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Sociologias, Porto Alegre, ano 12, n o 23, jan./abr. 2010, p. 46-73 SOCIOLOGIAS 46 A ideologia de Marx e o discurso de Foucault: convergências e distanciamentos 1 Sérgio Bacchi Machado * Resumo Efetua-se um mapeamento dos conceitos de ideologia e discurso nas obras de Marx e Foucault, respectivamente. Procede-se também a uma recapitulação da análise marxiana da inversão das leis de apropriação como substrato da destruição de uma forma ideológica específica; assim como se retoma, na obra foucaultiana, a arqueologia da relação médico-paciente como exemplo de configuração de um determinado campo discursivo. Por fim, indica-se um distanciamento e uma convergência entre os conceitos em questão. Palavras-chave: Ideologia. Discurso. Marx, K. (1818-1883). Foucault, M. (1926- 1984). * Psicólogo e mestre pela USP. 1 Evidentemente, a primeira parte do título deve ser tomada no registro lúdico, uma vez que não pretendemos afirmar nenhum caráter “ideológico” da obra de Marx, nem, tampouco, efe- tuar uma “análise de discurso” da obra foucaultiana, como ficará claro no decorrer do texto. DOSSIÊ

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  • Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 46-73

    SOCIOLOGIAS46

    A ideologia de Marx e o discurso de Foucault: convergncias e distanciamentos1

    Srgio Bacchi Machado*

    Resumo

    Efetua-se um mapeamento dos conceitos de ideologia e discurso nas obras de Marx e Foucault, respectivamente. Procede-se tambm a uma recapitulao da anlise marxiana da inverso das leis de apropriao como substrato da destruio de uma forma ideolgica especfica; assim como se retoma, na obra foucaultiana, a arqueologia da relao mdico-paciente como exemplo de configurao de um determinado campo discursivo. Por fim, indica-se um distanciamento e uma convergncia entre os conceitos em questo.

    Palavras-chave: Ideologia. Discurso. Marx, K. (1818-1883). Foucault, M. (1926-1984).

    * Psiclogo e mestre pela USP.1 Evidentemente, a primeira parte do ttulo deve ser tomada no registro ldico, uma vez que no pretendemos afirmar nenhum carter ideolgico da obra de Marx, nem, tampouco, efe-tuar uma anlise de discurso da obra foucaultiana, como ficar claro no decorrer do texto.

    DOSSI

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    JI

    J se tornou lugar-comum afirmar que as obras de grandes

    pensadores como certamente o so Marx e Foucault

    possibilitam um leque infindvel de interpretaes. Tan-

    tas e to diversificadas leituras constituem a prova viva de

    profundidade e alcance de seus textos originais. Ao mes-

    mo tempo, patente que, quanto mais se escreve sobre O capital (MARX,

    2002), mais novos detalhes so iluminados; quanto maior o nmero de

    comentrios sobre A histria da loucura (FOUCAULT, 2002), mais rica se

    torna essa histria. Sabemos, ainda, que as melhores interpretaes no

    se restringem a dizer novamente o contedo do original, mas criam novos

    e penetrantes planos com base na obra interpretada.

    Contudo, a massa crescente de interpretaes apresenta tambm

    um lado negativo. Isso se d quando os autores originais so como que

    obstrudos por noes vulgares que se lhes atribuem, impedindo o brilho

    de suas ideias inovadoras. Perde-se, com isso, o solo firme do qual novas

    leituras e criaes podem se elevar, dando-se lugar a caricaturas grotes-

    cas. Dessa forma, Heidegger se torna um apstolo da angstia; Freud,

    o senhor que reduz o mundo ao sexo; Bergson, o antpoda ferrenho da

    cincia moderna, e assim vamos...

    Acreditamos que esse tipo de caricatura, longe de ser incuo, traz em

    si um efeito de trava no trabalho de pensamento. A fim de contrapormo-

    nos a esse vis grosseiro, nos propusemos a escrever este trabalho. Para tan-

    to, escolhemos como objeto dois conceitos estratgicos nas obras de Marx

    e Foucault: ideologia e discurso. Muito influiu, ainda, em nossa escolha a

    constatao de uma frequente indiscriminao no uso desses operadores,

    perdendo-se, assim, nada menos que o principal: a relao do conceito

    com a obra e o rigor to prezado pelos autores. No entanto, no nos preci-

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    pitaremos afirmando uma exterioridade total entre ideologia e discurso, de

    modo que nos manteremos abertos a possveis convergncias.

    Pretendemos, no decorrer deste estudo, mapear os conceitos de

    ideologia na obra de Marx e de discurso na produo de Foucault, recu-

    perando o que consideramos suas silhuetas originais. Para tanto, tambm

    lanaremos mo de um exemplo concreto para cada conceito, retirado

    da prpria obra de seu respectivo autor.

    II

    Em suas Teses contra Feuerbach, Marx e Engels colocam que:

    [...] a essncia humana no abstrata residindo no indivduo nico. Em sua efetividade o conjunto das relaes sociais. Feuerbach, que no entra na crtica dessa essncia efetiva, por isso forado [...] a abstrair o curso da histria e fixar o nimo religioso como para-si, pressupondo um indivduo humano, abstrato e isolado. (MARX; ENGELS, 1974, p. 58)

    Com esse ataque, Marx diferencia-se radicalmente da corrente ma-

    terialista de Feuerbach. Com efeito, a partir de ento, ele desdenhar a

    filosofia que se prope a pesquisar o ncleo humano das configuraes

    espirituais. Essa ruptura, no entanto, mais significativa do que parece

    primeira vista, pois ela implica o abandono de uma grande tradio filo-

    sfica centrada no sujeito. Segundo essa tradio, o esprito seria, antes

    de mais nada, autoconscincia, sendo seu solo a presena absoluta de si

    em si mesmo, onde se apresentam os atributos do autocentramento e da

    interiorizao (BIRMAN, 2003, p. 155). No estudo da histria, a filosofia

    do sujeito exerceu uma influncia tal que se fez:

    [...] da histria recente a finalidade da histria anterior; assim, por exemplo, que se atribui descoberta da Amrica o seguinte objetivo: ajudar a eclodir a Revoluo Francesa; dessa maneira, confere-se ento histria seus fins particu-

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    lares e dela se faz uma pessoa ao lado de outras pessoas. (MARX; ENGELS, 2007, p. 47)

    Para a dialtica materialista, o homem no pode ser entendido como

    uma abstrao, nem tampouco a realidade como o desenvolvimento ter-

    reno dessa especulao substancialista do ser humano. Pelo contrrio, o

    sujeito passa a ser dimensionado em sua concretude, ou seja, enquan-

    to criador da realidade social que, ao mesmo tempo, criado por esta.

