealistas falam de poesia se referem a uma certa atividade do espiacuterito

isso permite que seja possiacutevel um poeta que natildeo haja escrito jamais um verso Em um

panfleto de 1925 se lecirc Nada temos que ver com a literatura O surrealismo natildeo eacute um

meio de expressatildeo novo ou mais faacutecil nem tampouco uma metafiacutesica da poesia Eacute um

meio de liberaccedilatildeo total do espiacuterito e de tudo aquilo que se parece com ele12 As metas da

atividade surrealista podem ser entendidas em dois sentidos que coexistem em Breton

por um lado aspira-se agrave redenccedilatildeo social do homem mas ao mesmo tempo a sua liberaccedilatildeo

moral no mais amplo sentido do termo Transformar o mundo segundo o imperativo

revolucionaacuterio marxista mas ao mesmo tempo changer la vie como reivindicou

Rimbaud eis aiacute a verdadeira mot dordre surrealista

Os surrealistas empregaram vaacuterias teacutecnicas para ter acesso agraves profundezas da psique

Entre elas se destacam trecircs a escrita automaacutetica o cadaacutever delicioso e a siacutentese dos

sonhos A escrita automaacutetica supotildee deixar fluir a caneta sem um controle consciente

11 BENJAMIN El surrealismo la uacuteltima instantaacutenea de la inteligencia europea In Iluminaciones I p46 12 NADEAU Historia del surrealismo p 94

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expliacutecito se trata do lenregistrement incontrocircleacute des eacutetats dacircme des images et des mots13

e desse registro surge aleatoriamente o insoacutelito e o inesperado O cadaacutever delicioso

chamado assim por aquele verso nascido de um trabalho coletivo O cadaacutever delicioso

beberaacute do vinho novo tenta justapor ao acaso palavras nascidas do encontro de um grupo

de pessoas em um dado momento por uacuteltimo as imagens de nossos sonhos seratildeo um

material privilegiado para a exploraccedilatildeo do inconsciente

Posto em perspectiva o pensamento de Benjamin eacute tremendamente original e

contemporacircneo enquanto se afasta de um certo funcionalismo marxista14 e se aventura

naquilo que chama bildnerische Phantasie uma aproximaccedilatildeo da subjetividade das

massas que bem merece ser revisada a mais de meio seacuteculo de distacircncia Como teoacuterico

da cultura o interesse fundamental de Benjamin se referia agraves mudanccedilas que o processo

de modernizaccedilatildeo capitalista ocasiona nas estruturas de interaccedilatildeo social nas formas

narrativas do intercacircmbio de experiecircncias e nas condiccedilotildees espaciais da comunicaccedilatildeo pois

essas mudanccedilas determinam as condiccedilotildees sociais nas quais o passado passa a formar parte

da fantasia imaginal das massas e nelas adquire significados imediatos Para Benjamin

as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas de uma sociedade as formas de produccedilatildeo e intercacircmbio

de mercadorias somente representam o material que desencadeia as fantasias imaginais

dos grupos sociais (de maneira que) os horizontes de orientaccedilatildeo individuais sempre

representam extratos daqueles mundos especiacuteficos dos grupos que se configuram

independentemente em processos de interaccedilatildeo comunicativa e que sobrevivem nas forccedilas

13 LAGARDE et MICHARD XXe Siegravecle p 347

14 Como Neumann e Kirchheimer desde a teoria poliacutetica Benjamin desenvolveu desde a perspectiva de

uma teoria da cultura concepccedilotildees e consideraccedilotildees que sobrepujavam o marco de referecircncia funcionalista

da teoria criacutetica Os trecircs compreenderam em seguida que os contextos da vida social se integram mediante

processos de interaccedilatildeo social as concepccedilotildees desse tipo desenvolvidas pela teoria da comunicaccedilatildeo estatildeo

antecipadas na teoria do compromisso poliacutetico elaborada por Neumann e Kirchheimer assim como no

conceito de ldquoexperiecircncia socialrdquo desenvolvido por Benjamin em sua sociologia da cultura Ver

HONNETH Teoriacutea criacutetica In GIDDENS A TURNER La teoriacutea social hoy p 471

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Haschisch Madrid Taurus 1974

Reflexiones sobre nintildeos juguetes libros infantiles joacutevenes y educacioacuten Buenos Aires

Nueva Visioacuten 1974

Tentativas sobre Brecht Iluminaciones 3 Madrid Taurus 1975

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Infancia en Berliacuten hacia 1900 Madrid Alfaguara 1982

Direccioacuten uacutenica Madrid Alfaguara 1987

El Berliacuten demonico Barcelona Icaria 1987

El concepto de criacutetica de arte en el romanticismo alemaacuten Barcelona Peniacutensula 1988

Diario de Moscuacute Madrid Taurus 1988

El origen del drama barroco alemaacuten Madrid Taurus 1990

Historias y relatos Barcelona Peniacutensula 1991

Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 2: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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LHomme y passe agrave travers des forecircts de symboles

Qui lobservent avec des regards familiers

Correspondances

(Charles Baudelaire)

1 A iluminaccedilatildeo profana

A obra de Walter Benjamin tem sido objeto de numerosos estudos e natildeo poucos

equiacutevocos A razatildeo disto encontramos tanto na pluralidade de fontes que alimentaram

seu pensamento como no modo singular de conjugaacute-las em sua escrita O texto que agora

nos interessa Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit 1936

(A obra de arte na era de sua reprodutibilidade teacutecnica)2 natildeo estaacute isento desta

singularidade que eacute ao mesmo tempo a sua profunda riqueza Se bem devemos

reconhecer que no complexo pensamento de Benjamin haacute elementos de teologia

filologia teoria da experiecircncia e do materialismo dialeacutetico essas procedecircncias diversas

se unem em torno de um centro de gravidade a teoria esteacutetica3

Isto supotildee jaacute uma dificuldade pois na eacutepoca era faacutecil reconhecer o esteacutetico na pintura na

poesia ou na criacutetica literaacuteria poreacutem natildeo era tatildeo evidente ao se tratar de ldquooutros objetosrdquo

a obra de arte a fotografia ou o cinema De acordo com nossa hipoacutetese o que Benjamin

chama inicialmente na deacutecada dos anos trinta do seacuteculo XX de teoria esteacutetica eacute uma

nova hermenecircutica criacutetica cuja heuriacutestica natildeo poderia senatildeo fundar-se sobre conceitos

totalmente novos e originais ou seja ligar a noccedilatildeo de esteacutetica ao seu sentido etimoloacutegico

aiesthesis enquanto compromisso perceptivo quer dizer corporal4 Em uacuteltima instacircncia

2 BENJAMIN La obra de arte en la eacutepoca de su reproductibilidad teacutecnica In Discursos interrumpidos I

p 17 -59 3 No curriacuteculo que Benjamin redigiu em 1925 devido agrave sua tese de habilitaccedilatildeo ele declarava ldquoa esteacutetica

representa o centro de gravidade de meus interesses cientiacuteficosrdquo Ver FERNAacuteNDEZ MARTORELL

Walter Benjamin croacutenica de un pensador p 155 4 Este ponto de vista tem encontrado eco nas ciecircncias sociais e ateacute hoje satildeo muitos os teoacutericos que tem

avanccedilado nessa direccedilatildeo Assim Giddens escreve ldquoA percepccedilatildeo nasce de uma continuidade espacial e

temporal organizada como tal de uma maneira ativa por aquele que percebe O principal ponto de referecircncia

natildeo pode ser nem o sentido isolado nem o observador contemplativo senatildeo o corpo em seus empenhos

ativos com os mundos material e social Esquemas perceptivos satildeo formatos com base neuroloacutegica por

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o esforccedilo de Benjamin se configura um dos primeiros estudos seacuterios sobre os modos de

significaccedilatildeo5

Eacute interessante destacar que o ceacutelebre texto de Walter Benjamin sobre A obra de arte na

era da reprodutibilidade teacutecnica comeccedila com uma citaccedilatildeo de Paul Valeacutery no texto

intitulado La conquecircte de lubiquiteacute na qual nos adverte ldquoEm todas as artes haacute uma parte

fiacutesica que natildeo pode ser tratada como outrora que natildeo pode subtrair-se agrave abordagem do

conhecimento e da forccedila modernos Nem a mateacuteria nem o espaccedilo nem o tempo satildeo

desde haacute vinte anos o que foram desde sempre Eacute preciso contar com que novidades tatildeo

grandes transformem toda a teacutecnica das artes e operem portanto sobre a inventiva

chegando quiccedilaacute ateacute a modificar de uma maneira maravilhosa a noccedilatildeo mesma de arterdquo6

Podemos conjeturar que o texto de Benjamin natildeo eacute senatildeo o desenvolvimento dialeacutetico

desta citaccedilatildeo na qual se inspira o nosso autor Devemos destacar que a citaccedilatildeo constitui

parte de sua estrateacutegia escritural questatildeo que foi reconhecida por grande parte de seus

inteacuterpretes A citaccedilatildeo eacute um dispositivo central na escrita benjaminiana ao ponto que se

fala do meacutetodo Benjamin com reminiscecircncias claras do modo surrealista como escreve

Sarlo Com as citaccedilotildees Benjamin tem uma relaccedilatildeo original poeacutetica ou para dizecirc-lo mais

exatamente que corresponde a um meacutetodo de composiccedilatildeo que hoje descreveriacuteamos como

a noccedilatildeo de intertextualidade as incorpora ao seu sistema de escrita as corta e as repete

as observa desde diferentes lados as copia vaacuterias vezes as parafraseia e as comenta se

adapta a elas as segue como quem segue a verdade de um texto literaacuterio as esquece e as

volta a copiar Fazem-nas render um sentido exigindo delas7

cujo intermeacutedio se elabora constantemente a temporalidade de uma experienciardquo GIDDENS La

constitucioacuten de la sociedad p 82

5 A hermenecircutica benjaminiana procede analogicamente mediante imagens e alegorias estabelecendo

correspondances para construir sutis ldquofigurasrdquo que abrem vastos territoacuterios para sua exploraccedilatildeo entre eles

os modos de significaccedilatildeo 6 VALEacuteRY Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 17

7 SARLO Siete ensayos sobre Walter Benjamin p 28

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Notemos que Valeacutery reconhece uma mutaccedilatildeo radical naquela parte fiacutesica da obra de arte

disso se pode inferir que eacute precisamente daqui de onde se baseia uma nova questatildeo

esteacutetica na materialidade significante da obra Natildeo soacute isso ademais eacute capaz de nos

advertir sobre a tremenda transformaccedilatildeo operada na arte europeia desde 1890 ateacute 1930

em certa concepccedilatildeo espaccedilo-temporal que poderiacuteamos resumir na arte cineacutetica e na forma

matricial da collage8 Para dizecirc-lo em poucas palavras Valeacutery anuncia uma nova

fenomenologia produzida pelos dispositivos tecnoexpressivos da modernidade esteacutetica

Benjamin seraacute o encarregado de criar a nova teoria que decirc conta dessa condiccedilatildeo ineacutedita

da obra de arte e o faraacute apelando agrave materialidade da obra por oposiccedilatildeo a qualquer apelo

idealista sobre a genialidade o misteacuterio e o seu eventual uso em dito contexto histoacuterico

em um sentido fascista9

Reconhecer em Benjamin um pensador de tradiccedilatildeo materialista supotildee o risco de uma

concepccedilatildeo vulgar acerca do que isso significa10 Para fazer justiccedila ao autor eacute

imprescindiacutevel aclarar que o materialismo benjaminiano eacute em primeiro lugar uma opccedilatildeo

epistemoloacutegica um conjunto de pressupostos de investigaccedilatildeo que ele adota ao longo de

sua tese e cujo princiacutepio axial eacute por certo a reprodutibilidade teacutecnica Com isso

Benjamin elabora uma teoria sobre a condiccedilatildeo da obra de arte no seio das sociedades

industriais em sua dimensatildeo econocircmica e cultural mas principalmente nos modos de

significaccedilatildeo propondo em suma as coordenadas de um novo regime de significaccedilatildeo

Um segundo aspecto que deve ser esclarecido eacute o alcance dessa opccedilatildeo epistemoloacutegica

materialista Quando Benjamin escreve sobre o Surreacutealisme em 1929 reconhece neste

8 BELL Contradicciones culturales del capitalismo p 117 e seguintes 9 Como afirma Hauser ldquoA atraccedilatildeo do fascismo sobre o enervado estrato literaacuterio confundido pelo vitalismo

de Nietzsche e Bergson consiste em sua ilusatildeo de valores absolutos soacutelidos e inquestionaacuteveis e na

esperanccedila de se livrar da responsabilidade que vem unida a todo racionalismo e individualismo E do

comunismo a intelectualidade promete a si mesma o contato direto com as amplas massas do povo e a

redenccedilatildeo de seu proacutepio isolamento na sociedaderdquo HAUSER Historia social de la literatura y el arte p

265 10 ldquoBenjamin manteve sempre a tensatildeo entre uma perspectiva materialista e uma dimensatildeo utoacutepica moral

que deve capturar no passado a marca da exploraccedilatildeo (ou da barbaacuterie para dizecirc-lo com suas palavras) para

redimiacute-lardquo SARLO op cit p 44

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movimento uma ldquoexperiecircnciardquo e um grito libertaacuterio comparaacutevel ao de Bakunin um

distanciamento de qualquer iluminaccedilatildeo religiosa natildeo para cair em um mundo material

sem horizontes nem altura senatildeo para superaacute-la ldquoMas a verdadeira superaccedilatildeo criadora

da iluminaccedilatildeo religiosa natildeo estaacute sem duacutevida nos estupefacientes Estaacute em uma

iluminaccedilatildeo profana de inspiraccedilatildeo materialista antropoloacutegica da qual o haxixe o oacutepio

ou outra droga natildeo satildeo mais que uma escola primaacuteriardquo11 Nesse sentido o discurso de

Benjamin mostra um parentesco com as teses de Andreacute Breton e os surrealistas enquanto

entendimento do materialismo como uma antropologia filosoacutefica assentada na

experiecircncia e na exploraccedilatildeo Se bem que a palavra surreacutealisme se associe de imediato agrave

esteacutetica devemos esclarecer de que se trata de uma visatildeo que rigorosamente excede em

muito o domiacutenio artiacutestico em seu sentido tradicional

Quando os surrealistas falam de poesia se referem a uma certa atividade do espiacuterito

isso permite que seja possiacutevel um poeta que natildeo haja escrito jamais um verso Em um

panfleto de 1925 se lecirc Nada temos que ver com a literatura O surrealismo natildeo eacute um

meio de expressatildeo novo ou mais faacutecil nem tampouco uma metafiacutesica da poesia Eacute um

meio de liberaccedilatildeo total do espiacuterito e de tudo aquilo que se parece com ele12 As metas da

atividade surrealista podem ser entendidas em dois sentidos que coexistem em Breton

por um lado aspira-se agrave redenccedilatildeo social do homem mas ao mesmo tempo a sua liberaccedilatildeo

moral no mais amplo sentido do termo Transformar o mundo segundo o imperativo

revolucionaacuterio marxista mas ao mesmo tempo changer la vie como reivindicou

Rimbaud eis aiacute a verdadeira mot dordre surrealista

Os surrealistas empregaram vaacuterias teacutecnicas para ter acesso agraves profundezas da psique

Entre elas se destacam trecircs a escrita automaacutetica o cadaacutever delicioso e a siacutentese dos

sonhos A escrita automaacutetica supotildee deixar fluir a caneta sem um controle consciente

11 BENJAMIN El surrealismo la uacuteltima instantaacutenea de la inteligencia europea In Iluminaciones I p46 12 NADEAU Historia del surrealismo p 94

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expliacutecito se trata do lenregistrement incontrocircleacute des eacutetats dacircme des images et des mots13

e desse registro surge aleatoriamente o insoacutelito e o inesperado O cadaacutever delicioso

chamado assim por aquele verso nascido de um trabalho coletivo O cadaacutever delicioso

beberaacute do vinho novo tenta justapor ao acaso palavras nascidas do encontro de um grupo

de pessoas em um dado momento por uacuteltimo as imagens de nossos sonhos seratildeo um

material privilegiado para a exploraccedilatildeo do inconsciente

Posto em perspectiva o pensamento de Benjamin eacute tremendamente original e

contemporacircneo enquanto se afasta de um certo funcionalismo marxista14 e se aventura

naquilo que chama bildnerische Phantasie uma aproximaccedilatildeo da subjetividade das

massas que bem merece ser revisada a mais de meio seacuteculo de distacircncia Como teoacuterico

da cultura o interesse fundamental de Benjamin se referia agraves mudanccedilas que o processo

de modernizaccedilatildeo capitalista ocasiona nas estruturas de interaccedilatildeo social nas formas

narrativas do intercacircmbio de experiecircncias e nas condiccedilotildees espaciais da comunicaccedilatildeo pois

essas mudanccedilas determinam as condiccedilotildees sociais nas quais o passado passa a formar parte

da fantasia imaginal das massas e nelas adquire significados imediatos Para Benjamin

as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas de uma sociedade as formas de produccedilatildeo e intercacircmbio

de mercadorias somente representam o material que desencadeia as fantasias imaginais

dos grupos sociais (de maneira que) os horizontes de orientaccedilatildeo individuais sempre

representam extratos daqueles mundos especiacuteficos dos grupos que se configuram

independentemente em processos de interaccedilatildeo comunicativa e que sobrevivem nas forccedilas

13 LAGARDE et MICHARD XXe Siegravecle p 347

14 Como Neumann e Kirchheimer desde a teoria poliacutetica Benjamin desenvolveu desde a perspectiva de

uma teoria da cultura concepccedilotildees e consideraccedilotildees que sobrepujavam o marco de referecircncia funcionalista

da teoria criacutetica Os trecircs compreenderam em seguida que os contextos da vida social se integram mediante

processos de interaccedilatildeo social as concepccedilotildees desse tipo desenvolvidas pela teoria da comunicaccedilatildeo estatildeo

antecipadas na teoria do compromisso poliacutetico elaborada por Neumann e Kirchheimer assim como no

conceito de ldquoexperiecircncia socialrdquo desenvolvido por Benjamin em sua sociologia da cultura Ver

HONNETH Teoriacutea criacutetica In GIDDENS A TURNER La teoriacutea social hoy p 471

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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El Berliacuten demonico Barcelona Icaria 1987

El concepto de criacutetica de arte en el romanticismo alemaacuten Barcelona Peniacutensula 1988

