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A KZA EM CONSTRUÇÃO- O MOVIMENTO HIP-HOP EM PELOTAS
(2000-2012)
PAULO RENATO SOUZA IENCZAK
Mestrando em História/UFPEL
O hip-hop é um movimento cultural surgido na década de 1970, nas periferias da
cidade de Nova Iorque. Tendo em vista a forte influência cultural dos Estados Unidos
no mundo ocidental, não tardou para que tal fenômeno se espalhasse para outros países,
onde foi readaptado de acordo com as culturas locais e realidades sociais específicas
(MACEDO, 2011). Os elementos principais do hip-hop incluem a dança de rua, o
grafite, a arte dos toca-discos com o DJ (abreviação de disc-jockey) e a rima, a cargo do
MC (mestre de cerimônias). No Brasil, o hip-hop se constitui inicialmente como uma
expressão genuína de periferia e de protesto; grupos como Racionais Mc’s contribuíram
para cunhar tal característica ao longo dos anos 1990, quando o movimento fincava suas
raízes e delimitava sua identidade (ALVES, 2004; PIMENTEL, 1997).
É importante lembrar que o hip-hop não é um movimento de apenas uma faceta
e, como é possível observar em outros grupos culturais, possui muitas diferenças
internas (KELLNER, 1995). Por se tratar de um fenômeno mundial, tem suas
peculiaridades regionais, tendo em vista que geralmente ocorre uma espécie de fusão
entre as culturas nativas e o hip-hop, fazendo com que cada país tenha um jeito próprio
de viver e recriar o movimento, podendo ser considerada uma cultura híbrida, ou seja, o
resultado de elementos de diferentes culturas pré-existentes que se juntam para criar
uma nova expressão cultural (CANCLINI, 2003.).
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Dentro do movimento é possível observar a circulação de vários discursos,
muitas vezes até contraditórios entre si. Enquanto alguns rappers1 trazem em suas letras
conteúdos de crítica social, pregação contra a violência, apontam o perigo das drogas, e
destacam outras mazelas sociais que afetam as periferias, outros celebram a violência, o
machismo e o uso de certas drogas lícitas e ilícitas, ou simplesmente abordam temas
menos politizados, através de rimas que falem de festas ou casos amorosos. Há o rap
gospel, de inspiração religiosa, o rap de batalha, baseado em rimas de improviso feitas
pelos Mc’s, buscando enfrentar e derrotar seu oponente durante as chamadas batalhas de
freestyle. Há o rap que ostenta a riqueza e poder aquisitivo, este sendo mais recorrente
nos Estados Unidos do que no Brasil.
O desenvolvimento da cultura hip-hop no Brasil ocorre condicionado por vários
fatores: os caminhos seguidos pela indústria cultural, a evolução dos meios de
comunicação e os rumos da grande imprensa e da imprensa alternativa. A situação com
que se deparam os hip-hoppers brasileiros foi, e ainda é, bem diversa da que se
encontram os estadunidenses.
Ao longo dos anos de 1990 o hip-hop brasileiro teve uma relação
particularmente conturbada com a mídia, ora pela atitude de alguns artistas que se
recusavam a dialogar com determinados veículos, ora por que havia muito preconceito
com o estilo. Por seu forte teor político, e por ser um estilo musical de contestação
social, produzido principalmente por negros e brancos advindos das periferias,
dificilmente um rap entrava nas paradas de uma grande rádio comercial, ou então em
um popular programa televisivo de auditório.
Os próprios rappers, dançarinos de break, DJs e grafiteiros, preferiam divulgar
seus trabalhos através de rádios comunitárias, jornais e fanzines2 feitos de forma
independente, meios alternativos à mídia corporativa. As grandes gravadoras, os
conglomerados de mídia e o comprometimento pessoal com partidos políticos eram
vistos com desconfiança por parte significativa do movimento. Até os dias de hoje é
1Rapper: aquele que canta a música rap.
