a loucura como doença arqueologia patologia e saúde

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Não podemos falar de doença mental baseando-nos em uma essência patológica ou via algum antecedente comum a patologia orgânica e à mental, apenas falamos em patologia mental apoiados em uma reflexão sobre o homem, sobre o sujeito, tal qual fundado na e pela experiência moderna. Contudo, Foucault (1975) pondera que as primeiras definições de patologia mental eram assentadas em uma essência e, apesar de anteriores e independentes dos sintomas que causavam, eram localizadas a parir da sintomatologia que desencadeavam. Ver humanismo no dicionário e estabelecer relação entre o homem e a normalização e a disciplina. Ver supõe uma separação concebível, carece de uma distância controlada, e a parir da qual iremos restituir aquilo que ela própria nos tolheu. Ver, que é a ação do exame (ver vocabulário), é uma relação intervalar que, empreendida pela mediação da vista, visa restituir ou disfarçar o distanciamento entre os que se relacionam. A imagem corresponde desta maneira à dupla certeza de se está apartado daquilo que se vê e da verdade que a visão quer fazer crer, segundo a qual, esta distancia é percorrida pelo ato de ver e quando não desfeita, ela é compensada no ato do exame. A visão seria assim a (re)aproximação na distância que restitui a unidade, e a univocidade perdida com os deuses. 1

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Capítulo da dissertação A voz do silêncio que trata das políticas de normalização da loucura através de uma norma ideal.

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No podemos falar de doena mental baseando-nos em uma essncia patolgica ou via algum antecedente comum a patologia orgnica e mental, apenas falamos em patologia mental apoiados em uma reflexo sobre o homem, sobre o sujeito, tal qual fundado na e pela experincia moderna.Contudo, Foucault (1975) pondera que as primeiras definies de patologia mental eram assentadas em uma essncia e, apesar de anteriores e independentes dos sintomas que causavam, eram localizadas a parir da sintomatologia que desencadeavam.

Ver humanismo no dicionrio e estabelecer relao entre o homem e a normalizao e a disciplina.Ver supe uma separao concebvel, carece de uma distncia controlada, e a parir da qual iremos restituir aquilo que ela prpria nos tolheu. Ver, que a ao do exame (ver vocabulrio), uma relao intervalar que, empreendida pela mediao da vista, visa restituir ou disfarar o distanciamento entre os que se relacionam. A imagem corresponde desta maneira dupla certeza de se est apartado daquilo que se v e da verdade que a viso quer fazer crer, segundo a qual, esta distancia percorrida pelo ato de ver e quando no desfeita, ela compensada no ato do exame. A viso seria assim a (re)aproximao na distncia que restitui a unidade, e a univocidade perdida com os deuses.A clareza a reclamao daquilo que se faz ouvir claramente no espao da ressonncia (BLANCHOT, CI1 2011,p. 68), em outros termos, a relao de claridade que pressupe o conhecimento racional corresponde a uma clareza que uma vontade de clarear (um querer pr luz) aquilo que est numa zona obscura, que no pode ser visto.

.A loucura como doena: arqueologia, patologia e sadeA sesso anterior abordou a constituio do discurso menor da loucura perante um discurso maior do exclusivismo racional e das prticas e saberes que a objetivam; postulamos como expoente desta categoria o trgico que ressurge na experincia moderna da loucura pelas vias da arte e da escrita, seu pensamento abarca a integralidade da experincia, o que tocado pela sombra e pela luz, o doloroso e o alegre, o desfalecimento e a exaltao e no apenas aquilo que iluminado pelo conhecimento de base racional.Assim, mostramos que h um ideal de assepsia da relao de conhecimento que, longe de ser abstrata e inclume, pode levar a concepes de higienismo, a ordens pureza e depurao das experincias e dos objetos, e a todo este arcabouo de intuies idealistas que negam a vida, levando at a certa hipocondria[footnoteRef:2]. Entre o conhecimento e as coisas que o conhecimento tem a conhecer no pode haver nenhuma relao de continuidade natural (FOUCAULT, 2001, p. 17)No obstante, pois a relao de conhecimento exerce violncia com aquilo que tem como objeto, desde o ponto em que os hierarquiza, num movimento que intrnseco ao modo de produo de conhecimento moderno.; O mundo a ser conhecido no chega sequer a ser carente de forma, de sabedoria ou de algo que propicie ou que tolha o conhecimento humano, pois o mundo se revela indiferente s leis criadas para decifr-lo, e at a resistncia que exerce ao domnio do saber aleatria e descompromissada. O que no o exime da violncia que o poder necessariamente incorre e que camufla na noo percepo de um mundo que supostamente se oferece ao reconhecimento e identificao para com aquele que o conhece.Comment by Guilherme Augusto: O conhecimento ocmo violncia, ver A vdd e as formas jurdicas. Primeira ou segunda conferencia. [2: EComo nos aponta Foucault em Nascimento da Clnica. Neste texto o autor fala, Foucault afirma que na constituio do saber mdico, o giro de compreenso da medicina das espcies para a medicina moderna, da ordem funcional ligada idia de vida e ao conceito de norma. De maneira que o, o sujeito desse conhecimento, o estudante de medicina, chega a sentir concretamente no seu corpo aquilo que estuda. Pensando em nossos tempos, poderamos conjeturpensar sque a atual onda de hipocondria que se segue na atualidade no se deve em parte grande difuso dos conhecimentos mdicos ou medicalizantes sobre o corpo, difuso de receiturios para diagnsticos e medicalizao caseiros na internet, nos programas de (in)utilidades da televiso e nas revistas de auto-cuidado e comportamento.]

Do outro lado da moeda, h o movimentoseja no ponto em que afasta, pela via das ironicamente chamadas cincias humanasem, o homem enquanto objeto de conhecimento do homem que deveras aplica e operacionaliza o saber sobre este outro. Esta conjuntura parte de um sistema que tem em seu cerne o olhar, a ao da viso. O olhar supe uma separao concebvel, carece de uma distncia controlada, a parir da qual iremos restituir aquilo que a prpria distncia nos tolheu. Em outras palavras, o olhar uma relao intervalar que, empreendida pela mediao da vista, visa restituir ou disfarar o distanciamento entre os que se relacionam.So sustentadas pela imagem (garantia da separao entre sujeito e objeto de conhecimento) a certeza de que se est apartado daquilo que se v e a verdade que a viso quer fazer crer, segundo a qual, a distncia percorrida pelo ato de ver e quando no desfeita, ela compensada no ato do exame. A viso seria assim a (re)aproximao na distncia que restitui a unidade, designando a unidade e comunho perdida quando o pensamento se desfez do equilbrio apoiado em Deus.A propsito da luz do conhecimento, a clareza a reclamao daquilo que se faz ouvir claramente no espao da ressonncia (BLANCHOT, 2011,p. 68), isto , a relao de claridade que pressupe o conhecimento racional corresponde a uma clareza que uma vontade de clarear (um querer pr luz) aquilo que est numa zona obscura ( sobre a qual no conseguimos exercer nosso olhar) no distanciamento entre aquilo que conhece daquilo que conhecido. No obstante, a partir de tal relao, a prpria noo de sujeito viabilizada desde Descartes numa continuidade que rene e naturaliza em seu trao a sede de conhecimento, o instinto do saber e a verdade que emana das coisas.Foucault empreende ento uma metodologia diferente quando vai estudar a loucura na Idade Clssica; o que ele denomina arqueologia dos saberes uma histria das condies do que torna os saberes possveis, um mtodo que no pretende esconder ou alisar as diferenas de seus objetos, mas que as acata e at as ressalta, pois no devemos separar o objeto de nossa anlise das formas como ele se apresenta a ns. Paul Veyne (2010, p. 16) ressalta que a concepo da verdade como correspondncia do real fez com que se acreditasse que, para Foucault, os loucos no eram loucos, e que falar de loucura era ideologia, entretanto, a verdade estudada pela arqueologia o que se considera verdadeiro, no havendo correspondncia com o real necessariamente. De fato, em algumasnum momento primeiro momento em suas de suas reflexes primordiais, Foucault chega a admitir pensar a loucura isolada, em estado bruto; um estado primeiro, um grau zero da histria da loucura, no qual ela experincia indiferenciada, experincia ainda no partilhada da prpria partilha, (1961/1999b,, prefacio p. 140) momento este anterior sua captura pelos saberes e discursos que a constituiriam nas diferentes culturas como coloca no prefcio presente na primeira edio de Histria da Loucura. Embora o autor no explicite de quais elementos se valeria para se pensar essa loucura primordial, logo ele se dissuade desta idia.Com efeito, Foucault marca o terreno da arqueologia como uma histria acerca dos saberes que invoca a referncia no daquilo que se tornou o que hoje se apresenta como determinada cincia em funo da histria a ser contada. A arqueologia um, ele faz uma histria pautada no pelo desenrolar das reminiscncias de umste saber, mas fundada no parentesco que umo antigo saber estabelecia com outros campos de saber da mesma episteme. Contando a histria no em funo do que temos hoje, ele desloca a noo de continuidade;, minando a idia naturalizada de evoluo unvoca dos campos de saber em direo da natureza essencial ou da aproximao com o objeto. Muito originalmente, o autor francs, ao fazer sua histria da loucura, a coloca em relao aos saberes e s prticas de cada poca e no em relao ao desgnio recente que lhe foi outorgado de patologia, objeto cientfico da psiquiatria.Comment by Guilherme Augusto: S refazer, ta longoFoucault se interessa pelas descontinuidades num mesmo saber e pelas continuidades perante os demais campos agregados sob o mesmo solo de enraizamento que ele chama de episteme. De maneira que, tomando as formaes discursivas como objetos da arqueologia, a ruptura se d em nvel de variao que afeta o regime geral de uma ou vrias dessas formaes discursivas. Em As Palavras e as Coisas livro cujo subttulo, repetimos, Uma Arqueologia das Cincias Humanas ele conta no como a histria natural se tornou, por um ordenamento crescente do saber em um movimento inerente sua evoluo, biologia; mas coloca lado a lado a histria natural, a anlise das riquezas e a gramtica geral em funo do intercmbio que estabelecem entre elas mesmas e no em funo das cincias modernas em que se desdobraram, respectivamente, biologia, economia e filologia.O autor francs focaliza em seu trabalho no a linha contnua de evoluo dos saberes, mas a contigidade e continuidade entre os saberes de uma mesma episteme [footnoteRef:3] estudando os discursos e as prticas. Com perspiccia, ele no interpreta os documentos buscando significados latentes, mas trata-os como prticas e, buscando fazer ranger os monumentos (construes) da histria, no toma estes como monumentos desempossando-os, com isso, do exclusivismo do dizer verdadeiro que remeteria a uma verso oficial que ultrapassa os pressupostos de uma ideologia nos jogos de poder que analisa. [3: Edgardo Castro (2009) sinaliza que posteriormente, em Arqueologia dos Saberes, Foucault presume outras formas de fazer arqueologia no da episteme, mas orientada por outros eixos, como a sexualidade, as artes ou a poltica.]