    Desse modo, a atividade humana sensvel, isto , a prxis, pea funda-

    mental para a compreenso dialtica do homem como ser social. Assim,

    cada gerao, por um lado, continua o modo de atividade que lhe

    transmitido, mas em circunstncias radicalmente transformadas, e, por

    outro lado, ela modifica as antigas circunstncias entregando-se a uma

    atividade radicalmente diferente (MARX; ENGELS, 2007, p. 47).

    A atividade social, por sua vez, relaciona-se, para Marx, intrinseca-

    mente com a esfera econmica:

    Produzir a vida, tanto a sua prpria vida pelo trabalho, quanto a dos outros pela procriao, nos parece portanto, a partir de agora, como uma dupla relao: por um lado como uma relao natural, por outro como uma relao social social no sentido em que se estende com isso a ao conjugada de vrios indivduos, sejam quais forem suas condies, forma e objetivos. Disso decorre que um modo de produo ou um estgio industrial determinados esto constantemente ligados a um modo de cooperao ou a um estdio social determinados, e que esse modo de cooperao , ele prprio, uma fora produtiva; decorre igualmente que a massa das foras produtivas acessveis aos homens determina o estado social, e que se deve por conseguinte estudar e elaborar incessantemente a histria dos homens em conexo com a histria da indstria e das trocas. (MARX; ENGELS, 2007, p. 23-24)

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    A esfera econmica permite, assim, a conexo de todas as dimen-

    ses da vida social, de modo que a prpria unidade da realidade social

    encontra sua condio de possibilidade na estrutura econmica.

    O que distingue as diferentes pocas econmicas no o se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da fora humana de trabalho e, alm disso, indicam as condies sociais em que se realiza o trabalho. Os meios mecnicos, que, em seu conjunto, podem ser chamados de sistema s-seo e muscular da produo, ilustram muito mais as carac-tersticas marcantes de uma poca social de produo que os meios que apenas servem de recipientes da matria obje-to de trabalho e que, em seu conjunto, podem ser denomi-nados de sistema vascular da produo, como, por exemplo, tubos, barris, cestos, cntaros etc. (MARX, 2002, p. 214)

    Portanto, a dialtica toma o homem como sujeito objetivo, isto , como ser que, ao transformar a natureza pelo trabalho, cria a realida-

    de social. Com efeito, para Marx, a economia a estrutura primordial

    de objetivao dos homens. Entretanto, o primado da economia no

    decorre de um superior grau de realidade de alguns produtos humanos,

    mas do significado central da prxis e do trabalho na criao da realida-

    de humana (KOSIK, 2002, p. 122). Esse posicionamento, sem dvida,

    difere radicalmente de uma certa vertente estabelecida por alguns mar-

    xistas segundo os quais os fenmenos culturais devem ser integralmente

    reduzidos ao simples fator econmico.

    O homem como ser social e o primado da economia constituem

    as premissas para o conceito marxista de ideologia. Acompanhemos a

    seguinte enunciao que sintetiza as duas premissas apontadas: Se exa-

    minarmos a sociedade burguesa em seu conjunto, o que se apresenta

    sempre, como resultado ltimo do processo social de produo, a pr-

    pria sociedade. Vale dizer, o prprio homem nas suas relaes sociais.

    (MARX, 1958, apud KOSIK, 2002, p. 195). Com isso, abre-se uma porta

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    para se considerar tambm o universo das ideias um seguimento do pro-

    cesso social de produo. Sem dvida, as ideias podem ser vistas, ento,

    como uma criao especfica de homens que se constituem em relaes

    concretas. Assim, elas perdem sua aparente autonomia para se tornarem

    produtos histricos de homens que, ao mesmo tempo, fazem a histria.

    Mas estamos nos adiantando; recuemos um pouco. Marx parte do

    pressuposto de que o trabalho o agente determinante na diferenciao

    entre o homem e o animal, de modo que, ao transformar a natureza por

    meio de um plano que antecipa a ao, o homem adquire sua huma-

    nidade. Esse planejamento intencional pode ser analisado por dois ngu-

    los: primeiro, medida que se diferencia da natureza, o homem passa a

    tem-la; segundo, ele estabelece relaes com outros homens que, como

    ele, temem e transformam o mundo externo.

    Assim, a conscincia , antes de mais nada, apenas a consci-ncia do meio sensvel mais prximo e de uma interdepen-dncia limitada com outras pessoas e outras coisas situadas fora do indivduo que toma conscincia; ao mesmo tempo a conscincia da natureza que se ergue primeiro em face dos homens como uma fora fundamentalmente estranha [...]. (MARX; ENGELS, 2007, p. 25)

    Nesse momento, as ideias e representaes encontram-se ainda di-

    retamente voltadas atividade material, ao sob uma perspectiva de

    conjunto. Desse modo, to antiga quanto a conscincia a linguagem, a

    qual possibilita a coordenao dos modos coletivos de agir frente ao mundo

    externo. Entretanto, com o aprimoramento da diviso social do trabalho,

    opera-se uma curiosa repartio: aquela entre o trabalho material e o inte-

    lectual. A partir desse momento, a conscincia pode de fato imaginar que

    algo mais do que a conscincia da prtica existente, que ela representa

    realmente algo, sem representar algo real (MARX; ENGELS , 2007, p. 26).

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    A diviso social entre trabalho material e intelectual , por sua vez,

    atravessada desde seu princpio por uma outra repartio grave o suficiente

    para rasgar o tecido social por inteiro. Trata-se da diviso entre exploradores

    e explorados, isto , aquela entre os que se aproveitam do trabalho alheio

    e os que trabalham para outros. Marx e Engels abrem O manifesto comu-

    nista com a contundente afirmao de que a histria de todas as sociedades

    que j existiram a histria de luta de classes (MARX; ENGELS, 1998, p.

    9). Em A ideologia alem (MARX; ENGELS, 2007) apesar de escrita antes

    de O manifesto , a dominao material de uma classe sobre outra di-

    mensionada por meio de seu complemento necessrio: a ideologia. Nesse

    sentido, as ideias dominantes em uma determinada poca constituem a

    expresso representativa da dominao material.

    Os pensamentos da classe dominante so tambm, em todas as pocas, os pensamentos dominantes; em outras palavras, a classe que o poder material dominante numa determinada sociedade tambm o poder espiritual domi-nante. A classe que dispe dos meios da produo material dispe tambm dos meios da produo intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles aos quais so negados os meios de produo intelectual est submetido tambm classe dominante. (MARX; ENGELS, 2007, p. 48)

    Podemos constatar pelo recorte de Marx que a ideologia no se

    identifica necessariamente com o propagandismo calculado. A ideologia

    se efetiva como expresso de uma classe em seu posicionamento limitado

    ainda que dominante com as demais. Certamente a manipulao cal-

    culista uma possibilidade abarcada pelo conceito de ideologia, porm

    em hiptese alguma esses so termos equacionveis.

