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1 A Lenda do Tesouro das Mercês Filhos de Belial

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A Lenda do Tesouro

das Mercês

Filhos de Belial

A Lenda do Tesouro das Mercês - Mark Brunkow

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A Lenda do Tesouro das Mercês - Mark Brunkow

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A Lenda do Tesouro das

Mercês

Filhos de Belial

Mark Brunkow

Primeira Edição

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“O lobo é a soma dos cordeiros que comeu. O homem é a soma dos livros que leu.”

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Muito Porco

Aquela era uma tarde chuvosa de final de um verão excepcionalmente quente para os padrões curitibanos que castigava a velha casa em madeira estilo colonial, situada no bairro Ahú próximo ao antigo presídio, que sobrevivia ao tempo e abrigava as gerações que nela moravam.

Guto sentado no quarto de seu tio, um anexo afastado da casa com quarto, sala e banheiro, lutava bravamente para terminar o dever de casa, escrever sobre a história de sua querida cidade natal, Curitiba.

Adorava ficar ali ouvindo os inúmeros discos de vinil da coleção de seu tio Paulo além dos mais variados livros, revistas e fotos antigas trazidas do sebo da família. Com onze anos e muita energia para gastar, ficar durante horas focado em uma única tarefa era uma luta para o garoto.

Johannes Gutenberg Kowlakoski nome esse, que recebeu em homenagem ao gráfico alemão inventor da prensa móvel que revolucionou a impressão de livros e com isso a disseminação da cultura e do saber, mas apesar de reconhecer e respeitar a homenagem preferia ser chamado de Guto.

Um polaco típico, cabelos claros escorridos, nariz e lábios finos pele branca como leite, olhos verdes, magro feito vara de virar tripa, mas um garoto bonito extremamente inteligente e um atleta nato, campeão de natação e corrida várias vezes do Colégio Estadual do Paraná onde estudava.

Continuava a labuta contra os livros de história em sua frente quando ouve movimentos apressados, que fugiam da chuva, vindos de fora.

- Há! – chuva chata. - Você esta aí cabeça de pudim! – sorrindo para o garoto enquanto tentava se secar.

- Oi tio Paulo! – sem muito entusiasmo.

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- O que foi piá? O que você esta fazendo com tanto ânimo? – sorrindo vendo a expressão sofrida do garoto.

- Tenho que entregar um trabalho sobre a história de Curitiba, já que está próximo o aniversário da cidade, mas história é muito chata! Ainda mais história de Curitiba não aconteceu nada de interessante nesta cidade. – com as mãos na cabeça que esta caída sobre a mesa dramaticamente.

- Deixa eu dar uma olhada nisso aí. – com as poucas linhas, apesar do tempo em que estava ali, que o garoto escreveu até então nas mãos.

Paulo era um homem alto, cerca de cinquenta anos que aparentava menos, magro, cabelos sempre despenteados, movimentos sempre apressados e irrequietos, conhecido no meio literário por ser um grande restaurador de livros raros, profissão e paixão que aprendeu com o pai e que dividia com seu irmão em um sebo que mantinham no centro da cidade, o que infelizmente não rendia muito dinheiro e o pouco que conseguia gastava tudo em pesquisas e viagens históricas. Um apaixonado por história, mas principalmente pela história da capital paranaense.

Interessado lê. “Curitiba é a capital do Paraná e foi fundada em vinte e nove

de março de mil seiscentos e noventa e três e tem seu marco zero na Praça Tiradentes, o significado de seu nome é uma palavra de origem Tupi Guarani: kur yt yba que quer dizer "grande quantidade de pinheiros, pinheiral", na linguagem dos índios, primeiros habitantes do território. Seu clima...”.

- Credo! O que estão ensinado para vocês! Isto é um absurdo! Não me admiro que você não goste de história. – com os olhos arregalados e cara de espanto.

- Qual o problema tio? Esta tudo aqui nos livros! Curitiba deve ter a história mais chata do mundo inteiro!

- Não é nada disso, a história de nossa cidade é muito rica e cheia de mistérios, lendas e segredos. Curitiba não foi fundada em

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mil seiscentos e noventa e três, essa foi à data da criação da Câmara Municipal e seu marco não foi na Praça Tiradentes! Senhor da Galiléia! – andando de um lado para o outro do quarto com as mãos na cabeça.

- Não? Então como foi tio? Os livros estão errados? – olhando sério para ele.

- Como mudar o mundo se nem conhecemos nossas raízes. Temos o dever de conhecer nossa história, pois somente assim daremos valor ao nosso futuro. A importância de Curitiba para o Brasil já ficou tempo demasiado ignorado. Vou contar a verdade para você, vai anotando isso para mostra para sua professora e seus colegas.

Curitiba foi povoada em quatro de julho de mil seiscentos e trinta e nove e não em mil seiscentos e noventa e três como dizem os livros, eu mesmo fui até a Torre do Tombo em Portugal e peguei os documentos que comprovam isso, ou seja, Curitiba é cinquenta e quatro anos mais velha do que dizem.

- E o que importa ela ser mais velha? Ninguém gosta de ficar mais velho, todo mundo gosta de ser mais novo! Qual a importância disso? – o garoto zombando.

- QUAL A IMPORTÂNCIA DISSO! Ah piá bocó! – sorrindo nervosamente com as mãos na cabeça como se fosse arrancar os cabelos. - A IMPORTÂNCIA É TOTAL! Esse simples fato faz com que Curitiba tenha sido a primeira cidade portuguesa a ser fundada em território espanhol, afinal segundo o tratado de Tordesilhas, Portugal tinha somente uma pequena parte do litoral, e esse foi o motivo principal para que houvesse a revogação do tratado, e com isso o Brasil teve sua expansão territorial, ou seja, graças a nós, Curitiba, que hoje temos Mato Grosso do Sul, Goiás, Amazonas e o Rio Grande do Sul. E tudo isso esta documentado, preto no branco.

- Nossa sério? – agora interessado.

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- Pois é, por isso é tão importante conhecer sua real história, somente assim entendemos nosso valor. Outro erro histórico! Curitiba não foi fundada na Praça Tiradentes e sim no Bairro Alto as margens do rio Atuba, pois foi onde os colonizadores portugueses fundaram a “Vilinha” para poder garimpar ouro no primeiro planalto.

- E o nome Curitiba de onde vem? O que significa? - Mais uma vez os livros dizem que a origem do nome da

cidade é a de que este derivaria da expressão indígena "curi'i ty(b) ba", que em língua tupi significa "muito pinhão", mas a realidade é outra um pouco mais constrangedora e nossos historiadores preferiram mudar um pouco. – sorrindo malicioso.

Quando os portugueses chegaram aqui depois de longa caminhada estavam muito sujos e cansados e digamos que não eram um modelo de higiene pessoal, o que contrastava bastante com os índios que eram muito asseados. Então quando os índios olhavam para os portugueses e seus hábitos pouco higiênicos diziam Core Tyba, Core Tyba.

Em tupi “core” é porco e “tyba” é muito, ou seja, muito porco. Os índios achavam os portugueses muito porcos, sem higiene e os portugueses sem entender achavam que esse era o nome do local onde estavam e passaram a chamar o local de CoreTyba que mais tarde para ficar menos constrangedor passou para Curitiba.

- Capaz! Os índios estavam xingando os portugueses! – rindo muito.

- A história tem muito disso meu sobrinho. – rindo. - Mas a verdade é que Curitiba foi muito importante para a identidade do Brasil, para você ter ideia quem fundou a cidade de Santa Maria no Rio grande do Sul foram colonizadores curitibanos saídos do bairro Batel, a cidade de Passo Fundo foram colonizadores curitibanos saídos da região onde hoje está o bairro Uberaba e

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tudo isso está documentado! Esta na hora de termos nosso valor reconhecido.

- Você sabia que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) é a mais antiga instituição de ensino com concepção de universidade do Brasil?

- Nossa! – espantado. - Pois é, não foi no Rio de Janeiro, não foi em São Paulo foi

aqui em Curitiba. E tem mais, você sabia que Curitiba já foi capital do Brasil? Todo mundo acha que somente Salvador, Rio de Janeiro e depois Brasília foram capitais do Brasil, mas não, Curitiba também já foi capital do Brasil e isso aconteceu em mil novecentos e sessenta e nove, de vinte e quatro a vinte sete de março, quando o presidente Costa e Silva transferiu a capital para cá. É verdade que por conta da ditadura e por uma ajudinha da primeira dama dona Iolanda que era curitibana o que não muda o fato e a importância histórica.

Outra curiosidade, você sabia que a primeira mulher a realizar um voo de balão em território brasileiro aconteceu aqui em Curitiba, mas especificamente no Passeio Público?

- Tá Bom? – incrédulo. - Verdade! – com os olhos arregalados - No dia vinte e um

de abril de mil novecentos e nove a espanhola Maria Aida levantou voo do Passeio Público e acabou caindo na torre da Catedral Basílica de Curitiba.

Quando o balão tomou aquela direção, Maria mostrando sangue frio deixou-se cair no telhado da igreja, escorregando num tobogã de telhões de cobre, descendo pela claraboia e percorrendo a parte interior do telhado até chegar às escadas da torre ocidental.

Após o resgate, a responsável pelo feito inédito foi aclamada pela população que acompanhava o acontecimento. O balão Granada foi inflado com ar quente pela queima de gravetos e atingiu um voo de praticamente mil metros, novecentos e setenta metros para ser mais exato.

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- Que legal! Porque nada disso é contado? – surpreso e agora interessado.

- Como diz o ditado, santo de casa não faz milagre. Temos o péssimo hábito de não procurar e nem se interessar por nossas raízes. Nos preocupamos muito com a forma e esquecemos que o que importa é o conteúdo. Nossa cidade é cheia de história e história é vida contada.

Ouvem passos vindo apressados. - Olá rapazes trouxe um bolo de fubá, cuque de banana

caturra e gasosa de gengibirra. – a mãe de Guto sorrindo com uma bandeja nas mãos seguida de perto pelo pai do rapaz.

- Que maravilha piá! Vamos limpar a mesa para sua mãe colocar as guloseimas. – Paulo esfregando as mãos.

- Terminou seu trabalho da escola Guto? – pergunta Norberto pai de Guto.

- Quase pai, o tio Paulo esta me ajudando bastante. Norberto era alto moreno cabelos bem arrumados sempre

penteados, o oposto de seu irmão. Curitibano típico, fisionomia sempre séria o que fazia com que a primeira vista o considerassem antipático o que logo era desmentido assim que lhe conheciam melhor.

Já Solange era uma mulher bonita olhos verdes, pela clara, corpo esbelto temperamento tranquilo. Olha desconfiada para Paulo com ar de desaprovação fala.

- Você não esta enchendo ele com suas teorias de tesouros e piratas não é Paulo?

- Que é isso Solange, você sabe que não são teorias, são fatos! – com o dedo em riste. E a propósito seu cuque como sempre esta delicioso, mas confesso que prefiro um bom lêitE quêntE para acompanhar, pois as vezes gasosa me da piriri. – sorrindo com a mão na barriga.

Norberto com um enorme pedaço de bolo de fubá na boca tenta falar.

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- Não vai encher a cabeça do piá de caraminholas Paulo. Ele tem que ter uma boa educação para passar no vestibular e entrar na Federal. Vai se formar engenheiro ou médico e não terá uma vida sofrida como a nossa. – olhando para o filho.

- O mundo já esta cheio de engenheiro e médicos meu irmão. Precisamos de livres pensadores de inspiradores de mudanças e não de mais burocratas burgueses. Papai ficaria surpreso em lhe ouvir falar assim. – com olhar reprovador ao irmão.

- E veja no que isso levou papai e sua busca por lendas de tesouros enterrados inexistentes. Uma casa caindo aos pedaços e um Sebo que mal conseguimos manter. – irritado.

Solange sabendo onde isso levaria tenta intervir. - Meninos vocês não vão começar com esta história de

novo! Os irmãos se olham e sorriem. - Tem razão querida, vamos aproveitar este delicioso bolo. Guto interrompe sério. - Ei que história é essa de tesouro enterrado? – olhando para

todos interessado. Todos se olham e sorriem. - Seu tio e seu avô acreditam que existe um tesouro

enterrado nas Ruínas de São Francisco no Largo da Ordem. Tesouro este de um pirata inglês chamado Zulmiro. – Norberto rindo zombeteiramente.

Acostumando com o escárnio do irmão e de todos que conheciam a história da família Paulo já não mais ligava.

- Conte para ele Paulo suas teorias. – fala Norberto sorrindo e fazendo voz de assombro.

- Não são teorias meu irmão e você sabe muito bem disso. - O que eu sei meu irmão é que isso levou nosso pai à ruína

e você vai no mesmo caminho. – agora irritado.

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- Já chega! Vamos deixar os dois em paz Norberto. Venha comigo preciso de ajuda com os acolchoados, preciso tira-los do armário acho que logo voltaremos ao clima normal de nossa cidade. – Solange agarra o marido que sai, mas não sem antes abocanhar mais uma fatia do bolo de fubá.

- Daí tio Paulo que história é essa de piratas e tesouros? – animado.

- Ué? Não foi você que disse que história era chata? – sorrindo.

- Não este tipo de história né! - Pelo visto conseguimos mais um para as trincheiras pai. –

Paulo sorrindo olhando saudosamente para a foto do pai no bidê ao lado da cama.

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Sun Mirror Guto não cabia mais em si de tanta curiosidade sobre a tal

história de um tesouro enterrado em Curitiba, como poderia imaginar que sua cidade natal, que ele considerava tão chata, pudesse esconder tamanho segredo.

Para seu desespero Paulo teve um rápido piriri causado pela grande ingestão de cuque de banana e gasosa de gengibira e estava no banheiro impossibilitado de lhe contar a história. Sentado na porta do banheiro Guto azucrina o tio para que termine o relato.

- Pronto tio? - Não. Alguns segundos depois. - Pronto? - NÃO! Alguns minutos depois. - E agora, pronto? - AINDA NÃO! - Quer alguma coisa pra ajudar? - NÃOOO! Mais alguns minutos depois. - Tem certeza? - TENHOOOO! - E agora, pronto? - NÃOO! - Pô! Mas tá loco, ta entupido... - Pronto piá xarope! – saindo do banheiro. - Lavou as mãos? – olhando e rindo para o tio. - Ó piá, te dou uma bocuva. – com a mão em riste sorrindo. - Então que história é essa de tesouro pirata e tal? – muito

animado.

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- Quanto interesse por história! Para quem disse que era chato! – fazendo cara de tédio.

- Esse tipo de história é legal. - Ok, vamos lá. Assim como muitas cidades Curitiba tem várias lendas

urbanas entre elas a da loira fantasma, a da moça da mansão do Batel, a da grávida da Praça da Ucrânia entre tantas outras, mas a mais curiosa sem dúvida é a do pirata Zulmiro.

Reza a lenda que um pirata inglês viveu em Curitiba entre mil oitocentos e vinte e mil oitocentos e oitenta no que hoje é o bairro das Mercês, provavelmente no Bosque Gutierrez e que ele foi deserdado da marinha britânica após “confiscar” um navio espanhol com uma carga de ouro e prata, e que, por isso, veio se esconder em Curitiba.

Conta ainda à lenda que para isso ele teve ajuda dos jesuítas, não se sabe ao certo o motivo, que teriam construído uma fortaleza subterrânea com quatro entradas que se conectavam em uma sala central que levava a várias saídas. E que nesses caminhos existiam galerias menores, com pequenas salas e compartimentos apropriados para esconder os tesouros e com vários túneis que iam do bairro das Mercês até as ruínas de São Francisco no Largo da Ordem no centro.

Mas como toda lenda com um pouco de bom senso e atenção encontram se vários problemas em sua credibilidade. Por exemplo, o fato de o pirata ter vivido entre mil oitocentos e vinte e mil oitocentos e oitenta em Curitiba e ter tido ajuda dos jesuítas para construir os túneis, só que os jesuítas foram expulsos do Brasil em mil setecentos e cinquenta e nove devido à reforma pombalina, ou seja, eles não poderiam ter construído os túneis. E porque um pirata inglês teria o nome de Zulmiro?

Isso é o que diz a lenda, mas muitas vezes as lendas nada mais são do que versões contadas muitas e muitas vezes de um fato verdadeiro que com o tempo vai perdendo sua veracidade e

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sendo substituída pela fantasia. E assim seria para nossa família também, se não fosse um capricho do destino.

Uma noite quando seu avô estava prestes a fechar o Sebo remexia em alguns documentos oficiais que recebeu da Câmara Municipal para restaurar quando esbarrou em uma carta do rei de Portugal Dom João V datada no dia vinte e sete de setembro de mil setecentos e vinte e dois.

Nesta carta sua alteza está oferecendo metade da riqueza, em ouro e prata rapinada das Índias de Castela, contida em um navio pirata naufragado em Paranaguá, a quem conseguisse resgatá-la. Pela data, ele devia estar falando do navio pirata francês “Louise”, que afundou em mil setecentos e dezoito próximo à Ilha de Cotinga, no litoral parnanguara, após uma encarniçada batalha com um galeão, de bandeira inglesa, sob o comando do capitão William Sun Mirror.

Este fato despertou a curiosidade de seu avô e sendo um grande conhecedor das lendas e histórias da cidade imediatamente começou uma pesquisa severa sobre o assunto. Passou anos pesquisando e descobriu que a lenda do Pirata Zulmiro poderia não ser assim tão lenda afinal.

Seu avô foi onde hoje existe o Bosque Gutierrez nas Mercês onde havia uma velha casa de madeira abandonada que segundo relatos foi utilizada como hospital para leprosos pelos jesuítas. Nas ruínas descobriu no porão da casa um alçapão que dava acesso a um túnel. Logo depois de abrir o alçapão, apareciam escadas que davam acesso a uma passagem estreita.

Andando pouco mais de dois metros, ele chegou a uma sala maior que tinha cerca de três por cinco metros onde era possível ficar em pé. Ali encontrou espécies de prateleiras e o que parecia ser um fogão a lenha.

A técnica construtiva usada no túnel era impressionante, as paredes e o teto eram feitos de tijolo maciço. Todo o teto acompanhava o formato de abóbadas, parecido com o do

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reservatório de água São Francisco, o que comprova que quem construiu sabia o que estava fazendo.

Logo depois da sala subterrânea havia mais um pedaço pequeno de corredor, este com tijolos aparentemente mais novos e uma parede bloqueando a passagem. Seu avô era extremamente metódico fez até um infográfico com fotos que tirou no local que estão aqui no meu diário de campo, vou mostrar.

Pega um pasta em couro surrado marrom e retira de dentro um livro com capa também em couro com várias anotações.

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Se ele encontrou esta entrada para o túnel significava que as outras três também devem existir. Esta parte da lenda então é real, mas e o tal pirata Zulmiro?

Contada de boca em boca o nome do capitão Sun Mirror foi sendo simplificado e abrasileirado e passou a ser chamado de Zul Mirror e mais tarde ainda Zulmiro.

Em relação à construção dos túneis pelos jesuítas agora fazia sentido, a carta do rei comprovava que o navio naufragou em mil setecentos e dezoito e os jesuítas ainda estavam no Brasil e poderiam ter realmente construído uma fortaleza subterrânea, somente o motivo pelo qual eles ajudariam um pirata ainda continuava um mistério.