Diario de Moscuacute Madrid Taurus 1988

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Page 3: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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o esforccedilo de Benjamin se configura um dos primeiros estudos seacuterios sobre os modos de

significaccedilatildeo5

Eacute interessante destacar que o ceacutelebre texto de Walter Benjamin sobre A obra de arte na

era da reprodutibilidade teacutecnica comeccedila com uma citaccedilatildeo de Paul Valeacutery no texto

intitulado La conquecircte de lubiquiteacute na qual nos adverte ldquoEm todas as artes haacute uma parte

fiacutesica que natildeo pode ser tratada como outrora que natildeo pode subtrair-se agrave abordagem do

conhecimento e da forccedila modernos Nem a mateacuteria nem o espaccedilo nem o tempo satildeo

desde haacute vinte anos o que foram desde sempre Eacute preciso contar com que novidades tatildeo

grandes transformem toda a teacutecnica das artes e operem portanto sobre a inventiva

chegando quiccedilaacute ateacute a modificar de uma maneira maravilhosa a noccedilatildeo mesma de arterdquo6

Podemos conjeturar que o texto de Benjamin natildeo eacute senatildeo o desenvolvimento dialeacutetico

desta citaccedilatildeo na qual se inspira o nosso autor Devemos destacar que a citaccedilatildeo constitui

parte de sua estrateacutegia escritural questatildeo que foi reconhecida por grande parte de seus

inteacuterpretes A citaccedilatildeo eacute um dispositivo central na escrita benjaminiana ao ponto que se

fala do meacutetodo Benjamin com reminiscecircncias claras do modo surrealista como escreve

Sarlo Com as citaccedilotildees Benjamin tem uma relaccedilatildeo original poeacutetica ou para dizecirc-lo mais

exatamente que corresponde a um meacutetodo de composiccedilatildeo que hoje descreveriacuteamos como

a noccedilatildeo de intertextualidade as incorpora ao seu sistema de escrita as corta e as repete

as observa desde diferentes lados as copia vaacuterias vezes as parafraseia e as comenta se

adapta a elas as segue como quem segue a verdade de um texto literaacuterio as esquece e as

volta a copiar Fazem-nas render um sentido exigindo delas7

cujo intermeacutedio se elabora constantemente a temporalidade de uma experienciardquo GIDDENS La

constitucioacuten de la sociedad p 82

5 A hermenecircutica benjaminiana procede analogicamente mediante imagens e alegorias estabelecendo

correspondances para construir sutis ldquofigurasrdquo que abrem vastos territoacuterios para sua exploraccedilatildeo entre eles

os modos de significaccedilatildeo 6 VALEacuteRY Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 17

7 SARLO Siete ensayos sobre Walter Benjamin p 28

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Notemos que Valeacutery reconhece uma mutaccedilatildeo radical naquela parte fiacutesica da obra de arte

disso se pode inferir que eacute precisamente daqui de onde se baseia uma nova questatildeo

esteacutetica na materialidade significante da obra Natildeo soacute isso ademais eacute capaz de nos

advertir sobre a tremenda transformaccedilatildeo operada na arte europeia desde 1890 ateacute 1930

em certa concepccedilatildeo espaccedilo-temporal que poderiacuteamos resumir na arte cineacutetica e na forma

matricial da collage8 Para dizecirc-lo em poucas palavras Valeacutery anuncia uma nova

fenomenologia produzida pelos dispositivos tecnoexpressivos da modernidade esteacutetica

Benjamin seraacute o encarregado de criar a nova teoria que decirc conta dessa condiccedilatildeo ineacutedita

da obra de arte e o faraacute apelando agrave materialidade da obra por oposiccedilatildeo a qualquer apelo

idealista sobre a genialidade o misteacuterio e o seu eventual uso em dito contexto histoacuterico

em um sentido fascista9

Reconhecer em Benjamin um pensador de tradiccedilatildeo materialista supotildee o risco de uma

concepccedilatildeo vulgar acerca do que isso significa10 Para fazer justiccedila ao autor eacute

imprescindiacutevel aclarar que o materialismo benjaminiano eacute em primeiro lugar uma opccedilatildeo

epistemoloacutegica um conjunto de pressupostos de investigaccedilatildeo que ele adota ao longo de

sua tese e cujo princiacutepio axial eacute por certo a reprodutibilidade teacutecnica Com isso

Benjamin elabora uma teoria sobre a condiccedilatildeo da obra de arte no seio das sociedades

industriais em sua dimensatildeo econocircmica e cultural mas principalmente nos modos de

significaccedilatildeo propondo em suma as coordenadas de um novo regime de significaccedilatildeo

Um segundo aspecto que deve ser esclarecido eacute o alcance dessa opccedilatildeo epistemoloacutegica

materialista Quando Benjamin escreve sobre o Surreacutealisme em 1929 reconhece neste

8 BELL Contradicciones culturales del capitalismo p 117 e seguintes 9 Como afirma Hauser ldquoA atraccedilatildeo do fascismo sobre o enervado estrato literaacuterio confundido pelo vitalismo

de Nietzsche e Bergson consiste em sua ilusatildeo de valores absolutos soacutelidos e inquestionaacuteveis e na

esperanccedila de se livrar da responsabilidade que vem unida a todo racionalismo e individualismo E do

comunismo a intelectualidade promete a si mesma o contato direto com as amplas massas do povo e a

redenccedilatildeo de seu proacutepio isolamento na sociedaderdquo HAUSER Historia social de la literatura y el arte p

265 10 ldquoBenjamin manteve sempre a tensatildeo entre uma perspectiva materialista e uma dimensatildeo utoacutepica moral

que deve capturar no passado a marca da exploraccedilatildeo (ou da barbaacuterie para dizecirc-lo com suas palavras) para

redimiacute-lardquo SARLO op cit p 44

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movimento uma ldquoexperiecircnciardquo e um grito libertaacuterio comparaacutevel ao de Bakunin um

distanciamento de qualquer iluminaccedilatildeo religiosa natildeo para cair em um mundo material

sem horizontes nem altura senatildeo para superaacute-la ldquoMas a verdadeira superaccedilatildeo criadora

da iluminaccedilatildeo religiosa natildeo estaacute sem duacutevida nos estupefacientes Estaacute em uma

iluminaccedilatildeo profana de inspiraccedilatildeo materialista antropoloacutegica da qual o haxixe o oacutepio

ou outra droga natildeo satildeo mais que uma escola primaacuteriardquo11 Nesse sentido o discurso de

Benjamin mostra um parentesco com as teses de Andreacute Breton e os surrealistas enquanto

entendimento do materialismo como uma antropologia filosoacutefica assentada na

experiecircncia e na exploraccedilatildeo Se bem que a palavra surreacutealisme se associe de imediato agrave

esteacutetica devemos esclarecer de que se trata de uma visatildeo que rigorosamente excede em

muito o domiacutenio artiacutestico em seu sentido tradicional

Quando os surrealistas falam de poesia se referem a uma certa atividade do espiacuterito

isso permite que seja possiacutevel um poeta que natildeo haja escrito jamais um verso Em um

panfleto de 1925 se lecirc Nada temos que ver com a literatura O surrealismo natildeo eacute um

meio de expressatildeo novo ou mais faacutecil nem tampouco uma metafiacutesica da poesia Eacute um

meio de liberaccedilatildeo total do espiacuterito e de tudo aquilo que se parece com ele12 As metas da

atividade surrealista podem ser entendidas em dois sentidos que coexistem em Breton

por um lado aspira-se agrave redenccedilatildeo social do homem mas ao mesmo tempo a sua liberaccedilatildeo

moral no mais amplo sentido do termo Transformar o mundo segundo o imperativo

revolucionaacuterio marxista mas ao mesmo tempo changer la vie como reivindicou

Rimbaud eis aiacute a verdadeira mot dordre surrealista

Os surrealistas empregaram vaacuterias teacutecnicas para ter acesso agraves profundezas da psique

Entre elas se destacam trecircs a escrita automaacutetica o cadaacutever delicioso e a siacutentese dos

sonhos A escrita automaacutetica supotildee deixar fluir a caneta sem um controle consciente

11 BENJAMIN El surrealismo la uacuteltima instantaacutenea de la inteligencia europea In Iluminaciones I p46 12 NADEAU Historia del surrealismo p 94

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expliacutecito se trata do lenregistrement incontrocircleacute des eacutetats dacircme des images et des mots13

e desse registro surge aleatoriamente o insoacutelito e o inesperado O cadaacutever delicioso

chamado assim por aquele verso nascido de um trabalho coletivo O cadaacutever delicioso

beberaacute do vinho novo tenta justapor ao acaso palavras nascidas do encontro de um grupo

de pessoas em um dado momento por uacuteltimo as imagens de nossos sonhos seratildeo um

material privilegiado para a exploraccedilatildeo do inconsciente

Posto em perspectiva o pensamento de Benjamin eacute tremendamente original e

contemporacircneo enquanto se afasta de um certo funcionalismo marxista14 e se aventura

naquilo que chama bildnerische Phantasie uma aproximaccedilatildeo da subjetividade das

massas que bem merece ser revisada a mais de meio seacuteculo de distacircncia Como teoacuterico

da cultura o interesse fundamental de Benjamin se referia agraves mudanccedilas que o processo

de modernizaccedilatildeo capitalista ocasiona nas estruturas de interaccedilatildeo social nas formas

narrativas do intercacircmbio de experiecircncias e nas condiccedilotildees espaciais da comunicaccedilatildeo pois

essas mudanccedilas determinam as condiccedilotildees sociais nas quais o passado passa a formar parte

da fantasia imaginal das massas e nelas adquire significados imediatos Para Benjamin

as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas de uma sociedade as formas de produccedilatildeo e intercacircmbio

de mercadorias somente representam o material que desencadeia as fantasias imaginais

dos grupos sociais (de maneira que) os horizontes de orientaccedilatildeo individuais sempre

representam extratos daqueles mundos especiacuteficos dos grupos que se configuram

independentemente em processos de interaccedilatildeo comunicativa e que sobrevivem nas forccedilas

13 LAGARDE et MICHARD XXe Siegravecle p 347

14 Como Neumann e Kirchheimer desde a teoria poliacutetica Benjamin desenvolveu desde a perspectiva de

uma teoria da cultura concepccedilotildees e consideraccedilotildees que sobrepujavam o marco de referecircncia funcionalista

da teoria criacutetica Os trecircs compreenderam em seguida que os contextos da vida social se integram mediante

processos de interaccedilatildeo social as concepccedilotildees desse tipo desenvolvidas pela teoria da comunicaccedilatildeo estatildeo

antecipadas na teoria do compromisso poliacutetico elaborada por Neumann e Kirchheimer assim como no

conceito de ldquoexperiecircncia socialrdquo desenvolvido por Benjamin em sua sociologia da cultura Ver

HONNETH Teoriacutea criacutetica In GIDDENS A TURNER La teoriacutea social hoy p 471

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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VIacuteLCHEZ L La migracioacuten digital Barcelona Gedisa 2001

YURKIEVICH S Modernidad de Apollinaire Buenos Aires Losada 1968

Textos de Walter Benjamin traduzidos ao castelhano

Sobre el programa de la filosofiacutea futura y otros ensayos Caracas Monte Aacutevila 1970

Aacutengelus Novus Barcelona Edhasa 1971

Iluminaciones 2 (Baudelaire) Madrid Taurus 1972

Discursos interrumpidos Madrid Taurus 1973

222

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Haschisch Madrid Taurus 1974

Reflexiones sobre nintildeos juguetes libros infantiles joacutevenes y educacioacuten Buenos Aires

Nueva Visioacuten 1974

Tentativas sobre Brecht Iluminaciones 3 Madrid Taurus 1975

Imaginacioacuten y sociedad Iluminaciones 1 Madrid Taurus 1980

Infancia en Berliacuten hacia 1900 Madrid Alfaguara 1982

Direccioacuten uacutenica Madrid Alfaguara 1987

El Berliacuten demonico Barcelona Icaria 1987

El concepto de criacutetica de arte en el romanticismo alemaacuten Barcelona Peniacutensula 1988

Diario de Moscuacute Madrid Taurus 1988

El origen del drama barroco alemaacuten Madrid Taurus 1990

Historias y relatos Barcelona Peniacutensula 1991

Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 4: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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Notemos que Valeacutery reconhece uma mutaccedilatildeo radical naquela parte fiacutesica da obra de arte

disso se pode inferir que eacute precisamente daqui de onde se baseia uma nova questatildeo

esteacutetica na materialidade significante da obra Natildeo soacute isso ademais eacute capaz de nos

advertir sobre a tremenda transformaccedilatildeo operada na arte europeia desde 1890 ateacute 1930

em certa concepccedilatildeo espaccedilo-temporal que poderiacuteamos resumir na arte cineacutetica e na forma

matricial da collage8 Para dizecirc-lo em poucas palavras Valeacutery anuncia uma nova

fenomenologia produzida pelos dispositivos tecnoexpressivos da modernidade esteacutetica

Benjamin seraacute o encarregado de criar a nova teoria que decirc conta dessa condiccedilatildeo ineacutedita

da obra de arte e o faraacute apelando agrave materialidade da obra por oposiccedilatildeo a qualquer apelo

idealista sobre a genialidade o misteacuterio e o seu eventual uso em dito contexto histoacuterico

em um sentido fascista9

Reconhecer em Benjamin um pensador de tradiccedilatildeo materialista supotildee o risco de uma

concepccedilatildeo vulgar acerca do que isso significa10 Para fazer justiccedila ao autor eacute

imprescindiacutevel aclarar que o materialismo benjaminiano eacute em primeiro lugar uma opccedilatildeo

epistemoloacutegica um conjunto de pressupostos de investigaccedilatildeo que ele adota ao longo de

sua tese e cujo princiacutepio axial eacute por certo a reprodutibilidade teacutecnica Com isso

Benjamin elabora uma teoria sobre a condiccedilatildeo da obra de arte no seio das sociedades

industriais em sua dimensatildeo econocircmica e cultural mas principalmente nos modos de

significaccedilatildeo propondo em suma as coordenadas de um novo regime de significaccedilatildeo

Um segundo aspecto que deve ser esclarecido eacute o alcance dessa opccedilatildeo epistemoloacutegica

materialista Quando Benjamin escreve sobre o Surreacutealisme em 1929 reconhece neste

8 BELL Contradicciones culturales del capitalismo p 117 e seguintes 9 Como afirma Hauser ldquoA atraccedilatildeo do fascismo sobre o enervado estrato literaacuterio confundido pelo vitalismo

de Nietzsche e Bergson consiste em sua ilusatildeo de valores absolutos soacutelidos e inquestionaacuteveis e na

esperanccedila de se livrar da responsabilidade que vem unida a todo racionalismo e individualismo E do

comunismo a intelectualidade promete a si mesma o contato direto com as amplas massas do povo e a

redenccedilatildeo de seu proacutepio isolamento na sociedaderdquo HAUSER Historia social de la literatura y el arte p

265 10 ldquoBenjamin manteve sempre a tensatildeo entre uma perspectiva materialista e uma dimensatildeo utoacutepica moral

que deve capturar no passado a marca da exploraccedilatildeo (ou da barbaacuterie para dizecirc-lo com suas palavras) para

redimiacute-lardquo SARLO op cit p 44

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movimento uma ldquoexperiecircnciardquo e um grito libertaacuterio comparaacutevel ao de Bakunin um

distanciamento de qualquer iluminaccedilatildeo religiosa natildeo para cair em um mundo material

sem horizontes nem altura senatildeo para superaacute-la ldquoMas a verdadeira superaccedilatildeo criadora

da iluminaccedilatildeo religiosa natildeo estaacute sem duacutevida nos estupefacientes Estaacute em uma

iluminaccedilatildeo profana de inspiraccedilatildeo materialista antropoloacutegica da qual o haxixe o oacutepio

ou outra droga natildeo satildeo mais que uma escola primaacuteriardquo11 Nesse sentido o discurso de

Benjamin mostra um parentesco com as teses de Andreacute Breton e os surrealistas enquanto

entendimento do materialismo como uma antropologia filosoacutefica assentada na

experiecircncia e na exploraccedilatildeo Se bem que a palavra surreacutealisme se associe de imediato agrave

esteacutetica devemos esclarecer de que se trata de uma visatildeo que rigorosamente excede em

muito o domiacutenio artiacutestico em seu sentido tradicional

Quando os surrealistas falam de poesia se referem a uma certa atividade do espiacuterito

isso permite que seja possiacutevel um poeta que natildeo haja escrito jamais um verso Em um

panfleto de 1925 se lecirc Nada temos que ver com a literatura O surrealismo natildeo eacute um

meio de expressatildeo novo ou mais faacutecil nem tampouco uma metafiacutesica da poesia Eacute um

meio de liberaccedilatildeo total do espiacuterito e de tudo aquilo que se parece com ele12 As metas da

atividade surrealista podem ser entendidas em dois sentidos que coexistem em Breton

por um lado aspira-se agrave redenccedilatildeo social do homem mas ao mesmo tempo a sua liberaccedilatildeo

moral no mais amplo sentido do termo Transformar o mundo segundo o imperativo

revolucionaacuterio marxista mas ao mesmo tempo changer la vie como reivindicou

Rimbaud eis aiacute a verdadeira mot dordre surrealista

Os surrealistas empregaram vaacuterias teacutecnicas para ter acesso agraves profundezas da psique

Entre elas se destacam trecircs a escrita automaacutetica o cadaacutever delicioso e a siacutentese dos

sonhos A escrita automaacutetica supotildee deixar fluir a caneta sem um controle consciente

11 BENJAMIN El surrealismo la uacuteltima instantaacutenea de la inteligencia europea In Iluminaciones I p46 12 NADEAU Historia del surrealismo p 94

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expliacutecito se trata do lenregistrement incontrocircleacute des eacutetats dacircme des images et des mots13

e desse registro surge aleatoriamente o insoacutelito e o inesperado O cadaacutever delicioso

chamado assim por aquele verso nascido de um trabalho coletivo O cadaacutever delicioso

beberaacute do vinho novo tenta justapor ao acaso palavras nascidas do encontro de um grupo

de pessoas em um dado momento por uacuteltimo as imagens de nossos sonhos seratildeo um

material privilegiado para a exploraccedilatildeo do inconsciente

Posto em perspectiva o pensamento de Benjamin eacute tremendamente original e

contemporacircneo enquanto se afasta de um certo funcionalismo marxista14 e se aventura

naquilo que chama bildnerische Phantasie uma aproximaccedilatildeo da subjetividade das

massas que bem merece ser revisada a mais de meio seacuteculo de distacircncia Como teoacuterico

da cultura o interesse fundamental de Benjamin se referia agraves mudanccedilas que o processo

de modernizaccedilatildeo capitalista ocasiona nas estruturas de interaccedilatildeo social nas formas

narrativas do intercacircmbio de experiecircncias e nas condiccedilotildees espaciais da comunicaccedilatildeo pois

essas mudanccedilas determinam as condiccedilotildees sociais nas quais o passado passa a formar parte

da fantasia imaginal das massas e nelas adquire significados imediatos Para Benjamin

as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas de uma sociedade as formas de produccedilatildeo e intercacircmbio

de mercadorias somente representam o material que desencadeia as fantasias imaginais

dos grupos sociais (de maneira que) os horizontes de orientaccedilatildeo individuais sempre

representam extratos daqueles mundos especiacuteficos dos grupos que se configuram

independentemente em processos de interaccedilatildeo comunicativa e que sobrevivem nas forccedilas