    Consideremos agora a questo de um outro ponto de vista. A bur-

    guesia como classe dominante diferencia-se de seu antecedente por no

    ser um estamento, de forma que suas alianas e defesas no podem se

    dar no plano local, mas no nacional. A burguesia necessita, portanto, de

    um organismo regulador que assegure sua propriedade e seus interesses

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    no plano nacional; de uma instituio que lance seus tentculos por todo

    o tecido social e contenha as demais classes usando, em ltimo caso, a

    violncia, mas preferindo sempre a represso por meio de ideias. Uni-

    versalidade e igualdade deve ser seu lema, e este deve ser repetido at

    se entranhar no crebro de cada indivduo. Sabemos que esse organismo

    chama-se Estado moderno.

    Sendo o Estado, portanto, a forma pela qual os indivduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses co-muns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma poca, conclui-se que todas as instituies comuns passam pela mediao do Estado e recebem uma forma poltica. Da a iluso de que a lei repousa na vontade, e, mais ain-da, em uma vontade livre, destacada da sua base concreta. (MARX; ENGELS, 2007, p. 74)

    III

    A fim de facilitar o entendimento do conceito de ideologia de Marx,

    efetuaremos neste item uma mediao no interior mesmo da obra marxia-

    na. Falaremos da circulao de mercadorias, ou seja, da rede de trocas en-

    tre as mercadorias. Porm, como compreender o movimento da circulao

    sem antes avaliarmos a prpria categoria mercadoria? Para isso, teremos

    que transitar tambm por alguns fundamentos da teoria do valor marxiana.

    Logo no incio de O capital, Marx (2002) foca a forma-mercadoria.

    Como objeto palpvel, sensvel, a mercadoria atende a necessidades es-

    pecficas: uma cadeira serve para sentar, com uma determinada quantida-

    de de ao pode-se produzir o casco de uma embarcao, um livro espera

    ser lido. A qualidade desse uso potencial, Marx denomina valor de uso.

    Portanto, o valor de uso corresponde esfera qualitativa da mercadoria.

    Marx nos faz observar, ento, que, independentemente de seus

    valores-de-uso, as mercadorias so intercambiveis entre si. A questo

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    pode ser exposta da seguinte maneira: uma quantidade x de cadeiras

    pode ser trocada por uma quantidade y de ao, que, por sua vez, pode

    ser convertida em uma quantidade z de livros. J essa quantidade z de

    livros pode tanto ser trocada por uma quantidade determinada de outra

    mercadoria qualquer quanto se converter na mercadoria inicial do elo, ou

    seja, x cadeiras. A capacidade dessas mercadorias de trocarem-se umas

    pelas outras induz a pensar que h nelas uma propriedade comum, um

    fator quantitativo geral e impalpvel. Essa propriedade genrica das mer-

    cadorias recebe o nome de valor de troca, ou, simplesmente, valor.

    O valor de uma mercadoria refere-se s suas relaes de troca, sendo

    independente de suas caractersticas fsicas, geomtricas ou de qualquer

    outra natureza. Nesse sentido, o valor de troca encontra-se na exteriori-

    dade do valor de uso 2. Pe-se de lado os valores-de-uso das mercado-

    rias, quando se trata da relao de troca entre elas (MARX, 2002, p. 59).

    Por conseguinte, os valores de troca referem-se a padres meramente

    quantitativos, enquanto os valores de uso, posto que inseridos na esfera

    qualitativa, so irredutveis uns aos outros.

    A soluo para a questo do valor enquanto magnitude quantitativa

    abstrata encontrada por intermdio de uma nova abstrao relacionada

    forma-mercadoria. Ora, sendo todas as mercadorias produtos de trabalho,

    no se poderia abstrair as qualidades especficas desses trabalhos, reduzin-

    do todos a uma espcie geral e homognea? Realmente, no trabalho hu-

    mano abstrato as mercadorias encontram seu denominador comum; todas

    elas passam a ser vistas, ento, como corporificaes dessa espcie geral de

    trabalho. Em outras palavras, os produtos tornam-se valores-mercadorias.

    2 Um olhar mais rigoroso mostra, entretanto, que essa exterioridade no total, pois uma mercadoria qualquer, para ser potencialmente trocvel, deve atender a alguma necessidade social e, portanto, ter valor de uso para algum. Entretanto, o valor de uso vigora, dessa manei-ra, como um mero ndice da possibilidade de troca entre as mercadorias.

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    Podemos agora retomar a questo inicial tendo por base as categorias

    mercadoria e valor. A circulao mercantil simples o processo em que a

    mercadoria converte-se em dinheiro e o dinheiro converte-se em merca-

    doria num fluxo incessante. Marx caracteriza o ciclo da circulao simples

    como mercadoriadinheiromercadoria (MDM), de forma que, ao menos

    aparenteme nte, no h criao de valor excedente. Por outro lado, a circula-

    o ocorre por meio de uma srie de acordos voluntrios entre os indivduos

    envolvidos. S possvel apropriar-se de mercadorias alheias, ou seja, de

    trabalho alheio, mediante a alienao do prprio [trabalho], o processo de

    apropriao da mercadoria, que precede a troca, parece ser a origem da

    apropriao, [...] o ttulo jurdico da propriedade (MARX, 1978, p. 435).

    Dessa maneira, os economistas da escola clssica puderam e nisso

    foram seguidos pelos economistas burgueses dizer que a proprieda-

    de individual sobre o resultado do prprio trabalho constitui a condio

    bsica da sociedade burguesa (MARX, 1978, p. 435). Com efeito, ao

    se depararem uns com os outros no mercado, os proprietrios se vem

    como iguais; no h violncia nas trocas, sendo as nicas diferenas entre

    os indivduos envolvidos as necessidades e valores de uso de cada um.

    Essas diferenas, longe de constiturem qualquer conflito, possibilitam a

    liberdade de cada um na satisfao das prprias necessidades por meio

    dos valores de uso que lhe convm. Mas isso ainda no tudo: medida

    que um produtor satisfaz o outro com seus produtos, ele tambm serve

    ao outro; e, como todos acabam por servir a todos, impera uma perfeita

    reciprocidade entre eles. Desse modo, o mbito da circulao marcado

    pela igualdade, pela liberdade e pela reciprocidade. Isso tudo nos dizem os economistas, essas so suas ideias e elas se enrazam nas prprias leis do intercmbio. Os economistas expressam isso do seguinte modo: cada um busca seu interesse privado, e assim, sem o saber, serve ao interesse privado de todos, ao interesse geral (MARX, 1977, p. 83).