2 Segundo a Wikipedia: “Fanzine é uma abreviação de Fanatic Maganize [...]. Fanzine é, portanto, uma
revista editada por um fan (fã, em português)”.
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recorrente escutar nas letras de rap críticas contra quem supostamente “se vendeu”, ou
seja, aceitou convites para aparecer na televisão, rádio ou apoiou alguma candidatura
política.
Como já mencionei acima, a principal característica do hip-hop brasileiro, ao
longo da década de 1990, foi a caracterização da arte como forma de resistência e
protesto social, uma preocupação com os problemas da periferia, e a visão de que o hip-
hop não era só um movimento artístico-cultural, mas também tinha quase que
obrigatoriamente de cumprir um papel social e político.
Certos veículos de comunicação de abrangência nacional, tais como a revista
Época, abordaram, nos últimos três anos (2010 - 2013), o movimento hip-hop brasileiro
com um viés específico: sua transformação e aparente despolitização, celebrada e
incentivada através das matérias e reportagens (SOLLITTO; SHIRAI, 2011). Essa
“reciclagem” pelo qual passou e ainda está passando o movimento é geralmente
atribuída a nomes como Rashid, Projota, Criolo, Emicida, Rael, o grupo Cone Crew
Diretoria, entre outros Mc’s, todos parte de uma nova leva de produtores da cultura hip-
hop no Brasil. Esses nomes pregam a despolitização?
Essa nova geração, além de tecer críticas à sociedade em suas letras, também
questiona o próprio hip-hop, através de canções que expõe opiniões e experiências
ligadas à vida pessoal do intérprete, não somente críticas e protestos sociais. Tais
artistas são mais abertos ao diálogo com a imprensa, e, quando iniciaram suas carreiras,
o uso da internet já estava consideravelmente popularizado no Brasil, o que
potencializou a divulgação de seus respectivos trabalhos. O trecho da canção “I Love
Quebrada” do rapper Emicida ilustra bem essa situação:
Hoje tudo é hitech, wi-fi, internet, bluetooth, mil grau. Calor de proximidade
digital, contato virtual. Outro elo, cliente. Superficial e rápido, por que que
com a vida ia ser diferente? Resta nóiz saber se colocar. Saber usar os meios
sem deixar os meio usar nóiz.3
3Letra completa disponível em: <http://www.vagalume.com.br/emicida/i-love-quebrada.html>. Acesso
em: 12 set 2013.
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Todas essas mudanças no cenário nacional refletem também na cena hip-hop
pelotense, que vai se forjando de acordo com a realidade da economia e cultura local.
O recorte temporal escolhido para a pesquisa - o período de 2000 a 2012 - visa
identificar e discutir as diferenças e transformações de concepção e visão sobre o
movimento hip-hop pelotense, a partir das narrativas dos próprios integrantes desse
movimento cultural. Assim como outras manifestações culturais, o hip-hop está em
constante reinvenção e mudança, alterando suas características e modo de se relacionar
e de se reproduzir em diálogo com outros setores da sociedade. Há no movimento uma
forte disputa em torno da hegemonia do que seria a concepção de um “hip-hop
verdadeiro”: como a identidade se constrói pela diferença (SILVA, 2012), há uma
tensão por parte dos militantes mais antigos que enxergam muitas das diferenças, antes
vistas com desconfiança, agora incorporadas ao discurso da nova geração que começa a
fazer hip-hop em Pelotas, a maioria surgindo durante o intervalo temporal a ser
investigado.
A pesquisa parte do pressuposto de que, a partir de 2004, com o surgimento do
coletivo de Mc’s denominado “Kzero-Alternativo”, se deu o início de uma nova fase
para a música rap e o movimento hip-hop local, com uma proposta diversa do que vinha
sendo feito até então. Por isso, o objetivo do presente trabalho é compreender as
diferenças que se impõem internamente no hip-hop pelotense, sobretudo nas relações
entre a “nova” e “velha escola”, bem como destacar a atuação desse movimento dentro
da vida cultural e música pelotense.