- Capaz tio! – Guto esta fascinado com o relato. - Pois é piá, A LENDA É VERDADEIRA! Seu avo

encontrou até mesmo um selo que foi emitido em mil novecentos e sessenta e oito em comemoração à pesquisa histórica sobre o naufrágio na Ilha de Cotinga.

Cada vez mais Guto ficava interessado no assunto. - E então tio o que aconteceu? – com os olhos arregalados

de excitação.

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- Infelizmente seu avô sofreu aquele estúpido acidente de carro e faleceu antes de concluir sua pesquisa. Ele acreditava que achando este tesouro enterrado isso traria visibilidade para Curitiba afinal é nossa história. Foi então que decidi continuar seu trabalho de pesquisa.

- E o que o senhor encontrou? Conseguiu encontrar alguma outra entrada para os túneis. – com os olhos arregalados.

- Ainda não, mas assim que encontrar algo prometo que você será o primeiro a ficar sabendo. – sorrindo.

- Posso ajudar? - Claro que sim! Continue estudando e sempre mantenha a

mente aberta para novas descobertas e novas possibilidades. Siga seu coração e seus sonhos a despeito do que vão falar. Lembre-se sempre que o mundo precisa de sonhadores. Tudo que existe, antes existiu na imaginação de alguém para somente depois se tornar realidade. Agora chega de lendas por enquanto vamos nos divertir um pouco afinal somente trabalho sem diversão faz de você um bobão! – sorrindo.

- Há! – desapontado. - Agora vamos conversar com o Rei Roberto! Paulo segue até sua vitrola, pega um LP de Roberto Carlos,

aumenta o volume e sai dançando pelo quarto, acompanhado por Guto, imaginado tudo que poderia fazer quando encontrasse o tesouro enterrado. Como todo o escárnio e desprezo que ele e seu pai passaram, até mesmo por seus familiares, durante todos aqueles anos seriam vingados. Como a descoberta deste tesouro seria boa para cidade. Imaginava até mesmo uma rota turística do Tesouro das Mercês.

O que não sabia era que quanto mais perto se chega de um tesouro mais cobiça desperta nos outros e que ele não estava só nesta busca e que acabaria encontrando um segredo muito mais perigoso do que esperava e que este fato acabaria com sua busca de maneira trágica.

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O Atleta a Sinesteta e o Gênio

A manhã estava linda, gloriosamente ensolarada e tudo que denunciava a noite chuvosa eram pequenas poças de água que se acumulavam nas irregulares calçadas.

Guto caminha apressado para o Colégio Estadual do Paraná que na época da sua entrega ao público em vinte e nove de março de mil novecentos e cinquenta, era considerado não só o maior colégio da América do Sul, como também o mais moderno, em função dos recursos educacionais e administrativos de que era dotado e que devido à incompetência e desinteresse dos governantes já não tinha esse posto.

Enquanto caminhava em direção ao colégio Guto já não mais prestava atenção à beleza do Passeio Público ou ao Memorial Árabe em formato de cubo localizado sobre um espelho d’a água com sua arquitetura marcante – com arcos, colunas, vitrais e a abóboda – que homenageia os povos do Oriente Médio.

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O garoto não via a hora de comunicar a seus melhores e fiéis amigos, Túlio e Mariana, as descobertas da noite anterior. Um tesouro, piratas, túneis escondidos sua imaginação fervia e o mais importante tudo real comprovado por fatos, documentos como a carta do rei etc. Apressa o passo e avista os colegas.

Túlio mais baixo que Guto, um pouco acima do peso ideal era um “nerd clássico”, conhecedor de todos os mais novos e atuais dispositivos eletrônicos. Possuidor de memória eidética, popularmente conhecida como memória fotográfica, tinha a capacidade de lembrar de coisas ouvidas e vistas, com um nível de detalhe quase perfeito, isso somada a uma constante necessidade de falar sobre tudo e uma ligeira confusão sobre o que se lembrava, lhe rendeu o apelido entre seus colegas de Wikipédia ou somente “Wiki”.

Um típico filho da miscelânea étnica brasileira, pele negra, “cabelos pixaim” herdados do pai afrodescendente vindo de Salvador na Bahia em busca de trabalho no sul. Já seus olhos extremamente verdes, lábios finos e fisionomia delicada, estes denunciavam a herança de sua mãe uma típica polaca da colônia Muricy.

Já Mariana era uma flor do oriente. Nascida em Maringá vindo morar na capital ainda bebê, traços nipônicos, olhos amendoados levemente puxados, cabelos negros lisos e longos frutos da mistura de sua mãe japonesa e pai descendente de alemães, de personalidade forte, mas meiga.

Aos seis anos foi diagnostica como sendo sinesteta. A sinestesia é um distúrbio neurológico que faz com que o estímulo de um sentido cause reações em outro, criando uma salada sensorial entre visão, olfato, audição, paladar e tato. Por exemplo, para um sinesteta, o número cinco pode ser sempre verde, a segunda-feira ter gosto adocicado e um solo de guitarra produzir imagens de bolhas fosforescentes!

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Eddie Van Halen guitarrista e fundador da banda Van Halen, por exemplo, usou o dom de ver notas musicais coloridas para criar a “nota marrom” usada em discos da banda.

Mas ser diferente, fugir aos padrões sempre é complicado, sempre causa desconforto àqueles ditos “normais” e essa particularidade não tornava Mariana muito popular entre os demais colegas da escola que a consideravam esquisita.

O que não lhe incomodava, pois acreditava que isso lhe tornava única e o que realmente lhe importava era a forte amizade com Guto e Túlio.

Um atleta nato, uma sinesteta e um gênio atrapalhado uma incomum união de seres que apenas queriam o que todos buscamos em nossa jornada na terra. Serem respeitados como indivíduos, mas aceitos em sociedade. Todos cheios de sonhos e esperanças buscando a felicidade.

Como de costume sentado nas escadas esperando Guto estão Túlio e Mariana.

- Bom Dia flor do Dia! – fala Mariana sorrindo para Guto com os braços abertos para abraça-lo.

- Porque demorou piá? – pergunta Wiki. - Bom dia piazada. - suspira cansado. - Tá loco! O

alimentador atrasou daí quando cheguei no terminal estava um caos, mas consegui pegar o bi-articulado, mas daí estavam arrumando a canaleta então tive que descer dois tubos antes e vim correndo.

- Fez o trabalho sobre Curitiba? – pergunta Mariana. - Nem te conto guria. Fiz, ficou massa! Meu tio me contou

um monte de coisa massa sobre a cidade, e eu que achava que Curitiba era chata!

- Vai ser oral, a apresentação do trabalho, sabia? – Wiki acrescenta.

- Sério? – Guto chateado.

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- Pois é, sofrimento nunca é o bastante. Mas como vai seu tio, faz tempo que eu não o vejo? – Mariana com a mão no ombro de Guto.

- Maluco como sempre, mas agora eu o vejo pouco ele esta fazendo muita pesquisa. – sorrindo.

Mariana Guto e Túlio estavam juntos desde a primeira série do ensino fundamental cresciam juntos dividindo a melhor época de suas vidas com todas as surpresas e descobertas. Mariana pergunta.

- E as charadas ele continua fazendo? Nossa eu adorava descobrir as charadas que ele fazia, lembra? Sempre com referências à música. E aquele código que ele inventou como era mesmo, um traço equivale a uma linha na música, uma bola a uma estrofe. Muito louco. Nós passávamos horas decifrando pistas, às vezes, para encontrar uma barra de chocolate – sorrindo.

- É mesmo era legal, ele dizia que isso abriria nossa paixão pela procura do conhecimento, que isso nos despertaria à vontade de encontrar verdadeiros tesouros. Mas então jacuzão o que teu tio te contou e o que ele pesquisa tanto? – fala Wiki sorrindo.

Guto passa a relatar detalhadamente cada informação que recebeu de seu tio o que era ouvido avidamente por seus colegas até que são interrompidos a entrar por um monitor que estava à espera dos alunos para iniciar as aulas.

Como sempre as horas demoraram a passar, se arrastam em longo e sofrido tormento, afinal um ensino que prestigia o acúmulo de informação ao invés da descoberta do conhecimento só pode gerar tédio.

A utilização em massa da pedagogia bancária onde os alunos não passam de bancos onde se depositam informações muitas vezes sem relevância concreta para a vida diária e que nunca mais serão vistas onde a decoreba é a chave para o sucesso.

Salas de aulas que mais lembram fábricas onde os alunos são doutrinados a serem operários, carteiras enfileiradas umas atrás das

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outras como postos de trabalho, um supervisor, o professor, em sua frente controlando seus movimentos, tendo horários para entrar, descansar, comer até mesmo para ir ao banheiro necessitam de permissão.

Uma educação voltada apenas à preparação ao vestibular, uma educação que não gera conhecimento vontade de aprender de descobrir por seu esforço. Gerações e gerações podadas de seu potencial criativo para se enquadrar em uma sociedade consumista e hipócrita.

Finalmente o sinal toca como em uma fábrica indicando a liberdade. Como pássaros engaiolados as crianças correm para fora da escola quando deveriam ter a vontade de fazer o contrário.

Os três amigos saem em silêncio, um silêncio cerimonioso como em um velório. Caminham durante algum tempo assim, quando Mariana fala para quebrar o gelo.

-Não ligue para o que a professora falou. Eu achei bem interessante seu trabalho. Talvez você devesse ter omitido a parte do pirata e tal – falando para Guto.

- Claro que não! Essa foi a melhor parte. Assim como o nome da cidade, CoreTyba, muito porco – fala Wiki rindo.

Guto balança a cabeça preocupado. - Mas e agora além de me dar zero ainda vão chamar meus

pais pra conversar! – Guto inconsolável. - Não esquenta teu tio resolve isso ele sempre tem um jeito

pra tudo. – fala Mariana. - Olha um carrinho de cachorro quêntE! Vamos até lá estou

com muita fome e hoje minha mãe não esta em casa. – Wiki apontando para frente.

Guto se anima um pouco. - Tem razão meu tio avisou que isso poderia acontecer, as

pessoas não querem ver a verdade. – sorrindo. Já no carrinho de cachorro quente Wiki pede um com duas

vinas, vinagrete, muita batata palha, farofa, tomate, cebola, queijo

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catupiri e frisando para o rapaz que preparava o lanche, tudo prensado.

- Onde cabe tudo isso Wiki? – fala Mariana com cara de espanto.

Após todos estarem servidos com seus lanches Guto fala. - Vamos sentar ali na praça do homem nu para podermos

comer. Após se despedir dos amigos Guto vai até o sebo da família

situado na Rua Visconde do Rio Branco próximo a Rua Vinte e quatro horas para poder falar com seu tio e pedir ajuda sobre os recém e afortunados acontecimentos já que ele tinha grande parcela de culpa no episódio.

Adorava aquele lugar uma casa antiga reformada para dar lugar a um mundo de fantasia e conhecimento que passava de geração para geração de sua família. Várias prateleiras cheias de livros, discos de vinil, fotos, documentos, pessoas em busca de coisas que para muitos já não tinham valor, mas ali readquiram seu potencial.

Procura por seu tio e não encontra. - Oi pai, viu o tio Paulo? - Oi picareta, já chegou da aula! – sorrindo. - Seu tio foi

viajar. Apareceu um sujeito esquisito, como sempre são os que procuram seu tio ultimamente e lhe ofereceu um trabalho fora do país. Seu tio impulsivo como sempre aceitou, arrumou as malas e foi hoje mesmo.

Guto fica perplexo. - Trabalho no que? E onde? Ele nem disse tchau! -

cabisbaixo. - Sabe como é seu tio, imprevisível. Só espero que não tenha

nada a ver com aquelas maluquices de tesouro dele. – balançando a cabeça negativamente. - Ele deixou uma carta para você. Aqui esta.

Era uma carta bem ao estilo de seu tio, toda escrita com as letras das músicas Carry On Wayward Son do Kansas, Simple Man

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do Lynyrd Skynyrd, Blowin' in the Wind de Bob Dylan e encerrando com poemas de Paulo Leminsk.

Guto,

Continue meu filho desobediente Haverá paz quando você estiver terminado coloque sua cabeça

cansada para descansar e escute com atenção o que eu digo. E se você fizer isto irá lhe ajudar

em algum belo dia. Não tenha pressa... Não viva rápido demais Dificuldades virão e

passarão. Encontre uma mulher e encontrará amor, E não esqueça filho, há Alguém lá em

cima. Esqueça seu desejo pelo ouro do homem rico Tudo aquilo que você precisa está em sua

alma, E seja um tipo simples de homem. Seja algo que você ame e entenda. Quantas estradas

precisará um homem andar Antes que possam chamá-lo de um homem? Sim e quantos anos

podem algumas pessoas existir Até que sejam permitidas a serem livres? A resposta meu

amigo está soprando no vento A resposta está soprando no vento. No fundo, no fundo, bem lá

no fundo, a gente gostaria de ver nossos problemas resolvidos por decreto a partir desta data,

aquela mágoa sem remédio é considerada nula e sobre ela silêncio perpétuo extinto por lei todo

o remorso, maldito seja quem olhar pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais, mas

problemas não se resolvem, problemas têm família grande, e aos domingos saem todos passear o

problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas. Não discuto com o destino o que

pintar eu assino!

E lembre-se sempre, Seja um ser humano bom!

De seu tio Paulo.

Guto relutava em acreditar. O que poderia fazer seu tio ir embora assim tão repentinamente e aquela carta, uma carta de despedida, ele estaria pressentido algo ruim? Por mais que tentasse entender Guto não conseguia, pelo menos ainda não. Mas a realidade era que aquela era a última notícia que teve de seu tio e que passariam um longo tempo antes de ter outra.

A Lenda do Tesouro das Mercês - Mark Brunkow

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A Lenda do Tesouro das Mercês - Mark Brunkow

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Cinzas em Long Play O tempo não existe concretamente, mas nós seres humanos

temos a necessidade de controlar tudo, então criamos padrões e convenções para poder medir e organizar nossas vidas. Anos com doze meses, semanas com sete dias, dias com vinte e quatro horas, horas com sessenta segundos. Mas em realidade o tempo não passa, não vai rápido ou devagar ele apenas flui como um rio em direção ao mar, assim como nossas vidas.

Tudo teoria, pois na pratica quando estamos esperando por alguém, quando é a saudade que manda, ai sim sabemos dar valor a cada minuto, segundo que esperamos.

Três longos anos se passaram sem que nem Guto ou qualquer membro de sua família tivesse notícias de seu tio Paulo. E quando elas chegaram foram as piores possíveis.

Guto e Túlio estão no quarto que pertencia a seu tio e que depois de sua partida passou a pertencer a ele, o que não era nada anormal já que o rapaz ficava mais ali do que em qualquer outro cômodo da casa.

Agora com catorze anos Guto estava virando um belo rapaz assim como Túlio que apesar de continuar acima do peso, ficava ainda mais inteligente. Amadureciam e tornavam-se mais responsáveis iam deixando para trás os prazeres da infância para entrar nas descobertas e sofrimentos da adolescência.

As mudanças eram evidentes em seus corpos assim como em seus interesses. Guto crescia e mudava fisicamente assim como via seu interesse por Mariana também crescer e mudar. Estava confuso com o que sentia e tinha medo de não ser correspondido e procurava conselhos em seu melhor, mas nem por isso mais sábio, amigo Wiki, basicamente um cego guiando a outro nos tortuosos caminhos do amor.

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- Então Wiki... O que você acha da Mariana? – pergunta constrangido tentado disfarçar suas intenções.

- Mariana? Sei lá. Legal. – sem dar muita atenção enquanto verifica mensagens em seu smartphone.

- É legal... – olhando para baixo- Mas sei lá, você a acha bonita?

- Bonita? Acho que sim. Não sei! Nunca pensei nela dessa ... – para de mexer em seu telefone e olha sério para Guto.

Guto percebendo o olhar intrigado do amigo ruboriza. - O que? Só perguntei por que outro dia ouvi uns piás

falando dela. – visivelmente desconfortável. - Uns piás é? O que esta rolando? – olhando de lado com a

sobrancelha esquerda levantada. - NADA! – olhando para baixo encabulado. - Você gosta dela! – apontando o dedo intimidadoramente e

rindo. - Não é nada disso piá! Deixa de ser lokE! – rindo sem graça

e empurrando a mão de Túlio para longe. - Gosta SIM! – rindo. - A cala boca Mané! - sem graça. Túlio assume uma postura séria e fala. - Não piá! Massa! Eu sempre soube que vocês acabariam

juntos. Acho que ela gosta de você também. – olhando malicioso. - Sério? – com os olhos arregalados. – Ela falou alguma

coisa? – esperançoso. - Não bocó! Como vou saber isso. Mas você gosta dela, eu

sabia! – rindo zombeteiramente. - Seu mané. – empurrando Túlio. - Mas falando sério agora piá. Fala com ela. A gêntE se

conhece a tanto tempo. - Esse é o problema! E se ela não quiser nada comigo, aí fico

sem namorada e ainda perco a amiga. – desolado. - Ué piá, vai ter que arriscar. - dando de ombros.

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- Sei lá, acho melhor deixar por isso mesmo por enquanto. – frustrado.

- Quer que eu fale com ela? – entusiasmado, quase implorando confirmação.

- NÃO PIÁ! Você tem que prometer que não vai dizer nada. FALO SÉRIO WIKI! – olhando fixo para o amigo.

- Calma, calma. - com as mãos para cima – Prometo que não digo uma palavra.

- Valeu! Um silêncio constrangedor seguiu durante alguns minutos

então Túlio fala. - Já posso até ver um monte de japonesinho polaco

correndo por aqui, gritando tio Wiki, tio Wiki! – enquanto sai correndo e rindo descaradamente.

Enquanto corria atrás de Túlio, Guto passa sob a janela da sala e escuta sua mãe que estava ao telefone. Percebe que algo não estava certo.

- Aí MEU DEUS! – chorando. Um calafrio percorre a espinha de Guto e a primeira coisa

que vem em sua mente é seu tio Paulo! Corre para dentro e vê sua mãe sentada chorando com as mãos no rosto.

- Mãe o que aconteceu? Sem poder falar Solange chora compulsivamente. - MÃE O QUE FOI? – ajoelhado diante da mãe com as

mãos em suas pernas. - Era seu pai. Guto querido você tem que ser forte. –

colocando a mão no rosto do guri.- Seu tio Paulo foi encontrado morto em seu apartamento em Londres.

- O QUE? COMO? Não pode ser! O que ele fazia em Londres? – andando de um lado para outro desorientado.

- Não sei querido, seu pai esta vindo para casa e vai explicar melhor. Venha cá, se acalme.

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A dor que Guto sentia era a mesma de um soco no estômago. Estava enjoado e com um nó na garganta até que cai sentado e chora copiosamente aninhado junto a sua mãe como pedindo ajuda.

- Calma meu amor, calma! – confortando o rapaz chorando também.