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    Marx, porm, no restringe sua anlise circulao mercantil simples, evitando, desse modo, a adeso ideologia burguesa. Para ele, a circulao corresponde esfera mais abstrata do modo de produo capitalista; nela se esconde todo um mundo, o mundo das relaes do capital (MARX, 1978, p. 23). Por conseguinte, o movimento de Marx no pode ser outro que no o exame das relaes de produo soterradas pela circulao e pela ideologia. Ao penetrar nesse mundo, ele logo percebe que ao lado da for-ma simples da circulao simples MDM encontra-se uma outra diversa, que pode ser sintetizada na frmula DMD, ou seja, dinheiromercado-riadinheiro. Nesse segundo circuito, dinheiro converte-se em mercadoria e mercadoria reconverte-se em dinheiro, em uma espcie de inverso do primeiro ciclo. Porm, a caracterstica mais marcante do circuito DMD a expanso do valor, uma vez que o ltimo elemento D quantitativamen-te superior ao primeiro. Esse ciclo, no entanto, no encontra seu termo com esse acrscimo: ele ser prolongado em um novo ciclo, ou, se preferirmos, em uma continuao dele mesmo. Portanto, o dinheiro que se movimenta de acordo com esta ltima circulao transforma-se em capital, vira capital e, por sua destinao, capital (MARX, 2002, p. 178).

    Para que o dinheiro possa se transformar em capital e, desse modo, expandir seu valor, preciso que o possuidor de dinheiro ache, dentro do mbito da circulao, no mercado, uma mercadoria um tanto espe-cial. Considerando que o capital um valor em busca de mais-valor, a nica coisa capaz de apresentar-se diante dele como valor de uso seria algo com capacidade de reproduzi-lo e multiplic-lo. O uso que o capital far dessa mercadoria s pode corresponder ao sentido de sua existncia: criar mais-valor, ou seja, corporificar trabalho. Pois bem, essa mercadoria existe e chama-se fora de trabalho. Ao us-la, o possuidor do dinheiro torna-se capitalista, ao passo que o dinheiro se transforma em capital.

    A transao ocorre dentro da esfera da circulao. No possuindo meios de produo como o capitalista, o indivduo vende a mercadoria que

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    SOCIOLOGIAS 57

    detm: a fora de trabalho contida em seu corpo vivo. Contudo, ele no aliena sua mercadoria para sempre uma vez que isso implicaria a venda de si mesmo, ou seja, tornar-se escravo , mas temporariamente. Assim, na condio de homem livre, ele vende sua fora de trabalho por um tempo determinado, mantendo-se, em longo prazo, como seu proprietrio.

    Como ocorre com toda mercadoria, o valor da fora de trabalho equivale ao tempo de trabalho nela corporificado. Dessa maneira, a con-servao e reproduo da fora de trabalho correspondem manuteno do corpo vivo do seu proprietrio, ou seja, do trabalhador. Para sustentar-se, todo indivduo necessita de uma quantidade mnima de meios de subsistncia; assim:

    O tempo de trabalho necessrio produo da fora de tra-balho reduz-se, portanto, ao tempo de trabalho necessrio produo desses meios de subsistncia, ou o valor da for-a de trabalho o valor dos meios de subsistncia necess-rios manuteno de seu possuidor. (MARX, 2002, p. 201)

    Portanto, o mnimo valor da fora de trabalho dado pelo valor dos meios de subsistncia imprescindveis ao ser humano. Abaixo dessa linha, a capacidade de trabalho no pode mais se conservar.

    O intercmbio entre capital e trabalho determinado por dois pro-cessos distintos. Ao comprar a fora de trabalho, o capital adquire o prprio trabalho, ou seja, ele adquire a capacidade de conservar-se e multiplicar-se. Essa faculdade no pode surgir do valor da mercadoria comprada, mas do seu valor de uso. Para o trabalhador, por outro lado, a permuta feita pela venda de sua fora de trabalho em troca de uma quantia de dinheiro, o

    salrio. Para o trabalhador, esse intercmbio um ato de circulao mer-

    cantil simples, no qual sua mercadoria (a fora de trabalho) percorre a for-

    ma de circulao MDM. Enquanto isso, o capital realiza o ciclo oposto,

    definido pela forma DMD (MARX, 1956, apud ROSDOLSKY, 2001, p.

    173). Com efeito, para o trabalhador trata-se de um intercmbio de equi-

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    valentes fora de trabalho por preo do trabalho , ao passo que para o

    capital, uma vez que o capitalista recebe mais valor do que d, ocorre um

    intercmbio que contraria as prprias leis do intercmbio.

    O aproveitamento da fora de trabalho nada mais que o prprio

    trabalho, de forma que o capitalista consome a fora de trabalho fazendo

    o trabalhador trabalhar. Do mesmo modo, para o trabalho reaparecer em

    mercadorias, tem de ser empregado em valores-de-uso, em coisas que sir-

    vam para satisfazer necessidades de qualquer natureza (MARX, 2002, p.

    211). Do ponto de vista do capitalista, o processo ocorre entre coisas que

    o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem (MARX, 2002, p.

    219). Assim, o capital alinha o trabalho vivo junto a seus elementos ma-

    teriais, os meios de produo. No processo de produo, os elementos

    objetivos do capital submetem-se ao trabalho: De um lado, a matria que

    compe o capital deve ser elaborada, ou seja, consumida pelo trabalho;

    de outro, a mera subjetividade [...] deve ser superada, objetivando-se na

    matria do capital (MARX, 1956, apud ROSDOLSKY, 2001, p. 179).

    Observemos, agora, o processo de produo e suas inerentes rela-

    es sociais sob o ponto de vista especfico do valor. Imaginemos uma

    mercadoria cujo processo de produo envolva apenas capital constante,

    ou seja, zero trabalho humano. Nesse caso, pela lei da transferncia3,

    todo o valor ser transmitido massa de produtos finais4, impossibilitan-

    do, assim, a criao de mais-valor. Esse exerccio imaginativo pode lanar

    luz a um aspecto central do modo de produo capitalista. Com efeito, caso o trabalhador recebesse como pagamento todo o valor que produziu com sua fora de trabalho, no haveria valor excedente e, consequentemente, o modo de produo capitalista se inviabilizaria. Contudo, o trabalhador rece-

    3 Sobre a lei da transferncia de valores, reportamos o leitor ao captulo VI do Livro Primeiro de O capital (MARX, 2002).4 Consideramos aqui a produo em condies sociais normais, ou seja, sem desperdcio de matrias-primas, com intensidade mdia de trabalho etc.