13 LAGARDE et MICHARD XXe Siegravecle p 347

14 Como Neumann e Kirchheimer desde a teoria poliacutetica Benjamin desenvolveu desde a perspectiva de

uma teoria da cultura concepccedilotildees e consideraccedilotildees que sobrepujavam o marco de referecircncia funcionalista

da teoria criacutetica Os trecircs compreenderam em seguida que os contextos da vida social se integram mediante

processos de interaccedilatildeo social as concepccedilotildees desse tipo desenvolvidas pela teoria da comunicaccedilatildeo estatildeo

antecipadas na teoria do compromisso poliacutetico elaborada por Neumann e Kirchheimer assim como no

conceito de ldquoexperiecircncia socialrdquo desenvolvido por Benjamin em sua sociologia da cultura Ver

HONNETH Teoriacutea criacutetica In GIDDENS A TURNER La teoriacutea social hoy p 471

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Page 5: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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movimento uma ldquoexperiecircnciardquo e um grito libertaacuterio comparaacutevel ao de Bakunin um

distanciamento de qualquer iluminaccedilatildeo religiosa natildeo para cair em um mundo material

sem horizontes nem altura senatildeo para superaacute-la ldquoMas a verdadeira superaccedilatildeo criadora

da iluminaccedilatildeo religiosa natildeo estaacute sem duacutevida nos estupefacientes Estaacute em uma

iluminaccedilatildeo profana de inspiraccedilatildeo materialista antropoloacutegica da qual o haxixe o oacutepio

ou outra droga natildeo satildeo mais que uma escola primaacuteriardquo11 Nesse sentido o discurso de

Benjamin mostra um parentesco com as teses de Andreacute Breton e os surrealistas enquanto

entendimento do materialismo como uma antropologia filosoacutefica assentada na

experiecircncia e na exploraccedilatildeo Se bem que a palavra surreacutealisme se associe de imediato agrave

esteacutetica devemos esclarecer de que se trata de uma visatildeo que rigorosamente excede em

muito o domiacutenio artiacutestico em seu sentido tradicional

Quando os surrealistas falam de poesia se referem a uma certa atividade do espiacuterito

isso permite que seja possiacutevel um poeta que natildeo haja escrito jamais um verso Em um

panfleto de 1925 se lecirc Nada temos que ver com a literatura O surrealismo natildeo eacute um

meio de expressatildeo novo ou mais faacutecil nem tampouco uma metafiacutesica da poesia Eacute um

meio de liberaccedilatildeo total do espiacuterito e de tudo aquilo que se parece com ele12 As metas da

atividade surrealista podem ser entendidas em dois sentidos que coexistem em Breton

por um lado aspira-se agrave redenccedilatildeo social do homem mas ao mesmo tempo a sua liberaccedilatildeo

moral no mais amplo sentido do termo Transformar o mundo segundo o imperativo

revolucionaacuterio marxista mas ao mesmo tempo changer la vie como reivindicou

Rimbaud eis aiacute a verdadeira mot dordre surrealista

Os surrealistas empregaram vaacuterias teacutecnicas para ter acesso agraves profundezas da psique

Entre elas se destacam trecircs a escrita automaacutetica o cadaacutever delicioso e a siacutentese dos

sonhos A escrita automaacutetica supotildee deixar fluir a caneta sem um controle consciente

11 BENJAMIN El surrealismo la uacuteltima instantaacutenea de la inteligencia europea In Iluminaciones I p46 12 NADEAU Historia del surrealismo p 94

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expliacutecito se trata do lenregistrement incontrocircleacute des eacutetats dacircme des images et des mots13

e desse registro surge aleatoriamente o insoacutelito e o inesperado O cadaacutever delicioso

chamado assim por aquele verso nascido de um trabalho coletivo O cadaacutever delicioso

beberaacute do vinho novo tenta justapor ao acaso palavras nascidas do encontro de um grupo

de pessoas em um dado momento por uacuteltimo as imagens de nossos sonhos seratildeo um

material privilegiado para a exploraccedilatildeo do inconsciente

Posto em perspectiva o pensamento de Benjamin eacute tremendamente original e

contemporacircneo enquanto se afasta de um certo funcionalismo marxista14 e se aventura

naquilo que chama bildnerische Phantasie uma aproximaccedilatildeo da subjetividade das

massas que bem merece ser revisada a mais de meio seacuteculo de distacircncia Como teoacuterico

da cultura o interesse fundamental de Benjamin se referia agraves mudanccedilas que o processo

de modernizaccedilatildeo capitalista ocasiona nas estruturas de interaccedilatildeo social nas formas

narrativas do intercacircmbio de experiecircncias e nas condiccedilotildees espaciais da comunicaccedilatildeo pois

essas mudanccedilas determinam as condiccedilotildees sociais nas quais o passado passa a formar parte

da fantasia imaginal das massas e nelas adquire significados imediatos Para Benjamin

as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas de uma sociedade as formas de produccedilatildeo e intercacircmbio

de mercadorias somente representam o material que desencadeia as fantasias imaginais

dos grupos sociais (de maneira que) os horizontes de orientaccedilatildeo individuais sempre

representam extratos daqueles mundos especiacuteficos dos grupos que se configuram

independentemente em processos de interaccedilatildeo comunicativa e que sobrevivem nas forccedilas

13 LAGARDE et MICHARD XXe Siegravecle p 347

14 Como Neumann e Kirchheimer desde a teoria poliacutetica Benjamin desenvolveu desde a perspectiva de

uma teoria da cultura concepccedilotildees e consideraccedilotildees que sobrepujavam o marco de referecircncia funcionalista

da teoria criacutetica Os trecircs compreenderam em seguida que os contextos da vida social se integram mediante

processos de interaccedilatildeo social as concepccedilotildees desse tipo desenvolvidas pela teoria da comunicaccedilatildeo estatildeo

antecipadas na teoria do compromisso poliacutetico elaborada por Neumann e Kirchheimer assim como no

conceito de ldquoexperiecircncia socialrdquo desenvolvido por Benjamin em sua sociologia da cultura Ver

HONNETH Teoriacutea criacutetica In GIDDENS A TURNER La teoriacutea social hoy p 471

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 6: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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expliacutecito se trata do lenregistrement incontrocircleacute des eacutetats dacircme des images et des mots13

e desse registro surge aleatoriamente o insoacutelito e o inesperado O cadaacutever delicioso

chamado assim por aquele verso nascido de um trabalho coletivo O cadaacutever delicioso

beberaacute do vinho novo tenta justapor ao acaso palavras nascidas do encontro de um grupo

de pessoas em um dado momento por uacuteltimo as imagens de nossos sonhos seratildeo um

material privilegiado para a exploraccedilatildeo do inconsciente

Posto em perspectiva o pensamento de Benjamin eacute tremendamente original e

contemporacircneo enquanto se afasta de um certo funcionalismo marxista14 e se aventura

naquilo que chama bildnerische Phantasie uma aproximaccedilatildeo da subjetividade das

massas que bem merece ser revisada a mais de meio seacuteculo de distacircncia Como teoacuterico

da cultura o interesse fundamental de Benjamin se referia agraves mudanccedilas que o processo

de modernizaccedilatildeo capitalista ocasiona nas estruturas de interaccedilatildeo social nas formas

narrativas do intercacircmbio de experiecircncias e nas condiccedilotildees espaciais da comunicaccedilatildeo pois

essas mudanccedilas determinam as condiccedilotildees sociais nas quais o passado passa a formar parte

da fantasia imaginal das massas e nelas adquire significados imediatos Para Benjamin

as condiccedilotildees soacutecio-econocircmicas de uma sociedade as formas de produccedilatildeo e intercacircmbio

de mercadorias somente representam o material que desencadeia as fantasias imaginais

dos grupos sociais (de maneira que) os horizontes de orientaccedilatildeo individuais sempre

representam extratos daqueles mundos especiacuteficos dos grupos que se configuram

independentemente em processos de interaccedilatildeo comunicativa e que sobrevivem nas forccedilas

13 LAGARDE et MICHARD XXe Siegravecle p 347

14 Como Neumann e Kirchheimer desde a teoria poliacutetica Benjamin desenvolveu desde a perspectiva de

uma teoria da cultura concepccedilotildees e consideraccedilotildees que sobrepujavam o marco de referecircncia funcionalista

da teoria criacutetica Os trecircs compreenderam em seguida que os contextos da vida social se integram mediante

processos de interaccedilatildeo social as concepccedilotildees desse tipo desenvolvidas pela teoria da comunicaccedilatildeo estatildeo

antecipadas na teoria do compromisso poliacutetico elaborada por Neumann e Kirchheimer assim como no

conceito de ldquoexperiecircncia socialrdquo desenvolvido por Benjamin em sua sociologia da cultura Ver

HONNETH Teoriacutea criacutetica In GIDDENS A TURNER La teoriacutea social hoy p 471

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

219

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Diario de Moscuacute Madrid Taurus 1988

El origen del drama barroco alemaacuten Madrid Taurus 1990

Historias y relatos Barcelona Peniacutensula 1991

Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 7: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

182

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da fantasia imaginal15 Assim o gesto benjaminiano se baseia em um novo modo de

conceber os processos histoacuterico-culturais uma hermenecircutica sui generis cujo parentesco

com a poeacutetica surrealista natildeo eacute casual16

2 Reprodutibilidade e modos de significaccedilatildeo

Ler a obra de Benjamin apresenta um sem nuacutemero de dificuldades uma das quais se

encontra na novidade radical de sua formulaccedilatildeo Isso se relaciona com os niacuteveis de anaacutelise

que propotildee Benjamin frente a um regime de significacatildeo nascente como o que

anunciava o cinema por exemplo em contraste com a visatildeo de Adorno e Horkheimer

Enquanto esses estruturaram um discurso cujo foco era a dimensatildeo econocircmico-cultural

enquanto novos modos de produccedilatildeo e redes de distribuiccedilatildeo assim como condiccedilotildees

objetivas para a recepccedilatildeo-consumo de bens simboacutelicos nas sociedades tardo-capitalistas

Benjamin inaugura uma reflexatildeo sobre os modos de significaccedilatildeo inerentes agrave nova

economia cultural Os modos de significaccedilatildeo datildeo conta justamente da experiecircncia cujo

fundamento natildeo poderia ser senatildeo perceptivo e cognitivo isto eacute a configuraccedilatildeo do

sensorium em uma sociedade na qual a tecnologia e a industrializaccedilatildeo satildeo a mediaccedilatildeo de

qualquer percepccedilatildeo possiacutevel A leitura de Benjamin que propomos encontra seu apoio

expliacutecito na hipoacutetese que anima todo seu texto ldquoDentro de grandes espaccedilos histoacutericos de

tempo se modificam junto com toda a existecircncia das coletividades humanas o modo e a

maneira de sua percepccedilatildeo sensorialrdquo17 Portanto a tarefa do investigador natildeo pode ser

outra senatildeo a de ldquomanifestar as transformaccedilotildees sociais que acharam expressatildeo nessas

mudanccedilas da sensibilidaderdquo18

15 Op cit p 469 - 470 16 O legado legiacutetimo das obras de Benjamin natildeo implicaria arrancar suas intuiccedilotildees para inseri-las no aparato

histoacuterico-cultural tradicional nem tampouco ldquoatualizaacute-lasrdquo com umas poucas palavras nostaacutelgicashellip Ao

contraacuterio consistiria em imitar seu gesto revolucionaacuterio BUCK-MORSS op cit p 78 17 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 24 18 Ibidem

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Page 8: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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Um tal olhar foi visto com desconfianccedila por seus pares tanto por seu obscuro meacutetodo

como por seu modo particular de entender a cultura19 Como cita Martiacuten-Barbero

ldquoAdorno e Habermas o acusam de natildeo dar conta das mediaccedilotildees de saltar da economia agrave

literatura e desta agrave poliacutetica fragmentariamente E acusam Benjamim disso ele que foi o

pioneiro a vislumbrar a mediaccedilatildeo fundamental que permite pensar historicamente a

relaccedilatildeo da transformaccedilatildeo nas condiccedilotildees de produccedilatildeo com as mudanccedilas no espaccedilo da

cultura isto eacute as transformaccedilotildees do sensorium dos modos de percepccedilatildeo e da experiecircncia

socialrdquo20

Uma das grandes contribuiccedilotildees do pensamento benjaminiano surge de um conjunto de

categorias em torno dos novos modos de significaccedilatildeo que modificam substancialmente

as praacuteticas sociais graccedilas agrave irrupccedilatildeo de um potencial de reprodutibilidade desconhecido

ateacute entatildeo isto eacute as tecnologias revolucionaacuterias da fotografia e do cinema que

transformam as condiccedilotildees de possibilidade da memoacuteria e do arquivo Como nos adverte

Cadava a fotografia que Benjamin entende como o primeiro meio verdadeiramente

revolucionaacuterio de reproduccedilatildeo eacute um problema que natildeo concerne soacute agrave historiografia agrave

histoacuteria do conceito de memoacuteria senatildeo tambeacutem agrave histoacuteria geral da formaccedilatildeo dos

conceitos O que se potildee em jogo aqui satildeo os problemas da memoacuteria artificial e das

formas modernas de arquivo que hoje afetam todos os aspectos da nossa relaccedilatildeo com o

mundo com uma velocidade e em uma dimensatildeo ineacutedita em relaccedilatildeo agraves eacutepocas

anteriores21 Se entendemos a contribuiccedilatildeo de Benjamin como um primeiro avanccedilo para

esclarecer o viacutenculo entre reprodutibilidade teacutecnica e memoacuteria seja enquanto sistema

mnemocircnico terciaacuterio seja como memoacuteria psiacutequica podemos ponderar a originalidade

e o alcance do pensamento benjaminiano

19 Impliacutecita nas obras de Benjamin estaacute uma detalhada e consistente teoria da educaccedilatildeo materialista que

tornaria possiacutevel essa rearticulaccedilatildeo da cultura e da ideologia como uma arma revolucionaacuteria Esta teoria

implicava a transformaccedilatildeo das ldquomercadoriasrdquo culturais no que ele chamava ldquoimagens dialeacuteticasrdquo Ver

BUCK-MORSS Walter Benjamin escritor revolucionaacuterio p 18 20 MARTIN-BARBERO De los medios a las mediaciones p 56 21 CADAVA Trazos de luz tesis sobre la fotografiacutea de la historia p 19

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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El origen del drama barroco alemaacuten Madrid Taurus 1990

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Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 9: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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Para nosso autor em coincidecircncia com Adorno ainda que em uma posiccedilatildeo muito mais

marginal agrave Escola de Frankfurt a reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte significava a

destruiccedilatildeo do modo auraacutetico de existecircncia da obra artiacutestica Como Adorno e Horkheimer

Benjamin pensava a princiacutepio que o surgimento da induacutestria cultural era um processo de

destruiccedilatildeo da obra de arte autocircnoma na medida em que os produtos do trabalho artiacutestico

satildeo reproduziacuteveis tecnicamente perdem a aura de culto que previamente o elevava como

uma reliacutequia sagrada acima do profano mundo cotidiano do espectador No entanto as

diferenccedilas de opiniatildeo no Instituto natildeo foram desencadeadas pela identificaccedilatildeo dessas

tendecircncias da evoluccedilatildeo cultural senatildeo pela valorizaccedilatildeo da conduta receptiva que

geraram22 Com efeito enquanto Adorno via na reproduccedilatildeo teacutecnica uma desartificaccedilatildeo

da arte Benjamin acreditava ver a possibilidade de novas formas de percepccedilatildeo coletiva

e com isso a expectativa de uma politizaccedilatildeo da arte

Na Ameacuterica Latina quem leva essa leitura a suas uacuteltimas consequecircncias eacute Martiacuten-

Barbero que crecirc perceber no pensamento benjaminiano uma historia da recepccedilatildeo de tal

modo que Do que fala a morte da aura na obra de arte natildeo eacute tanto da arte como dessa

nova percepccedilatildeo que rompendo o invoacutelucro o halo o brilho das coisas e natildeo soacute as da

arte por proacuteximas que estivessem estavam sempre longe porque um modo de relaccedilatildeo

social as fazia sentiacute-las longe Agora as massas com a ajuda das teacutecnicas ateacute as coisas

mais distantes e mais sagradas as sentem proacuteximas E esse lsquosentirrsquo essa experiecircncia tem

um conteuacutedo de exigecircncias igualitaacuterias que satildeo a energia presente na massa23 Frente a

uma leitura como esta se impotildee uma certa prudecircncia Poderiacuteamos aventurar que o

otimismo teoacuterico de Martiacuten-Barbero eacute uma leitura dateacutee caracteriacutestica da deacutecada dos anos

oitenta do seacuteculo passado que pretende fazer da cultura o espaccedilo da hegemonia e da luta

22 HONNETH op cit p 467 23 MARTIacuteN-BARBERO op cit p 58

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 10: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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A princiacutepio nada autoriza de repente deduzir dessa proximidade psiacutequica e social

reclamada pelas vanguardas e feita experiecircncia cotidiana graccedilas agrave irrupccedilatildeo crescente de

certas tecnologias a instauraccedilatildeo de um conteuacutedo igualitaacuterio que em uma suprema

expressatildeo de otimismo teoacuterico redundaria em um redescobrimento da cultura popular e

uma reconfiguraccedilatildeo da cultura como espaccedilo de hegemonia Natildeo podemos nos esquecer

de que o igualitarismo se encontra na raiz mesma da mitologia burguesa cuja figura mais

contemporacircnea eacute o ldquoconsumidorrdquo ou ldquousuaacuteriordquo expressatildeo uacuteltima do homo aequalis como

protagonista de toda sorte de populismos poliacuteticos e midiaacuteticos Assistimos mais para o

fenocircmeno da despolitizaccedilatildeo crescente das massas enquanto a sociedade de consumo eacute

capaz de abolir o caraacuteter de classe na fantasia imaginal das sociedades burguesas no tardo-

capitalismo mediante aquilo que Barthes chamou de ldquoex-nominaccedilatildeordquo 24

Na Ameacuterica Latina na atualidade estaacute surgindo uma interessante reformulaccedilatildeo de fundo

sobre a questatildeo da defesa do popular que durante deacutecadas se manteve como um princiacutepio

inquestionaacutevel e isento de matizes Rodriguez Breijo se pergunta Tem sentido defender

algo que provavelmente jaacute nem existe e que perde seu sentido em uma sociedade onde as

culturas camponesas e tradicionais jaacute natildeo representam a parte majoritaacuteria da cultura

popular e onde o popular jaacute natildeo eacute vivido nem sequer pelos sujeitos populares com uma

lsquocomplacecircncia melancoacutelica para com as tradiccedilotildeesrsquo Aferrar-se a isso natildeo seraacute cegar-se

diante das mudanccedilas que foram redefinindo essas tradiccedilotildees nas sociedades industriais e

urbanasrdquo25 Seja qual for a resposta que pudeacutessemos oferecer a essas interrogaccedilotildees o

certo eacute que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura rosto midiaacutetico da globalizaccedilatildeo representa

