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A ILHA DE CALOR E FRESCOR NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO:
ESTUDO DE CASO DOS BAIRROS MÉIER E JARDIM BOTÂNICO.
Henderson da Silva Neiva
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
Julia Fernandes Cattae
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
I. INTRODUÇÃO
O processo de urbanização é responsável por moldar o espaço geográfico,
buscando adequá-lo às atuais necessidades da população. Esse processo é constituído
por profundas transformações no espaço natural original, que vão envolver problemas
ambientais, tais como, enchentes, mudanças na frequência e intensidade das chuvas,
poluição atmosférica, elevação da temperatura, entre outros. As mudanças climáticas
atuais vêm sendo discutidas, tanto na escala global, como na escala local dos fenômenos
climáticos.
O crescimento desordenado das cidades vem causando a formação de um clima
específico, o clima urbano, intitulado por alguns autores como Sistema de Clima
Urbano (SCU), que se caracteriza por anomalias na temperatura, umidade do ar,
precipitação, dentre outros fatores, que diferenciam o clima do campo para o clima das
cidades.
A estrutura interna da SCU não pode ser definida pela
simples superposição ou adição de suas partes
(compartimentação ecológica, morfológica, ou funcional
urbana), mas somente por meio da íntima conexão entre
elas (Monteiro, 1976, p.99)
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O autor quer dizer que a cidade acaba tendo um clima próprio e que é formado
pela interferência de todos os fatores que acontecem no limite urbano, alterando assim o
clima em escala local. Além disso, o resultado do clima urbano é altamente percebido
pela população, ocorrendo mudanças na qualidade de vida e no funcionamento da
cidade.
Uma das características do clima urbano é a elevação da temperatura e a redução
da umidade do ar se comparada a zonas mais afastadas dos centros urbanos, como as
zonas rurais, a partir daí, chega-se ao fenômeno climático local aqui estudado, a Ilha de
calor e frescor. As Ilhas de calor são causadas pela ação antrópica e resulta em escala
local, está associada à mudança da cobertura natural do solo, que vai levar a mudança
no balanço de energia.
A ilha de calor urbana (UHI, do inglês urban heat island.) é o calor característico
das áreas urbanas, quando comparadas com seus arredores (não urbanizados) e,
geralmente, refere-se ao aumento na temperatura do ar, mas pode igualmente referir-se
ao calor relativo da superfície ou materiais subsuperficiais. Desse modo, a ilha de calor
é uma medida de diferença (VOOGT, 2002), que não se evidencia a partir de uma
medida absoluta da temperatura, indevidamente empregada em alguns trabalhos
disponíveis na literatura. Portanto, a definição conceitual e quantitativa do fenômeno
ilha de calor é necessária para evitar incorreções nas análises espaciais do clima urbano
(LUCENA, 2012). Além disso, é considerado um dos principais problemas ambientais
do século XXI.
O nome “Ilha de calor” é dado pelo fato de ao se analisar as isotermas - são
mapas que demonstram superfícies com a temperatura constante, ou seja, não varia
naquela região – ter a aparência de ilhas de acordo com o contorno limite da variação
térmica. É importante ao analisar o fenômeno perceber que os grandes centros urbanos
são os focos principais com elevação de temperatura, ao direcionar-se para áreas mais
afastadas da região central, como os subúrbios, bairros mais arborizados e até mesmo as
cidades vizinhas menos urbanizadas, percebe-se uma redução da temperatura média.
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Figura 1 – Demonstração de como ocorre a Ilha de calor. (Fonte: Modificado de
Revista Pesquisa – FABESP)
Dentre as causas, podemos citar:
• A impermeabilização do solo causada pelo asfaltamento das ruas,
dificultando o processo de evaporação e evapotranspiração, que ocasiona
enchentes e alagamentos.
• A redução significativa de áreas verdes. Grande parte da vegetação natural
é retirada para dar lugar ao asfaltamento e também à construção de
edifícios. A retirada da vegetação reduz a absorção de calor e de poluentes,
tais como, o dióxido de carbono.
Os ambientes naturais sofrem profundas alterações a partir do
momento em que passam a serem povoados. Mudanças como
canalização de recursos hídricos, formas de uso e ocupação dos
solos, pavimentação de vias, alterações no albedo e remoção da
vegetação são as transformações mais evidentes promovidas pelo
homem na busca para adequar esses espaços as suas necessidades
(PAIVA, 2011).