A arqueologia no se interessa pela origem das coisas, mas pelas regularidades dos enunciados; ou seja, pouco importa o momento mitolgico em que aconteceu de se fazer o primeiro homem louco que se tem notcia, mas como a histria foi amarrando significados e leituras diversas sob o desgnio que se produziu como loucura. Nos termos que Foucault (2005) toma de emprstimo de Nietzsche, j que todo conhecimento menos descoberta que inveno, o que interessa no a origem, mas sim a provenincia, o ponto de onde se determina o efeito de verdade a partir de falsificaes. Assim que, Histria da Loucura remete a formaes histricas, mais especificamente, historicidade das prticas e dos dizeres acerca da loucura, mas despeito disto, ela no consiste em um mtodo da historiografia. A noo arqueolgica de descontinuidade conflita com os pressupostos bsicos de causalidade e continuidade da historiografia tradicional.Tampouco poderia ser uma epistemologia, embora a epistemologia seja uma de suas bases[footnoteRef:4]. Porm, enquanto a epistemologia se preocupa com os saberes e se encontra na maior parte das vezes comprometida com a evoluo dos saberes em uma linearidade cronolgica que contrasta com o projeto arqueolgico, este, por sua vez, se encontra despojado dos pressupostos de cientificidade nas vrias implicaes que isso possa acarretar. Na arqueologia os discursos so tomados como prticas, nisto implica o estudo das formaes discursivas, que consistem em um conjunto de regras annimas, histricas, sempre determinadas no tempo e no espao, que definiram, em uma dada poca e para uma determinada rea social, econmica, geogrfica ou lingstica, as condies de exerccio da funo enunciativa (FOUCAULT, 1986, p.136), por isso dizemos que a preocupao da arqueologia so os a priori histricos de cada saber, aquilo que os torna possveis em determinado espao-tempo, atentando quilo que foi dito e que como tal, foi praticado como discurso.Comment by Guilherme Augusto: aprofundar [4: Para aprofundamento no tema ver: PORTOCARRERO, V. As cincias da vida: de Canguilhem a Foucault (2009), do qual nos valemos ainda neste captulo.]

No af de tal tarefa,Tanto na opo de o mtodo arqueolgico no lidar exclusivamenteapenas com os saberes, mas pretende (lidar com enunciados de outros campos), os quaise, como indicado acima, no deixam de ser um estrato da ordem discursiva. , quanto no Ele rrompimento com a idia desenvolvimentista de uma constante evoluo no sentido de uma melhoria, ou de uma maior apurao das cincias com o decorrer do tempo e das mudanas de ordem intrnseca. No hse compactua em um progresso da razo humana ou dos conhecimentos em direo a uma verdade final e acabada, rumo a um saber absolutoa, portanto, da realidade.No obstante,A respeito das formaes discursivas, a arqueologia ressalta o mbito processual destas formaes discursivas, entendendo a verdade invariavelmente como um construto, no como um invariante que uma vez atingido se esgotaria na veracidade ltima que a reside. No obstante, a arqueologia vai lidar privilegiadamente comSeu o campo o da experincia no caso de Histria da Loucura, o campo o das, por isso, seu campo o das experienciaes da loucura e das percepes das experincias desta loucura. No entanto, enquanto procedimento que precisa da histria enquanto instrumento conceitual, a arqueologia no deixa de ser, por sua vez documental[footnoteRef:5]. Mas novamente aqui ela guarda peculiaridades com relao historiografia mais tradicional, pois ela pode envolver tudo o que cultural como objeto possvel, como prerrogativa de sua interveno. Pois, ao final entendemos como uma valiosa lio da arqueologia o paradigma do caminhar dinmico no sentido da constituio de um saber que no inclume, apartado do mundo, ou de seu objeto. [5: O que guarda ressonncias para o trabalho que pretendemos desenvolver; ao falarmos do mtodo, a arqueologia indubitavelmente ser uma sombra, mas no nosso mtodo, j que no trabalharemos com esta documentao, mas sim com narrativas, com a histria contada da loucura.]

A arqueologia no tem por fim costurar sentidos imiscveis ou conferir significados s experincias, antes, seu comprometimento com a demonstrao justamente do oposto desta ordem representativa. Podemos afirmadizer, assim, que a arqueologia poderia ser delineada como algo em torno de uma anlise histrica do presente, na medida exata em que trata do atual, de como viemos a nos tornar o que somos. A ontologia de ns mesmos uma atividade que diagnostica as condies de possibilidades da formao do presente que se desdobra em nossas relaes com a verdade (como construmos nosso conhecimento), o poder (numa dinmica dos jogos de fora) e a tica. Neste ponto, o do que est posto como dado de realidade tctil, sensvel.O alvo do olhar histrico foucaultiano se debrua sobre o problema devai ser ento o de como determinada experincia veio a se constituir tal qual se apresenta agora, , e nisto a arqueologia nos muito providencial. Uma vez que a perspectiva da histria de nosso autor vai buscandor no as linhas que levam ao mesmo, as que costuram um sentido unvoco e providencial ao que se vive hoje, no, no se trata absolutamente disto; ele busca masna histria justamente a ruptura e o destacamento que instala uma discursividade distinta, que engendra prticas que no tem correspondncia com as anteriores, e que no entanto talvez o tenha com outras prticas de outros campos contemporneos.Comment by Guilherme Augusto: mais simples, menos embolado.

