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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ANA ZULMIRA GELSLEICHTER A JUSTA APLICAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL PELO PODER JUDICIÁRIO: Estudo de caso na comarca de São José/Santa Catarina São José 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

ANA ZULMIRA GELSLEICHTER

A JUSTA APLICAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL PELO PODER JUDICIÁRIO : Estudo de caso na comarca de São José/Santa Catarina

São José 2010

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ANA ZULMIRA GELSLEICHTER

A JUSTA APLICAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL PELO PODER JUDICIÁRIO : Estudo de caso na comarca de São José/Santa Catarina

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Rafael Burlani Neves

São José 2010

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ANA ZULMIRA GELSLEICHTER

A JUSTA APLICAÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL PELO PODER JUDICIÁRIO: Estudo de caso na comarca de São José/Santa Catarina

Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Ambiental

São José, dia 03 de novembro de 2010.

Prof. MSc. Rafael Burlani Neves UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Maria Helena Machado UNIVALI Membro

Prof. MSc. Marciane Zimmermann Ferreira UNIVALI Membro

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Dedico este trabalho a todas aquelas

pessoas que, de forma direta ou indireta,

contribuíram para a sua concretização.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao grande arquiteto do universo, Deus, pela

luz que me enviava nas horas em que não conseguia pensar em nada.

A minha mãe, Neusa, dedico grande parte do que sou hoje; agradeço

pela compreensão, carinho, educação, enfim, tudo o que de bom ela me ensinou.

Ao meu “pai do coração” Reinaldo, por todo o apoio nesta minha

caminhada.

Ao meu irmão Samuel pelo carinho e atenção.

Ao meu namorado Matheus por todo o esforço, paciência e

compreensão.

A ex-assistente da 10ª Promotoria de Justiça de São José, Débora, por

me ajudar a encontrar decisões que possibilitassem a realização deste trabalho.

E por último, e não menos importante, pois todos de alguma forma

participaram deste trabalho, dedico esta monografia ao meu orientador, Rafael

Burlani Neves.

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De tanto ver crescer a injustiça, de tanto

ver agigantar-se o poder nas mãos dos

maus, o homem chega a rir-se da honra,

desanimar-se de justiça e ter vergonha de

ser honesto.

Rui Barbosa

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 03 novembro de 2010.

Ana Zulmira Gelsleichter

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RESUMO

Meio Ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem

física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

formas. Se analisarmos o arcabouço legislativo ambiental brasileiro, notar-se-á a

ineficácia de muitas normas, já que estas não são aplicadas. Por isso, a proteção do

meio ambiente situa-se muito mais na esfera da abstração e da utopia ecológica do

que no campo prático (da efetividade). A não aplicação das normas de proteção do

ambiente resulta da omissão do Estado, da falta de consciência por parte dos

cidadãos e também em função da “grande barreira entre a sociedade e o Direito: a

falta de informação e a ignorância das leis”. Assim sendo, para garantir a eficácia do

direito fundamental de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, necessário se

faz um trabalho em conjunto de toda a humanidade e do Poder Público, para que os

direitos proclamados no art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil

sejam uma realidade presente e futura, e não mera norma. A presente monografia

buscou, através da análise empírica de decisões, demonstrar a efetividade da

legislação ambiental pelo Poder Judiciário. Observou-se com este trabalho que o

Judiciário demora demais para oferecer uma solução nas questões ambientais, teve

e tem imensa dificuldade em gerenciar a oferta de uma solução em tempo social e

ambientalmente aceitável. A atuação do Poder Judiciário na efetividade do Direito

Ambiental é tarefa que se pode empreender focando a atenção sobre diversos

ângulos, em todos sempre haverá um sentimento de frustração pelos equívocos e

insucessos, mas certamente também há lembranças gratas quando, já com certo

distanciamento, se observa um resultado ambientalmente significativo. O Direito

Ambiental ocasionou uma mudança de paradigmas no âmbito da magistratura, pois

a propriedade e os interesses individuais passaram a ser parâmetros absolutamente

insuficientes para a decisão das questões. Graças ao trabalho exaustivo da doutrina

deu-se a construção teórica em torno dos princípios ambientais que começaram a

ser aplicados pelos magistrados no sentido de oferecer uma solução razoável para

as demandas. Difícil dizer se o Judiciário na questão ambiental alcançou a Justiça,

mas é certo que diariamente renovamos nossas tentativas, embora ainda

excessivamente presos à literalidade da lei.

Palavras-chave : 1. Meio Ambiente. 2. Poder Judiciário. 3. Direito Ambiental.

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ABSTRACT

The Environment is the group of conditions, laws, influences and physical, chemical

and biologic interactions that permit, shelter and rule the life in all her forms. If we

analyze the Brazilian environmental legislative structure, we will perceive the

inefficiency of many laws, already that these aren’t applied. That’s why the protection

of the environment is situated more in the abstraction and ecological utopia field

instead of in the practicable area (efficiency). The not application of the

environmental protection laws results of the State’s omission, of the absence of

citizen’s conscience and also in function of the “great obstacle between the society

and the Law: the absence of information and the ignorance of the laws”. So, to

guarantee the fundamental law’s efficacy of a balanced ecological environment, it’s

necessary to do a work together with Government and all the humanity, to that the

laws, proclaimed in the art. 225 of the Brazilian’s Constitution are a present and

future reality, and not a simple law. This monograph has sought, through empirical

analysis of decisions, to demonstrate the effectiveness of environmental legislation

by the Judiciary. Observed with this work, that the Judiciary takes too long to offer a

solution for environmental issues, and it has had great difficulty in managing the

supply of a solution in time socially and environmentally acceptable. The

performance of the Judiciary, in the effectiveness of the Environmental Law, is a task

that can be undertaken by focusing attention on several angles, in everyone there will

be always a sense of frustration for the mistakes and failures, but certainly there are

also grateful memories when, already with a certain distance, if observes a result of

environmentally significant. The Environmental Law caused a paradigm shift within

the magistracy because the property and individual interests have become totally

inadequate criteria for deciding the issues. Thanks to the exhaustive work of

scholars, there has been a theoretical construct about the environmental principles,

which they have begun to be applied by judges in order to offer a reasonable solution

to the demands. Hard to say if the Judiciary, on the environmental issue, has

achieved Justice, but it is certain that, daily, we renew our efforts, though still too

attached to the literal meaning of the law.

Key-words: 1. The Environment. 2. Judiciary. 3. Environmental Law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11 CAPÍTULO I ..............................................................................................................13 1 SOCIEDADE DE RISCO E ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ......................13

1.1 HISTÓRICOS DA SOCIEDADE DE RISCO................................................13 1.2 SURGIMENTO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL .............................17 1.3 CONCEITOS DE DIREITO AMBIENTAL.....................................................20 1.4 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ...........................................................22

1.4.1 Princípios gerais do direito ambiental .............................................23 1.4.1.1 Princípio do direito à sadia qualidade de vida ..................................24 1.4.1.2 Princípio do desenvolvimento sustentável .......................................26 1.4.1.3 Princípio do poluidor-pagador ..........................................................27 1.4.1.4 Princípio da Precaução ....................................................................28 1.4.1.5 Princípio da Prevenção ....................................................................30 1.4.1.6 Princípio da Reparação....................................................................31 1.4.1.7 Princípio da Informação ...................................................................33

CAPÍTULO II .............................................................................................................35 2 JUSTIÇA AMBIENTAL ......................................................................................35

2.1 ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO DE JUSTIÇA AMBIENTAL...........................................................................................................35 2.2 RACISMO, DESIGUALDADE E EXCLUSÃO AMBIENTAL COMO QUESTÕES DE JUSTIÇA E DE DIREITO AMBIENTAL........................................42 2.3 CONEXÕES ENTRE DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO AMBIENTAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A JUSTIÇA AMBIENTAL .........................................49

CAPÍTULO III ............................................................................................................53 3 MEIO AMBIENTE E O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO .............................53

3.1 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL.........................................................................53 3.2 O JUDICIÁRIO E A PROPOSITURA DE AÇÕES........................................55 3.3 O PAPEL DO MAGISTRADO FRENTE ÀS QUESTÕES AMBIENTAIS......56 3.4 O JUDICIÁRIO FRENTE ÀS QUESTÕES AMBIENTAIS............................60

3.4.1 O Judiciário até os Anos Oitenta ......................................................60 3.4.2 O Judiciário nos Anos Oitenta e Noventa ........................................60 3.4.3 O Judiciário na atualidade ................................................................61

3.5 ANÁLISE DE DECISÕES AMBIENTAIS NA COMARCA DE SÃO JOSÉ/SC 62

3.5.1 Da análise das decisões acerca da incidência e ocor rência dos princípios da justiça ambiental e da sociedade de r isco ..............................65

3.5.1.1 Julgado que versa sobre construção irregular em área pública....67 3.5.1.2 Julgado que versa sobre a regeneração natural de vegetação ....67 3.5.1.3 Julgado que versa sobre modificação no Plano Diretor do Município 68 3.5.1.4 Julgado que versa sobre implementação de loteamento clandestino .....................................................................................................69 3.5.1.5 Julgado que versa sobre prática de crime ambiental....................70 3.5.1.6 Julgado que versa sobre infração penal ambiental de menor potencial ofensivo...........................................................................................70

CONCLUSÃO ...........................................................................................................72 REFERÊNCIAS .........................................................................................................74

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11

INTRODUÇÃO

Com o intuito de verificar a efetividade da aplicação da legislação

ambiental pelo Poder Judiciário, faz-se necessária a presente monografia, intitulada

“A justa aplicação do direito ambiental pelo Poder Judiciário: estudo de caso na

comarca de São José/SC”.

O objeto da pesquisa consistirá no exame crítico com base em

doutrinas, periódicos e decisões judiciais, que versam sobre o tema subscrito.

O motivo maior para iniciar tal assunto foi a necessidade de se obter

uma resposta sobre a efetividade/eficácia da aplicação da legislação ambiental pelo

Poder Judiciário, em especial, na comarca de São José/Santa Catarina.

E os seguintes problemas fazem parte dessa pesquisa: As decisões

judiciais da comarca de São José – SC - justiça estadual de Santa Catarina -

internalizam os princípios jurídicos ambientais? A comarca de São José possui

compromisso com o dever público de proteção ambiental inserto no art. 225,

parágrafo primeiro, da CF/88?.

Para tanto, será utilizado o método indutivo, partindo-se do específico

para o geral. Na composição e estruturação da monografia, será empregada

metodologia fundada em pesquisa bibliográfica, aglomerando dados extraídos dos

principais autores que abordam o tema, pesquisa documental, amostragem de

decisões judiciais e legislação relacionada, que servirão de fontes de pesquisa, de

forma a garantir o objetivismo e a consolidação do trabalho.

A estrutura da presente monografia está dividida em três capítulos:

Sociedade de Risco e Estado de Direito Ambiental; Justiça Ambiental; e, por fim,

Meio Ambiente e o Poder Judiciário Brasileiro.

O capítulo primeiro aborda os aspectos históricos da sociedade de

risco, surgimento do direito ambiental no Brasil, conceito de direito ambiental, estado

de direito ambiental e os princípios que norteiam o mesmo.

No segundo capítulo, destacar-se-ão os conceitos de justiça

ambiental, as origens e características desse movimento, racismo, desigualdade e

exclusão ambiental como questões de justiça e de direito ambiental e as conexões

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12

existentes entre direitos humanos e proteção ambiental.

No terceiro capítulo, o trabalho monográfico chega ao seu ponto

crucial: “meio ambiente e o Poder Judiciário brasileiro”. Nessa parte, procurar-se-á

evidenciar qual o tratamento dado às questões ambientais pelo Poder Público, bem

como será apresentado, através de amostragem, análise de decisões judiciais de

primeiro grau da comarca de São José/SC, demonstrando o tratamento dado a estas

questões impostas ao Poder Judiciário.

O presente trabalho científico encerra-se com a conclusão, na qual são

apresentados pontos que demonstram, de uma maneira geral, a omissão e lentidão

do Judiciário na prestação de uma resposta eficaz aos danos ambientais.

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13

CAPÍTULO I

1 SOCIEDADE DE RISCO E ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

O meio ambiente, por sua complexidade e importância vital para os

seres vivos, é foco de grandes discussões no mundo social e jurídico. A

preocupação jurídica do ser humano com a qualidade de vida e a proteção do meio

ambiente só vieram alcançar maior interesse dos Estados a partir da constatação da

deterioração da qualidade ambiental e da limitabilidade do uso dos recursos

naturais. Essa preocupação fez surgir a “sociedade de risco”, que, no presente

capítulo, será abordada.

Também será objeto do primeiro capítulo, o surgimento do direito

ambiental no Brasil, como forma de proteção e preservação do meio ambiente para

as gerações futuras, bem como um breve estudo sobre o estado de direito

ambiental, além dos precípuos princípios que congregam o direito ambiental. Tais

princípios são o alicerce para a defesa ambiental, como por exemplo, o princípio do

direito à sadia qualidade de vida; do desenvolvimento sustentável; do poluidor-

pagador; da precaução; da prevenção; da reparação e o princípio da informação.

1.1 HISTÓRICOS DA SOCIEDADE DE RISCO

Após a revolução industrial muitas foram as mudanças ocorridas na

sociedade, fazendo-se assim necessário um breve estudo histórico sobre a

sociedade de risco. Mas, primeiramente, faz-se necessário definir o conceito de

risco, que é de fundamental importância para se adentrar no assunto.

Morato Leite leciona acerca da sociedade de risco:

Vive-se uma época de grandes mudanças. A sociedade, até então habituada à certeza e à previsibilidade, depara-se agora com situações de insegurança, ameaça e medo nunca antes experimentadas. Como resultado, a população inquieta-se, exigindo respostas de um Estado, que por sua vez, se mostra incapaz de atender às necessidades sociais. 1

1FERREIRA, Heline Sivina; LEITE, José Rubens Morato et al. Estado de direito ambiental :

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14

As primeiras linhas sobre a "sociedade de risco" foram traçadas por

Ulrich Beck, quando afirmou:

Que os riscos na modernidade sempre pressupõem e dependem de decisões, sendo exatamente o resultado e o efeito dessas decisões nos vários domínios em que a intervenção humana se dá sob os contextos de imprevisibilidade e incalculabilidade. 2

Segundo Giddens, risco é “a expressão característica de sociedades

que se organizam sob a ênfase da inovação, da mudança e da ousadia”. 3

Neste sentido, a sociedade de risco pode ser descrita como sendo:

Uma fase do desenvolvimento da sociedade moderna, onde os riscos sociais, políticos, ecológicos e individuais, criados pelo momento da inovação, iludem cada vez mais as instituições de controle e proteção da sociedade industrial. 4

É com a revolução técnico-científica, precisamente na Revolução

Industrial, na qual se objetivava o lucro e ignorava-se a proteção ambiental que

nasce um pensamento moderno, voltado para a sociedade de risco. Sociedade esta,

que pensava que as condições e evoluções tecnológicas estavam influenciando na

sua qualidade de vida. Assim, “Com a percepção e interiorização dos problemas

sociais, a ciência e demais áreas do saber desenvolvem múltiplos esforços para

evitar o flagelo anunciado”. 5

No tocante à sociedade de risco, Morato Leite leciona de forma

coerente:

A necessidade de superar a pretensão das instituições em não conhecer a realidade do perigo, ocultar suas origens, negar sua existência, suas culpas e suas responsabilidades na produção do

tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 56. 2BECK, 2000 apud LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 14. 3GIDDENS, Anthony. 2002 apud LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 14. 4LASH, Scott; SZERSZYNSKI, Bronislaw & WYNNE, Brian (Coord.). Risk, environment & modernity: towards a new ecology. London: Sage Publications, 1998. p. 27 Apud Leite, José Rubens Morato. Op. Cit., p. 25. 5CUNHA, Paulo. A globalização, a Sociedade de risco, a dimensão preventiva do direito e meio ambiente In FERREIRA, Heline Sivina; LEITE, José Rubens Morato et al. Estado de direito ambiental : tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 110.

