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Rocha Pombo A MORTE DO REI D.SEBASTIÃO, O DOMÍNIO DA ESPANHA E A PIRATARIA O domínio da Espanha (1580-1640) Foi em 1580 que Portugal e todas as suas colônias caíram sob a soberania do rei da Espanha. Havendo falecido o cardeal D. Henrique, último filho de D. Manuel, que sucedera em 1578 ao malogrado D. Sebastião, o trono português foi disputado por alguns pretendentes, dentre os quais o mais forte era Felipe II que, por parte de sua mãe, era neto do monarca venturoso. Apesar de preparada pelo próprio cardeal-rei, a anexação do reino não se fez sem alguns protestos dos portugueses, protestos esses facilmente abafados pelos exércitos espanhóis, sob o comando do tremendo duque de Alba e, afinal, anulados pelo voto das cortes de Thomar [Portugal], a 19 de abril de 1581. A grande expansão que o reino teve por mais de um século trouxera como consequência o enfraquecimento do seu poder político e o grande vácuo que se instalou, em seguida ao seu período de mais vivo esplendor.

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Page 1: A MORTE DO REI D.SEBASTIÃO, O DOMÍNIO DA ESPANHA E … · neste lado do Atlântico, onde não reinava o domínio dos Felipes. Assim, esta terra ficou sendo um asilo seguro, aberto

Rocha Pombo

A MORTE DO REI D.SEBASTIÃO,

O DOMÍNIO DA ESPANHA

E A PIRATARIA

O domínio da Espanha (1580-1640)

Foi em 1580 que Portugal e todas as suas colônias caíram sob a soberania

do rei da Espanha.

Havendo falecido o cardeal D. Henrique, último filho de D. Manuel, que

sucedera em 1578 ao malogrado D. Sebastião, o trono português foi disputado

por alguns pretendentes, dentre os quais o mais forte era Felipe II que, por parte

de sua mãe, era neto do monarca venturoso.

Apesar de preparada pelo próprio cardeal-rei, a anexação do reino não se fez

sem alguns protestos dos portugueses, protestos esses facilmente abafados

pelos exércitos espanhóis, sob o comando do tremendo duque de Alba e, afinal,

anulados pelo voto das cortes de Thomar [Portugal], a 19 de abril de 1581.

A grande expansão que o reino teve por mais de um século trouxera como

consequência o enfraquecimento do seu poder político e o grande vácuo que se

instalou, em seguida ao seu período de mais vivo esplendor.

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O domínio da Espanha aprofundara ódios antigos no coração dos

portugueses e, conquanto tivessem de se submeter à força, a alma nacional não

se deixou matar pelo despotismo estrangeiro. Tanto assim que, no primeiro

instante em que as circunstâncias o permitiram, a ressurreição da pátria se opera

sob os delírios de todo o povo, que parecia ter vivido dessa esperança durante

sessenta anos.

Em regra, os historiadores de Portugal se referem com amargura ao período

em que esteve o reino sujeito à tirania dos Felipes. Naturalmente, a situação a

que se viram, reduzidos a vassalos da coroa vizinha, a antiga rival na conquista

dos mares, e sofrendo a prepotência dos agentes espanhóis, não era de certo a

mais própria para consolar os portugueses do declínio de sua fortuna.

Felipe II da Espanha e Felipe I de Portugal

Enquanto, porém, o velho Portugal empobrecia na península, esmagado por

tributos e aviltamento, reduzido quase à condição de simples província do vasto

império espanhol, o espírito de nacionalidade parecia ressurgir daquela eclipse

em outro hemisfério.

Foi o Brasil o refúgio, por assim dizer, da alma portuguesa naquele doloroso

momento. Pelos fins do século 16 começou a fazer-se um verdadeiro êxodo para

o Brasil.

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Até então, quase todos os que vinham para a América eram aventureiros,

atraídos pelas notícias de riquezas fáceis. Tais elementos, em regra, não se

fixavam: eram ondas que se sucediam sem deixar aqui vestígios, a não ser o

das devastações.