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• A construção de grandes edifícios, pois a forma alongada dos prédios e o
pequeno espaço entre um prédio e outro favorece o ganho de energia de
ondas longa, é o chamado canyon urbano.
1.1 ALBEDO DAS SUPERFÍCIES
O albedo de um determinado material consiste na capacidade da superfície do
mesmo de refletir o calor absorvido, também é chamado de índice de refletância do
material. Varia de 0 a 1, e inclui a reflexão do comprimento de ondas infravermelhas e
ultravioletas. Então, uma superfície que possui albedo de 0,0 significa que ocorre a
absorção total da radiação solar, enquanto que uma superfície com albedo 1,0 significa a
sua refletividade total.
Ao se falar de ilha de calor, a ocorrência do mesmo está muito associada aos
diferentes padrões de absorção e refletividade da radiação solar das superfícies
constituintes da cidade.
Figura 2 – Variação dos albedos do ambiente urbano. (Fonte: Modificado
de EPA – United States Environmental Protection Agency).
Na figura 2 fica perceptível a quão variado é o espaço urbano, tendo áreas verdes
e outras com total ação do homem. Essa dinâmica entre essa variedade de materiais que
compõem a cidade resulta no clima urbano, mas em específico o seu superaquecimento
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se comparada a áreas mais afastadas dos centros urbanos. A capacidade de absorção e
refletância da radiação solar dos materiais que estão nos prédios e ruas nos ajuda a
entender o fenômeno.
2. OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é estudar e analisar o fenômeno climático “Ilha de
calor urbana (ICU)” e verificar a ocorrência do mesmo na cidade do Rio de Janeiro,
observando a variação térmica e da umidade do ar em diferentes pontos da cidade do
Rio de Janeiro, percebendo que a cidade tem grandes pontos de ilha de calor e de
frescor, causados pelo intenso processo de urbanização – alta concentração de asfalto e
concreto, a produção de calor emitida pelos motores de veículos, equipamentos
industriais e residenciais - assim, através de idas a campo, análises foram feitas e
estudadas, evidenciando os pontos de ocorrência desse fenômeno climático.
O recorte espacial da pesquisa foi os bairros do Méier e do Jardim Botânico,
tendo em cada bairro dois pontos, sendo um considerado de calor e outro de frescor,
possuindo assim, 4 pontos no total. A pesquisa encontra-se em estágio inicial
3. METODOLOGIAS
Para a realização do seguinte estudo foi realizado ida a campo e para tal, alguns
equipamentos foram usados para a coleta de dados do tempo. Dentre eles, um
termômetro com higrômetro (termohigrômetro), um termômetro infravermelho e um
anemômetro.
• Termohigrômetro: Tem a função de medir a temperatura do ar e a umidade do
ambiente.
• Termômetro infravermelho: Tem a função de medir a temperatura de
superfícies.
• Anemômetro: Tem a função de medir a velocidade do vento.
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Também houve um levantamento bibliográfico que consistiu em livros, artigos e
sites a respeito de clima urbano, ilhas de calor e outros assuntos pertinentes ao tema,
para que assim se tornasse possível a compreensão do estudo. Além disso, houve uma
busca mais específicas para o estudo do clima na cidade do Rio de Janeiro, em que a
tese de doutorado de Lucena serviu de base teórica em alguns momentos e
,principalmente, para o uso de imagens de satélites a respeito do uso do solo da cidade
do Rio de Janeiro e a região metropolitana, objeto de estudo do autor.
Para a criação dos gráficos demonstrando a variação de temperatura do ar e do
solo, umidade e vento ao longo do dia nos pontos de coleta, além dos dados oriundos de
entrevistas, foi usado o software Excel.
Através do Google Earth foram criados os mapas evidenciando os pontos de
estudo. A coleta de dados ocorreu nos dias 01/02/2014. A primeira coleta ocorreu a
partir das 09:00, que foi escolhido como o horário do aquecimento inicial, até as 18:00,
que foi determinado como ponto de resfriamento. A escolha desse recorte temporal do
campo foi dada tanto pelo entendimento dos ciclos diurnos da atmosfera (AMORIM,
2000), como também pela disponibilidade da equipe que foi a campo.