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15

perigo e pouco se importarem com seu controle e compensação, que identificam o conceito de irresponsabilidade organizada, ganha grande destaque como problema, perante a observação de que nas sociedades de risco produz-se profunda modificação na própria consciência do perigo. 6

Ainda sobre o assunto:

As formas de reação perante as ameaças sempre estiveram vinculadas a processos dependentes da definição de padrões, de programas e políticas eminentemente institucionais, de restrita participação e publicidade. 7

E, sem publicidade, o ingresso na sociedade de risco se inicia, os

princípios de cálculo da sociedade industrial são encobertos e anulados, e os

perigos transpassam o que antes era seguro; os chamados macroperigos.

Acerca do macroperigo, Morato Leite assevera:

A partir do momento em que deixa de ser possível a verificação concreta das conseqüências das decisões, a referência conceitual do risco ganha novas feições que se distanciam da pretensão de controlabilidade e cognoscibilidade (associadas à racionalidade do acidente), retirando da sociedade, e principalmente das instituições, a capacidade de identificá-las, controlá-las e evitá-las. 8

A partir do momento que os perigos são encobertos pela sociedade

industrial é que se inicia o ingresso na sociedade de risco, principalmente quando os

limites de segurança, e os órgãos de controle dessas ameaças ao meio ambiente

não conseguem ter efetivo domínio.

O autor Paulo Cunha leciona acerca do ingresso à sociedade de risco:

A sociedade é lenta a reagir e está pouco habituada à antecipação, à prevenção. A invocação dos riscos ambientais há 40 anos era considerada uma verdadeira provocação, como algo sem fundamento científico e, por isso inaceitável. Esse fator associado às precárias condições de segurança, à formação insuficiente dos recursos humanos, às fortes pressões econômicas, às deficiências de organização e à falta de informação, viabilizam a massificação dos riscos ambientais e a plausibilidade de o risco se converter em dano.9

6LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 25. 7LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 16. 8LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 17. 9CUNHA, Paulo. A globalização, a Sociedade de risco, a dimensão preventiva do direito e meio ambiente In FERREIRA, Heline Sivina; LEITE, José Rubens Morato et al. Estado de

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16

O ente jurídico é o que causa o maior dano. Como exemplo, a

catástrofe de Chernobyl, com o vazamento nuclear, pois seus efeitos se espalharam

pelo meio ambiente e atingiram a população, dando ao mundo, falhas de segurança,

incapacidade de previsão antecipada de suas conseqüências e limitações técnicas

das instituições de controle e das instâncias de precisão. 10

A lacuna existente entre os elementos de calculabilidade e de

previsibilidade dos riscos sugere como problema o anonimato dos responsáveis pela

produção dos riscos.

Morato Leite leciona acerca dos elementos supracitados:

Situação esta (calculabilidade e da previsibilidade) que opera no sentido de proteger estados de irresponsabilização e de evitar ou dificultar o reconhecimento e a imputação da responsabilidade pelos riscos e danos, quadro especialmente perigoso quando são levados em consideração os interesses e direitos de futuras gerações, potencialmente vitimizadas pela tendência de multiplicação e acumulação desses danos invisíveis. 11

Acerca da previsibilidade dos riscos, Morato Leite reza:

Se os cientistas já haviam perdido a capacidade de interpretá-los e prevê-los, perdem agora o senso de se comunicar de forma eficiente com os riscos contemporâneos, aspecto que expõe a qualidade de tomar decisões a dúvidas e críticas, permitindo sugerir novos caminhos alternativos que possibilitem completar a atividade não mais desenvolvida convenientemente pela ciência, uma vez que perdeu a capacidade de assegurar e afiançar decisões para contextos em que a segurança e a certeza não podem ser atingidas.12

Segundo Patryck de Araújo Ayala,

[...] a proteção jurídica de um direito ao futuro, e do próprio futuro, pode ser expressa em síntese, a partir da proteção jurídica da vida no contexto das sociedades de risco, cuja concretização depende especialmente da gestão solidária e responsável da informação e do compromisso de produção indisponível. 13

direito ambiental : tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 118. 10LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 19. 11LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 126. 12LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na sociedade de risco . 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 28. 13FERREIRA, Heline Sivina; LEITE, José Rubens Morato et al. Estado de direito ambiental : tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 266.

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17

O fruto da sociedade de risco do passado colhe-se no presente, Ana

Paula Soares acrescenta que:

A sociedade contemporânea vive um período de intensas transformações técnico-científicas, as quais ao mesmo tempo proporcionam mudanças na acumulação e apropriação de bens. Proliferam ameaças à salubridade do ambiente, tornando-se cada vez mais difíceis de serem percebidas, bem como evitados os seus danos potenciais. 14

Em outras palavras, tem havido grande avanço tecnológico e

econômico, no entanto esse avanço não tem sido dentro de um contexto que

assegure um viver com qualidade.

1.2 SURGIMENTO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL

Antes de se adentrar no histórico do direito ambiental, é indispensável

estabelecer um breve conceito de Direito Ambiental, que, por Toshio Mukai, é:

[...] um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente. 15

Da época do descobrimento até a segunda metade do século XX, o

meio ambiente não era um ente que recebia proteção jurídica no Brasil; só algumas

normas esparsas asseguravam a inviolabilidade de alguns recursos naturais, como o

Pau Brasil.

Ann Helen Wainer relata que:

A evolução das leis ambientais no Brasil começou em Portugal, de quem fomos colônia, e cujas normas visavam proteger as riquezas e a Coroa Portuguesa, sobretudo levando-se em consideração que essas riquezas provinham da metrópole. 16

14SOARES, Ana Paula Marcante. O risco ambiental na Sociedade contemporânea e a (In) aplicabilidade do princípio da precaução: apontamentos a partir do socioconstrutivismo. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO AMBIENTAL, 12.: 2008, São Paulo. Mudanças climáticas, biodiversidade e uso sustentáv el de energia . São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008. p. 592. 15MUKAI, Toshio. Direito Ambiental sistematizado . 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2005, p. 11. 16WAINER, Ann Helen. Legislação ambiental brasileira: evolução histórica do direito ambiental. Revista de Direito Ambiental , São Paulo, v 0 , p. 159 jan. 1995.

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18

Porém a manifestação pioneira de um homem público sobre o meio

ambiente se deu, segundo o autor Vladimir Passos de Freitas17, por José Bonifácio

de Andrada e Silva, no ano de 1815.

José Bonifácio de Andrada e Silva pronunciou a seguinte frase:

Se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuvas sem umidade, não há umidade sem floresta. 18

Problemas ambientais estes vivenciados no Brasil, que Cleucio Santos

Nunes indica:

Os problemas ambientais brasileiros, vivenciados de forma mais grave em meados do século XX até os dias atuais, são sobras da visão equivocada de desenvolvimento perpetuada pelas gerações passadas e que, talvez, não dispunham de mecanismo para dimensionar a situação hoje suportada pelas presentes gerações. 19

A lei nº 6.938/81, a Política Nacional do Meio Ambiente, foi o primeiro

diploma legal que estabeleceu a proteção do meio ambiente como um direito próprio

e autônomo. Anteriormente, o amparo ao meio ambiente era feito de modo mediato

e indireto, como quando se prestava tutela a outros direitos, como o direito de

vizinhança, propriedade, regras urbanas de ocupação de solo.

Após 07 anos, a Constituição Federal é criada, no ano de 1988, sendo

então um direito expressamente protegido pelo Texto Maior, no qual foi reservado

um capítulo inteiro para o seu tratamento. A título de elucidação, foi na Carta Magna

de 1969 que se utilizou pela primeira vez a palavra ecologia, para quando se falava

da função agrícola das terras. E dez anos depois, em 1998, foi publicada a Lei de

Crimes ambientais (lei nº 9605/98), que dispôs sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

Conforme leciona Ataíde Kist, pode-se elencar a evolução legal do

direito ambiental no Brasil da seguinte forma:

17FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza . 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 17. 18SILVA, José Bonifácio de Andrada e. 1815 Apud SVIRSKY, Henrique; CAPOBIANCO, João Paulo (Org). Ambientalismo no Brasil : passado, presente e futuro. São Paulo: instituto Socioambiental-SMA, 1997, p. 16. 19NUNES, Cleucio Santos. Direito Tributário e Meio Ambiente . São Paulo: Dialética, 2005, p. 27.

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19

1973 – Tem início o ciclo da evolução da Política Ambiental no Brasil, com a criação da SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente.

1977 - Em 1977, a ONU promoveu a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, que influenciou a adoção dessa disciplina nas universidades brasileiras.

1981 – Neste ano é publicada a lei 6.902/81, primeira lei ambiental no país, destinada a proteção da natureza.

[...]

Esta lei instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, PNMA; criou o SISNAMA, Sistema Nacional de Meio Ambiente; o SINIMA, Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente; e o CONAMA, Conselho Nacional de Meio Ambiente.

1988- A Constituição de 5 de outubro de 1988 representa um passo decisivo na formulação da política ambiental do país, pois, pela primeira vez na história de uma nação, uma constituição dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente (Titulo VIII – Da Ordem Social; Capítulo VI – Do meio ambiente; artigo 225.), dividindo entre o governo e a sociedade a responsabilidade pela sua preservação e conservação.

Além da Constituição Federal, as Constituições Estaduais e Municipais tratam do tema também em capítulos específicos. A Constituição Estadual de São Paulo, além de um capítulo, legisla sobre o meio ambiente em quatro seções distintas.

1989- Em 22 de Fevereiro, pela lei nº 7.735/89, é criado o IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Sua formação decorreu da fusão de quatro entidades brasileiras que trabalhavam na área ambiental: a Secretaria do Meio Ambiente - SEMA; a Superintendência da Borracha - SUDHEVEA; a Superintendência da Pesca – SUDEPE, e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF.

1990- Neste ano, foi criada a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República – SEMAM, ligada à Presidência da República, que tinha no IBAMA seu órgão gerenciador da questão ambiental, responsável por formular, coordenar, executar e fazer executar a Política Nacional do Meio Ambiente e da preservação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis.

1992- Realizou-se no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92, da qual participaram 170 nações. Em 16 de Outubro foi criado o Ministério do Meio Ambiente - MMA, órgão de hierarquia superior, com o objetivo de estruturar a política do meio ambiente no Brasil.

1998- Publicada a lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências.

[...].

O Sistema Nacional do Meio ambiente, SISNAMA, é constituído por órgãos, do Distrito Federal, dos municípios e por fundações

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20

instituídas pelo poder público, responsáveis pela proteção e melhoria do meio ambiente. Sua estrutura está disposta da seguinte forma:

[...]

Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA – assessora, estuda e propõe ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais e delibera no âmbito de sua competência sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial á qualidade de vida.

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - IBAMA, tem por finalidade executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais para o meio ambiente.20

As proteções quase sempre eram feitas através de normas de Direito

Penal ou Administrativo, que sancionavam o mau uso dos elementos naturais ou a

utilização destes que pudesse causar prejuízos ou incômodos a terceiros.

Porém, segundo Paulo de Bessa Antunes: “Entretanto, a problemática

suscitada pelos novos tempos demanda uma outra forma de conceber a legislação

de proteção da natureza”. 21

Em busca de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja,

de uma proteção jurídica objetiva, foi introduzida na Carta Magna, a parte da tutela

ambiental, que, em seu bojo, traz o artigo 225, como uma forma de expressar que

todos têm direito ao meio ambiente, de explorá-lo, porém têm o dever de defender e

preservar para as futuras gerações, pois pertence ao Poder Público e à coletividade.

1.3 CONCEITOS DE DIREITO AMBIENTAL

Os conceitos em direito ambiental são os mais variados possíveis; eis

alguns relacionados ao tema.

O conceito de direito ambiental, segundo Édis Milaré é:

O complexo de princípios e normas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do

20KIST, Ataíde. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica . São Paulo: LED - Editora de Direito Ltda, 1999, p. 65. 21ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 3.

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ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações. 22

O autor Tycho Brahe Fernandes Neto conceitua que: “Direito Ambiental

é o conjunto de normas e princípios editados objetivando a manutenção de um

perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente” 23.

Para Michel Prieur: “O Direito do ambiente é constituído por um

conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta contra as

poluições.” 24

Toshio Mukai conceitua:

O Direito Ambiental (no estágio atual de sua evolução no Brasil) é um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente. 25

Já, para Paulo de Bessa Antunes, o direito ambiental significa:

Um direito que tem por finalidade regular a apropriação econômica dos bens ambientais, de forma que ela se faça levando em consideração a sustentabilidade dos recursos, o desenvolvimento econômico e social, assegurando aos interessados a participação nas diretrizes a serem adotadas, bem como padrões adequados de saúde e renda. 26

Por sua vez, o autor Paulo Affonso Leme Machado apresenta a

seguinte definição de Direito Ambiental: “é um direito de proteção à natureza e à

vida, dotado de instrumentos peculiares que se protejam em diversas áreas do

direito, sobretudo no Direito Administrativo”. 27

Não obstante, Luís Paulo Sirvinskas traz o conceito de Direito

Ambiental de forma simples, qual seja:

Direito Ambiental é a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser

22MILARÉ, Édis. Direito do ambiente . 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 155. 23FERNANDES NETO, Tycho Brahe. Direito Ambiental : uma necessidade. Florianópolis: Imprensa da Universidade Federal de Santa Catarina, 2003. p. 15. 24PRIEUR, Michel; Droit de l’ Environnement . Paris: Dalloz, 1991, p. 135. (tradução nossa). 25MUKAI, Toshio. Direito Ambiental sistematizado . 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1998. p. 10. 26ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 09. 27MACHADO, 1991 apud ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 8-9.

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22

humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta. 28

Sendo assim uma área do Direito que é multidisciplinar, pois utiliza

várias áreas, como o direito penal, administrativo visando analisar e regular o

comportamento humano com relação ao meio ambiente.

1.4 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

Diante da crise ambiental, há o surgimento de um novo Direito – o

direito ambiental. Como visto anteriormente (vide item 1.2) , o direito ambiental

emergiu diante da complexidade dos problemas existentes, da desordem

desenfreada no sistema, originando a crise ambiental.

Com relação ao assunto crise ambiental, o doutrinador Caubet

expressa:

A entropia 29 acelera-se porque o mundo, apesar de notáveis esforços retóricos, continua sendo financeiramente total, economicamente global, politicamente tribal e ecologicamente letal. Continua subordinando as questões éticas, políticas e socioambientais ao imperativo absoluto e obstinadamente reforçado pelas exigências do comércio internacional. 30

O estado de direito ambiental necessita de mudanças relacionadas à

estrutura de uma sociedade organizada, que visa oferecer alternativas e dar uma

direção para contornar a crise ambiental.