Quando se fala do negro pelotense, é destacada sua importância para o samba e
para o carnaval da cidade, seu papel na imprensa, os importantes periódicos voltados à
comunidade negra como “A Alvorada”, jornal que durou mais de 50 anos, voltado para
assuntos afro-brasileiros e operários, bem como seu papel central na economia
escravista do charque:
Os negros foram introduzidos na região de Pelotas concomitantemente com o
desenvolvimento das charqueadas, a partir de 1780. A introdução do trabalho escravo na
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região foi anterior, mas a concentração de negros em Pelotas deu-se com o
desenvolvimento da atividade charqueadora (LONER, 1999, p. 7).
Em todo o Brasil o negro desenvolveu sua cultura a partir de influências de
diversas partes do continente africano, já que os escravos eram capturados de toda parte
da África. Dessa forma, foram desenvolvidas música, rituais e religião própria da
comunidade afro-brasileira, em senzalas, cidades e quilombos.
Analisando o verbete “Música” do Dicionário de História de Pelotas (2010,
p.177-179), escrito por Mario Maia, fica claro que a cidade sempre contou com a
participação das camadas populares para construção de sua história cultural. Maia
destaca que “[...] os negros foram provavelmente os primeiros músicos a atuarem em
Pelotas”, isso na condição de escravos. Ainda nas manifestações populares, mais
especificamente o samba e o Carnaval, Pelotas apresenta uma característica peculiar,
principalmente pela utilização do Sopapo, instrumento criado e utilizado na cidade, um
tipo de tambor, considerado o único instrumento genuinamente gaúcho. No verbete não
há declaração mais aprofundada sobre a contribuição do negro com estilos musicais
mais contemporâneos, com a música charme e o hip-hop, por exemplo, até porque o
recorte temporal do Dicionário é até a década de 1960. Apenas é dito que desde o início
da história de Pelotas o negro tem papel importante, que se mantém influente até hoje,
mas sem entrar em detalhes.
Como no Brasil, em Pelotas o Movimento Hip-hop também vem na carona
dos bailes Funk ou bailes Black, dos anos 80. Neste relato dos participantes
percebe-se a intensa vida cultural da cidade e principalmente no que se refere
às comunidades negras da cidade (VIEIRA, 2008, p.49).
Na área de Ciências Sociais há um trabalho de dissertação de Mestrado que
analisa parte do movimento hip-hop de Pelotas, intitulado “O rap pelotense ‘manda um
salve’: um estudo sobre juventude, quilombismo urbano e inclusão social” (BRIÃO,
2010). Discutindo como o movimento pode contribuir para o exercício da cidadania,
sendo uma ferramenta de resistência, usada principalmente por uma juventude que
estaria supostamente excluída de seus direitos básicos, Brião se utilizou da metodologia
antropológica de pesquisa etnográfica, bem como da realização de entrevistas semi-
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estruturadas com integrantes do movimento. Seu trabalho de campo se realiza no
acompanhamento do programa de rádio Comunidade Hip-hop, da rádio comunitária
RádioCom, bem como em eventos diversos de hip-hop que ocorreram na cidade ao
longo de sua pesquisa.
No trabalho de Brião fica claro que o rap feito pelos artistas pesquisados possui
uma forte característica de consciência social, e o inimigo que parece ser o “outro”, que
pode ameaçar a identidade do movimento é sempre externo: o “playboy”, a indústria
fonográfica, a mídia.