4. RESULTADOS PRELIMINARES
A cidade do Rio de Janeiro, localizada na latitude 22º 54’ 10’’ S e longitude 43º
12’ 28’’ O, é a segunda maior metrópole do país e de acordo com a estimativa do IBGE
– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para 2013, a capital possui 6.429.923
habitantes. A cidade possui um cenário bem heterogêneo, com grande diversidade de
ocupação do solo, e que vem se intensificado a cada ano. Desde as décadas de 70 e 80,
algumas estações meteorológicas da cidade passaram a ter um aumento de temperatura,
entre elas, as estações de Bangu, Praça XV e Realengo.
A partir do mapa, percebe-se que as zonas norte e sul da cidade do Rio de
Janeiro (CRJ) já eram bastante urbanizadas na década de 80, diferente da zona oeste, em
que se percebe presença de grande área rural ou baixa intensidade do caráter urbano. Os
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bairros da zona norte da CRJ possuem as maiores temperaturas médias, a partir daí
pode-se citar os bairros do Méier, Tijuca, Ramos e Bonsucesso, por isso são
considerados ilhas de calor, dado a esse fato, o bairro do Méier foi um dos bairros aqui
estudados, pois é considerada uma ilha de calor; Já na zona sul da cidade, encontram-se
pontos considerados ilhas de frescor, como os bairros da Gávea, São Conrado e
Leopoldina. Nesses bairros, é notável a presença de vegetação mais densa, bem
arborizado, logo, possui temperaturas mais amenas. A partir daí, o bairro do Jardim
Botânico foi escolhido como ponto de coleta como ilha de frescor da CRJ.
Figura 3 - Mapa de uso do solo na década de 1980. (Fonte: Adaptado de
LUCENA, 2012).
De acordo com o gráfico, entre os intervalos de 1931 a 1960 e 1961 a 1990,
houve acréscimo sutil da temperatura média na capital fluminense. Se intensificando a
partir da década de 1980, como pode ser visto pelos mapas de uso do solo e de
temperatura em comparação à década de 2000. O bairro do Jardim Botânico também
passou por uma diversificação do seu solo, porém de maneira menos interventora que o
bairro do Méier.
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O Méier é um bairro da zona norte da CRJ e é considerado uma ilha de calor
(LUCENA, 2012), a partir daí, houve a busca de um ponto de amenização da
temperatura dentro dessa ilha de calor, funcionando como ilha de frescor; Para tal, o
ponto P2, que é o Jardim do Méier, na latitude 22º 54’ 1,06’’ S e longitude 43º 16’
42,46’’ O, e para representar o aquecimento, o ponto P1, que é a Rua Dias da Cruz, na
latitude 22º 54’ 7,05’’ S e longitude 43º 16’ 45,32’’ O.
O Jardim Botânico é um bairro da zona sul da CRJ e é dita como uma ilha de
frescor (LUCENA, 2012), a partir daí, a coleta de dados no seguinte bairro foi no P3,
que é o Parque Lage, na latitude 22º 57’ 39,11’’ S e longitude 42º 12’ 53,69’’ O, que foi
determinado como a ilha de frescor no bairro, e para a representação da ilha de calor, o
P4, que é a Rua Nina Rodrigues, na latitude 22º 57’ 42.06’’ S e na longitude 43º 12’
53.69’’ O. Veja no mapa a localização dos pontos.
Figura 4 – Visão geral dos pontos de coleta. (Fonte: Google Earth).
4.1 O CASO MÉIER
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Ponto 1 (P1): A Rua Dias da Cruz apresentou médias de temperatura do ar e
do solo maiores do que no P2, além disso, os índices de umidade do ar foram menores,
caracterizando um ar mais seco.
Ponto 2 (P2): O Jardim do Méier apresentou temperaturas do ar e do solo
menores que o P1, além disso, o índice de umidade foi maior.
Figura 5 - Comparação da temperatura do ar entre os P1 e o P2.
Ao comparar os pontos percebe-se a justificativa para tais fatos. Na figura 7,
vê-se o quão arborizado é o P2, causando sombreamento em parte do parque, além
disso, a presença do gramado permite o escoamento natural da água, e também os
processos e evaporação e evapotranspiração. Os albedos dos materiais contidos no P2
(árvores, gramíneas, fonte d’água) são altos, dando a ele um caráter de não absorver e
propagar muito calor. Na figura 4 isso fica mais evidente ao observar de uma visão
aérea os dois pontos, o P2 está caracterizado com um local bem fechado pela copa das
árvores, enquanto o P1 está presenciado pela forte presença de prédio, asfalto e
materiais com alta capacidade de absorver o calor. No P2 há presença de concreto no
chão, até mesmo formando uma pequena escadaria, mas que frente à dimensão verde do
local não ocasiona um impacto tão grande, até porque ao comparar com o asfalto, o
concreto possui um albedo maior, chegando ao máximo de 0,35, enquanto que o asfalto
a 0,20.