O fim a que se destina o estado de direito ambiental é o

desenvolvimento, acrescido da solidariedade social, ou seja, a colaboração da

população quanto ao meio ambiente equilibrado, com o intuito de fortalecer a

proteção ambiental e garantir uma melhor qualidade de vida.

28SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental . 4. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 27. 29A extensão do estado de desordem em que esta energia se encontra é medida por uma quantidade conhecida por entropia. Quanto maior é o estado de desorganização, tanto maior é a entropia, quanto menos extensa for a desorganização, menor é a entropia. SILVA, Luiz Carlos Marques. Sala de física: Índice Conceitos: Entropia. [São Paulo]. Disponível em: <http://br.geocities.com/saladefisica6/termodinamica/entropia.htm>. Acesso em: 14 mar. 2010. 30CAUBET, Christian Guy. A irresistível ascensão do comércio internacional: o meio ambiente fora da lei ?, Revista Seqüência , Itajaí, v. 20, n.39, p.58, dez. 1999.

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23

Acerca do tema Estado de Direito Ambiental, Canotilho leciona: "além

de ser um Estado de Direito, um Estado Democrático e um Estado Social, deve

também modelar-se como Estado Ambiental". 31

Édis Milaré minuta sobre a missão do Direito Ambiental e

consequentemente o foco Estado de Direito Ambiental, que é "conservar a

vitalidade, a diversidade e a capacidade de suporte do planeta Terra, para usufruto

das presentes e futuras gerações, avocando assim um modo menos antropocêntrico

e mais ecocêntrico, foco no meio ambiente”. 32

A concretização do Estado de Direito Ambiental impõe “a identificação

de princípios que lhe possam servir de sustentáculo e de balizamento” 33, que no

próximo item será estudado.

1.4.1 Princípios gerais do direito ambiental

Acerca deste tema, aborda-se: “O direito ambiental é uma ciência nova,

porém autônoma. Essa independência lhe é garantida porque o direito ambiental

possui seus próprios princípios diretores, presentes no art. 225 da Constituição

Federal de 1988.” 34

Segundo Vladimir Passos de Freitas, princípio “é a base, o alicerce, o

início de alguma coisa. É a regra fundamental de uma ciência. Há quem entenda

que o princípio é fonte normativa”. 35

Já, para Sirvinskas, “os princípios do Direito Ambiental têm por escopo

proteger toda espécie de vida no planeta, propiciando uma qualidade de vida

satisfatória ao ser humano das presentes e futuras gerações”. 36

31CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito público do ambiente . Coimbra: Faculdade de Direito de Coimbra, 1995, p. 22. 32MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2000, p. 44. 33NUNES JÚNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de direito . Revista de Informação Legislativa. Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas. Brasília – Julho/Setembro – 2006 – Ano 41, p.300 – N° - 163. 34FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª ed. ver. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 26. 35FREITAS, Vladimir Passos de. A constituiçao Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 42-43.

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24

No mesmo sentido, Paulo Affonso Leme Machado aduz: “Princípio é

aqui utilizado como alicerce ou fundamento do Direito. Alguns princípios aqui

expostos têm apoio em declarações internacionais [...]”. 37

O doutrinador Fernando Alves Correia, acerca dos principais princípios

do Direito Ambiental, seguindo a doutrina européia, leciona:

Seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção ('vorsorgeprinzip'), o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização ('verursacherprinzip') e o princípio da cooperação ou da participação ('kooperationsprinzip'). Estes três princípios estão condensados, ao lado de outros, no art. 3º da Lei de Bases do Ambiente e estão presentes em várias de suas disposições. 38

Sendo esses princípios supracitados, um meio de serem invocados,

com o intuito de garantir para as presentes e futuras gerações um equilíbrio homem-

meio ambiente, e primar pela qualidade de vida ambiental.

1.4.1.1 Princípio do direito à sadia qualidade de vida

Esse princípio tem o escopo no art. 225 da Constituição Federal de

1988, no capítulo IV, sobre o Meio Ambiente, que reza:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida , impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (grifo não é do original). 39

Segundo a análise do doutrinador Fiorillo acerca do artigo supracitado,

extrai-se:

1) a existência de um direito material constitucional caracterizado como “direito ao meio ambiente”, cujos destinatários são “todos” ;

2) a confirmação no plano constitucional de que aludido direito ao meio ambiente diz respeito à existência de uma relação jurídica que

36SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental . 4. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 33. 37MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p.53. 38CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Almeidina, 1989, p. 79. 39BRASIL. Constituição do Brasil 1988 . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 15 mar. 2010.

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envolve um bem (o bem ambiental). Referido bem, para que possa ser reputado constitucionalmente “bem ambiental”, diz respeito somente àqueles “essenciais à sadia qualidade de vi da” . Por outro lado o bem ambiental se caracteriza por ser ontologicamente um “bem de uso comum do povo” ;

3) em face à relevância do bem ambiental, a Constituição Federal determinou de forma impositiva, tanto ao Poder Público como à coletividade, não só o dever de defender os bens ambientais como também de preservá-los;

4) a defesa assim como a preservação por parte do Poder Público e da coletividade antes referida têm por finalidade assegurar o uso do bem ambiental não só para as presentes mas também p ara as futuras gerações (grifos não são do original). 40

Já José de Oliveira Baracho vaticina que:

O princípio ordena algo que deve ser efetivado, levando em consideração as possibilidades jurídicas e fáticas. Com a regra exige-se faça exatamente o que elas ordenam, apesar de, também, conterem determinação no âmbito de possibilidades jurídicas e fáticas. A amplitude do conceito de princípio pode estar ligada aos direitos individuais e aos bens coletivos. 41

Sobre as características gerais dos princípios, Elida Séguin leciona:

São regras geralmente não escritas latentes dos grupos sociais, que intuitivamente as agasalha em seu seio. Têm como origem a própria tradição jurídico-social, o que significa seu acolhimento na esfera doutrinária e jurisprudencial. Exprimem um direito objetivo. 42

As pessoas têm a garantia de viver plenamente, com qualidade,

congregado ao estado de preservação (sanidade) e uso adequado dos elementos

ambientais, tais como água, solo, ar, flora, fauna e paisagem.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, na

Declaração de Estocolmo/72, salientou que o homem tem direito fundamental a “[...]

adequadas condições de vida, em um meio ambiente de qualidade [...] bem como,

na Declaração Rio de Janeiro/92, afirmou que os seres humanos “têm direito a uma

vida saudável”. 43

40FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 33. 41BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio da subsidiaridade: conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 22. 42SÉGUIN, Elida. Direito Ambiental: nossa casa planetária. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 91. 43MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 54.

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26

Portanto o princípio da sadia qualidade de vida ambiental é um direito

fundamental, previsto no art. 225 da Constituição Federal de 1988, elencado no rol

de direitos indisponíveis.

1.4.1.2 Princípio do desenvolvimento sustentável

De acordo com o que ensina Sirvinskas acerca do princípio do

desenvolvimento sustentável,

O princípio do desenvolvimento sustentável procura conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico para melhoria da qualidade de vida do homem. É a utilização racional dos recursos naturais não renováveis. Também conhecido como meio ambiente ecologicamente equilibrado ou ecodesenvolvimento.44

A definição jurídica de meio ambiente equilibrado é conduzida de forma

simples e concisa pelo doutrinador Celso Antônio Fiorillo: “[...] no plano

constitucional, […] diz respeito à tutela da pessoa humana, assim como de outras

formas de organismos, como o local onde se vive”. 45

Ainda o mesmo doutrinador assevera as conseqüências desse

princípio:

1) a tutela jurídica da pessoa humana – principal destinatário da norma constitucional – em face de suas inter-relações com o ambiente;

2) a tutela jurídica da fauna em face dos princípios fundamentais e demais dispositivos constitucionais aplicáveis;

3) a tutela jurídica da flora em face dos princípios fundamentais e demais dispositivos aplicáveis. 46

Segundo Wanderley Rebello Filho, “através deste princípio devem ser

pesados todos os impactos que uma intervenção no meio ambiente pode causar,

buscando-se adotar melhor solução na relação custo-benefício”. 47

44SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental . 4. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 35. 45FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 34. 46FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 35. 47REBELLO FILHO, Wanderley; BERNARDO, Christianne. Guia Prático de Direito Ambiental. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p. 19.

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27

Como forma de exemplificar o princípio do desenvolvimento

sustentável, pode-se citar o manejo florestal; atividades de reciclagem; produção de

energia limpa proveniente da luz solar, bem como a eólica (ventos), além de outras. 48

1.4.1.3 Princípio do poluidor-pagador

Esse princípio é um dos mais importantes, pois, através dele, o sujeito

ativo ou passivo é punido; porém há de se fazer uma ressalva, como adverte Fiorillo:

“este princípio reclama atenção. Não traz como indicativo “pagar para poluir”, “poluir

mediante pagamento” ou “pagar para evitar a contaminação”. 49

A essência desse princípio consiste em dois aspectos: uma de caráter

preventivo, quando busca evitar a ocorrência de danos ambientais, e outra de forma

repressiva: ocorrido o dano, visa a sua reparação. 50

Assim, “O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um

enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou

que utiliza em menor escala fica onerada.” 51

Como forma de reparar o dano causado, o art. 225, § 3º, da

Constituição Federal de 1988, consagra esse princípio e afirma:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas , a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (grifo não é do original). 52

Para fins jurídicos, o art. 3º, IV da Lei nº 6.938 de 1981, previu a

definição de poluidor como sendo: […] “IV - pessoa física ou jurídica de direito

48REBELLO FILHO, Wanderley; BERNARDO, Christianne. Guia Prático de Direito Ambiental. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, p. 19. 49FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37. 50FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37. 51MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p.59. 52BRASIL. Constituição do Brasil 1988 . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 20 mar. 2010.

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público ou privado, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação

ambiental”. 53

Além do princípio do poluidor-pagador, também está, presente no inc.

VII do art. 4º da Lei nº 6.938/81, que declara:

VII - a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.54

Vale ressaltar que os prejuízos ocorridos ao meio ambiente, advindos

do poluidor, devem ser reparados. Segundo Sirvinskas, “Impera, no nosso sistema,

a responsabilidade objetiva, ou seja, basta a comprovação do dano ao meio

ambiente, a autoria e o nexo causal, independentemente da existência de culpa”. 55

1.4.1.4 Princípio da Precaução

De acordo com Leme Machado, “não é preciso que se tenha prova

científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano

seja irreversível para que não se deixem para depois as medidas efetivas de

proteção ao meio ambiente”. 56

Para Sirvinskas, “[…] a ausência de absoluta certeza científica não

deve ser utilizada para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para

prevenir a degradação ambiental”. 57

Já Édis Milaré averba que:

A invocação do princípio da precaução é uma decisão a ser tomada quando a informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta e haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam

53BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981 . Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 20 mar. 2010. 54BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981 . Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 20 mar. 2010. 55SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental . 4. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 37. 56MACHADO, Paulo Affonso Leme. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 166. 57SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental . 4. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 36.

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ser potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção escolhido. 58

Bessa Antunes é criterioso, afirmando que: “o princípio não determina a

paralisação da atividade, mas que ela seja realizada com os cuidados necessários,

até mesmo para que o conhecimento científico possa avançar e a dúvida ser

esclarecida”. 59

De acordo com o julgado do Tribunal de Justiça catarinense, pode-se

presenciar o princípio da precaução:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRESENTES OS REQUISITOS DO "FUMUS BONI IURIS" E DO "PERICULUM IN MORA" - ESTAÇÃO RÁDIO-BASE INSTALADA SEM AS DEVIDAS LICENÇAS AMBIENTAIS E EM DESCONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ESTADUAL (LEI ORDINÁRIA N. 12.864/2004) - MULTA DIÁRIA - VALOR PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. Evidenciada a irregular instalação e operação de Estação Rádio-Base (ERB) sem Diagnóstico Ambiental e as devidas licenças ambientais do competente órgão estadual (FATMA) e municipal, nos termos DA Lei ordinária estadual n. 12.864/2004, alterada pela Lei estadual n. 13.840/2006, e da Resolução n. 237/97 do CONAMA, e havendo perigo iminente de dano ao meio ambiente, mostra-se escorreita a decisão que concede liminar (art. 12, "caput", e § 1º, da Lei ordinária federal n. 7.347/85) para paralisar as at ividades desse empreendimento, como recomenda o PRINCÍPIO da PRECAUÇÃO (grifo nosso). 60

No caso em tela, o princípio da precaução está explícito, pois houve o

perigo iminente. Mesmo sem a comprovação científica do dano de que a construção

irregular da “Estação de rádio Base” poderia causar lesão ao meio ambiente, o

simples fato de não ter as licenças ambientais devidas, já gera uma desconfiança na

sua instalação.

58MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: jurisprudência e glossário. 3. ed. ver., atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 767. 59ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 32. 60BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Agravo de Instrumento nº 2008.002204-8 da Comarca de Laguna, Agravante: BCP S/A ("Claro") e Agravado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Relator: Jaime Ramos, Diário do Estado , Florianópolis, 02/12/2008. Disponível em: <http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qID=AAAIQGAAgAAAKiLAAa&qTodas=princ%EDpio+da+precau%E7%E3o&qFrase=&qUma=&qCor=FF0000>. Acesso em: 22 mar. 2010.

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30

1.4.1.5 Princípio da Prevenção

O princípio da prevenção está consagrado no art. 225, caput, da

Constituição Federal de 1988, que reza:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 61

O princípio da prevenção está muito próximo do princípio da

precaução, porém não se deve confundir com aquele.

Segundo Paulo Bessa Antunes, “O princípio da prevenção aplica-se a

impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança,

estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a

identificação de impactos futuros mais prováveis”. 62

É através desse princípio que o licenciamento ambiental e até mesmo

os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e são solicitados pelas

autoridades públicas. “[...], porém não significa que em absoluto vai ocorrer a

eliminação dos danos”. 63

Abelha Rodrigues leciona sobre o princípio da prevenção:

Sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, se ocorrido o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam. 64

Portanto o princípio da prevenção é aplicado aos riscos já conhecidos,

pois, já ocorreram em outras situações, ou porque foram previstos antes do dano

ambiental ocorrer. É de suma importância esse princípio, visto que é possível o

61BRASIL. Constituição do Brasil 1988 . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 20 mar. 2010. 62ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 35. 63ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 8. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 35-36. 64RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental : Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 203.

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conhecimento prévio de conseqüências futuras, na implantação de um

empreendimento ou na realização de uma atividade.