24 O processo de ex-nominaccedilatildeo tem abolido toda referecircncia ao conceito de classe e em seu lugar se

estabelece uma ecircnfase na forma de vida o conceito oniabarcante de classe se enfraquece e cede espaccedilo a

outras formas de autodefiniccedilatildeo focalizadas em traccedilos culturais mais especiacuteficos A pluralidade de

microdiscursos eacute uma realidade de duas caras por um lado tem emancipado as novas geraccedilotildees de uma

visatildeo holiacutestica e unidimensional que dilui os problemas cotidianos e imediatos na abstraccedilatildeo teoacuterico-

ideoloacutegica mas por outro lado os microdiscursos podem converter-se com facilidade em pseudoreligiotildees

sectaacuterias afastadas dos problemas gerais do cidadatildeo todavia se pode chegar a microdiscursos

intraduziacuteveis exclusivos e excludentes Ver CUADRA De la ciudad letrada a la ciudad virtual p 24 25 RODRIacuteGUES BREIJO La televisioacuten como un asunto de cultura In BISBAL Televisioacuten pan nuestro

de cada diacutea p 107

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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El origen del drama barroco alemaacuten Madrid Taurus 1990

Historias y relatos Barcelona Peniacutensula 1991

Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 11: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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um risco crescente no poliacutetico e no cultural em nossa regiatildeo e reclama uma nova siacutentese

para novas respostas como nunca antes um ato genuiacuteno de imaginaccedilatildeo teoacuterica26

Em uma primeira aproximaccedilatildeo o ensaio de Benjamin comeccedila por reconhecer que a

reproduccedilatildeo teacutecnica eacute de antiga data nos recorda que no mundo grego por exemplo tomou

a modalidade da fundiccedilatildeo de bronze e a cunhagem de moedas o mesmo logo com a

xilogravura com relaccedilatildeo ao desenho e desde logo a imprensa como reprodutibilidade

teacutecnica da escrita Assim mesmo nos traz agrave memoacuteria a gravaccedilatildeo em cobre a aacutegua-forte

e mais tardiamente durante o seacuteculo XIX a litografia No entanto a reproduccedilatildeo teacutecnica

conteacutem de maneira inelutaacutevel uma carecircncia que natildeo eacute outra que a ldquoautenticidaderdquo isto eacute

o ldquoaquirdquo e ldquoagorardquo do original uma autenticidade enquanto autoridade plena frente agrave

reproduccedilatildeo incapaz de reproduzir precisamente a autenticidade Benjamin propotildee o

termo ldquoaurardquo como siacutentese daquelas carecircncias falta de autenticidade carecircncia de

testemunho histoacuterico Resumindo todas essas carecircncias no conceito de aura podemos

dizer na eacutepoca da reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de arte o que se atrofia eacute a aura desta27

Essa hipoacutetese de trabalho se estende mais aleacutem da arte para caracterizar uma cultura

inteira enquanto a reproduccedilatildeo teacutecnica desvincula os objetos reproduzidos do acircmbito da

tradiccedilatildeo Na atualidade a reprodutibilidade jaacute natildeo seria uma mera possibilidade empiacuterica

senatildeo uma mudanccedila no sentido da reproduccedilatildeo mesma ldquoA reproduccedilatildeo teacutecnica da obra de

arterdquo assinala Benjamin ldquoeacute algo novo que se impotildee na histoacuteria intermitentemente aos

trancos muito distantes uns dos outros mas com intensidade crescenterdquo Esse ldquoalgo

novordquo a que se refere aqui Benjamin entatildeo natildeo eacute meramente a reproduccedilatildeo como uma

possibilidade empiacuterica um fato que esteve sempre presente em maior ou menor medida

jaacute que as obras de arte sempre puderam ser copiadas senatildeo como sugere Weber uma

26 Lorenzo Vilches citando Hills expocircs de forma descarnada o risco latino-americano frente agrave

hiperindustrializaccedilatildeo ldquoEacute bem possiacutevel que na Ameacuterica Latina se volte ao passado e se verifique a afirmaccedilatildeo

de J Hills de que ali de onde a empresa privada possui tanto a infraestrutura domeacutestica como os enlaces

internacionais os paiacuteses em vias de desenvolvimento voltem a sua anterior condiccedilatildeo de colocircniasrdquo HILLS

Capitalism and the Information Age In VILCHES La migracioacuten digital p 28 27 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 22

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

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Direccioacuten uacutenica Madrid Alfaguara 1987

El Berliacuten demonico Barcelona Icaria 1987

El concepto de criacutetica de arte en el romanticismo alemaacuten Barcelona Peniacutensula 1988

Diario de Moscuacute Madrid Taurus 1988

El origen del drama barroco alemaacuten Madrid Taurus 1990

Historias y relatos Barcelona Peniacutensula 1991

Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 12: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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mudanccedila estrutural no sentido da reproduccedilatildeo mesma O que interessa a Benjamin e o

que ele considera historicamente lsquonovorsquo eacute o processo pelo qual as teacutecnicas de reproduccedilatildeo

influenciam de maneira crescente e de fato determinam a estrutura mesma da obra de

arte 28

A reproduccedilatildeo efetivamente natildeo reconhece contexto ou situaccedilatildeo alguma e representa

como diraacute Benjamin uma comoccedilatildeo da tradiccedilatildeo29 Essa descontextualizaccedilatildeo

possibilitada pelas teacutecnicas de reproduccedilatildeo desconstroacutei a unicidade da obra de arte

enquanto dilui a uniatildeo desta com qualquer tradiccedilatildeo O objeto fora de contexto jaacute natildeo eacute

suscetiacutevel a uma ldquofunccedilatildeo ritualrdquo seja esta maacutegica religiosa ou secularizada Como afirma

nosso autor ldquo pela primeira vez na histoacuteria universal a reprodutibilidade teacutecnica

emancipa a obra artiacutestica de sua existecircncia parasitaacuteria em um ritualrdquo30

As consequecircncias desse novo status da arte podem ser sintetizadas em dois aspectos

Primeiro haacute uma mudanccedila radical na funccedilatildeo mesma da arte expurgada de sua

fundamentaccedilatildeo ritual se impotildee uma praxis distinta a saber a praxis poliacutetica Segundo

na obra artiacutestica decresce o ldquovalor de cultordquo e se acrescenta o ldquovalor de exibiccedilatildeordquo Nas

palavras do filoacutesofo ldquoCom os diversos meacutetodos de sua reproduccedilatildeo tecircm crescido em um

grau tatildeo elevado as possibilidades de exibiccedilatildeo da obra de arte que o deslocamento

quantitativo entre seus dois poacutelos se transforma como nos tempos primitivos em uma

modificaccedilatildeo qualitativa de sua naturezardquo31

3 Choque tempo e fluxos

28 CADAVA op cit p 96 29 BENJAMIN op cit p 23 30 Op cit p 27 31 Op cit p 30

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Historias y relatos Barcelona Peniacutensula 1991

Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 13: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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Resulta interessante a importacircncia que Benjamin confere ao valor de culto imanente das

fotografias de nossos entes queridos pois o retrato faz vibrar a aura no rosto humano32

Atget reteacutem ateacute 1900 as ruas vazias de Paris hipertrofiando o valor exibitivo anunciando

o que seria a revista ilustrada com suas notas de peacute de paacutegina A eacutepoca da

reprodutibilidade teacutecnica retira da arte sua dimensatildeo de culto e sua autonomia Como

sustenta Berger ldquoO que tecircm feito os modernos meios de reproduccedilatildeo eacute destruir a

autoridade da arte e retirar dela o melhor retirar as imagens que reproduzem de qualquer

lugar Pela primeira vez na histoacuteria as imagens artiacutesticas satildeo efecircmeras ubiacutequas carentes

de corporiedade acessiacuteveis sem valor livres Rodeiam-nos do mesmo modo que nos

rodeia a linguagem Entraram na corrente principal da vida sobre a qual natildeo tecircm nenhum

poder por si mesmasrdquo33

Durante a primeira metade do seacuteculo XX a tecnologia audiovisual se desenvolveu em

torno do cinema que por sua vez eacute uma ampliaccedilatildeo e aperfeiccediloamento da fotografia

analoacutegica e da fonografia impondo a dimensatildeo cineacutetica mediante a sequecircncia de

fotogramas Assim o cinema permitiu pela primeira vez a narraccedilatildeo com sons e imagens

em movimento mediante a projeccedilatildeo luminosa adquirindo o papel totalizante de

protagonista na industrializaccedilatildeo da cultura Benjamin pensava que com o cinema

assistiacuteamos agrave mediaccedilatildeo tecnoloacutegica da experiecircncia ou se se quer a uma industrializaccedilatildeo

da percepccedilatildeo Como afirma Buck-Morss ldquoBenjamin sustentava que o seacuteculo XIX havia

presenciado uma crise na percepccedilatildeo como resultado da industrializaccedilatildeo Essa crise era

caracterizada pela aceleraccedilatildeo do tempo uma mudanccedila desde a eacutepoca das lsquopassagensrsquo

quando as charretes todavia natildeo toleravam a concorrecircncia dos pedestres ateacute a dos

automoacuteveis quando a velocidade dos meios de transporte Sobrepassa as necessidades

A industrializaccedilatildeo da percepccedilatildeo era tambeacutem evidente na fragmentaccedilatildeo do espaccedilo A

32 Nesta mesma linha de pensamento Sontag escreve ldquoAs fotografias afirmam a inocecircncia a

vulnerabilidade de vidas que se dirigem em direccedilatildeo agrave sua proacutepria destruiccedilatildeo e este laccedilo entre a fotografia

e a morte ronda todas as fotografias de pessoasrdquo Ver SONTAG Sobre la fotografiacutea p 80 33 BERGER et al Modos de ver p 41

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 14: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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experiecircncia da linha de montagem e da multidatildeo urbana era uma experiecircncia de um

bombardeio de imagens desconectadas e estiacutemulos similares ao shockrdquo34 Tratemos de

examinar em que consistiria esse shock e que implicaccedilotildees ele poderia ter na cultura atual

O cinema assim como uma melodia se constitui em sua duraccedilatildeo Neste sentido tais

entidades ldquosatildeordquo enquanto ldquoexistemrdquo Em poucas palavras estamos diante daquilo que

Husserl chamava de ldquoobjetos temporaisrdquo ldquoUma peliacutecula como uma melodia eacute

essencialmente um fluxo se constitui em sua unidade como um transcurso Este objeto

temporal enquanto lsquoescoamentorsquo coincide com o fluxo da consciecircncia daquele que eacute

objeto a consciecircncia do espectadorrdquo35

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Stiegler haveria de dizer que o cinema produz uma dupla

coincidecircncia por um lado conjuga passado e realidade de modo fotofonograacutefico criando

um efeito de realidade e ao mesmo tempo faz coincidir o fluxo temporal do filme com

o fluxo da consciecircncia do espectador produzindo uma sincronizaccedilatildeo ou adoccedilatildeo

completa do tempo da peliacutecula Em suma ldquo a caracteriacutestica dos objetos temporais eacute

que o transcurso de seu fluxo coincide lsquoponto por pontorsquo com o transcurso do fluxo da

consciecircncia daqueles que satildeo o objeto o que quer dizer que a conciecircncia do objeto adota

o tempo desse objeto seu tempo eacute o do objeto processo de adoccedilatildeo a partir do qual se

torna possiacutevel o fenocircmeno de identificaccedilatildeo tiacutepica do cinemardquo36

A lideranccedila do cinema seraacute opacificada pela irrupccedilatildeo da televisatildeo durante a segunda

metade do seacuteculo passado Se o cinema permitiu a sincronizaccedilatildeo dos fluxos de

consciecircncia com os fluxos temporais imanentes ao filme seraacute a transmissatildeo televisiva a

que levaraacute a sincronizaccedilatildeo agrave sua plenitude pois alcanccedila a transmissatildeo ldquoem tempo realrdquo

de ldquomegaobjetos temporaisrdquo Bastaraacute pensar na grande final da Copa do Mundo na

Alemanha em 2006 um puacuteblico hipermassivo e disperso por todo o mundo foi capaz de

34 BUCK-MORSS op cit p 69 35 STIEGLER La teacutecnica y el tiempo p 14 36 Op cit p 47

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Para una criacutetica de la violencia y otros ensayos Iluminaciones 4 Madrid Taurus 1991

Page 15: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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captar o mesmo objeto temporal gerado pelo mesmo megaobjeto de maneira simultacircnea

e instantacircnea quer dizer ldquoao vivordquo Como sentencia Stiegler ldquoEsses dois efeitos

propriamente televisivos transformam tanto a natureza do proacuteprio acontecimento como a

vida mais iacutentima dos habitantes do territoacuteriordquo37

No presente momento o potencial de reprodutibilidade foi elevado exponencialmente

devido agrave irrupccedilatildeo das chamadas novas tecnologias da informaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Essa

situaccedilatildeo de ldquohiper-reprodutibilidaderdquo como a denomina Stiegler encontra seu

fundamento na disseminaccedilatildeo de tecnologias massivas que instituem novas praacuteticas

sociais ldquoA tecnologia digital permite reproduzir qualquer tipo de dado sem a degradaccedilatildeo

do sinal com meios teacutecnicos que se convertem eles mesmos em bens de grande consumo

a reproduccedilatildeo digital se converte em uma praacutetica social intensa que alimenta as redes

mundiais porque eacute simplesmente a condiccedilatildeo da possibilidade do sistema

mnemoteacutecnico mundialrdquo38 Se a isso somamos as possibilidades quase ilimitadas de

simulaccedilotildees manipulaccedilotildees e a interoperabilidade que permitem os sistemas de

transmissatildeo haveria que concluir com Stiegler ldquoA hiper-reprodutibilidade que resulta

da generalizaccedilatildeo das tecnologias numeacutericas constitui ao mesmo tempo uma

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura quer dizer uma integraccedilatildeo industrial de todas as formas

de atividades humanas em torno das induacutestrias de programas encarregadas de promover

os lsquoserviccedilosrsquo que formam a realidade econocircmica especiacutefica desta eacutepoca hiperindustrial

na qual o que antes era o feito seja em termos de serviccedilos puacuteblicos de iniciativas

econocircmicas independentes ou de atividades domeacutesticas eacute sistematicamente invertido

pelo lsquomercadorsquordquo39

A reproduccedilatildeo teacutecnica e a massificaccedilatildeo da cultura foram observadas por Paul Valeacutery cuja

citaccedilatildeo parece ter sido feita para caracterizar a televisatildeo Igual agrave aacutegua o gaacutes e a corrente

37 Op cit p 48 38 Op cit p 355 39 Op cit p 356

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Page 16: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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eleacutetrica que vecircm agraves nossas casas para nos servir de longe e por meio de uma manipulaccedilatildeo

quase imperceptiacutevel assim estamos tambeacutem providos de imagens e de seacuteries de sons que

nos acodem a um pequeno toque quase a um sinal e que do mesmo modo nos

abandonam 40 Benjamin adverte que essa nova forma de reproduccedilatildeo rompe com a

presenccedila irrepetiacutevel e instala a presenccedila massiva colocando assim o reproduzido fora de

sua situaccedilatildeo para ir ao encontro do destinataacuterio A televisatildeo levou a efeito a formulaccedilatildeo

universal proposta por Benjamin ldquo a teacutecnica reprodutiva desvincula o reproduzido do

acircmbito da tradiccedilatildeordquo41 Natildeo soacute isso ndash haveria que repetir com nosso teoacuterico o mesmo que

pensou a respeito do cinema ldquoA importacircncia social deste natildeo eacute imaginaacutevel inclusive em

sua forma mais positiva e precisamente nela sem esse seu outro lado destrutivo

cataacutertico a liquidaccedilatildeo do valor da tradiccedilatildeo na heranccedila culturalrdquo42

A sincronizaccedilatildeo dos fluxos temporais nos permite adotar o tempo do objeto no entanto

para que isso tenha chegado a ser possiacutevel haacute uma sorte de training sensorial das massas

uma apropriaccedilatildeo de certos modos de significaccedilatildeo que se encontram inscritos como

exigecircncias para uma narrativa e que se exteriorizam como principios formais da

montagem Neste sentido o shock eacute suscetiacutevel de ser entendido como um novo modo de

experimentar a calendariedade e a ldquocardinalidaderdquo Em uma linha proacutexima Cadava

escreve ldquoO advento da experiecircncia do shock como uma forccedila elementar na vida cotidiana

na metade do seacuteculo XIX sugere Benjamin transforma toda a estrutura da existecircncia

humana Na medida em que Benjamin identifica esse processo de transformaccedilatildeo com as

tecnologias que tecircm submetido ldquoo sistema sensorial do homem a um complexo trainingrdquo

e que inclui a invenccedilatildeo dos foacutesforos e do telefone a transmissatildeo teacutecnica de informaccedilotildees

atraveacutes de perioacutedicos e anuacutencios nosso bombardeio no traacutefego e as multidotildees

individualizam a fotografia e o cinema como meios que com suas teacutecnicas de corte

40 VALEacuteRY Paul Piegraveces sur lart In BENJAMIN op cit p 20 41 BENJAMIN opcit p 22 42 BENJAMIN op cit p 23

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Page 17: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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raacutepido muacuteltiplos acircngulos de cacircmera e instantacircneos elevam a experiecircncia do shock a um

princiacutepio formalrdquo43

Na era da hiper-reprodutibilidade digital a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura representa o

regime de significaccedilatildeo contemporacircneo cuja aresta econocircmico-cultural pode ser

entendida como uma hipermidiatizaccedilatildeo Os hipermiacutedia administrados por grandes

conglomerados da induacutestria das comunicaccedilotildees satildeo os encarregados de produzir distribuir

e programar o consumo de toda sorte de bens simboacutelicos desde casas editoriais

multinacionais a canais televisivos de cobertura planetaacuteria passando pela hiperinduacutestria

do entertainment e todos os seus produtos derivados Mas como todo regime de

significaccedilatildeo o atual possui modos de significaccedilatildeo bem definidos que podemos sintetizar

sob o conceito de virtualizaccedilatildeo Mais aleacutem de uma suposta alineaccedilatildeo da vida e em um

sentido mais radical a virtualizaccedilatildeo pode ser definida por seu potencial gerador por sua

capacidade de gerar realidade isto eacute ldquoA dimensatildeo fundamental da reproduccedilatildeo mediaacutetica

da realidade natildeo reside nem em seu caraacuteter instrumental como extensatildeo dos sentidos nem

em sua capacidade manipuladora como fator condicionador da consciecircncia senatildeo em seu

valor ontoloacutegico como princiacutepio gerador de realidade Aos seus estiacutemulos reagimos com

maior intensidade que frente agrave realidade da experiecircncia imediatardquo44

O shock eacute a impossibilidade da memoacuteria diante do fluxo total de um presente que se

expande Dissolvida toda a distacircncia no impeacuterio do aqui e agora soacute fica na tela suspensa

o still point jaacute natildeo como experiecircncia poeacutetica senatildeo como sugeriu Benjamin mediante

uma recepccedilatildeo na dispersatildeo da qual a experiecircncia cinematograacutefica foi pioneira

ldquoComparemos o tecido (tela) no qual se desenvolve a peliacutecula com o tecido onde se

encontra uma pintura Este uacuteltimo convida agrave contemplaccedilatildeo diante dele podemos nos

abandonar ao fluir de nossas associaccedilotildees de ideacuteias E por outro lado natildeo poderemos fazecirc-

