a industria farmaceutica depois dos genericos

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HSM Management Update nº24 - Setembro 2005 O Pesquisa mapeia o setor avaliando o impacto do advento dos medicamentos genéricos nas estratégias competitivas e no desempenho dos maiores laboratórios entre 1999 e 2002. Por Jorge Ferreira da Silva e Felipe David Cohen setor farmacêutico brasileiro viveu uma ruptura em 2000, quando começaram a produção e a comercialização dos medicamentos genéricos, legalizados em 1999. O consumidor passou a ter condições de optar por dois ou mais produtos equivalentes em ação, mas com preços diferenciados. Há quem diga até que o setor é um a.G. (antes dos genéricos) e outro, bem diferente, d.G. (depois dos genéricos). Para descobrir o que realmente mudou, estudamos a trajetória, até 2002, dos 50 maiores laboratórios farmacêuticos atuantes no País, que representam pelo menos 90% do mercado tanto em faturamento como em unidades vendidas. Nosso estudo comprovou que o advento dos genéricos teve profundo impacto no desempenho e na estratégia das empresas farmacêuticas. A começar pelo fato de que muitas empresas de menor porte, várias delas de controle nacional, passaram a ser as mais ativas em lançamentos, em vez das multinacionais líderes em diferenciação, como ocorria até 2000. Essas empresas -entre as quais os laboratórios Medley, Eurofarma e EMS, de crescimento notável- foram capazes de se adaptar mais rapidamente às mudanças, dadas sua baixa robustez e sua alta flexibilidade, e investiram expressivamente no novo mercado dos genéricos. Já as grandes empresas multinacionais sentiram o peso da nova concorrência e tiveram dificuldade de se adaptar às novas condições de mercado. A oferta de medicamentos genéricos com preços mais acessíveis acabou por canibalizar suas vendas, elas não tiveram êxito nas incursões com novos produtos e tornaram-se mais dependentes de receitas médicas para atingir os consumidores finais. Mudança de foco estratégico Nossa pesquisa identificou, sobretudo, a perda de foco estratégico dos laboratórios que buscam diferenciação como arma em um ambiente turbulento como tem sido o mercado brasileiro ao longo dos anos (veja o quadro "O que mudou nas empresas"). A diferenciação pela inovação deixou de ser atraente como estratégia, enquanto o foco em custos ganhou prioridade. Das empresas que mudaram seu posicionamento estratégico, 33,3% adotavam o foco em diferenciação e 41,6% optaram por implementar custos como arma estratégica, o que demonstra a força do novo foco. E, entre os laboratórios que mantiveram o mesmo posicionamento estratégico, 42,9% já seguiam estratégias de liderança ou de foco em custos, o que confirma a nova prevalência da estratégia direcionada a custos sobre a estratégia voltada à diferenciação.

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Mercado Farmacêutico Brasileiro e seu comportamento com a entrada do projeto de genericos.

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Page 1: A Industria Farmaceutica Depois Dos Genericos

HSM Management Update nº24 - Setembro 2005

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Pesquisa mapeia o setor avaliando o impacto do advento dos medicamentos genéricos nas estratégias competitivas e no desempenho dos maiores laboratórios entre 1999 e 2002. Por Jorge Ferreira da Silva e Felipe David Cohen

setor farmacêutico brasileiro viveu uma ruptura em 2000, quando começaram a produção e a comercialização dos medicamentos genéricos, legalizados em 1999. O consumidor passou a ter condições de optar por dois ou mais produtos equivalentes em ação, mas

com preços diferenciados. Há quem diga até que o setor é um a.G. (antes dos genéricos) e outro, bem diferente, d.G. (depois dos genéricos). Para descobrir o que realmente mudou, estudamos a trajetória, até 2002, dos 50 maiores laboratórios farmacêuticos atuantes no País, que representam pelo menos 90% do mercado tanto em faturamento como em unidades vendidas.

Nosso estudo comprovou que o advento dos genéricos teve profundo impacto no desempenho e na estratégia das empresas farmacêuticas. A começar pelo fato de que muitas empresas de menor porte, várias delas de controle nacional, passaram a ser as mais ativas em lançamentos, em vez das multinacionais líderes em diferenciação, como ocorria até 2000.

Essas empresas -entre as quais os laboratórios Medley, Eurofarma e EMS, de crescimento notável- foram capazes de se adaptar mais rapidamente às mudanças, dadas sua baixa robustez e sua alta flexibilidade, e investiram expressivamente no novo mercado dos genéricos. Já as grandes empresas multinacionais sentiram o peso da nova concorrência e tiveram dificuldade de se adaptar às novas condições de mercado. A oferta de medicamentos genéricos com preços mais acessíveis acabou por canibalizar suas vendas, elas não tiveram êxito nas incursões com novos produtos e tornaram-se mais dependentes de receitas médicas para atingir os consumidores finais.