1.4.1.6 Princípio da Reparação

O princípio da reparação está estabelecido na Declaração do Rio de

Janeiro, no princípio 13, que dispõe:

Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar, da mesma forma, de maneira rápida e mais decidida, na elaboração das normas internacionais sobre responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou sob seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição. 65

Uma crítica que é feita ao princípio 13 é o tipo de reparação, de cunho

meramente indenizatório e que se limita a preconizar a “indenização às vítimas”. 66

Porém, Celso Antônio Fiorillo acrescenta:

O ressarcimento do dano ambiental pode ser feito de duas formas. A primeira delas ocorre com o que se denomina reparação natural ou específica, em que há o ressarcimento “in natura”67. A segunda é a indenização em dinheiro. Isso não significa que a reparação pode, indiferentemente, ser feita de um modo ou de outro. Pelo contrário, primeiramente, deve-se verificar se é possível o retorno ao statu quo ante68 por via da específica reparação, e só depois de infrutífera tal possibilidade é que deve recair sobre um quantum69 pecuniário. 70

65MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 83. 66MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p.83. 67MORENO, Cláudio. Sua língua. Expressão em latim que simboliza “no mesmo estado em que se encontrava antes”. Disponível em: <http://198.106.73.59/04/04_statuquo.htm>. Acesso em: 23 mar. 2010. 68HERNANDES, Paulo. Palavras e expressões latinas de uso corrente em po rtuguês. Expressão em latim que simboliza “Em estado natural, tal qual”. Disponível em: <http://www.paulohernandes.pro.br/dicas/001/dica085.html>. Acesso em: 23 mar. 2010. 69BARROS ROSAS, Vanderlei de. Pequeno dicionário de expressões latinas. Mundo dos filósofos. Expressão em latim que simboliza “montante de uma indenização. Valor”. Disponível em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/latim.htm#Q>. Acesso em: 23 mar. 2010. 70FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 44.

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A razão pela primazia da reparação in natura está fundamentada no

art. 4º, VI, da Lei nº 6.938/81, da Política Nacional do Meio Ambiente, da qual extrai-

se:

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

[…]

VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida (grifos não são do original); 71

Acerca do princípio da reparação do dano ambiental, o Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro decidiu:

Apelação cível. Recurso interposto pelo Ministério Público. Ação civil pública. Mata Atlântica. Desmatamento. Dano Ambiental. Sentença que julgou extinto o processo sem julgamento do mérito por perda do objeto, ao argumento de que, diante da ocorrência da progressiva regeneração natural da área desmatada, a condenação ao replantio do local causaria ainda mais prejuízos ao meio ambiente. Reforma da sentença. Interesse de agir do MP que subsiste, pois tem direito a ver o direito difuso tutelado de maneira tão completa quanto possível. Teoria da causa madura. Procedência do pedido que se impõe. Parecer técnico que evidencia estar a área afetada em processo de sucessão secundária (auto-renovação das flores tropicais). Teoria da reparação integral do dano ambiental. Aplicação dos princípios da prevenção e precaução. Área desmatada que merece ser protegida até a sua integral regeneração. Cessação das atividades danosas e recuperação total da área de p reservação permanente, retornando-a ao status quo ante, que se impõem. Precedentes jurisprudenciais. Inteligência do art. 11 da Lei 7347/85. Apelo ministerial provido. Procedência do pedido formulado nos autos da ação civil pública (grifo nosso). 72

No caso, enfoco o princípio da reparação, onde a desembargadora

entendeu que se faz necessária a paralisação das atividades danosas ao meio

ambiente, pois trata-se de área que não pode ser edificada (área de preservação

permanente); por conseguinte, essa medida se faz necessária, retornando ao status

quo ante.

71BRASIL. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981 . Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 23 mar. 2010. 72BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação cível nº 2007.001.62968 da Comarca de Macaé, Apelados: Jurandir Bento Monteiro; Pedro Monteiro. Apelante: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Des. Cristina Tereza Gaulia, Jurisprudência , Rio de Janeiro, 03/03/2008. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br/>. Acesso em: 23 mar. 2010.

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1.4.1.7 Princípio da Informação

A matéria ambiental por ser relativamente nova suas informações

devem ser amplamente divulgadas, a sonegação de informações pode gerar danos

irreparáveis à sociedade, pois poderá prejudicar o meio ambiente por ser um bem

precípuo, sadio e protegido por todos, inclusive pelo Poder Público 73.

Acerca do princípio da Informação o art. 225, § 1º, VI da Constituição

assevera:

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[…]

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 74

Além disso, esse princípio encontra respaldo na declaração do Rio de

Janeiro/92; uma das frases do princípio 10 afirma:

No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades. 75

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 76

Por fim, “a informação ampla é necessária para a sociedade se tornar

conhecedora de todas as facetas do meio ambiente, tanto como a sua preservação

quanto a sua degradação, para uma atuação social direta nos problemas

ambientais, se tornando um pólo ativo das discussões acerca do assunto”. 77

73SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. Programa Ambiental: A última arca de Noé. Princípios do Direito Ambiental . [s.l.], [200?]. Disponível em: <http://www.aultimaarcadenoe.com/direitoprincipios.htm>. Acesso em: 23 mar. 2010. 74BRASIL. Constituição do Brasil 1988 . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 23 mar. 2010. 75MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 84. 76BRASIL. Constituição do Brasil 1988 . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 23 mar. 2010. 77MOTTA, Alanda. Efetivação do Direito Ambiental. Direito Ambiental . 29 mar. 2008.

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O capítulo que virá a seguir tem como objetivo demonstrar onde e

como os “riscos” ambientais estão distribuídos na sociedade.

Disponível em: <http://direitoambiental.wordpress.com/2008/03/29/efetivacao-do-direito-ambiental>. Acesso em: 24 mar. 2010.

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CAPÍTULO II

2 JUSTIÇA AMBIENTAL

O segundo capítulo bem abordar o tema da Justiça Ambiental. Em

síntese, a Justiça Ambiental pode ser entendida como uma “ponte” entre Direito

Ambiental e direitos humanos.

As conexões entre direitos humanos e meio ambiente configuram uma

nova tendência do Direito Ambiental, capaz de lhe dar maior flexibilidade e

abrangência, necessários para adequar-se às evidentes relações entre as

dimensões social, ambiental, econômica, política e cultural no tratamento dos

dilemas e conflitos que lhe são submetidos.

2.1 ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO DE JUSTIÇA AMBIENTAL

Seguir o caminho da própria construção do conceito de Justiça

Ambiental é abordar a origem, o desenvolvimento e a consolidação do movimento de

Justiça Ambiental.

É um movimento com características próprias, apesar de sua

proximidade com outros movimentos socioambientais, a exemplo do movimento em

defesa dos direitos humanos e ambiental. É, inclusive, um aglutinador de grupos e

movimentos que têm em comum a luta contra formas variadas de injustiça e

desigualdade, e a promoção da cidadania.

Os atores do movimento de Justiça Ambiental são pessoas comuns,

donas de casa, trabalhadores, comunidades indígenas e outras populações

tradicionais que, ao vivenciar situações de injustiça ambiental, acabam

desenvolvendo habilidades políticas e de mobilização.

Nesse sentido, Fernanda de Salles Cavedon aponta como duas

características do movimento sua composição e seu efeito politizante. É uma

construção de baixo para cima, da base da sociedade até as esferas institucionais; é

um movimento de pessoas vitimizadas pelo mesmo padrão de injustiças e

discriminação que buscam fazer com que suas demandas sejam adequadamente

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incorporadas nos processos decisórios, nas políticas públicas e no sistema

jurídico.78

O movimento de Justiça Ambiental configura-se como a fusão de duas

agendas de reivindicação: direitos humanos e ambientalistas; no entanto, outros

movimentos também contribuíram para a construção, a exemplo das organizações

sindicais, religiosas e da comunidade científica, com destaque às pesquisas

desenvolvidas pelo Professor Robert Bullard, considerado o “pai” da Justiça

Ambiental.

Como definiu Robert Bullard, Justiça Ambiental é:

A busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão destas políticas.79

Verifica-se que Bullard possui um modo próprio de operar, construído a

partir da vivência de situações de injustiça e exclusão ambiental, tendo como

propósito o aumento de poder dos grupos desproporcionalmente afetados por riscos

e custos ambientais e ao mesmo tempo vulnerabilizados por sua situação

econômica, racial ou informacional.

Para Selene Herculano:

Por Justiça Ambiental entenda-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas. Dito de outra forma, trata-se da espacialização da justiça distributiva, uma vez que diz respeito à distribuição do meio ambiente para os seres

78CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 162-163. 79BULLARD, Robert D. (Org.). Confronting Environmental Racism - Voices from the Grassroots. Boston: South End Press, 1996. Tradução de Regina Domingues. Disponível em: <www.justicaambiental.org.br>. Acesso em 03 set. 2010.

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37

humanos.80

O tema da justiça ambiental relaciona-se à desigual distribuição dos

benefícios e dos gravames impostos pela legislação ambiental, ou mesmo pelos

problemas ambientais, entre diferentes grupos sociais. Nesse sentido, grupos mais

vulneráveis de uma dada comunidade, como a população de baixa renda, grupos

raciais ou étnicos, entre outros, podem ser afetados desproporcionalmente por

efeitos negativos da legislação ambiental.81

Fernanda de Salles Cavedon destaca o papel transformador dos

grupos que compõem o movimento de Justiça Ambiental: “esses grupos ajudam a

transformar comunidades marginalizadas de vítimas passivas a atores significativos

nos processos de tomada de decisão em matéria ambiental”.82

Há certo consenso em apontar os protestos ocorridos no ano de 1982

em Warren County, Carolina do Norte, estados Unidos, contra um depósito de Bifenil

Policlorado (PCB), como o marco inicial de formação do movimento de Justiça

Ambiental.83

Segundo Henri Acselrad tem-se que:

A constituição de um movimento afirmou-se a partir de experiência concreta de luta inaugurada em Afton, no condado de Warren, na Carolina do Norte, em 1982. Ao tomarem conhecimento da iminente contaminação da rede de abastecimento de água da cidade caso fosse nela instalado um depósito de policlorinato de bifenil, os habitantes do condado organizaram protestos maciços, deitando-se diante dos caminhões que para lá traziam a perigosa carga. Com a percepção de que o critério racial estava fortemente presente na escolha da localização do depósito daquela carga tóxica, a luta radicalizou-se, resultando na prisão de 500 pessoas. A população de Afton era composta de 84% de negros; o condado de Warren, de 64% e o estado da Carolina do Norte, de 24%. Face a tais

80HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social : a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/teoria_meio_ambiente/Selene%20Herculano.pdf. Acesso em 03 set. 2010. 81NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Justiça Ambiental . Disponível em: <www.esmpu.gov.br/dicionario>. Acesso em: 25 ago. 2010. 82CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 163. 83CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 163.

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evidências, estreitaram-se as convergências entre o movimento dos direitos civis e dos direitos ambientais.84

No mesmo sentido, diz Selene Herculano:

Em 1982, moradores da comunidade negra de Warren County, Carolina do Norte, também descobriram que um aterro para depósito de solo contaminado por PCB (polychlorinated biphenyls) seria instalado em sua vizinhança. Data daquele ano o primeiro protesto nacional feito pelos afroamericanos contra o que chamaram de “racismo ambiental”. A partir daí, o movimento negro norteamericano sensibilizou congressistas e o US General Accounting Office conduziu uma pesquisa que mostrou que a distribuição espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos, bem como a localização de indústrias muito poluentes nada tinham de aleatório: ao contrário, se sobrepunham e acompanhavam a distribuição territorial das etnias pobres nos Estados Unidos.85

Outro evento que contribuiu para a consolidação do movimento foi a

Cúpula dos Povos de Cor pela Justiça Ambiental (First National People of Color

Environmental Leadership Summit), realizado em Washington em 1991, do qual

resultou a Declaração dos Princípios de Justiça Ambiental.86

O movimento de Justiça Ambiental expandiu e internacionalizou-se,

configurando hoje uma grande rede mundial. No contexto europeu, a Justiça

Ambiental parece ganhar maior expressão na Europa Central e do Leste, que por

suas peculiaridades políticas, econômicas e étnicas, mostra-se como cenário de

graves situações de injustiça ambiental. 87

Também se configuram situações de injustiça ambiental no cenário

internacional europeu, já que pela situação de vulnerabilidade econômica, política e

social, tais países acabam sendo eleitos pelas corporações transnacionais como

84ACSELRAD, Henri. Justiça Ambiental - novas articulações entre meio ambiente e democracia. Disponível em: http://www.fase.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/JANovasArticulacoes-%20ms.pdf. Acesso em 03 set. 2010. 85HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/teoria_meio_ambiente/Selene%20Herculano.pdf. Acesso em 03 set. 2010. 86CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 163. 87CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 163.

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locais ideais à instalação de atividades produtivas com um custo econômico mais

baixo, mas geradoras de altos custos sociais e ambientais às comunidades locais.

A condição de vulnerabilidade de um país ou comunidade parece ser o

critério definidor das decisões sobre a localização de atividades contaminantes,

utilizadoras de recursos ambientais, geradoras de custos sociais e ambientais às

comunidades.

Foi no Reino Unido que, na década de 90, o movimento de Justiça

Ambiental ganhou força no continente europeu. O movimento de Justiça Ambiental

no Reino Unido adota uma concepção mais ampla que aquela originada nos Estados

Unidos. Considera que a Justiça Ambiental é uma questão presente no contexto

intergeracional e global, assim como nacional e local. Por fim, entende que a Justiça

Ambiental deve se estender aos elementos da natureza, não se restringindo aos

seres humanos.88

Também no Brasil o tema da Justiça Ambiental encontrou um terreno

fértil para se desenvolver. Henri Acselrad, Selene Herculano e José A. Pádua

contextualizam a Justiça Ambiental no Brasil e o seu escopo, destacando como o

país, pelo seu histórico de injustiças sociais e ambientais, apresentou-se como

espaço propício para o surgimento e consolidação das discussões em torno da

Justiça Ambiental.89

As discussões em torno da Justiça Ambiental no Brasil partem do

próprio contexto social, político, econômico e ambiental do país. Transpõem as

concepções construídas pelo movimento norte-americano e sua agenda de

reivindicações para além da contaminação química e do racismo, para centrar-se na 88CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 164. 89“No Brasil, país caracterizado pela existência de grandes injustiças, o tema da justiça ambiental vem sendo reinterpretado de modo a ampliar o seu escopo, para além da temática específica da contaminação química e do aspecto especificamente racial da discriminação denunciada. As gigantescas injustiças sociais brasileiras encobrem e naturalizam um conjunto de situações caracterizadas pela desigual distribuição de poder sobre a base material da vida social e do desenvolvimento. A injustiça e a discriminação, portanto, aparecem na apropriação elitista do território e dos recursos naturais, na concentração dos benefícios usufruídos do meio ambiente e na exposição desigual da população à poluição e aos custos ambientais do desenvolvimento”. ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 10.

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distribuição desigual dos benefícios e custos socioambientais gerados pelo modelo

de desenvolvimento brasileiro, que se refletem nas possibilidades de acesso ao

poder e na apropriação dos recursos ambientais.90

É considerado como marco inicial das discussões referentes à Justiça

Ambiental no Brasil uma publicação conjunta da Central Única dos Trabalhadores,

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas e o Instituto de Pesquisa e

Planejamento Urbano e Regional, com apoio da Fundação Heinrich Böll, intitulada

“Sindicalismo e Justiça Ambiental”, datado do ano 2000.91

No entanto, a consolidação do movimento de Justiça Ambiental no

Brasil veio com o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e

Cidadania, realizado em 2001 na Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de

Janeiro.92

Como resultado do encontro, criou-se a rede Brasileira de Justiça

Ambiental, especialmente mediante a elaboração da Declaração de Princípios da

Rede Brasileira de Justiça Ambiental, assinada por 65 entidades.93

Verifica-se, portanto, que as discussões e reivindicações referentes à

Justiça Ambiental se internacionalizaram, sendo apropriadas pelos movimentos

sociais de vários países, que adequaram às propostas conceituais e as agendas

surgidas nos Estados Unidos da América ao seu próprio contexto de injustiças e

questões socioambientais.