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    SOCIOLOGIAS 59

    be, na realidade, apenas uma frao do valor que cria, consistindo o restante em mais-valia de propriedade do capitalista. Considerando uma jornada de trabalho de oito horas, o trabalhador usa, por exemplo, cinco horas para adicionar um valor matria equivalente ao seu salrio dirio. As trs horas restantes, sendo tempo de mais-trabalho (sob o ponto de vista do trabalha-dor), sero convertidas em mais-valia (sob o ponto de vista do capitalista)5.

    Dessa forma, o capital produz valor excedente por meio do valor de uso que adquiriu, ou seja, explorando trabalho alheio. Atentemos agora em um ponto: a mercadoria fora de trabalho obtida no mercado mediante uma transao como outra qualquer. Ora, mas no era justamente a esfera da circulao aquela em que predominava a igualdade, a liberdade e a reciprocidade? Sem dvida, esse ponto merece alguma meditao. O prin-cpio da circulao, como vimos, a identidade entre trabalho e proprieda-de, uma vez que o indivduo troca no mercado o produto resultante de seu trabalho por outro de mesmo valor. Porm, justamente o desenvolvimento desse princpio promove a inverso do direito de propriedade:

    O direito de propriedade transforma-se, de um lado, no direito de apropriar-se de trabalho alheio e, de outro, no dever de reconhecer que o produto do prprio trabalho e at mesmo o prprio trabalho so valores que pertencem a outro. O inter-cmbio de equivalentes operao originria que fundamen-tava juridicamente o direito de propriedade modificou-se at o ponto de tornar-se um intercmbio aparente, pois a parte do capital intercambiada por fora viva de trabalho trabalho alheio apropriado sem que a ele se tenha dado um equivalente como contrapartida [...]. A relao de intercmbio deixou ca-balmente de existir, mera aparncia. (MARX, 1977, p. 413)

    Desse modo, a consequncia da lei de circulao a separao

    radical entre o trabalho que fica impossibilitado de se apropriar do pr-

    5 No pensamos que este seja o local apropriado para abordar a importante diferena entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa. Contudo, reportamos o leitor Parte Terceira do Livro Primeiro de O capital (MARX, 2002).

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    SOCIOLOGIAS60

    prio produto e a propriedade que se efetua como direito ao trabalho

    alheio. Assim, a liberdade e a igualdade como fundamentos da troca sim-

    ples realizam-se, no modo de produo capitalista, como desigualdade

    e dominao. Porm, a adeso classista superfcie da circulao e a

    ocultao das subterrneas relaes de produo conduzem apologia

    do capital. Estamos diante, portanto, de uma formao ideolgica.

    IV

    Foucault afirma, em um texto de 1983, que o seu objetivo nos lti-

    mos vinte anos fora criar uma histria dos diferentes modos pelos quais,

    em nossa cultura, os seres humanos tornaram-se sujeitos (FOUCAULT,

    1995, p. 231). Com isso, ele coloca-se na contramo da assero bastante

    frequente no meio acadmico de que seu objeto primordial de estudo

    o poder. Esse equvoco no casual: ao estudar os fenmenos de objeti-

    vao do sujeito, Foucault cria realmente uma analtica do poder. Nessa

    analtica, o que se evidencia no uma teoria do poder e muito menos

    uma teoria do sujeito, mas uma cartografia de complexas relaes de

    poder no interior das quais os sujeitos so objetivados.

    Ser preciso uma teoria do poder? Uma vez que uma teoria assume uma objetivao prvia, ela no pode ser afirmada como uma base para um trabalho analtico. Porm este tra-balho analtico no pode proceder sem uma conceituao dos problemas tratados, conceituao esta que implica um pensamento crtico uma verificao constante. (FOU-CAULT, 1995, p. 232)

    Desse modo, Foucault evita formular uma teoria do poder uma vez

    que tal teoria obstruiria a prpria anlise das relaes de poder. Realmen-

    te, a cristalizao de uma teoria acabaria por impor um molde fixo e mor-

    to anlise das diversas relaes sociais concretas. No entanto, Foucault

  • Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 46-73

    SOCIOLOGIAS 61

    no se exime das conceituaes necessrias; para isso, ele caracteriza o

    poder como a multiplicidade de correlaes de fora imanentes ao do-

    mnio onde se exercem e constitutivas de sua organizao (FOUCAULT,

    2003, p. 88). Assim, o poder compreendido como o suporte mvel de

    uma disperso material. Poder produzido e ameaado por toda e qual-

    quer relao concreta, uma vez que ele no uma forma substancializada

    passvel de ser conquistada. Onipresena do poder: no porque tenha

    o privilgio de agrupar tudo sob sua invencvel unidade, mas porque se

    produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relao

    entre um ponto e outro (FOUCAULT, 2003, p. 89).

    Foucault no pde formular uma teoria do poder pois este o operador

    central de suas anlises; em outras palavras, a estratgia do seu pensamen-

    to. Por estratgia do pensamento no devemos entender uma perspectiva

    subjetivista, mas a condio de possibilidade do seu mtodo analtico.

    Em que consiste a materialidade do poder? Os mais diversos ele-

    mentos se prestam a relaes de poder: a configurao arquitetnica de

    um prdio residencial, os testes experimentais de uma disciplina cientfi-

    ca, o jogo de silncios no setting psicanaltico... Mas observemos: todos

    esses elementos so atravessados por algo, ou melhor, algo sempre ma-

    terializado pelas relaes de poder; referimo-nos ao discurso.

    Suponho que em toda sociedade a produo do discurso ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuda por certo nmero de procedimentos que tm por funo conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatrio, esquivar sua pesada e temvel ma-terialidade. (FOUCAULT, 2001a, p. 9)

    A questo onde, afinal, est o perigo [do discurso]? (FOUCAULT,

    2001b, p. 8) norteia a aula inaugural de Foucault no Collge de France,

    intitulada A ordem do discurso. Assim, ao mesmo tempo em que enuncia

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    SOCIOLOGIAS62

    os perigos do discurso, o autor constitui seu conceito. Penetremos, por-

    tanto, na ordem do discurso de Foucault.

    Desde o sculo VII, se fortalece em nossa sociedade uma von-

    tade de verdade que tenciona separar o que ela chama de discursos

    verdadeiros e discursos falsos. Podemos tomar como exemplo dessa

    vontade o atravessamento do sistema penal por diversos saberes, tais

    como a sociologia, a psicologia, a medicina, a psiquiatria, como se a

    prpria palavra da lei no pudesse ser autorizada, em nossa sociedade,

    seno por um discurso de verdade (FOUCAULT, 2001a, p. 19). Apenas

    um exemplo, sem dvida, mas que mostra como a vontade de verdade

    exerce presso sobre os discursos. Esse movimento pode ser deslocado

    para a Antiguidade: algo ocorreu no curto espao que cinde os sofistas de

    Plato. Nesse ponto o discurso foi desarmado a ponto de tornar-se uma

    verdade no pelo que ele faz, mas pelo que ele diz; com isso, ele perdeu

    seu brilho de coisa viva, para tornar-se a manifestao de coisas mortas.