Retornando ao nosso ponto, Foucault a fim de estudar os modos pelos quais os saberes e os poderes objetivam os sujeitos na modernidade empreende uma questo muito interessante: como um campo se torna problemtico a ponto de se tornar objeto de um saber? Como so construdos os objetos, as verdades e, de maneira mais intrincada, os sujeitos? Preocupaes estas que podem ser conduzidas por grupos ou indivduos especficos, ou como discursos que podem se perder em meio a um dizer de tal maneira generalizado a ponto dque se tornar uma resposta annima (PORTOCARRERO, 2009). IEstoe acontece n o caso da naturalizao das relaes criadas pelos saberes. Onde, em que se abafadaperde a noo de que tal insurgncia se deu em algum momento no tempo ou ento, muito pior (porque oculta e dissimula mais profundamente), convertetorna-sendo o giro que promove tal percepo em algo da ordem de uma evoluo dos sistemas de conhecimento, em direo a uma aproximao da verdade ou a um aprimoramento dos saberes conhecimento. No contexto do pensamento moderno, relacionado ao entendimento de certa antropologia e do homem enquanto conceito antropolgico, a vida se insere num quadro filosfico de distanciamento de nosso presente, cuja meta diagnostic-lo, critic-lo e imagin-lo diferente (PORTOCARRERO, p. 143). Se por um lado, a condio para a concepo das cincias sobre a vida ser tomada como um objeto emprico, por outro, a prpria fundao do conceito de vida, nos afasta da prpria vida, concretamente; e isto porque ele se funda numa negao dos valores inerentes vida e se ramifica em direes contrrias. Esta a questo com a vida e o que a tolhe e que, mais que nas cincias humanas, nas chamadas cincias da sade que se do as calamitosas idealizaes de como a vida deveria ser e, apoiadas em valores transcendentais, estas afirmaes escondem o total desprezo da vida para com aquilo que pretende sua regncia. A seguir veremos como Canguilhem trabalha com os conceitos de norma e ideal e como os saberes sobre a vida e a forma como so organizados do margem produo do mito do paraso perdido, e demais abstraes e sobrevalorizaes baseadas na noo de ideal, despotencializando o presente em funo do ausente ou do porvir.Comment by Guilherme Augusto: Questo com a vida, do niilismo. Raciocionio valioso para a crtica das normatividades ideais.

No entanto, a prpria concepo de vida sob a qual se orienta os saberes modernos s possvel a partir do sculo XIX. A episteme clssica que Foucault foca em Histria da Loucura se organizava em torno da noo de representao, l se buscavam semelhanas, enquanto na modernidade se busca funes para se fundar uma sntese, as coisas seguem o fluxo de seu prprio devir e no das representaes lembremos que para a medicina clssica, pouco importava qual era o local da enfermidade no corpo, o importante era a posio da doena no quadro geral das espcies, e que esta tinha um curso natural o qual, desde que no fosse atrapalhado, arremataria em morte ou cura, seguindo o que era tido como seu curso natural (FOUCAULT, 2011NC). O classicismo organiza o conhecimento possvel em simples e complexo; o primeiro adivinha da mathesis e tinha como mtodo a lgebra, e o segundo era o campo propriamente dito das representaes (discusso esta que ser aprofundada no segundo captulo), donde se d o domnio dos signos e a constituio atravs de um olhar taxonmico do quadro de representaes, que vai ser o cone do conhecimento clssico. No entanto, a representao no se retira totalmente do campo do saber com o giro das epistemes; por um lado, d. eixa de serEla deixa de ser o eixo estruturante de toda possibilidade de conhecimento,, verdade, por outro,mas continua a existir como objeto de estudo da linguagem, que forma com vida e trabalho o triedro de empiricidades tramadas naquele tempo a serem investigadas pelo conhecimento moderno. Assim, a representao persiste no arcabouo do saber via linguagem, e como toda nossa relao mediada pela linguagemor esta, para se conhecer o homem, constri-se uma representao do homem para conhec-lo deste e ento atravs desta representao que se constri todofaz saber acerca do homem.Comment by Guilherme Augusto: Refazer, MT esta, deste, muitas vezesRetornando crtica aos saberes a respeito da vida na modernidade, v-se que o conhecimento sobre o homem tem o impulso ase pauta muitas vezes por uma normatividade ideal (problema a ser abordado mais a frente), que trata de uma apreenso metafsica e de formas ideais em seu entendimento e atuao. As cincias da vida obnubilam as relaes do indivduo com o existente, especialmente daquele que afetado por elas a nvel de objeto, se atendo a formas espacializadas numa diagramao ideal[footnoteRef:6]. [6: o que vemos com determinada concepo de sade psquica que presume a supresso de qualquer possibilidade de conflito ou dor psquica ou, o que no mbito de sade global, podemos ver em qualquer academia de ginstica, a busca de um ideal de sade que uma normatividade ideal, segundo o vocabulrio de Canguilhem.]

De fato, muito curioso pensar como elementos to dspares foram organizados e emparelhados sob a alcunha de doena mental. Houve um tempoNo comeo do sculo XIX, nos primrdiosncpio da psiquiatria, em que a paralisia cerebral era tida como a doena padro, perfeitamente cabvel na equao do que era o corpo do saber da poca, era a chamada doena boa, em contraposio m doena, que Foucault exemplifica em Histria da Loucura com a histeria. L, lembrando que uma doena m, no necessariamente era aquela que era pior ou mais danosa para o indivduo, mas a que era a que causava problemas para classificao e tratamento dentro do sistema mdico de conhecimento mais tarde, em outro contexto histrico, a histeria vem a ser um impasse para a antomo-fisiologia, minando o sistema de decifrao da doena que parte da, porque neste paradigma, o sofrimento remete dor, que calcada na base de trauma, no sentido de leso. C; contudo, na histeria a dimenso psquica, social e histrica do indivduo que vai dizer sobre a doena mais que a antomo-fisiologia do doente.Comment by Guilherme Augusto: Comeo do sec XIX Os conhecimentos sobre a vida e o discurso antropolgico acerca do homem so o alicerce de composio da episteme moderna. E, da mesma maneira que a percepo cognitiva da doena anterior formao da concepo de normalidade, o saber sobre a vida comea a se formar e a se estruturar por sua negatividade, do indivduo morto[footnoteRef:7]. Ou seja, tal conhecimento se d pela importncia da combinao de funo e funcionamento concomitante ordenao dos planos de conhecimento, o qual tem a ordem como lei interior. Ppor conta disso que o quadro classificatrio de Borges no comeo de As Palavras e as Coisas nos parece to jocoso quanto espantoso; sobre a organizao e a ordem que se estabelece a inexoravelmente relao inexoravelmente hierarquizada de violncia sobre os elementos pelo saber este desapropria os objetos forando-os a numa paisagem algumas vezes desoladora. [7: Estamos falando aqui do indivduo morto mesmo, embora no segundo captulo aparecer a figura conceitual da morte do homem antropolgico em suas decorrncias com os saberes. se debruando sobre os cadveres que comeam os estudos modernos de anatomo-fisiologia De acordo com Portocarrero (2009), trata-se,a primeira vai ser para Foucault, da nova concepo de morte compreendida como uma srie de processos ou mecanismos mltiplos no espao e dispersos no tempo, que no se identificam com os mecanismos da vida nem com os da doena (p. 147 e 148), marcada, como indicado acima, pelas idias de funo e funcionamento.]

Esta configurao do saber que almeja esquadrinhar o caos do mundo tem como fator complicador de sua ordem, mais que a da incongruncia e a da aproximao indevida, a apreenso de uma varivel de desordem a qual exprime a evidncia de que h inmeros sistemas de ordenao possveis. A estrutura do saber minada por no d conta dessa evidncia que solapa a univocidade do ordenamento racional que se pretende completo e universalizante, evidenciscancarando a tenso que h entre a razo da ordem estabelecida como forma oficial e as demais possibilidades de razo., Eestas ltimademais apenas so impossibilitadas de produzirem verdades num determinado esquema de saber/poder. Em realidade, isto , no se esgota jamais as possibilidades lgicas de qualquer discurso so inesgotveis e o reposicionamento dos pontos de vista, inumerveis. Em outras palavras, uma vista sempre a viso enxergada de um ponto particular, raciocnio simples, mas que mina a pretenso universalizante do discurso do conhecimento racional.H o escndalo de certa instabilidade entre contedo e contingente, que abala a escopo de um discurso racional institudo, aquele que vem a produzir verdades em determinada contingncia, pois nem nessa particularidade ele pode conter toda a razo do mundo. Esta uma das lies que podemos depreender do item h do quadro de Borges reproduzido por Foucault em As Palavras e as Coisas e que o inspirou a escrever e este livro: os animais se dividem em: a)pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leites, e) sereias, f) fabulosos, g) ces em liberdade, h) includos na presente classificao, i) que se agitam como loucos, j) inumerveis, k) desenhados com um pincel muito fino de plo de camelo, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas (BORGES apud FOUCAULT, 2000ano, p. IX).;Aao incluir como sub-categoria a categoria geral de todos os elementos includos na descrio, o autor provoca um desarranjo num sistema que, se examinamos um pouco mais detidamente, no conseguimos pontuar um pano de fundo comum, no h como traduzir estas descries de classes de elementos para uma mesma unidade coesa de integrao e medida.Esta uma das decorrncias do problema apontado por Foucault de um exclusivismo do discurso racional a que nos referimos na sesso anterior. atravs dele que se institui o descrdito de qualquer discurso que no o da ordem racional instituda, aquela mesma que praticamente detm o monoplio da produo de verdade. A longa explanao sobre o discurso das cincias que tratamos acima tem sua justificativa neste nas seguintes questes: uma vez que a desautorizao do discurso do louco est intimamente ligada ao objeto de nosso estudo, o discurso da loucura, a pergunta que se segue a de como a loucura pode ser algo que no patologia? Em que ponto, despojado de uma apologia da insanidade, a loucura pode ser tambm uma sade? Este nosso problema, e o entendemos isso como intimamente ligado ao que a loucura pode dizer ou fazer. Nosso intuito o de pesquisar a ao de um enlouquecimento e aquilo que este produz como forma de vida.Comment by Guilherme Augusto: Aqui comea o problema. Sinalizar como nosso problema, na verdade da ao que estou falando, de um enlouquecimento.