A partir de 1580, porém, começaram a emigrar, do reino para as colônias, e

principalmente para o Brasil, os melhores elementos. Dir-se-ia que, tornando-se

um povo subalterno na Europa, os portugueses continuavam a entender que o

Brasil era sempre a sua antiga colônia, um pedaço de mãe-pátria sobrevivente

neste lado do Atlântico, onde não reinava o domínio dos Felipes. Assim, esta

terra ficou sendo um asilo seguro, aberto a todos os que se sentiam oprimidos

pela prepotência da Espanha.

Tanto lá da península como dos Açores, da Madeira, das ilhas Cabo Verde,

vinham numerosas famílias para o Brasil, convencidas de que encontrariam aqui

a velha pátria viva e renascente.

É preciso, mesmo, reconhecer, que o próprio governo de Madri compreendeu

logo a situação da vasta colônia e, por isso mesmo, tratou os interesses do Brasil

com uma indiferença que raiou, às vezes, por desídia: Não enviou imigrantes

espanhóis para contrabalançar a presença do elemento português e, pior ainda,

foi ao ponto de abandonar o país aos assaltos e à invasão de estrangeiros.

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Até 1640, durante sessenta anos, o Brasil manteve vivo o sentimento de

nacionalidade e permaneceu em colisão armada e tremenda com os intrusos,

dando provas, portanto, do vigor com que sabia defender-se.

Situação do Brasil em 1580

O sistema de colonização praticado pelo governo português não dava senão

resultados medíocres e tardios. Em menos de vinte anos, os ingleses, ocupando

a Virgínia [litoral Atlântico dos Estados Unidos], já se sentiam fortes para celebrar

sua primeira assembleia política e prover por si mesmos às necessidades de sua

administração.

Na América Latina, passados oitenta anos, populações dispersas em vastos

territórios, sem coesão social e sem outros intuitos a não ser a ambição de

fortuna, nada haviam feito que revelasse o propósito de assentar logo os

fundamentos do Estado futuro. Mesmo o progresso material era insignificante,

comparado com o que se fazia na Virgínia e em quase toda a costa oriental da

América do Norte, alguns anos depois da entrada dos colonos.

O espírito de aventura, e a ânsia de descobrir ouro, afastavam os colonos

válidos do trabalho rural, entregando-se a lavoura aos africanos e índios

escravizados. A lavoura principal era a da cana de açúcar, importada da ilha da

Madeira, cuja cultura se generalizou de São Vicente para outras capitanias,

tornando-se importante principalmente para Pernambuco.

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O número de engenhos em atividade, em diversas capitanias, pode ser

calculado em cerca de cento e cinquenta, sendo que quase a metade deles

estava em Pernambuco. O total da produção exportada subia a cerca de três

milhões de arrobas, sem computar-se, portanto, a quantidade usada no consumo

local.

Além do açúcar, embora em menor escala, a colônia exportava alguns outros

artigos, como algodão, tabaco, cereais, peles, pássaros vivos, etc. Nas

capitanias do Norte, o pau-brasil e algumas especiarias formavam um elemento

econômico de grande importância.

A criação desenvolvia-se principalmente nas capitanias de São Vicente, do

Espírito Santo, de Pernambuco e de Santo Amaro. Na de São Vicente, já se

ensaiavam algumas outras culturas da zona temperada, como a vinha, o trigo,

vários tipos de frutas, etc.

A instrução era ministrada unicamente pelos padres, havendo em cada

capitania pelo menos um colégio. Além do ensino primário, os padres limitavam-

se a ensinar o latim, como preparatório essencial para o curso de teologia. O

primeiro seminário já funcionava na Bahia desde os anos de 1560.

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A capitania mais próspera era a de Pernambuco, desde o princípio, dirigida

com muito acerto pelo respectivo donatário. Ali, a lavoura e a pecuária tomavam

notável incremento, contando-se por esse tempo com uns setenta engenhos,

além de muitas fazendas de criação.Tinha esta capitania uma população regular,

composta de forasteiros portugueses e africanos, e de índios catequizados.

Seguiam-se, na ordem de importância, as capitanias de São Vicente, da

Bahia, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. As outras iam em decadência, ou

pelo menos estacionavam.

