a importância da desminagem humanitária para a desminagem militar
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NORMANDO BONA DO NASCIMENTO
A IMPORTÂNCIA DA DESMINAGEM HUMANITÁRIA PARA A DESMINAGEM MILITAR
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: CMG(FN-RM1) José Cimar Rodrigues
Pinto.
Rio de Janeiro 2013
C2013 ESG
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Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Nascimento, Normando Bona. A importância da desminagem humanitária para a desminagem
militar / CMG(FN) Normando Bona do Nascimento. - Rio de Janeiro: ESG, 2013.
44 f.: il.
Orientador: CMG(FN-RM1) José Cimar Rodrigues Pinto. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013.
1. Desminagem humanitária. 2. Desminagem militar. 3. Minas terrestres antipessoal. 4. Ação integral contra as minas terrestres antipessoal. 5. Convenção de Ottawa. 6. Missões de desminagem humanitária. I.Título.
A todas as pessoas, civis e militares, que
dedicaram uma parcela das suas vidas a
essa imensa obra de diminuir o
sofrimento daqueles que foram vítimas
das minas terrestres.
Esse sofrimento é eterno, porém, todos
nós podemos contribuir para que essa
história tenha um final melhor.
Aos desminadores, que diariamente
enfrentam esse inimigo implacável, o
meu reconhecimento e votos de sucesso
a cada mina destruída.
AGRADECIMENTOS
Aos Supervisores Internacionais que tive a satisfação de trabalhar ombro a
ombro nos locais mais difíceis de caminhar, as áreas e campos minados, e aos
Monitores Interamericanos que contribuíram com seus pareceres sobre o tema
Desminagem Humanitária.
Aos desminadores de Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras e
Nicarágua que com seus exemplos de dedicação e árduo trabalho nas terras
envenenadas por minas de seus países, contribuíram em forjar minhas experiências
vividas nos anos de 1997/1998, 2000/2001, 2007/2008 e 2011/2012.
AD AUGUSTA PER ANGUSTA.
Caminhos difíceis, porém nobres.
Lema da MARMINCA (1992-2010).
RESUMO
Esta monografia aborda as diferenças e similaridades entre a Desminagem
Humanitária e a Desminagem Militar, enfatizando a participação dos militares
brasileiros nas missões de desminagem planejadas pela Organização dos Estados
Americanos e pela Junta Interamericana de Defesa, desde 1992 até os dias atuais,
particularmente nos aspectos vivenciados e experiências adquiridas no exercício das
funções correlatas com o tema das minas terrestres antipessoal e da validade
dessas participações para as forças armadas brasileiras. Descreve a história das
atividades relativas às minas terrestres, à evolução das normas, situação atual dos
países que compartilham com o comprometimento da Convenção de Ottawa de
acabar com a fabricação, uso, transferência e armazenamento das minas terrestres,
e o avanço dos diversos programas voltados para a eliminação do perigo causado
pelas minas antipessoal pelo mundo. O método aplicado é caracterizado pela
pesquisa e análise das normas e conceitos afetos a Desminagem Humanitária e
Militar, suas características e particularidades, as opiniões de militares brasileiros
que participaram das missões de desminagem e a experiência do autor do estudo. A
conclusão indicará a validade de se continuar apoiando às ações voltadas para a
eliminação das minas terrestres por meio do envio de militares brasileiros para
participarem dos programas de ação integral contra as minas terrestres nas missões
de desminagem humanitária.
Palavras chave: Desminagem humanitária. Desminagem militar. Minas terrestres
antipessoal. Ação integral contra as minas terrestres antipessoal. Convenção de
Ottawa. Missões de desminagem humanitária.
ABSTRACT
This monograph discusses the differences and similarities between the Humanitarian
Demining Demining and Military, emphasizing the participation of the brazilian
military demining missions planned by the Organization of American States and the
Inter-American Defense Board, from 1992 to the present day, particularly in aspects
experienced and experiences in performing functions related to the topic of
landmines and validity of these holdings to the Brazilian armed forces. Describes the
history of activities related to landmines, the development of standards, the current
situation of the countries that share the commitment of the Ottawa Convention to end
the manufacture, use, transfer and stockpiling of landmines, and the advancement of
various programs for the elimination of the danger caused by antipersonnel mines in
the world. The applied method is characterized by the survey and analysis of
standards and concepts affections and Military Humanitarian Demining, their
characteristics and particularities, the opinions of Brazilian soldiers who participated
in demining missions and experience of the author of the study. The conclusion
indicates the validity of continuing to support actions for the elimination of landmines
by sending the Brazilian military to participate in the programs of comprehensive
action against landmines in humanitarian demining missions.
Keywords: Humanitarian demining. Military demining. Antipersonnel landmines.
Integral action against antipersonnel landmines. Ottawa Convention. Humanitarian
demining missions.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPA 1 Situação do tratado de proibição de minas ......................................28 MAPA 2 Contaminação por minas a partir de outubro de 2012 .....................29 MAPA 3 Progresso nos esforços de desminagem .........................................36
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AEI Artefato Explosivo Improvisado
CFN Corpo de Fuzileiros Navais
DH Desminagem Humanitária
DI Desminagem Informal
DM Desminagem Militar
GMI-CO Grupo de Monitores Interamericanos na Colômbia
IMAS International Mine Action Standards (Normas Internacionais de Ação contra as Minas)
JID Junta Interamericana de Defesa
APM Anti-Personnel Mines (Minas Antipessoal)
MARMINAS Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América do Sul
MARMINCA Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central
OEA Organização dos Estados Americanos
ONU Organização das Nações Unidas
QA Quality Assurance (Asseguramento de Qualidade)
QC Quality Control (Controle de Qualidade)
QM Quality Management (Gestão de Qualidade)
TDC Técnica de Desminagem Canina
TDE Técnica de Desminagem com Equipamento
TDM Técnica de Desminagem Manual
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11
2 CONCEITOS BÁSICOS DE DESMINAGEM..................... ........................... 15
3 HISTÓRICO DAS ATIVIDADES RELATIVAS ÀS MINAS ........................... 22
3.1 FASE EVOLUTIVA E DE CONSCIENTIZAÇÃO MUNDIAL ......................... 22
3.2 FASE NORMATIVA E DE CONSOLIDAÇÃO DE PROCEDIMENTOS ........ 24
3.3 FASE ATUAL ................................................................................................ 26
4 PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS MISSÕES DE DESMINAGEM ..........
HUMANITÁRIA ............................................................................................ 32
5 VALIDADE DA DESMINAGEM HUMANITÁRIA ......................................... 37
6 CONCLUSÃO............................................................................................... 40
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 43
11
1 INTRODUÇÃO
Eu tenho visto a devastação causada por essas armas indiscriminadas, que dificultam a reconstrução, danificam o meio ambiente e causam graves lesões e mortes por décadas após o fim dos conflitos. Minha esperança fervorosa é que o mundo será um dia livre das ameaças causadas por minas terrestres e resíduos explosivos de guerra.
Ban Ki-moon1
As minas terrestres, de um modo geral, existem desde o século XVI. No
entanto, seu uso sistemático, como forma de ataque e de proteção em áreas
envolvidas em confrontos beligerantes, ficou evidenciado na Primeira Grande Guerra
Mundial. No caso particular das minas antipessoal2 (APM), elas surgiram na
Segunda Grande Guerra Mundial com o intuito de protegerem as minas anticarro.
Assim, a partir do momento em que o homem verificou a eficiência e o baixo custo
desse tipo de instrumento de guerra, quando comparado com outros, o emprego das
minas terrestres foi expandido por todas as partes do mundo e seus efeitos
maléficos perduram até os dias atuais, mesmo após o fim dos conflitos que
proporcionaram o seu lançamento ou instalação.
O crescente número de vítimas inocentes e as restrições ao desenvolvimento
dos países afetados por esses artefatos induziram ao aparecimento, sobretudo na
década dos anos noventa, de campanhas internacionais contra a fabricação, uso,
comercialização e armazenamento das minas antipessoal, destacando-se a
Convenção de Ottawa3 que dentre vários pontos, estipulou prazos aos países
participantes para concluírem a limpeza de áreas minadas e a destruição dos
estoques de minas antipessoal.
Em consonância com esse esforço mundial para acabar com as minas
terrestres e com os movimentos contrários ao uso das minas terrestres, as missões
de Desminagem Humanitária (DH) tiveram maior projeção e apoio da comunidade
internacional e iniciaram suas atividades em diversas regiões, tendo a frente
organizações internacionais que contaram com a participação de países que se
1 Tradução do autor. Versão original no idioma inglês. Ban Ki-moon é o atual Secretário Geral das
Nações Unidas. 2 Minas Antipessoal (APM) são as minas concebidas para explotar pela presença, proximidade ou
contato de uma pessoa, e que incapacitam, ferem ou matam a uma ou mais pessoas (IMAS 04.10). 3 Convenção sobre a proibição do uso, armazenamento, produção e transferência de minas
antipessoal e sobre sua destruição, que teve aberta sua assinatura em 3 de dezembro de 1997, em Ottawa. O Brasil ratificou a convenção por meio do Decreto nº 3.128, de 5 de agosto de 1999.