Mudança de foco estratégicoNossa pesquisa identificou, sobretudo, a perda de foco estratégico dos

laboratórios que buscam diferenciação como arma em um ambiente turbulento como tem sido o mercado brasileiro ao longo dos anos (veja o quadro "O que mudou nas empresas"). A diferenciação pela inovação deixou de ser atraente como estratégia, enquanto o foco em custos ganhou prioridade. Das empresas que mudaram seu posicionamento estratégico, 33,3% adotavam o foco em diferenciação e 41,6% optaram por implementar custos como arma estratégica, o que demonstra a força do novo foco. E, entre os laboratórios que mantiveram o mesmo posicionamento estratégico, 42,9% já seguiam estratégias de liderança ou de foco em custos, o que confirma a nova prevalência da estratégia direcionada a custos sobre a estratégia voltada à diferenciação.

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HSM Management Update nº24 - Setembro 2005

Mudança da estrutura do setorObservamos também que a estrutura da indústria farmacêutica brasileira está

sendo alterada em decorrência das mudanças no ambiente oriundas da abertura do mercado aos medicamentos genéricos. Nesse processo, comprovou-se que apenas as empresas com estratégia de diferenciação mantiveram posição de destaque, dado o domínio alcançado anteriormente no que diz respeito à parcela de mercado, mas, em termos de crescimento de parcela de mercado, já não foi mais possível identificar a existência de um tipo estratégico superior aos demais, como se identificava antes. Tal fato leva a crer que a estrutura do setor ainda não se consolidou por completo.

O que mudou nas empresas

As empresas farmacêuticas atuantes no Brasil, divididas em grupos estratégicos por esta pesquisa de acordo com a tipologia desenvolvida por Michael Porter:

Grupo líder em custos - Formado por oito laboratórios da amostra, que dominam 87% do mercado de medicamentos genéricos, tem como principais características a tímida atuação no mercado de medicamentos vendidos sob prescrição médica, o baixo nível de inovação e o menor preço médio praticado no setor. São, na maioria, de médio porte. Os laboratórios são: EMS Sigma Pharma, Medley, DM Indústria Farmacêutica, Biosintética, Eurofarma, Procter & Gamble, GSK Consumo e Novartis Consumer. Como ficou? Tem atuação marcante no mercado de medicamentos genéricos e foi o grupo mais atuante em lançamentos de novos produtos com horizonte de cinco anos. Registrou o melhor desempenho no tocante ao crescimento ponderado da parcela de mercado.

Grupo líder em diferenciação - Formado por 13 dos 16 maiores laboratórios do Brasil, todos de controle estrangeiro, e responsável por mais da metade do faturamento total do setor, é caracterizado por elevada escala de operação, forte atuação no mercado de medicamentos vendidos sob prescrição médica e baixo foco. Os laboratórios são: Pfizer, Aventis Pharma, Novartis, Ache, Roche, Schering Plough, Merck Sharp Dohme, Boehringer ING, Bristol Myer Squib, Janssen Cilag, Abbott, Glaxosmithkline e Sanofi Synthelabo. Como ficou? Tem pequena atuação no mercado de medicamentos genéricos e foi o grupo menos atuante em lançamentos de novos produtos, um indício da dificuldade encontrada pelos laboratórios multinacionais em manter a liderança em inovação diante das profundas mudanças ocorridas no ambiente competitivo. Mostrou dificuldade de adaptação às novas condições impostas pelo mercado. Manteve a liderança da participação no mercado que já possuía, mas não apresentou crescimento.

Grupo com foco em custos - Formado por dez laboratórios, todos de médio porte, é caracterizado por alto nível de foco, forte atuação no mercado de medicamentos vendidos sob prescrição médica, baixo nível de inovação e pequena escala de operação. Os laboratórios são: Schering do Brasil, Wyeth, Organon, Astrazeneca Brasil, Alcon, Whitehall, Allergan, Servier do Brasil, Zambon e Baldacci. Como ficou? Sem nenhuma atuação significativa no mercado de genéricos, foi o grupo estratégico com menor atuação em lançamentos de produtos.

Grupo com foco em diferenciação - Formado por quatro laboratórios, com faturamento anual entre R$ 30 milhões e R$ 150 milhões, é caracterizado por alto nível de inovação, elevado foco, maior preço médio praticado no setor e menor participação no mercado de medicamentos vendidos sob prescrição médica. Em geral, possui menor escala de operação quando comparado com os demais laboratórios analisados. Os laboratórios são: Bayer, Lilly, Galderma e Ranbaxy. Como ficou? Tem a segunda maior participação (6%) no mercado de genéricos e foi o grupo mais atuante em lançamentos de novos produtos com horizonte de um ano. Registrou o melhor desempenho no crescimento de parcela de mercado em valor.