Na soleira da porta Túlio vendo o sofrimento de seu amigo fica em silêncio sabendo que nestas horas não existe nada que se possa dizer que não seja óbvio, repetitivo ou estúpido então apenas chora solidariamente.

~~~~

Norberto chega algumas horas mais tarde, extremamente pálido carregando alguns pacotes. Olha para Solange e abraçado a ela chora a perda de seu irmão. Guto junta-se a eles e deixam extravasar toda sua dor da única maneira que conheciam em família um dando apoio ao outro.

Após se recomporem Solange arruma a mesa na cozinha, o cômodo mais importante em uma casa o santuário de um lar, com um bolo de cenoura, broa preta feita em casa, café com leite e cuecas viradas enquanto ouvem Norberto relatar os acontecimentos.

- O tal emprego que Paulo aceitou naquele dia, em que foi embora repentinamente, era para pesquisar documentos antigos sobre Curitiba para uma empresa Londrina que tem interesses comerciais aqui.

Paulo morava em um quarto em uma pousada e segundo as autoridades locais foi um assalto. Quando os policiais chegaram encontraram o quarto todo revirado e Paulo caído já sem vida, foi

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baleado. A polícia acredita que Paulo surpreendeu o ladrão, pois encontraram sinais de luta, mas aparentemente não levaram nada de valor já que sua carteira e dinheiro estavam com ele.

- Santo Deus! – Solange com a mão no rosto. - Foi para tão longe para encontrar a morte que horror. Como dizia minha mãe à morte chama! – se benzendo.

- Mas que empresa é essa papai? – Guto abalado. - Não sei Guto seu tio sempre foi muito cheio de mistérios e

isso se intensificou nos últimos anos até aquela tarde em que foi embora sem dar muitas explicações. Eu deveria ter impedido ele de ir embora. – se sentindo culpado.

Solange percebendo os sentimentos do marido o consola. - Querido não é culpa sua. Paulo sabia muito bem o que

fazia. Você não poderia ter impedido. - Mas ele era meu irmão mais novo, foi àquela maldita

bobagem de tesouro tenho certeza! Primeiro papai e agora Paulo. – batendo na mesa com a mão.

- Se acalme Norberto temos coisas mais importantes e praticas no momento para resolver. Como faremos para trazer o corpo, precisamos tratar do funeral, avisar os familiares...

É interrompida por Norberto meio encabulado. - Até nisso Paulo era estranho. – balançando a cabeça de um

lado para outro em desânimo. - Como assim? – Guto pergunta espantado. - O seu tio deixou um testamento com um advogado e

instruções bem claras caso algo lhe acontecesse. Foi este advogado que me ligou comunicando o fato. Seu tio pedia que seu corpo fosse cremado e seus pertences destruídos e que suas cinzas fossem entregues a uma companhia que fabrica discos de vinil com elas.

- O QUE? Isso só pode ser brincadeira de mau gosto. – Solange horrorizada. – Você não vai permitir isso Norberto!

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- Não há nada que eu possa fazer Solange o corpo já foi cremado, Paulo deixou instruções bem claras, que só deveriam comunicar a família após a cremação. E foi isso que o advogado fez. – desanimado.

- Que absurdo! Esse advogado deveria ter nos avisado! E as cinzas onde estão. – Guto assustado.

- Foi entregue a tal empresa que fabricou um LP com as cinzas de seu tio. Paulo deixou músicas pré-selecionadas gravadas e foi específico dizendo que este disco deveria ficar para você Guto. Este aqui é seu tio Paulo!

Norberto retira de dentro de uma sacola um disco em vinil com capa toda preta brilhante e ao centro em dourado escrito em belas letras em auto relevo o poema, Inscrições para um Portão de Cemitério de Mário Quintana.

“Na mesma pedra se encontram,

Conforme o povo traduz,

Quando se nasce - uma estrela,

Quando se morre - uma cruz.

Mas quantos que aqui repousam

Hão de emendar-nos assim:

“ Ponham-me a cruz no princípio...

E a luz da estrela no fim! "

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Sociedade da Informação Os dias seguiram sofridos na casa de Guto, as semanas

demoram a passar, mas o tempo tende a amenizar a dor e a saudade. Como diz o ditado o tempo é o senhor da verdade.

Em uma manhã fria de céu cinza, típica do inverno curitibano, Guto acorda querendo que tudo não tivesse passado de um pesadelo. Ainda relutava em acreditar na história de assalto e a proibição de seu pai de tocar no assunto, pois acreditava que isso só traria mais sofrimento e dor a família, só agravava mais a sensação. Algo em seu íntimo gritava que alguma coisa estava errada e muito errada naquela história.

Acreditava que seu tio podia ter deixado uma mensagem para ele. Revirou as coisas que ele deixou, ouviu inúmeras vezes o vinil a procura de alguma pista, mas tudo em vão.

Para seu desgosto tudo o que tinha no disco eram músicas de Roberto Carlos, Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, Tom Jobim, Tonico e Tinoco, músicas populares brasileira com exceção da última música Peace and Love Inc. da banda norte americana de New Wave dos anos 80 Information Society que além de destoar completamente das demais, no final da faixa tinha um sinal intermitente como um zumbido que durava alguns minutos antes de acabar.

A amizade de Mariana e Túlio mais do que nuca foi importante para Guto. Como faziam todos os dias após as aulas se encontravam na casa do rapaz para ouvir música e jogar conversa fora.

- Então piá que friaca! – fala Túlio assoprando e esfregando as mãos para esquenta-las.

- Normal, uma típica tarde curitibana. – Guto sorrindo.

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- Hoje não teve jeito coloquei ceroula por baixo da calça de brim. – fala Mariana sorrindo.

- Pois é guria ceroula e japona pra aguentar esse frio do djanho! – completa Guto rindo.

- Mas tem o lado bom, pinhão na chapa, quentão, festa junina, rabanada, acordar e olhar pela janela e ver tudo branco por causa da geada, os telhados todos branquinhos é muito lindo. – Mariana comenta.

- Ficar agarradinho com a namorada embaixo da coberta. – Túlio fala maliciosamente olhando para Guto.

Guto ruboriza olhando para Mariana. Ainda não tinha tido coragem para se declarar e não tinha certeza se um dia teria.

- Amanhã começam as férias de Julho, graças a Deus! – fala rapidamente Guto para desviar o assunto. – O que vamos fazer?

- Sei lá! Vamos inventar algo. – Mariana enquanto vasculha os discos de vinil.

- O piá você não ouviu mais o seu tio Paulo? – fala Túlio sorrindo com o vinil na mão.

- O piá, não brinca com isso. – Guto com cara de sério. – Claro que sim, mas acho que não tem nada mesmo. – desanimado.

- Deixa eu ouvir mais uma vez o disco. – Túlio pegando o vinil e colocando na vitrola.

- De novo não né piazada! - reclama Mariana e coloca um disco de Jorge Bem Jor. – Vamos nos mexer para esquentar um pouco tirando Guto para dançar que ruboriza.

Túlio com o tio Paulo em mãos, o vinil, lê o nome da última música Peace and Love Inc. E pergunta para Guto.

- De que banda é essa música mesmo? - Information Society! – completa o rapaz desinteressado. - Há! Aquela banda que seu tio nos contou aquela história,

lembra? – Túlio pensativo. Guto fica estático com a revelação do garoto. - Que história piá?

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- Dessa banda, Information Society, não lembra? – olhando sem acreditar que o amigo não lembrava.

- Wiki, você é o esquisito que tem memória “aidética” lembra? – fala Mariana sorrindo.

- É memória eidética Mariana, eidética e não aidética. - balançando a cabeça em reprovação. - Esqueço que vocês são simples mortais. – sorrindo.

- Desembucha piá! – fala Guto. - Ok vamos lá, não me interrompam, por favor. – fazendo

cara de importante. Em mil novecentos e noventa e dois o Information Society

lançou o disco “Peace and Love Inc.”, que incluía uma faixa intitulada 300bps N, 8, 1(Terminal Mode or Ascii Download).

O nome da música na verdade eram instruções, se você configurasse um modem de conexão discada padrão, para os dados indicados no título e colocar a faixa para tocar acoplada a um receptor você iria se deparar com um texto explicando um contratempo que a banda teve durante uma turnê no Brasil, mais precisamente quando voltavam de uma viajem de Maringá em direção a Curitiba onde tiveram seu ônibus retido por promotores locais que queriam dinheiro deles ou algo assim. Mas o fato realmente interessante é que eles conseguiram, colocaram um arquivo de texto em um vinil e isso em mil novecentos e noventa e dois!

Guto e Mariana se olham incrédulos com a revelação. - Sabe Wiki às vezes acho que você é o gênio mais burro que

existe. Só agora você vem me dizer isso? – Guto sem acreditar no que ouvia.

- O que? – fala Túlio ainda sem entender. - É por isso que tem essa faixa destoando de todo o disco

piá bocó. O tio de Guto pode ter feito à mesma coisa. Por isso mandar um disco em vinil feito com suas cinzas para Guto, pois

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sabia que algo assim ficaria muito bem guardado pela família. – fala Mariana.

Mariana procura por um modem antigo entre os vários bagulhos espalhados nas coisas que Paulo trazia do sebo.

- Achei! Pegue o cabo de telefone e o receptor, gênio. – apontando para Wiki.

Na afobação Wiki e Guto pegam o vinil ao mesmo tempo e deixam cair. O disco rola para trás de uma cômoda. Guto corre e tenta alcançar o disco sem sucesso. Pede ajuda para os amigos para mover o móvel de lugar. Com o esforço mútuo conseguem e Guto verifica se houve algum dano.

- Não quebrou! – aliviado. – Mas riscou um pouco aqui. Apontando para um risco fundo na última faixa do disco,

exatamente a faixa da música. - Desculpe, desculpe, desculpe. – fala Túlio com voz de

choro. - Não esquenta vamos colocar para rodar. – completa Guto. Após alguns ajustes feitos por Wiki a surpresa. Realmente

havia uma mensagem. O coração de Guto parecia que iria sair pela boca. Finalmente ele estava certo, seu tio havia deixado uma mensagem para ele.

“Olá cabeça de pudim, tinha certeza que você descobriria essa mensagem, acredito que com ajuda de seus amigos, se você esta lendo isso significa que já não estou mais entre os vivos.

Não fique triste, tive uma vida muito boa sempre cercada de pessoas que amei e me amaram muito, fui privilegiado em poder trabalhar com o que amava os livros e a história de nossa cidade mesmo que isso tenha custado minha vida.

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Lembra quando lhe contei a história do tesouro, dos túneis e tal e que tudo era verdade, pois então o fato é que não havia somente ouro e prata no navio, mas algo muito mais importante. Tão importante que vem sendo procurado por séculos ao redor do mundo por uma sociedade secreta chamada os Filhos de Belial ou como gostam de ser chamados Beliais.

O motivo de minha repentina partida para Londres foi à contratação de meus serviços por uma empresa de fachada desta sociedade que na época eu não sabia. Eles financiariam minhas pesquisas completamente, recursos ilimitados, desde que ninguém ficasse sabendo.

Durante três anos fiquei em Curitiba oculto de todos apenas pesquisando sem poder me comunicar com ninguém principalmente com minha família.

Estava muito perto de encontrar a entrada do túnel e ver com meus próprios olhos o tesouro. Mas foi então que percebi a que havia algo mais do que ouro e prata no tesouro e as implicações disso. Já vinha desconfiado das reais intenções dos Beliais então retornei a Londres onde confirmei minhas suspeitas.

Não há como lhe contar tudo aqui o espaço é curto, mas tinha que encontrar um meio de lhe mostrar isso sem que fosse descoberto por eles. Preste MUITA ATENÇÃO você não pode contar isso para ninguém nem mesmo para seus pais ou eles estarão em grande perigo.

Sinto muito envolvê-lo nesta situação, mas é por um bem maior. Não permita que meu sacrifício fique em vão. Você terá que refazer meus passos, pegue meu diário de campo lá encontrará as respostas e o ponto onde parei. O diário esta escondi...”

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Neste ponto o risco no vinil atrapalha a decodificação. Wiki fica branco, Guto olha desesperado para ele.

- Eu dou um jeito! – Wiki mexendo no receptor. Mas o risco era muito profundo e deste ponto em diante

tudo o que conseguem são fragmentos da mensagem e pequenas frases e palavras soltas como cemitério de cães... sereias, protegem, grutinha... não confie em ning... até que nada mais.

As novas descobertas são ainda mais fascinantes e perigosas ao ponto de matarem Paulo. As desconfianças de Guto se concretizavam, não foi um assalto enfim o motivo da morte de seu tio. Os assassinos procuravam seu diário de campo.

Uma mistura de medo e excitação percorria o corpo do garoto. Cada vez mais, misteriosa ficava aquela história, perguntas borbulhavam na mente de Guto. Que ordem secreta era aquela? O que buscavam ao ponto de matar por isso? O que seria assim tão valioso?

Mariana olha assustada para Guto. - Você não esta pensando em ir atrás disso não é? Guto fica em silêncio. - É loucura seu tio foi morto por isso, não vale a pena!

Vamos contar a seus pais e a polícia! – olha para Wiki procurando apoio. - E você não vai falar nada? – aflita.

- Falar o que? Vamos procurar a polícia e dizer o que? Que encontramos uma mensagem em um disco de vinil feito com as cinzas de um cara que foi morto em Londres por uma seita secreta que quer roubar um tesouro enterrado de um pirata! – com as mãos e ombros levantados.

- Você viu a mensagem Mariana não podemos contar para ninguém! Túlio tem razão. O que nos resta é procurar o tal diário de campo e resolver isso de uma vez por todas. – fala Guto.

- Procurar onde nem temos toda a mensagem. – Mariana indignada.

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Durante alguns minutos o silêncio prevalece com cada um imerso em seus pensamentos avaliando a situação. Então Guto se manifesta.

- Mas em uma coisa você tem razão Mariana, não posso envolver vocês nisso. A mensagem foi deixada para mim, isto faz parte de minha história familiar e não posso colocar vocês em risco.

- Acho um pouco tarde para isso, você não? – fala Mariana irritada vendo que não poderia dissuadir os garotos. – E no mais não posso deixar dois cabeças de bagre sozinhos nisso, acabariam mortos ou pior. – apreensiva andando de um lado para outro.

Túlio olha para Guto e fala. - Nem pense em me deixar de fora. Se não fosse por mim

você não teria descoberto a mensagem. Portanto pode esquecer, vamos todos juntos nesta caçada ao tesouro do Pirata Zulmiro. – esticando a mão para frente esperando a dos amigos.

Guto sorri aliviado e agradecido, pois sabia que não poderia fazer isso sem a ajuda de seus amigos e completa.

- Vejam o lado bom, já sabemos o que vamos fazer em nossas férias! – sorrindo.

Com as mãos uma em cima da outra selam seu pacto em busca da Lenda do Tesouro das Mercês.

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Cemitério de Cães A excitação era total nos amigos, Wiki foi pesquisar na

internet sobre a tal sociedade secreta Filhos de Belial enquanto Mariana e Guto estão tentando descobrir mais alguma pista nas coisas deixadas por Paulo, sobre onde ele poderia ter escondido o diário de campo. Enquanto vasculham as caixas no quarto Guto vendo a tensão no rosto de Mariana pergunta.

- Tudo bem? - Sim! Tudo. – olhando para baixo. - Olha Mariana você sabe que não tem que fazer isso eu e o

Wiki damos conta, sério. – preocupado. Mariana senta na cama segurando um velho penal de escola

que encontrou dentro de uma caixa. Olha para Guto e fala desabafando.

- Você sabia que quando alguém mente para mim vejo uma cor amarelada?

- Não. – surpreso. - Pois é! Sou estranha, eu sei, mas isso é muito útil. Outra

coisa estranha a meu respeito, dentre tantas – sorrindo encabulada - quando gosto de alguém, toda vez que essa pessoa fala sinto um aroma agradável bem sutil. Quanto mais gosto da pessoa mais forte é o aroma. Minha mãe, por exemplo, sinto cheiro de rosas, já meu pai de sorvete de baunilha o Wiki é uma mistura de hortelã com lima. – sorrindo.

Guto olha fascinado para menina sentado ao seu lado na cama.

- E comigo, que cheiro você sente quando eu falo? - curioso. - Você tem cheiro de chuva, de terra molhada. - sorrindo. –

No seu caso foi imediato, assim que te conheci senti. – olhando diretamente nos olhos do rapaz.

Guto fica um pouco decepcionado.

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- De lama? Eu tenho cheiro de lama! – fazendo cara de nojo. Mariana sorrindo. - Esse é o aroma que mais gosto no mundo. E o teu é tão

forte que às vezes acho que vai me sufocar. – com o rosto corado. Guto olha para os lindos olhos amendoados de Mariana

compreendendo o que significava, se aproximando cada vez mais dos lábios da menina. Quando estão prestes a se beijar Wiki entra correndo gritando.

- Achei algo interessante! – para assustado diante da cena e fica sem graça. – Desculpe isso pode esperar, continuem, continuem. – sorrindo enquanto se afasta.

- Acho melhor vermos o que o maluco tem a dizer. – diz Mariana sem jeito.

- Tem razão, vamos lá. Encontram Wiki ainda sorrindo, segurando o notebook em

suas mãos. Olhando para os colegas relata suas descobertas. - Resolvi procurar sobre a tal sociedade secreta e descobri

que Baal significa senhor, imperador. Esse nome (Baal) era também o nome "secundário" de Belial. Em demonologia, Baal é o guardião dos portões do inferno, essa sociedade os Filhos de Belial, isso vai parecer loucura, buscam a entrada para o inferno. Mais precisamente achar a entrada para libertar seu mestre para nosso mundo. – fazendo cara de boxe. – Bando de malucos!

- Malucos a ponto de matar por isso. – fala Mariana se benzendo.

- Quer dizer que meu tio em suas buscas achou os portões do inferno? E ele fica em Curitiba! Aí já é loucura demais pra acreditar. – Guto balançando a cabeça.

- Não importa o que nós achamos. Mas para esses malucos isso é muito real aponto de matarem por isso. O que temos que fazer é encontrar o diário de seu tio. – fala Mariana e acabar logo com isso.

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- Sobre isso coloquei no Google as palavras que conseguimos ver no final da mensagem e vocês não vão acreditar no que achei. – fala Túlio fazendo mistério.

- Desembucha piá! – fala Guto inquieto. - Coloquei cemitério de cães no Google e obviamente achei

muitos sites sobre enterro de animais até que uma foto chamou minha atenção. – virando o notebook para que os amigos vissem. Guto e Mariana olham atentos para foto.

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- Eu já isso vi isso antes só não lembro onde. - Eu também já vi. – fala Mariana tentando lembrar-se de

onde. - Essa foto é do portão do Cemitério de Cães da cidade

Asnières-sur-Seine na região metropolitana a noroeste da capital francesa, na margem esquerda do Rio Sena, perto de Paris.

- Paris Wiki? O que uma foto de um cemitério de cães em Paris tem haver conosco. Precisamos de um cemitério de cães em Curitiba. – Guto desanimado.

- Talvez isso ajude um pouco! – fala Túlio colocando outra foto.

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Guto e Mariana ficam de boca aberta e a menina completa espantada.