Quase todas as capitanias se achavam, ainda, em poder dos herdeiros dos

respectivos donatários, pois o governo português sempre respeitara os direitos

decorrentes dos antigos contratos [forais]. Com o correr dos tempos, a coroa foi

indenizando os antigos concessionários, assumindo o controle de todas as

capitanias, a começar pela da Bahia, em 1548 [quando foi instalado o primeiro

Governo Geral].

Tomé de Sousa, Primeiro Governador Geral do Brasil

Pelos fins do século 16, a população de todo o domínio português na América

pode ser calculada em cerca de cinquenta mil habitantes morando em

ajuntamentos. Essa população dividia-se em quinze mil portugueses (do reino e

das ilhas), uns cinco mil mamelucos [mestiço de europeu com brasileira], uns

vinte mil índios mansos, reduzidos à condição servil e dez mil africanos.

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A administração civil era feita por um Governador Geral; a da Fazenda

Pública, por um Provedor-Mór; a da Justiça, por um Ouvidor-Geral. A autoridade

eclesiástica era exercida por um bispo da Bahia [Primaz] e pelo prelado do Rio

de Janeiro.

Eis aí, a traços gerais, o estado em que se achava o Brasil em 1580, quando,

juntamente com Portugal, teve de submeter-se à soberania da Espanha.

Manuel Teles Barreto, Governador

Geral pela Espanha

As notícias dos graves acontecimentos que se passavam na Metrópole foram

recebidas pelos colonos com muita reserva e só depois que viram reconhecida

a soberania da Espanha é que aceitaram a autoridade de Felipe II, ainda assim,

dispensando o juramento de fidelidade.

Estava, então, no Governo da Colônia, o digno e prudente Diogo Lourenço

da Veiga, o qual, apesar de sua avançada idade e dos sofrimentos que o

afligiam, inspirava plena confiança em todos e era considerado, como primeiro,

um elemento de ordem, num período de tão sérias complicações. Infelizmente,

veio ele a falecer na Bahia, em 1581, antes mesmo de saber qual o resultado

das negociações que se desenrolavam na Metrópole.

Uma nova situação se inaugurava na Colônia com o falecimento do

Governador. Na cidade de Salvador da Bahia, celebrou-se logo uma reunião dos

homens mais influentes, resolvendo-se constituir uma Junta que tomasse conta

do governo até a chegada do novo Governador Geral. Compuseram essa Junta

o Bispo diocesano, D. Antônio Barreiros, o Ouvidor Geral, Cosme Rangel

Macedo e um representante da Câmara da capital.

O governo desta Junta foi desastrado. Os seus membros se desavieram logo

e, entre eles, preponderou Rangel. Esse homem cometeu tais desatinos, e se

mostrou tão autoritário, que o Bispo se demitiu, ficando Cosme Rangel o único

senhor da situação.

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Governadores coloniais no Século 16

Tendo arranjado uma câmara que servilmente lhe confirmava os atos, Rangel

praticou toda sorte de desmandos, perseguindo atrozmente a todos que não

davam apoio incondicional a suas atitudes desvairadas.

Os homens de mais consideração na Colônia, tendo à frente o Bispo

demissionário, fizeram-se órgãos da população, representando para a metrópole

contra os atos de Rangel e pedindo com insistência a nomeação de um

Governador Geral.

Em princípios de 1583, foi este, afinal, nomeado, sendo o primeiro que vinha

para representar o soberano espanhol no Brasil. A nomeação recaiu sobre

Manuel Teles Barreto, que chegou à Bahia meses após, em junho ou julho de

1583, assumindo a administração sem mais delongas, no meio de geral alegria

dos povos.

Teles Barreto trazia instruções especiais referentes aos recursos de defesa

dos nossos portos. A Espanha se achava, então, em colisão com a França e a

Inglaterra, além de enfrentar uma insurreição geral na Holanda contra o

fanatismo de Felipe II [A Holanda ainda era uma colônia espanhola, mas de

religião protestante].

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Era prudente, pois, prevenir-se, nos seus extensos domínios de ultramar,

contra desforços prováveis dos numerosos inimigos que os ameaçavam. O novo

Governador, assim que entrou no exercício de seu cargo, deu providências no

sentido de se construírem fortificações em diversos pontos mais abertos, e de

se repararem as que já existiam.