Com minha pesquisa procurarei investigar uma outra tensão e uma outra “luta de
representações”, que ocorre justamente dentro do movimento. Chartier (1991) destaca
três modos de relação com o mundo social: primeiramente a apreensão de ideias que
formam as configurações intelectuais que devem dar sentido à vida em sociedade para
determinado grupo; depois as práticas vinculadas a esse conjunto de ideias e que
diferem determinado grupo social de outros dentro da sociedade; por fim as práticas
institucionalizadas que legitimam esse grupo dentro da sociedade, elencando líderes
e/ou grupos principais que representem os interesses dos demais. Resumidamente
Chartier diz que há um conjunto de ideias que impulsionam ações e representações de
um determinado grupo, que irá ou não se impor através de instâncias de poder ou
legitimação. Agora, como foi a inserção da “nova escola” do hip-hop pelotense? Como
os representantes desta passaram por esses três estágios?
Outra dissertação importante sobre hip-hop pelotense, defendida na Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Pelotas (FAE/UFPel), é o trabalho de VIEIRA
(2008), intitulado “ ‘Minha palavra vale um tiro. Eu tenho muita munição’: movimento
Hip-hop e a fabricação de identidades”. Também se utilizando da análise de entrevistas
com membros do movimento na cidade, Vieira chega à conclusão de que tanto no
âmbito local quanto nacional o hip-hop e a música rap são fenômenos culturais
periféricos. Através de discursos políticos sobre mídia, família, cultura, entre outros, os
sujeitos formam suas identidades.
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“[...] Aí nós começamos a vê que o Hip-hop tem outro lado, não é só cantar e pá,
a gente tem que correr atrás pra ajuda e a nossa comunidade também...” (VIEIRA, 2008,
p.57). Nesse fragmento do trabalho de Vieira, onde é transcrita uma parte do
depoimento do grupo “Feridos pelo Sistema”, é explicitada a ideia de que além do lado
cultural, representado nesse trecho pelo ato de cantar, o hip-hop possui a perspectiva do
compromisso social, a necessidade de ajudar a comunidade. Umas das principais
tensões entre a nova e a velha escola está na defesa ou não da obrigatoriedade do
serviço social que o movimento exerce.
Além das entrevistas, Vieira também realiza uma espécie de observação em
campo feita no programa Comunidade Hip-hop da RádioCom, rádio comunitária da
cidade de Pelotas. Trata-se do mesmo processo realizado por Brião em seu trabalho.
Percebem-se, nos trabalhos de Brião e Vieira, metodologias semelhantes, em estudos
defendidos em período de tempo aproximados. Ambos os autores tiveram alguma
experiência anterior com o movimento hip-hop, seja por gosto pessoal ou através de
projetos acadêmicos.
Meu projeto de pesquisa se assemelha aos discutidos acima por também
pretender utilizar entrevistas, no entanto meu método é um pouco diferente por se tratar
de entrevistas de História Oral, as quais serão explicitadas mais adiante. Além da
História Oral, também utilizarei fontes periódicas, abundantes na cidade de Pelotas para
análise da história do movimento hip-hop.
Silva e Silva (2008), em seu artigo “Paradigma preventivo e lógica identitária
nas abordagens sobre o hip-hop”, faz uma revisão bibliográfica de vários trabalhos
acadêmicos de diferentes áreas, identificando algumas abordagens recorrentes quando o
objeto de estudo é o movimento hip-hop. Diz que:
Portanto, trata-se de entender a fabricação do subúrbio e da juventude como
problema social, analisando, assim, as concepções que dão sustentação aos
ideais corretivos e moralizantes que as abordagens sobre o hip-hop através de
uma ênfase nos seus benefícios identitários (SILVA e SILVA 2008, p. 135).
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É destacado pelos autores o fato de que grande parte das pesquisas encara o hip-
hop como uma ferramenta de prevenção à violência, por construir identidades mais
“amenas” em sujeitos até então vivendo às margens da sociedade, em localidades
periféricas. O hip-hop então seria um modo de prevenir a violência supostamente
potencial desses indivíduos, pois ele seria um incentivador de “identidades boas”,
considerando identidade como um local que constrói e incentiva o pior ou o melhor nos
indivíduos. Muitos autores aliam o conceito de identidade com o de cidadania, falando
em uma identidade cidadã: “envolve (sua concepção sobre Hip-hop) a afirmação de
identidades sociais, não a afirmação da identidade estigmatizada, mas da identidade
cidadã [...] (ALMEIDA, 1996, p. 180).