    Desde que foram excludos os jogos e o comrcio de so-fistas, desde que seus paradoxos foram amordaados, com maior ou menor segurana, parece que o pensamento oci-dental tomou cuidado para que o discurso ocupasse o me-nor lugar possvel entre o pensamento e a palavra; parece que tomou cuidado para que o discurso aparecesse ape-nas como um certo aporte entre pensar e falar; seria um pensamento revestido de seus signos e tornado visvel pelas palavras, ou, inversamente, seriam as estruturas mesmas da lngua postas em jogo e produzindo um efeito de sentido. (FOUCAULT, 2001a, p. 46)

    Teme-se, no discurso, sua dimenso combativa, sua materialida-

    de revolta, seu riso de escrnio frente aos rococs da vontade de verdade.

    necessrio, portanto, mirar o fundo dos olhos dessa ordem do discurso:

    No se trata, aqui, de neutralizar o discurso, transform-lo em signo de outra coisa e atravessar-lhe a espessura para encontrar o que permanece silencioso aqum dele, e sim,

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    SOCIOLOGIAS 63

    pelo contrrio, de mant-lo em sua consistncia, faz-lo surgir na complexidade que lhe prpria. Em uma palavra, quer-se, na verdade, renunciar s coisas, despresentific-las; conjurar sua rica, relevante e imediata plenitude, que costumamos considerar como a lei primitiva de um discur-so que dela s se afastaria pelo erro, esquecimento, iluso, ignorncia ou inrcia das crenas e das tradies ou, ain-da, desejo inconsciente, talvez, de no ver e de no dizer; substituir o tesouro enigmtico das coisas anteriores ao discurso pela formao regular dos objetos que s nele se delineiam; [...]. (FOUCAULT, 2004, p. 53)

    Foucault no trabalha, portanto, com o discurso como um plano a ser ultrapassado tendo-se em vista a verdade que ele ocultaria ou mani-festaria, mas sim com a anlise dos procedimentos de produo de ver-dade no interior mesmo do discurso. Para isso, ele utiliza o conceito de formao discursiva, isto , um conjunto de regras annimas, histricas, sempre determinadas no tempo e no espao que definiram uma poca dada, e para uma rea social, econmica, geogrfica ou lingstica dada, as condies de exerccio da funo enunciativa (FOUCAULT, 1980, apud MAINGUENEAU, 1997, p. 14). No item a seguir, verificaremos a forma concreta com que Foucault opera esse conceito.

    V

    Em A casa dos loucos, texto publicado originalmente em 1975, Fou-

    cault se detm no exame do surgimento da antipsiquiatria6. Para tanto, ele

    retoma o processo histrico que configurou a relao mdico-paciente a

    partir dos hospitais do sculo XVIII. Refaamos, ento, em linhas sucintas

    6 Foucault inclui no movimento da antipsiquiatria veremos o critrio a seguir uma gama de autores, tais como Bernheim, Laing, Basaglia e Cooper. Cabe ressaltar, em consonncia com o pensamento foucaultiano, que a antipsiquiatria pode ser caracterizada como uma mul-tiplicidade de elementos discursivos descontnuos que confluem para uma estratgia mais ou menos semelhante.

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    SOCIOLOGIAS64

    esse percurso, a fim de verificar como Foucault trabalha concretamente

    com o conceito de formao discursiva.

    O hospital no sculo XVIII era um lugar de manifestao da doena. Ao

    mdico cabia o exerccio de uma ao direta sobre ela de tal forma que per-

    mitisse a ecloso de sua verdade. Ele deveria invocar e criar as condies para

    a doena desenvolver todas as suas potencialidades intrnsecas e libertar-se

    de formas confusas e misturadas a outras doenas. Para isso, era necessrio

    atocai-la e surpreend-la em rituais e ocasies privilegiados. Portanto, a rela-

    o mdico-paciente de ento era pautada por procedimentos de apreenso

    e produo tratava-se de apanhar a verdade da doena em uma situao

    especfica ocasionada pelo mdico. A ao teraputica encontraria a sua

    possibilidade de exerccio. A concepo de crise, noo mdica presente at

    o final do sculo XVIII, exemplar dessa dimenso:

    A crise, tal como era concebida e exercida, precisamente o momento em que a natureza profunda da doena sobe superfcie e se deixa ver. o momento em que o processo doentio, por sua prpria energia, se desfaz de seus entraves, se liberta de tudo aquilo que o impedia de completar-se e, de alguma forma, se decide a ser isto e no aquilo, decide o seu futuro favorvel ou desfavorvel. Movimento em cer-to sentido autnomo, mas do qual o mdico pode e deve participar. Este deve reunir em torno dela todas as conjun-es que lhe so favorveis e prepar-la, ou seja, invoc-la e suscit-la. Mas deve tambm colh-la como se fosse uma ocasio, nela inserir sua ao teraputica e combat-la no dia mais propcio. Sem dvida, a crise pode ocorrer sem o mdico, mas se este quiser intervir, que seja segundo uma estratgia que se imponha crise como momento de verda-de, pronta a subrepticiamente conduzir o momento a uma data que seja favorvel ao terapeuta. No pensamento e na prtica mdica, a crise era ao mesmo tempo momento fa-tal, efeito de um ritual e ocasio estratgica. (FOUCAULT, 2001b, p. 114)

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    SOCIOLOGIAS 65

    No entanto, o hospital era tambm o local por excelncia da ambigui-

    dade. Uma outra figura protagonizava alianas e duelos imprecisos na noite

    das prticas hospitalares. Com efeito, junto dimenso produtiva, outra pers-

    pectiva atravessava a relao mdico-paciente: o conhecimento. Ao mdico

    cabia conhecer a doena, para coagi-la a apresentar-se. A doena era suscita-

    da para que pudesse ser desvelada em sua verdade. As espcies de doenas

    precisavam ser contempladas pelo olhar mdico que as categorizava.