12
comprometeram a prestar apoio técnico ou aportes financeiros necessários aos
programas de DH.
O Brasil não poderia ficar de fora dessa campanha de caráter mundial e,
assim, iniciou sua participação nesse processo de apoio técnico aos programas de
DH contribuindo com o envio de militares para mobiliarem as missões de DH sob a
égide da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização das
Nações Unidas (ONU). Nessa participação, os militares brasileiros adquiriram
experiências e acompanharam a evolução dos procedimentos operativos, dos
equipamentos empregados e das normas internacionais relacionadas com as ações
contra as minas terrestres nas atividades de Desminagem Humanitária (DH).
O Tema abordado – A Importância da Desminagem Humanitária para a
Desminagem Militar – visa registrar as principais impressões dos militares brasileiros
que participaram das missões de DH, reforçar a importância dessa participação
como um fator de formação de uma massa crítica de conhecimentos e de uma
capacidade teórica e prática relacionadas com o assunto minas terrestres, além de
valorizar a presença brasileira em todos os programas de DH desenvolvidos no
Continente Americano, evidenciando assim a política de apoio do Brasil aos países
do seu entorno estratégico que possuem problemas com as minas terrestres em seu
território.
Dessa forma, este estudo busca reflexões sobre a seguinte indagação: a
experiência adquirida pelos militares brasileiros nas missões de Desminagem
Humanitária é válida para a Desminagem Militar, para as Forças Armadas brasileiras
e para o Brasil?
A fim de atingir tal propósito, serão considerados principalmente os aspectos
comuns entre a DH e a DM, os conceitos e normas que balizam as atividades
relativas às minas terrestres e as considerações e opiniões dos militares brasileiros
que participaram em missões de DH e que hoje atuam em Organizações Militares de
ensino e operativas da Marinha do Brasil e do Exército Brasileiro.
Para tal, no desenvolvimento do presente estudo, buscar-se-á atingir os
seguintes objetivos:
- Descrever a história das atividades relativas às minas terrestres, sua fases
e evolução técnica e normativa.
13
- Identificar e descrever as particularidades da desminagem humanitária e da
desminagem militar (DM).
- Citar as técnicas de detecção de minas empregadas nas atividades de DH e
DM.
- Citar as missões de DH que contaram com a participação de militares
brasileiros.
Assim, este trabalho será organizado em quatro capítulos, sendo o último
reservado às considerações finais deste estudo.
O primeiro capítulo fará uma abordagem teórica sobre os aspectos comuns e
divergentes entre a DH e a DM, tendo como referência principal os conceitos básicos
de estabelecidos nas normas internacionais, com o intuito de se verificar se, mesmo
sendo categorias bem distintas de desminagem, seus conhecimentos e estudos
levam a formação de uma gama de conceitos e experiências que podem ser uteis
em qualquer cenário que se apresente, humanitário ou militar.
O segundo capítulo descreverá as fases evolutivas das atividades contra as
minas terrestres, as características de cada época, as alterações nas interpretações
quanto aos parâmetros de avaliação de desempenho dos programas de DH, o
surgimento das normas internacionais afetas as minas, o aumento da segurança nos
procedimentos, os reflexos advindos da Convenção de Ottawa e a atual condição
mundial de contaminação por minas.
O terceiro capítulo abordará a participação de militares brasileiros nas
missões de DH, por meio da assessoria técnica especializada ao tema das minas
antipessoal, num compromisso entre o Brasil, a Junta Interamericana de Defesa
(JID) e a OEA.
Destacará também a importância dessa presença dos militares brasileiros nas
missões de DH, particularmente quando na formulação de procedimentos e normas
numa época em que pouco se sabia sobre DH e as atividades estavam sendo
executadas com esforço e risco de todos os envolvidos em diversas regiões no
mundo com o intuito de se reduzir o número de vítimas civis por minas. No exercício
de tais atividades muitos conhecimentos teóricos e práticos foram adquiridos e
repassados entre os militares que vivenciavam no dia a dia a experiência em
confirmar que os equipamentos utilizados eram confiáveis e que ao seguir e cumprir
14
as regras, que estavam sendo estabelecidas por eles mesmos, os riscos eram
minimizados.
Em resumo esse capítulo abrange a importância dessa participação dos
militares brasileiros para o país beneficiário, para a política brasileira e para o
engrandecimento profissional dos próprios militares.
E por fim, no último capítulo será elaborada uma síntese das opiniões de
diversos militares brasileiros da Marinha e do Exército que trabalharam nas missões
de DH, em diferentes épocas, sobre a validade da experiência da DH para DM.
O método aplicado é caracterizado pela pesquisa e análise de normas,
conceitos e definições sobre a DH e DM, investigação por meio de perguntas aos
militares brasileiros que participaram em missões de DH e a própria experiência do
autor, visando reunir informações que venham a apoiar na resposta ao problema
formulado, as quais serão abordadas nas considerações finais.
15
2 CONCEITOS BÁSICOS DE DESMINAGEM
As Normas Internacionais de Ação contra as Minas (IMAS4 em inglês)
possuem inúmeros conceitos e considerações sobre as atividades relacionadas com
as ações contra as minas e servem para padronizar procedimentos e aumentar o
grau de segurança nas atividades desenvolvidas. Dessa forma, as IMAS serão o
documento base de consulta para evitar interpretações equivocadas sobre os
assuntos que serão abordados a seguir, visto que é importante estabelecer uma
visão de caráter mundial sobre o tema.
É fundamental que alguns conceitos, considerados de fácil entendimento por
parte das pessoas que trabalham com temas relacionados com as minas terrestres
sejam esclarecidos, pois serão importantes para a compreensão de reflexões
posteriores. Dessa forma iremos conceituar a DH e a DM, bem como ressaltaremos
as particularidades entre esses dois tipos de desminagem.
Segundo a IMAS 04.10, a desminagem humanitária é apenas uma parcela
integrante de um sistema maior denominado ação contra as minas. Esse sistema
visa a reduzir o impacto social, econômico e ambiental causado pela presença de
minas terrestres em determinadas regiões. O propósito da ação contra as minas é
diminuir ao mínimo o risco proporcionado pelas minas terrestres e assim permitir que
a população local afetada possa realizar suas tarefas de forma normal e segura,
contribuindo para assegurar o desenvolvimento econômico, social e garantir
adequado tratamento para as vítimas por minas.
Para alcançar esses objetivos a ação contra as minas compreende cinco
atividades complementares entre si: educação sobre os riscos das minas;
assistência para as vítimas; destruição das minas existentes; apoio contra o uso das
minas antipessoal; e a desminagem humanitária. No presente estudo não se fará
uma abordagem sobre todas as atividades citadas anteriormente, visto que o foco
estará nas desminagens humanitária e militar.
A DH é a atividade de remoção de perigos de minas e de restos explosivos de
guerra, incluindo o reconhecimento técnico, escrituração, remoção, marcação,
documentação posterior a desminagem, ligações de ação contra as minas junto à
4 Normas cuja primeira edição foi publicada pela ONU em março de 1997. Não possuem validade
jurídica, exceto quando são aprovadas por uma autoridade nacional como normas nacionais ou quando uma ou mais normas internacionais se especificam em um contrato ou outro instrumento jurídico (IMAS 01.10).
16
comunidade e a entrega da área limpa (IMAS 04.10). Tal atividade pode ser
executada por elementos civis, como empresas e organizações não governamentais,
assim como por tropas militares.
A desminagem militar é a atividade realizada dentro de uma operação militar
e com o propósito de permitir a mobilidade e a passagem livre de tropas e meios,
implicando na possibilidade da não destruição de todas as minas existentes na
região e sim apenas a destruição daquelas que viessem a impedir ou retardar o
deslocamento das tropas por um eixo específico.
O que diferencia a desminagem humanitária da militar não é a profissão das
pessoas que executam as atividades de limpeza da área afetada, mas sim diversos
outros fatores que serão evidenciados a seguir.
Na DH as questões relacionadas com a segurança dos envolvidos nos
trabalhos de desminagem são mais rígidas e com algumas restrições que não
aparecem na DM. Como por exemplo, a não realização da DH com precipitações
climáticas, enquanto que na DM tal fato não impede a execução da desminagem.
Um dos pontos de maior diferenciação entre a desminagem humanitária e a
militar é o propósito da execução da limpeza da área afetada por minas. Na DH o
objetivo é a localização, identificação e remoção ou destruição de todos os perigos
provenientes de minas e remanescentes de guerra em uma área especifica e a uma
profundidade determinada (IMAS 09.20). Ou seja, na DH todas as minas existentes
na área afetada devem ser obrigatoriamente destruídas, pois a restituição das terras
limpas para a população e a sua posterior utilização são as preocupações maiores.