Tratou, ao mesmo tempo, de organizar uma forte milícia de defesa, à qual

pudesse recorrer em momentos de perigo; fez guarnecer de canhões os navios

mercantes, como era costume se fazer na época, quando a pirataria se tornara

um ótimo negócio.

Teles Barreto cuidou, em seguida, da exploração e povoamento,

principalmente do litoral, até então exposto, em sua maior parte, a tentativas de

intrusos. Com efeito, à medida que encontravam dificuldades no Sul, os

franceses iam procurando entrada nas costas do Norte, completamente

abandonadas pelos portugueses.

A conquista da Paraíba, tantas vezes tentada por Luís de Brito, durante o

governo de Lourenço da Veiga, era uma necessidade imediata, que por muitas

razões se impunha. Teles Barreto preparou, portanto, uma grande expedição

sobre a Paraíba, aproveitando para isso a presença da esquadra espanhola, que

fazia o cruzeiro da América do Sul, sob o comando de Diego Flores Valdés.

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Conquista definitiva da Paraíba

Como dissemos, Teles Barreto organizou uma grande expedição destinada a

Paraíba. Além das forças de mar, compostas de oito ou nove embarcações

regularmente guarnecidas, Felipe de Moura marchou por terra à frente de

numerosa coluna, a fim de operar combinadamente.

Por sua vez, o esforçado Frutuoso Barbosa ofereceu-se para auxiliar a

expedição e partiu para o Cabedelo [porto às margens do rio Paraíba]. Chegando

à foz do rio Paraíba, após enfrentar franceses traficantes, os expedicionários

fundaram outro forte em posição mais vantajosa, guarnecendo-o poderosamente

e dando-lhe o comando a um capitão espanhol, Francisco Castejon (ou

Castrejon).

Engenho na Paraíba, obra do pintor holandês

Frans Post, de 1645 (Wikipedia)

Aos contínuos encontros com franceses, veio juntar-se a tenaz hostilidade

dos selvagens, principalmente de um chefe, Piragibe, cuja sanha havia sido

estimulada pela gente de Frutuoso. Essas agressões puseram em sério perigo

o novo forte. Castejon, entretanto, ali se manteve enquanto lhe foi possível,

socorrido de gente que veio tanto da Bahia como de Pernambuco.

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Afinal, não podendo mais resistir aos incessantes ataques dos índios,

Castejon teve de abandonar o forte, refugiando-se em Itamaracá, de onde

reclamou socorros. Com a chegada desses socorros, coincidiu a desavença de

Piragibe com os seus, trazendo como consequência a sua adesão aos

portugueses.

Tendo agora o concurso de Piragibe, amparados também pelas autoridades

da Bahia e pelos habitantes de Pernambuco, os conquistadores tomaram conta

definitivamente da Paraíba, em 1586, e foram logo alongando suas vistas sobre

o Rio Grande do Norte, até o Maranhão, de onde vinham constantemente

notícias da frequência com que os franceses persistiam em visitar aquelas

costas.

A colonização dessas paragens, no entanto, só foi empreendida por volta de

1597 e, ainda assim, penosamente, porque, além do gentio, os expedicionários

tinham sempre de bater os traficantes.

Infelizmente, a morte veio surpreender o ativo e operoso Teles Barreto

[Governador Geral] no trabalho que tão bem exercia pela colonização do Norte.

De novo, uma outra Junta assumiu o Governo em 1587, composta do Bispo

Barreiros, do Provedor-Mor da fazenda real Cristóvão de Barros, e do Ouvidor-

Geral Antônio Coelho de Aguiar.

Esta segunda Junta teve melhor sorte que a primeira: a harmonia de vistas e

os bons intuitos que reinaram sempre nos conselhos asseguraram a unidade e

eficácia dos esforços com que se continuou a obra de Teles Barreto. Esta Junta

cuidou da administração até 1591, passando, então, o governo, a D. Francisco

de Sousa, nomeado Governador Geral.

A administração de D. Francisco de Sousa não foi muito feliz, sendo nossas

costas perseguidas por corsários de várias nações. Foi por esse tempo que se

apresentou em Madri um senhor Robério, ou Berchior Dias, que se propunha,

mediante certos prêmios e mercês que reclamava, revelar ao governo da

Espanha a existência de riquíssimas minas de prata nos sertões da Bahia.