- São iguais! Mas este é o portal do Passeio Público! Nós passamos todos os dias em frente quando vamos para o colégio – com a mão na cabeça.

- Isso mesmo! – Túlio animado e prossegue. O Passeio Público foi o primeiro parque de Curitiba

inaugurado em mil oitocentos e oitenta e seis por ordem do então presidente da província do Paraná, Alfredo D´Estragnolle Taunay em uma área alagada e considerada foco de doenças e para resolver o problema fizeram o parque.

Em mil novecentos e dezesseis o prefeito Cândido de Abreu realizou uma grande reforma no parque e ordenou a construção do portão para marcar a entrada do Passeio. A revista A Ilustração Brasileira havia publicado, em uma de suas edições, um desenho de um portão de entrada, em estilo art-nouveau, indicado como sendo do Cemitério de Cães de Paris.

Esse modelo foi escolhido para inspirar o portão de entrada do Passeio Público e foi assim que o Cemitério de Cães francês ingressou na história de Curitiba. – Wiki desfilando toda sua sabedoria “googleana”.

Guto e Mariana ficam animados com a descoberta. O diário poderia estar escondido no Passeio Público. Guto agora entusiasmado fala.

- Conhecendo meu tio não vejo melhor local para esconder o diário. Mas onde pode estar escondido. O Passeio Público é enorme, pode estar em qualquer lugar. – preocupado.

- É um ponto de partida. Vamos até lá amanhã dar uma olhada, talvez encontramos algo o que me dizem? – fala Mariana.

- Deixa eu verificar minha agenda para amanhã. – fala Túlio zombando.

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- OK, amanhã nos encontramos aqui cedo e vamos verificar o que achamos no Passeio Público, na pior das hipóteses passeamos. – fala Guto sorrindo.

Guto acompanha os amigos até o portão e se despedem indo cada um para sua casa, com a imaginação fervilhando. O que não sabiam é que a espreita do lado de fora dentro de um carro preto, uma figura os vigiava há muito tempo esperando o momento certo para agir.

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Grutas e Sereias Na manhã seguinte como combinado estão diante da velha

casa de madeira, mas muito bem conservada, da família Kowlakoski os intrépidos caçadores de tesouros.

Era uma linda manhã com céu completamente azul e o sol brilhando forte o que não amenizava o frio invernal que castigava a todos implacavelmente. Frio a muito não sentido na capital paranaense, muitos acreditavam que aquele ano não passaria sem neve.

Parecendo bonecos de tantos casacos, prenuncio do famoso efeito cebola que com o passar do dia iriam sendo retiradas camadas de roupas para mais tarde voltar a coloca-las, caminham até o ponto de ônibus. Túlio e Mariana carregavam mochilas o que chamou a atenção de Guto que pergunta.

- Pra que as mochilas vão viajar? - sorrindo. - Estou levando meu notebook e outras coisas que talvez

precisemos nunca se sabe. - fala Túlio. - Uma mulher nunca sai sem sua bolsa ou no meu caso

mochila. – fazendo cara de dondoca. Após alguns minutos dentro do lotação embarca um senhor

de casaco preto grosso chapéu também preto fisionomia europeia, o que chamou a atenção de Mariana.

Gostava de apreciar as roupas que as pessoas usavam no frio cada um com seu adereço, uns com cachecóis, outros chapéus, ponchos, luvas uma vez até viu uma senhora no ônibus com um cobertor, tudo para tentar fugir do frio. O trajeto foi rápido e logo desembarcavam em seu destino.

Parados diante do Portal agora visto com outros olhos, pela primeira vez perceberam sua beleza e custam em acreditar que passaram tantas e tantas vezes por ele sem nem mesmo notar. Túlio vê um vendedor de balões de ar.

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- Olha, quero uma bexiga! – com a mão esticada. - Para piá bocó. – fala Guto rindo segurando Túlio pela

roupa. - E agora por onde começamos? – pergunta Mariana. - Sei lá! O que mais dizia a mensagem? – fala Guto. - Vamos ver. Algo sobre sereias, grutinha e sei lá mais o que,

seja lá o que isto signifique. – fala Túlio com cara de sonso. - Isso não ajuda muito. – Guto desanimado. - Tem um lago aqui vai ver mora uma sereia nele e seu tio

pediu para ela guardar o diário! – fala Mariana zombeteiramente. - Vamos nos separar eu vou por aqui você e Mariana irão

por ali. – olhando maliciosamente para os dois amigos que ruborizam quase que instantaneamente. - Se alguém encontrar alguma coisa manda uma mensagem, ok?

Todos concordam e seguem o plano. O que não percebem é que a poucos metros um homem de casaco e chapéu preto, que come pipoca, observa atentamente cada passo deles.

Guto e Mariana caminham calados por alguns metros então a menina se engancha no braço de Guto se aninhando em seu ombro.

- Frio! – sorrindo para o garoto. Apesar de morarem a vida toda na cidade percebem que

aquela era a primeira vez que entravam no Passeio Público, nunca tinham estado ali. Que talvez fosse verdade que só visitamos os pontos turísticos de outras cidades e não os da nossa.

A cada passo que davam ficavam encantados com o que viam, os belos jardins, o lago, as enormes e belas árvores com orquídeas crescendo hospedadas em seus troncos, as aves, como o Turaco-Violeta com sua plumagem azul e bico vermelho, os tucanos som sua cor exuberante, os pavões com suas caldas maravilhosas, as garças e suas pernas longas, entre tantas outras espécies de pássaros cada um mais belo que a outro. Descobriram também que ali foi o primeiro zoológico de Curitiba.

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Caminham animadamente descontraídos quase esquecidos da razão de estarem ali quando se deparam com uma construção arredondada. Aproximam-se e descobrem se tratar do aquário do Passeio. Após uma breve visita ao local saem e ficam parados sem saber ao certo que fazer. De repente Mariana olha assustada para Guto que percebendo pergunta o que estava havendo.

- Sereias! O rapaz não compreende ou acha não compreender. - O que? - Sereias! - apontando para parte de trás do aquário, onde

duas sereias guardavam a entrada de uma pequena gruta.

Guto virasse, olha espantado e sorri satisfeito com a

descoberta, imediatamente manda uma mensagem para Túlio para

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que os encontrasse. Algum tempo depois chega Túlio com um enorme pacote de pipoca com muito bacon.

- Então o que encontraram? – mastigando, com a boca cheia de pipoca.

- A gruta! – fala Mariana apontando para o local. – O Problema é como vamos entrar lá.

- Eu é que não vou pisar nessa água gelada. – fala Túlio estremecendo de frio.

- Vamos esperar diminuir o movimento aí entro rápido, se vocês virem alguém vindo assobiam. Alguém trouxe uma lanterna? – pergunta Guto.

Túlio abre a mochila vasculha dentro por alguns segundos e saca uma pequena, mas potente lanterna de led. Como combinado assim que o movimento parou Guto pula dentro do laginho, que não era fundo a água batia um pouco acima de seus joelhos e corre para dentro da gruta.

Com a cabeça baixa para não bater no teto vasculha as paredes a procura de alguma coisa, algo que pudesse esconder um diário. No lado de fora ansiosos, olhando a todo instante para os lados para ver se alguém se aproxima Túlio e Mariana esperam ansiosos.

Passados alguns minutos Guto sem encontrar nada vai perdendo a esperança. Mariana percebe que um guarda municipal se aproxima. Túlio entra em pânico e tenta assobiar, mas de sua boca não saí um único som apenas pedaços de pipoca e bacon.

Mariana pensando rápido se aproxima do guarda para distraí-lo fazendo com que olhe para o outro lado pergunta sobre como chegar à lanchonete do parque.

Guto, alheio ao que ocorria do lado de fora, em uma última tentativa direciona o facho de luz para fundo da gruta e dentro da água com certa dificuldade por conta da água turva, percebe que uma pedra brilha com a luz.

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De joelhos na água fria com dificuldade retira a pedra. Dentro de um buraco encontra um saco plástico muito bem lacrado que retira com cuidado. É então que houve uma débil tentativa de assobio.

O guarda percebendo o desconforto de Túlio de onde esta olha para dentro da gruta e vê o feixe de luz da lanterna. Corre até a entrada da grutinha se segurando com dificuldade na borda e em uma sereia e olha para dentro sem entrar na água. Mariana corre ao seu lado e pergunta.

- O que foi? - Acho que vi uma luz dentro da grutinha. – fala o guarda

forçando os olhos para enxergar no escuro. - Deve ter sido reflexo do sol, quem seria louco de se

molhar para entrar aí com esse frio e para que? - Mariana fingindo tremer de frio com um sorriso amarelo a escapar dos lábios.

- Você deve ter razão. – fala o guarda ainda desconfiado. - O senhor estava me mostrando onde ficava a lanchonete. –

Mariana puxando o guarda para o outro lado. Guto estava quase saindo quando percebeu o guarda, então

mergulhou para se esconder. Como era campeão de natação no colégio não foi problema segurar a respiração.

Assim que o guarda foi embora e o local ficou vazio, Mariana assobia e Guto sai tremendo de frio, mas com o diário na mão.

Mariana abraça Guto que treme sorridente. - Nossa piá, tira esse casaco você vai ficar doente. Foi por

pouco! – fala Mariana sorrindo. - Toma piá, pega minha japona. – Túlio se oferece. - Vamos chamar um taxi e ir para casa. – fala Guto. O homem do casaco e chapéu preto que observava tudo de

longe pega em seu bolso um pequeno celular e faz uma ligação. - Alô sou eu, eles encontraram o que devo fazer?

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Do outro lado uma voz seca e monótona, mas contente responde.

- Nada! Apenas continue seguindo eles, vamos ver até onde estes exploradores amadores conseguem chegar. Se tivermos sorte eles nos pouparão um bom trabalho e nos levarão direto onde queremos chegar. – rindo.

O Homem do casaco e chapéu preto desliga e observa os garotos entrarem em um taxi.

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A Bíblia do Diabo

No quartel general da caçada ao tesouro das Mercês, o quarto de Guto, aquecidos diante de uma mesa com chocolate quente, bolinhos de chuva e um prato de pierogi de requeijão, especialidade da mãe de Guto com receita passada de geração para geração, comemoram o êxito da missão.

- Vamos ver o que nos diz o tão cobiçado diário de campo de seu tio. – Túlio segurando o caderno grosso com capa em couro marrom desbotado devido ao uso.

Guto e Mariana deixam que Wiki vasculhe as anotações, pois sabiam que não havia ninguém melhor que ele para este tipo de serviço e que se tivesse algo importante a se descobrir ele encontraria.

Durante vinte minutos Túlio folheia o caderno atentamente emitindo apenas pequenos grunhidos com expressão muito séria o que leva seus colegas à loucura.

- Vai demorar muito ainda Wiki? – Guto impaciente. Mariana já não aguenta mais esperar. - Vai logo pro final piá! Assim descobrimos onde fica o

tesouro e acabamos com isso logo! – irritada tentando arrancar o caderno das mãos do garoto.

Túlio em um rápido movimento se esquiva e fala. - Já fui e não adianta. - com expressão de desanimo. - Como assim não adianta? – Guto indignado. - Estão faltando várias páginas, foram arrancadas

propositadamente e são sempre páginas fundamentais para compreensão do texto.

- Como assim? – fala Guto. - Vou explicar. As anotações iniciais dizem respeito às

descobertas de seu avô, do túnel que ele encontrou na casa no Bosque Gutierrez e tal. Nada do que já não sabemos. Mais adiante

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fica interessante, seu tio descobriu o que os Filhos de Belial buscam é algo muito louco! – olhando para os amigos com cara de espanto.

- Desembucha logo PIÁ! – fala Mariana com s mão para cima.

Túlio prossegue. - Os malucos procuram as páginas desaparecidas da Bíblia

do diabo o Codex Gigas! – com as sobrancelhas levantadas e os olhos arregalados.

Mariana e Guto se olham sem compreender. - Bíblia do diabo? Gigas o que?– fala Guto. - E desde quando o diabo tem uma Bíblia? – fala Mariana

incrédula. - Vou explicar a vocês. – recorrendo a sua fenomenal

memória. Uma vez eu fazia um trabalho sobre religião para o

professor Clisseu, da sétima série aquele com o cabelo esquisi... – percebe a cara dos amigos por estar se desviando do assunto se desculpa e volta ao tema. - Como dizia acabei esbarrando em um site que mencionava o Codex Gigas.

O Codex Gigas é considerado o maior manuscrito medieval existente no mundo. Foi criado no início do século XIII, presumivelmente no mosteiro beneditino de Podlažice na Boemia, atual República Checa e atualmente está preservado na Biblioteca Nacional da Suécia, em Estocolmo.

É também conhecido como a Bíblia do Diabo, devido a uma grande figura do diabo no seu interior e da lenda em torno da sua criação.

Tem esse nome Codex Gigas, que em latim quer dizer livro gigante, por que é enorme tem capa e contra capa em madeira, revestidas de couro e ornamentadas com motivos metálicos com noventa e dois centímetros de altura, cinquenta centímetros de largura e vinte e dois centímetros de espessura e pesa cerca de

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setenta e cinco quilos sendo necessárias duas pessoas para carrega-lo.

Possui trezentas e dez folhas ou seiscentas páginas de velino, uma espécie de pergaminho, e esse velino usado foi elaborado a partir de pele de vitelo ou pele de jumento, segundo algumas fontes, num total de cento e sessenta animais.

Algumas páginas foram retiradas da versão original, sete para ser mais exato, que segundo a lenda continham um segredo muito importante e ninguém sabia o motivo até agora. – olhando para os amigos segurando no ar e balançando o diário de campo.

Além disso, existe uma lenda, como não poderia ser diferente, um dos monges, tendo cometido um terrível pecado, foi condenado a ser emparedado vivo em sua cela.

Para escapar a tão lenta e terrível morte, o monge fez uma proposta aos seus superiores: ele escreveria o maior livro do mundo em apenas uma noite. Se conseguisse cumprir essa tarefa ser-lhe-ia permitido viver.

O negócio foi aceito. Ao pôr do sol, o monge começou a trabalhar. À meia-noite, já desesperado percebendo que jamais conseguiria cumprir o prometido, o infeliz resolveu pedir a ajuda, mas não a Deus como era de se esperar de um monge, mas sim para o diabo. O diabo veio e fez o serviço completo, incluindo um autorretrato.

Seu tio tem até uma replica da imagem aqui. - Túlio vira o caderno para os colegas poderem ver.

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No Codex a imagem é precedida por uma conjuração por meio da qual se acredita ser possível comunicar-se com espíritos, entidades demoníacas e um encantamento para comandar essas criaturas.

E os Filhos de Belial acreditam que nas sete páginas desaparecidas esta um feitiço ou encantamento capaz de abrir um portal e liberar estas criaturas assim podendo dominar o mundo.

Túlio olha atento para os amigos esperando as reações. - Senhor da Galiléia! – Mariana fazendo o sinal da cruz. - Isso é muita loucura, como meu tio foi se meter nisso! –

Guto andando de um lado para outro. Túlio vendo que os amigos ainda não compreenderam a real

gravidade da situação fala. - Pessoal! E se tio Paulo realmente encontrou as páginas do

Codex Gigas. Por mais maluco que isso possa parecer temos que levar em conta que talvez, somente talvez, essa história toda seja VERDADE! – com as mãos levantadas. – Vocês já imaginaram se isto cai nas mãos destes malucos? Podemos estar falando no fim do mundo! – temeroso.

Guto andando de um lado para o outro se nega a acreditar naquela loucura.

- O que mais fala o Dário? E como uma coisa dessas poderia ter vindo parar aqui em Curitiba? – pergunta Mariana.

Túlio abre novamente o caderno e continua. - Vocês vão adorar isso, tem mais. – esfregando as mãos e

rindo. - Segundo as descobertas do tio Paulo, é aí que entram nosso amigo Pirata Zulmiro os jesuítas e os mações!

- Maçons, da maçonaria? – Guto com as mãos na cabeça. - Nossa fica cada vez melhor. – Mariana apoiando a cabeça

com a mão. Túlio prossegue.

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- Como já sabemos nosso amigo pirata era na verdade um capitão inglês que segundo contam entrou em combate com um galeão Frances desertando após roubar a carga.

Só que ele não roubou a carga. O capitão Sun Mirror era Grão-Mestre maçom e foi encarregado por eles como protetor das sete páginas do Codex. Sua missão era escondê-las em local seguro. Durante séculos os maçons e os jesuítas vêm protegendo esse segredo dos Filhos de Belial.

Acreditavam que uma pequena vila no Brasil seria um ótimo local para esconder as páginas, afinal quem procuraria aqui. Por isso os jesuítas ajudaram e construíram os túneis e o local onde esta escondido o tesouro. Construíram um leprosário em cima da primeira entrada, pois sabiam que ninguém se aproximaria.

A maçonaria tem um longo histórico de segredos e é sabido que estão sempre entre as lideranças políticas e financeiras de uma comunidade. Também é sabido que deixam marcas, sinais, que somente membros da fraternidade podem decifrar caso fosse necessário trocar o local das páginas do Codex.

Pois bem segundo seu tio ele decifrou estes sinais que estão espalhados em muitos dos monumentos e praças pela cidade.

- Por isso faltam às páginas no diário. Tio Paulo sabia que se encontrassem o diário poderiam ir diretamente ao tesouro. Já assim é necessário juntar todas as pistas antes. O diário passa a ser um grande quebra cabeça um mapa do tesouro. – fala Guto. - Exato! – Túlio satisfeito. - E qual é a primeira pista? – fala Mariana. - Segundo seu tio devemos conhecer a história do senhor Napoleon Potyguara Lazzarotto mais conhecido como Poty Lazzarotto. – fala Túlio sorrindo.

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~~~~

Túlio inicia imediatamente a pesquisa. Enquanto Guto e Mariana conversam no quarto.

- Que loucura tudo isso. – Mariana sorrindo. - Nem me fale! Quando meu tio disse que Curitiba era

importante para o Brasil nem ele sabia o quanto. – rindo. - Wiki logo descobrirá o que devemos fazer. - Tenho certeza. – preocupado. - O que foi? - Nada! – desviando o olhar. - Não adiante mentir para mim Guto. Já falei que vejo um

leve tom amarelo quando fazem isso. - Esqueci que lido com uma bruxinha. - sem jeito. - Só estou

preocupado com essa loucura toda. - Não importa o que acontecer estaremos juntos. Colocando

a mão no rosto de Guto. O guri sorri se aproxima e beija Mariana. Um beijo simples,

mas repleto de paixão. Guto sabia que aquele era o primeiro de muitos e que aqueles seriam os únicos lábios gostaria de beijaria para o resto da vida.

Túlio entra no quarto e vendo a cena sai de mansinho sorrindo e falando para si mesmo baixinho.

- Até que enfim!

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Murais por toda Cidade O visitante que chega pela primeira vez a Curitiba acabara

esbarrando em um dos belos painéis espalhados pela cidade, seja no aeroporto, atrás da Praça Tiradentes, no Palácio Iguaçu, na Torre Panorâmica, no Teatro Guaíra ou na Praça do Homem Nu.

Ao todo são 46 murais espalhados pela capital paranaense. Alguns são de cimento, outros de ladrilhos, mas todos com o mesmo traço e estilo comum. São as obras de Poty Lazzarotto, que ornamentam diversos espaços públicos de Curitiba.