43 CADAVA op cit p 178 44 SUBIRATS Culturas virtuales p 95

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

em hiper-reprodutibilidade digital

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Page 18: A OBRA DE ARTE NA ERA DE SUA HIPER- REPRODUTIBILIDADE …

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lo diante de um plano cinematograacutefico Mal o registramos com os olhos e ele jaacute mudou

Natildeo eacute possiacutevel fixaacute-lo Duhamel que odeia o cinema e natildeo nada entendeu de sua

importacircncia mas o bastante de sua estruturaanota essa circunstacircncia do seguinte modo

lsquoJaacute natildeo posso pensar o que quero As imagens movediccedilas substituem os meus

pensamentosrsquordquo De fato o curso das associaccedilotildees na mente de quem contempla as imagens

fica em seguida interrompido pela mudanccedila dessas E nisso consiste o efeito do shock do

cinema que como qualquer outro pretende ser captado graccedilas a uma presenccedila de espiacuterito

mais intensa Em virtude de sua estrutura teacutecnica o cinema liberado para o efeito fiacutesico

de ldquochoque da embalagemrdquo por assim dizer moral em que o reteve o Dadaiacutesmordquo45 A

hiperindustrializaccedilatildeo cultural eacute capaz precisamente de fabricar o ldquopresente plenordquo

mediante seus fluxos audiovisuais ao vivo que pardoxalmente eacute tambeacutem esquecimento

Como nos esclarece Stiegler ldquoAo instaurar um presente permanente no seio de fluxos

temporais de onde se fabrica hora a hora e minuto a minuto um lsquoreceacutem-passadorsquo mundial

ao ser tudo isso elaborado por um dispositivo de seleccedilatildeo e de retenccedilatildeo ao vivo e em tempo

real submetido totalmente aos caacutelculos da maacutequina informativa o desenvolvimento das

induacutestrias da memoacuteria da imaginaccedilatildeo e da informaccedilatildeo suscita o fato e o sentimento de

um imenso buraco da memoacuteria de uma perda de relaccedilatildeo com o passado e de uma des-

memoacuteria mundial afogada em um purecirc de informaccedilotildees onde se apagam os horizontes

de espera que constituem o desejordquo 46 As redes hiperindustriais fizeram do shock uma

experiecircncia cotidiana trivial e hipermassiva convertendo em realidade aquela intuiccedilatildeo

benjaminiana um novo sensorium das massas que redunda em um novo modo de

significaccedilatildeo cuja marca segundo vimos natildeo eacute outra senatildeo a experiecircncia generalizada da

compressatildeo espaccedilo-temporal

Faccedilamos notar que com efeito Benjamin oferece mais intuiccedilotildees iluminadoras que um

trabalho empiacuterico consistente E isso eacute assim porque recordemos seu pensamento natildeo

45 BENJAMIN op cit p 51 46 STIEGLER op cit p 115

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pocircde se encarregar do enorme potencial que supunha a nova economia ndash cultural ndash sob

a forma de uma industrializaccedilatildeo da cultura especialmente do outro lado do Atlacircntico

Como aponta muito bem Renato Ortiz ldquoQuando Benjamin escreve nos anos 1930 os

intelectuais alematildees apesar dos traumas da I Guerra Mundial e do advento do nazismo

todavia satildeo marcados pela ideacuteia de kultur isto eacute de um espaccedilo autocircnomo que escapa agraves

imposiccedilotildees da lsquocivilizaccedilatildeorsquo material e teacutecnica Ao contraacuterio de Adorno e de Horkheimer

Benjamin natildeo conhece a induacutestria cultural nem o autoritarismo do mercado para os

frankfurtianos essa dimensatildeo soacute pode ser incluiacuteda em suas preocupaccedilotildees quando migram

para os Estados Unidos Ali a situaccedilatildeo era inteiramente outra eacute o momento em que a

publicidade o cinematoacutegrafo o raacutedio e logo rapidamente a televisatildeo se tornam meios

potentes de legitimaccedilatildeo e de difusatildeo culturalrdquo 47 Esse verdadeiro descobrimento eacute o que

realizaraacute Adorno em suas pesquisas junto a Lazarfeld no projeto do Radio Research

encarregado pela Rockefeller Foundation nos anos seguintes

4 Estetizaccedilatildeo politizaccedilatildeo personalizaccedilatildeo

As atuais tecnologias digitais permitem emancipar a imagem de qualquer referente a

nova antropologia do visual se funda na autonomia das imagens Isso eacute assim porque

estamos frente a constructos anoacutepticos natildeo obstante reproduziacuteveis e que em si

representam uma fratura histoacuterica a respeito do problema da reproduccedilatildeo Chegou-se a

sustentar que na verdade natildeo estamos diante de uma tecnologia da reproduccedilatildeo e sim

diante uma da produccedilatildeo ldquoA grande novidade cultural da imagem digital se baseia em

que natildeo eacute uma tecnologia da reproduccedilatildeo senatildeo da produccedilatildeo e enquanto a imagem

fotoquiacutemica postulava lsquoisto foi assimrsquo a imagem anoacuteptica da infografia afirma lsquoisto eacute

assimrsquo Sua fratura histoacuterica revolucionaacuteria reside em que combina e torna compatiacuteveis a

imaginaccedilatildeo ilimitada do pintor e sua libeacuterrima invenccedilatildeo subjetiva com a perfeiccedilatildeo

47 ORTIZ Modernidad y espacio Benjamin en Pariacutes p 124

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preformativa e autentificadora proacutepria da maacutequina A infografia portanto automatiza o

imaginaacuterio do artista com um grande poder de autentificaccedilatildeordquo48

Se a fotografia nos dizeres de Benjamin tecnologia verdadeiramente revolucionaacuteria da

reproduccedilatildeo desponta com o ideaacuterio socialista a imagem digital irrompe depois do ocaso

dos socialismos reais Eacute interessante notar como pela via da imagem digital se conjugam

a liberdade imaginaacuteria e a autentificaccedilatildeo formal essa restituccedilatildeo da autenticidade jaacute natildeo

reclama o mimetismo do cinema ou da fotografia senatildeo que se erige como pura

imaginaccedilatildeo A situaccedilatildeo atual consistiria em que a obra de arte jaacute natildeo reproduz nada

(miacutemesis) na atualidade a obra significa mas soacute existe enquanto eacute suscetiacutevel agrave sua hiper-

reprodutibilidade o que se traduz em que as tecnologias digitais tornam possiacutevel a

proximidade ao mesmo tempo que a autenticidade49

O videoclipe e por extensatildeo a imagem digital se converteram em um fascinante objeto

de estudo ldquopoacutes-modernordquo na medida em que nos permite a anaacutelise microscoacutepica do fluxo

total caracteriacutestica central da hiperindustrializaccedilatildeo da cultura Como escreve Steven

Connor ldquoResulta surpreendente que os teoacutericos da poacutes-modernidade tenham se ocupado

da televisatildeo e do viacutedeo Assim como o cinema (com o qual a televisatildeo coincide cada dia

mais) a televisatildeo e o viacutedeo satildeo meios de comunicaccedilatildeo cultural que empregam teacutecnicas

de reproduccedilatildeo tecnoloacutegicas Em um aspecto estrutural superam a narraccedilatildeo moderna do

artista individual que lutava por transformar um meio fiacutesico determinado A unicidade

permanecircncia e transcendecircncia (o meio transformado pela subjetividade do artista) nas

artes reproduziacuteveis do cinema e do viacutedeo parecem haver dado lugar a uma multiplicidade

irrevogaacutevel a uma certa transitoriedade e anonimato Outra forma de dizecirc-lo seria que

o viacutedeo exemplifica com particular intensidade a dicotomia poacutes-moderna entre as

48 GUBERN Del bisonte a la realidad virtual p 147 49 Em uma economia poacutes-industrial na qual a informaccedilatildeo estaacute substituindo a motricidade e as energias

tradicionais e as representaccedilotildees estatildeo substituindo as coisas a virtualidade da imagem infograacutefica

autocircnoma desmaterializada fantasmagoacuterica e natildeorepresentativa supotildee a sua culminaccedilatildeo congruente

GUBERN op cit p 149

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estrateacutegias interrompidas da vanguarda e os processos de absorccedilatildeo e neutralizaccedilatildeo desse

tipo de estrateacutegiardquo50

Chegou-se a sustentar inclusive a hipoacutetese de uma certa periodizaccedilatildeo do capitalismo em

relaccedilatildeo aos saltos tecnoloacutegicos cujo objeto prototiacutepico seria na atualidade o viacutedeo como

explica Fredric Jameson ldquoSe aceitarmos a hipoacutetese de que se pode periodizar o

capitalismo atendendo aos saltos quacircnticos ou mutaccedilotildees tecnoloacutegicas com os quais

responde agraves suas mais profundas crises sistecircmicas quiccedilaacute fique um pouco mais claro

porque o viacutedeo tatildeo relacionado com a tecnologia dominante do computador e da

informaccedilatildeo da etapa tardia ou terceira do capitalismo tem tantas probabilidades de se

erigir na forma artiacutestica por excelecircncia do capitalismo tardiordquo51

O shock ocorrido com Eisenstein e sua montagem-choque eacute hoje uma caracteriacutestica dos

objetos audiovisuais mais comuns e triviais e alcanccedila seu cume nos chamados ldquospots

publicitaacuteriosrdquo e videoclipes Este fenocircmeno foi exemplificado no chamado ldquopoacutes-cinemardquo

Como nota Beatriz Sarlo ldquoO poacutes-cinema eacute um discurso de alto impacto fundado na

velocidade com que uma imagem substitui a anterior a cada nova imagem a que a

precedeu Por isso as melhores obras do poacutes-cinema satildeo os curtas publicitaacuterios e os

videoclipesrdquo52 Os videoclipes nascem de fato como dispositivos publicitaacuterios da

hiperinduacutestria cultural apoiando e promovendo a produccedilatildeo discograacutefica Em poucos

anos o espiacuterito experimentalista dos jovens realizadores formados nos achados das

vanguardas esteacuteticas (Surrealismo Dadaiacutesmo) deu origem a uma seacuterie de collages

audiovisuais que se destacam por seu virtuosismo conjugando libertade imaginativa e

autentificaccedilatildeo formal

50 CONNOR Cultura postmoderna p 115 51 JAMESON Teoriacutea de la postmodernidad p 106 52 SARLO op cit p61

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Gubern escreve ldquoOs videoclipes musicais depredaram e se apropriaram dos estilos do

cinema de vanguarda claacutessico dos experimentos sovieacuteticos de montagem das

transgressotildees dos raccords de espaccedilo e de tempo etc pela boa razatildeo de que natildeo estavam

submetidos agraves riacutegidas regras de relato novelesco e se limitavam a ilustrar uma canccedilatildeo

que com frequecircncia natildeo relatava propriamente uma histoacuteria senatildeo que expunha algumas

sensaccedilotildees mais proacuteximas do impressionismo esteacutetico que da prosa narrativa Essa

ausecircncia de obrigaccedilotildees narrativas liberadas do imperativo do cronologismo e da

causalidade permitiu ao videoclipe musical adentrar-se pelas divagaccedilotildees

experimentalistas de caraacuteter virtuosordquo53

Uma das acusaccedilotildees desenvolvidas contra a televisatildeo se funda justamente em sua condiccedilatildeo

de fluxo acelerado incessante e urgente de imagens Este ldquofluxo totalrdquo seria um obstaacuteculo

para o pensamento ldquoJe disais en commenccedilant que la televisioacuten nest pas treacutes favorable agrave

lexpression de la penseacutee Jeacutetablissais un lien neacutegatif entre lurgence et la penseacutee Et un

des problegravemes majeurs que pose la teacuteleacutevision c`eacutest la question des rapports entre la

penseacutee et la vitesse Est-ce quon peut penser dans la vitesserdquo54 Se bem natildeo eacute o caso

discutir aqui este toacutepico de iacutendole filosoacutefica tenhamos presente essa relaccedilatildeo entre

velocidade e pensamento no que diz respeito ao shock de imagens e sons que supotildee o

fluxo televisivo pois essa questatildeo estaacute estreitamente ligada agrave possibilidade mesma de

conceber um distanciamento criacutetico

Para Benjamin estava claro que a reprodutibilidade teacutecnica da obra de arte modificava

radicalmente a relaccedilatildeo da massa a respeito da arte Assim segundo escreve ldquo quanto

mais diminui a importacircncia social de uma arte tanto mais se dissociam no puacuteblico a

atitude criacutetica e a fruitivardquo55 Daiacute entatildeo que o convencional se desfrute acriticamente

enquanto que o inovador se critique com aspereza Criacutetica e fruiccedilatildeo coincidiriam segundo

53 GUBERN El eros electroacutenico p55 54 BOURDIEU Sur la teacuteleacutevision p 30 55 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 44

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nosso autor no cinema De maneira anaacuteloga se pode sustentar que a hiper-

reprodutibilidade digital modifica a relaccedilatildeo da obra artiacutestica com seus puacuteblicos56 Os

arquifluxos da programaccedilatildeo televisiva anulam a possibilidade de uma distacircncia criacutetica

privilegiando em seus puacuteblicos uma atitude puramente fruitiva Como sustenta Fredric

Jameson ldquoParece possiacutevel que em uma situaccedilatildeo de fluxo total onde os conteuacutedos da tela

brotam sem cessar ante noacutes o que se costumava chamar de lsquodistacircncia criacuteticarsquo tenha se

tornado obsoletardquo57

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura eacute o fluxo total de imagens e sons cuja caracteriacutestica eacute

a busca de umbrais de excitaccedilatildeo cada vez maiores Natildeo estamos diante a exibiccedilatildeo solene

de uma grande obra nem sequer de uma grande peliacutecula capaz de deixar impressotildees e

imagens em nossa memoacuteria equilibrando fruiccedilatildeo e criacutetica mas ao contraacuterio se trata de

um fluxo que aniquila as poacutes-imagens com o ldquosempre novordquo como em um videoclipe

Neste ponto se poderia argumentar com Jameson que haacute uma exclusatildeo estrutural da

memoacuteria e da distacircncia criacutetica58

O advento da hiper-reprodutibilidade digital natildeo propunha nem a estetizaccedilatildeo da poliacutetica

nem a politizaccedilatildeo da arte senatildeo a lsquopersonalizaccedilatildeorsquo da arte ldquoSe no alvorecer do seacuteculo XX

o fascismo respondeu com um esteticismo da vida poliacutetica o marxismo contestou com

uma politizaccedilatildeo da arte hoje nesse momento inaugural do seacuteculo XXI o momento poacutes-

56 Torna-se cada vez mais claro que os novos dispositivos tecnoloacutegicos e os processos de virtualizaccedilatildeo que

expandem e aceleram a semio-esfera deslocam a problemaacutetica da imagem a partir do acircmbito da reproduccedilatildeo

ao da produccedilatildeo assim mais que a atrofia do modo auraacutetico de existecircncia do autecircntico deve nos ocupar

sua suposta recuperaccedilatildeo pela via da tecnogecircnese e a videomorfizaccedilatildeo de imagens digitais Este ponto

resulta decisivo pois segundo Benjamin haveria que se perguntar se esta era ineacutedita de produccedilatildeo digital

de imagens representa uma nova fundamentaccedilatildeo na funccedilatildeo da arte e da imagem mesma jaacute natildeo derivada de

um ritual secularizado como na obra artiacutestica nem da praacutexis poliacutetica como na era da reproduccedilatildeo teacutecnica

CUADRA op cit p 130 57 JAMESON op cit p101 58 Os fluxos hiperindustriais satildeo ldquoobjetos temporaisrdquo no sentido husserliano isto eacute comportam-se mais

como a muacutesica que como a pintura Neste sentido haveria que reexpor o raciociacutenio que Benjamin atribui a

Leonardo quanto ao qual ldquoA pintura eacute superior agrave muacutesica porque natildeo tem que morrer mal agrave chama agrave vida

como eacute o desafortunado caso da muacutesica Esta que se volatiliza enquanto surge vai atraacutes da pintura que

com o uso do verniz se fez eternardquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p45

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moderno parece apelar a uma radical subjetivizaccedilatildeopersonalizaccedilatildeo da arte e da poliacutetica

naturalizadas como mercadorias em uma sociedade de consumo tardo-capitalista Jaacute o

mesmo Benjamin reconheceu que o cinema deslocava a aura em direccedilatildeo a uma construccedilatildeo

artificial de uma personality o culto da estrela que no entanto natildeo chegava a ocultar

sua natureza mercantil A virtualizaccedilatildeo das imagens logra refinar ao extremo essa

impostura auraacutetica pois personaliza a geraccedilatildeo de imagens sem que com isso perca sua

condiccedilatildeo potencial de mercadoriardquo 59 Contudo a hiper-reprodutibilidade digital natildeo estaacute

a longo prazo isenta dos mesmos riscos poliacuteticos pois como escreve Vilches ldquo a

informaccedilatildeo que normalmente vem exigida como um valor irrenunciaacutevel da democracia e

dos direitos humanos dos povos representa tambeacutem uma forma de fascismo cotidiano O

mito da lsquoinformaccedilatildeo totalrsquo pode convertecirc-la em totalitaacuteriardquo60 A obra de arte na eacutepoca de

sua hiper-reprodutibilidade digital se transformou em um mero significante arte de

superfiacutecie que vaga pelo labirinto do fluxo total paroacutedia oca e vazia agrave qual Jameson

chamou de pastiche61

Os videoclipes evidenciam agrave primeira vista seu parentesco esteacutetico e formal com

algumas obras das Vanguardas Entretanto resulta evidente que diferentemente de um

Buntildeuel por exemplo todo videoclipe se inscreve na loacutegica da seduccedilatildeo imanente aos bens

simboacutelicos que buscam se posicionar no mercado mais que em qualquer pretensatildeo

contestatoacuteria As vanguardas e o mercado resultam totalmente congruentes quanto ao