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O insucesso de Gabriel Soares foi, talvez, a causa da pouca atenção que se deu

aos projetos do tal Robério. No entanto, Francisco de Sousa adiantou a

exploração de minas e também a colonização para o norte, incumbindo Manuel

de Mascarenhas de dirigir uma expedição para aquelas bandas, em 1597.

Hostilidade dos corsários

Já ficou dito que, durante o governo de D. Francisco de Sousa, os inimigos

da Espanha tentaram repetidos assaltos a algumas de nossas povoações

marítimas.

Nos últimos dias de 1591, Tomás Cavendish consegue apoderar-se de Santos,

de onde uns seis anos antes havia sido repelido por outro pirata inglês. A este

Cavendish, não eram estranhos os mares do Sul, pois já havia feito uma viagem

de circunavegação.

Desta vez, foi até o extremo do continente e dali, batido por temporais, voltou,

saqueando e incendiando a vila de Santos e outros pontos do nosso litoral. Por

fim, sentindo a repulsa enérgica em toda a parte, desiludiu-se e tomou rumo para

a Europa, havendo, porém, falecido em viagem.

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Três anos depois, em 1594 (ou em princípios de 1595), Lancaster, inglês, e

Venner (holandês) apoderaram-se de Recife, de onde só se retiraram passado

um mês, e depois de uma rapina geral.

Os franceses continuaram a hostilizar os colonos da Paraíba e, desde 1594

procuravam fixar-se no Maranhão, onde deviam mais tarde dar grande trabalho

aos colonos. Estes, por sua vez, achavam-se muito desanimados com os perigos

a que se viam expostos.

Em princípios de 1602, assumiu o Governo Geral Diogo Botelho, como

sucessor de Francisco de Sousa. O novo Governador Geral dedicou toda a sua

solicitude aos trabalhos de defesa. Essa luta com a escassez de recursos a que

se via reduzida a colônia, estimulou a ação de aventureiros, que obtinham

enormes vantagens nas conquistas efetuadas.

Da Paraíba, seguiu para o Ceará uma expedição, capitaneada por Pedro

Coelho de Sousa, composta, na maior parte, por novecentos índios catequizados

e mais cem europeus ou mamelucos. Em caminho, essa expedição foi muito

hostilizada pelos selvagens, associados aos franceses, e teve de retroceder sem

alcançar qualquer resultado. Além de destroçada, ainda sucumbiu pelo caminho

o chefe da aventura.

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Em seguida, os Jesuítas Luís Figueira e Francisco Pinto tentaram a conquista

pacífica do gentio no Ceará, mas foram igualmente mal sucedidos, tendo

encontrado os índios irredutíveis na sua repulsa feroz. Essa tentativa custou a

morte do padre Pinto e o seu companheiro mal conseguiu salvar-se, fustigado

duramente pelo inimigo.

Nesta altura, o problema mais difícil que os portugueses tinham a resolver era

o desbravamento daquela costa do Norte até o Rio Amazonas.

Aquelas terras tinham sido doadas ao historiador João de Barros e outros,

que fizeram algum esforço para aproveitá-las. Chegaram a organizar uma

grande expedição, talvez a mais poderosa das que vieram para o Brasil naqueles

tempos. Compunha-se de dez embarcações armadas em guerra, guarnecidas

regularmente. Trazia cerca de mil homens de combate, entre infantes e

cavaleiros, muitos artesãos, lavradores, etc.

Veio como chefe dessa expedição Ayres da Cunha, marinheiro que se

associara aos donatários. Infelizmente, depois de haver atravessado o Atlântico,

quase nas costas do Maranhão, toda a frota foi atingida pelas tormentas: alguns

navios se desgarraram, outros se perderam; mas a maior parte dos viajantes

conseguiu alcançar a terra.

Assoberbada pelo irremediável desastre, aquela gente não se animou em

ficar muito tempo na ilha do Maranhão, nem os donatários tiveram coragem para

coisa alguma. Assim foi que, até os fins do século XVI aquelas porções da costa

estiveram quase que inteiramente esquecidas.