Napoleon Potyguara Lazzarotto ou apenas Poty Lazzarotto era filho de Isaac Lazzarotto, ferroviário e Júlia Tortato Lazzarotto, que mantinha um restaurante montado em frente à sua casa, o Vagão do Armistício, que era frequentado por muitas personalidades da época.

Dentre os clientes ilustres, estava Manoel Ribas, o interventor federal no Paraná nomeado pelo então presidente Getúlio Vargas. Ribas foi o responsável por oferecer a Poty uma bolsa de estudos na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em mil novecentos e quarenta e dois iniciando assim sua carreira.

Dali, Poty não parou mais. Passou a ser ilustrador de livros, jornais e revistas. Em mil novecentos e quarenta e seis, ganhou outra bolsa de estudos, desta vez do governo francês. Estudou por dois anos em Paris, onde aprendeu litografia.

Ao longo de sua carreira, Poty utilizou diversas técnicas de gravura e ilustração em seus trabalhos. Os livros ilustrados por Poty incluem Iracema, de José de Alencar; Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa; Capitães da Areia, de Jorge Amado; O Quinze, de Rachel de Queiroz, Moby Dick, de Herman

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Melville; além de várias obras de Machado de Assis e do curitibano Dalton Trevisan.

Túlio lia atentamente a vida de Poty e o diário de campo procurando algo que pudesse ajudar. Após um tempo de pesquisa chama os amigos para repartir suas descobertas.

- Achei algo que vale a pena verificarmos. – entusiasmado. - O que foi? – fala Mariana. - Relendo o diário do tio Paulo encontrei uma história

interessante. Ouçam. É uma história de amor entre um camponês e a filha de uma

bruxa. Os jovens apaixonados decidem casar, mas para isso a moça teria que renunciar seus poderes o que não era aceito por sua mãe, pois a moça estava destinada a ser uma poderosa bruxa.

Mesmo com a desaprovação da filha sua mãe prepara um sabbat na noite de natal quando acontece o solstício de inverno no hemisfério norte tornando assim a moça uma bruxa.

Mas o casal apaixonado tem outros planos e seis dias antes resolve fugir. A bruxa mãe, descobrindo a fuga, para impedi-los joga um feitiço no casal os transformando em pedra e os coloca em seu jardim, a moça sentada a contemplar seu amor que fica em pé virado para frente sem nunca poder vê-la até o fim dos tempos.

Guto e Mariana recém apresentados as maravilhas e descobertas do amor imaginam como seria não poder se ver. Mariana fala.

- Que história horrível. – com cara de medo. - Mas o que isto tem haver com o tesouro? – fala Guto sem

entender. - No inicio também não entendi, mas depois tudo se

encaixou. Primeiro a data, seis dias antes do dia vinte e cinco de dezembro, ou seja, dia dezenove de dezembro. Outra coisa é o fato de serem um casal, uma moça e um rapaz transformados em pedra. Não lembra nada a vocês? Sério? – Túlio sem acreditar.

Os dois se olham e nada.

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- A Praça do Homem Nu a Praça Dezenove de Dezembro! Na praça tem as estátuas da mulher sentada olhando para o homem nu e o mais importante o fato de lá ter um mural de azulejos feito por Poty Lazzarotto, seu primeiro mural por sinal.

Outro detalhe importante o pai de Poty era guarda-freios e, posteriormente, chefe de trem. Ele era subalterno do coronel Wallace de Mello, avô do senador Roberto Requião, que era chefe da estação ferroviária de Curitiba e fundador do Centro dos Ferroviários do Paraná e Santa Catarina e segundo dizem foi ele que pediu ao filho que supostamente era maçom, pai do senador Roberto, o médico Wallace Thadeu de Mello e Silva, para dar o mural de azulejos para Poty executar.

- É isso, você é um gênio Wiki. Sabia que você encontraria algo. A próxima pista esta na praça. – Guto radiante de alegria.

- Então acho que é isso, Praça Dezenove de Dezembro aí vamos nós. – fala Mariana.

- Já vai escurecer melhor deixarmos para amanhã. - pondera Guto.

- É verdade e hoje promete ser uma noite fria, muito fria. – fala Túlio. – A propósito vou dormir aqui hoje Guto, belê?

- Claro sem problema. Vou pedir para minha mãe arrumar um acolchoado para você. Seus pais estão viajando novamente?

- Sim, como sempre. – resignado. Os pais de Túlio viajam muito a trabalho e o garoto vivia

mais na casa de Guto que em sua própria. Já era considerado membro da família pelos Kowlakoski.

- Então acho que é isso piazada, até amanhã. – fala Mariana. - Eu acompanho você até o ponto de ônibus. – Guto

sorrindo. Caminham lado a lado em silêncio até que Mariana pega na

mão de Guto. - Já passou da hora da prefeitura trocar este antipó por

asfalto. – Mariana para puxar assunto ainda meio sem jeito.

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- Já assinamos um baixo assinado para isso, mas até agora nada.

Caminham mais um pouco e finalmente chegam ao ponto. Guto puxa a menina a abraça forte e beija sua boca.

- Espero que o ônibus demore. – o rapaz sorrindo não querendo larga-la.

- Eu também. – se beijando novamente. Mas o ônibus não tardou e Mariana embarcou rumo sua

casa. Antes de ir embora fala. - Cheiro de terra molhada, adoro! – sorrindo. Enquanto caminha para casa, como andando em nuvens,

Guto não percebe parado a alguns metros de sua casa um carro preto e dentro uma sinistra figura que o observa.

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Juramento Curitibano Na manhã seguinte novamente saem apressados os

intrépidos caçadores de tesouro em direção a Praça Dezenove de Dezembro no centro de Curitiba. Uma manhã cinzenta acompanhada de um vento frio cortante que castigava os habitantes da capital.

A praça foi concebida para comemorar o centenário da emancipação política do estado do Paraná, ocorrida em dezenove de dezembro de mil oitocentos e cinquenta e três. Na comemoração de seu centenário, com a presença do então Presidente da República Getúlio Vargas, foi inaugurado na praça um obelisco em granito, com o escudo do estado, homenageando o acontecimento histórico.

Conta também com uma grande estátua em granito de um homem nu, daí o apelido popular Praça do Homem Nu, de autoria dos escultores radicados no Brasil Erbo Stenzel e Humberto Cozzo além da estátua de uma mulher nua, de autoria de Humberto Cozzo antes destinada a guarnecer o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Além do obelisco é ornamentada também com um tanque de água de formas sinuosas e com um mural de pedra em duas faces.

Em um lado contém um painel em granito em alto relevo de Erbo Stenzel e no outro um painel de azulejos azuis e brancos da autoria de Poty Lazzarotto, tendo como plano de fundo a criação da comarca de Curitiba, o desenho apresenta a evolução histórica do Paraná, dividida pela ordem: garimpeiros, jesuítas, bandeirantes, assembleia, tropeiros, navegação fluvial e primeiro governo da província. Para ligar esses relatos, deixando uma unidade na obra, uma faixa branca permeia todos os quadros, dando a sensação de continuidade.

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1 Obelisco e Homem Nu

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3 Mulher Nua Praça 19 de Dezembro

2 Mural em relevo Praça 19 de Dezembro

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Diante da imensa figura do homem nua Túlio aponta para as partes íntimas da estátua e fala.

- Garanto que é por causa do frio do djanho que esta fazendo. – rindo muito.

Todos riem e Guto completa. - Deixa de ser bocó piá! Vamos procurar alguma pista. –

ainda rindo. Durante alguns minutos procuram por todos os lados por

algum sinal que pudesse lhes mostrar onde Paulo poderia ter escondido outra pista, mas não encontram nada.

- Então alguma coisa? – pergunta Guto aos amigos. - Nada! – fala Mariana levantando as mãos. - Nem olhem para mim, também não vejo nada. - fala Túlio. - Mas tem que estar aqui. Estamos deixando passar alguma

coisa. O diário fala que devemos procurar por Poty então a resposta deve estar no painel dele, vamos verificar mais uma vez.

4 Mural de Poty Praça 19 de Dezembro

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Diante do enorme painel apreciam sua beleza, vasculham cada detalhe a procura de alguma pista e então Túlio fala.

- Olhem isso. – apontando para uma parte do painel. Era o desenho de uma canoa conduzida por um bandeirante

e por alguns índios com expressão de medo e ao centro da canoa o que parecia ser um baú.

- Interessante, fala Guto. – se aproximando. Ao chegar mais perto percebe que um dos azulejos que

formavam a imagem do baú, esta com uma coloração diferente, como se fosse mais novo que os demais. Pede a Túlio seu canivete suíço que sabia que sempre carregava.

Olhando para os lados para verificar se não havia ninguém Guto força a lateral do azulejo com a ponta da lamina do canivete e com um pouco de esforço o desprende. Atrás encontra um compartimento onde enfia a mão dentro e retira um saco plástico.

- Achei! – radiante.

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Túlio e Mariana sorriem felizes. Entusiasmados com a descoberta não percebem a aproximação de um homem alto com cerca de quarenta anos, corpo atlético fisionomia séria e um forte sotaque inglês.

- O que vocês encontraram meninos? – sorrindo. Os garotos se assustam com a presença do homem. Guto

rapidamente esconde o conteúdo em seu casaco. - Percebemos que este azulejo estava solto e resolvemos

coloca-lo de volta no lugar. Vamos ligar para o 156 da prefeitura para que venham consertar. – fala Guto visivelmente preocupado.

O homem sorrindo ironicamente prossegue. - Acredito que podemos ser honestos. Vocês acharam algo

que nos pertence, seu tio foi contratado para encontrar isso e foi muito bem pago para isso. Mas aparentemente ficou ganancioso. Agora deixem de brincadeira e me entreguem o que encontraram. – esticando a mão.

Túlio e Mariana ficam atrás de Guto que tenta ganhar tempo.

- Desculpe não sei do que o senhor esta falando. – dando um passo para trás.

- Chega de bobagens garoto. – com o tom de voz ameaçador levantando o casaco e mostrando a coronha de uma arma.

Mariana ao ver o revolver solta um pequeno grito de horror. Túlio enfia a mão dentro da mochila que carregava e retira sorrateiramente um spray de pimenta.

Nesse instante o homem agarra o casaco de Guto, Mariana puxa o rapaz tentando desvencilhá-lo e Túlio com notável agilidade espirra um longo jato de spray no rosto do homem que solta um grito de dor largando Guto.

Guto empurra o homem que cai sentado enquanto saem correndo subindo a Rua Riachuelo o mais rápido que podem. Fogem apressados só preocupados em se salvar. Não levavam em conta que estão correndo pela primeira rua de Curitiba. Sem saber

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que no passado era ela um dos caminhos que ligava a pequena e isolada vila de Curitiba do século XIX ao litoral.

Correndo pelos prédios antigos pintados com cores vibrantes com suas lojinhas de sírio-libaneses, que inicialmente se estabeleceram próximos ao Mercado Municipal como vendedores ambulantes e mais tarde, passaram a ocupar as lojas da Rua Riachuelo, as quais, a partir dos anos cinquenta, passaram a ser quase que exclusivamente ocupadas por eles com a costumeira mania de expor roupas em araras em frente das lojas.

Em disparada Túlio esbarra em uma arara fazendo voar peças de roupas por toda rua. Sem parar ouve os xingamentos em árabe, mas prossegue se desculpando.

Seguem rápido até chegarem à Rua XV de Novembro também conhecida como a Rua das Flores, no coração de Curitiba. Rua onde não trafegam carros somente pedestres, o que foi uma inovação para época e gerou muitos protestos.

Mesmo com a recusa da ideia por parte dos comerciantes e muitos moradores, durante a madrugada do dia vinte de maio de mil novecentos e setenta e dois, aproveitando o recesso da justiça, caminhões, máquinas e homens eliminaram as vias e estacionamentos existentes na Rua XV e instalaram o calçamento em petit-pavê em questão de horas, formando uma contínua calçada branca com um jardim, em plena área central. Na próxima manhã, a rua surge completamente modificada, surpreendendo a todos os curitibanos.

Misturam-se a multidão caminhando apressados olhando para trás para ter certeza que não tinham sido seguidos. Resolvem entrar na tradicional Confeitaria das Famílias. Sentam em uma mesa próxima a janela e pedem suco e carolinas de chocolate para comer.

- Nossa, foi por pouco? Quem era aquele maluco? – fala Túlio ainda recuperando o fôlego.

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- Só podia ser um membro dos Filhos de Belial. – Mariana ainda assustada.

- O importante é que achamos mais uma pista. E onde você arranjou aquele spray de pimenta, piá? – Guto sorrindo.

- Presente de minha mãe. Ela diz que a cidade esta muito insegura. Temperei o safado! – rindo.

- Vamos ver o que temos aqui. – Guto retirando do bolso o saco plástico.

Abre cuidadosamente o plástico e retira algumas folhas de caderno além de uma pequena chave muito velha com cerca de cinco centímetros feita em metal. Túlio se oferece para examinar os papéis. Durante alguns minutos lê atentamente.

- Então Wiki o que diz aí? – pergunta Mariana ansiosa. - É mais uma peça do quebra cabeça. – Túlio resignado. - Bem que seu tio podia simplesmente escrever onde esta o

tesouro e pronto! – Mariana olhando para Guto. – Seria muito mais fácil! – irritada.

O rapaz concorda com a cabeça e fala. - Então Túlio desembucha, qual é a próxima pista? Mas antes do rapaz começar a falar o telefone de Guto toca.

O rapaz verifica o identificador de chamada e não reconhece o número.

- Alô? Do outro lado uma voz suave, mas monótona. - Acredito que você tem algo que me pertence rapaz! O coração de Guto quase sai pela boca, rapidamente coloca

no viva voz para que seus colegas possam ouvir a conversa. - Quem fala? - Isso não é importante agora, mas pode me chamar de

professor, se assim preferir. Vejo que a habilidade para pesquisa assim como para arrumar problemas é de família. Fui informado que encontraram algo que me pertence.

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- Não sei do que esta falando. E como tem meu número? – angustiado.

- Sei tudo a seu respeito Johannes Gutenberg Kowlakoski, assim como de seus amigos a doce Mariana e o gênio atrapalhado Túlio.

- Não irei lhe entregar nada. E se não nos deixarem em paz irei direto a polícia! – enfático.

- Péssima ideia garoto. – em tom ameaçador – Vocês não sabem no que se envolveram. Até agora deixei que brincassem de caça ao tesouro, mas agora chega! Entregue o que acharam, não quero ter que eliminar a terceira geração de sua família.

Guto empalidece. Mariana coloca a mão na boca horrorizada. Além de seu tio aquele homem havia matado também seu avô, a aventura começava a sair de controle e tomar um caminho perigoso.

O homem continua calmamente. - Como sou uma pessoa sensata permitirei que entreguem o

que encontraram até amanhã. Não me forcem a tomar medidas mais drásticas, acreditem isto seria um grande erro. Falaremos novamente.

Desligando abruptamente o telefone. Mariana com lágrimas a escorrer por seu rosto olha para

Guto e chorosa fala. - E agora o que faremos? - Se acalme. Eles querem muito o que temos, não farão

nada, pelo menos por enquanto. – Guto consolando a menina. – Wiki o que temos aí? – apontando para as folhas que encontraram.

Túlio, que quando fica nervoso come, esta com a boca cheia de carolinas de chocolate. Com dificuldade fala.

- Bom, como esperávamos as páginas pertencem ao diário de campo de seu tio. Comprovam o envolvimento dos maçons para esconder o tesouro assim como a periculosidade dos Filhos de Belial, o que infelizmente acabamos de comprovar.

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- Só isso? Não diz mais nada, nem uma outra pista para onde devemos ir? – Mariana ainda tensa.

- Não, somente algo chamado Juramento Curitibano. Vou ler para vocês.

“Nunca traremos desgraça a esta nossa Cidade, por nenhum ato de desonestidade ou covardia, nem jamais abandonaremos nossos companheiros do Povo, sofredores. Lutaremos, sós ou acompanhados, pelos ideais e pelas causas sagradas desta Cidade. Reverenciaremos e obedeceremos as leis da Cidade e faremos o possível para induzir a um respeito igual aqueles, acima de nós, que estejam inclinados a destruí-las ou escarnecê-las. Lutaremos também incessantemente para aprofundar o senso do dever cívico do público. Dessa forma, transmitiremos esta Cidade nem igual, nem menor do que nos foi transmitida, mas, sob todos os aspectos, mais bela, mais humana e mais sorridente”.

Curitiba, novembro de 1966.

Ivo Arzúa Pereira

- Nunca ouvi falar nisso. – fala Guto. - Nem eu, vou ter que pesquisar na internet, aqui tem wifi. –

Túlio retirando da bolsa seu notebook. Guto vendo a ansiedade e medo de Mariana a abraça. - Tudo Bem? – carinhosamente. - Sim, desculpe. Eu sabia dos riscos, mas acho que era mais

fácil em minha cabeça do que na realidade. – encabulada. - Não se preocupe tudo vai ficar bem. - Eu sei. Confio em você. – beijando suavemente seus os

lábios.

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Túlio pigarreando. - Podemos? – olhando para o notebook sorrindo. -

Obrigado. - Encontrou? - Guto esperançoso. - Sim. Vocês irão gostar disso. O Juramento Curitibano é

uma adaptação com poucas modificações do Juramento Ateniense. – olhando sério para os amigos. – E é aí que as coisas ficam interessantes.

No centro da praça Vinte e Nove de Março que foi planejada pelo então arquiteto, futuro prefeito de Curitiba e governador do Paraná Jaime Lerner, em frente ao monumento, constava uma placa escrita em bronze com os seguintes dizeres:

“Prefeitura Municipal de Curitiba. Neste local, em urna

lacrada encontra-se a “Mensagem do Futuro”, aqui encerrada no dia 14-11-1966 e que será divulgada em 29 de março do ano 2.000”.

Guto e Mariana trocam olhares continuando a não entender o que isto tinha a ver com o tal juramento e o tesouro.

Túlio prossegue. Nesta urna havia a Mensagem do Futuro, o Juramento

Curitibano e o Plano Diretor de Curitiba, além de fotos, moedas e células antigas só que na década de oitenta essa urna foi violada e a “Mensagem do Futuro” roubada.

Mas não para por aí, lá também encontramos um painel em baixo relevo de nosso amigo Poty Lazzarotto! – enfatizando o nome. - Outra curiosidade o terreno onde hoje esta a praça era um campo de futebol de um time da segunda divisão amador da década de vinte até a de sessenta chamado Poty Sport Club! – sorrindo com as sobrancelhas levantadas.

- Então é isso devemos ir até a Praça Vinte e Nove de Março lá encontraremos outra pista no mural do Poty. – fala Guto.

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- E essa chave para que serve? – Mariana segurando o pequeno objeto.

Túlio folheia o diário e encontra uma citação. - Aqui menciona que seu tio encontrou esta chave durante

sua estadia em Londres. Foi por causa dela que começou a desconfiar de seus empregadores. Mas não aprofunda muito nisso. – dando de ombros.

- Como diria Jack o estripador, vamos por partes. Uma peça de cada vez, uma peça de cada vez! – Guto sorrindo.

Mariana coloca a chave em uma gargantilha com a imagem de São Cristóvão que sempre usava e esconde dentro da roupa. Pagam a conta e sem da confeitaria.