Por outro lado, este movimento atua como um aglutinador de diversos

movimentos em torno de uma agenda comum de reivindicações, pautadas na

90CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 165. 91HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/teoria_meio_ambiente/Selene%20Herculano.pdf. Acesso em 03 set. 2010. 92CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 165. 93CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 165.

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promoção da justiça e da cidadania, no fortalecimento e autonomia das

comunidades e no igual acesso ao poder e participação nos processos decisórios.94

É hoje um movimento global, pois assim deve ser para fazer frente à

globalização da injustiça ambiental resultante, por sua vez, da globalização da

economia. Não são somente os indivíduos e grupos vulneráveis as vítimas

preferenciais da injustiça ambiental, mas também os países e regiões vulneráveis

em sua economia, instituições políticas e jurídicas, que favorecem a impunidade.

Como conceito de Justiça Ambiental, destaca-se aquele firmado

durante o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania, e

consolidação na Declaração de Princípios da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Este conceito exprime o que se entende por Justiça Ambiental no

cenário brasileiro, tendo em vista que as questões inerentes à Justiça Ambiental

ainda não integram de forma expressa a esfera da estrutura administrativa nacional

responsável pela gestão ambiental.

Por justiça ambiental, [...], designamos o conjunto de princípios e práticas que: a) assegura que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b) asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso.95

O conceito construído pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental é

amplo, não se restringindo apenas à distribuição desigual de custos ambientais em

virtude de questões raciais ou socioeconômicas, incorporando também o igual

94CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 165-166. 95ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 14-15.

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acesso e distribuição eqüitativa de recursos e demais benefícios ambientais, o

acesso à informação e a participação em matéria ambiental e a criação de condições

estruturais favoráveis à organização e empoderamento da sociedade como sujeitos

ativos do processo de gestão ambiental.

Assim, é um conceito que transpõe a visão estritamente negativa da

Justiça Ambiental como distribuição eqüitativa de ônus ambientais, conciliando este

aspecto com questões propositivas.

Se a Justiça Ambiental caracteriza-se por um tratamento eqüitativo no

que se refere à distribuição de poder, riscos, custos e benefícios ambientais,

acompanhado da democratização dos processos decisórios, a injustiça ambiental se

configura como uma espécie de discriminação ambiental, ao impor a grupos

vulneráveis uma carga desproporcional de custos e riscos ambientais se

comparados com aqueles que são impostos à sociedade em geral.

Segundo Selene Herculano:

Entende-se por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis.96

Destas situações de desigualdade, discriminação e injustiça ambiental

podem decorrer violações de direitos humanos, o que reforça a necessidade de

análise integrada dos regimes jurídicos de proteção do meio ambiente e dos direitos

humanos.

2.2 RACISMO, DESIGUALDADE E EXCLUSÃO AMBIENTAL COMO QUESTÕES DE JUSTIÇA E DE DIREITO AMBIENTAL

A Justiça Ambiental coloca em evidência que fatores como racismo,

desigualdade e exclusão, em princípio alheios ao Direito Ambiental, exercem

influência decisiva nos processos decisórios e na alocação de custos e riscos

ambientais.

96HERCULANO, Selene. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/teoria_meio_ambiente/Selene%20Herculano.pdf. Acesso em 03 set. 2010.

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A abordagem das questões ambientais, em conseqüência, precisa ir

além dos critérios técnico-científicos, ampliando-se o foco de análise para incorporar

fatores socioeconômicos e até mesmo raciais, e sua relação com a proteção efetiva

dos direitos humanos.

O foco inicial e talvez ainda mais significativo do movimento de Justiça

Ambiental é o racismo ambiental, que se constitui numa forma de discriminação

pautada em critérios étnicos e raciais no que se refere ao acesso aos recursos e

benefícios ambientais e à distribuição de custos e riscos. Neste sentido manifesta-se

Robert Bullard, citando o exemplo dos Estados Unidos:

A legislação ambiental não tem beneficiado de maneira uniforme todos os segmentos da sociedade. As populações não-brancas (afro-americanos, latinos, asiáticos, povos das ilhas do Pacífico e povos indígenas americanos) têm sofrido, de modo desproporcional, danos causados por toxinas industriais em seus locais de trabalho ou nos bairros onde moram.97

No Brasil também é possível identificar um cenário de desigualdades

sociais e ambientais, que fizeram do país um terreno fértil para a consolidação de

um movimento por Justiça Ambiental.

Henri Acselrad informa que:

A desigualdade ambiental é sem dúvida uma das expressões da desigualdade social que marcou a história do nosso país. Os pobres estão mais expostos aos riscos decorrentes da localização de suas residências, da vulnerabilidade destas moradias a enchentes, desmoronamentos e à ação de esgotos a céu aberto. Há consequentemente forte correlação entre indicadores de pobreza e a ocorrência de doenças associadas à poluição por ausência de água e esgotamento sanitário ou por lançamento de rejeitos sólidos, emissões líquidas e gasosas de origem industrial. Esta desigualdade resulta, em grande parte, da vigência de mecanismos de privatização do uso dos recursos ambientais coletivos – água, ar e solos.98

Pode-se identificar uma forte relação entre degradação ambiental e

injustiça social. Conforme já destacado, justamente os grupos já vulnerabilizados por

questões socioeconômicas, raciais e informacionais, e, portanto, com maiores

dificuldades de exercício dos direitos ambientais, acabam sendo os principais 97BULLARD, Robert D. (Org.). Confronting Environmental Racism - Voices from the Grassroots. Boston: South End Press, 1996. Tradução de Regina Domingues. Disponível em: <www.justicaambiental.org.br>. Acesso em 04 set. 2010. 98ACSELRAD, Henri. Justiça Ambiental - novas articulações entre meio ambiente e democracia. Disponível em: http://www.fase.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/JANovasArticulacoes-%20ms.pdf. Acesso em 03 set. 2010.

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afetados por decisões ambientais excludentes.

Tais grupos, além de receberem uma carga desproporcional de custos

ambientais decorrentes de processos de produção e acumulação de capital que não

os beneficiam, têm maiores dificuldades de acesso aos recursos naturais e aos

processos decisórios.

Luke W. Cole e Sheila R. Foster mencionam que pesquisas referentes

à distribuição de riscos ambientais já vinham sendo desenvolvidas desde a década

de sessenta, concluindo que estes riscos não têm sido distribuídos de forma

eqüitativa, tendo-se como critério de distribuição a renda ou a raça. Porém,

concluíram que a raça é o fator predominante na alocação dos riscos ambientais.99

Neste mesmo sentido, Henri Acselrad diz que:

(...) a pesquisa mandada realizar em 1987 pela Comissão de Justiça Racial da United Church of Christ, que mostrou que a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área. Evidenciou-se então que a proporção de residentes que pertencem a minorias étnicas em comunidades que abrigam depósitos de resíduos perigosos é igual ao dobro da proporção de minorias nas comunidades desprovidas de tais instalações. O fator raça revelou-se mais fortemente correlacionado com a distribuição locacional dos rejeitos perigosos do que o próprio fator baixa renda. Portanto, embora os fatores raça e classe de renda tenham se mostrado fortemente interligados, a raça apresentou-se como um indicador mais potente da coincidência entre os locais onde as pessoas vivem e onde os resíduos tóxicos são depositados.100

A partir da constatação de que determinados grupos raciais arcavam

com uma carga desproporcional de custos e riscos ambientais, e com o

fortalecimento da concepção e do próprio movimento de Justiça Ambiental, realizou-

se a Primeira Conferência Nacional de Lideranças Ambientais de Pessoas de Cor, já

mencionada.

Assim, verifica-se que o racismo ambiental foi um fator determinante

para a formação do movimento por Justiça Ambiental. Quanto à expressão racismo

99COLE, Luke W.; FOSTER, Sheila R. From de Ground Up – environmental racism and the rise environmental justice movement. Nova Iorque: New York University Press, 2001. p. 54-55. 100ACSELRAD, Henri. Justiça Ambiental - novas articulações entre meio ambiente e democracia. Disponível em: http://www.fase.org.br/projetos/clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/JANovasArticulacoes-%20ms.pdf. Acesso em 03 set. 2010.

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ambiental, Robert Bullard diz que: “[...] refere-se a políticas públicas ambientais,

práticas ou diretivas que afetam de modo diferente ou prejudicam (de modo

intencional ou não) indivíduos, grupos ou comunidades de cor ou raça. [...] O

racismo ambiental é uma forma de discriminação institucionalizada.”101

Verifica-se que o racismo ambiental não se configura apenas em

situações em que intencionalmente se atribui maior carga de custos e riscos

ambientais a determinados grupos raciais, mas também quando esta situação se

verifica por práticas não intencionais.

Muitas vezes, políticas, normas e decisões têm conseqüências não

previstas e/ou não desejadas. Porém, mesmo não havendo a intenção de excluir dos

benefícios ambientais e dos processos decisórios grupos raciais determinados, se

verifica esta situação, configurado está o racismo ambiental.102

Marcelo Paixão destaca o caráter velado do racismo no Brasil. Neste

sentido, aponta que “[...] o fato é que o mito da democracia racial ajudou a impedir a

constituição de uma consciência mais detida sobre a realidade da população negra

em nosso país”.103 Aponta uma série de indicadores sociais, por meio dos quais se

verifica a situação de exclusão das comunidades negras de benefícios ambientais e

sociais.

Assim, entende que “[...] existe uma nítida relação entre o problema da

cidadania no Brasil e a temática racial”.104 No contexto brasileiro, portanto, interessa

destacar que existe uma estrutura institucional discriminatória, mesmo que velada.

O racismo ambiental é uma discriminação institucionalizada, isto

porque se origina de políticas, normas e processos públicos decisórios, e não

apenas de condutas ou decisões individuais veladas. Assim, pode-se entender que 101BULLARD, Robert. Enfrentando o racismo ambiental no século XXI. Em ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 42-43. 102CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 170. 103PAIXÃO, Marcelo. O verde e o negro: a justiça ambiental e a questão racial no Brasil. Em ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 161. 104PAIXÃO, Marcelo. O verde e o negro: a justiça ambiental e a questão racial no Brasil. Em ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 161.

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há toda uma estrutura institucional que favorece as práticas discriminatórias.

Foi realizado na França um estudo nacional sobre desigualdades

ambientais e pode-se constatar que cidades com alta proporção de imigrantes

tendem a abrigar mais instalações industriais perigosas. De maneira geral, as

comunidades mais pobres vivem num ambiente pior.105

Além da condição econômica, também se identificou que a composição

étnica de uma comunidade pode ser um fator de distribuição de custos e riscos

ambientais. Se verifica, portanto, que tanto a raça como a situação econômica são

fatores que levam à exclusão ambiental.

Deve-se considerar que a exclusão de certos grupos e comunidades

dos benefícios ambientais e acesso a recursos naturais não tem como único fator a

raça. Outros fatores, como situação socioeconômica, aptidão para o exercício da

cidadania, acesso ao poder e à informação, podem ser determinantes na definição

dos grupos que disfrutarão dos benefícios ou que arcarão com os custos ambientais.

Há uma tendência de concentrar os custos e riscos em comunidades e

regiões mais pobres, enquanto os benefícios se concentram nos estados mais

privilegiados em termos econômicos e informacionais, que em conseqüência

possuem mais poder para influenciar os processos decisórios ou de opor

resistência.106

Assim, mais que racismo, a questão central é a vulnerabilidade, que

pode ser gerada por distintos fatores, mas que encontra na pobreza sua principal

causa. Comunidades e regiões vulneráveis, pela razão que seja, têm menos

condições de opor resistência aos custos e riscos ambientais que lhe são impostos.

Verifica-se que a exclusão ambiental é determinada mais por uma

questão de aptidão e condições de exercício de cidadania ambiental que

propriamente por questões raciais.

Mas, por um histórico de discriminação e ausência de políticas públicas

105LAURIAN, Lucie. Environmental Injustice in France . Journal of Environmental Planning and Management, vol. 51, janeiro 2008, p. 55-79. 106CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 172.

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inclusivas, somam-se os fatores de vulnerabilidade. Grupos que por questões

socioeconômicas, raciais ou informacionais têm menos poder de resistência aos

custos e riscos ambientais, bem como de se fazer representar de forma eficaz nos

processos decisórios, são as vítimas preferenciais da exclusão ambiental.107

Esta situação também se verifica nas disputas por acesso aos recursos

ambientais, em que acaba por prevalecer o poder econômico e a capacidade política

de influenciar as tomadas de decisão quanto à alocação destes recursos.

Neste sentido, Kenneth A. Gould destaca a influência do poder

econômico e político nos processos distributivos ambientais. A economia capitalista e

sua estrutura operativa produzem uma distribuição dos custos e benefícios

ambientais tomando por base a classe social e “distribui os riscos ambientais para

baixo, em direção aos extratos socioeconômicos inferiores”.108

Por outro lado, o poder econômico cria maiores condições e

habilidades para influenciar os processos decisórios, gerando uma distribuição

desigual de poder que faz com que os grupos com menos condições de opor

resistência aos custos e riscos ambientais assumam uma parcela desproporcional

dos mesmos.109

Constata-se, assim, uma concepção mais ampla de exclusão, que

abarca exclusão social e ambiental. É a falta de acesso aos benefícios ambientais,

ao poder nos processos decisórios, aos recursos ambientais, resultante de fatores

não justificáveis racionalmente, geradoras de uma situação de vulnerabilidade que

afeta a aptidão para o exercício da cidadania e, em conseqüência, a possibilidade de

opor resistência aos custos e riscos ambientais.

Todos estes fatores destacados pelo movimento de Justiça Ambiental

no que se refere à distribuição de custos, riscos, benefícios e poder em matéria

107CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 172. 108GOULD, Kenneth. A. Clase social, justice ambiental e conflito político. Em ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 67-80. 109GOULD, Kenneth. A. Clase social, justice ambiental e conflito político. Em ACSELRAD, Henri; HERCULANO, Selene; PÁDUA, José Augusto (Org.). Justiça Ambiental e Cidadania . Rio de Janeiro: Relume Dumará; Fundação Ford, 2004. p. 67-80.

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ambiental necessitam ser incorporados pelo Direito Ambiental, já que têm influência

decisiva nos processos decisórios em matéria ambiental e, especialmente, na

possibilidade de garantir que seja efetivo e acessível a todos.

A Justiça Ambiental traz especial contribuição ao inserir a análise de

fatores econômicos, sociais, étnicos, culturais e políticos na compreensão e

tratamento da questão ambiental, para além dos elementos estritamente técnico-

científicos que exercem grande influência sobre o Direito Ambiental e,

consequentemente, sobre a alocação de riscos e custos ambientais.110

Por esta razão, se entende que a Justiça Ambiental se apresenta como

uma forte tendência para o Direito Ambiental, a exigir uma releitura de seus institutos

jurídicos e técnicas operativas a partir de questões em princípio estranhas ao seu

ambiente interno, como desigualdade, racismo e exclusão.