explicar o que quero com isso?Foucault (1979, p. 510) ressalta que o que a loucura pode dizer sobre si no sculo XIX, donde comea a re-insurgncia do trgico na literatura, na filosofia de Nietzsche e na pintura de Van Gogh, por exemplo, uma verdade do homem, bastante arcaica e bem prxima, silenciosa e ameaadora (...) uma verdade que a retirada profunda da individualidade do homem e a forma incoativa do cosmos (HL, p. 510)[footnoteRef:8]. Neste sentido, Goya mantm acordado o desatino que o classicismo encerra, nesta noite que o Sono da Razo, e que, no obstante, uma noite que leva o homem s suas profundezas, naquilo que ele se comunica com o que h de mais ntimo em si mesmo. [8: Associamos esta colocao ao impessoal que nos apontavai falar Blanchot no terceiro volume de A Conversa Infinita (2010) ou o impessoal e singular para Deleuze no quarto captulo de Crtica e Clnica (2011), ambos a serem utilizados mais a frente.]

Na modernidade, vai ser atravs do estudo do louco que se criam os saberes psi, como exposto na primeira parte do texto, estes so fundados a partir do que vem a ser a negatividade sobre a qual incidem aquilo que vem a designar o plo negativo da experincia moderna, o fora-de-si, por onde inicia o sujeito da conscincia e da interioridade ensimesmada. O, ou seja, o louco carrega uma capacidade de verdade maior do que ele mesmo, uma vez que por meio deste estudo atravs dele que so descobertas as verdades sobre os homens, o que faz do louco mais que um objeto de atrao e fascnio, interesse cientfico. Comment by Guilherme Augusto: Explicar, retomar primeira sesso, como exposto l, a positividade se forma a partir do seu negativo.O paradoxo da psicologia positiva do sculo XIX o de s ter sido possvel a partir do momento da negatividade: psicologia da personalidade por uma anlise do desdobramento; psicologia da memria pelas amnsias, da linguagem pelas afasias, da inteligncia pela debilidade mental. A verdade do homem s dita no momento de seu desaparecimento; ela s se manifesta quando j se tornou outra coisa que no ela mesma. (1979, HL p. 518).Ou seja, atravs dos saberes psi, o louco vai ser torna objeto de conhecimento em sua especificidade de louco, mas tambm de (re)conhecimento do homem, j que dele que emerge o discurso da psicologia, o quale em seu carter universalizante, pretende abranger os sos numa verdade comum. Mas a reflexo no quer acolher esse reconhecimento, ao contrrio da experincia lrica (HL 563, versod). Embora no se depreenda de ver o louco como coisa mdica, ele passa por uma implacvel reduo a objeto sendo relegado a uma menosprezada superfcie porque no h lugar para o louco na profundidade comum ao humano. loucura cabe no apenas esse papel de coisa, mas em decorrncia de sua formao como exclusovia apartamento social, o indivduo so somente lida com o louco mediado pelo mdico. Paradoxalmente, a sanidade no consegupode se reconhecer no rosto da loucura, a mesma que funda os saberes psi eque se estende seu saberm at a sanidade. A loucura intolervel razo, que no pode conceb-la como seu alicerce e seu fundamento, anterior a ela, primeiro na consecuo do saber que funda no somente o anormal ou o patolgico, mas tambm o normal os saberes modernos tornam o homem seu prprio limite, fazendo a conscincia recolher o lastro do pensvel em suas fronteiras, desautorizando qualquer expresso da loucura. O louco aquele que tem o discurso desvalido: na ordem jurdica ele interditado, do mundo do trabalho ele coibido, das ruas ele varrido, tudo isto caracteriza sua excluso da convivncia no extrato social.Na loucura se reconhece o poder de gerao de mal (maladie), as conseqncias das ms influncias do meio, as srias determinaes orgnicas, ambos apreensveis pelos instrumentos de uma razo que se prediz salvadora. Distingue-se a loucura das doenas do corpo porque ela pode despertar uma maldade em estado selvagem, para o discurso da modernidade, a loucura o contrrio da liberdade do homem, por isso enclausurada. H de se argumentar que com a revoluo de Pinel, os loucos no so mais mau-tratados ou violentados mais., Nno entanto, se os loucos no so violentados aberta e francamente, porque atravs dopelo exerccio de outra ordem de violncia a violncia que o arranca do discurso, lhe tomando qualquer possibilidade de enunciao , ele j no to ameaador. Sua inimputabilidade advm dao admisso da fora e da intensidade dos contedos psicolgicos que arrastaram o indivduo at este ponto, a despeito do remanescente de razo que (pela leitura de Pinel) persiste nele. Pois h de se assinalar, contudo, que a cura do louco est na razo do outro sua prpria razo sendo apenas a verdade da loucura (...) Portanto, o homem no dir o verdadeiro de sua verdade a no ser na cura que o conduzira de sua verdade alienada verdade de homem (1979,HL p. 514). SPois se atravs da loucura que o homem, enquanto conceito antropolgico, descobre sua verdade universal, partindo desta verdade que pode haver cura.Mas, afinal, o que a cura? Seria uma restituio ao estado anterior ou uma melhora qualitativa em relao ao presente da presena da doena no indivduo? Ou, antes disto, como a loucura se transformou em patologia? Comeando pela segunda questo, loucura virou doena na modernidade a partir do giro conceitual que se funda no trip do homem, sua loucura e sua verdade, que veio solapar a lgica binria do desatino da era clssica que se dava num pndulo de oscilao entre verdade e erro, ser e no-ser. A partir dos saberes modernos, a loucura colocada perante uma relao de saber. Relao esta descrita na mtica cena de fundao da psiquiatria, que se pautaria uma decorrncia natural dpela evoluo do saber sobre a loucura e dpela humanizao no trato com os loucos, no nos cabe aqui levantar bandeira contra esta objetivao ou a maneira como foi feita, a partir da mas problematizaremos a loucura entendida como doena. Compreendemos que seja muito difcil falar da loucura como se faz outra doena qualquer, as afeces orgnicas. Sem dvida, , pois extremamente problemtico entender a percepo da loucura como no-sade pelo parmetro da existncia de um episdico ou eventual fato (a doena que acomete o indivduo) combinado carncia de um valor (a sade).Contudo, se a loucura apreendida como doena, vamos abordar-la por a. N, nos valendo de Canguilhem para a compreensono entender do estatuto de uma doena perante a vida (este o intuito desta parte do texto), p. Partiremos de alguns apontamentos de O Normal e o Patolgico, para compreendermos conceitualmente a patologia, a fim de melhor operacionalizar com esta concepo desdobrando as questes acima. Para entendermos cura, temos que pensar primeiramente em sade. Para a medicina, o chamado estado normal pode ser duas coisas: 1) o estado habitual dos rgos ou 2) o estado ideal de sade. O papel auto-atribudo da medicina curativa visaria o restabelecimento do estado habitual. Contudo, quem decide normal neste mbito, o mdico ou o doente? Acontece que a vida coloca questes para os viventes que eles respondem bem ou mal, se mal procuram um mdico que restabelea seu estado normal habitual, ou seu poder de lidar com as questes que o mundo lhe coloca, sua capacidade normativa, de estabelecer normas diante das circunstncias que vm a calhar. Ou seja, em ltima instncia, o doente que define, cabendo a ele a escolha de chegar ao mdico na busca pela restituio do estado habitual.Entretanto o mdico um solucionador de anormalidades?[footnoteRef:9] No isto, definitivamente. Pois preciso entender que o anormal no o patolgico, o patolgico aquilo capaz de diminuir a capacidade normativa do vivente, minando sua normatividade vital. De maneira que, o homem normal o normativo, ou capaz de estabelecer novas normas. O patolgico no tem a plasticidade de estabelecer normas. Considerado isto, o que marca o posicionamento de Canguilhem a respeito de um conceito de vida biolgica no dissociada da idia filosfica de vida e ligada vivncia vem a ser a idia de uma prtica social ligada normatividade, de maneira que o restabelecimento da normatividade deve estar ligado aos hbitos. E se a normatividade ideal da teoria da medicina baseia em outros valores que no o da vida corrente, ela no deveria ser levada a cunho na prtica mdica. [9: No podemos confundir, no entanto, anormal com anomalia ou com anmalo. Este o tipo de raciocnio que toma o anormal como adjetivo de anomalia, e no de anormalidade e por conta do qual se fala precipitadamente em doentes anormais. O adjetivo para anomalia anmalo, enquanto anormal refere-se quilo que est fora de uma norma, fora de um padro preestabelecido.]