Caminham poucos passos quando Mariana sente um homem agarrar seu braço.

- Quietinha querida. – encostando o cano da arma nas costas da menina encoberta pelas roupas.

Túlio e Guto ficam paralisados de medo. Olham para o homem que esta com os olhos ainda vermelhos por conta do spray de pimenta.

- Solte-a! – suplica Guto. - Calem a boca e sigam-me. – ordena o homem. Caminham calados em quanto descem a galeria Minerva em

direção a Av. Marechal Deodoro onde um carro os espera. São colocados no banco traseiro e olham assustados para o homem em sua frente.

- Passe para cá essa mochila. – fala o homem irritado vez ou outra esfregando os olhos enquanto vasculha a mochila.

Retira tudo de dentro e fica com o diário de campo além de todas as páginas que os garotos encontraram até ali. Guto apreensivo resolve perguntar.

- Para onde estão nos levando? - Não é de sua conta pirralho, cale a boca! –

ameaçadoramente apontando a arma.

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Rodam durante vinte minutos até chegarem a um enorme portão de ferro. Os garotos não reconhecem o bairro. São obrigados a entrar em uma mansão enorme que estava em reforma.

No rol de entrada com o chão em mármore, um candelabro em cristal pendurado ilumina o local, uma enorme escadaria que se divide em duas leva ao andar superior. Uma empregada aparece. O homem pergunta sem muita educação.

- O professor já chegou? - Não, seu voo atrasou, ele chegará apenas próximo à meia

noite. Estamos apenas nós aqui. Quem são estes? - Não lhe interessa! – secamente. O Homem faz cara de aborrecimento. E empurrando

violentamente os meninos fala. - Venham comigo pirralhos, teremos que esperara chegada

do professor. Guto pergunta. - Quem é esse professor... Leva um tapa violento no rosto. Mariana solta um grito de

horror. - Cale a boca moleque! – ainda com a mão levantada. Com o canto da boca sangrando Guto acalma Mariana

abraçando-a. - Esta tudo bem. O homem os leva para fora da casa e os faz entrar em um

anexo da casa usado como depósito com janelas gradeadas. Era um local grande com muitas coisas espalhadas.

Túlio apavorado fala. - O que faremos agora? - Vamos dar um jeito de fugir. – Guto acalmando os amigos.

– Vocês ouviram a mulher estão somente ela e os dois que nos trouxeram.

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- É e um deles esta na porta nos vigiando. Sem dizer que mesmo nós dois junto não daremos conta dele, você viu o tamanho dele? – Túlio temeroso.

- Vamos vasculhar o lugar para ver se encontramos algo que nos ajude.

Espalham-se e procuram alguma coisa que pudesse ajuda-los. Após um tempo Guto pergunta.

- Então o que encontraram. Mariana responde. - Achei um monte de canos e conexões de plástico, além de

fitas adesivas. – desanimada. - Eu achei uma roda de bicicleta com o pneu furado, mas

tem uma bomba para enchê-lo se encontrarmos o resto da bicicleta é claro. – fala Túlio irônico. – E você Guto?

- Achei um freezer cheio de batatas congeladas. - desanimado.

Mariana vai até a janela onde avista o homem. - Nossa ele é enorme deve ser preciso uma bazuca ou

canhão para derrubar ele. – vendo o tamanho do guarda. Túlio para olha para menina e fala. - O que você disse? - Que o guarda é enorme. – sem entender. - Não, depois disso? - Que seria preciso uma bazuca ou canhão para derrubar ele. - Mariana você é um gênio. – correndo em direção à roda da

bicicleta e retirando a câmara de ar. Guto e Mariana ficam olhando sem entender nada. Túlio

percebe e rindo fala. - Vamos construir um canhão para derruba-lo. – Rindo

segurando um cano de plástico. Guto lembra que há alguns anos nas férias construíram um

canhão de batata, quebrando a calha de sua casa e seu pai ficou uma fera. Tinham todos os materiais necessários ali.

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- Wiki você é um gênio. – abraçando o amigo. Então começam a construção da arma. Pegam um pedaço

de cano de PVC de sessenta milímetros colocando uma tampa em uma extremidade prendendo com fita adesiva.

Nesta tampa fazem um furo e colocam o bico que retiram da câmara de ar da roda da bicicleta vedando bem com a fita adesiva. Na outra ponta do cano de sessenta colocam um redutor para cano de quarenta milímetros. Adicionam um registro de meia volta que encontram mais um pedaço de cano de quarenta milímetros e esta pronta a arma.

Com a bomba de encher pneu de bicicleta bombeiam ar para dentro do canhão o máximo que conseguem. Guto pega uma grande batata congelada e enfia dentro do cano do canhão utilizando um cabo de vassoura envolto em um pano como bucha.

- Wiki teremos apenas um tiro, tem que ser certeiro! – fala Guto.

- Não se preocupe! – Túlio confiante. Mariana vai até a porta e começa a bater chamando a

atenção do guarda. Incomodado com o barulho o homem se aproxima da porta.

- Cale a boca eu entrarei aí e vocês verão uma coisa. – dando uma batida na porta.

Guto olha para Wiki. - Preparado? - Sim! – apontando o canhão para porta. Guto e Mariana se posicionam atrás de Túlio e continuam a

gritar. O homem abre a porta muito irritado e é quando Túlio abre

o registro deixando toda a pressão do ar que estava comprimido dentro da arma lançar a batata congelada como uma bala.

A batata acerta bem no meio da testa do homem fazendo voar estilhaços de batata para todos os lados. O Gigante cambaleia

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para trás depois para frente olha ainda para os garotos e cai desmaiado.

Os garotos saem correndo até o portão que esta aberto, sem olhar para trás correm para liberdade.

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Velhos Amigos Combinam de se encontrar na casa de Guto no outro dia

bem cedo para verificar a pista que encontraram. Aliviados seguem para suas casas.

Na manhã seguinte como combinado estão prontos para sair quando são chamados pelo pai de Guto.

Guto caminha apreensivo para dentro chamando por seus pais. Ao chegar à sala vê seu pai e sua mãe sentados conversando animadamente com um senhor. Estranha o horário da visita.

- Meninos que bom que chegaram. – fala seu pai. – Guto venha cá quero lhe apresentar um velho amigo da família que não víamos há muito tempo. Este é o professor Gregório Solomon.

O homem levanta com certa dificuldade virando lentamente. Tinha cabelos brancos, olhos azuis, pele clara, vestia-se impecavelmente, apoiado em uma bengala com cabo em marfim, olha e sorri.

- Olá meu rapaz, que bom que finalmente nos conhecemos. Pode me chamar de professor se preferir assim como seu tio fazia, éramos grandes amigos, você lembra ele.

Guto reconhece imediatamente a voz, o mesmo tom monótono da que ouviu no telefone. Assustado apenas responde.

- Olá. - O professor assim como seu tio e avô também é um

entusiasta da lenda do Pirata Zulmiro. – fala o pai de Guto sorrindo.

- Uma lenda, um mito, muitas vezes não passam de versões contadas muitas e muitas vezes de um fato verdadeiro meu amigo Norberto. – balançando a mão no ar. – Mas é verdade Guto, conheci seu avô por conta dessa lenda, e depois seu tio. – olhando maliciosamente para o garoto.

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Guto cora de raiva com os punhos cerrados, diante dele o assassino de seu avô e tio, mas se contém por medo que algo pudesse acontecer a seus pais e amigos. O velho prossegue.

- Lembro que seu tio tinha uma formidável coleção de discos de vinil, ficaria muito grato se pudesse vê-la mais uma vez meu rapaz.

O Pai de Guto responde por ele. - Claro! Será um prazer, Guto leve o professor até seu

quarto enquanto ajudo sua mãe a preparar um café para nós todos. Túlio, Mariana me ajudam? – sorrindo.

Ao chegarem ao quarto tendo certeza que estavam a sós o homem muda de expressão.

- Gosto de conhecer meus adversários cara a cara. - analisando o garoto.

Guto deixando sua raiva extravazar ameaça ir em direção ao velho, mas com um gesto extremamente ágil contrastando com sua imagem frágil, ele puxa o cabo da bengala deixando a mostra a lamina de uma espada que aponta para garganta de Guto.

- Não se julga um livro pela capa, seu tio deveria ter lhe ensinado isso. Não deixe minha aparência lhe enganar. Acredito que o melhor é manter as aparências para o bem de todos – rindo zombeteiramente.

O garoto se contém e se afasta. O velho embainha a bengala e puxa uma cadeira.

- Sua família vem se envolvendo há muito tempo em nosso caminho, seu avô descobriu as primeiras pistas que nos trouxeram até aqui, mas digamos que a aproximação com ele não foi das melhores e acabamos tendo que providenciar um acidente para ele. Já com seu tio mudamos a abordagem e aparentemente estávamos indo bem até ele descobrir sobre nossa ordem e o real motivo de sua pesquisa. – entediado.

Ele viajou até Londres para tentar nos despistar, dizendo que não havia encontrado nada e que a lenda não passava disto, de

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uma lenda. Obviamente não acreditamos vasculhamos seu apartamento atrás de seu diário e o resto você já sabe.

- Vocês já tem tudo o que achamos, já esta com o diário e as paginas que encontramos já podem nos deixar em paz. Assassinos! – Guto angustiado.

- Não somos assassinos, só fazemos o que é necessário para obter o que é nosso por direito. Mas acredito em você. Esta visita serve para compreender que se algum dia mencionar algo ou voltar a se envolver nisso será seu fim e de todos que ama. Fui bem claro! – olhando fixamente nos olhos do guri.

- Sim. – retribuindo o olhar. - Que bom. Agora acho melhor voltarmos afinal não

queremos deixar o café esfriar. – sorrindo ironicamente. Guto, Mariana e Túlio ficam desconfortavelmente calados

durante toda a estada do homem até sua saída. Já em seu quarto Guto põe os amigos a par dos acontecimentos.

- Então é isso fim! – Túlio olhando sério para os amigos. – Vamos deixar este velho assassino e seu bando de loucos encontrem a receita para o fim do mundo! – com os braços erguidos.

Mariana fica calada, intimamente estava aliviada que aquela loucura havia terminado.

- Também não gosto disso Wiki, mas as coisas saíram do controle. – fala Guto.

- O que seu tio faria? Ele preferiu morrer a deixar estes malucos ficarem com o tesouro, devemos isso a ele e a seu avô! - Túlio apelando para o lado emocional de Guto.

Mariana afinal se manifesta. - O que podemos fazer Wiki, eles levaram tudo. Não temos

mais nem o diário de campo! - Não precisamos dele! – fala Túlio sorrindo. - Como assim? – fala Guto. Túlio completa sarcástico.

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- Tenho tudo em minha cabeça. – com o dedo indicador batendo na cabeça. - Esqueceram que tenho memória fotográfica!

Guto olha para Mariana. - O que você acha? A menina pondera por alguns segundos. - Eu adorava seu tio, cresci com ele sempre dizendo que

devemos ser pessoas boas. Que o mundo precisa de sonhadores de aventureiros. Vamos achar este maldito tesouro e acabar com os desgraçados. Além disso, não levaram tudo. – retirando da blusa a chave presa em sua gargantilha.

Com o ânimo redobrado os amigos se preparam para o próximo passo de sua jornada. Analisam as informações que tem e buscam mais pistas. Sabem que devem procurar algo no mural da Praça Vinte Nove de Março. Sabiam que não poderiam ser vistos pelos Filhos de Belial então traçam um plano.

- Vamos deixar a poeira baixar. Iremos de bicicleta amanhã, bem cedo, saímos antes do sol raiar, assim não dependeremos de ônibus . – fala Guto.

Túlio faz uma cara de desgosto, mas acaba concordando. - Então até amanhã meninos. – fala Mariana. Guto a acompanha até o ponto de ônibus e retorna pronto

para batalha, vingaria seu tio e avô. Resgataria o tesouro e acabaria de uma vez por todas com a sociedade Filhos de Belial.

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Por um Pente Na manhã seguinte como combinado seguem rumo à praça.

O dia ainda não havia clareado, lutavam com o forte frio, mas eram recompensados pela falta de transito, o que agilizou a jornada, e pelas belas paisagens proporcionadas pelo inverno como os telhados branquinhos por conta da geada, a grama congelada e o belo nascer do sol dando um tom avermelhado a tudo. Como previam a praça estava vazia, não corriam o risco de encontrar nenhum Belial àquela hora.

Inaugurada em catorze de novembro de mil novecentos e sessenta e seis a Praça Vinte e Nove de Março é uma praça monumento em homenagem à fundação da cidade de Curitiba.

Planejada pelo então arquiteto Jaime Lerner possui dois planos que simbolizam o presente e o passado, separados por uma passagem de um metro e vinte centímetros com um monumento que lembra a forma de uma caravela, com uma cascata no centro do espelho d’água. Que sugere que as águas caindo do passado para o presente estão sempre voltando.

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Alheios a tudo isso, imediatamente começam a busca por

uma nova pista no imenso mural de Poty. Espalham-se e esquadrinham a obra.

Durante cerca de uma hora procuraram algo que pudesse dar outra pista e nada. A praça começa a ficar movimentada com pessoas praticando caminhada outros utilizando os aparelhos de ginástica para terceira idade, os “estica velho” como eram conhecidos. O tempo estava esgotando e se não encontrassem nada logo teriam que ir embora, não poderiam correr o risco de encontrar os Beliais.

- Alguma coisa? – Guto demonstrando seu desespero. - Nada. Talvez os malucos já tenham pegado. – fala Túlio. - Espero que não. – Guto preocupado. – E aí Mari achou

alguma coisa? – gritando, pois a menina esta na outra extremidade do mural.

Com as mãos a menina chama os garotos que vão correndo. - O que foi? – fala Guto ansioso.

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- Vejam isso. Em todo mural este é o único desenho que faz menção a outra praça. A Praça Tiradentes. Até agora todas as pistas estavam em praças é um tiro no escuro eu sei, mas não custa tentar. – fala menina.

Guto pede ajuda para Túlio que faz um apoio com as mãos para que ele possa subir e olhar atrás da pedra. Guto passa os dedos rente aos contornos da pedra e na parte superior sente uma pequena depressão. Sobe no mural e com auxilio da lanterna de Túlio consegue ver que dentro da depressão tem alguma coisa. Tenta pegar, mas seus dedos não conseguem entrar no buraquinho.

Guto pergunta para Mariana. - Você tem uma pinça em suas coisas? - Acho que sim. – vasculhando sua mochila atrás de seu

estojo de manicure. – Aqui esta. Com o auxilio da pinça puxa um pequeno rolo em couro

comprido como um canudo. Satisfeito olha para frente comemorando o achado quando vê no outro lado da praça

5 Mural de Poty Praça 29 de Março

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estacionarem o carro preto e saindo dele o homem que no outro dia os prendeu. Olha para os amigos e grita.

- CORRAM! Nos encontramos no tubo da Rua Brigadeiro Franco. – apontando para o carro.

Túlio e Mariana seguem pela parte de baixo e Guto por cima. Entram correndo no tubo do Ligeirinho.

- Será que nos viram? – fala Mariana. - Não. Se tivessem visto já estariam atrás e nós. – fala Guto. O ônibus chega eles embarcam. - Minha bicicletinha? – fala Túlio com cara de choro. Enquanto seguem viaje Guto abre o canudo retira um papel

e uma foto. Era uma foto aérea do centro de Curitiba mostrando uma conexão entre as igrejas da região. Além de uma reportagem da revista O Cruzeiro sobre acontecimentos ocorridos em Curitiba, o título era:

“Por causa de um pente, Curitiba quase perde a cabeça”. Segundo a reportagem a compra de um pente na loja de um

imigrante estabelecido na Praça Tiradentes foi o estopim para três dias de quebra-quebra e violência, que teriam deixado um saldo de dois mortos, e que só teve fim quando o Exército interveio no caso, tendo repercussão nacional. O Episódio ficou conhecido como a Guerra do Pente.

No fim da tarde de oito de dezembro de mil novecentos e cinquenta e nove, o subtenente Antônio Tavares, da Polícia Militar, entrou no Bazar Centenário para comprar um pente e exigiu a nota fiscal de compra, no valor de quinze cruzeiros.

Na época, o governo Moisés Lupion promovia uma campanha chamada “Seu Talão Vale Um Milhão”, para aumentar a arrecadação tributária do estado. O consumidor que reunisse notas fiscais no valor de três mil cruzeiros poderia trocá-las por um cupom que daria direito ao sorteio de um milhão.

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O dono da loja, o libanês Ahmed Najar, recusou-se a dar a nota, em razão do valor irrisório. Pela legislação da época, os comerciantes não eram obrigados a fornecer a nota fiscal abaixo de determinado valor.

Tavares e Najar começaram a brigar. Na confusão, o pente foi quebrado, assim como a perna do subtenente, retirado da loja por seguranças.

Naquela época, a Praça Tiradentes era um dos principais terminais de embarque e desembarque do transporte coletivo de Curitiba, e pessoas que circulavam pelo local presenciaram a cena, solidarizando-se com o policial e dando o pontapé inicial no conflito. Em três dias de distúrbios, cerca de cento e vinte lojas foram depredadas. Em algumas delas, a destruição foi total.

- Quem diria Curitiba rebelde. – Túlio sorrindo. - Você estava certa Mariana acredito que a próxima pista

esta na Praça Tiradentes, já que foi lá o conflito. Mas não me lembro de ter algum mural de Poty lá. – fala Guto.

- E não tem mesmo. – completa Túlio. – Mas é lá que fica a Catedral Basílica de Curitiba. Olhem a foto novamente.

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Túlio continua. - No diário de seu tio ele menciona que na última reforma

na catedral foi descoberto um poço sobre o chão do altar, que só agora com esta foto faz sentido. A lenda do pirata diz que eram quatro as entradas para os túneis que levam ao tesouro, seu avô descobriu uma e acredito que as outras podem estar em algum destes pontos – apontando para foto. Seu tio chegou até aqui Guto, mas não teve a oportunidade de comprovar sua teoria! – olhando entusiasmado para o garoto.

- A partir daqui é por nossa conta. Temos que olhar o tal poço na Catedral. – Guto apreensivo.

- Vamos esperar ela abrir e conferimos, mas antes vamos tomar café e comer pão de queijo, estou morrendo de fome. – completa Mariana pegando na mão de Guto e puxando para uma lanchonete.

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~~~~ Enquanto isso na praça vinte e nove de março o homem sai

do carro e segue direto ao mural de Poty. Vasculha cada canto a procura de uma pista, mas sem sucesso. Caminha preocupado de um lado para outro temeroso em contar os acontecimentos a seu chefe, o professor.

Enquanto se prepara para ligar, buscando coragem, percebe algumas bicicletas, com raiva chuta uma delas a derrubando, então percebe embaixo do selim uma etiqueta. Sorri nervosamente e faz a ligação.

- Professor sou eu, tenho más notícias. – fala o homem cauteloso.

- Você sabe que não gosto de más notícias. O que foi? - irritado.

- Procurei por todo mural e não encontrei nada, mas os garotos estiveram aqui. – nervoso. – E encontraram algo.

- Malditos moleques. Essa família já atrapalhou nossos planos por tempo demais vamos resolver isso de uma vez por todas. – raivoso. – Acho que os subestimei.