O Direito Ambiental acabou por adotar um discurso universalizante,

ante o caráter difuso do interesse ambiental e a configuração do meio ambiente

como bem comum, o que muitas vezes leva ao entendimento falacioso de que

benefícios ou custos ambientais sejam igualmente distribuídos pela sociedade.111

Um discurso técnico-jurídico universalizante e generalizador pode

impedir a percepção de desigualdades neste processo distributivo e suas reais

motivações. Neste sentido, a Justiça Ambiental faz o contraponto, demonstrando que

existem fatores que influenciam nesta distribuição, fazendo com que a

vulnerabilidade atue como critério preponderante na alocação de custos, riscos e

poder nos processos decisórios.

A aproximação do Direito Ambiental com os direitos humanos, neste

sentido, pode criar um cenário mais favorável à incorporação desta dimensão social,

econômica, cultural e racial ao contexto jurídico-ambiental, promovendo uma espécie

de “humanização”, assim como pode aportar uma dimensão ambiental aos direitos

humanos, fatores estes que contribuem para uma melhor percepção e adequado 110CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 173. 111CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 173.

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49

tratamento dos dilemas evidenciados pelo movimento de Justiça Ambiental.

2.3 CONEXÕES ENTRE DIREITOS HUMANOS E PROTEÇÃO AMBIENTAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A JUSTIÇA AMBIENTAL

Para Fernanda de Salles Cavedon:

A Justiça Ambiental, além das “provocações” que lança ao Direito Ambiental, põe em destaque as conexões entre direitos humanos e proteção ambiental, demonstrando que os direitos à vida, à proteção do domicílio, da dignidade humana, da igualdade e consequentemente à não discriminação, os direitos econômicos e sociais ao desenvolvimento, à saúde, á moradia, à educação, entre outros, estão diretamente relacionados às condições ambientais nas quais se desenvolve a vida e as relações sociais.112

A relação entre direitos humanos e meio ambiente foi estabelecida na

Declaração de Estocolmo de 1972, adotada na Conferência das Nações Unidas

sobre Meio Ambiente Humano, que no seu princípio 1 estabelece: “os dois aspectos

do meio ambiente humano, natural e artificial, são essenciais para o bem-estar do

homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à

vida”.113

Também a Declaração do Rio de Janeiro de 1992, adotada na

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, trouxe

importante contribuição para o estabelecimento desta relação, especialmente por

seu princípio 10, que atribui uma dimensão ambiental aos direitos humanos

procedimentais de acesso à informação, à participação pública nos processos

decisórios e ao acesso à justiça.114

No contexto da Organização das Nações Unidas, a relação entre meio

112CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In:______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 174. 113CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 174. 114CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 174.

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50

ambiente e direitos humanos numa dimensão de Justiça Ambiental se destaca no

Relatório Ksentini, apresentado em 1994 e produzido no âmbito da Sub-Comissão

para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias. 115

O Relatório reconhece que violações aos direitos humanos podem se

produzir em conseqüência da degradação do meio ambiente, assim como danos

ambientais podem ser identificados em situações de violação de direitos humanos.

Estabelece a relação entre direitos de conteúdo ambiental e o direito a não-

discriminação, que está no centro do debate sobre Justiça Ambiental. Como

conseqüência, reconhece que os direitos humanos dos pobres e comunidades

indígenas são desproporcionalmente violados por fatores ambientais. 116

Também foi elaborado um conjunto de princípios sobre direitos

humanos e meio ambiente em maio de 1994 e anexado ao Relatório, que abordam o

tema da discriminação ambiental, solicitando especial atenção aos grupos e pessoas

vulneráveis e propugnando a distribuição eqüitativa dos benefícios ambientais.117

Em 2002, foi realizado pelo Programa das Nações Unidas em Direitos

Humanos e Meio Ambiente e pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos um

Seminário de Especialistas em Direitos Humanos e Meio Ambiente, do qual

obtiveram algumas conclusões, tais como: que o respeito aos direitos humanos é

uma condição para o desenvolvimento sustentável, assim como a proteção

ambiental é condição para o gozo efetivo dos direitos humanos. Em conseqüência,

direitos humanos e meio ambiente são interdependentes. Ainda, numa dimensão de

Justiça Ambiental, constataram um amplo reconhecimento de que a pobreza está no

centro das violações de direitos humanos e se constitui num obstáculo ao

desenvolvimento sustentável.118

115CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 174-175. 116CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 175. 117CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 175. 118CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental

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51

A Justiça Ambiental põe em evidência que os direitos humanos

possuem uma dimensão ambiental, ao mesmo tempo em que propõe uma espécie

de “humanização” do trato das questões ambientais.

Como conseqüência desta constatação, a compreensão de certos

conflitos e problemas ambientais requer uma visão conjunta da questão da proteção

dos direitos humanos e do aparato normativo-ambiental.

Ao se concentrar, somente no campo dos direitos humanos, pode

deixar de identificar outras dimensões, causas e/ou conseqüências do conflito, de

fundo ambiental, cuja identificação é essencial para construir estratégias de

superação da conflituosidade.

Por outro lado, ao buscar entender e enfrentar determinados conflitos e

problemas somente a partir do Direito Ambiental, se pode incorrer no erro de não

perceber elementos de discriminação, exclusão e desigualdade, entre outros fatores

socioeconômicos, políticos, culturais e raciais que podem estar por trás de certos

custos e riscos ambientais impostos a determinados grupos e indivíduos vulneráveis.

Por estas razões, a aproximação entre estas duas dimensões, dos

direitos humanos e ambiental, é uma exigência para a incorporação da dimensão da

Justiça Ambiental no âmbito dos sistemas jurídicos. Além disso, na falta de

incorporação direta e expressa da Justiça Ambiental nos sistemas jurídicos, o

estabelecimento de conexões entre o Direito Ambiental e os sistemas de proteção

dos direitos humanos se configura como uma importante estratégia para suprir esta

lacuna e garantir a sua realização.119

Somente uma visão ampla da questão ambiental, a partir da

perspectiva dos direitos humanos em conexão com a proteção jurídica do meio

ambiente no qual se realizam estes direitos, pode promover um contexto mais

favorável à Justiça Ambiental.

como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 175. 119CAVEDON, Fernanda de Salles. Conexões entre Direitos Humanos e Direito Ambiental como um Contexto mais Favorável para a Justiça Ambiental. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 177.

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52

Deve-se considerar que a Justiça Ambiental tem como traço

característico justamente a aproximação entre estes dois sistemas jurídicos,

enfatizando a relação entre degradação ambiental e violação dos direitos humanos

ou, numa perspectiva positiva, entre promoção da qualidade ambiental e o gozo

efetivo dos direitos humanos.

Em outras palavras, a Justiça Ambiental está centrada num conjunto de

direitos substantivos e procedimentais que lhe são fornecidos duplamente pelo

Direito Ambiental e pelos sistemas de proteção dos direitos humanos. Assim, os

direitos humanos adquirem uma dimensão ambiental e o Direito Ambiental incorpora

variáveis socioeconômicas, culturais, políticas e raciais que podem ter influência

decisiva nos processos decisórios em matéria ambiental, especialmente aqueles

destinados à alocação de custos, riscos e benefícios ambientais.

O terceiro e próximo capítulo vem abordar como o Poder Judiciário

trata as questões ambientais.

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53

CAPÍTULO III

3 MEIO AMBIENTE E O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

O Brasil não tem tradição de estudos a respeito do seu Poder

Judiciário. Prova disso é que a literatura ainda é escassa, muito embora tenha

evoluído na última década.

O que disto se conclui é que, em suma, os brasileiros, e não apenas os

operadores do direito, no passado pouco se davam conta do relevante papel que o

Judiciário exerce na vida de cada cidadão.

Recentemente, contudo, o quadro se reverte e boas obras têm sido

escritas. Há, ao que parece, uma conscientização crescente da sociedade sobre a

relevância do tema.

Neste capítulo, o enfoque está na forma como vem se posicionando

esse Poder de Estado, em especial, na comarca de São José/SC, diante das

normas e dos conflitos ambientais que lhe são submetidos a julgamento.

3.1 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

No Brasil, a legislação sempre protegeu setores do meio ambiente.

Mas foi somente em 1981, por meio da Lei 6.938, de 31 de agosto, que passamos a

ter regras protegendo o meio ambiente como um todo.

Chamada de Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, ela dispôs

sobre a criação de um Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, unindo

órgãos federais, estaduais e municipais, estabeleceu a responsabilidade objetiva (ou

seja, independentemente de culpa) dos causadores de dano ambiental e deu ao

Ministério Público legitimidade para ingressar em juízo na defesa do meio

ambiente.120

Em 1988, com a entrada em vigor da nova Constituição, o Brasil deu à

120FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 520.

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54

matéria maior dignidade. Segundo Vladimir Passos de Freitas: “Com o histórico

congresso de Estocolmo, Suécia, em 1972, o meio ambiente passou a ser uma

preocupação mundial. E tal inclusão nas Constituições tornou-se regra geral.”121

Paulo de Bessa Antunes explica que:

A Constituição Federal de 1988 deu um grande impulso ao papel desempenhado pelo Poder Judiciário na defesa do meio ambiente e qualidade de vida. Isso ocorreu em razão da existência de um capítulo próprio sobre o meio ambiente, pela ampliação das hipóteses de cabimento da Ação Civil Pública e, mais especificamente, pela ampliação do papel do Ministério Público.122

O art. 255 da Lei Fundamental brasileira, dividido em parágrafos e

incisos, foi inovador ao dar a todos, Poder Público e particulares, a responsabilidade

pela preservação do meio ambiente.

Referido artigo deu dignidade constitucional ao estudo de impacto

ambiental e preocupou-se em estabelecer a obrigatoriedade da educação ambiental.

Além do dispositivo 225, a Carta Magna, em outros dispositivos, cuida

também do meio ambiente, por exemplo, o art. 23, inciso VI, dá à União, Estados e

Municípios o poder de proteger o meio ambiente e combater a poluição sob qualquer

forma. O art. 170, inciso VI, condiciona o desenvolvimento econômico à proteção

ambiental, na forma do que se convencionou chamar de desenvolvimento

sustentável. O art. 216 protegeu o meio ambiente cultural, dando à matéria destaque

jamais visto.123

Após a Constituição de 1988, algumas leis ampliaram a proteção do

meio ambiente. Entre elas, a 9.985, de 2000, que dispõe sobre as unidades de

conservação e a Lei 9.605, de1998, que cuida dos crimes ambientais e infrações

administrativas.

Com tais diplomas é possível dizer que a legislação brasileira se

encontra entre as mais avançadas do mundo. Em síntese, podemos dizer que temos

121FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 520. 122ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental . 7. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. p. 83. 123FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 521.

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boas leis, cabendo-nos agora fazer cumpri-las.

3.2 O JUDICIÁRIO E A PROPOSITURA DE AÇÕES

O Poder Judiciário só age por iniciativa de terceiros. É dizer, sua

atuação depende daqueles que se dispõem a provocá-lo, mediante propositura de

ações.

Assim, o pressuposto para que o Judiciário julgue é que ações penais e

civis sejam propostas. Daí ser essencial que advogados, organizações não

governamentais (ONGs), órgãos da administração ambiental, Polícia Judiciária,

Militar e o Ministério Público sejam atuantes.

Em outras palavras, de nada adiantarão boas leis e um Judiciário

consciente da importância do Direito Ambiental, se aqueles que pré-examinam os

litígios se omitirem. Ai ocorrerá uma aparente eficiência, sem qualquer efetividade.

A proteção do meio ambiente como um todo veio com a Lei da Política

Nacional do Meio Ambiente, em 31.08.1981 (Lei 6.938/81). Entre outras inovações,

essa avançada lei deu ao Ministério Público legitimidade, a fim de propor ação

coletiva para restauração ou indenização do dano ambiental além de estabelecer a

responsabilidade objetiva do infrator.124

Em um passo seguinte, com a Lei da Ação Civil Pública, de 24.07.1985

(Lei 7.347), a legitimidade processual foi estendida à União, Estados, Distrito

Federal, Municípios, órgãos ambientais, Fundações e ONGs, desde que criadas há

pelo menos um ano.125

Mais recentemente, a Lei 11.448, de 15.01.2007, outorgou legitimidade

processual à Defensoria Pública. Tais textos legais fizeram com que milhares de

ações fossem propostas em todo o território nacional, principalmente pelo Ministério

124FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 521. 125FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 522.

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56

Público, formando-se uma sólida jurisprudência no âmbito civil.126

Na esfera penal, só há precedentes se houver eficiente ação policial e

um Ministério Público consciente da relevância do tema. No Brasil, em termos

genéricos, a atividade policial nem sempre é valorizada. Em matéria de meio

ambiente, dá-se a mesma importância.

Com a criação da Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio

Ambiente e o Patrimônio Histórico/ DMAPH, no Departamento de Polícia Federal, a

atuação deste órgão passou a ter efetividade incomparavelmente maior do que no

passado. Nas palavras do delegado Jorge Pontes, chefe da divisão:

[...] esta nova missão lançou a Polícia Federal numa batalha que se caracteriza sobretudo pela premência, pois o que difere o crime ambiental dos demais crimes é o seu caráter de fatalidade. Há, nos efeitos do crime ambiental, uma irreversibilidade que não concederá ao Homem uma segunda chance, especificamente no que diz respeito à extinção de espécies animais e vegetais.127

Antes da criação da DMAPH, em 09.09.2003, por intermédio da

Portaria 1.300 do Ministro da Justiça, que aprovou o Regimento Interno do

Departamento de Polícia Federal, a apuração era praticamente inexistente. Agora,

inúmeras operações de grande relevância vêm sendo feitas pela Polícia Federal,

com excelentes resultados a favor do meio ambiente.

No âmbito administrativo, os órgãos ambientais da administração

federal, estadual e municipal encontram sérias dificuldades. Se estivessem bem

estruturados, com equipamentos modernos, funcionários motivados e bem

remunerados, a efetividade seria bem maior e o resultado consistiria na multiplicação

de questões discutidas junto ao Poder Judiciário.

Porém, muitas vezes desprovidos de recursos mínimos, a eficiência

ainda está longe do ideal. Disso resultam menos temas a serem discutidos na

Justiça.

3.3 O PAPEL DO MAGISTRADO FRENTE ÀS QUESTÕES AMBIENTAIS

126FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 522. 127PONTES, Jorge Barbosa. A Polícia Federal na proteção do meio ambiente. In: Direito Ambiental em Evolução . Curitiba: Juruá, 2005. p. 177.

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A sociedade atual, da revolução tecnológica e da intensificação do

fenômeno da globalização, é muito mais desafiadora para os juízes.128 Esse quadro

demonstra a grande responsabilidade que tem a magistratura para a construção de

um mundo melhor, mais humano e igualitário e com mais oportunidades para todos.

Destaca Vladimir Passos de Freitas que:

O juiz tem um relevante papel em matéria ambiental: primeiro, por exercer um dos poderes da República em nome do povo e ter por obrigação defender e preservar o meio ambiente para presentes e futuras gerações (CF, arts. 1°, parágrafo único, e art. 225, caput), segundo, como intérprete das normas ambientais.129

O magistrado tem função cada vez mais providencial em relação à

tutela jurídica do bem ambiental. Ele passou de mero espectador/aplicador da lei, à

parte importante no processo decisório da lide ambiental.