Já na DM não existe a obrigação em se destruir todas as minas, pois a rapidez nas
ações e a passagem das tropas e meios através da área contaminada por minas são
os objetivos principais, não existindo então a necessidade de se destruir todas as
minas existentes na região. Assim, as medidas de segurança adotadas para a
execução das atividades de DH, bem como os requisitos necessários são mais
rígidos e em maior número quando comparados com as medidas e requisitos da DM.
Antes mesmo que se tenha inicio a DH em uma área específica, existem
alguns procedimentos que devem ser realizados com o propósito de otimizar o
planejamento das ações a serem desenvolvidas, estipular prazos e períodos de
ação, assim como delimitar a área a ser trabalhada. Tais procedimentos são
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chamados de estudo de impacto5, estudo não técnico6 e estudo técnico7. Na DM não
existe a realização desses estudos. Em alguns casos, quando existe tempo hábil
para tal, a DM pode ser precedida de um reconhecimento técnico de engenharia,
porém não há a obrigatoriedade de sua ocorrência. Os estudos realizados na DH
visam a buscar informações prévias para servirem como elementos diferenciadores
na priorização das áreas a serem trabalhadas inicialmente, em virtude dos riscos e
necessidades envolvidos.
Outro aspecto de diferenciação entre a DH e a DM é a existência da Gestão
de Qualidade (QM)8 dos trabalhos realizados em todo o processo da desminagem
humanitária. A QM busca assegurar que os procedimentos adotados sejam
apropriados, eficientes e eficazes, proporcionando uma confiança entre todos os
participantes do processo de DH, e consequentemente assegurando aos usuários
das terras um grau de confiabilidade maior nos trabalhos executados e uma maior
segurança no uso das áreas que antes da DH eram consideradas de alto risco para
a vida.
Em contra partida, na DM não existe a QM, visto que não se tem como
propósito final a utilização segura das terras afetadas por minas pela população,
mas apenas possibilitar a passagem de tropas e meios por um período determinado
de tempo, com certo grau de segurança e com a rapidez exigida.
Fazendo parte da Gestão de Qualidade (QM), existe a acreditação que é um
requisito necessário e fundamental para a organização que irá executar as
atividades de DH. A acreditação é uma etapa indispensável e representa que a
organização que irá realizar a DH foi formalmente autorizada pela autoridade
nacional a fazer a limpeza de áreas minadas. Para que isso ocorra, a organização
tem que passar por diversos processos de verificação da sua capacidade de
planejar, administrar e executar as ações de limpeza dos locais contaminados por
5 É uma avaliação do impacto socioeconômico causado pela presença real ou percebida de minas, a
fim de assessorar ao planejamento e priorização dos programas e projetos da ação contra as minas (IMAS 04.10). 6 Refere-se a coleta de novas informações e análises das já existentes sobre as áreas com suspeitas
de conter minas com o intuito de delimitar e dimensionar uma área perigosa e assim definir seu perímetro, sem intervenção física, ou seja, sem o uso de métodos de limpeza (IMAS 04.10). 7 É uma intervenção com elementos de verificação e/ou limpeza, dentro da área perigosa confirmada
ou em parte dela com intuito de confirmar a presença de minas, a fim de determinar a existência de uma ou mais áreas perigosas definidas ou indicar ausência de minas para permitir o descarte de uma área, caso combine com outras evidencias (IMAS 04.10). 8 A QM é composta por três componentes: acreditação, monitoramento e a inspeção das terras após
a limpeza (IMAS 07.40).
18
minas, além da existência de pessoal com conhecimento técnico necessário,
equipamentos adequados, estruturas de apoio e procedimentos operacionais em
conformidade com as normas nacionais previstas ou com as normas internacionais
estabelecidas.
A acreditação de uma organização civil ou militar é formalizada por um acordo
temporário com a autoridade nacional e é sujeito a revisões e atualizações quando
se fizerem necessárias devido às evoluções que possam ocorrer durante a
realização da DH.
No caso da DM, pode-se fazer um paralelo da acreditação existente na DH
com a necessidade de que as tropas que realizam a limpeza de uma área minada
tenham a participação de elementos com conhecimento de engenharia de combate.
Entretanto, não há uma autorização formal da autoridade nacional para que as
tropas militares envolvidas no processo de DM possam realizar as atividades de
limpeza de uma área contaminada por minas.
Em síntese, mesmo as tropas militares de engenharia necessitam ser
acreditadas pela autoridade nacional para que possam trabalhar na DH no país.
O monitoramento9, outro componente da QM, é basicamente um dos
trabalhos mais importantes que os militares brasileiros executam nas diversas
missões de DH e é uma forma de averiguar se as organizações que executam as
atividades de desminagem estão cumprindo com todas as normas preestabelecidas
no acordo de acreditação.
O monitoramento consiste em observações, inspeções e avaliações das
áreas de trabalho, das instalações, dos equipamentos utilizados, das atividades
desenvolvidas, dos procedimentos previstos, e dos registros de documentações. O
monitoramento, em essência, é uma atividade conduzida por ou em nome da
Autoridade Nacional de Ação Contra as Minas10, implicando na observação, registro
e relatórios (IMAS 07.40).
Da mesma forma que na acreditação, pode-se estabelecer também um
paralelo entre o monitoramento da DH e a assessoria técnica que os militares de
engenharia de combate prestam aos militares de infantaria ou outras armas, por
9 Refere-se a observação autorizada por parte de pessoal qualificado dos locais, das atividades ou
processos, sem assumir responsabilidades pelo que observam (IMAS 07.40) 10
Refere-se a entidade governamental , normalmente um comitê interministerial, de cada país afetado por minas, encarregado da regulação, direção e coordenação das ações contra as minas (IMAS 04.10).
19
ocasião da limpeza de áreas minadas na DM. Mantendo-se as devidas diferenças e
proporções, a assessoria técnica dos elementos de engenharia de combate poderia
ser comparada com uma pequena parcela das atividades desenvolvidas pelos
monitores da DH, sem contar com os registros e verificações rígidas de
cumprimentos de normas e acordos.
A inspeção das terras após a limpeza complementa as ações da acreditação
e do monitoramento e proporciona maior confiança de que os objetivos da limpeza
da área foram alcançados (IMAS 07.40). Basicamente a inspeção consiste em
realizar medições, examinar e comparar uma amostra de terreno que foi limpo
durante a DH com parâmetros predeterminados de quantidade de metal existente,
dentro das profundidades estabelecidas nos requisitos de limpeza. Na DM não existe
a previsão de realização de inspeções das terras após a limpeza de uma área
minada, visto que os objetivos da DM são diferentes dos da DH, menos rígidos e de
caráter temporário.
Outro aspecto diferencial entre a DH e a DM é a existência, na primeira, da
necessidade de se determinar uma profundidade segura de minas em uma área
específica, por acordo ou determinação de uma autoridade nacional ou de uma
organização que atua em seu nome. Essa profundidade segura a ser estabelecida
vai depender, em muito, do uso futuro que as terras terão, dos prováveis riscos de
existência de minas em certas camadas abaixo, e de fatores ambientais da área a
ser limpa.
Na DM não existe uma profundidade segura estabelecida nas áreas a serem
limpas. O foco está apenas em possibilitar que os meios passem pela região de
forma rápida e com certo grau de segurança, tendo em vista que normalmente a
área minada tem a previsão de ser batida por fogos inimigos e seu desbordamento
visa canalizar as tropas para locais desfavoráveis.
As formas normalmente mais utilizadas para a detecção11 e posterior limpeza
de áreas minadas são a Técnica de Desminagem Manual (TDM), a Técnica de
Desminagem Canina (TDC) e a Técnica de Desminagem por Equipamentos (TDE).
Todas essas técnicas podem ser empregadas tanto na DH como na DM.
Dependendo da região e de alguns fatores externos, como tipo de minas ou Artefato
11
Refere-se ao descobrimento, por qualquer meio, da presença de minas ou de restos explosivos de
guerra (IMAS 04.10).
20
Explosivo Improvisado (AEI12) empregados, particularidades poderão ser adotadas
nas técnicas citadas anteriormente, quando da realização das atividades de
desminagem.
Como exemplo prático vivenciado pelo autor, pode-se citar que a TDM
utilizada na Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central
(MARMINCA) era diferente da TDM realizada no Grupo de Monitores
Interamericanos na Colômbia (GMI-CO), ou seja, mesmo sendo duas missões de
DH, as características próprias da região e as particularidades das APM e dos AEI
existentes em cada missão fizeram com que alguns procedimentos fossem
adaptados e adotados com o intuito de aumentar o grau de segurança e o
rendimento das atividades.