- O que o senhor quer que eu faça? - ENCONTRE-OS e traga-os para mim. – encerrando a

ligação furioso. O homem afasta o celular do ouvido com cara de dor. Olha

novamente a etiqueta onde esta escrito: “Propriedade de Túlio Soares, fone 9358-6523”.

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Seis Graus de Separação Construída entre mil oitocentos e setenta e seis e mil

oitocentos e noventa e três em estilo neogótico ou gótico romano, inspirado na Catedral da Sé de Barcelona, na Espanha, a Catedral de Curitiba ocupa o mesmo local da antiga matriz do século XVII, bem como o da sua sucessora, construída em mil setecentos e vinte.

Projeto do francês Alphonse Conde des Plas, com pequenas modificações feitas pelo engenheiro Giovani Lazzarini, responsável pela execução da obra que durou dezessete anos para ficar pronta.

Em sete de junho de mil novecentos e noventa e três, a Catedral foi elevada ao grau de Basílica Menor, em reverência a Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, a santa padroeira da capital paranaense.

6 Catedral Basílica de Curitiba

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Guto, Mariana e Túlio entram na catedral pela primeira vez em suas vidas e se surpreendem com a beleza do local. A igreja aquela hora da manhã estava vazia com poucos fieis que chegavam e se acomodavam vagarosamente.

Maravilhados olham tudo atentos. Sob a entrada um enorme órgão de tubo com um belíssimo vitral azul atrás. Bancos em madeira ornamentados, nas paredes vitrais belíssimos que com os raios de sol davam um ar misterioso e solene ao local.

Quadros nas paredes contavam a via sacra de Jesus Cristo, o teto em arcos todo pintado deixava ainda mais bela a igreja. Colunas com detalhes em dourado por toda a igreja.

- Nossa como é linda. – fala Mariana impressionada. - Nem me fale! Como nunca entramos aqui antes. – Guto

fascinado.

7 Órgão em Tubo Catedral

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Se aproximam do altar para tentar examinar o local e ver se

encontram algum sinal do tal poço. Guto diante do altar disfarçadamente dá pequenas batidas com o pé para tentar identificar algum sinal da entrada do túnel.

Um padre que fazia os preparativos para missa para e observa os três jovens tão cedo na igreja agindo de maneira tão estranha. Durante alguns minutos só olha em silêncio o trio, então os aborda.

- Bom dia meus filhos. – sorridente. O padre era um homem forte com cerca de setenta anos,

cabelos brancos, olhos azuis e fisionomia bondosa. Os garotos entretidos na busca levam um susto e Guto

responde desajeitado. - Bom dia padre. – com um sorriso amarelo.

8 Interior Catedral

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- É muito bom ver três jovens almas tão cedo na igreja. – se divertindo ironicamente. – Vejo que estão interessados no altar talvez eu possa ajuda-los.

- Não só estamos apreciando a beleza do lugar. – Mariana olhando e apontando para um enorme vitral em cima do altar.

Túlio complementa desajeitado gaguejando. - É apenas estamos apreciando o evangelho... de nosso

senhor... Pai... Deus... Jesus! – colocando as mão no rosto como rezando.

Guto e Mariana se olham envergonhados. Mariana colocando a mão no rosto.

O padre sorri e completa. - Que bom vou deixa-los então. Não quero atrapalha-los.

Pensei que eram aventureiros atrás da história do túnel em baixo do altar. – se afastando olhando de lado para os garotos sorrindo.

Os garotos se olham e Guto fala. - Existe mesmo um túnel embaixo do altar? O padre sorrindo fala. - Me acompanhem vamos até a sacristia. Não queremos

atrapalhar nossos irmãos que rezam. Ao chegarem o padre oferece aos garotos um pouco de café

com bolachas. O que somente Túlio aceita sob o olhar reprovador de Mariana.

- Você não me é estranho rapaz. – apontando para Guto. – Como se chama?

- Johannes Gutenberg Kowlakoski, mas todos me chamam de Guto.

- Por acaso não seria parente dos Kowlakoski do sebo da Rua Visconde do Rio Branco?

- Sim é de minha família! – surpreso. - Sou velho frequentador daquele lugar. Adoro. Sou um

amante da história e leitor assíduo passava longas horas conversando com o dono, um senhor muito simpático, acredito

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que seu avô. Mas infelizmente os afazeres cristãos me impediram de voltar. Tenho um rebanho enorme para zelar – sorrindo. - Há anos não vou lá.

- Meu avô faleceu, mas o sebo continua firme e forte, meu pai o mantém.

- Meus pêsames por seu avô e que bom que seu pai deu prosseguimento ao sebo. Então conhecem a história do túnel sob o altar. – olhando sério para os garotos.

- Nos últimos dias tivemos um curso intensivo sobre o tema. – fala Túlio com expressão de cansado.

- Existe mesmo um túnel? – pergunta Mariana. - Existiu! Foi fechado na última reforma da catedral. O desanimo transparece nos rostos de todos. - Quem construiu e para que? – fala Guto. O padre prossegue calmamente entre goles de café e

mordidas em bolachas. - Acredita-se que era o respiradouro de um túnel que ligava a

Catedral até o Clube Concórdia, construído pelos militares no caso de uma possível invasão nazista, caso os alemães ganhassem a guerra na Europa e viessem para a América do Sul. Acreditava-se que a igreja poderia ser um local de reunião de líderes de uma possível resistência e distribuição de suprimentos.

Os amigos se olham sem entender. - Invasão nazista, só faltava isso? – Túlio incrédulo. - Eram tempos de medo aqueles. O Clube Concórdia foi

inaugurado em quatro de abril de mil oitocentos e sessenta e nove, por imigrantes alemães. O Gesangverein Germânia, como era chamado, tinha como objetivos a música, a cultura e o divertimento.

Com a guerra e o crescente medo em mil novecentos e trinta e oito, o Regime do Estado Novo decretou mudança na estrutura das sociedades com denominação estrangeira, então o Gesangverein Germânia passou a se chamar Clube Concórdia.

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Por ordem do Governo Brasileiro foram afastados da direção os sócios “não brasileiros”, substituídos por uma junta governativa. Em mil novecentos e quarenta e dois foram proibidas as reuniões sociais de entidades italianas e germânicas.

O padre olha para os lados e sussurrando continua. - Existe uma lenda que diz que no porão do Clube

Concórdia tem um túnel perto do banheiro que segue por alguns metros e termina em uma porta de aço toda ornamentada com símbolos antigos que nunca foi aberta, pois precisa de uma chave especial que ainda segundo a lenda foi forjada no próprio inferno. – com voz sombria e depois sorrindo.

Os amigos se olham espantados, Mariana instintivamente coloca a mão no peito apertando a chave sobre a roupa.

- Mas lendas são lendas meninos. E não passam disso. Se não se importam tenho que ir rezar a missa agora, espero que fiquem para apreciar. – com um sorriso bondoso.

- Ficaremos padre, desculpe qual seu nome? – fala Guto. - Padre Júlio Saavedra, ao seu dispor. - Obrigado padre Júlio. – Mariana agradece. Como prometido assistem toda a missa. Saem calados

seguindo o fluxo em direção à rua. Caminham até o centro da Praça Tiradentes e sentam em um banco. Guto rompe o silêncio.

- Então Mariana o que acha da história do padre. Alguma cor estranha?

- Não. Tudo normal, nada de amarelo. Ele fala a verdade. Mas é estranho, muita coincidência encontrarmos um padre que conhece seu avô não acha? – desconfiada.

- Pois é! Estranho mesmo. – concorda Guto. - Na realidade nem tão estranho assim. – Túlio completa

com ar de quem sabe de algo. - Como assim piá? – fala Mariana. - Mais uma das aulas de Wiki e seu cérebro imenso. - Guto

rindo.

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Túlio ignora o comentário do amigo e prossegue. - Existe uma teoria que diz que apenas seis pessoas separam

você de qualquer indivíduo no mundo. Chama-se “Os Seis Graus de Separação”. A teoria foi criada pelo psicólogo americano Stanley Milgram após uma série de experimentos conhecidos como Small World (mundo pequeno) onde ele pedia a uma pessoa que passasse uma carta a outra, desde que essa outra pessoa fosse conhecida.

O objetivo era que a carta chegasse a uma determinada pessoa, desconhecida da primeira, que vivia em outra cidade. Segundo Milgram, o número médio de vezes que a carta foi passada foi seis, daí a teoria dos seis graus de separação.

Recentemente pesquisadores da Microsoft estudaram os endereços de pessoas que enviaram 30 bilhões de mensagens instantâneas usando o programa MSN Messenger durante um único mês em 2006 e comprovaram que quaisquer duas pessoas estão conectadas por, em média, sete ou menos conhecidos - dizem os especialistas.

- Muito bem Wiki, mais uma vez mostrando toda sua sabedoria. Agora nos diga como a Teoria dos Seis Graus de Separação nos ajuda em nosso problema? – Mariana se divertindo.

- Precisamos entrar no porão do Clube Concórdia para averiguar a existência da tal porta não é? – sem esperar a resposta dos amigos. – Pois bem nas ultimas eleições municipais foi eleito o vereador Zezinho da Caximba, a chefe do gabinete dele é dona Maria Souza que é irmã de seu Rogério dono do restaurante América onde trabalha dona Esmeraldina que é mãe de seu Antonio que trabalha como vigia no Clube Concórdia que por sua vez é pai do Toinho vesgo que estuda conosco.

Guto e Mariana ficam atônitos olhando para o rapaz, então Mariana fala.

- Nossa Wiki sua mente trabalha de forma estranha. Às vezes isso me da medo. – olhando séria.

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Guto se diverte e completa. - Você é estranho meu amigo. É claro que você tem o

telefone do Toinho? - O Toinho me deve um favor, o ajudei nas provas de

química. Ele é gente boa. Já estou ligando para ele. Após uma breve conversa ao telefone Túlio coloca os

amigos a parte dos acontecimentos. - Tudo certo Toinho falou com seu pai que precisávamos

fazer um trabalho para escola sobre o Clube Concórdia e sua relevância no centro histórico. Mas teremos que esperar até depois do almoço.

- Já é quase meio dia onde nós vamos almoçar? – fala Mariana.

- Eu conheço um restaurante ótimo, fica em frente da Biblioteca Pública. – fala Túlio.

Os amigos seguem descontraidamente até o local. Sentado enfrente a Mariana, Guto sorri vendo o espanto da

menina ao ver o tamanho do prato feito por Túlio. O restaurante era pequeno, mas aconchegante com cadeiras em madeira com assento em palha, mesa com toalhas xadrez vermelha e branca.

Nas paredes fotos antigas dos bairros de Curitiba. A comida italiana, no cardápio do dia frango cozido, polenta frita, macarrão, arroz com legumes, feitos em fogão à lenha e seis tipos de saladas as quais Túlio nem se aproximou e de sobremesa sagu de uva.

Comem descontraidamente quando o telefone de Guto toca. O rapaz verifica o número e não reconhece. Apreensivo atende.

- Alô quem fala? - Guto? – uma voz insegura. - Sim quem fala? - Aqui é Antônio, o Toinho tudo bom? - Fala Toinho, tudo belê. Em que posso ajudar. - O Wiki me fez um pedido estranho, queria entrar no Clube

Concórdia, você sabe dele?

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- Sim ele está aqui atrás de uma montanha de comida eu acho. – rindo.

- Então, fala para ele que estarei lá às catorze horas. Estou tentando falar com ele, mas o celular dele esta fora de área. Belê?

- Beleza, obrigado Toinho. Túlio verifica o celular e percebe que a bateria acabou.

Procura o carregador na mochila, mas não encontra. - Acho que esqueci o carregador. Mariana fazendo cara de espanto. - Você esqueceu alguma coisa? Isto é um milagre, vamos

tirar uma foto para guardar este momento para posteridade. – rindo.

Túlio não se incomoda. - Não há problema, vocês sabiam que existem alguns

truques que podem auxiliar nestas horas. – com ar de superioridade.

- Lá vamos nós? – Guto com a mão na testa rindo. - Escutem e aprendam. O número universal de emergência

para celular é cento e doze! Se você estiver fora da área de cobertura de sua operadora e tiver alguma emergência, disque cento e doze e o celular irá procurar conexão com qualquer operadora possível para enviar o número de emergência para você, e o mais interessante é que o número cento e doze pode ser digitado mesmo se o teclado estiver travado.

Agora vamos imaginar que a bateria do seu celular esteja fraca que é meu caso. Para ativar, pressione as teclas: *3370# e seu celular irá acionar a reserva e você terá de volta cinquenta por cento de sua bateria. Essa reserva será recarregada na próxima vez que você carregar a bateria.

Outra curiosidade existe um número de série em todo celular, para descobrir este número pressione os seguintes dígitos: *#06#* um código de quinze dígitos aparecerá. Este número é único. Anote e guarde em algum lugar seguro. Se seu celular for

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roubado, ligue para sua operadora e dê esse código. Assim eles conseguirão bloquear seu celular e o ladrão não conseguirá usá-lo de forma alguma.

E a mais interessante se você trancar seu carro com a chave dentro e a chave reserva estiver em sua casa, ligue pelo seu celular, para o celular de alguém que esteja lá. Segure seu celular cerca de trinta centímetros próximo da porta do carro e peça que a pessoa acione o controle da chave reserva, segurando o controle perto do celular dela. Isso irá destrancar seu carro, distância não é impedimento. Você pode estar a milhares de quilômetros de casa, e ainda assim terá seu carro destrancado. Legal né! – sorrindo feliz.

Mariana e Guto só se olham e o rapaz completa. - Depois desta aula pratica de sobrevivência tecnológica

acredito que podemos ir. Satisfeitos? - recebendo confirmação positiva. – Então vamos, esta quase no horário.

Após alguns minutos de caminhada chegam ao portão do Clube Concórdia. Aguardam durante alguns minutos e então veem Toinho descendo em direção ao portão. Era um garoto alto magro cabelos vermelhos como fogo e óculos grossos para corrigir o estrabismo.

- Daí piazada, o que estão aprontando? – sorrindo. Guto se antecipa. - Daí Toinho, precisamos de um favor seu. Temos que

entrar no porão do clube, mas não podemos dizer por quê? - olhando sério para o garoto.

- Vocês querem ver se existe o tal túnel não é? – com cara de enfado como se já tivesse feito aquilo vária vezes.

Os três amigos se olham espantados. Toinho prossegue. - Essa história é velha por aqui, eu mesmo já fui lá e não

encontrei nada, mas vamos lá. Só que não façam barulho não podemos ser vistos, belê?

Seguem o garoto que os leva pela entrada de serviço. Após passarem pela cozinha entram em uma porta lateral descendo uma

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escada em madeira até o porão. Era um local bem grande usado como depósito. Esta cheio de quinquilharias, cadeiras, mesas, garrafas velhas entre outras coisas.

- Daqui a pouco eu volto. - Toinho os deixa e sobe para se assegurar que ninguém os visse.

Vasculham o porão em busca de algum indicio de porta que o padre mencionou e não encontram nada. Então Guto fala.

- Segundo o padre a porta ficava perto de um banheiro não vi nenhum e vocês?

Túlio e Mariana balançam a cabeça negativamente. Continuam a busca então Túlio senta em um barril para descansar olhando para os amigos vasculhando o local enquanto aponta a lanterna para as paredes despretensiosamente.

Percebe que atrás de um monte de cadeiras empilhadas, na parede um desenho quase apagado. Chama pelos colegas e retiram as cadeiras. Na parede em relevo a letra G com um esquadro na parte de baixo e um compasso na parte superior. O símbolo da maçonaria.

Procuram ao longo da parede e percebem uma fenda e com ajuda de um pé de mesa em metal Guto e Túlio forçam o local e para seu espanto uma porta se abre.

Diante deles um túnel muito escuro, com as lanternas em mãos começam a caminhar, Mariana sendo a última a descer não percebe que a porta se fecha atrás dela escondendo novamente o local.

Algum tempo depois Toinho volta para procurar os amigos e quando não os encontra fica confuso. Andando de um lado para outro no porão tenta ligar para o celular de Guto e não obtém resposta. Em voz alta para si mesmo fala.

- Será que eles encontraram o túnel? – intrigado. – Não. Isso é ridículo! – sorrindo.

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Acreditando que os amigos não encontraram nada e resolveram ir embora apaga a luz do porão e sai sem olhar para trás e vai embora.

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Da Lenda a Realidade Apreensivos caminham com dificuldade, o túnel é baixo e

em muitas vezes eles tem que cuidar para não bater a cabeça. Em outras partes se alarga permitindo andarem sem problemas. Durante cerca de vinte minutos caminham cautelosos até que encontram a porta mencionada pelo padre.

Era uma porta feita em aço com inúmeros desenhos estranhos gravados em alto relevo, pareciam símbolos de magia. Mariana retira a chave da gargantilha, mas antes de colocar na fechadura pergunta para os amigos temerosa.

- Vocês tem certeza disso? Túlio receoso fala. - E se sair um demônio daí? – com cara de medo. - Não viemos até aqui para fraquejar agora. – Guto

encorajando a todos. Mariana coloca a chave na fechadura gira com dificuldade,

força a maçaneta para baixo. A porta range assustadoramente e com dificuldade abre deixando escapar um bafo mofado por estar trancada há tanto tempo. Diante dos olhos dos amigos uma escadaria se apresenta.

Guto fala tentando animar os colegas. - Vejam o lado bom, não viemos nenhum demônio e para

baixo todo santo ajuda – sorrindo nervosamente. Os amigos descem durante uns dez minutos à longa

escadaria feita de tijolos que fazia várias voltas até chegarem e um grande salão. Guto percebe que nas paredes existem tochas e com ajuda dos amigos as acende. Ao centro uma mesa de pedra grande e gravada nas paredes os mesmos símbolos da porta.

- Que lugar é esse? – fala Mariana. - Sei lá, mas é enorme. É difícil acreditar que algo assim

fique sem ser descoberto até hoje. – fala Guto.

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- Vai ver é por isso que o metrô nunca sai do papel, estão tentando esconder isso. – fala Túlio sorrindo.

Todos riem. Na parede posterior havia duas entradas cada uma levando a um túnel. Guto olha para os amigos. Mariana prevendo o que ele iria falar se antecipa.

- Nem pense em dizer para nos separarmos! – séria fuzilando Guto com o olhar.

- O que faremos então? – Guto com as mãos levantadas. - Vai ter que ser no cara ou coroa. Se der cara é o túnel da

direita e se der coroa o da esquerda. – fala Túlio. Retira do bolso uma moeda de um real joga para cima e pega

novamente virando nas costas da mão. - Deu coroa. É o da esquerda, vamos lá. – encorajando os

amigos. Novamente seguem pelo túnel só que agora vão carregando

as tochas para melhorar a visão. Caminham durante algum tempo dividindo o espaço com ratos e teias de aranha até chegarem à outra sala só que esta era menor.

Nas paredes acendem as tochas e para sua surpresa espalhados pela sala seis baús em madeira com detalhes em ferro com enormes cadeados. Em uma poltrona ao centro rodeado pelos baús uma caveira sentada vestida com roupas muito antigas. Diante deles o Capitão Sun Mirror mais conhecido como Pirata Zulmiro.