A crítica feita pelos autores Rodrigo Silva e Rosane da Silva (2008) é que o
protesto social contido nas letras de rap e demais expressões do movimento hip-hop é
descaracterizado, tirando o foco de que a sociedade apresenta problemas e de que o
protesto é válido, fazendo com que o movimento torne-se então algo que ao invés de
incomodar as classes dominantes irá até mesmo favorecê-las, pois teria potencial para
conter a violência gerada pela desigualdade social.
Concordo, assim como muitos pesquisadores e ativistas do hip-hop, que o
movimento “salvou” muitas pessoas de uma vida criminosa, mas é preciso ter em mente
que esse processo é muito mais complexo e envolve diversos outros fatores. Nem todo
pobre afinal irá cair fatalmente no crime, necessitando ser salvo por algo ou alguém,
bem como nem todo participante do movimento hip-hop tem essa preocupação social.
Referencial Teórico-Metodológico
As duas metodologias utilizadas para realização da minha pesquisa são a
História Oral e a análise documental de jornais.
Antes de qualquer discussão é necessário esclarecer, afinal, o que seria história
oral. É um método, um conceito, um tipo de fonte? Para que serve? Basicamente, pode-
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se dizer que história oral é uma metodologia que serve para produzir fontes históricas a
partir de relatos orais, que podem ou não ser transcritos.
Diferente da entrevista jornalística, a história oral envolve maior preocupação
com o roteiro, necessitando de um projeto, que é o que realmente caracteriza uma
entrevista como sendo de história oral. Meihy e Holanda (2007) definem a importância
do projeto para um verdadeiro trabalho com história oral, chamando atenção que na
verdade todo esse conjunto de antecipar ações através do projeto, que deve conter
justificativa, relevância social da pesquisa e uma boa fundamentação teórica, e depois
levar a cabo a pesquisa, realizar a entrevista e transcrevê-la, obter uma carta de cessão e
retornar à comunidade com o resultado do trabalho, todo esse processo, é o que
podemos chamar de história oral. Não constitui apenas então uma metodologia, e a
transcrição é ato primordial, segundo os autores.
Já Verena Alberti (2005) usa o termo “método-fonte-técnica” (2005, p.18) para
se referir à história oral, já elencando três diferentes possibilidades de encará-la. A
autora traz, em seu texto, uma pequena história da história oral, renegada durante muito
tempo pela tradição positivista, que considerava apenas o documento escrito como fonte
verdadeira e confiável. A História Oral começa a ser levada a sério a partir dos anos
de1960, quando havia um anseio entre os pesquisadores de ciências humanas por fontes
mais qualitativas, e, de certa forma, mais humanas. Também foi na década de 1960 que
o uso de gravador portátil se popularizou, facilitando o registro de depoimentos orais.
Importante destacar também que existem diferentes tipos de história oral. Meihy
e Holanda (2007) a dividem em três tipos: história oral de vida, história oral temática e
tradição oral.
História oral de vida pretende focar na vida do narrador desde sua infância,
buscando ser um trabalho de memória individual, quase biográfico. Por se constituir em
uma narrativa longa e detalhada, exige mais de um encontro para realização das
entrevistas. História oral temática busca saber qual foi a experiência do narrador com
determinado assunto que estiver sendo investigado. Tradição oral é a mais complexa e
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que demanda bastante tempo convivendo in loco com o narrador. Assemelha-se ao
trabalho de um antropólogo.
Para o presente trabalho será utilizada a História oral temática, já que pretendo
entender qual a participação dos narradores dentro do meu tema de pesquisa: o
movimento hip-hop.
O outro tipo de fonte com a qual irei trabalhar são os jornais, visando cruzar os
dados obtidos com as fontes orais e com as fontes periódicas. Utilizarei o acervo dos
jornais Diário da Manhã e Diário Popular, ambos salvaguardados na Biblioteca Pública
de Pelotas.