Com efeito, o que configura o patolgico o sofrimento[footnoteRef:10], no a desmesura, no o fato de estar fora do desvio padro da curva normal referente freqncia de determinados comportamentos numa amostragem. Pois sim, ao final de contas, normal um conceito estatstico que advm da matemtica, de uma relao de abstrao. [10: Nisto consiste a atualidade que tem o termo em voga no Brasil: pessoa em sofrimento psquico. ]

Quem define o normal, ou pelo menos definiria, na proposta de Canguilhem o doente. Pois se h medicina porque h pessoas que se sentem doentes, e no porque h mdicos capazes de diagnosticar uma doena algo como um mal, ou um grmen malfico em sua natureza. No cabe a ela desenraizar o mal que ela mesma julga, nem estabelecer normalizao de uma populao por retificao, o que fatalmente homogeneizaria os indivduos, ela no instrumento de achatamento das diferenas, mas o que justifica e legitima sua ao , mais uma vez, a presena de sofrimento e no a normalizao de um anormal.Alis, o anormal geralmente tomado equivocadamente por aquilo que no tem norma ou que perdeu a norma ideal quando, na verdade, o anormal vive segundo novas normas, ele no carece de capacidade normativa. O anormal tem uma normatividade diferente, mas no uma normatividade ausente isto , ele produz normas distintas das hegemnicas, tendo a sua normatividade num estrato distinto da normatividade padro tomada como referncia. Pois a idia de norma[footnoteRef:11] define um enquadramento, aquilo que no est nem a direita nem a esquerda, normal aquilo que deixa de p, que retifica. Normal aquilo que define uma norma, a partir de determinado sistema de normatividade. Para Canguilhem, normal significa simultaneamente um estado habitual e um estado ideal, designando pelo primeiro um valor de regularidade oriundo do que experimenta o vivente e pelo segundo aquilo que o vivente deve ser. Havendo ainda, um terceiro parmetro que prioriza a restituio ao estado inicial, anterior patologia, este remete ao vivido. Comment by Guilherme Augusto: Explicar por que no carece de normatividade, explicar melhor normal e anormal, voltar no Canguilhem. [11: Canguilhem, seguindo um princpio de freqncia estatstica, toma uma mdia definida por desvios amplos e raros como norma.]

Porm, o epistemlogo enfatiza que a vida uma atividade normativa que depende das condies em que est inserida. E complementa que qualquer julgamento que determina uma norma normativo, estando subordinado quele que a institui. De maneira que se torna invivel pensar em uma cincia do normal, o que h, nas suas palavras, uma cincia das situaes e das condies consideradas normais.Dado que o equilbrio do indivduo considerado so certamente conquistado mediante embates e rupturas; problemas, enfim, que a vida apresenta ao indivduo e ele apresenta respostas distintas. Estas respostas que vo delinear o horizonte de normalidade, anormalidade ou patologia. H que assinalar, entretanto, que a possibilidade de ficar doente faz parte da constituio do ser saudvel.Pois . o anormalEle pode inclusive estabelecer uma nova norma que seja inclusive mais interessante. Embora haja, tanto na anormalidade quanto na doena um quantum criativo, nas palavras de Deleuze (apud DOSSE, 2011in: Posfcio Samuel Becket) se referindo a Becket, a debilidade no deixa de ser a possibilidade de uma abertura, um (des)arranjo favorvel a encontros (sair de si, sair do mesmo, estar aberto a outras e novas relaes).Comment by Guilherme Augusto: Parece apologia loucura. Para falar isto tenho q explicar o enlouquecimento da linguagem e diferenciar a loucura do enlouquecimento da linguagem. Pois o corpo j captura a loucura em patologia. O enloiuq da ling, por sua vez tem a ver com a abertura `para outros possveis com a criao de sentidos. talvez tenhamos q inventar um conceito.

trato de um enlouquecimento da linguagem na relao do loucuo com o mundo, no qual ele pode criar um mundo para ele viver, ele foge ao aprisionamento a que a patologia o relegou.q no a mesma craicao q fez com q a loucura surgisse nem a da criao literria.

diferir a loucura (capturada) do enlouquecimento da linguagem.como ele pode construir algo q no seja patologia. A a experincia de criao de alguma coisa.

a paritr do momento em que entendemos a loucura como uma outra forma de organizao do todo humano (percepo, sensao)

falar do individuo q adoece mesmo, q quebra com a linguagem padro e com a que o enclausura. O avesso do avesso

o cerne da questo: o suj acometido pela loucura, tentamos inserir um enlouquecimento da linguagem no seio do trataemnto do louco. O que faz com q ele quebre as amarras da linguagem q ele estabeleceu com o mundo. Rompe com o q o ojetiva em doente.

pode possibilitar a quebra daa amaras que o enclausuram.

fazendo uma linguagem partilhada: o q alguns vo chamar de obra de arte, quando ele vai fazer algo q no seja retrato da loucura, ou q se for, extrapola as barreiras dela mesma.Contudo, ao dizer isso, no queremos fazer uma apologia da loucura. Como aponta Deleuze (2011) existe um procedimento comum loucura e ao que o enlouquecimento da linguagem produz. Este procedimento pode at partir de um sentido (preestabelecido e delimitado) ou de uma ordem de sentido, mas desemboca necessariamente em polifonia e agramaticidade extrapolando a sintaxe padro, ou a gramtica da lngua materna.A loucura, quando capturada na ordem do corpo sofrimento, convertida em patologia, provocando a um encerramento do indivduo em sua doena e no sentido a que ela o reduz (esquizofrnico, psictico, etc.), o que totalmente distinto da abertura aos possveis e criao de sentidos propiciada no enlouquecimento da linguagem que abordamos na primeira parte do texto. O louco adoece de fato, no de direito incorre-se em sofrimento real para aquele que enlouquece enquanto o procedimento esquizofreniza a lngua, relegando seus compositores a uma loucura que faz um campo de vida, no que o atira fora de um campo de vivncia.Qualquer patologia subjetiva em relao ao futuro, pois no h como prever seu desdobramento baseado empor uma essncia do objeto. Num raciocnio via Canguilhem, a categoria competente para designar doena o significado, e no a causalidade na matria que mensurvel, a doena no ausncia de matria, carncia de qualidade. OPois o ser vivo, o vivente, no algo que se possa uniformizar. Sem entrar em pormenores da semitica, h que se perguntar: o que o significado daquilo (doena)? No sentido de que h na doena capacidade criativa de se colocar em perspectiva. Pois o corpo no algo dado em cincia, o corpo a percepo de corpo. Portanto, no h hiato entre esttica e analtica no h como construir valores longe do mundo; algo designado como bom, melhor, ou como qualquer juzo de valor usado na tentativa de justificar um bem maior em uma interveno hierarquizada de saber deve ser cautelosamente destacado.Visto que a objetivao da vida passa pela quantificao dos efeitos corporais, Canguilhem e, posteriormente Foucault, destituem a cincia do altar idealista e positivista, sujando as mos. Isto , indo at os casos ignorados pelos historiadores das cincias, pegando aqueles casos que deram errado e, se negando a presumir de longe as coisas, vo estudar os enunciados de perto, se metendo nos meios onde eles se do efetivamente. Inaugurando e inspirando um tipo de pesquisa que nos muito valioso, comprometida com os meios e as condies de exerccio dos saberes, como eles atuam.Ambos so impulsionados por uma questo de fundo: a de como se produz verdade dentro do paradigma cientfico com suas regras muito bem definidas e demarcadas. Todavia, a cincia no necessariamente e no somente se atm ao real sensvel. Ela tem pressupostos caractersticos e outros sub-derivados especficos para cada modalidade em que se empreende por conta disto, problemtico o conceito da grande Sade, uma sade gorda, um conceito to vago quanto abstrato[footnoteRef:12], uma verdade forjada em laboratrio que tem influencia decisiva no cotidiano das pessoas. Para Canguilhem, o campo da filosofia o da anlise da pluralidade de verdades que a cincia certamente produz em sua prtica esta posio de destacamento do campo da filosofia marca sua uma das suas principais diferenas com relao a Foucault, o primeiro coloca a filosofia nesse lugar privilegiado deque vai pensarr a questo dos valores lanados pelo campoas demais cientficoncias. [12: Deleuze em Crtica e Clnica tratavai falar de uma frgil sade, ou uma saudezinha, petit sant, em contraposio a este conceito amplo, grande e pesado demais, por isso inacessvel. ]

Ele observou muito bem que a natureza nada tem de harmnica em sua constituio[footnoteRef:13]. Assim qualquer organismo no automtica e tranquilamente abraado pelo meio, segundo uma ordem espontnea das coisas. O argumento da harmonia espontnea da natureza d margem apreenso da sade como uma constante invarivel, uma vez que o j dado, e a doena seria a variao. [13: Um exemplar deste ideal ingnuo, muito difundido atualmente, pode ser observado no filme Avatar de 2009, ali repousa um entendimento equivocado de uma natureza harmoniosa de espcies em plena cooperao e paz, quando a regra da natureza a lei da selva, guerra, seleo natural, conflito, a lei do mais forte num sentido amplo da fora, que abarca a adaptao, mas tambm, muito nietzschianamente, o acaso em sua ordem.]