Mariana se assusta, Túlio se aproxima e toca na caveira que desmorona, fazendo todos pularem de medo. Túlio comenta.

- Ele gostava mesmo de seu tesouro, por isso dizem que ele depois de morto ainda guarda o tesouro!

Guto procura algo para abrir o cadeado, acha uma pedra e com extrema força bate até abrir.

Dentro encontram moedas em ouro da Espanha datada de mil setecentos e dezoito, o tesouro era real e estava diante de seus

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olhos. Nos outros baús mais moedas de ouro e prata. Os amigos sorriem e pulam e se abraçam felizes. Túlio sorrindo fala.

- Estamos ricos, estamos ricos! – rindo muito. Guto abraça e beija Mariana que esta com os olhos

molhados pelas lágrimas. E abraçado a ela fala. - Eles estavam certos meu tio e meu avô. O tesouro existe! –

com as lágrimas a escorrem pelo rosto. Túlio fotografa com seu celular os baús e coloca algumas

moedas na mochila e nos bolsos. A alegria era geral. Mariana olha ao redor da pequena sala e percebe que não há mais nada ali além de uma porta que dava acesso a outra escada em pedra que subia.

- Piazada onde esta o tal pergaminho que os Filhos de Belial procuram?

Os garotos olham ao redor e não encontram nada. - Vamos ver onde esta escadaria vai dar talvez esteja lá. –

fala Guto. Percorrem a escadaria durante meia hora sempre subindo até

que encontram uma parede em tijolos e junto a ela outra escada em ferro enferrujado que subia na vertical como em uma chaminé. Com cuidado Guto vai à frente até que chega ao topo onde havia uma placa de pedra bloqueando a passagem.

Com força utilizando o ombro como apoio consegue desprender a placa e sente o ar puro e frio entrar em seus pulmões junto com os primeiros raios do luar.

Se acostumando com a luz percebe que esta dentro das Ruínas de São Francisco na Praça João Cândido no centro histórico de Curitiba.

As ruínas são os remanescentes de uma construção inacabada, iniciada pelos portugueses, que viria a ser a Igreja de São Francisco de Paula. Em mil oitocentos e onze, a capela-mor e a sacristia ficaram prontas, contudo, em mil oitocentos e sessenta, as pedras que finalizariam as obras da igreja teriam sido usadas para erguer a torre da antiga Matriz e a igreja nunca foi terminada.

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Também era o local exato onde a lenda dizia que o Pirata Zulmiro havia escondido o tesouro.

Guto auxilia aos amigos subir se acostumando ainda ao frio. - Estamos nas Ruínas de São Francisco, significa que o

pergaminho esta na outra entrada. Teremos que voltar e procurar. – fala Túlio.

- Eu irei enquanto vocês esperam aqui. – fala Guto. Mariana o fuzila novamente com o olhar. - Já disse que não vamos nos separar. Resignados voltam a entrar no túnel, Guto sendo o último

recoloca com dificuldade a placa de pedra selando a entrada. Ao retornarem a sala com as duas entradas tomam o

caminho da direita. O túnel ali é mais úmido e frio, caminham durante algum tempo sempre descendo. Ao contrário do outro

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túnel de tempos em tempos encontram salas menores com objetos como bacias em barro, cadeiras em madeira e outros utensílios.

Cansados finalmente chegam ao final do túnel uma sala grande com paredes em pedras e nelas vários buracos. Guto se aproxima de um dos buracos e com auxilio da lanterna ilumina dentro. Pede que os amigos façam o mesmo. Em alguns buracos havia teias de aranhas, em outros ossos. Após várias tentativas sem sucesso Mariana fala.

- Achei alguma coisa. – apontando para um buraco. Guto cauteloso enfia a mão no buraco olha para os amigos

anciosos. Mariana vendo o rosto contorcido do rapaz fala. - Se você gritar de dor dizendo que alguma coisa te agarrou,

te dou uma bocuva piá! – seria. Guto sorri e retira um longo canudo em couro com cerca de

um metro. Estava lacrado e com dificuldade utilizando o canivete de Túlio abre o objeto. Dentro retira enormes folhas de pergaminho.

- Santo Deus! – Mariana fazendo o sinal da cruz. - São as sete folhas do Codex Gigas! – Túlio admirado. - Não podemos tirar isto daqui, se os Filhos de Belial

encontrarem isso o mundo acaba. – fala Mariana assustada. Guto balança a cabeça negativamente. - Se nós encontramos eles também podem. Temos que levar

isso e mostrar para meu pai. Ele conhece um delegado na polícia federal que tem conhecidos na Interpol que cuida de roubo de artefatos históricos. Eles saberão o que fazer.

- E só agora você fala isso! – Túlio indignado. - O melhor a fazer é levar conosco. – fala Guto. Os amigos concordam, Túlio recoloca os pergaminhos no

tubo de couro e prende em sua mochila. Assim como na sala do tesouro ali também havia uma escada que subia.

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Seguem por ela durante muito tempo até encontrarem outra parede de tijolos e nela também uma escada em ferro que subia na vertical.

Guto mais uma vez vai à frente, ao chegar ao topo encontra outra placa em pedra. Mais uma vez força a placa, mas desta vez não consegue abrir. Chama Túlio para ajuda-lo, espremidos com dificuldade juntos forçam a placa até que finalmente ela se desprende.

Empurram para o lado e sobem com dificuldade para enxergar devido à escuridão. Percebem que estão em um depósito. Ajudam Mariana a subir e vasculham o local em busca de uma saída. Mariana fala sussurrando.

- Onde estamos? - Não sei, mas aqui tem uma porta. – fala Guto Abre a porta que dava acesso a uma escada em madeira

muito velha. Sobe com cuidado até outra porta, ao abri-la descobre onde esta. Chama os amigos.

- Estamos em uma Igreja acho que é a do Rosário. - Já estive aqui, meu primo foi batizado nesta igreja. – fala

Túlio. A porta que Guto abriu ficava escondida atrás do altar e só

podia ser aberta por dentro. Era um antigo esconderijo para escravos fugitivos.

A primeira igreja do Rosário foi construída por escravos e para os escravos, inaugurada em mil setecentos e trinta e sete, em estilo colonial. Era a terceira igreja de Curitiba, depois da Matriz e da Igreja da Ordem.

O nome original era Igreja de Nossa Senhora dos Pretos de São Benedito. Com a abolição da escravatura, a igreja perdeu sua razão original de ser. Serviu de matriz de mil oitocentos e setenta e cinco a mil oitocentos e noventa e três, durante a construção da Catedral, na Praça Tiradentes.

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A atual Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito é uma construção de mil novecentos e quarenta e seis, em estilo barroco. Construída no mesmo local da antiga igreja, demolida em mil novecentos e trinta e um.

Em mil novecentos e cinquenta e um, foi confiada aos jesuítas. Na década de setenta, passou também a ser chamada de Santuário das Almas, onde se realiza com frequência missas de corpo presente.

A fachada atual ainda tem azulejos da igreja original. Seu interior abriga azulejos portugueses, com os Passos da Paixão, e o túmulo do Monsenhor Celso, antigo pároco de Curitiba, falecido em mil novecentos e trinta e um.

Conseguem sair da igreja e sentam na fonte da memória do escultor curitibano Ricardo Tod, mais conhecida como “Cavalo que Vomita” localizada em frente à igreja. A Fonte em forma de

9 Igreja do Rosário

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uma cabeça de cavalo é um tributo aos imigrantes e tropeiros que vinham a Curitiba para comercializar seus produtos transportados por carroças e mulas. Os animais utilizavam o bebedouro, que ainda existente, no Largo da Ordem.

Descansam ainda entusiasmados com as descobertas quando Guto vê um carro preto se aproximar rapidamente pela Rua do Rosário. O carro freia bruscamente e de dentro desce dois homens que vem em sua direção. Guto reconhecendo o ajudante do professor e o gigante e grita para os amigos.

- CORRAM! Saindo em disparada acompanhado de Túlio e Mariana com

os homens em seu encalço. Mariana ao atravessar a rua tropeça e cai e é apanhada pelos homens que a seguram firme colocando o cano da arma em suas costas.

Guto tenta voltar para socorrer a menina, mas é impedido à duras penas por Túlio.

- Não! Se voltarmos agora eles nos pegam. – fala Túlio lutando para segurar o amigo.

- ME SOLTE! Ele pegou Mariana. – Guto desesperado. - Ela ficará bem, estamos com o que eles querem. Vamos

embora. – puxando Guto que se rende. Mariana é forçada a entrar no carro e é levada novamente

para mansão. Mas desta vez é trancada em uma sala. Os garotos correm até chegaram à Praça Rui Barbosa no

centro. Túlio senta em um banco de onde podia ver a fachada da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba. O céu esta limpo anunciando que teriam uma manhã com geada. Guto esta desesperado, caminha de um lado para outro. Túlio vendo a angústia do amigo tenta acalma-lo.

- Guto eles não farão nada a Mariana. Ela ficará bem. Estamos com o que eles mais querem no mundo. – batendo com a mão no canudo de couro onde estavam os pergaminhos.

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- Nós devíamos ter voltado e salvado Mariana. – com os punhos cerrados.

- Aí estaríamos todos presos. E no que isto nos ajudaria? - Como eles nos encontram, primeiro na confeitaria e agora

aqui. Túlio fica pensativo durante algum tempo e então estalando

os dedos fala. - Só pode ser isso. Nossos celulares. – com a mão na testa. - Como assim? – fala Guto. - Estão nos rastreando pelos nossos celulares. É assim que

nos encontram. Enquanto estávamos no túnel não havia sinal, mas quando subimos ficamos ativos novamente. Mas este jogo pode ser jogado por dois. Mariana estava com sua bolsa. Vou rastrear seu celular assim descobrimos onde ela esta.

Guto olha esperançoso para o amigo. - E você sabe fazer isso? Túlio apenas olha para o amigo com se acabasse de ser

insultado. Algum tempo depois fala. - Encontrei estão no Bairro Uberaba. - Vamos até lá! – Guto impaciente. - Não podemos simplesmente ir até lá, precisamos de um

plano. - pondera Túlio. Guto percebe que o amigo esta certo, não tinham como

apenas ir até lá. Enquanto pensa no que fazer seu celular toca. Já suspeitando de quem era atende.

- Alô! Ouve a conhecida e monótona voz. - Muito bem meu rapaz, vejo que não cumpriu sua parte do

acordo. Tive uma conversa muito interessante com sua namoradinha. Agora você tem uma coisa que eu quero e eu tenho uma que você quer. Teremos que fazer algo a respeito, não acha? – irônico.

- Se você encostar em um fio de cabelo dela...

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É interrompido bruscamente pelo homem furioso. - Você não esta em posição de exigir nada garoto, farei o que

bem entender com esta menina. Você e sua fami... Agora Guto interrompe o homem bruscamente. - CALE A BOCA SEU VELHO ESTÚPIDO! – Guto grita

pondo para fora toda a raiva e angústia reprimida. – Quem não esta em condição de exigir nada é você! DIGA ADEUS A ESSA PORCARIA DE PERGAMINHO! – desligando o telefone.

Túlio fica branco, olha assustado para Guto. E gaguejando tenta fala.

- O que você fez? – com os olhos arregalados. Guto apenas olha para o celular apreensivo. Caminha de um

lado para outro a todo o momento olhando para o celular. São os minutos mais longos de sua vida.

O telefone toca novamente. - Você é um oponente valoroso, tem coragem, respeito isso.

Mais uma vez subestimei você garoto, acredite isso não irá acontecer novamente. Podemos resolver essa situação de maneira civilizada. O que me diz? – extremamente cordial.

- Concordo. – Guto ainda tremendo se esforçando para transmitir confiança.

- Faremos a troca amanhã onde isso tudo começou no Passeio Público, venha sozinho. Combinado?

- Sim a que horas? - Às oito horas. E não ouse quebrar nosso acordo outra vez

ou comentar isso com alguém se não matarei você e todos que você conhece, fui bem claro? – enfático.

- Sim! – secamente. Guto senta ao lado de Túlio com as pernas tremendo. - Piá o que vamos fazer? – fala Túlio. - É hora de chamar a cavalaria. Isso já foi longe de mais. Não temos tempo a perder vamos embora.

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Novas Aventuras Na manhã seguinte como combinado Guto espera

ansiosamente por Mariana. Somente agora compreendia o que sentia por ela e como isso era importante para ele. Sabia que se algo acontecesse a ela nunca poderia se perdoar. A simples hipótese disto acontecer lhe causava ânsia de vômito.

Durante quase uma hora espera impacientemente e não vê sinal de Mariana ou dos Beliais. Quando esta quase entrando em pânico vê Mariana vindo em sua direção.

Estava acompanhada do Professor e um pouco atrás, cuidando do perímetro, os dois guarda costas. Ao se aproximarem Guto não pode deixar de notar a grande marca roxa na testa do gigante causada pela batatada e sorri.

Como combinado estão diante do aquário enfrente a entrada da grutinha onde os garotos encontraram o diário de campo.

Guto olha para Mariana que sorri nervosa. - Você esta bem? Eles a machucaram? – pergunta Guto

angustiado. - Estou bem. Não se preocupe. – sorrindo nervosa. - Desculpe o atraso. – fala o velho irônico. - Solte-a! - Seu tio ficaria orgulhoso de você meu rapaz. Você realizou

o sonho de sua vida. Provou a todos que ele e seu avô não eram loucos.

- Não ouse falar sobre eles, seu assassino. – com raiva no olhar.

- Não foi nada pessoal garoto. Só fiz o que era necessário. – desdenhoso. - Mas chega de conversa. Vamos acabar logo com isso. – fala o velho impaciente. – Passe o canudo para cá.

- Não primeiro deixe a vir.

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- Que é isso depois de tudo o que passamos não confia em mim, afinal não fui eu quem quebrou nosso acordo. – irônico.

O homem que acompanhava o professor ameaça ir em direção a Guto.

Agilmente o garoto abre o canudo e ameaça jogar um líquido dentro.

- Isso é acido de bateria, solte-a ou acabo com seu precioso pergaminho. – ameaçadoramente.

O velho grita. - PARE! – mandando o homem voltar. - Esta bem! -

largando a garota que corre para junto de Guto. Guto fecha o canudo e joga para o velho que agilmente o

apanha. O velho confere o conteúdo e sorrindo fala. - Finalmente as sete páginas do Codex Gigas. Nosso mestre

será liberto e seremos recompensados com gloria e poderes inimagináveis.

Guto abraça Mariana e olhando para o velho fala. - Maluco! O homem olha para o casal e desdenhosamente fala.

Acabem com eles. Nesse instante saindo de dentro da grutinha assim como

vindo de todos os lados vários policiais aparecem dando voz de prisão. O velho fica sem compreender o que ocorria. Um dos capangas puxa a arma, mas é dominado pelos policiais.

O pai de Guto acompanhado de Túlio e de seu amigo da polícia federal aparece correndo.

- Guto graças a Deus vocês estão bem. Deu tudo certo. – abraçando os jovens.

Mariana olha sem entender.

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~~~~ Na noite anterior Guto conta para seu pai toda à aventura e

tudo o que haviam encontrado. Seu pai inicialmente não acredita, mas então Túlio mostra um punhado de moedas que retirou dos baús do tesouro além dos pergaminhos.

Norberto fica perplexo com a descoberta, sentido uma mistura de alegria e culpa por nunca ter acreditado em seu pai e irmão. Ciente dos acontecimentos liga para seu amigo da polícia federal e juntos armam a cilada.

Mais tarde descobrem que o professor era um conhecido negociante de antiguidades do mercado negro no velho mundo. Vendia tudo o que podia encontrar e não media esforços para obter o que queria. Havia suspeitas de seu envolvimento com rituais de magia negra assim como assassinatos. Seus passos eram monitorados há anos pela Interpol, que perdeu seu rastro no Brasil, mas até agora nunca tinham conseguido incrimina-lo. Na mansão no Uberaba encontraram inúmeras obras de arte dadas como roubadas.

Guto, Mariana e Túlio se abraçam e comemoram o final feliz. Túlio dando pequenos pulos fala.

- Estamos ricos, estamos ricos! – rindo muito. Então voltam para casa são e salvos tratados como heróis.

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O Vampiro de Curitiba Algumas semanas depois. Os três amigos estão sentados mais uma vez no quarto de

Guto. - Então Wiki, já cansou de dar entrevistas? – Guto sorrindo. - Nunca me cansarei disso, mas ainda acho que deveríamos

ter ficado com o tesouro. – com cara de reprovação. - Ainda emburrado com isso Wiki? O tesouro foi entregue a

quem era de direito. – Mariana abraçada a Guto. - Não me conformo. Nunca esquecerei quando o amigo do

seu pai da polícia federal disse que não poderíamos ficar com o tesouro. Ele sentou ao meu lado e começou a falar todo calmo.

- Tesouro sob o ponto de vista jurídico é um depósito antigo de coisas preciosas, por exemplo, dinheiro, joias, pedras e metais nobres, oculto e de cujo dono não haja memória. Em outras palavras, tesouro é a coisa valiosa perdida há tanto tempo que já não se sabe quem é o dono.

Falei para ele. - Eu sei. Fomos nós que quase morremos para achar esse

tesouro. Achado não é roubado! - Sim, mas quem encontra o tesouro segundo o Direito

brasileiro tem o direito de ficar com a metade dele, cabendo à outra metade ao proprietário do prédio onde as coisas preciosas foram descobertas. Neste caso a palavra prédio, usada pela lei, não significa apenas edificações, construções. Aqui ela é tomada no sentido romano e abrange qualquer imóvel, inclusive os simples terrenos sem benfeitorias.

- E nós achamos o tesouro no terreno da Prefeitura! – resignado.

- Isso Túlio. Somente em três hipóteses o tesouro não é dividido: quando o descobridor for o próprio proprietário; quando

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o descobridor for contratado pelo proprietário para fazer pesquisas para achá-lo e nesse caso, receberá apenas uma quantia, se foi previamente combinada, e quando o descobridor não tinha autorização do proprietário para realizar buscas, que infelizmente é o caso de vocês. Por isso vocês não podem ficar com o tesouro dado que agiram sem consentimento da prefeitura ou do Pirata Zulmiro. – sorrindo.

Guto e Mariana riem já acostumados a ouvir as reclamações de Túlio. Mariana recrimina o amigo.

- Deixa de ser ganancioso Wiki. Somos conhecidos mundialmente por isso. Fazemos parte da história de Curitiba. Fiquei sabendo que vão até escrever um livro sobre nossa aventura. Quem sabe vira filme. – se arrumando. – Eu poderia ser interpretada pela Lucy Liu.

Túlio balança a cabeça negativamente. - Tanto faz! – jururu. As sete folhas do Codex Gigas foram entregues a Biblioteca

Nacional da Suécia, a seita, agora não mais secreta, Filhos de Belial foi extinta e todos os seus membros ao redor do mundo foram presos ou sumiram sem deixar rastros e o Tesouro das Mercês ficou em posse da Prefeitura de Curitiba.

Guto remexendo nas coisas de seu tio retira um folheto antigo. Lê durante alguns minutos e animado fala.

- Vocês sabiam que tem uma lenda que diz que vive um vampiro em Curitiba, parece que mora nas Mercês, não aparece em fotos, só sai à noite, gosta de atacar polaquinhas... O que vocês acham da ideia de darmos uma olhada nisso? – sorrindo esticando a mão a espera dos amigos.

Mariana e Túlio apenas se olham sorrindo.

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Fim