    As grandes estruturas hospitalares instauradas no sculo XIX tomaram para si durante muito tempo esta dupla funo. E durante um sculo (1760-1860) a prtica e a teoria da hos-pitalizao, e de uma forma geral a concepo de doena, foram dominadas por esse equvoco: o hospital, estrutura de acolhimento da doena, deve ser um lugar de conhecimento ou um lugar de prova7 . (FOUCAULT, 2001b , p. 119)

    Coero mtua que envolvia a produo da verdade no discurso

    hospitalar at o final do sculo XVIII. Prticas de constatao da verdade,

    que deveria ser desvelada ao olhar atento do mdico conhecedor; e, ao

    mesmo tempo, rituais do acontecimento-verdade que deveria ser suscita-

    do pelo mdico astucioso. No hospital, a determinao dupla dessas pr-

    ticas discursivas no era uma contradio, era seu modo possvel de ser.

    No se trata de uma etapa do conhecimento que, orientado pela razo,

    pde superar-se em direo a uma forma em que a cincia atual pudesse

    enfim se reconhecer. O que est em pauta antes um outro equilbrio na

    distribuio entre poderes e saberes. A relao de poder mdico-paciente

    envolvia, ento, modos de sujeio que no mais podemos reconhecer

    integralmente em ns; e isso no equivale a afirmar peremptoriamente

    que estamos diante do progresso da objetividade cientfica. Assim, por

    7 O termo prova aqui empregado por Foucault em aluso a rituais jurdicos marcados pelo desafio entre acusador e acusado. Em tais rituais, a verdade era o efeito produzido pela deter-minao do vencedor. Assim, prova, no trecho citado, refere-se a ocasies de manipulao da produo da verdade.

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    SOCIOLOGIAS66

    meio de um saber crtico, Foucault se esquiva de cometer essa iluso re-

    trospectiva to frequente nos historiadores da medicina.

    Circunscritos a esse duplo constrangimento, uma srie de ques-

    tionamentos e debates acalorados foram suscitados e, repentinamente,

    recolheram-se para a sombra. Questionamentos que envolviam o curso

    de uma doena normal deveria levar morte ou cura ao trmino

    de sua evoluo? Debates abrangendo a natureza pura ou complexa da

    doena haveria apenas uma doena fundamental que se ramificaria em

    vrias outras impuras ou, ao contrrio, categorias irredutveis de doenas?

    Enfim, um regime discursivo que ruiu com a imposio de um novo per-

    sonagem na cena hospitalar. Curiosamente, toda a comoo causada por

    sua entrada abrupta no palco no armado foi instantaneamente abafada

    pelo silncio de seus gestos precisos e econmicos:

    Sabemos bem que a biologia de Pasteur simplificou prodi-giosamente todos estes problemas. Determinando o agente do mal e fixando-o como organismo singular, permitiu que o hospital se tornasse um lugar de observao, de diagnstico, de localizao clnica e experimental, mas tambm de inter-veno imediata, ataque voltado para a invaso microbiana. (FOUCAULT, 2001b, p. 119)

    E ainda:

    O lugar onde se produzir a doena ser o laboratrio, o tubo de ensaio. Mas a a doena no se efetua numa crise. Reduz-se seu processo a um mecanismo que pode ser au-mentado, e se a coloca como fenmeno verificvel e con-trolvel. O meio hospitalar no tem mais que ser para a do-ena o lugar favorvel para um acontecimento decisivo. Ele permite simplesmente uma reduo, uma transferncia, um aumento, uma constatao. A prova se transforma em teste na estrutura tcnica do laboratrio. (FOUCAULT, 2001b, p. 119-120)

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    SOCIOLOGIAS 67

    Com isso, toda uma tecnologia da verdade era expulsa dos hospitais

    e dava lugar a novas formas de sujeio e a novos esquemas de conheci-

    mento. A verdade agora deve ser conhecida pela mediao de instrumen-

    tos e no mais ser atrada e apanhada por armadilhas engenhosas. Desar-

    mado de seus antigos poderes, o mdico v a esfera do conhecimento

    cientfico ganhar fora em suas prticas. Dentre seus mritos, impe-se

    agora a competncia em detrimento da astcia. De certo modo, em con-

    sonncia com suas mos, que passaram a ser acusadas de transmissoras

    do mal, a verdade antes suscitada e invocada precisa ser esterilizada.

    Justamente l onde os mdicos se viam como argutos produtores da ver-

    dade crtica da doena, l onde sua presena era mais fundamental do

    que em qualquer outro lugar, justamente l eles foram colocados contra

    a parede e feridos de morte: suas mos, longe de salvarem, traziam a

    prpria doena em sua forma invisvel ao paciente. Uma nova assepsia na

    produo da verdade ser necessria a partir da, e os prprios mdicos

    sero encarregados de levar a cabo esse projeto.

    Foucault faz, ento, um corte rpido em sua escritura e desloca seu

    foco para a problemtica da loucura:

    Antes do sculo XVIII, a loucura no era sistematicamente internada, e era essencialmente considerada como uma for-ma de erro ou de iluso. Ainda no comeo da idade clssica, a loucura era vista como pertencendo s quimeras do mun-do; podia viver no meio delas e s seria separada no caso de tomar formas extremas ou perigosas. Nestas condies compreende-se a impossibilidade do espao artificial do hospital em ser um lugar privilegiado, onde a loucura podia e devia explodir sua verdade. Os lugares reconhecidos como teraputicos eram primeiramente a natureza, pois que era a forma visvel da verdade; tinha nela mesma o poder de dissi-par o erro, de fazer sumir as quimeras. As prescries dadas pelo mdico eram de preferncia a viagem, o repouso, o passeio, o retiro, o corte com o mundo vo e artificial da cidade. Esquirol ainda considerou isto quando, ao fazer os

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    SOCIOLOGIAS68

    planos de um hospital psiquitrico, recomendava que cada cela fosse aberta para a vista de um jardim. (FOUCAULT, 2001b, p. 120-121)

    Com o internamento do doente mental, no sculo XIX, a loucura

    passa a ser distinguida como desordem na maneira de agir, de querer,

    de sentir paixes, de tomar decises, de ser livre (2001a, p. 121). O que

    est em questo menos o julgamento perturbado do que uma con-

    duta irregular; menos o erro da razo concepo essa que nos reme-

    te diretamente Idade Clssica, que unia a loucura a outras figuras da

    marginalidade (FOUCAULT, 2002) do que um descontrole das paixes.

    Nesse cenrio, o asilo se aproxima do hospital do sculo XVIII, ou seja,

    nele a loucura deve se desenvolver em toda a sua plenitude. Mas no

    basta desmascarar a doena mental, preciso que o asilo seja o local de

    confrontao de duas vontades. De um lado, o doente, cuja vontade e

    conduta se (des)caracterizam pela perturbao e pela irregularidade; de

    outro, o mdico, cuja retido da ndole deve prevalecer ao trmino do

    embate. Trata-se de sobrepujar os arroubos loucos e colocar no devido

    lugar o carter do paciente. Imposio de uma vontade sobre a outra

    num embate travado no solo da ordem discursiva moral.