Para o trabalho com fontes de periódicos é necessário ter alguns cuidados
metodológicos. Assim como as fontes orais, que só começam a aparecer por volta da
década de 1960, os jornais foram, por muito tempo, ignorados pelos historiadores.
Devido a resquícios de uma tradição positivista, que supervalorizava os documentos
oficiais ligados ao Estado como única fonte válida, por um período de tempo, apenas se
reconhecia a importância de realizar uma história da imprensa, e não através dela,
utilizando os periódicos como fonte apenas de “segunda mão”, que só serviria para
confirmar ou reforçar algo evidenciado em outras fontes.
A partir dos anos de1970 é que esse cenário começa a mudar um pouco, e já no
início dos anos 1980 certas linhas de pesquisa historiográfica começam a enxergar
potencial nas fontes produzidas pela imprensa.
Segundo Luca (2010, p. 119): “A História do movimento operário, que desfrutou
de grande prestígio nos círculos acadêmicos brasileiros especialmente entre 1970 e
1990, encontrou na imprensa uma de suas fontes privilegiadas”. Além disso, pesquisas
sobre gênero, infância, entre outros, também utilizaram fontes de periódicos largamente.
Hoje utilizar o jornal como fonte já é algo bastante comum, e são inúmeros os
trabalhos acadêmicos que o fazem, de diferentes eixos temáticos. É necessário
contextualizar a publicação utilizada como fonte: suas condições de impressão, número
de exemplares impressos, periodicidade, público alvo.
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Muitos jornais da época do Império e da República Velha eram diretamente
relacionados a partidos, fundações ou grupos religiosos, então é preciso sempre
averiguar por quem eram escritos, e para quem.
Segundo KARAWEJCZYK (2010), é necessário compreender que o que os
jornais trazem são representações de acontecimentos e valores da sociedade, não a
realidade em si. Por isso é preciso ter claro o conceito de representação de Chartier
(1991, p. 184). Para ele“[...] a representação é o instrumento de um conhecimento
mediato que faz ver um objeto ausente substituindo-lhe uma “imagem” capaz de repô-lo
em memória e de ‘pintá-lo’ tal como é”, assim compreendendo melhor as fontes da
imprensa.
Meu interesse em pesquisar o movimento hip-hop vem do fato de já estar
familiarizado com esse objeto, por ser fã e também ativista do movimento. Meu intuito
com a pesquisa não é glorificar o hip-hop, apenas buscar, com o rigor do método,
responder às questões propostas no projeto. Logicamente que meu envolvimento com as
pessoas que fazem o hip-hop em Pelotas facilita bastante o trabalho, principalmente no
momento de formar a rede de narradores para as entrevistas de História Oral.
Sendo assim, como minha comunidade de destino são todos os envolvidos com a
cultura hip-hop entre 2000 e 2012, é necessário estabelecer uma colônia, que seriam os
militantes que mantiveram sua participação no movimento até o ano de 2012, não se
desligando antes disso. A partir dai serão feitas três redes de narradores: 1) “nova
escola”, ou seja, composta por aqueles que iniciaram sua trajetória no hip-hop pós ano
2000 2) “velha escola” que iniciaram anteriormente ao ano 2000 3) grupo intermediário:
narradores que pelo tempo de ativismo são considerados da “velha escola”, mas que
dialogam e se associam com integrantes mais novos.
Para enriquecer a pesquisa utilizarei também fontes periódicas, buscando
informações adicionais nos arquivos dos jornais Diário da Manhã e Diário Popular,
localizados na Biblioteca Pública de Pelotas. Devido ao trabalho de cobertura do
movimento hip-hop pelotense realizada desde 1994 pelo jornalista Carlos Cogoy, do
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Diário da Manhã, há uma variedade de informações que será de utilidade para qualquer
um que deseje pesquisar o movimento na cidade.
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14
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