Entretanto, a premissa de que os seres vivos no so abrangidos harmonicamente de antemo e em harmonia pelo meio nos levam a um arremate distinto deste juzo. Uma vez que a normatividade o poder de criar as normas, de adaptao, e mais que isso, de variao, de acordo com uma sensibilidade que contempla presses externas ou interna do ser vivo. , o patolgico que no varia, de maneira que a doena se configura como esttica. Em outras palavras, o patolgico o que incapaz de produzir novas normas.Ressalta Canguilhem (2002, p. 103):o normal, em biologia, no tanto a forma antiga mas a forma nova, se ela encontrar condies de existncia nas quais parecer normativa, isto , superando todas as formas passadas, ultrapassadas e, talvez, dentro em breve, mortas. Nenhum fato dito normal, por ter se tornado normal, pode usurpar o prestgio da norma da qual ele a expresso, a partir do momento em que mudarem as condies dentro das quais ele tomou a norma como referncia. No existe fato que seja normal ou patolgico em si. [...] Sua normalidade advir de sua normatividade. O patolgico no a ausncia de norma biolgica, uma norma diferente, mas comparativamente repelida pela vida (p. 103).Ou seja, trata-se da produo de normatividades, ou de um processo de normatizao, que difere em grau e gnero de normalizao. Algo considerado normal, o perante uma norma j estabelecida. No entanto, uma normalidade no exclui automaticamente outras anormalidades, pois o anormal no a ausncia de norma e, em ltimo caso, at a morbidez um modo de viver e constitui uma norma de vida, ademais, "o valor de todos os estados mrbidos consiste no fato de mostrarem, com uma lente de aumento, certas condies que, apesar de normais, so dificilmente visveis no estado normal" (NIETZSCHE apud CANGUILHEM, ,p. 15). Concluindo que se a experincia de normalizao antropolgica ou cultural, ela produz uma norma que no pode ser original e, por outro lado, a natureza vem a ser uma normalidade sem normalizao. Canguilhem ressalta que a prpria normalidade consiste em uma tendncia a variabilidade e, no obstante, resiste em tomar a anormalidade como inadaptao social por entender que tal equivalncia derivaria em um aceite inconteste das determinantes da sociedade onde se vive. Se as sociedades so conjuntos mal unificados de meios, podemos negar-lhes o direito de definir a normalidade pela atitude de subordinao que elas valorizam com o nome de adaptao (CANGUILHEM, p. 244). Inclusive, ele pondera que adaptao um conceito tcnico, um modo de procedncia do homem com seus instrumentos e, mais avanadamente, com seus comportamentos. O que torna a idia de sade ou normalidade pautada por um ideal exterior invivel o exemplo para a normatividade ideal do corpo biolgico seria o corpo do atleta.A vida intraduzvel e inapreensvel em um conhecimento no sensvel normatizao e indeterminao que so movimentos caractersticos intrnsecos a ela [footnoteRef:14](Ver: FOUCAULT, M. A Vida: a experincia e a cincia: in DE2). A perspectiva de Canguilhem de vida uma viso grega segundo a qual o corpo do vivente presume de auto-regulao e a normatividade vem a ser a auto-regulao da natureza. E, se a finalidade de cada processo deste, no tem significado, o valor se forma a partir da experincia. A norma sempre algo que vem resolver uma desavena, anular uma diferena, produzindo valores, mesmo que no intencionalmente. Pois entre normal e anormal o que existe uma relao de inverso e polaridade na qual a norma o que serve para pr de p. Ela se prope como uma maneira de unificao de um territrio diverso, ela reabsorve, elimina diferenas, a norma referencial vencedora historicamente, vence o conflito, sem nunca ser espontnea, esta norma arbitrria e o signo disto a historicidade das normas. O que normal em uma poca, no o em outra; ela , pois, necessariamente histrica. [14: Sobre normalizao e indeterminao nas relaes de saber ver o texto de Foucault (2007) A Vida: a experincia e a cincia.]

A partir destas reflexes podemos afirmar a importncia da histria da pessoa na/para a doena e, consequentemente, para o tratamento. O que torna incabvel, portanto, a existncia de uma patologia objetiva e de um normal, uma vez que a clnica inseparvel da teraputica, a qual pretende sempre a instaurao de uma normatividade, sobre isto, afirma Canguilhem (2002, p. 146)Curar, apesar dos deficits, sempre acompanhado de perdas essenciais para o organismo e, ao mesmo tempo, do reaparecimento de uma ordem. A isso corresponde uma nova norma individual. Pode-se compreender o quanto importante reencontrar uma ordem durante a cura se atentarmos para o fato de que o organismo parece, antes de tudo, querer conservar ou adquirir certas peculiaridades que lhe permitiro construir essa nova ordem. o mesmo que dizer que o organismo parece visar, antes de tudo, obteno de novas constantes. Encontramos eventualmente, durante a cura e apesar dos deficits que persistem , transformaes, em certos campos, em relao ao passado, mas as propriedades tornam-se novamente, constantes. Encontramos, de novo, constantes, tanto no campo somtico quanto no campo psquico Em outras palavras, o que confere estar melhor perante uma patologia poder lidar com as adversidades da vida. A cura capacidade de normar, de criar normatividades, o que tem ou no haver com um estado anterior sade tem a ver com a capacidade normativa. Mesmo at porque no se esquece que se adoeceu, o indivduo carrega, de certa maneira e a seu modo, marcas da patologia. H de se desconstruir a idia de que cura a restituio de algo que foi perdido para mais ou para menos, e partir para um critrio de produo de sade. A plasticidade da normatividade a sade.Com efeito, a simbiose entre os atributos de normal e saudvel bem recente, at o sculo XVIII, falava-se em sade, no em normal, como uma idia que vinha de um corpo so, no de uma continuidade em relao a um estado diferente quantitativamente. A noo de continuidade entre sade e doena que propiciou a analogia com a normalidade, no que se refere ento a estar na norma.No obstante, se a doena definida em oposio radical e capital a sade, h descontinuidade intransponvel entre sade e doena, como se elas tratassem de espcies diferentes. A condio de perptuo simultneo coloca o doente quase como em um estado de exceo da humanidade. Neste contexto, o doente no passa de uma doena que adquiriu traos particulares (PELBART, 2009, p. 183), no por acaso, seguindo um plano representacional de ordenamento em um quadro semelhante ao que Lineu postulou das espcies animais ou botnicas, a medicina clssica j havia entendido a prpria doena dentro de um curso natural. Baseando-se nisto, toda teraputica teria como fim expulsar a doena do corpo do doente.Na epistemologia da medicina ontolgica, sua decadncia esta relacionada medicina do sintoma (o olhar clnico) e ao aparecimento da anatomia patolgica no qual o estatuto ontolgico da doena no poderia ento ser to diferenciado do da sade. Pelo olhar clnico o que encerra a doena so seus sintomas, de tal forma que a doena tida como alterao do curso da sade[footnoteRef:15]. Aqui poderamos falar que o significante sintoma e o significado doena se unem perante a impossibilidade de uma essncia da doena. [15: Neste sentido, poderamos afirmar que o significante sintoma e o significado doena se unem perante a impossibilidade de uma essncia da doena.]