59 CUADRA op cit p 13 60 VILCHES La migracioacuten digital p108 61 Jameson propotildee o conceito de ldquopasticherdquo como praxis esteacutetica poacutes-moderna O pastiche se apropria do

espaccedilo que a noccedilatildeo de estilo tem deixado Ditos estilos da modernidade ldquose transformam em coacutedigos poacutes-

modernistasrdquo O pastiche eacute imitaccedilatildeo mas se diferencia da paroacutedia trata-se de uma ldquorepeticcedilatildeo neutra

desligada do impulso satiacuterico desprovida de hilaridade e alheia agrave convicccedilatildeo de que junto agrave liacutengua anormal

da qual toma emprestada provisoriamente subsiste ainda uma saudaacutevel normalidade linguiacutesticardquo O

pastiche eacute uma paroacutedia vazia O pastiche enquanto dispositivo de uma cultura aniquila a referecircncia

histoacuterica a seacuterie siacutegnica organiza a realidade prescindindo da seacuterie faacutetica os signos significam mas natildeo

designam Todos os estilos comparecem em um aqui e agora de tal modo que a histoacuteria se transforma nas

palavras de Jameson historicismo ou histoacuteria pop uma seacuterie de estilos ideias e estereoacutetipos reunidos ao

acaso suscitando a nostalgia proacutepria da mode reacutetro Esta nova linguagem do pastiche representa ldquoa perda

de nossa possibilidade vital de experimentar a histoacuteria de um modo ativordquo CUADRA op cit p50

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experimentalismo e agrave busca constante do novo mesmo quando seus vetores de direccedilatildeo

satildeo opostos Assim podemos afirmar que a loacutegica do mercado inverteu o signo que

inspirou as vanguardas mas instrumentalizou seus estilos ateacute a saciedade

Esses princiacutepios se extenderam agrave hiperinduacutestria televisiva e cinematograacutefica em seu

conjunto de maneira tal que produccedilotildees recentes tatildeo diversas como Kill Bill de Quentin

Tarantino ou High School Musical do Disney Channel se inscrevem na loacutegica do

videoclipe Em ambas as produccedilotildees encontramos traccedilos hiacutebridos de distintos gecircneros

audiovisuais cujo horizonte natildeo pode ser outro que seu ecircxito em termos comerciais

garantido por uma estrutura narrativa elementar que rememora algumas histoacuterias em

quadrinhos mas infestada de efeitos auditivos e visuais que levam o ecircxtase sensual agraves

novas geraccedilotildees de puacuteblicos hipermassivos formados nos cacircnones de uma cultura

internacional popular62 O perfil do target da maioria dessas produccedilotildees natildeo poderia ser

outro que natildeo o teenager ou o adulto teenager para quem a dose precisa de violecircncia

melodrama sexo e efeitos especiais satisfazem sua fantasia imaginal

Se bem que o videoclipe constitua um dos formatos da televisatildeo comercial63 e em alguns

casos como na MTV o grosso de seu conteuacutedo devemos ter em conta que mais aleacutem

dos suportes o que as empresas comercializam eacute o conceito ldquomuacutesicardquo ou mais

amplamente entertainment Aleacutem do mais um mesmo produto assume diversos formatos

para sua comercializaccedilatildeo assim a empresa Disney oferece High School Musical como

filme para a televisatildeo DVD CD aacutelbuns presenccedila na Web e uma seacuterie de programas

paralelos a propoacutesito da produccedilatildeo Os produtos de entertainment adquirem a condiccedilatildeo de

62 Cfr ORTIZ R Cultura internacional popular In Mundializacioacuten y cultura Buenos Aires Alianza

Editorial 1977 p 145-198 63 Em relaccedilatildeo aos fluxos da televisatildeo comercial se impotildeem alguns limites dignos de ser considerados

Como assinala Tablante ldquoSe bem que eacute certo que a televisatildeo eacute um fluxo de conteuacutedos programaacuteticos

tambeacutem eacute certo que esses tecircm alguns liacutemites relativos agrave sua intenccedilatildeo agrave sua duraccedilatildeo e agrave sua esteacutetica Neste

sentido a televisatildeo funcionaria como um atomizador de programas particulares que tecircm um espaccedilo

especiacutefico dentro da programaccedilatildeo do canalrdquo Ver TABLANTE La televisioacuten frente al receptor

intimidades de una realidad representada In BISBAL Televisioacuten pan nuestro de cada diacutea p 120

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eventos multimiacutedia que asseguram uma maior presenccedila no mercado tanto desde o ponto

de vista de sua distribuiccedilatildeo mundial como de duraccedilatildeo no tempo A dispersatildeo desses

produtos em um mercado global debilmente regulado gera natildeo obstante utilidades

impensadas haacute duas deacutecadas atraacutes A modernidade tornada hipermodernidade de fluxos

converte o capital em imagem e informaccedilatildeo isto eacute em linguagem

5 Modernidade patrimocircnio e hiper-reprodutibilidade

Tal como sustentamos a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura implica a hiper-

reprodutibilidade como praacutetica social generalizada Esse fenocircmeno possui uma aresta

poliacutetica que vai crescendo em importacircncia e que se relaciona com a noccedilatildeo de

propriedade ou como se costuma dizer o copyright Se consideramos que a maior parte

da produccedilatildeo hiperindustrial proveacutem de zonas de alto desenvolvimento seus custos

resultam muito elevados nas zonas pobres do planeta surgindo assim a coacutepia ilegal ou

pirataria ldquoEacute uma ameaccedila maior que a do terrorismo e estaacute transformando

aceleradamente o mundordquo Assim define Moiseacutes Naim diretor da prestigiosa revista

estadounidense Foreign Policy o mercado do traacutefico iliacutecito eixo de seu livro chamado

justamente Iliacutecito O mercado das falsificaccedilotildees que haacute uns 15 anos era muito pequeno

hoje movimenta entre US$ 400 e US$600 bilhotildees ldquoSoacute em peliacuteculas copiadas eacute de US$ 3

bilhotildeesrdquo afirma Naim Enquanto a lavagem de dinheiro segundo o Fundo Monetaacuterio

Internacional (FMI) hoje representa mais de 10 da economiacutea mundial ldquoO que ocorre

no Chile acontece em Washington Milatildeo e Nova York O normal em uma cidade do

mundo eacute que ao caminhar pelas ruas vocecirc encontre vendedores ambulantes que

comerciam produtos falsificadosrdquo afirma Naim E o efeito disso eacute que as ideias

tradicionais de proteccedilatildeo de propriedade intelectual estatildeo sendo minadas ldquoO mundo tem

funcionado sob a premissa de que haacute que se proteger a propriedade intelectual e que essa

garantia eacute dada pelo governo Essa ideia jaacute natildeo eacute vaacutelidardquo Naim assinala que aqueles que

tecircm uma criaccedilatildeo jaacute natildeo podem contar com os governos para que esses protejam sua

propriedade ldquoJaacute natildeo haacute que se chamar um advogado para que este certifique uma patente

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isso eacute uma ilusatildeo Eacute melhor chamar um engenheiro ou cientista que busque a maneira de

tornar mais difiacutecil a coacutepiardquo64

O controle tecnocientiacutefico da hiper-reprodutibilidade redunda em uma verdadeira

expropriaccedilatildeo ou depredaccedilatildeo de todo o patrimocircnio cultural e geneacutetico dos mais fracos Daiacute

que a coacutepia natildeo autorizada impugna a ordem da nova economia e neste sentido eacute tido

como ato de legiacutetima defesa dos setores marginalizados da corrente principal do

capitalismo global A questatildeo do direito agrave reprodutibilidade estaacute no centro do debate

contemporacircneo e determinaraacute sem duacutevida a rapidez da expansatildeo e penetraccedilatildeo da

hiperindustrializaccedilatildeo da cultura assim como as modalidades de resistecircncia das diversas

comunidades e naccedilotildees Como escreve Bernard Stiegler ldquoA tomada de controle

sistemaacutetico dos patrimocircnios significa que a partir de agora a hiper-reprodutibilidade

digital se aplica a todos os domiacutenios da vida humana que constituem outros tantos novos

mercados para continuar com o desenvolvimento tecnoindustrial o que se denomina agraves

vezes lsquoa nova economiarsquo de onde a questatildeo se converte evidentemente na de se saber

quem deteacutem o direito de reproduzir e com ele de definir os modelos dos processos de

reproduccedilatildeo como aqueles que devem ser reproduzidos A questatildeo eacute quem seleciona e

com que criteacuteriosrdquo 65

Um dos centros de produccedilatildeo da hiperinduacutestria cultural se encontra natildeo haacute a menor

duacutevida em Hollywood o que se constitui como um fato poliacutetico de primeira ordem ldquoO

poder estadounidense muito antes que sua moeda ou seu exeacutercito eacute a forja de imagens

hollywoodiana eacute a capacidade de produzir siacutembolos novos modelos de vida e programas

de conduta por meio do domiacutenio das induacutestrias de programas ao niacutevel mundialrdquo66 Se eacute

certo que a modernidade se materializa na teacutecnica haveria que agregar que dita

64 Traacutefico iliacutecito o negoacutecio mais global e lucrativo do mundo Santiago El Mercurio 18 de fevereiro de

2007 65 STIEGLER op cit p 368 66 Op cit p 171

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materializaccedilatildeo teve lugar na Ameacuterica do Norte a qual mostra dois rostos promessa e

ameaccedila ldquoOs Estados Unidos hoje seguem parecendo o paiacutes onde se realiza o devir

Inclusive se agora esse devir agraves vezes parece infernal e monstruoso ao resto do mundo

sem devir Tal eacute tambeacutem quiccedilaacute a novidade No contexto da globalizaccedilatildeo de fato efetivada

tendo em conta em particular a integraccedilatildeo digital das tecnologias de informaccedilatildeo e de

comunicaccedilatildeo os Estados Unidos parecem constituir a uacutenica potecircncia verdadeiramente

mundial mas tambeacutem e cada vez mais uma potecircncia intrisincamente imperial

dominadora e ameaccediladorardquo67

Neste seacuteculo que comeccedila assistimos agrave apropriaccedilatildeo das mnemotecnologias e dos sistemas

retencionais pela via da alta tecnologia digital isto eacute a apropriaccedilatildeo da memoacuteria e do

imaginaacuterio em escala mundial No acircmbito latino-americano a hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura representaria uma deacutecalage e uma clara ameaccedila a tudo aquilo que constituiu a sua

proacutepria cultura e suas identidades profundas68 Sua defesa natildeo obstante tem sido

infestada de uma seacuterie de mal-entendidos e ingenuidades

67 Op cit p 185 68Martiacuten-Barbero apresenta uma hipoacutetese afim quando escreve ldquoSe trata da natildeo-contemporaneidade entre

os produtos culturais que satildeo consumidos e o lugar o espaccedilo social e cultural desde que esses produtos

satildeo consumidos olhados ou lidos pelas maiorias na Ameacuterica Latinardquo Em toda a sua radicalidade a tese de

Martin-Barbero adquire o caraacuteter de uma verdadeira esquizofrenia ldquoNa Ameacuterica Latina a imposiccedilatildeo

acelerada dessas tecnologias aprofunda o processo de esquizofrenia entre a maacutescara da modernizaccedilatildeo que

a pressatildeo das transnacionais realiza e as possibilidades reais de apropriaccedilatildeo e identificaccedilatildeo culturalrdquo

Examinemos de perto esta hipoacutetese de trabalho Podemos observar que a afirmaccedilatildeo mesma aponta em duas

ordens de questotildees que se nos apresentam ligadas por um lado a ldquoimposiccedilatildeo de tecnologiasrdquo e por outro

as ldquopossibilidades reais de apropriaccedilatildeordquo Desde nosso ponto de vista a primeira se inscreve em uma

configuraccedilatildeo econocircmico-cultural na qual as novas tecnologias satildeo o fruto da expansatildeo da oferta a novos

mercados assim nos convertemos em terminais de consumo de uma seacuterie de produtos criados nos

laboratoacuterios das grandes corporaccedilotildees produtos por certo que natildeo satildeo soacute materiais (hardwares) senatildeo muito

especialmente imateriais (softwares) A segunda afirmaccedilatildeo contida na hipoacutetese tem relaccedilatildeo com os modos

de apropriaccedilatildeo de ditas tecnologias ou seja remete a modos de significaccedilatildeo Poderiacuteamos reformular a

hipoacutetese de Martin-Barbero nos seguintes termos a Ameacuterica Latina vive uma clara assimetria em seu

regime de significaccedilatildeo jaacute que sua economia cultural estaacute fortemente dissociada dos modos de significaccedilatildeo

Observamos em nosso autor uma ecircnfase importante a respeito do popular como princiacutepio identitaacuterio chave

de resistecircncia e mesticcedilagem Surge poreacutem a suspeita de que jaacute natildeo resulta tatildeo evidente afirmar uma cultura

popular em meio agraves sociedades submetidas a acelerados processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

MARTIacuteN-BARBERO Oficio de cartoacutegrafo Santiago FCE 2002 p 178 Citado em CUADRA

Paisajes virtuales (e-book) p101 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones

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As poliacuteticas culturais dos governos da regiatildeo mais ocupadas em preservar o patrimocircnio

monumental e folcloacuterico com propoacutesitos turiacutesticos natildeo observam os riscos impliacutecitos em

suas poliacuteticas de adoccedilatildeo de novas tecnologias cuja uacuteltima fronteira eacute no momento a

televisatildeo digital de alta definiccedilatildeo Um bom exemplo a respeito de certos paradoxos

poliacuteticos em ldquodefesa do proacutepriordquo nos oferece Nestor Garciacutea Canclini a propoacutesito de

Tijuana cuja prefeitura registrou o ldquobom nome da cidaderdquo para protegecirc-lo de seu uso

midiaacutetico-publicitaacuterio ldquoA pretensatildeo de controlar o uso do patrimocircnio simboacutelico de uma

cidade fronteiriccedila apenas a duas horas de Hollywood se tornou ainda mais extravagante

nessa eacutepoca globalizada em que grande parte do patrimocircnio se forma e se difunde mais

aleacutem do territoacuterio local nas redes invisiacuteveis dos meios de comunicaccedilatildeo Eacute uma

consequecircncia paroacutedica de reivindicar a interculturalidade como oposiccedilatildeo identitaacuteria em

vez de analisaacute-la de acordo com a estrutura das interaccedilotildees culturaisrdquo69

Natildeo nos esqueccedilamos de que paralela a uma ldquoamericanizaccedilatildeordquo da Ameacuterica Latina se torna

manifesta uma ldquolatinizaccedilatildeordquo da cultura norte-americana Isso que constatamos em nosso

continente haveria que extendecirc-lo a diversas culturas do planeta fundindo-se naquilo que

nomeamos como cultura internacional popular ou cultura global Duas consideraccedilotildees

primeira destaquemos o papel central que cabe agraves novas tecnologias no que diz respeito

aos fenocircmenos interculturais e agrave escassa atenccedilatildeo que se tem prestado a esta questatildeo tanto

no acircmbito acadecircmico como poliacutetico Segunda consideraccedilatildeo notemos que longe de

marchar em direccedilatildeo agrave uniformizaccedilatildeo cultural atraveacutes dos mass media como predisse

Adorno ocorre exatamente o contraacuterio estamos submersos em uma cultura cuja marca eacute

a pluralidade

Essa pluralidade natildeo garante necessariamente uma sociedade mais democraacutetica Aleacutem

do mais se poderia afirmar que a mencionada multiculturalidade construiacuteda desde as

69 CANCLINI La globalizacioacuten imaginada p 98

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margens e fragmentos eacute o correlato cultural do tardo-capitalismo na era da globalizaccedilatildeo

desterritorializada hipermassiva e ao mesmo tempo personalizada Em poucas palavras

eacute a forma cultural ldquohipermodernardquo cuja melhor garantia de sustentar a adoccedilatildeo ao niacutevel

mundial dos fluxos simboacutelicos materiais e tecnoloacutegicos eacute precisamente atender agrave

diferenccedila Como alega Stiegler ldquoA modernidade que comeccedila antes da Revoluccedilatildeo

Industrial mas que da qual essa eacute a realizaccedilatildeo histoacuterica efetiva e massiva designa a

adoccedilatildeo de uma nova relaccedilatildeo com o tempo o abandono do privileacutegio da tradiccedilatildeo a

definiccedilatildeo de novos ritmos de vida e hoje uma imensa comoccedilatildeo das condiccedilotildees da vida

mesma tanto em seu substrato bioloacutegico como no conjunto de seus dispositivos

retencionais o que finalmente desemboca em uma revoluccedilatildeo industrial da transmissatildeo e

das condiccedilotildees mesmas da sua adoccedilatildeordquo70

A hiperindustrializaccedilatildeo da cultura soacute eacute concebiacutevel em sociedades permeaacuteveis agrave adoccedilatildeo e

agrave inovaccedilatildeo permanentes isto eacute sociedades sincronizadas ao ritmo da hiper-reproduccedilatildeo

tecnoloacutegica e simboacutelica Os vetores que materializam a adoccedilatildeo e com ela a tecnologia e

a modernidade satildeo os meios de comunicaccedilatildeo determinados por sua vez por estrateacutegias

definidas de marketing Eles seratildeo os encarregados de reconfigurar a vida cotidiana

atraveacutes do consumo simboacutelico e material tal reconfiguraccedilatildeo eacute agora em si plural e

diversa pois ldquoA hegemonia cultural eacute desnecessaacuteria Uma vez que a escolha do

consumidor fica estabelecida como o eixo lubrificado do mercado em torno do qual giram

a reproduccedilatildeo do sistema a integraccedilatildeo social e os modos de vida individuais lsquoa variedade

cultural a heterogeneidade de estilos e a diferenciaccedilatildeo dos sistemas de crenccedilas se

convertem nas condiccedilotildees de seu ecircxitorsquordquo 71

Em uma cultura hipermoderna e acelerada de fluxos a condiccedilatildeo mesma da obra de arte

se funda em sua hiper-reprodutibilidade a arte se torna performaacutetica A arte se faz uma

70 STIEGLER op cit p 149 71 BAUMAN Intimations of Postmodernity New YorkLondres Routledge 1992 Citado por LYON

Postmodernidad p 120

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realidade de fluxos e existe enquanto fruiccedilatildeo em sua condiccedilatildeo de exibiccedilatildeo objeto uacutenico

e ao mesmo tempo hipermassivo A nova aisthesis estaacute determinada pelos modos de

significaccedilatildeo e as possibilidades expressivas da arte virtual na Web o viacutedeo a televisatildeo

e o poacutes-cinema Os novos sistemas retencionais transformaram a experiecircncia e o

sensorium colocando em fluxo novos significantes desvelando a materialidade dos

signos que a determinam

A obra de arte enquanto hiperindustrial estabelece a sincronia plena de seus fluxos

expressivos com os fluxos de consciecircncia de milhotildees de seres Neste sentido se pode

suspeitar que a noccedilatildeo mesma de patrimocircnio cultural foi levada ao limite pois se trata

de um patrimocircnio em vias de sua desterritorializaccedilatildeo e no limite de sua desrealizaccedilatildeo