Enquanto que na MARMINCA cada desminador possuía uma tarefa
específica a realizar (detectorista, sondeador, explosivista) dentro de uma faixa do
terreno e com alternância entre esses, ou seja, um trabalho de equipe constituída,
no GMI-CO, de forma simples, um único militar fazia todas essas funções e era
responsável por todas as tarefas a serem executadas dentro da sua faixa delimitada
em virtude de uma necessidade que foi visualizada que é a observação mais
acurada e constante do terreno a ser limpo.
NA DM, utiliza-se um método de emprego mais próximo em suas
características com o utilizado na MARMINCA, onde equipes de aberturas de
brechas são formadas, tendo militares com funções específicas, diferentemente de
como se atua no GMI-CO.
Independente da técnica a ser utilizada na limpeza de uma área, no caso da
DH, como existe a obrigatoriedade de se realizar o controle de qualidade (QC) antes
da entrega formal das terras, será necessária a realização de uma inspeção na área
que foi limpa utilizando-se normalmente a TDM. Contudo, pode-se utilizar a TDC e a
TDE, desde que seja feito um acordo com a autoridade nacional.
A DH e a DM são altamente dependentes da evolução técnica dos
equipamentos de detecção e dos materiais de segurança utilizados nas atividades
de limpeza das áreas afetadas por minas, assim como da criatividade humana na
fabricação de novos tipos de minas terrestres e artefatos explosivos improvisados.
12
Refere-se a uma arma não convencional elaborada artesanalmente cujo interior contém explosivos e seu emprego vai de acordo com a capacidade terrorista da pessoa que o elabora com o objetivo de destruir, ferir ou matar (Junta Interamericana de Defesa. Manual de Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária).
21
É interessante ressaltar que além da DM e da DH, ainda existe outro tipo de
desminagem que é a informal ou espontânea. A desminagem espontânea ou
Desminagem Informal1 acima (DI)13, segundo as normas internacionais, é
caracterizada pelas atividades autônomas de limpeza de minas e a marcação de
áreas perigosas, normalmente executadas pela população local em resposta ao
perigo representado pelas minas e na maioria das vezes é realizada em caráter
emergencial com o intuito de evitar mais vítimas por minas na região. Esse tipo de
desminagem geralmente não cumpre com as regras estabelecidas e as técnicas
empregadas são de baixa qualidade e eficiência, proporcionando na maioria das
vezes acidentes aos elementos que se dispõem a realizar as atividades de limpeza
da área.
Conforme o caso, a DI normalmente evolui para uma DH, quando se verifica
que os resultados obtidos pela primeira não satisfazem as necessidades de
segurança e confiança da população afetada. Um grande problema da DI é que por
vezes dificulta a realização da DH devido à contaminação do terreno com os metais
resultantes da limpeza causada pela DI, assim como pela desorganização do
posicionamento original das minas e de certa forma da perda na confiabilidade dos
registros dos campos minados, caso existam. Apesar de existir e ser considerada
como um dos tipos de desminagem, não abordaremos maiores detalhes visto que
teremos a atenção voltada para a DH e DM.
13
A Desminagem Informal também é conhecida como Desminagem de Vilas. IMAS 04.10, Glossário de Termos, definições e abreviaturas das atividades relativas às minas. Disponível em: <http://www.mineactionstandards.org/international-standards/imas-in-spanish/list-of-imas/>. Acesso em: 3 maio 2013.
22
3 HISTÓRICO DAS ATIVIDADES RELATIVAS ÀS MINAS
A primeira resposta da sociedade mundial contra o emprego das minas
terrestres pode ser considerada como datada de 1988, quando a ONU solicitou
recursos financeiros para a realização de atividades de desminagem no Emirado
Islâmico do Afeganistão.
Desde então, diversos países passaram a estabelecer seus próprios
programas nacionais de ação contra as minas e alguns organismos internacionais
como a OEA e a ONU implementaram diversos esforços para formalizar as normas e
regras que visavam a aumentar a segurança dos trabalhos desenvolvidos nos
campos minados e áreas afetadas por minas terrestres.
Pode-se dizer que as atividades relativas às minas terrestres possuem três
etapas ou fases bem distintas: de 1988 até 1994, fase evolutiva e de
conscientização mundial para o problema representado pelas minas terrestres; de
1995 até 1998, normativa e de consolidação dos procedimentos adotados nas
diversas atuações contra as minas; e de 1999 em diante, fase atual onde os
esforços estão concentrados no não uso e fabricação das minas e na minimização
dos seus efeitos colaterais.
3.1 FASE EVOLUTIVA E DE CONSCIENTIZAÇÃO MUNDIAL
Nessa primeira fase, de 1988 até 1994, e particularmente no Afeganistão, a
intenção era de distinguir muito bem as ações da desminagem humanitária das
atividades militares, ou seja, da desminagem militar. Tal fato ocorreu porque o país
não possuía um exército com capacidade de enfrentar o desafio de limpar seu
território das minas terrestres e a solução encontrada foi a busca de recursos
internacionais e tropas militares de outros países dispostas a apoiarem o esforço
humanitário da ONU, com o propósito não somente de destruir as minas existentes,
mas também de realizar uma campanha informativa com a comunidade local sobre
os riscos que as minas antipessoal representavam.
A partir desse momento, pode-se dizer que houve pela primeira vez o uso do
termo desminagem humanitária por meio de campanhas que visavam não somente
a destruição das minas pelas tropas locais e estrangeiras, mas também informar e
23
divulgar conhecimentos a respeito dos perigos e efeitos que estas representavam
em virtude do grande número de vítimas civis por minas que o país possuía.
Esses fatos levaram ao aparecimento de diversas ONG voltadas para as
atividades de desminagem humanitária. Pode-se citar a HALO Trust (Hazardous
Area Life-Support Organisation) surgida em 1988, e que atualmente tem atividades
sendo desenvolvidas em catorze países. Dentre esses países está a República da
Colômbia, tendo em vista que o governo desse país autorizou em dezembro de 2010
a participação de organizações civis nas atividades de DH em seu território. A HALO
está realizando levantamentos de dados das áreas minadas e envolvida no processo
de acreditação para que possa ter os requisitos necessários para atuar nas
atividades de DH na Colômbia, segundo informações constantes no site
www.halotrust.org. É importante ressaltar que o Grupo de Monitores Interamericanos
na Colômbia (GMI-CO), atualmente composto somente por militares brasileiros,
participará desse processo de avaliação das capacidades da HALO em realizar a
desminagem humanitária em território colombiano, em conformidade com as normas
nacionais e internacionais estabelecidas.
Outra ONG, a qual se pode citar, é a MAG (Mines Advisory Group) que surgiu
em 1989, e que hoje em dia atua em quinze países, tendo seu principal esforço
concentrado no Continente Africano. Essa ONG também atuou em território
colombiano realizando atividades de educação de risco de minas e enlace
comunitário entre os anos de 2009 e 2012, segundo www.maginternational.org.
Essas participações de ONG nas atividades de desminagem humanitária
correspondem a uma tendência mundial e uma das respostas que a comunidade
internacional tenta dar ao problema das APM. O fato importante a se destacar é que
para a atuação dessas organizações faz-se necessário que exista uma acreditação
para tal, e nesse tema, em particular, militares brasileiros já possuem conhecimentos
suficientes e consolidados para participarem nesse processo, quer por solicitação do
país afetado pelas minas ou por um organismo internacional como a ONU ou OEA.
A partir dos anos noventa, surgem os programas de desminagem humanitária
no Reino do Camboja e na República do Iraque e posteriormente tem o início da
Campanha Internacional pelo Banimento das Minas Terrestres (International
Campaign to Ban Landmines – ICBL) em 1992.
Cabe ressaltar que neste período iniciava-se também o programa de DH da
Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central (MARMINCA),
24
com destacado apoio do Brasil ao enviar militares da Marinha e do Exército para
participarem como supervisores e instrutores dos primeiros pelotões de
desminadores da República da Nicarágua e da República de Honduras.
3.2 FASE NORMATIVA E DE CONSOLIDAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
Esse período da segunda fase, de 1995 até 1998, foi marcado pelo grande
número de acertos e de alguns equívocos dos programas desenvolvidos e pela
incansável busca por melhores métodos e formas de execução das atividades de
desminagem e de gerenciamento dos programas, além da padronização e
formalização dos procedimentos com o intuito de se aumentar o grau de segurança
na realização das arriscadas ações dentro das áreas minadas.
Os programas de DH eram alvos de inúmeras críticas, principalmente devido
à suposta lentidão nas atividades desenvolvidas e aos objetivos definidos a serem
cumpridos. Os parâmetros utilizados para o acompanhamento do rendimento do
processo de DH eram o número de minas destruídas e a área limpa em metros
quadrados. Tais parâmetros eram inadequados para a DH e tal fato era
consequência de um desconhecimento e até mesmo falta de experiência, por parte
dos responsáveis pelos financiamentos dos programas, sobre as dificuldades afetas
as atividades realizadas na DH, em que a prioridade era a certeza de se entregar
uma área totalmente limpa e sem riscos à população em detrimento a velocidade
das ações desenvolvidas.