O juiz cidadão, comprometido com os novos reclamos da sociedade

contemporânea, deve buscar, no cotidiano de sua atuação, ampliar os mecanismos

de acesso ao pleno desenvolvimento humano, dando especial proteção aos direitos

fundamentais (sociais e individuais) previstos pela nossa Constituição explícita ou

implicitamente (meio ambiente, alimento/salário, moradia, educação, saúde,

emprego e outros).130

Hoje, não basta conhecer o Direito com profundidade, é preciso atitude,

coragem para inovar e principalmente preocupação com as conseqüências sociais

das decisões.

É pacífico, atualmente, que o juiz não pode ser apenas um técnico do

Direito, mas sim uma pessoa com visão humanista e interdisciplinar. E como bem

128“Os desafios da atualidade decorrem dos novos conflitos sociais, da multiplicação de demandas e das lides coletivas. Intensifica-se a globalização, multiplicam-se os crimes organizados transnacionais; surge a crise do Estado e o aumento é cada dia maior das desigualdades sociais”. BODNAR, Zenildo. O Poder Judiciário e a tutela do meio ambiente. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.15, maio 2006. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao015/Zenildo_Bodnar.htm Acesso em: 04 out. 2010. 129FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Ambiental em Evolução . Curitiba: Juruá, 2005. p. 29-30. 130BODNAR, Zenildo. O Poder Judiciário e a tutela do meio ambiente. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.15, maio 2006. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao015/Zenildo_Bodnar.htm Acesso em: 04 out. 2010.

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observa Suzana Camargo Gomes:

[...] justamente a Escola da Magistratura pode ensejar essa visão mais ampla, não se restringindo somente aos enfoques técnicos da Dogmática Jurídica, mas percorrendo os caminhos da Filosofia do Direito, da Sociologia Jurídica, da Psicologia Judiciária, da Hermenêutica Jurídica, da Metodologia Científica, da Ética, até atingir o desiderato maior que é o da formação completa do juiz, fornecendo-lhe maiores instrumentos para o desenvolvimento da arte de julgar.131

Em suma, é preciso dar ao juiz a formação necessária para bem

compreender a complexidade e a dimensão de uma causa ambiental, cujos efeitos,

por vezes, far-se-á sentir muitos anos depois. Por isso mesmo, são oportunas as

palavras de Vera Lúcia Souza Jucovsky, ao lembrar que:

O juiz, em verdade, raramente atua de forma totalmente neutra ou isenta, no julgamento da ação ambiental, eis que ele está integrado no local onde vive e, também, no mundo globalizado, a tal ponto que, dependendo da orientação que adotar, similarmente a outras pessoas, poderá ser vítima individual dos efeitos negativos de sua decisão judicial.132

Além de um conhecedor profundo do Direito, da História e de outras

ciências correlatas, o magistrado deve ser dotado de alta sensibilidade social, para

apreender as injustiças produzidas pelo sistema social, político e econômico em que

vive.

Sydney Sanches defende que devemos criar um novo operador do

direito, menos técnico e que saiba superar, integrar e completar a técnica com

sensibilidade social e abundância de humanidade.133

A importância da sensibilidade social do julgador também é destacada

por José Eduardo Faria:

Na resolução de conflitos sociais o juiz deve atuar como um “arquiteto social”, modificando as concepções discriminatórias da ordem jurídica vigente, valendo-se de suas sentenças como instrumentos, que auxiliem os grupos e as classes subalternas a se constituírem efetivamente como “sujeitos coletivos de direito”.134

131GOMES, Suzana de Camargo. A Escola de Magistrados e a formação do Juiz. In: Recrutamento e Formação de Magistrados no Brasil . Curitiba: Juruá, 2007. p. 187. 132JUCOVSKY, Vera Lúcia Souza. O papel do Poder Judiciário na proteção do meio ambiente. In: A Ação Civil Pública . São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 578. 133SANCHES, Sydney. O Poder Judiciário e a tutela do meio ambiente. In: Revista de Informação Legislativa . Brasília: Senado federal, 1988. p. 19. 134FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito. In: Os juízes em face dos novos movimentos sociais . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed. rev. e amplia. 1994. p. 112.

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59

A importante missão de julgar não pode estar restrita a comandos

simplórios de "condeno/absolvo", "procedente/improcedente", como se fosse

possível resolver as complexas questões apresentadas na atualidade na base do

"tudo ou nada".135

José Renato Nalini defende que “a Justiça deve estar mais aberta ao

mundo social e que o magistrado deve ser menos juiz e mais pacificador social e

conciliador dos interesses em conflito.”136

Como pacificador social deve o magistrado incentivar com

responsabilidade a conciliação, valorizando fórmulas e critérios eleitos pelos próprios

litigantes para colocar fim ao litígio, ainda que tenha que utilizar procedimentos não

previstos pelo legislador processual, como audiências públicas, com a participação

de representantes de associações, autoridades públicas, entre outros, ainda que não

estejam formalmente incluídos na relação processual.137

Nalini aduz que “o juiz do futuro deve adotar uma via judiciária mais

flexível, menos dogmática e impositiva”.138

Isso tudo porque nem sempre a lei fria representa o verdadeiro ideal de

justiça buscado pelas partes, pois a norma muitas vezes já está em descompasso

com os princípios e valores de uma determinada comunidade.

Sydney Sanches salienta que "o magistrado não deve, no ato

interpretativo, ater-se exclusivamente ao direito legislado, mas, diante de uma pauta

axiológica, deve buscar o verdadeiro sentimento de justiça, sem descambar para a

arbitrariedade".139

É com juízes idealistas, corajosos, humildes, e indignados com a

135BODNAR, Zenildo. O Poder Judiciário e a tutela do meio ambiente. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.15, maio 2006. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao015/Zenildo_Bodnar.htm Acesso em: 07 out. 2010. 136NALINI, José Renato. A cidadania e o protagonismo ambiental . Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 35, jul/set de 2004. p. 56-64. 137BODNAR, Zenildo. O Poder Judiciário e a tutela do meio ambiente. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.15, maio 2006. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao015/Zenildo_Bodnar.htm Acesso em: 07 out. 2010. 138NALINI, José Renato. A cidadania e o protagonismo ambiental . Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 35, jul/set de 2004. p. 56-64. 139SANCHES, Sydney. O Poder Judiciário e a tutela do meio ambiente. In: Revista de Informação Legislativa . Brasília: Senado federal, 1988. p. 19.

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60

destruição do meio ambiente que será possível ao Poder Judiciário desempenhar o

papel de transformador da sociedade, tornando-a mais digna.

3.4 O JUDICIÁRIO FRENTE ÀS QUESTÕES AMBIENTAIS

3.4.1 O Judiciário até os Anos Oitenta

Até os anos 1980, praticamente não havia sentenças em matéria

ambiental.

No Cível, existiam ações envolvendo direitos de vizinhança ou disputa

de vizinhos em área rural pelo uso de águas e que acabavam decidindo, por reflexo,

matéria ambiental.

Na esfera criminal, foram propostas algumas ações com base no artigo

271 do Código Penal, que trata de poluição de água. Também eram propostas ações

penais por contravenções florestais ou caça, com base nos Códigos,

respectivamente, de 1965 e 1967.

No âmbito cível, em 15.05.1974, foi proferida pelo juiz de direito José

Geraldo Jacobina Rabello a primeira sentença do Brasil, revelando rara

conscientização ambiental.140

Tratava-se de ação popular proposta por Ernesto Zwarg, ecologista

então residente na cidade de Itanhaém, litoral do Estado de São Paulo, contra as leis

municipais de números 989 e 990, que permitiam a construção de prédios de até 15

andares em vias não dotadas de rede de esgoto ou na orla marítima. O caso

envolvia um edifício de frente para uma praia e o magistrado julgou a ação

procedente, não apenas por reconhecer falha no processo legislativo, como por

atentar contra a saúde e o lazer da população.

3.4.2 O Judiciário nos Anos Oitenta e Noventa

140FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 525.

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61

Nos anos oitenta, promulgada a Lei 7.437/85, que trata da Ação Civil

Pública, começou o Judiciário a receber as primeiras ações coletivas, no entanto os

juízes reagiam com timidez, porque não estavam preparados para ações do Direito

Ambiental.

Nos anos noventa, iniciou-se a mudança, por exemplo, em 03.01.1992,

o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP) ordenou que um boto cor-de-rosa, o

qual se encontrava em um aquário em um centro comercial, fosse devolvido ao seu

habitat natural, Rio Formoso, Amazonas.141

A decisão colegiada, de forma inédita, privilegiou o espécime da fauna

aquática em desfavor do homem. Com isso, afastou-se a idéia antropocêntrica de

que o homem tudo pode e a natureza está para lhe servir.

3.4.3 O Judiciário na atualidade

A partir de 2000, o número de ações penais aumentou

consideravelmente. Para tanto, contribuiu a existência da Lei 9.605/98, específica

para crimes ambientais.142

Referido diploma promoveu a especialização de delegacias de Polícia

Civil, Batalhões de Polícia Ambiental (dentro da Polícia Militar), estudos

universitários, livros, conscientização dos empresários, enfim, significou uma

autêntica mudança de mentalidade. Tal lei, entre outras coisas, responsabiliza

criminalmente a pessoa jurídica.

Na esfera civil, são milhares de ações envolvendo aterros sanitários,

desmatamentos, poluição marítima, proteção a imóveis tombados, enfim, os mais

variados temas.143

Outro aspecto que só agora chega aos Tribunais é o do dano ambiental 141FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 525. 142FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 526. 143FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. In: ______. O Direito Ambiental na Atualidade – Estudos em Homenagem a Guilherme José Purvin de Figueiredo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 527.

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62

individual. Na verdade, preocupa-se muito com a tutela coletiva, mas se olvida que

existem pessoas as quais, individualmente, sofrem danos patrimoniais e morais.

3.5 ANÁLISE DE DECISÕES AMBIENTAIS NA COMARCA DE SÃO JOSÉ/SC

O crescente desenvolvimento de novas tecnologias e a busca

desenfreada pelo lucro, resultado este da sociedade capitalista em que vivemos, fez

com que o Poder Judiciário tivesse que apresentar de forma célere uma resposta

para todos os danos advindos dessa nova sociedade de risco.

Tais respostas podem ser observadas nas decisões judiciais e, neste

caso, as decisões analisadas serão da comarca da justiça estadual de São José -

SC.

Para tanto, foi imprescindível o contato que se manteve com a

assistente da 10ª Promotoria de Justiça de São José, a qual possui atribuição para

tratar do meio ambiente, para realizar e conseguir o material utilizado na elaboração

desta monografia.

Por e-mail a assistente não só enviou uma listagem com diversos

números de processos como também expôs sua impressão sobre como é trabalhar

nesta área, é o que segue:

Não consigo formar um quadro muito positivo dos resultados obtidos em casos que exigiram a intervenção do MP em matéria ambiental. A morosidade do Judiciário, muitas vezes necessária, dificulta a identificação de decisões que efetivamente julgaram o mérito de ações cíveis propostas pelo MP ao longo dos últimos anos. Não é muito diferente no que tange ao aspecto criminal, onde a impunidade frustra a intenção de buscar a responsabilização pela prática de crime ambiental que, apesar da gravidade, ainda não recebe a devida atenção que merece, e isso muito antes mesmo da própria prática delituosa... como, por exemplo, do legislador, no momento da elaboração de uma norma; no licenciamento ambiental de atividade potencialmente poluidora por um órgão ambiental, e por ai vai... é uma área que envolve grandes interesses, muito dinheiro e que, conseqüentemente, privilegia os “poderosos”.144

Logo abaixo segue uma tabela com todos os números de processos

concedidos para a realização deste, bem como sua classificação: 144BETEGA, Débora Santos Trindade. Decisões Judiciais comarca de São José . [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 19 de janeiro de 2010.

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63

CÍVEL PENAL

064.09.024499-4 064.02.014591-1

064.06.023687-0 064.03.010988-8

064.08.010886-9 064.04.002357-9

064.08.010885-0 064.07.008470-3

064.08.020496-5 064.99.011368-3

064.08.010884-2 064.98.007391-3

064.07.018358-2 064.01.004042-4

064.07.018509-7 064.08.013142-9

064.08.017830-1 064.06.017504-8

064.08.015093-8 064.07.016811-7

064.09.011583-3 064.02.016585-8

064.03.000076-2

064.07.003173-1

064.08.000983-6

064.04.001911-3

064.07.003154-5

064.07.003155-3

064.07.003158-8

064.07.003141-3

064.07.003169-3

064.07.003174-0

064.07.007096-6

064.07.003145-6

Em tal tabela foram colocados todos os números de processo que se

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64

teve acesso para realizar esta monografia e de maneira a tornar mais clara a

visualização resolveu-se, a princípio, classificar em processos da área cível e

processos da área penal.

Para tornar ainda mais fácil a compreensão dos dados, decidiu-se

classificá-las de modo que as pessoas possam visualizar quais processos possuem

sentença terminativa, decisão interlocutória, quais se encontram suspensos e em

quais ocorreu a transação penal.

Em outras palavras, sentença terminativa é aquela que põe fim ao

processo, decidindo ou não o mérito da causa.145 Já a decisão interlocutória é

aquela que visa dar uma solução a uma questão incidente, sem por fim ao

processo.146

Também pode ocorrer o caso de suspensão do processo, ou seja, o

processo pode ser suspenso por que o acusado não foi encontrado, não constituiu

advogado e não atendeu a citação por edital (artigo 366, do CPP).147

Suspende-se o processo e o prazo prescricional, podendo o juiz

produzir as provas consideradas urgentes, decretar a prisão preventiva, etc.

A suspensão do processo e do prazo prescricional não encontra na lei um lapso

final, mas o entendimento pacificado é o de que deva durar o tempo previsto para a

prescrição nos moldes do artigo 109 do Código Penal.148

Há o caso de transação penal, o qual é muito bem definido por Sérgio

Turra Sobrane:

O ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o

145MACHADO, Daniel Carneiro. O novo conceito de sentença e a natureza jurídica d o ato judicial que resolve questões incidentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2427, 22 fev. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14391>. Acesso em: 03 out. 2010. 146WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil . vol. I. 3 ed. rev., atual. e ampl. 3ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000-2001. p. 177. 147CÂMARA, Guilherme Costa. Dos incidentes da suspensão da prescrição e do processo (art. 366, CPP). Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/1082>. Acesso em: 03 out. 2010. 148CÂMARA, Guilherme Costa. Dos incidentes da suspensão da prescrição e do processo (art. 366, CPP). Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/1082>. Acesso em: 03 out. 2010.

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65

cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.149

Após esta breve conceituação, demonstra-se a tabela já dividida:

SENTENÇA TERMINATIVA

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

SUSPENSO TRANSAÇÃO PENAL

064.07.018509-7 064.09.024499-4 064.08.020496-5 064.06.017504-8

064.08.015093-8 064.08.010886-9 064.07.016811-7

064.03.010988-8 064.08.010885-0

064.04.002357-9 064.08.010884-2

064.99.011368-3 064.07.018358-2

064.98.007391-3 064.08.017830-1

064.01.004042-4 064.09.011583-3

064.03.000076-2

064.04.001911-3

064.07.003154-5

064.07.003158-8

064.07.003145-6

064.07.003141-3

064.07.003155-3

064.07.003174-0

064.07.007096-6

3.5.1 Da análise das decisões acerca da incidência e ocorrência dos princípios da justiça ambiental e da sociedade de r isco

Analisar as decisões ambientais em primeiro grau é o foco deste

capítulo. Tarefa esta que não foi fácil, pois, o próprio sistema do Judiciário é

149SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal . São Paulo: Saraiva, 2001. p. 56.