Grupo com foco em diferenciação - Formado por quatro laboratórios, com faturamento anual entre R$ 30 milhões e R$ 150 milhões, é caracterizado por alto nível de inovação, elevado foco, maior preço médio praticado no setor e menor participação no mercado de medicamentos vendidos sob prescrição médica. Em geral, possui menor escala de operação quando comparado com os demais laboratórios analisados. Os laboratórios são: Bayer, Lilly, Galderma e Ranbaxy. Como ficou? Tem a segunda maior participação (6%) no mercado de genéricos e foi o grupo mais atuante em lançamentos de novos produtos com horizonte de um ano. Registrou o melhor desempenho no crescimento de parcela de mercado em valor.

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Mudança das forças econômicasO estudo nos permitiu entender como o advento dos genéricos influenciou e

alterou todas as cinco forças econômicas que moldam a estrutura do setor farmacêutico, segundo o modelo de Michael Porter no qual se baseou este estudo (veja o quadro "Saiba mais sobre a metodologia"). As forças -que levam a definir o potencial de retorno do setor e, conseqüentemente, sua atratividade- são: a intensidade da rivalidade entre os concorrentes, a ameaça da entrada de novos concorrentes, a ameaça de produtos ou serviços substitutos, o poder de negociação dos fornecedores e o poder de negociação dos compradores.

Analisando o aspecto da ameaça da entrada de novos concorrentes, nota-se que a redução dos custos de pesquisa e desenvolvimento de novas drogas acarretou uma redução das barreiras de entrada do setor, aumentando, como conseqüência, essa ameaça.

Do ponto de vista da rivalidade entre competidores, pode-se afirmar que, dados o aumento do número de concorrentes e o esforço do governo federal em incentivar o consumo de medicamentos genéricos, ocorreu um acirramento da competição nesse setor.

Além disso, sem exigir dispêndios volumosos com pesquisa, desenvolvimento e propaganda, o baixo preço relativo dos genéricos diante dos medicamentos de marca acabou por aumentar significativamente a ameaça de produtos substitutos com vantagem competitiva sustentável. É preciso lembrar, contudo, que, analisando de uma ótica de longo prazo, o avanço nas pesquisas dos genes humanos e os investimentos no mercado de biotecnologia também representam um potencial substituto às drogas tradicionais.

Pode-se dizer que, por sua vez, a maior oferta de produtos substitutos gerou um incremento significativo do poder de negociação dos compradores, dada a maior oferta de produtos existentes no mercado.

Ainda mais: com o aumento do número de empresas compradoras, os fornecedores, na média, tiveram suas receitas oriundas de um maior número de empresas, diminuindo sua dependência das multinacionais, o que incrementou seu poder de negociação.

Com o aumento da intensidade das cinco forças econômicas, espera-se que a rentabilidade total da indústria farmacêutica brasileira mantenha-se menor após o advento dos genéricos, o que implica uma redução de sua atratividade aos olhos dos investidores. Já é possível notar, inclusive, que o preço médio praticado pelo setor após a introdução dos genéricos vem apresentando taxa de crescimento inferior aos principais índices de inflação existentes no mercado. Por fim, vale a pena ressaltar que a indústria farmacêutica ainda passa por uma fase de consolidação ante as profundas transformações por que passou e muitas empresas ainda buscam adaptar-se ao novo ambiente criado, o que faz com que não haja uma definição clara de qual será a estratégia vencedora.

HSM Management Update nº24 - Setembro 2005

Felipe David Cohen, engenheiro mecânico e de produção pela PUC-Rio, é gerente financeiro da empresa Ceras Johnson. É mestre em administração de empresas pela escola de negócios da PUC-Rio

Jorge Ferreira da Silva, engenheiro eletrônico, é professor do departamento de administração da PUC-Rio e coordenador de pós-graduação em administração de empresas naquela instituição. É doutor em engenharia de produção, mestre em administração de empresas da PUC-Rio e participou de vários seminários gerenciais na Inglaterra e nos EUA. Possui extensa experiência profissional em marketing, em diversas empresas nacionais e multinacionais. Foi diretor de marketing da Medidata Informática e da Cobra Computadores e Sistemas Brasileiros S/A, além de vice-presidente da holding têxtil do Sistema Cataguazes-Leopoldina.