De fato, a tese em voga no sculo XIX que o fenmeno patolgico era no apenas semelhante, mas igual ao normal, apenas diferindo dele por uma variao quantitativa. Cruzando estas colocaes com as anlises de Foucault em Nascimento da clnica e As Palavras e as Coisas, poderamos dizer que enquanto o quadro representacional da episteme clssica apreende a doena em sua essncia, apartada de qualquer estado de sade, ou mesmo de doena que no fosse ela mesma; com a episteme moderna, o patolgico tido como parte do mesmo material da sade sendo diferente somente em grau desproporo, exagero ou desarmonia.Uma vez que no h assentamento que delimite ontologicamente a doena da sade, a doena passa a ser entendida como variao desta, seja por excessos, faltas ou digresses de outras ordens. O anormal ganha ento duplo sentido, um perante uma mudana no curso do funcionamento normal do corpo e outro como anormal em uma relao de discrepncia estatstica. No se trata mais da infiltrao da espcie hbrida doena no corpo, mas este se torna doente e a doena por sua vez tem foco e origem neste corpo, antes reduto separado da dicotomia operada entre os plos da sade e da doena. Na superfcie sintomtica, a histria preterida por uma geografia (do corpo ou da doena). Isto , busca-se o sentido da doena na sua localizao no corpo, desprezando-se a fala do vivente no que esta conjetura sua vivncia.No sculo XIX, Leriche cunhou a clebre mxima a sade a vida no silncio dos rgos (CANGUILHEM, 2002, p. 57), segundo a qual sentimos a sade na inconscincia do nosso corpo e, ao focar na opinio do doente sobre seu estado, abriu espao para uma percepo mais concreta do fenmeno patolgico desvencilhando-o da concepo abstrata do quadro das doenas. Ele parte de uma tcnica clnica organizada em torno da patologia, enquanto Comte defendia a assepsia do campo terico da biologia, que ele no fosse contaminado pelas prticas mdica e teraputica. Claude Bernard, por sua vez, parte da observao clnica, mas seu foco no que supe como mais digno de estudo, que o estado normal, ele se interessa pela fisiologia mais que pela patologia. A respeito dessas posies, Canguilhem afirma que, apesar de todo o esforo de Comte na busca de variveis unicamente quantitativas, ele deixava transparecer ainda certas brechas qualitativas. O normal um valor que a vida estabelece em defesa de si e por interesse prprio. Viver escolher, preferir ou excluir (pensamento de ressonncias nietzschenianas). Com efeito, faz parte de ser saudvel, abusar da sade, isto , se no sentimos nenhum sinal de patologia vivemos sem nos preocupar com algo que pode desencade-la. Neste contexto, aliviamos a carga negativa imprimida sobre o anormal, este o que desvia, o diverso; j o patolgico o que imprime sofrimento, o que contraria a vida. Visto desta maneira, podemos considerar que o patolgico anormal apesar de o anormal no ser necessariamente patolgico.A anomalia se d no espao, nas relaes com os outros, j o patolgico se d em relao a si, o sujeito que se lhe a confere. A sade ento a capacidade de instituir novas normas para a vida, mas a doena tambm uma norma, mas norma insuficiente perante o alterno e imprevisto da vida. Inadaptao no pela diferena, mas pela incapacidade de proceder perante o diverso s o saudvel detm a plasticidade. Uma vezAlm do que, visto que o normal normativo, a instituio de normas, e toda ao de normatizao produzida, pois toda norma necessariamente individual e particular.Se sade entendida como o silncio dos rgos algo da ordem de um discurso mtico e inacessvel, pois a corpo vibra como a vida e nunca estamos, enquanto em vida, em silncio, ou pelo menos no neste silncio acachapante que pretende esta Sade muito grande , na transgresso que surge o desejo da regresso, de voltar a um estado anterior. A anterioridade histrica do animal gera o furor normativo de restituio. Contudo, se o anormal existencialmente anterior ao sistema normativo, ele aquilo que pe o sistema normativo para trabalhar. Normal o efeito obtido pela execuo do projeto normativo (CANGUILHEM, 2002, p. 205).No obstante, o prprio normal que institui a idia de paraso (e de paraso perdido), aquilo que opera no discurso mtico o discurso normativo. Existe um parmetro de idealizao que conduz o pensamento da idealizao de uma norma inexistente e, com freqncia, inatingvel, a um plano idealizado qualquer; que pode ser um paraso perdido no passado ou a promessa de um futuro redentor em um porvir nunca definido cujas esperanas repousam em um julgamento de f fato que na promessa de outro lugar (uma metafsica), um estado de coisas apaziguador dos conflitos e diferenas que marcam a experincia. A existncia de uma Era de Ouro uma atuao deste discurso o normal enquanto prtica de discurso performtico e h sempre uma prtica normativa em jogo.Mas tambm, o prprio caos est inscrito nesse discurso de ordem, nunca existe um caos absoluto, ele sempre normativo em torno de uma idia social. Poderamos pensar no caos da mitologia grega, a despeito do qual vieram os deuses e ordenaram o mundo evidentemente, a associao entre normatividade e mito no se resume a este exemplo. O caos sempre multiplicidade, agitao, ele o correlato da impotncia do homem, que fica merc das foras do mundo, desorientado de um lado para outro.Inclusive, vai ser a infrao o que permite a instalao de uma estabilidade, a infrao a origem da prpria regra. A infrao gera a regra. E o que se tem na linha que delimita estas relaes a transgresso. A transgresso um fato existencial. O que se faz com ela que de outro mbito. As cincias que estudam a vida esto imbudas de valor, dado, fundamentalmente, como toda atribuio de valor, por uma operao esttica.O normal dinmico, no algo esttico ou inerte passagem do tempo e ao que o circunda. Assim, oO falso se torna verdadeiro atravs de uma operao esttica. atravs dela que algo se torna verdadeiro, bom, ou melhor, e atravs dela que se assimila no apenas a historicidade das normas, mas toda transitoriedade em que ela incorre. No fundo, a passagem de uma tica para uma poltica que est em jogo nas mudanas do campo vivente. Toda valorao inexoravelmente uma operao esttica, isto significa que apenas mediante uma operao esttica que incrustamos os juzos de valor bem ou mal em algum objeto ou julgamos alguma experincia com os parmetros de bom ou ruim. De forma que bom ou ruim acaba sendo furuto de giros conceituais que no se do ao acaso.Comment by Guilherme Augusto: Aprofundado, ver Canguilhem.Pois a possibilidade da inverso de termos presente em toda norma compactua para a resoluo de desavenas a que ela se prope no intuito de reincorporao das diferenas ao uno correspondente ao normal. A instituio de uma norma como dominante se d perante uma escolha, ela fruto de uma preferncia. Afinal de contas, uma norma somente existe no que ela move, a existncia da norma se d no duplo exerccio de desvalorizao de algo e valorao de seu oposto. No existe nada que seja normal ou patolgico em si e mesmo algo que possa parecer to eximido de tais relativizaes como a sade, se olhada com ateno revela-se repleta de valoraes no somente estticas (um corpo em harmonia, equilibrado), como morais (detentor de um mal e, por isso, passvel de regulao) e ainda polticos (ordenamento e hierarquizao).A constituio de regulaoes, mais que deuma regras, se d a partir de infraes como algo que se (re)conhece nos seus limites. O queIsto, no discurso da Sade, leva concluso que no h experincia que no seja passada por um cdigo de valores de cunho interpretativo e esta experincia permeada por valores, constitudos hegemonicamente pelo discurso cientificista da medicina Merleau-Ponty (1975), em A Estrutura do Comportamento de 1943, apontadiz que o grau de liberdade vai se interpointerper a estse discurso, como uma resistncia interpretao.Desta maneira, o que bom ou mau em termos de sade acaba sendo alvo daquilo que Foucault (2002) vai chamar de normalizao. Para este, uma norma se exerce pelo pdoer de exigncia e coero que detm. A normalizao a regulao da vida considerada biologicamente pelos elementos do biopoder, a disciplina e a biopoltica, que abrangem os indivduos, seu corpo em especfico, e o corpo das populaes. Em psiquiatria, a norma o que rene (costurando seus sentidos) as regras de conduta regularidade funcional; propiciando que o anormal em condutas (o desordeiro, o excntrico) seja referido ao anormal do corpo do indivduo (que decorre em mau-funcionamento ou patologia). De maneira que pela norma que a psiquiatria se institui ao lado da medicina orgnica atravs do modelo da neurologia (FOUCAULT, 2001).Chegamos ao ponto em que a diferena mais escandalosa entre Foucaulteste e Canguilhem se evidencia: a categoria central para o primeiro a de normalizao enquanto para o segundo a de normatividade. A reflexo de Canguilhem centrada sobre a idia de vida num embate entre o vitalismo e o mecanicismo, para ele, quaisquer erros nos procedimentos seriam ou poderiam ser corrigidos pela normatizao j que entende a normatividade no plano da vida. Assim sendo, a sade valor inerente vida definido pela normatividade o que afirma o simultaneamente o valor da clnica e a importncia do indivduo no procedimento singular de definir o que sade e o que doena. Para Canguilhem, pois, a sade um bem coletivo, que diz respeito a todos;, ao cruzarmos tal compreenso que no intercruzamento com as noes polticas implicadas com o poder, ela traduzida como direito de todos.Por outro lado, nas anlises da arqueologia e da genealogia foucaultianas, o discurso sobre a vida atravessado pela morte. Desta forma,, a importncia e a preocupao com a doena na modernidade se devem ao lugar atribudo morte, a importncia desta, que marca a leitura de vida na modernidade. Neste ponto; que Foucault vai ser a que ele aloca a categoria de leso na antomo-clnica do sculo XIX como eixo estruturante das cincias da vida, postulaentendendor que o nNormal surgiu atravs do prottipo pedaggico e do sanitrio. AmboEles advm de uma exigncia de racionalizao tomada como natural ligada gesto das populaes lembrando que o conceito de populao havia acabado de ser criado, justamente quando os governos passaram a se preocupar em gerir a vida de seus governados, cuidando da educao e da sade. Contudo, esta racionalizao no governo de uma populao tem como condio de possibilidade a normalizao, esta est na base de toda racionalizao. O que na modernidade imbrica normalizao e vida (lembrando, um conceito moderno). Somente a partir da modernidade que o humano passa avai ser um objeto da ordem mdica a partir da preocupao com a vida e sua normalizao. NVai ser a partir da modernidade que poder e vida vo se encontram implicadosr. O que h de novo que o poder comeou a se preocupar com a vida, antes no se importava, a vida passou a ser um objeto de investimento do poder, por isso a normalizao toma um lugar de destaque no pensamentovai ser importante para fFoucaultiano. A novidade moderna que o poder se debrua sobre a vida. Trata-se aqui do to falado giro de investimento do poder, enquanto o soberano deixa viver e faz morrer seu poder sobre a vida repousa na ameaa de ele pode fazer morrer , o biopoder disciplinar deixa morrer e faz viver, mas de acordo com o que postulado por ele. Este ltimo atua pela positivao de comportamentos e no pela negao, reprimindo aquilo que detestvel segundo sua ordem. Pois o funcionamento do poder se d cada vez menos em torno da forma da lei (que reinava junto ao poder soberano) e mais como norma, privilegiando os aparatos de conduta da racionalizao e da economia. Comment by Guilherme Augusto: Na vdd o bio poder, ver Em Defesa (ltima aula)...(sociedades de normalizao= disciplinas + biopoder)a disciplina cria as instituies e serve de pano de fundo para criar exercito de reserva para o capitalismo.o biopoder usa a estatstica (vem de EStado).