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inadequado para pesquisa.

O Poder Judiciário tem deixado de proteger efetivamente o meio

ambiente por causa do atrelamento excessivo ao positivismo jurídico e da falta de

consideração aos princípios jurídicos.

A respeito deste tema dissertou o juiz Álvaro Luiz Valery Mirra:

Mas, se por um lado, o estudo da jurisprudência em Direito Ambiental é de maior importância, por outro lado, ainda mais importante é o estudo crítico dos julgados.

Conforme já se disse, da mesma forma que uma pessoa que decide passear em uma floresta, ao entrar no seu interior deixa de poder vê-la no seu conjunto e amplitude, o juiz, ao se debruçar ininterruptamente sobre casos específicos nos processos – que, como todos sabem, se sucedem num volume e num ritmo impressionantes – passa a ter dificuldades de ver o Direito na sua globalidade, na sua unicidade, e de poder dele extrair e compreender os princípios e regras gerais. Daí a necessidade de se estudar criticamente a jurisprudência e confrontá-la com os princípios gerais do Direito Ambiental e com as manifestações da doutrina autorizada, para poder-se apontar não só o acerto como também, e principalmente, os equívocos das decisões judiciais.150

Em outras palavras, o juiz não deve apenas debruçar-se sobre o

processo quando o dano ambiental já ocorreu, o mesmo deve fazer valer os

princípios e normas ambientais e agir antes mesmo da ocorrência do dano.

Devemos ter uma visão global do direito e não apenas aplicar a norma ao caso

concreto.

Seria pretensioso tentar analisar aqui todas as decisões destes

diversos processos, então, resolveu-se escolher para a análise duas sentenças

terminativas, duas decisões interlocutórias, um processo que se encontra suspenso

e um processo onde ocorreu transação penal.

Apenas se atentou para o fato de não escolher decisões que tratassem

sobre o mesmo assunto e também tentou-se escolher decisões bem palpáveis, onde

fosse fácil de imaginar o que ocorreu e não algo muito abstrato.

Assim sendo, foram escolhidas as seguintes decisões para a análise:

SENTENÇA TERMINATIVA

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

SUSPENSO TRANSAÇÃO PENAL

150MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental Contemporâneo . Barueri, São Paulo: Manole, 2004. p. 34.

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064.07.007096-6 064.07.018358-2 064.07.016811-7 064.06.017504-8

064.01.004042-4 064.08.010886-9

3.5.1.1 Julgado que versa sobre construção irregular em área pública

Trata-se de Ação Demolitória proposta pelo Município de São José,

objetivando, em síntese, a demolição de obra construída sobre rua projetada e

diante da ausência de alvará para construção. A ré invadiu área pública e construiu

clandestinamente, ou seja, a edificação se deu sobre logradouro público agindo em

desacordo com o ordenamento urbanístico.

Em síntese tem-se:

“AÇÃO DEMOLITÓRIA. CONSTRUÇÃO CLANDESTINA, FEITA DE MÁ-FÉ, EM LOGRADOURO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE ALVARÁ PARA CONSTRUÇÃO. PROCEDENTE” (Ação Ordinária; Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José; Juíza de Direito: Andrea Cristina Rodrigues Studer; Data: 27.02.2009).151

Observa-se ao analisar esta decisão uma ofensa direta aos princípios

da prevenção e fiscalização.

Em relação à prevenção verifica-se que o Poder Público nada fez para

proteger o meio ambiente. Deve-se ater ao momento anterior à da consumação do

dano, ao momento do risco. Sendo a reparação incerta, onerosa e muitas vezes

impossível, a melhor saída é a prevenção. Também se verifica que não houve

fiscalização pelo Poder Público, tanto que a obra foi construída em área pública e o

que é pior sem o devido alvará para a construção.

Sendo assim, não ocorreu a plena eficácia da tutela jurisdicional judicial

em defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

3.5.1.2 Julgado que versa sobre a regeneração natural de vegetação

Trata-se de Inquérito Policial que visa apurar a prática do crime previsto

151BRASIL. Justiça Estadual . Ação Ordinária n° 064.07.007096-6. Vara da Fazend a Pública da Comarca de São José. Município de São José e Terezinha Maria Izac Pacheco. Juíza de Direito: Andrea Cristina Rodrigues Studer. Data: 27.02.2009.

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no art. 48 da Lei nº 9.605/98.

Porém, considerando que a pena máxima abstratamente cominada ao

crime é de um ano de detenção e que não ocorreu desde o fato nenhuma outra

causa suspensiva ou interruptiva do lapso temporal, faz-se mister declarar a

prescrição da pretensão punitiva.

“INQUÉRITO POLICIAL. LEI N° 9.605/98. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. JUIZ DECLARA DE OFÍCIO A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE” (Inquérito Policial; 2ª Vara Criminal da Comarca de São José; Juíza de Direito: Bianca Fernandes Figueiredo; Data: 08/10/2008).152

Novamente verifica-se que não houve efetividade da aplicação da

legislação ambiental. O dano ambiental ocorreu e nada foi feito para responsabilizar

o causador de tal dano, ou seja, o tempo acabou passando - ocorreu à prescrição - e

o causador de tal dano se quer vai responder por ele. Desta forma, o Poder

Judiciário acaba não aplicando como deveria o princípio da responsabilização.

3.5.1.3 Julgado que versa sobre modificação no Plano Diretor do Município

O Ministério Público de Santa Catarina ajuizou Ação Civil Pública com

pedido de liminar contra o Município de São José, alegando, em síntese, que a Lei

de n° 4.208/2004, com as alterações determinadas à Lei n° 4.399/2005, altera

dispositivos da Lei n° 1.605/85 que instituiu o Pla no Diretor do Município de São

José, de forma menos restritiva modificando o índice e abrangência das áreas de

preservação ambiental.

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE LIMINAR. ALTERAÇÃO DE DISPOSITIVOS DA LEI Nº 1.605/85. MODIFICAÇÃO DO ÍNDICE E ABRANGÊNCIA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LIMINAR DEFERIDA” (Ação Civil Pública; Vara da Fazenda Pública da Comarca de São José; Juíza de Direito: Haidée Denise Grin; Data: 01/11/2007).153

A matéria ventilada na presente demanda diz respeito à tutela dos

interesses metaindividuais de toda a coletividade Josefense, os quais poderão ser

152BRASIL. Justiça Estadual . Inquérito Policial n° 064.01.004042-4. 2ª Vara Cr iminal da Comarca de São José. Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Luiz Carlos Cardoso dos Santos. Juíza de Direito: Bianca Fernandes Figueiredo. Data: 08/10/2008. 153BRASIL. Justiça Estadual . Ação Civil Pública n° 064.07.018358-2. Vara da Fa zenda Pública da Comarca de São José. Ministério Público de Santa Catarina e Município de São José. Juíza de Direito: Haidée Denise Grin. Data: 01/11/2007.

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lesados em virtude da conduta de dano ambiental a ser perpetrada pelo réu. A

sociedade, a coletividade não pode esperar ter o prejuízo ambiental para após

pleitear o retorno da situação ao status quo ante.

Sendo assim, observa-se que o Poder Judiciário agiu de forma correta

e coerente, aplicando principalmente o princípio da proporcionalidade. Em outras

palavras: “No conflito entre dois bens jurídicos, deve-se outorgar a tutela para evitar

que o bem maior seja sacrificado ao menor, segundo uma escala de valores pela

qual se pauta o homo medius, na valoração dos bens da vida.” 154

3.5.1.4 Julgado que versa sobre implementação de loteamento clandestino

Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de liminar, proposta pelo

Ministério Público de Santa Catarina em face do Município de São José. O autor

alega que a implementação de loteamento ocorreu de forma clandestina. Argüiu que

a Administração Pública do Município de São José foi omissa, pois não promoveu a

regularização do loteamento, causando danos diretos e indiretos a toda comunidade.

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE LOTEAMENTO DE FORMA CLANDESTINA. CONCESSÃO DE LIMINAR” (Ação Civil Pública; Vara da Fazenda pública da Comarca de São José; Juíza de Direito: Andrea Cristina Rodrigues Studer; Data: 04/08/2008).155

Nesse sentido importa ressaltar que, em se tratando de direito

ambiental:

"[...] diferentemente do que se dá com outras matérias, vigoram dois princípios que modificam, profundamente, as bases e a manifestação do poder de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) e b) o princípio da precaução, também conhecido como princípio da prudência e da cautela. Tutela jurisdicional que chega quando o dano ambiental já foi causado, perde, no plano da garantia dos valores constitucionalmente assegurados, muito, quando não totalmente, de sua relevância ou função social.” 156

O Poder Judiciário, nesta decisão interlocutória, ao conceder liminar

agiu de acordo com os princípios e normas ambientais, garantindo de forma eficaz a 154CARREIRA ALVIM, J.E. Tutela específica nas obrigações de fazer e não faz er na reforma processual . Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 140. 155BRASIL. Justiça Estadual . Ação Civil Pública n° 064.08.010886-9. Vara da Fa zenda Pública da Comarca de São José. Ministério Público de Santa Catarina e Município de São José. Juíza de Direito: Andrea Cristina Rodrigues Studer. Data: 04/08/2008. 156MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente . 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 535.

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prevenção e prevalência do meio ambiente.

3.5.1.5 Julgado que versa sobre prática de crime ambiental

Trata-se de ação penal com vistas a apurar a prática de crime

ambiental. Nos presentes autos o réu foi devidamente citado por edital, não tendo

apresentado defesa preliminar, motivo pelo qual foi decretada a revelia e suspensão

do curso do processo e do prazo prescricional.

“AÇÃO PENAL. CITAÇÃO POR EDITAL. NÃO APRESENTAÇÃO DE DEFESA PRELIMINAR. DECRETADA REVELIA. SUSPENSÃO DO CURSO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. ARQUIVO ADMINISTRATIVO” (Ação Penal; 1ª Vara Criminal da Comarca de São José; Juiz de Direito: Marcelo Carlin; Data: 27/08/2009).157

Novamente nota-se que o Poder Judiciário, ao deixar o processo

suspenso, não agiu de forma a garantir a plena eficácia da tutela jurisdicional judicial

em defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado. O dano ambiental ocorreu

e a sociedade está à espera de uma resposta.

3.5.1.6 Julgado que versa sobre infração penal ambiental de menor potencial ofensivo

Trata-se de Termo Circunstanciado, onde foi realizada audiência,

propondo o Promotor de Justiça a aplicação imediata da transação penal ao autor do

fato, consistente no cumprimento de medida restritiva de direito, na modalidade de

prestação ambiental alternativa.

“INFRAÇÃO PENAL AMBIENTAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. MEDIDA RESTRITIVA DE DIREITO. TRANSAÇÃO PENAL ACEITA PELO AUTOR DO FATO. HOMOLOGAÇÃO EM AUDIÊNCIA” (Termo Circunstanciado; Juizado Especial Criminal da Comarca de São José; Juiz de Direito: Márcio Schiefler Fontes; Data: 16/08/2007).158

157BRASIL. Justiça Estadual . Ação Penal n° 064.07.016811-7. 1ª Vara Criminal d a Comarca de São José. Justiça Pública de Santa Catarina e Anésio Scotti. Juiz de Direito: Marcelo Carlin. Data: 27/08/2009. 158BRASIL. Justiça Estadual . Termo Circunstanciado n° 064.06.017504-8. Juizado Especial Criminal da Comarca de São José. Ministério Público de Santa Catarina e Hailee Gomes. Juiz de Direito: Márcio Schiefler Fontes. Data: 16/08/2007.

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O dano ambiental ocorreu e o Poder Público nada fez para prevenir.

Porém, a transação penal fez com que o autor do fato fosse responsabilizado pelo

dano cometido, devendo pagar certa quantia à Polícia Militar de Proteção Ambiental

e também apresentar-se na Polícia Ambiental para curso de orientação ambiental.

Assim, demonstra-se que o Poder Judiciário de certa forma foi coerente

ao aplicar o princípio da responsabilização das condutas e atividades lesivas ao

meio ambiente e também por aplicar o princípio da orientação/educação ambiental.

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CONCLUSÃO

Diante dos fatos e argumentos expostos na presente monografia,

procurou-se demonstrar a efetividade da legislação ambiental pelo Poder Judiciário

Brasileiro.

No que se refere ao primeiro capítulo, constatou-se que a sociedade de

risco arraigada pós-Revolução Industrial, trouxe inovações tecnológicas; contudo,

provieram as incertezas em relação ao meio ambiente. Até então, antes das

modificações trazidas nesse período, a população vivia de certezas e previsões.

Com os riscos decorrentes dessa modernidade, a sociedade encontrou-se diante de

um mar de ameaças e desmazelas na sadia qualidade de vida.

Com essa interferência problemática no campo social, as demais

ciências procuraram amenizar tais flagelos, com a previsão dos riscos inerentes aos

acometimentos ao meio ambiente.

Um dos meios de garantir a sadia qualidade de vida da população é a

aplicação de medidas paliativas e a fiscalização dos órgãos competentes em relação

à degradação ambiental.

É a partir do ingresso na sociedade de risco, onde os critérios de

calculabilidade e previsibilidade não eram mais suficientes para antecipar os perigos,

que os danos se efetivam.

O segundo capítulo procurou demonstrar como os “riscos” (foco do

primeiro capítulo) estão distribuídos entre a população, chegando-se a conclusão

que a camada menos favorecida da sociedade é quem vai arcar com tais riscos

ambientais.

Após anos de espera, só no século XX, através de normas esparsas, o

meio ambiente foi receber algum tipo de proteção.

Já em 1981, foi criada a Política Nacional do Meio Ambiente; foi o

diploma pioneiro na proteção ambiental.

Mas, só com a Constituição Federal de 1988, que a proteção ao meio

ambiente teve posição de destaque, com a disposição de um capítulo inteiro sobre o

assunto.

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E, por fim, com o terceiro e último capítulo, através da análise empírica

de decisões, buscou-se demonstrar a efetividade da legislação ambiental pelo Poder

Judiciário.

Observou-se com esta monografia que o Judiciário demora demais

para oferecer uma solução nas questões ambientais, teve e tem imensa dificuldade

em gerenciar a oferta de uma solução em tempo social e ambientalmente aceitável.

A atuação do Poder Judiciário na efetividade do Direito Ambiental é

tarefa que se pode empreender focando a atenção sobre diversos ângulos, em todos

sempre haverá um sentimento de frustração pelos equívocos e insucessos, mas

certamente também há lembranças gratas quando, já com certo distanciamento, se

observa um resultado ambientalmente significativo.

O Direito Ambiental ocasionou uma mudança de paradigmas no âmbito

da magistratura, pois a propriedade e os interesses individuais passaram a ser

parâmetros absolutamente insuficientes para a decisão das questões. Graças ao

trabalho exaustivo da doutrina deu-se a construção teórica em torno dos princípios

ambientais que começaram a ser aplicados pelos magistrados no sentido de

oferecer uma solução razoável para as demandas.

Assim sendo, difícil dizer se o Judiciário na questão ambiental alcançou

a Justiça, mas é certo que diariamente renovamos nossas tentativas, embora ainda

excessivamente presos à literalidade da lei.

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