Frente a tal paisagem as retoacutericas de museu e as bem inspiradas poliacuteticas culturais dos

Estados que insistem no patrimonial mascaram na maioria das vezes cartotildees postais

para o turismo ou a propaganda Tal tem sido a estrateacutegia de cidades emblemaacuteticas

tornadas iacutecones da cultura como Veneza ou Pariacutes72 De fato a Franccedila foi a primeira naccedilatildeo

democraacutetica a elevar a cultura agrave categoria ministerial em 1959 inaugurando com isso uma

tendecircncia que tem sido replicada de maneira entusiasmada por muitos Estados latino-

americanos como signo inequiacutevoco de uma democracia progressista

6 Hiper-reprodutibilidade identidade e redes

De acordo com a nossa linha de pensamento o problema da hiper-reprodutibilidade

ocupa um lugar de destaque na reflexatildeo contemporacircnea sobre a cultura tanto desde um

ponto de vista teoacuterico-comunicacional como desde um ponto de vista histoacuterico-poliacutetico

Como sustenta Lorenzo Vilches ldquoA nova ordem social e cultural que comeccedilou a se

instalar no seacuteculo XXI obrigaraacute a revisar as teorias da recepccedilatildeo e da mediaccedilatildeo que potildeem

72 A este respeito pode resultar ilustrativa uma criacutetica conservadora agraves poliacuteticas culturais do governo

socialista francecircs na deacutecada dos anos 1980 apresentada por Marc Fumaroli que em seu momento resultou

bastante polecircmica e natildeo isenta de interesse Ver FUMAROLI M LEtat culturel essai sur una religion

moderne Paris Editions de Fallois1991

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em destaque conceitos como identidade cultural resistecircncia dos espectadores

hibridizaccedilatildeo cultural etc A nova realidade de migraccedilatildeo das empresas de

telecomunicaccedilotildees torna cada vez mais difiacutecil sustentar os discursos de integraccedilatildeo das

audiecircncias com a sua realidade nacional e culturalrdquo 73

A hiperinduacutestria cultural implica uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica enquanto modifica as

regras constitutivas do que entendemos por ldquoculturardquo A desestabilizaccedilatildeo dos sistemas

retencionais terciaacuterios supotildee uma maior transformaccedilatildeo em nossa relaccedilatildeo com os signos

o espaccedilo-tempo e toda possibilidade de representaccedilatildeo e saber Isso se traduz em uma total

reconfiguraccedilatildeo dos modos de significaccedilatildeo O alcance da mutaccedilatildeo em curso se torna

evidente se os entendemos como o correlato da nova economia cultural aplicada ao niacutevel

mundial Os modos de significaccedilatildeo aparecem pois sedimentados como o repertoacuterio dos

possiacuteveis perceptos histoacutericos isto eacute como um sensorium hipermassificado pedra

angular do imaginaacuterio social da identidade cultural e do horizonte do concebiacutevel

A importacircncia que adquire hoje a hiper-reprodutibilidade como condiccedilatildeo de possibilidade

de uma hiperindustrializaccedilatildeo cultural toma a forma de uma luta ao niacutevel mundial pelo

controle do mercado simboacutelico e com isso das consciecircncias ldquoNessa nova sociedade da

comunicaccedilatildeo o tempo integral dos indiviacuteduos passa a ser objeto de comercializaccedilatildeo As

massas inertes indiferentes e socialmente indefinidas do poacutes-modernismo imigram ateacute os

novos territoacuterios de uma sociedade que lhes oferece junto com a comunicaccedilatildeo e a

informaccedilatildeo uma experiecircncia vital uma nova miacutestica de pertencimento identitaacuterio que

nem as culturas locais nem o nacionalismo e nem a religiatildeo satildeo capazes de oferecer agraves

novas geraccedilotildeesrdquo74

Eacute claro que a hiperindustrializaccedilatildeo da cultura tende a desestabilizar os coacutedigos identitaacuterios

tradicionais Essa tendecircncia deve ser no entanto matizada enquanto que os processos de

73 VILCHES op cit p 29 74 Op cit p 57

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adoccedilatildeo de novas tecnologias e os modos de significaccedilatildeo que lhe satildeo proacuteprios natildeo se

verificam de imediato assemelhando-se mais a uma revoluccedilatildeo ampla quer dizer estatildeo

mediados por uma sorte de training ou aprendizagem social75 Natildeo obstante devemos

considerar que entre os condicionantes da identidade cultural os meios de comunicaccedilatildeo

ocupam de forma crescente um papel de destaque Como explica Larraiacuten ldquoO meio teacutecnico

de transmissatildeo de formas culturais natildeo eacute neutro no diz respeito aos conteuacutedos Contribui

para a fixaccedilatildeo de significados e a sua reprodutibilidade ampliada facilitando assim novas

formas de poder simboacutelico Sem duacutevida a televisatildeo tem sido um dos meios que mais

influenciam na massificaccedilatildeo da cultura tanto pelo reconhecido poder de penetraccedilatildeo das

imagens eletrocircnicas como pela facilidade de acesso a elasrdquo76

Se bem que devamos reconhecer o papel preponderante da televisatildeo na desestabilizaccedilatildeo

das ancoragens identitaacuterias tradicionais essa tecnologia manteacutem todavia uma distacircncia

em relaccedilatildeo ao espectador oferecendo-lhe uma representaccedilatildeo audiovisual do mundo A

televisatildeo enquanto terminal relacional natildeo torna patente sua materialidade tecnoloacutegica

A rede IP ao contraacuterio soacute eacute concebiacutevel como materialidade tecnoloacutegica ldquoEnquanto a

televisatildeo leva os indiviacuteduos a uma compreensatildeo cultural do mundo como o foram a

muacutesica e a literatura desde sempre a Internet e as teletecnologias conduzem ao

desenvolvimento de uma compreensatildeo teacutecnica da realidade Tratam-se de accedilotildees teacutecnicas

que permitem a compreensatildeo das relaccedilotildees sociais comerciais e cientiacuteficasrdquo77

A televisatildeo natildeo tem apresentado um desenvolvimento linear e homogecircneo pelo contraacuterio

tem sido posta alternativamente a serviccedilo dos Estados ou do mercado ou de ambos Em

termos gerais se fala de paleotelevisatildeo para caracterizar aquele projeto de tradiccedilatildeo

75 Benjamin desde a dicotomia marxista claacutessica infraestrutura-superestrutura intui algo similar quando

escreve ldquoA transformaccedilatildeo da superestrutura que ocorre muito mais lentamente que a da infraestrutura

necessitou de meio seacuteculo para fazer vigente em todos os campos da cultura a mudanccedila das condiccedilotildees de

produccedilatildeordquo Benjamin Discursos interrumpidos I p 18 76 LARRAIacuteN Identidad chilena p 242 77 VILCHES op cit p 183

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ilustrada na qual o meio eacute pensado como instrumento civilizador das massas colocando

os canais aos cuidados de universidades ou do proacuteprio Estado A neotelevisatildeo

corresponderia agrave liberalizaccedilatildeo do meio assim a relaccedilatildeo professoraluno eacute substituiacuteda por

aquela de ofertanteconsumidor Por uacuteltimo na atualidade esse meio estaria se

transformando em um tipo de poacutes-televisatildeo na qual se abandona toda forma de dirigismo

convidando os puacuteblicos a participar e interagir com o meio78

Esse afatilde midiaacutetico por integrar a suas audiecircncias e com isso uma certa indistinccedilatildeo entre

autor e puacuteblico natildeo eacute tatildeo novo como se pretende jaacute Benjamin advertia essa tendecircncia na

induacutestria cultural pretelevisiva concretamente na imprensa e no nascente cinema russo

ldquoCom a crescente expansatildeo da imprensa que proporcionava ao puacuteblico leitor novos

oacutergatildeos poliacuteticos religiosos cientiacuteficos profissionais e locais uma parte cada vez maior

desses leitores passou por enquanto ocasionalmente para o lado dos que escrevem A

coisa comeccedilou ao abrir-lhes sua caixa de correio agrave imprensa diaacuteria hoje ocorre que raro

eacute o europeu inserido no processo de trabalho que natildeo haja encontrado alguma vez uma

ocasiatildeo qualquer para publicar uma experiecircncia laboral uma queixa uma reportagem ou

algo parecido A distinccedilatildeo entre autores e puacuteblico estaacute portanto a ponto de perder seu

caraacuteter sistemaacutetico Se converte em funcional e discorre de maneira e circunstacircncias

distintas O leitor estaacute sempre disposto a passar a ser um escritorrdquo79 Essa indistinccedilatildeo a

que alude Benjamin aparece objetivada atualmente na noccedilatildeo de usuaacuterio verdadeiro

noacutedulo funcional das redes digitais A noccedilatildeo de ldquousuaacuteriordquo se faz extensiva a todos os

78 Agrave catequese estatal ou acadecircmica seguiu-se o fragor publicitaacuterio dos anos 1990 ambos fixados en uma

emissatildeo unipolar dirigista Na era da personalizaccedilatildeo a interatividade toma distintas formas mas

principalmente o chamado talk show A promessa da postelevisatildeo eacute a interatividade total do lado de

novas tecnologias A presenccedila cada vez mais niacutetida do popular interativo na agenda televisiva gera todo

tipo de criacuteticas desde o olhar aristocraacutetico que vecirc nesta televisatildeo a irrupccedilatildeo do plebeu ateacute um olhar

populista que celebra esta presenccedila como uma verdadeira democracia direta Mais aleacutem dos

preconceitos entretanto fica claro que a nova televisatildeo interativa estaacute transformando natildeo o imaginaacuterio

poliacutetico dos cidadatildeos e sim o imaginaacuterio do consumo desde um consumidor passivo em direccedilatildeo a um

novo perfil mais ativo Ver CUADRA op cit p143 79 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 40

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meios de comunicaccedilatildeo na exata medida em que esses adotam a nova linguagem de

equivalecircncia digital80

As linguagens audiovisuais em particular a televisatildeo permitem viver cotidianamente

uma certa identidade e uma legitimidade em qualquer parte enquanto satildeo capazes de

atualizar uma memoacuteria no espaccedilo virtual Assim em qualquer lugar do mundo um

imigrante pode viver cotidianamente um tipo de bolha midiaacutetica raacutedio imprensa e

televisatildeo em tempo real em sua proacutepria liacutengua referindo-se a seu lugar de origem e a

seus interesses particulares mantendo uma comunicaccedilatildeo iacutentima com seu grupo de

pertencimento Em suma a experiecircncia da identidade jaacute natildeo encontra seu arraigamento

imprescindiacutevel na territorialidade Os processos de hiperindustrializaccedilatildeo da cultura

implicam entre muitas outras coisas em uma disseminaccedilatildeo das culturas locais e novas

formas comunitaacuterias virtuais Seja se se trata de latino-americanos em Nova York aacuterabes

na Franccedila ou turcos na Alemanha o certo eacute que os processos de integraccedilatildeo tradicionais

se encontram com essa nova realidade rosto ineacutedito da globalizaccedilatildeo

Se a Rede serve para preservar identidades culturais fora da dimensatildeo territorial serve ao

mesmo tempo para substituir ditas identidades em um jogo ficcional subjetivo O relativo

anonimato do usuaacuterio assim como a sensaccedilatildeo de ubiquidade permite que os indiviacuteduos

empiacutericos construam identidades fictiacutecias que transgridem natildeo soacute o nome proacuteprio ou a

identidade sexual senatildeo qualquer outro traccedilo diferenciador

Eacute interessante destacar o duplo movimento que se produz no que podemos chamar de

cultura global por um lado se padroniza uma cultura internacional popular em um

movimento de homogeneizaccedilatildeo por outro se tende agrave diferenciaccedilatildeo extrema dos

80 Na atualidade se observa que a rede de redes estaacute absorvendo os diferentes meios isto eacute assim porque a

nova linguagem de equivalecircncia digital torna possiacutevel armazenar e transmitir sons imagens fixas e viacutedeo

do mesmo modo que o raacutedio a imprensa e a televisatildeo encontram seu lugar nos formatos da Web Nos anos

vindouros se pode esperar uma convergecircncia mediaacutetica nos formatos digitais uma tela de plasma que

permita o acesso agrave Internet que incluiraacute todos os meios e nanomeios disponiacuteveis em tempo real

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consumidores Homogeneizaccedilatildeo e diferenciaccedilatildeo satildeo forccedilas constitutivas do atual

desdobramento do tardo-capitalismo no qual qualquer noccedilatildeo de identidade tenha entrado

na loacutegica mercantil As estrateacutegias de marketing constroem um imaginaacuterio variado que

natildeo necessita hegemonia alguma mas pelo contraacuterio uma flexibilidade que assegure os

fluxos de mercadorias materiais e simboacutelicas81

7 Fiat ars pereat mundus

O ensaio de Benjamin termina com um humor pessimista e categoacuterico Sua condenaccedilatildeo

se dirige aos postulados futuristas ldquoTodos os esforccedilos por um esteticismo poliacutetico

culminam em um soacute ponto Dito ponto eacute a guerra A guerra e somente ela torna possiacutevel

dar uma meta a movimentos de massa em grande escala conservando ao mesmo tempo

as condiccedilotildees herdadas da propriedade Assim eacute como se formula o estado da questatildeo

desde a poliacutetica Desde a teacutecnica se formula do seguinte modo soacute a guerra torna possiacutevel

mobilizar todos os meios teacutecnicos do tempo presente conservando ao mesmo tempo as

condiccedilotildees da propriedaderdquo82 O contexto histoacuterico de 1936 estaacute assinalado pela aventura

fascista na Etioacutepia e pela Guerra Civil Espanhola entretanto os fundamentos esteacuteticos e

poliacuteticos satildeo anteriores agrave Primeira Guerra Mundial

81 Desde que T Levitt cunhou o termo globalizaccedilatildeo em 1983 tem acelerado um processo de recomposiccedilatildeo

mundial no qual o papel de protagonista da induacutestria manufatureira cedeu seu lugar agraves induacutestrias do

conhecimento Se o complexo militar-industrial teve algum sentido durante a chamada Guerra Fria hoje

eacute o complexo militar-midiaacutetico o novo noacute em torno do qual se organizam as novas redes que redistribuem

o poder A Ameacuterica Latina em geral e o Chile em particular tem conhecido jaacute os novos desenhos soacutecio-

culturais neoliberais sob a tutela do FMI jaacute haacute mais de duas deacutecadas Uma parte central destes novos

desenhos se baseia nos dispositivos comunicacionais especialmente na maacutequina midiaacutetico-publicitaacuteria ela

eacute a encarregada de transgredir as fronteiras nacionais violentando os espaccedilos culturais locais A economia

global natildeo soacute dissolve os obstaacuteculos poliacuteticos locais senatildeo a ordem poliacutetica mesmo Nasce assim uma

estrateacutegia que quer alcanccedilar sua maacutexima performatividade conjugando o global e o local agrave globalizaccedilatildeo

No iniacutecio de um novo milecircnio assistimos agrave emergecircncia de um impeacuterio mundial da comunicaccedilatildeo que

concentra cada vez em menos matildeos a propiedade das grandes cadeias televisivas publicitaacuterias e de

distribuiccedilatildeo cinematograacutefica Ver CUADRA op cit p 127 82 BENJAMIN op cit p 56

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Natildeo podemos nos esquecer de que jaacute em junho de 1909 F T Marinetti publica seu

Manifesto Futurista que seduziraacute muitos poetas e artistas com seu chamado agrave

modernolatria e um novo e agressivo estilo fascista que glorifica a guerra ldquoNoi vogliamo

glorificare la guerra sola igiene del mondo il militarismo il patriotismo il gesto

distruttore dei libertari le belle idee per cui si muore e il disprezzo della donnardquo83 O

Futurismo seraacute um dos pilares do nascente movimento revolucionaacuterio fascista na Itaacutelia

pois juntamente com o nacionalismo radical e ao sindicalismo revolucionaacuterio no poliacutetico

seraacute o Futurismo aquele que contribuiraacute com um apoio entusiasta do vanguardismo

cultural da eacutepoca84 Pode-se sustentar que o texto benjaminiano estaacute estruturado sobre um

duplo movimento tanto de aberturas a novos conceitos mas ao mesmo tempo de

clausuras portas expressamente fechadas a qualquer utilizaccedilatildeo poliacutetica em prol do

fascismo nesse sentido estamos diante de um texto lucidamente antifascista 85

O advento da reprodutibilidade teacutecnica aniquila o irrepetiacutevel massificando os objetos

transformando a experiecircncia humana e tal como pensou Benjamin tornando possiacutevel a

irrupccedilatildeo totalitaacuteria ldquoA humanidade que outrora em Homero era objeto de espetaacuteculo

para os deuses oliacutempicos se converteu agora em um espetaacuteculo de si mesma Sua

autoalienaccedilatildeo tem alcanccedilado um grau que lhe permite viver sua proacutepria destruiccedilatildeo como

um gozo esteacutetico de primeira ordemrdquo86

Eacute interessante observar como Walter Benjamin desnuda a relaccedilatildeo entre o advento do

totalitarismo e a teacutecnica como nova forma de condicionamento das massas ldquoAgrave

reproduccedilatildeo massiva corresponde com efeito agrave reproduccedilatildeo das massas A massa se vecirc nos

grandes desfiles festivos nas assembleacuteias-monstro nas enormes celebraccedilotildees desportivas

83 MARINETTI et al Manifesto del futurismo Firenze Edizione Lacerba 1914 p 6 Citado por

YURKIEVICH Modernidad de Apollinaire p33 84 STERNHELL El nacimiento de la ideologiacutea fascista p 38 e seguintes 85 Natildeo nos esqueccedilamos de que o mesmo Benjamin escreve ldquoOs conceitos que seguidamente introduzimos

pela primeira vez na teoria da arte se distinguem dos usuais na medida em que resultam inuacuteteis para os fins

do fascismo Ao contraacuterio satildeo utilizaacuteveis para a formaccedilatildeo de exigecircncias revolucionaacuterias na poliacutetica

artiacutesticardquo BENJAMIN op cit p18 86 Op cit p 57

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e na guerra fenocircmenos todos que passam diante da cacircmera Este processo cujo alcance

natildeo necessita ser sublinhado estaacute em relaccedilatildeo estrita com o desenvolvimento da teacutecnica

reprodutiva e da filmagem Os movimentos de massa se expotildeem mais claramente diante

dos aparatos que diante do olho humanordquo87 Isto eacute precisamente o que logrou Leni

