a história de um silêncio - um estudo de caso sobre questões da negritude em uma comunidade...

217

Click here to load reader

Upload: josimar-alves

Post on 16-Aug-2015

94 views

Category:

Documents


27 download

DESCRIPTION

Trabalho apresentado por Cristina Kelly da Silva PereiraDissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.Orientação: Professor Dr. Lauri Emílio Wirth

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE METODISTA DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS DA RELIGIO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DA RELIGIO CRISTINA KELLY DA SILVA PEREIRA A HISTRIA DE UM SILNCIO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE QUESTES DA NEGRITUDE EM UMA COMUNIDADE BATISTA DA PERIFERIA DA CIDADE DE SO PAULO SO BERNARDO DO CAMPO 2008 CRISTINA KELLY DA SILVA PEREIRA A HISTRIA DE UM SILNCIO: UM ESTUDO DE CASO SOBRE QUESTES DA NEGRITUDE EM UMA COMUNIDADE BATISTA DA PERIFERIA DA CIDADE DE SO PAULO Dissertao apresentada ao programa de Ps-GraduaoemCinciasdaReligioda UniversidadeMetodistadeSoPaulo, FaculdadedeFilosofiaeCinciasda Religio,comopartedosrequisitospara obteno do ttulo de Mestre em Cincias da Religio. Orientao:ProfessorDr.LauriEmlio Wirth SO BERNARDO DO CAMPO 2008 EstetrabalhodedicadoemmemriadeElizabeth Gonalves da Silva Pereira, que permanece para sempre presente em meu corao. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a todos que participaramdireta e indiretamente desse trabalho e contriburam para sua concretizao. Ao meu pai,Carlos,peloapoio;asminhasirms, Claudia, Carol, Cssia e Cntia eao meu irmoJunior, pela ajuda especial e pelo interesse constante de cada um. Aomeunamorado,Antonio,pelainabalvelpacinciaepelaincrvel sensibilidade em me compreender. Asnovasamizadesqueforamfeitasaolongodocurso,Qunia,Pedro, Mayrol, Osas, Fernanda, Hauley, Amlcar, ngela, Rogrio, Leandro eao casal Marlene e Carlo que deixaram marcadas na memria, lembranas dos bons momentos que passamos juntos. AosmestresdoprogramadePs-GraduaoemCinciasdaReligio,que muito contriburam com suas sugestes e persistentes interaes. A todos da igreja Batista Maranata, que me receberam com as portas abertas e junto comigo abraaram essa pesquisa; ao pastorDanilo, pelo apoio; e em especiala todasaquelas eaquelesquecederamseutempo,suavozesua histria, sem as quais a concretizao dessa pesquisa no aconteceria. AosfuncionriosdasbibliotecasdaUniversidadeMetodista; dabiblioteca pblica do Estado de Minas Gerais e dabiblioteca do Seminrio teolgica batista de So Paulo, pela dedicao e pelos servios prestados. AoCNPq(ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientficoe Tecnolgico), pela bolsa que financiou minha pesquisa, sem a qual no seria possvel a concretizao da mesma. Porfim,deixoosagradecimentosespeciaisaomeuorientador,professor LauriEmlioWirth,quemuitomeincentivoudurantetodooprocesso da pesquisa, pelas constantes orientaes e conversas que permearam todos os passos desse trabalho, pela pacincia em ouvir minhas dvidas e, sobretudo, pelo respeito que sempre demonstrou. Tempos e tempos passaram por sobre teu ser. Da era crist de 1500 at estes tempos severos de hoje, quem foi que formou de novo teu ventre, teus olhos, tua alma? Te vendo, medito: foi negro, foi ndio ou foi cristo? Os modos de rir, o jeito de andar, pele, gozo, corao, negro, ndio ou cristo? Quem foi que te deu esta sabedoria, mais dengo e alvura, cabelo escorrido, tristeza do mundo, desgosto da vida, orgulho de branco, algemas, resgates, alforrias? Foi negro, foi ndio ou foi cristo? Quem foi que mudou teu leite, teu sangue, teus ps, teu modo de amar, teus santos, teus dios, teu fogo, teu suor, tua espuma tua saliva, teus braos, teus suspiros, tua comida, tua lngua? Te vendo, medito: foi negro, foi ndio ou foi cristo? Jorge de Lima Foi mudando, mudando. RESUMO Oobjetivodestetrabalhofoianalisarprticasmicrobianas,singulareseplurais, relativasaotemadanegritude,nocotidianodacomunidadebatistaMaranata,como estudo de caso de