Em síntese, o número de minas destruídas ou neutralizadas era o maior
estímulo para a continuidade da disponibilidade de recursos pelos países que
financiavam as atividades.
Quando um determinado programa de DH passava a destruir ou a encontrar
pouca quantidade de minas em uma determinada região, independente do tamanho
da área que tinha sido limpa e do impacto sócio econômico causado para as
comunidades próximas, os países que financiavam essas atividades perdiam um
pouco o interesse em continuar apoiando o programa nesse local e por vezes
cobravam resultados dos chefes de missão de DH ou das tropas envolvidas nas
operações de desminagem. Na verdade, existia uma necessidade de se encontrar
um número considerável de minas para se justificar o esforço econômico investido
no programa, visto que a comunidade internacional possuía uma grande
25
preocupação com a quantidade de vítimas e isso era associado naturalmente e
diretamente ao número de minas destruídas ou encontradas.
Ao se notar tais situações divergentes de entendimentos e preocupações
entre a parte executante das atividades e a parcela financiadora dos programas,
foram propostos outros parâmetros a serem observados, levando-se em
consideração a experiência dos que vivenciavam os diversos fatores que
influenciavam no desenvolvimento das ações. A partir disso, passou-se a considerar
também a quantidade de material metálico encontrado, pois para cada metal era
despendido o mesmo tempo em procedimentos de averiguações que para uma mina
encontrada. Tal proposta foi entendida e aceita pelas partes envolvidas no processo.
Posteriormente, tal conceito foi sofrendo novas interpretações, pois se passou
a dar maior importância ao tamanho da área limpa e ao impacto para as
comunidades assistidas pelo programa de DH, independente do número de minas
ou objetos metálicos encontrados. Isto porque se verificou que a presença de um
pequeno número de minas ou até mesmo a dúvida da existência de uma única mina,
poderia causar um temor tal na comunidade local que interferisse negativamente nas
atividades socioeconômicas da região afetada.
Atualmente, não se analisa somente um parâmetro isolado, mas sim todos em
conjunto para que se tenha uma ideia clara e transparente do desenvolvimento das
atividades realizadas, levando-se então em consideração o número de objetivos
concluídos, a quantidade de minas destruídas ou objetos metálicos localizados, o
impacto sócio econômico causado pelas minas na comunidade local, e a área limpa
em metros quadrados.
Para se chegar a tal ponto de entendimento e interpretação dos parâmetros a
serem considerados num programa de desminagem humanitária, pode-se afirmar
que o posicionamento dos militares brasileiros e estrangeiros que participavam das
atividades desenvolvidas na América Central compondo os quadros da Missão de
Assistência para a Remoção de Minas na América Central (MARMINCA) foi
importante e levado em consideração, visto que essa missão da JID usufruía a
época de prestígio pelos resultados positivos alcançados.
Com o intuito de se alcançar o conceito de valores do que é mais importante
na realização de um programa de DH, foram necessárias muitas análises de êxitos e
fracassos dos diversos programas em andamento e os já finalizados. A partir desses
estudos e análises, verificou-se a necessidade de alguma base comum de
26
conhecimentos e experiências que orientasse as atividades a serem desenvolvidas.
Dessa necessidade surgiram as Normas Internacionais de Ação contra as Minas
(IMAS) que servem como diretrizes orientadas aos governos nacionais, aos centros
de ações contra as minas e as organizações de desminagem.
Em síntese, as IMAS constituem um farol para a formulação das normas
nacionais para a ação contra as minas e para os manuais de procedimentos
operativos das organizações de desminagem, buscando-se padronizar numa visão
macro os diversos procedimentos a serem adotados e em consequência incrementar
o nível de segurança para todos os envolvidos nas atividades de DH.
3.3 FASE ATUAL
Na terceira e atual fase, de 1999 em diante, principalmente como
consequência da convenção sobre a proibição do uso, armazenamento, produção e
transferência de minas antipessoal e sobre sua destruição, mais conhecida
mundialmente por Convenção de Ottawa, os diversos programas de DH passaram a
apoiar também a destruição de arsenais de minas, prestar melhores assistências às
vítimas por minas, além de dar continuidade às operações de limpeza de áreas
minadas que já vinham sendo desenvolvidas.
As duas missões de DH mais recentes da JID, Missão de Assistência para a
Remoção de Minas na América do Sul (MARMINAS) e a Missão de Assistência na
Colômbia denominada de Grupo de Monitores Interamericanos (GMI-CO), tiveram o
início de suas atividades durante essa fase e sofreram forte influência dos debates
internacionais sobre a Convenção de Ottawa, além de terem recebido também
muitas informações e conhecimentos advindos das experiências acumuladas dos
anos de existência consagrada da MARMINCA. A importância e o reconhecimento
da experiência proporcionada pelos integrantes da MARMINCA ficam evidenciados
no Manual de Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária da Junta
Interamericana de Defesa (2011, p.1-2)14:
Devido ao seu grande tempo de existência, a Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central (MARMINCA), foi a que mais há contribuído com o desenvolvimento de uma doutrina sobre a Desminagem Humanitária por ter levado vários anos de experiência no desenvolvimento das técnicas de desminagem.
14
Aprovado pela Resolução NR 01/11, de 08 de agosto de 2011, da Junta Interamericana de Defesa.
Original em espanhol, traduzido pelo autor.
27
Segundo informações do Monitor de Minas Terrestres 201215, o emprego das
minas terrestres pelos governos dos Estados sofreu uma grande e significativa
redução, visto que em 2011 apenas quatro países (Estado de Israel, Grande
República Socialista Popular Árabe da Líbia, União de Mianmar e República Árabe
da Síria) fizeram uso de minas terrestres em seus conflitos, e em 2012 somente um
país (República Árabe da Síria).
Esses resultados altamente positivos são consequências das influencias da
Convenção de Ottawa e de uma aversão da comunidade internacional ao uso das
minas terrestres nos conflitos da atualidade. Contudo, a diminuição no uso das APM
pelos governos dos Estados não implica necessariamente no término do emprego
desse tipo de artefato, visto que pela facilidade de manuseio aliado aos baixos
custos envolvidos e a confiabilidade dos resultados obtidos induzem ao uso das
minas terrestres antipessoal por parte de grupos irregulares.
No mundo, atualmente, 161 países fazem parte da convenção, ou seja, mais
de 80% de todos os países estão comprometidos com a proibição das minas
terrestres antipessoal e existe uma forte tendência para que tal percentagem
aumente, visto que as campanhas a favor do entendimento global de que as APM
devem ser banidas e que seu emprego significa um atraso para todos os envolvidos.
Pode-se visualizar no mapa a seguir a situação atual dos países que fazem
ou não parte da Convenção de Ottawa. É interessante destacar a pequena
quantidade de países que não aderiram à convenção.
Observa-se que estão marcados na cor verde escuro todos os países que já
ratificaram ou aderiram à convenção, na cor branca os que ainda não são
signatários. Na cor verde claro nota-se que a República das Ilhas Marshall é um país
que está em vias de realizar a assinatura a favor da convenção. Quanto à Polônia,
este país assinou e ratificou a referida convenção em 27 de dezembro de 2012, e
assim, a partir de 1º de junho de 2013 passou a referida convenção a vigorar no
país, conforme informações acessadas em 20 de julho de 2013 no site
http://www.apminebanconvention.org/states-parties-to-the-convention/poland/.
15
O Monitor de Minas Terrestres é um ramo de investigação da Campanha Internacional para a Proibição de Minas Terrestres – International Campaign to Ban Landmines (ICBL). O ICBL foi premiado em 1997 com o Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho na erradicação das Minas Terrestres. O Monitor é coordenado por cinco organizações não governamentais: Mines Action Canada, Action on Armed Violence, Handicap International, Human Rights Watch, y Norwegian People’s Aid.
28
Sendo assim, pode-se considerar a Polônia como na cor verde escuro. Quanto à
situação das Ilhas Marshall, o país já assinou a convenção, porém, ainda não a
ratificou, devendo permanecer na cor verde claro.
Mapa 1: Situação do tratado de proibição de minas
Fonte: http://www.the-monitor.org
Apesar do sucesso até então da convenção, ainda existe no mundo um
legado extremamente negativo de países que possuem regiões afetadas por minas
em consequência de conflitos antigos e do uso de minas e de AEI por forças
irregulares ou grupos terroristas, conforme pode ser visualizado no mapa a seguir.
Na cor marrom aparecem os países que possuem uma área afetada por minas maior
que 100Km2 (contaminação muito pesada); em vermelho os que tem uma área
afetada entre 10 e 100Km2 (contaminação pesada), na cor laranja os países com
uma área afetada por minas entre 1 e 10Km2 (contaminação média); em amarelo os
países com uma área contaminada menor que 1 Km2 (contaminação baixa); na cor
verde os países com contaminação residual ou suspeita; e em branco os países com
nenhuma evidência da existência de áreas minadas. Os dados foram coletados a
partir de outubro de 2012.