    Assim se estabelece a funo muito curiosa do hospital psi-quitrico do sculo XIX: lugar de diagnstico e de classifica-o, retngulo botnico onde as espcies de doenas so divididas em compartimentos cuja disposio lembra uma vasta horta. Mas tambm espao fechado para um confron-to, lugar de uma disputa, campo institucional onde se trata de vitria e submisso. O grande mdico do asilo seja ele Leuret, Charcot ou Kraepelin ao mesmo tempo aquele que pode dizer a verdade da doena pelo saber que dela tem, e aquele que pode produzir a doena em sua verdade e submet-la, na realidade, pelo poder que sua vontade exerce sobre o prprio doente. (FOUCAULT, 2001b, p. 122)

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    SOCIOLOGIAS 69

    Em oposio ao hospital, no qual a funo do mdico como pro-

    dutor da verdade dilui-se numa estrutura de conhecimento, no asilo essa

    funo se intensifica ao extremo. Mas isso ocorreu em uma poca em que

    o saber mdico precisava se inscrever em um registro que destacasse o

    conhecimento e a constatao de fenmenos. O psiquiatra, como mdi-

    co que , deve fundamentar suas prticas em seu conhecimento. A con-

    dio de mdico do psiquiatra o colocava na berlinda em conformidade

    com a medicina da poca. Em outras palavras, o poder que o asilo d ao

    psiquiatra deve ser inscrito em um discurso integrado linguagem e ao sa-

    ber mdico exigidos ento. A cumplicidade entre essas duas prerrogativas

    se faz de forma curiosa, de modo que a relao psiquiatra-paciente ser

    estratgica na criao de uma nova sensibilidade:

    O ponto de perfeio, miraculosa em demasia, foi atingi-do quando as doentes do servio de Charcot, a pedido do poder-saber mdico, se puseram a reproduzir uma sintoma-tologia calcada na epilepsia, isto , suscetvel de decifrao, conhecida e reconhecida nos termos de uma doena org-nica. (FOUCAULT, 2001b, p. 123)

    Para Foucault, a primeira enunciao incipiente do movimento

    que viria a se instaurar como antipsiquiatria surge com a crtica de que

    Charcot produzia abusivamente a prpria realidade da doena, e no sua

    verdade crtica. Trata-se de questionar o poder mdico em si mais at

    do que o conhecimento e a cincia mdica. Se a tenso entre verdade

    invocada-produzida e verdade descoberta-conhecida precisou ser diluda

    com a insero do discurso mdico no registro da cientificidade, trata-

    se agora de ocasionar abalos na psiquiatria com o questionamento dos

    fundamentos da relao de poder mdico-paciente. A partir da creio

    que se pode compreender o que est em jogo na antipsiquiatria, e que

    no absolutamente o valor da verdade da psiquiatria em termos de

  • Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 46-73

    SOCIOLOGIAS70

    conhecimento, de preciso do diagnstico ou de eficcia teraputica.

    (FOUCAULT, 2001b, p. 126.)

    VI

    Como pudemos ver, as diferenas entre os conceitos de ideologia e

    de formao discursiva no so irrisrias. A singularidade de cada concei-

    to impossibilita at mesmo uma concluso que sintetize satisfatoriamente

    todas as suas dessemelhanas. Gostaramos, no entanto, de destacar al-

    gumas diferenas.

    Rico o interjogo que estabelece o pensamento marxista entre a ide-

    ologia e seu substrato material. correto, nesse sentido, afirmarmos que

    Marx, ao estabelecer a crtica ao modo de produo capitalista, baliza os

    parmetros metodolgicos para uma compreenso das obras do esprito

    tais como, por exemplo, a filosofia como reflexos ideolgicos da organiza-

    o social. A ideologia pode, nesse vis, ser definida como uma justificativa,

    no plano das ideias, de uma ordem socioeconmica instituda.

    Para Foucault, a clssica questo da relao do pensamento com

    as coisas deslizada e transfigurada pelo conceito de formao discur-

    siva. Com efeito, a enunciao tomada agora no como uma expresso

    mais ou menos deturpada de um pensamento que a sustente, mas como

    o ato de insero do sujeito em uma instituio que o domina. O dis-

    curso, desse modo, invade a realidade, sendo a um s tempo dispositivo

    social e representao.

    O mtodo crtico-dialtico de Marx permite ultrapassar as criaes

    ideais do mundo reificado. Ao efetuar essa ultrapassagem, atinge-se o ponto

    vital do modo de produo capitalista. Dessa forma, o confronto com a ide-

    ologia tem como contrapartida necessria a transformao da organizao

    social que a possibilita. Foucault, por sua vez, afirma a total impossibilidade

  • Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 46-73

    SOCIOLOGIAS 71

    de separao entre a ordem social e a discursiva. O discurso passa, ento, a

    ser visto como um dispositivo social de sujeio que realiza concretamente

    os jogos de restrio/produo caractersticos das relaes de poder.

    Sim, pouco sobra em comum entre ideologia e discurso. Porm,

    uma importante convergncia entre esses conceitos nas obras de Marx e

    Foucault merece ser abordada. Trata-se da oposio filosofia do sujeito,

    ou seja, da confrontao com o indivduo tomado como ser isolado e

    centrado em sua prpria conscincia como fundamento do devir hist-

    rico. Realmente, com os conceitos de prxis e ideologia, Marx desloca

    o sujeito de seu autocentramento e o insere em amplas categorias so-

    cioeconmicas. Foucault, por sua vez, ao analisar os procedimentos de

    produo de verdade no discurso, debrua-se sobre processos histricos

    de objetivao do sujeito que pouco tm a ver com a razo libertadora do

    Iluminismo. Nesse ponto solitrio, as obras de Marx e Foucault tocam-se

    cmplices, por um instante apenas, para logo se afastarem novamente.

    Marxs ideology and Foucaults discourse: Convergence and Distanciation

    Abstract

    This paper identifies the concepts of ideology and discourse in the works of Marx and Foucault, respectively. It summarizes the Marxist analysis of the reversal of the laws of property as a consequence of the destruction of a specific ideology; and presents the archeology of the doctor-patient relationship, from the work of Foucault, as an example of the configuration of a particular discursive field. To conclude, the paper points to a distanciation and a convergence between the concepts in question.

    Keywords: Ideology. Discourse. Marx, K. (1818-1883). Foucault, M. (1926-1984).

  • Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 23, jan./abr. 2010, p. 46-73

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    Recebido: 10/09/2007

    Aceite final: 23/04/2008