Lazaratto: estado de poder lida com o pblico no lida com o corpo, mas com o controle dos sujeitos distancia.De maneira que Assim, o cuidado com a sade da populao a Sade, em linhas gerais e para todo efeito em nosso texto , desde ento, passa a ser uma forma de normalizao e de exerccio do poder disciplinar. Ora, os processos de promoo da vida so tipicamente modernos a eutansia, por exemplo, passa a ser uma questo a partir daqui. Para Foucault, os erros da vida so seu poder de errncia, por isso ela precisa ser normalizada, carece de uma normatividade que a normalize. Muito embora no seja possvel, para ambos os pensadores, superpor a ordem social ordem vital, da vida.Ou seja, Foucault no identifica como possvel o fato patolgico em si., No podemos considerar a doena mental baseando-nos em uma essncia patolgica ou via algum antecedente comum patologia orgnica e mental. Ele sinaliza desde Doena Mental e Psicologia (1975) que apenas tratamos de patologia mental apoiados em uma reflexo sobre o homem, sobre o sujeito, tal qual fundado na e pela experincia moderna. Com efeito, as primeiras definies de patologia mental eram assentadas em uma essncia e, apesar de anteriores e independentes dos sintomas que causavam, eram localizadas a parir da sintomatologia que desencadeavam. Mas o pensamento foucaultiano no se orienta por estas indicaes; antes, sua busca pelele vai atrs do inexorvel a priori da patologia, a histria. Tal nfaserelevncia parte integrante, juntamente descontinuidade, do projeto de anlise histrica do presente. Contudo, evidentePois fica claro que se superpe uma relao deveras violenta de hierarquia atravs das operaes de saber/poder, a partir da qual as coisas vieram a se tornar o que so hoje, mas o destino delas no deve orientar a anlise de sua conjuntura e contexto histricos.Fato que toda estruturao do saber, sua organizao em funo e funcionamento e sua classificao em sistemas de espacializao e verbalizao transbordam o mbito discursivo, constituindo o campo da experincia e das visibilidades. Pois o que discursivo, reside na forma dos enunciados, restando s visibilidades, o que apreendido de maneira no discursiva. Na primeira categoria podemos reunir o grande espectro que gira em torno linguagem em geral, como as cincias (enquanto saberes, como tomado na anlise foucaultiana), a literatura, a filosofia, mas principalmente da filosofia do sujeito. J o segundo da ordem das instituies, das prticas, do que apreendemos fora da experincia discursiva ao todo, o que transcende o campo da linguagem em sua arte, a feitura das coisas.Se no classicismo a metodologia do saber que girava em torno do quadro de representaes era tambm uma tcnica de exerccio de poder que enclausurava o mltiplo, nos propomos a ver como e de onde o mltiplo vigiado e cerceado em nossos tempos, especificamente o mltiplo da loucura. No dispositivo disciplinar, o controle do espao e do tempo pe o mltiplo sob custodia pela linha que o liga singularidade, de maneira que se possa, num nico lance, reconhecer o indivduo como tal e organizar a multiplicidade.Instrumento desta operao, o exame rene a cerimnia do poder e a forma da experincia, o desdobramento da fora e o estabelecimento da verdade (PORTOCARRERO, 2009, p. 201). E, ele uma tcnica do olhar que atua na normalizao do existente pautada pelo princpio da visibilidade., isto , Ppressupondo que o saber seja a luz e que o poder seja invisvel, o exame pretende desnudar aquilo que objetifica e a. atravs delo exame pautado pela normalizao e hierarquizao que se sujeita os objetos e se objetifica os sujeitos, impondo-os o regime de visibilidade.O Uma vez que cerne de nosso problema reside noa questionamentoo de como a loucura pode ser alguma coisa que no doena, ou como ela pode ser sade, Esta questo, passa necessariamente pelo que ela loucura pode dizer e fazer. Assim,, entendemos que no processo de lidarmos com o sofrimento psquico a sade que devemos empreender pautada pelo indivduo que de fato adoece, pela capacidade normativa que este pode estabelecer. Trata-se enfim de produzir sade. No de uma Sade como um estado ideal; sade no deve ser subordinada a fatores ou elementos exteriores queles a quem dizem respeito.Comment by Guilherme Augusto: nfase, conferir se tem nfaseA sade sequer pode ser entendida como um estado, como algo j dado ou esttico a se atingir. Uma lio muito importante advinda da fisiologia que a sade no pode ser estvel, porque o corpo nunca estvel, muda constantemente de vontade (em se supondo aqui uma vontade do corpo saudvel). No se trata, pois, de ausncia de movimento, de um bem-estar ocioso; sade , antes, movimento constante nos termos de Canguilhem, capacidade de instituir novas normas. O que significa que no devemos postular os movimentos do corpo como rgidos e estagnados para uma concepo de sade isto vale para os comportamentos e ideaes (saber e ser capaz de lidar com a diversidade de ao e de opinio, em si mesmo e nos outros). Absolutamente, compreende-se que sade mental no seja extino de impasses psquicos, algo inapreensvel, mas capacidade de lidar com eles. Dejours (1986..., p. 9) pondera que a sade mental no certamente o bem-estar psquico. A sade quando ter esperana permitido. Ou seja, no ausncia de estados que nos movimentem ou excitem, mas justamente ter desejo e, no af de se movimentar, poder construir e lidar com as (ad)diversidades. O perigo est quando no se tem desejo, isto , certo estado de tenso necessrio sade mental.Paraois, continua DejoursDejours (2006, p. 10), a definio de sade depende mormente do indivduo, a sade uma coisa que se ganha, que se enfrenta e de que se depende (p. 10)., a definio de sade depende mormente do indivduo, Nv-se neste ponto fica clara a inviabilidade de uma generalizao universalizante, afinal, um conceito geral de saudvel pouco produtivono importaria, mas o que importante cada sade de cada indivduo. Desta forma, conclui o autorDejours, sade no chega sequer a ser um estado, mas um movimento de sade, um processo ou um procedimento que gira em torno de liberdade e singularidade.Concluindo, se todo processo de normalizao cultural ou antropolgico, o normal uma forma nova uma nova norma que encontra condies de possibilidades para se exercer. De maneira que o valor de todo processo de auto-regulao ou de normatividade no preestabelecido, no est j dado, mas se confere justamente na experincia. O processo de restituio da sade se d pelo critrio de produo de sade, o normal a que nos referimos um valor da vida em defesa da prpria vida. E se qualquer regra tem sua origem na infrao, buscamos no uma harmonia, mas uma sade que pulsa, que faz barulho, e, justamente porque o faz que o indivduo capaz de produzir sade. Destarte, o indefinido e, o inacabamento e tm papel preponderante neste processo;, o processo de compreenso da loucura como ausncia de obra.

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