29
Mapa 2: Contaminação por minas a partir de outubro de 2012
Fonte: http://www.the-monitor.org
Dos cinco países da América do Sul que apresentam contaminação por minas
terrestres em seu território (República Bolivariana da Venezuela, República do Chile,
República da Colômbia, República do Equador e República do Peru) três estão
atualmente realizando trabalhos de desminagem com a participação de militares
brasileiros que integram o GMI-CO (Colômbia) e MARMINAS (Equador e Peru),
missões de DH da JID e OEA.
No Continente Africano existem vinte e três países com algum tipo de
contaminação por minas terrestres, sendo dois de língua portuguesa, República de
Moçambique e República de Angola, tendo esse último país recebido o apoio do
Brasil nas atividades de DH por meio da missão da UNAVEM III - United Nations
Angola Verification Mission.
Nota-se que apesar da redução do uso das APM, ainda existe um vasto
campo de atuação para as missões de DH e que nesse sentido, a participação de
militares brasileiros pode vir a ser requisitada por algum organismo internacionai ou
até mesmo pelo governo de um país, principalmente pela experiência adquirida ao
30
longo de anos de atuação nesse tema, como também pela demonstração de
interesses do Brasil em apoiar tais atividades no seu entorno estratégico na América
do Sul e no Continente Africano.
Segundo Mark Hiznay, editor do informe do Monitor de Minas Terrestres de
2012, foram registradas 4.286 novas vítimas de minas terrestres no ano de 2011, ou
aproximadamente doze vítimas diárias contra as 32 vítimas diárias registradas no
ano de 2001. Nesses quinze anos de existência da Convenção de Ottawa, pode-se
constatar que houve uma redução considerável no número de vítimas por minas
terrestres, entretanto, muito ainda há para se fazer.
É importante ressaltar que alguns grupos irregulares, não estatais, ainda
usam em larga escala as APM e os AEI em suas formas de atuação, como por
exemplo, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Esse fato
constitui-se no grande desafio a ser enfrentado, visto que no informe do Monitor de
Minas Terrestres de 2012 seis países apontaram possuir tal situação, ou seja, quatro
países a mais que no informe de 2011. Tal informação indica que existe uma
tendência de aumento do uso de minas terrestres ou AEI por grupos irregulares.
Existe também outra preocupação envolvida com o continuo número de
solicitações de prorrogação nas atividades de desminagem pelos Estados Parte da
Convenção de Ottawa. Segundo informações do Monitor de Minas Terrestres 2012,
dos 45 Estados com pendências em suas obrigações, pelo menos, 27 deles
lograram uma prorrogação nos prazos de finalização da limpeza de áreas minadas
ou destruição de arsenais de APM. Isso implica em pelo menos mais uma década de
trabalhos de DH por esses países e em consequência muitos programas de DH
deverão ainda surgir com o intuito de se resolver o problema das APM.
Em muitos países existe também a grave situação dos refugiados por minas,
que são populações de determinada região forçadas a saírem de seus lares devido
ao risco representado pelas APM e AEI. Segundo o Monitor de minas e refugiados16,
no território colombiano em 2013, cerca de 40 mil pessoas tentaram voltar para suas
terras, sendo que 70% não lograram sucesso, pois foram impedidas devido à
presença de minas e outros artefatos explosivos em suas comunidades. Esse é
também um dos novos desafios relacionado com as APM que a comunidade
16
Refere-se ao artigo publicado no Monitor - Landmines and Refugees: The Risks and the
Responsibilities to Protect and Assist Victims.
31
internacional enfrentará, pois a tendência natural da realização dos programas de
DH é proporcionar o retorno de pessoas para suas terras e tal fato, por vezes, não
será possível em virtude das condições de segurança local.
Nessa terceira fase, observa-se um foco no controle e acompanhamento dos
registros de ocorrências de vítimas e nos resultados obtidos nos diversos programas
de DH que estão sendo desenvolvidos. Tal constatação é mais facilmente notada a
partir do momento em que, independente da região onde os programas estão
ocorrendo, as normas nacionais utilizadas seguem sempre um padrão de referência
que são as IMAS e com isso as informações e as interpretações dos dados são
facilitados e interpretados de uma mesma maneira.
32
4 PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NAS MISSÕES DE DESMINAGEM
HUMANITÁRIA
A participação brasileira nos programas de ação contra as minas antipessoal
tem como base a contribuição de assessoria técnica especializada prestada pelos
militares da Marinha do Brasil, particularmente do Corpo de Fuzileiros Navais, e do
Exército Brasileiro às atividades de DH desenvolvidas nos países afetados por
contaminação por minas.
Historicamente, a participação brasileira pode ser dividida em dois ramos de
atuação devido aos organismos internacionais responsáveis pela solicitação do
apoio a ser prestado pelo Brasil. Um ramo, sob a égide da ONU, quando ocorreu a
UNAVEM III - United Nations Angola Verification Mission, e o outro sob a
coordenação da OEA. Este último proporcionou uma presença mais destacada e
duradoura do Brasil como país contribuinte17, quando da ocorrência de três missões
de DH: Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América Central
(MARMINCA), Missão de Assistência para a Remoção de Minas na América do Sul
(MARMINAS), e Missão de Assistência na Colômbia denominada de Grupo de
Monitores Interamericanos (GMI-CO). Convém ressaltar que tais missões contaram
e ainda contam com a participação de militares de outros países do continente
americano, contudo, a presença brasileira é constante e sempre com maior número
de militares participantes.
A participação brasileira nas missões de DH teve seu começo por intermédio
do programa desenvolvido inicialmente na República da Nicarágua e que
posteriormente contemplou outros países da América Central. Segundo o Manual de
Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária da Junta Interamericana
de Defesa (JID), os trabalhos de DH na Nicarágua tiveram seu início em 06 de
outubro de 1992, data de criação da MARMINCA. A conclusão desses trabalhos
ocorreu em 2010 e proporcionou, junto a comunidade internacional, a declaração da
América Central como uma região “livre de minas”18, tendo em vista que, os países
17
Referência a um Estado membro da OEA que contribui para o Programa de Ação Integral Contra as Minas Antipessoal da OEA com pessoal técnico, assessores, monitores e instrutores (Junta Interamericana de Defesa. Manual de Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária). 18
O termo é aplicado a uma área que tenha sido certificada como limpa de minas a uma profundidade determinada. Também é aplicado a um país ou uma área que não possui problema de contaminação de minas (IMAS 04.10).
33
beneficiários19 do programa de ação contra as minas, quais sejam: República da
Costa Rica (1996-2002), República de Guatemala (1997-2005), República de
Honduras (1995-2004) e República da Nicarágua (1992-2010) lograram limpar todas
as áreas contaminadas por minas e artefatos explosivos não detonados em seus
territórios, segundo CASE por meio da Resolução 2630 de 07 de junho de 2011, da
Assembleia Geral da OEA.
A MARMINCA, por ter sido uma missão que levou praticamente dezoito anos
para cumprir com seus objetivos e também por ter sido pioneira no continente, serviu
como um instrumento de desenvolvimento de técnicas e procedimentos
operacionais, além de base para as normas internacionais sobre DH. Muitas das
atuais IMAS foram decorrências das experiências vividas pelos militares brasileiros e
estrangeiros que registraram e criaram as então “tablas de chequeo”20 que eram os
únicos documentos disponíveis na época e contemplavam as regras básicas de
condutas a serem observadas e as experiências da atuação dos desminadores21 nos
campos minados da América Central, particularmente no início, nas Repúblicas de
Honduras e da Nicarágua.
Nesse período inicial da missão, os militares brasileiros, colombianos,
salvadorenhos e venezuelanos, juntamente com os militares dos países beneficiados
pelo programa, criaram a cada dia mecanismos que buscavam assegurar melhores
condições de segurança nas atividades desenvolvidas nas áreas minadas e toda
experiência nova vivenciada era registrada como um caso técnico em que os
militares da missão tinham que elaborar seus pareceres e suas interpretações sobre
o assunto. Esses casos ficavam registrados formalmente e eram encaminhados para
a JID e também transmitidos para os novos integrantes da missão, os quais
chegavam normalmente a cada período de um ano.
Foi uma etapa de acertos e erros que contribuíram para a consolidação de
regras e procedimentos operacionais que versavam sobre os seguintes temas:
19
Refere-se ao Estado membro da OEA, representado por seu governo que tenha solicitado assistência técnica e cooperação para o Plano Nacional de Ação Integral Contra as Minas Antipessoal (JID - Manual de Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária). 20
Refere-se a seis Listas de Checagem de procedimentos que foram confeccionadas pelos integrantes da MARMINCA em 1993, a partir dos conhecimentos e experiências dos militares que iniciaram os trabalhos de DH na América Central, onde se levava em consideração as características particulares dos campos minados existentes na Nicarágua e Honduras. 21
Pessoa qualificada para ser empregada nas atividades de DH, numa área de trabalho de desminagem. Refere-se ao pessoal, previsto pelo país beneficiário, para a remoção das APM e outros artefatos explosivos (JID - Manual de Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária).