Riefenstahl em seu documentaacuterio de propaganda Triumph des Willens (O triunfo da

vontade) que registrou o Congresso do Partido Nazista en 1934 verdadeira mise en scegravene

para cativar as massas alematildes em uma eacutepoca preacute-televisiva Isto que eacute vaacutelido para as

massas o eacute tambeacutem para os ditadores e estrelas do cinema Como escreve Benjamin ldquoO

raacutedio e o cinema natildeo soacute modificam a funccedilatildeo do ator profissional senatildeo que modificam

tambeacutem aqueles como os governantes que se apresentam diante de seus mecanismos

Sem prejuiacutezo das diferentes obrigaccedilotildees especiacuteficas de ambos a direccedilatildeo de tal mudanccedila eacute

a mesma no que diz respeito ao ator de cinema e ao governante Aspira sob determinadas

condiccedilotildees sociais a exibir suas atuaccedilotildees de maneira mais comprobatoacuteria e inclusive de

forma mais assumida Do qual resulta uma nova seleccedilatildeo uma seleccedilatildeo diante desses

aparatos e dela saem vencedores o ditador e a estrela de cinemardquo88

Na eacutepoca da hiper-reprodutibilidade digital a poliacutetica e a guerra possuem alcances e

dimensotildees impensadas faz poucos anos Natildeo podemos deixar de evocar a queda das torres

no World Trade Center ou a invasatildeo transmitida em tempo real de paiacuteses inteiros como

eacute o caso do Iraque ou do Afeganistatildeo89 Na visatildeo de Benjamin as guerras imperialistas

87 Op cit p 55 88 Op cit p 38 89 O desastre do World Trade Center eacute o resultado de um atentado terrorista de novo cunho pois mostra as

possibilidades ineacuteditas de se encenar a violecircncia para milhotildees de pessoas no mundo Mais aleacutem das claras

conotaccedilotildees poliacuteticas econocircmicas eacuteticas e religiosas o primeiro que salta agrave vista eacute que a trageacutedia de Nova

York e em menor escala o ataque ao Pentaacutegono constituem o debut do poacutes-terrorismo um atentado

mediaacutetico em redehellip A televisatildeo norte-americana eacute por certo uma das mais desenvolvidas e ricas do

mundo Com os recursos tecnoloacutegicos financeiros e humanos para espalhar seu olhar sobre qualquer lugar

do globo eacute o agente ideal para relatar uma accedilatildeo daquela magnitude Todavia permanecem frescas na

memoacuteria as imagens de pessoas se lanccedilando no vazio da altura de centenas de metros enormes construccedilotildees

desmoronando envoltas em chamas e centenas de pessoas correndo desesperadas pelas ruas A televisatildeo

administra a visibilidade pois junto agravequilo que nos mostra nos oculta por traacutes dos primeiros momentos de

estupefaccedilatildeo o olhar televisivo comeccedila a ser regulado A construccedilatildeo do relato televisivo depende

estritamente da administraccedilatildeo de seu fluxo de imagens O continuum televisivo constroacutei assim um

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constituiacuteam uma contradiccedilatildeo estrutural do capitalismo ldquoA guerra imperialista estaacute

determinada em seus traccedilos atrozes pela discrepacircncia entre os poderosos meios de

produccedilatildeo e seu aproveitamento insuficiente no processo produtivo (em outras palavras

pela greve e a falta de mercados de consumo) A guerra imperialista eacute um erguimento da

teacutecnica que cobra no material humano as exigecircncias agraves quais a sociedade subtraiu seu

material natural Em lugar de canalizar rios dirige a corrente humana ao leito de suas

trincheiras em lugar de espalhar gratildeos desde seus aviotildees espalha bombas incendiaacuterias

sobre as cidades e a guerra de gases encontrou um meio novo para acabar com a aurardquo90

A humanidade contemporacircnea vive a sua proacutepria destruiccedilatildeo e a do planeta que a acolhe

ndash jaacute natildeo como um gozo meramente esteacutetico como pensou Benjamin senatildeo como um

tecnoespectaacuteculo em que o virtuosismo da tecnologia se funde agrave paixatildeo irracional e

niilista O desdobramento do tardo-capitalismo hipermoderno desloca a cultura mais aleacutem

do Bem e do Mal e em uma leitura heterodoxa e extrema haveria que concordar com

Baudrillard quando este escreve ldquoNatildeo haacute princiacutepio de realidade nem de prazer Soacute haacute um

princiacutepio final de reconciliaccedilatildeo e um princiacutepio infinito do Mal e da seduccedilatildeordquo 91 A figura

prototiacutepica que nos propotildee este pensador hipermoderno eacute Ubu o ceacutelebre personagem

patafiacutesico92 de Alfred Jarry ldquoQualquer tensatildeo metafiacutesica se dissipou sendo substituiacuteda

por um ambiente patafiacutesico ou seja pela perfeiccedilatildeo tautoloacutegica e grotesca dos processos

de verdade Ubuacute o intestino delgado e o esplendor do vazio Ubuacute forma plena e obesa

de uma imanecircncia grotesca de uma verdade deslumbrante figura genial repleta daquele

transcontexto virtual midiaacutetico no qual a Histoacuteria ndash com sua carga de infacircmias e violecircncia ndash eacute substituiacuteda

por um espaccedilo anacrocircnico meta-histoacuterico que se resolve em um presente perpeacutetuo de heroacuteis e vilotildees Ver

CUADRA Paisajes virtuales (e-book) p 68 e seguintes httpwwwcampus-oeiorgpublicaciones 90 BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 57 91 BAUDRILLARD Las estrategias fatales p 76 92 A patafiacutesica eacute uma paroacutedia da metafiacutesica aristoteacutelica acaso um primeiro intento poacutes-metafiacutesico se trata

de uma forma peculiar de raciociacutenio baseada em soluccedilotildees imaginaacuterias que dissolvem as categorias loacutegicas

do uso cuja proposiccedilatildeo eacute uma reconstruccedilatildeo em uma ars combinatoria em que prima o insoacutelito Thomas

Scheerer resume em sete teses fundamentais o pensamento patafiacutesico tomadas do livro de Roger Shattuch

Au seuil de la pataphysique (1950) texto doutrinaacuterio do Collegravege de pataphysique Veja SCHEERER T

Introduccioacuten a la patafiacutesica In Revista Chilena de Literatura Santiago n29 p 81-96 1987

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que absorveu tudo transgrediu tudo e brilha no vazio como uma soluccedilatildeo imaginaacuteriardquo 93

Se bem que agrave primeira vista se trate de uma filosofia ciacutenica haveria que considerar o

que esclarece o mesmo Baudrillard ldquo natildeo eacute um ponto de vista filosoacutefico ciacutenico eacute um

ponto de vista objetivo das sociedades e acaso de todos os sistemas A proacutepria energia do

pensamento eacute ciacutenica e imoral nenhum pensador que soacute obedeccedila agrave loacutegica de seus conceitos

jamais chegou a ver mais longe que de seu nariz Haacute que se ser ciacutenico se natildeo se quer

perecer e isto se se me permite dizecirc-lo natildeo eacute imoral o cinismo eacute da ordem secreta das

coisasrdquo 94

Jarry um outsider deu um passo decisivo em direccedilatildeo agrave nova consciecircncia poeacutetica que se

cristalizaraacute anos mais tarde com Apollinaire e Tristan Tzara No entanto a pataphysique95

tambeacutem nos prefigura um dos olhares atuais a respeito do social seja que o chamamos

poacutes-moderno ou hipermoderno96 aquele precisamente que proclama o festim siacutegnico

da cultura contemporacircnea ldquoNatildeo eacute nunca o Bem nem o Bom seja este o ideal e platocircnico

da moral ou o pragmaacutetico e objetivo da ciecircncia e da teacutecnica aqueles que dirigem a

mudanccedila ou a vitalidade de uma sociedade a impulsatildeo motora procede da libertinagem

seja esta a das imagens das ideias ou dos signosrdquo97

Mais aleacutem dos ingecircnuos desejos e de algumas visotildees ciacutenicas ou apocaliacutepticas fica claro

que assistimos agrave emergecircncia de um novo desenho soacutecio-cultural cujos eixos satildeo a

hipermidiatizaccedilatildeo e a virtualizaccedilatildeo Para grande parte da populaccedilatildeo atual os seus padrotildees

93 BAUDRILLARD op cit p 76 94 Op cit p 76 95 A pataphysique conteacutem o germe do que seraacute uma nova esteacutetica a esteacutetica da obra aberta do texto plural

presidido pelo jogo o humor e o absurdo pensemos no desenvolvimento de todo o repertoacuterio verbo-icoacutenico

dos quadrinhos e hoje em dia toda uma nova geraccedilatildeo de desenhos animados e seacuteries como os Simpsons

ou as gags da MTV para natildeo mencionar os muitos spots publicitaacuterios que nos assediam dia a dia pela

televisatildeo Isso foi captado com maestria pelo escultor colombiano Ospine que eacute capaz de recriar os iacutecones

da cultura de massas a partir dos estilos de culturas pre-hispacircnicas 96 Para um diagnoacutestico proacuteximo agrave nossa linha de pensamento enquanto uma modernizaccedilatildeo da modernidade

Ver LIPOVETSKY G Les temps hypermodernes Paris B Grasset 2004 97 BAUDRILLARD op cit p 77

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culturais as suas chaves identitaacuterias e as suas experiecircncias cotidianas com a realidade satildeo

configuradas e se nutrem da hiperinduacutestria cultural Este eacute o acircmbito no qual se constroacutei a

histoacuteria e o sentido da vida para a grande maioria plasma digital de onde se encenam os

abismos e horrores da hipermodernidade

A violecircncia e o horror tratados com uma ascese hiperobjetivista nos oferece a vertigem e

a seduccedilatildeo da guerra sentados na primeira fileira Nada parece suficiente para comover as

plateias hipermassivas Estamos longe daquele apelo benjaminiano que supunha as

massas ansiosas por suprimir as condiccedilotildees de propriedade98 nem a regressatildeo agraves

ideologias duras e nem militacircncias revolucionaacuterias Em compensaccedilatildeo constatamos a

consagraccedilatildeo plena do consumo e das imagens na materialidade dos significantes

desprovidos de sua conotaccedilatildeo histoacuterica e poliacutetica que nos mostram no dia a dia a

obscenidade brutal da destruiccedilatildeo e da morte

Todo apelo humanista eacute observado com indiferenccedila e na melhor das hipoacuteteses com

distacircncia e ceticismo Na eacutepoca hipermoderna se impotildee a busca do efeito Em um

universo performaacutetico todo discurso foi degradado agrave condiccedilatildeo de aacutelibi Quando as

instacircncias de legitimidade se esfumam soacute a accedilatildeo performaacutetica eacute capaz de gerar seu ersatz

um atentado o assassinato de uma pessoa ilustre um genociacutedio ou uma guerra

Diante do sentimento de cataacutestrofe com o qual se inaugura o presente seacuteculo jaacute ningueacutem

espera o advento de alguma utopia religiosa ou laica ldquoA teoriacutea criacutetica do comeccedilo do

seacuteculo XX e os movimentos sociais de signo socialista e anarquista veriam na acumulaccedilatildeo

crescente de fenocircmenos negativos de nossa civilizaccedilatildeo desde o empobrecimento

econocircmico da sociedade civil ateacute a degradaccedilatildeo esteacutetica das formas de vida o sinal de um

limite ao mesmo tempo espiritual e histoacuterico da sociedade industrial Um limite histoacuterico

98 Escreve Benjamin ldquoO fascismo tenta organizar as massas receacutem-proletarizadas sem tocar as condiccedilotildees

da propiedade que ditas massas urgem por suprimirrdquo BENJAMIN Discursos interrumpidos I p 55

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ou uma crise chamados a revelar uma nova ordem a partir do velho Semelhante

perspectiva revolucionaacuteria tem sido eliminada inteiramente de nossa visatildeo do futuro no

comeccedilo do seacuteculo XXIrdquo99 O ethos hipermoderno tem assimilado sua ldquocondiccedilatildeo histoacuterica

negativardquo100 e tem se enclausurado na pura performatividade alcanccedilando assim certa

imunidade frente agraves profecias do fim dos tempos sejam essas de inspiraccedilatildeo apocaliacuteptica

ou dialeacutetica

A mais de meio seacuteculo de distacircncia a criacutetica contemporacircnea a Benjamin se divide

segundo alguns em ldquocomentaristasrdquo e ldquopartidaacuteriosrdquo ldquoHoje as leituras de Benjamin se

dividem dois grandes grupos cujos nomes coloco entre aspas os lsquocomentaristasrsquo e os

lsquopartidaacuteriosrsquo Para dizecirc-lo de modo menos enigmaacutetico aqueles que pensam Benjamin

fundamentalmente em relaccedilatildeo a uma tradiccedilatildeo filosoacutefica ou criacutetica e aqueles que o pensam

como o filoacutesofo da ruptura As coisas natildeo satildeo simples mas eu deveria acrescentar que

para os lsquocomentaristasrsquo natildeo passa despercebida a ruptura introduzida por Benjamin no

marco da tradiccedilatildeo e os lsquopartidaacuteriosrsquo por sua vez reconhecem a tradiccedilatildeo mas

estabelecem com Benjamin um diaacutelogo fundado no presenterdquo101

Mais aleacutem da tipologia proposta haveria que sublinhar que o interesse atual por Walter

Benjamin soacute prova a fecundidade de seu pensamento convertido em referecircncia

obrigatoacuteria em qualquer reflexatildeo consistente sobre a cultura contemporacircnea Assim

Bernard Stiegler vai criticar os frankfurtianos nos seguintes termos ldquoSeu fracasso

consiste em natildeo haver compreendido que se eacute certo que a composiccedilatildeo das retenccedilotildees

primaacuterias e secundaacuterias que constitui o verdadeiro fenocircmeno do objeto temporal e que

explica que o mesmo objeto repetido duas vezes possa gerar dois fenocircmenos diferentes

se portanto eacute certo que esta composiccedilatildeo estaacute sobredeterminada pelas retenccedilotildees terciaacuterias

em suas caracteriacutesticas teacutecnicas e epokhales o centro da questatildeo das induacutestrias culturais

99 SUBIRATS op cit p 15 100 Op cit p 16 101 SARLO op cit p 72

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eacute entatildeo que estas constituem uma realizaccedilatildeo industrial e portanto sistemaacutetica de novas

tecnologias das retenccedilotildees terciaacuterias e atraveacutes delas de criteacuterios de seleccedilatildeo de um novo

tipo e neste caso submetido totalmente agrave loacutegica dos mercadosrdquo102

Contudo para colocar a reflexatildeo em certa perspectiva histoacuterica haveria que assinalar que

nenhum dos pensadores frankfurtianos pocircde sequer imaginar uma produccedilatildeo

tecnocientiacutefica total da realidade como acontece com os fluxos hiperindustriais por isso

mesmo isto marca um de seus limites como muito bem nos adverte Subirats ldquoA

limitaccedilatildeo histoacuterica verdadeiramente relevante da anaacutelise dos meios de reproduccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo de Horkheimer e Adorno assim como de Benjamin reside mais no fato de

omitir o que hoje podemos considerar como a uacuteltima consequecircncia de seu

desenvolvimento a inteira transformaccedilatildeo da constituiccedilatildeo subjetiva do humano ali onde

suas tarefas de percepccedilatildeo experiecircncia e interpretaccedilatildeo da realidade lhe satildeo raptadas e

suplantadas inteiramente pela produccedilatildeo teacutecnica massiva da realidade mesmardquo103

8 Consideraccedilotildees finais

Ao instalar a noccedilatildeo benjaminiana de reprodutibilidade da obra de arte no centro de uma

reflexatildeo para compreender o presente emerge um horizonte de comprensatildeo que nos

mostra os abismos de uma mutaccedilatildeo antropoloacutegica na qual estamos imersos Assistimos

efetivamente a uma transformaccedilatildeo radical de nosso regime de significaccedilatildeo o atual

desenvolvimento tecnocientiacutefico materializado na convergecircncia de redes informaacuteticas

de telecomunicaccedilotildees e linguagens audiovisuais tem tornado possiacutevel um novo niacutevel de

reprodutilbidade tanto no qualitativo como no quantitativo a isto chamamos hiper-

reprodutibilidade Isto permitiu a expansatildeo de uma hiperinduacutestria cultural rede de

fluxos planetaacuterios pelos quais circula toda produccedilatildeo simboacutelica que constroacutei o imaginaacuterio

da sociedade global contemporacircnea

102 STIEGLER op cit p 61 103 SUBIRATS Culturas virtuales p 14

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O novo regime de significaccedilatildeo se materializa sem duacutevida em uma economia cultural

cujos centros de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo se encontram no mundo desenvolvido mas cujos

terminais de consumo espalham sua capilaridade por todo o planeta Ao mesmo tempo e

conjuntamente com essa nova economia cultural se estaacute produzindo uma revoluccedilatildeo

soterrada sem precedentes uma mudanccedila nos modos de significaccedilatildeo Uma nova

linguagem de equivalecircncia digital absorve e reconfigura os sistemas de retenccedilatildeo

terciaacuterios convertendo-se na mnemotecnologia do amanhatilde A hiperindustrializaccedilatildeo da

cultura natildeo soacute eacute a nova arquitetura dos signos senatildeo do espaccedilo-tempo e de qualquer

possibilidade de representaccedilatildeo e saber

Os novos modos de significaccedilatildeo constituem no limite uma nova experiecircncia Se trata

por certo de uma construccedilatildeo histoacuterico-cultural fundamentada na percepccedilatildeo sensorial mas

cujo alcance nos processos cognitivos e na constituiccedilatildeo do imaginaacuterio redundam em um

novo modo de ser As novas tecnologias satildeo de fato a condiccedilatildeo de possibilidade dessa

experiecircncia ineacutedita de ser quer a chamemos shock ou extasis e tecircm alterado radicalmente

nosso Lebenswelt Essa nova organizaccedilatildeo da percepccedilatildeo soacute eacute compreensiacutevel como nos

ensinou Benjamin na relaccedilatildeo com os grandes espaccedilos histoacutericos e a seus contextos

tecnoeconocircmicos e poliacuteticos

Este novo estaacutegio da cultura confere agrave obra de arte na eacutepoca hipermoderna e com ela a

toda produccedilatildeo simboacutelica a condiccedilatildeo de presentificaccedilatildeo ontologicamente substantivada

plena e efecircmera A obra de arte se transforma em um objeto temporal fluxo

hipermidiaacutetico sincronizado com os fluxos de milhotildees de consciecircncias A nova

arquitetura cultural como as imagens de Escher se nos oferecem como um presente

perpeacutetuo no qual percebemos os relacircmpagos das redes de labirintos virtuais Satildeo as

imagens que nos seduzem cotidianamente aquelas que constituem nossa proacutepria memoacuteria

e mais radicalmente nossa proacutepria subjetividade Uma maneira obliacutequa e inacabada se

se quer de evidenciar que a heuriacutestica inaugurada por Walter Benjamin eacute suscetiacutevel a

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leituras contemporacircneas precisamente quando a reprodutibilidade teacutecnica se transformou

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