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Figura 6 – P1 – Rua Dias da Cruz
Figura 7 – P2 – Jardim do Méier
4.2 O CASO JARDIM BOTÂNICO
Ponto 3 (P3): O Parque Lage apresentou médias de temperatura do ar e do solo
menores do que no P4, além disso, os índices de umidade do ar foram maiores,
caracterizando um ar mais úmido.
Observando a figura abaixo é possível observar o quão natural é o P3, sendo
notável pouca ou quase nenhuma ação antrópica prejudicial ao ambiente. Vê-se a
presença da cobertura do solo natural com presença de algumas rochas, grande
diversidade de vegetação, possuindo gramado, plantas de baixo e médio porte, árvores,
dentre outros componentes da flora local. Ao analisar o potencial de armazenamento e
dissipação de calor a partir do albedo dos componentes presentes vê-se que não é muito
alto a ponto de determinar este ponto como uma ilha de calor, mas sim de frescor, o que
vai ser constatado a partir de suas temperaturas bem mais amenas, até mesmo menores
do que a ilha de frescor (P2) do bairro Méier.
Figura 8 – P3 – Parque Lage
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Figura 9 – Comparação temperatura do ar entre os P3 e o P4
Ponto 4 (P4): A Rua Nina Rodrigues apresentou TA e TS maiores do que a do
P3, além do índice de UR também ter sido menor.
É perceptível que o P4 possui grande intervenção em sua cobertura natural,
com bastante cobertura em asfalto. Porém ao mesmo tempo, o P4 que age como a ilha
de calor ao ser comparado com o P1, teve uma média de temperatura muito menor. Isso
é justificado pelo fato de o P1 ter um caráter de intervenção antrópica muito intenso,
logo, as TA e TS se mostraram maiores. A diferença entre a TS máxima entre os P1 e
P2 foi de 34ºC, já entre os P3 e P4 de 31,2ºC. A Rua Nina Rodrigues possui bom índice
de arborização, o que ameniza essa amplitude térmica. A amplitude da TA analisada de
maneira individual entre os pontos foi maior naqueles coletados no Méier do que no
Jardim Botânico.
5. CONCLUSÃO
A cidade do Rio de Janeiro possui um uso de seu solo bastante heterogêneo, o
que favorece a formação de diferentes temperaturas dentro cidade. A formação de ilhas
de calor se dá principalmente nos bairros mais urbanizados, como o bairro do Méier,
que em contrapartida não é tão arborizado. O bairro do Jardim Botânico é visto como
uma ilha de frescor, por sem bem mais arborizado, resultando em áreas mais
sombreadas, possui construções mais planas, evidenciando a diferença entre os pontos
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lá coletados e daqueles coletados no Méier. O que nos faz entender como que dentro do
mesmo espaço urbano, até mesmo dentro de um bairro é possível fazer comparações a
respeito das diferenças de temperatura e umidade do ar.
6. BIBLIOGRAFIA
AMORIM, M.C. de. C. T; NETO, J. L. S. N; MONTEIRO, A. Climatologia urbana e
regional: Questões teóricas e estudos de caso. São Paulo: Outras expressões, 2013.
LUCENA, A. J. A IIha de calor na região metropolitana do Rio de Janeiro. 2012. 473 f.
Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – COPPE/UFRJ. Rio de Janeiro, 2012.
LUCENA, A. J; FILHO, O. C. R; PERES, L. F; FRANÇA, J. R. A. A evolução da ilha
de calor na região metropolitana do Rio de Janeiro. Revista Geonorte, Manaus, 2012,
volume 2, número 5, p. 8 – 21, 2012.
LOMBARDO, M. A; BIAS, E. S; BAPTISTA, G. M. M. Análise do fenômeno de ilhas
de calor urbanas por meio da combinação de dados Landsat e Ikonos. Anais SI SBSR,
Belo Horizonte, volume 05, 2003.