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HSM Management Update nº24 - Setembro 2005

Esta pesquisa adotou como base o estudo de Michael Porter sobre tipologias, identificando as estratégias relevantes e os grupamentos existentes nesse segmento industrial, buscando também relacionar o posicionamento estratégico assumido pelos laboratórios ao desempenho observado.

O método de análise abrangeu o levantamento de base de dados obtido de relatórios de firmas de consultoria especializadas, a identificação de indicadores estratégicos e de desempenho e a implementação de procedimentos estatísticos.

Buscou-se, ainda, relacionar os posicionamentos e desempenhos identificados entre os anos de 1999 e 2002 aos resultados obtidos no estudo envolvendo o período imediatamente anterior ao advento dos genéricos, isto é, entre 1995 e 1998, o que permitiu uma análise longitudinal do setor farmacêutico brasileiro.

AmostragemForam considerados neste estudo os 50 maiores

laboratórios atuantes na indústria farmacêutica brasileira, determinados pelo critério de faturamento em reais no ano de 2002, segundo dados do IMS - PMB ( Instituto Suíço de Pesquisa de Medicamentos), que publica periódica pesquisa no compêndio Pharmaceutical Marketing Brasil - Mercado Farmacêutico Brasileiro.

Tal amostragem abrange mais de 91% do mercado total em faturamento e 90% em volume de unidades vendidas. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica com a intenção de selecionar o conjunto de variáveis estratégicas capazes de permitir a identificação de grupos ou clusters, além de estabelecer condições de contorno que relacionassem as estratégias competitivas adotadas à tipologia apresentada por Michael Porter.

Variáveis estudadasEm relação à definição das variáveis aqui empregadas, as

referências foram os estudos de Cool, com a adaptação ao contexto brasileiro por meio de entrevistas com executivos do setor e levantamento de trabalhos e dissertações sobre a atividade. Os pesquisadores chegaram às seguintes variáveis tanto na dimensão de estratégia competitiva como na dimensão de desempenho:

Preço médio - Relação entre as vendas em valor e as vendas em quantidade de cada laboratório.

Foco - Relação entre as vendas das três maiores classes terapêuticas e as vendas totais de cada laboratório.

Tamanho - Logaritmo definido a partir das vendas totais de cada laboratório.

Receituário - Relação entre o número de receitas retidas de determinado laboratório e o número total de receitas retidas no mercado.

Novos produtos no horizonte de um ano - Relação entre as vendas dos novos produtos com horizonte de um ano e as vendas totais de cada laboratório.

Novos produtos no horizonte de cinco anos - Relação entre as vendas dos novos produtos com horizonte de cinco anos e as vendas totais de cada laboratório.

Procura espontânea (OTC) - Relação entre as vendas de medicamentos de procura espontânea do consumidor (portanto, sem prescrição médica) e as vendas totais de cada laboratório.

Mercado ético - Relação entre as vendas de medicamentos sob prescrição médica e as vendas totais de cada laboratório.

Participação de genéricos no faturamento - Relação entre as vendas de medicamentos genéricos e as vendas totais de cada laboratório.

Parcela de mercado de genéricos - Relação entre as vendas de medicamentos genéricos de cada laboratório e as vendas totais de genéricos.

Vendas em unidades - Quantidade vendida em unidades por laboratório.

Faturamento - Quantidade vendida em reais por laboratório.

Parcela de mercado em unidades - Participação das vendas dos medicamentos de determinado laboratório em unidades (volume) no mercado doméstico total.

Parcela de mercado em valor - Participação das vendas dos medicamentos de determinado laboratório em valor no mercado doméstico total.

Parcela de mercado em valor ponderada por segmento - Participação de vendas em cada classe terapêutica.

Crescimento de parcela de mercado em valor - Êxito da empresa na tentativa de conquistar maiores parcelas de mercado.

Crescimento de parcela de mercado em valor ponderada por segmento - Êxito da empresa na tentativa de conquistar maiores parcelas de mercado ponderadas por segmento.

Coleta e análise de dados Uma vez definidas as variáveis, a coleta de dados para a

realização da pesquisa fez-se mediante consulta à base de dados divulgada por consultorias especializadas na indústria farmacêutica brasileira e publicadas pelo Institute of Marketing Statistics (IMS). A análise posterior incluiu a análise de correlações, que permitiu inferir importantes informações quanto ao relacionamento das variáveis, servindo como suporte à análise global. A análise de correlação entre variáveis foi feita mediante o cálculo da matriz de coeficientes de correlação de Pearson. Observou-se, entretanto, que a correlação entre variáveis não implica causalidade, ou seja, não pode ser interpretada como indicador de que o movimento de uma variável afetaria o movimento de outra.

Saiba mais sobre a metodologia