34
primeiros socorros, os cuidados com a saúde dos militares, redes de comunicações
básicas, evacuação aeromédica, equipamentos básicos de segurança, demarcação
de campos minados, sinalização, construção de heliportos, estabelecimentos de
áreas de segurança, rotina de substituição de desminadores, distâncias mínimas
entre os militares durante a execução das atividades dentro da área minada,
procedimentos a serem adotados antes do acionamento de cargas, uso correto do
detector e sua calibração no terreno, estabelecimento de um tempo máximo para a
cadeia de evacuação entre o local das operações e o hospital determinado para
recebimento de feridos, tarefas para cada elemento integrante da equipe ou pelotão
de desminagem (comandante de pelotão, chefe de equipe, operador do detector e
seu substituto, encarregado da sonda e seu substituto, e encarregado dos
acionamentos), procedimentos quando da existência de falhas no detector ou no
acionamento de cargas, medidas a serem adotadas quando da descoberta de uma
mina ou material metálico, e procedimentos a serem observados em situações de se
encontrar cadáveres humanos ou material de guerra (armamentos, mochilas,
munições, uniformes militares e outros).
Em resumo, tudo que ocorria dentro de uma área minada era registrado e só
era iniciado o trabalho do dia com a autorização do supervisor internacional (função
exercida pelos brasileiros e estrangeiros ao país beneficiado) após verificações de
todas as condições favoráveis de tempo, comunicações e a cadeia de evacuação
pronta.
Essa situação perdurou até o ano de 2002, quando a JID e a OEA decidiram
realizar uma alteração na denominação da função exercida pelos militares brasileiros
e estrangeiros ao país beneficiado pelo programa e em consequência nas suas
tarefas. A função de supervisor foi substituída pela função de monitor
interamericano. Com isso alterou-se também a obrigatoriedade da presença do
então supervisor para a realização dos trabalhos de DH, visto que a partir do
surgimento do monitor, ficou estabelecida certa flexibilidade para a realização das
atividades sem a presença deste.
Atualmente, duas missões de DH seguem com seus trabalhos em atividade,
particularmente na América do Sul, sendo gerenciadas pela OEA e pela JID:
MARMINAS, na fronteira entre a República do Peru e a República do Equador e com
data de criação em 01 de maio de 2003, e o GMI-CO criado em 01 de março de
2006.
35
Apesar das dificuldades financeiras encontradas nesses dois programas de
DH, citados anteriormente, os trabalhos de desminagem seguem sendo
desenvolvidos e com resultados satisfatórios.
A MARMINAS, que está completando dez anos de excelentes trabalhos na
desminagem da fronteira entre o Equador e o Peru, é chefiada por um oficial
brasileiro do CFN e conta com outros cinco militares, sendo três brasileiros e dois
chilenos. Existe a previsão de que os trabalhos de DH no Equador sejam finalizados
em 2017, segundo Boletim de Monitores de MARMINAS JUN 2013, disponível em
<http://www.jid.org/secretaria/desminado-humanitario>.
O GMI-CO, que possui sete anos de trabalhos de DH em todo o território
colombiano, é hoje chefiado por um oficial do CFN e conta com três monitores, todos
do Brasil.
Nota-se que a presença brasileira nas missões de DH, desenvolvidas nos
dias atuais na América do Sul, é destacada e um reflexo da tradição política
brasileira em sempre apoiar os programas de desminagem da JID/OEA.
Em virtude das dificuldades em aportes financeiros para os programas de DH,
a OEA vem reduzindo o número de monitores solicitados à JID para participarem
das missões, e como solução vem empregando pessoal civil em substituição aos
monitores militares. Tal fato pode ser considerado lamentável e preocupante, pois
diminui a participação da JID no processo de apoio técnico aos programas.
Nas missões de DH observa-se, atualmente, a participação de somente dois
países contribuintes com o apoio de assessoria técnica, Brasil e Chile.
Segundo Valdemar Carneiro Leão, Embaixador do Brasil na Colômbia em
2010, as forças armadas brasileiras, por meio das diversas atuações nos programas
de DH, são um exemplo de contribuição para a política externa brasileira,
particularmente quanto à solidariedade entre os povos (GMI-CO, 2011)22.
Pode-se ressaltar que a participação dos militares brasileiros nas missões de
DH, sob a égide da OEA e da JID, completará em outubro de 2013 vinte e um anos
de ininterrupta troca de experiências e de trabalhos bem executados em diversos
países que foram beneficiados com os programas de DH, particularmente os da
América Central por meio da MARMINCA, e os da América do Sul por meio da
MARMINAS e do GMI-CO.
22
Refere-se à Revista GMI-CO, edição comemorativa aos cinco anos do Grupo de Monitores
Interamericanos na Colômbia.
36
No mapa a seguir, pode-se observar que toda a região sinalizada na cor
verde na América Central corresponde aos trabalhos desenvolvidos pelos militares
que participaram da MARMINCA e que lograram conquistar o marco histórico do
primeiro programa de desminagem que resultou num sucesso único de ter quatro
países que se declararam livres de ameaças de minas terrestres. Assim como na
América do Sul, temos sinalizadas na cor laranja as duas missões em andamento
atualmente, GMI-CO (Colômbia) e MARMINAS (Equador e Peru) com presença de
militares brasileiros como assessores técnicos (chefes de missão e monitores).
Mapa 3: Progresso nos esforços de desminagem
Fonte: http://www.the-monitor.org
37
5 VALIDADE DA DESMINAGEM HUMANITÁRIA
Com o intuito de congregar as ideias e opiniões de diversos militares
brasileiros que tiveram o privilégio de participar de alguma missão de desminagem
humanitária, foi confeccionado um questionário contendo seis perguntas e solicitada
a colaboração destes militares. Foram consultados 43 militares pertencentes à
Marinha do Brasil e ao Exército Brasileiro que trabalharam na MARMINCA,
MARMINAS e GMI-CO, em épocas distintas e exercendo funções diferentes.
As perguntas realizadas foram as seguintes: a experiência adquirida nas
missões de Desminagem Humanitária (DH) é válida para a Desminagem Militar (DM)
e para as Forças Armadas do Brasil (MB e EB)? Quais foram as experiências que o
senhor adquiriu nas missões de DH? Cite as duas principais experiências. Qual a
missão de DH que o senhor participou? Em que ano e país? Qual função o senhor
exerceu efetivamente? Quais influências o senhor acredita que as participações de
militares brasileiros nas missões de DH trouxeram para as Forças Armadas
brasileiras e para o Brasil? Como exemplo: criação de cursos e de organizações
militares no brasil. Qual a principal contribuição que os militares brasileiros prestam
(prestaram) para os países beneficiários?
Pode-se verificar que houve a intenção de identificar o período e local onde
cada militar executou suas tarefas nas missões de DH, assim como as funções
exercidas. Isto porque alguns militares exerceram funções de chefe de missão, de
supervisores, de monitores e de oficiais de estado-maior, além de terem atuado em
países distintos, como Costa Rica, Guatemala, Honduras e Nicarágua (MARMINCA),
Equador e Peru (MARMINAS), e Colômbia (GMI-CO).
As funções exercidas pelos militares brasileiros sofreram alterações ao longo
desses vinte e um anos de contribuição do Brasil aos países que se viam afetados
pelas APM. Na década de noventa, as principais tarefas executadas eram as de
chefe de missão, supervisor internacional, instrutor, e oficial de estado-maior. Nesse
período as atividades desenvolvidas pelos militares estavam mais afetas a sua
presença no terreno, ou seja, os militares passavam a maior parte do tempo
exercendo suas tarefas nas áreas dos campos minados. Isso porque as operações
de DH só podiam ocorrer com a presença física do supervisor internacional no local
da desminagem. Esta obrigatoriedade foi retirada a partir da substituição da função
38
de supervisor pela de Monitor Interamericano (MI)23, onde passou a ser permitida
aos militares brasileiros apenas a ida esporádica às áreas minadas para a realização
de inspeções, verificação das condições de materiais e equipamentos utilizados, e
checagem do correto preenchimento dos registros das ocorrências e o cumprimento
às normas internacionais ou nacionais quando aprovadas.
Com isso, a função de supervisor então passou a ser exercida por um militar
do país beneficiário e a ser chamada de supervisor nacional. Devido a essas
alterações as atividades dos militares do Brasil passaram a ter maior enfoque na
formação de novos desminadores, nos treinamentos, na instrução, na participação
nos processos de acreditação das organizações de DH, no controle de qualidade
das operações e na assistência técnica ao programa de ação contra as minas, em
sua maior parte do tempo por meio de acompanhamentos a partir dos escritórios das
sedes das missões de DH e idas esporádicas ao terreno.
Independente das alterações ocorridas ao longo do tempo foi possível
identificar nas respostas dos militares brasileiros os seguintes pontos importantes
que serão a seguir descritos.
A participação nas missões de DH confere uma experiência única a partir do
momento em que se caminha dentro de uma área minada real, onde se torna
possível verificar as dificuldades e os perigos em se localizar e destruir as APM
utilizando as técnicas de DH, além de se constatar pessoalmente que os métodos de
detecção e os equipamentos utilizados funcionam e são eficazes. Essa vivência
prática proporciona maior confiança e conhecimento aos militares no tocante a
desminagem como um todo e certamente podem vir a contribuir para o emprego de
nossas tropas em aberturas de passagens em campos minados numa possível DM.
Em alguns casos, houve o aprendizado de técnicas novas, como a
desminagem em áreas próximas às torres de alta tensão e pilares de pontes, além
do uso de cães na detecção das minas e AEI. Tais situações inusitadas
proporcionaram conhecimentos advindos de uma prática in locu que nenhum
treinamento ou adestramento, por mais perfeito que seja, não conseguirá produzir as
mesmas características vivenciadas.
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Refere-se ao militar designado por um país contribuinte, integrante da JID, para conformar os quadros de pessoal de uma missão de assistência e desenvolver as atividades de monitoramento em DH (Junta Interamericana de Defesa. Manual de Procedimentos Operativos para a Desminagem Humanitária).
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Citou-se também que a criação de uma massa crítica entre os militares que
participam das missões serve como vetor de conhecimentos e também de estímulo
para os demais militares, proporcionando um incremento nos adestramentos nas
Unidades de Engenharia, um maior número de exemplos e casos reais vivenciados,
facilitando a tarefa de instrução dos assuntos relacionados com minas terrestres e
uma consequente melhoria nos cursos e estágios desenvolvidos.
Houve também um aprofundamento, por parte dos militares brasileiros, no
conhecimento das normas internacionais (IMAS) que regem o assunto em tela.
Ressalta-se também o reflexo positivo provocado nos adestramentos relacionados
com minas terrestres, devido às compras de equipamentos modernos e, ainda, no
estado da arte para a correta preparação dos militares indicados e selecionados
para as missões de DH, assim como o ganho doutrinário devido a razoável
semelhança entre as técnicas e particularidades da desminagem militar e
humanitária.
A experiência adquirida e proporcionada gerou a implantação do Curso
Especial de Desminagem Humanitária da Escola de Operações de Paz, no Centro
de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC) do Corpo de Fuzileiros Navais,
porém, este curso foi posteriormente extinto devido à criação, no Centro Conjunto de
Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) em 2010, de um curso similar, onde as
experiências dos militares da MB e do EB que participaram de missões de DH foram
e estão sendo fundamentais para a estruturação, condução e atualização dos
conteúdos ministrados.
A participação dos militares brasileiros também contribui para proporcionar
um respaldo internacional de que as atividades operacionais realizadas estão sendo
cumpridas de forma correta e conforme as normas internacionais estabelecidas
quanto à DH, além de propiciar uma transparência das atividades para os países
que financiam as missões.
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6 CONCLUSÃO
O esforço da comunidade internacional em dar uma resposta aos problemas
causados pelo uso indiscriminado das minas terrestres antipessoal pelos diversos
países e por grupos irregulares, tanto no passado quando nos dias atuais, fica
evidenciado por meio dos programas de desminagem humanitária desenvolvidos
pelas campanhas mundiais contra a fabricação e o uso desses artefatos, pelo
estabelecimento e posterior aceitação, quase que por todos os países, dos
compromissos listados na Convenção de Ottawa, e pelas ações integrais contra as
minas terrestres antipessoal em todos os continentes. Entretanto, apesar de tudo
que tem sido realizado e o relativo sucesso na redução do número de governos de
Estado que ainda usam as minas terrestres, os resquícios de mais de nove décadas
de emprego irrestrito desses artefatos de guerra permanecem presentes e cobrando
muitas vítimas inocentes.
Atualmente, ainda existem registros do emprego das minas terrestres
antipessoal em alguns países. O pior desse fato é a constatação de que há uma
tendência no aumento do uso de minas e artefatos explosivos improvisados por
grupos irregulares que não seguem qualquer regra ou padrão de utilização. Dessa
forma, pode-se afirmar que os problemas com as minas terrestres antipessoal estão
longe de serem considerados solucionados. Serão necessárias décadas de
trabalhos voltados com a execução de missões de desminagem humanitária com o
intuito de minimizar os perigos e os sofrimentos proporcionados pelas minas
terrestres.
As forças armadas brasileiras, particularmente a Marinha do Brasil e o
Exército Brasileiro, possuem militares com experiência comprovada nas atividades
de desminagem humanitária. São 21 anos de uma participação ininterrupta e
destacada de militares nas missões de DH da OEA/JID. O apoio do Brasil às
missões de DH contribuiu e ainda contribui para a redução do número de vítimas por
minas em pelo menos oito países (Angola, Colômbia, Costa Rica, Equador,
Guatemala, Honduras, Nicarágua e Peru). Esse apoio contribuiu para a declaração
da América Central como região “livre de minas”, fortalecendo a imagem do Brasil no
cenário internacional como um país contrário ao uso de minas terrestres e como o
maior fornecedor de assessores técnicos para as missões de DH na América Central
e América do Sul. Praticamente foi estabelecido um legado de que os militares
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brasileiros possuem uma reconhecida capacidade técnica nos assuntos afetos à DH,
visto que a experiência adquirida na participação das atividades desenvolvidas nos
campos e áreas minadas, no acompanhamento de perto da evolução das técnicas
de detecção e dos equipamentos empregados, além das contribuições e estudos
das normas internacionais relacionadas com o tema minas terrestres, sedimentaram
uma massa crítica de conhecimentos que conduz o Brasil a poder ser considerado
um destacado país a ter condições em apoiar e até mesmo organizar missões de DH
em países do seu entorno estratégico, particularmente nos Continentes Americano e
Africano. Ressaltando que esse apoio pode ser por meio de assessoria técnica,
fornecimento de observadores ou monitores e também pelo envio de tropas
capacitadas.
A capacidade técnica dos militares brasileiros nos assuntos relacionados com
as minas terrestres aliada a experiência adquirida, por meio das participações nas
missões de desminagem humanitária, contribuem para um constante
aperfeiçoamento e estímulo do aprendizado relacionado com o tema, tornando os
que já tenham participado das missões nos principais vetores de transmissão de
conhecimentos e de estímulo ao aprofundamento do assunto, não só sobre
questões de desminagem humanitária como de minas terrestres de uma forma geral.
Esse fato induziu a criação de cursos de desminagem humanitária no Corpo de
Fuzileiros Navais e no Exército Brasileiro.
Essa participação nas missões de DH também obriga que os militares tenham
um acompanhamento do estado da arte dos equipamentos e das técnicas
empregadas nas atividades de desminagem, contribuindo diretamente na seleção e
determinação das necessidades de novos equipamentos e no desenvolvimento de
técnicas de detecção para as tropas de engenharia de combate do nosso país, tanto
no âmbito da desminagem humanitária como na desminagem militar.
A desminagem militar e a desminagem humanitária possuem mais pontos em
comum que divergentes em seus conceitos e aplicações técnicas de detecção das
minas terrestres. Praticamente o diferencial entre os dois tipos de desminagem está
concentrado nas normas mais rígidas e restritas de segurança existentes na
desminagem humanitária e no propósito de cada uma delas.
Os métodos e técnicas aplicáveis na DH são perfeitamente coerentes para o
emprego operacional em uma atividade de desminagem militar. Algumas adaptações
e ajustes são necessários, contudo, como foi possível observar nos comentários dos
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diversos militares do Corpo de Fuzileiros Navais e do Exército Brasileiro, todos os
conhecimentos e experiências da desminagem humanitária são válidos no
desenvolvimento das atividades da desminagem militar, reforçando e justificando a
continuidade do apoio do Brasil nas missões de desminagem humanitária da
OEA/JID, com o envio de militares da arma de engenharia de combate da Marinha
do Brasil e do Exército Brasileiro.
Finalizando, pode-se dizer que a desminagem humanitária é um grande
laboratório de desenvolvimento de técnicas, de equipamentos, de normas de
segurança e de conhecimentos, todos válidos, importantes e muito úteis para o
aprimoramento da capacidade operacional dos militares brasileiros nos assuntos
afetos às minas terrestres em geral e particularmente na desminagem militar.
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REFERÊNCIAS
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THE STRATEGY of the United Nations on mine action 2013-2018. Disponível em <www.mineaction.org/sites/default/files/.../mine_action_strategy_mar15...pdf>. Acesso em: 3 maio 2013.