um grupo religioso no distrito Graja, periferia da cidade de So Paulo. Fazendo uso da Histria Oral, produzimos nossas fontes de analise documental dando voz aumgrupodepessoasdessacomunidadeevanglica,queseautodeclararampretase pardas.Detectamosemseudiscursoapercepoquetmemrelaotemticada negritudebrasileira,sobreaspolticasdeaesafirmativas,sobreapresenado preconceitoediscriminaoracialnaatualsociedade,bemcomoaposioda comunidadediantedessatemtica.Aperguntapelopapeldamentalidadereligiosano enfrentamentodestaproblemticafoiofocoorientadordestesdiferenteseixosde observao.Porserumtemamuitodelicadoepoucodiscutidoentreosevanglicos, percebemos que a comunidadenose sentiumuitovontadeparadiscuti- lo. O discurso de nossosinterlocutores, que aparentemente se mostrava ambguo e por vezes incoerente, pois ora admitia-se o preconceito racial, e oraeleeranegado,foiumaformaencontrada por estes consumidores para encobrir os mecanismos de descriminao e excluso que tambm percebem existir dentro de sua comunidade de f e para, desse modo, sentirem-se aceitosnacomunidade,criandoassimtticasdesobrevivnciaeespaosde pertencimento em meio s estratgias impostas pela denominao religiosa. PALAVRAS- CHAVE: igreja batista; negritude; preconceito racial; tticas e estratgias. ABSTRACT The aim of this work was to analyse in the single and plural microbian practices, issuesrelated tonegritudein the dailychores of a MaranataBaptistcommunity, sited in GrajadistrictintheoutskirtsofSoPaulo.BymakinguseoftheOralHistoryand religiousmemoryasamethod ofhistoriographicresearch,wegavewordtoagroup of persons from thisevangelical communitythatlabelthemselvesblackanddark,andthus produced our source of documental analyses.We detected in their speech the perception theyhaveaboutthemesconcernedwithBraziliannegritude,affirmativepolicies,the existenceofprejudiceandracial discriminationin the present society and theposition of thecommunitytowardstheseissues.Becauseitisaverydelicateandlittlediscussed themeamongevangelicalpeople,werealizedthatthecommunitywasnotmuch comfortable to discuss it.Thespeechofourinterlocutors, that was apparently ambiguous and even incoherent at times, as it accepted racial prejudice, and then denied it, was a way foundbytheseconsumerstoconcealthemodesofdiscriminationandexclusion also notedbythemwithintheircommunityoffaith.Thisway,inorder for them to feel they are accepted as part of thecommunity, theyconstantlybuilduptactics to survive inthe midst of the strategies imposed by the religious domination. KEY WORDS: Baptist church;negritude; racial prejudice; tactics and strategies. SUMRIO Introduo................................................................................................. 11 Captulo1SoPaulo:arautodamodernidadeemmeios contradies sociais........................................................................... 20 1.1. So Paulo: a locomotiva que puxa o Brasil.................................................... 20 1.2. Redemocratizao brasileira: um processo em andamento...........................27 1.3. Processo de periferizao e favelizao da cidade de So Paulo................... 1.4. A zona sul de So Paulo................................................................................. 1.5. Distrito Graja................................................................................................ 1.6. Breve nota sobre os Batistas no Brasil........................................................... 1.7. Maranata, sua estrutura e formao................................................................ 31 38 42 46 52 Captulo2Aconstruodanegritudebrasileiraesuas metamorfoses..................................................................................... 58 2.1. O esforo cientfico na compreenso do negro brasileiro..............................61 2.2. Um mito social para a construo do imaginrio sobre o negro brasileiro....63 2.3. Morte do mito da democracia racial............................................................... 67 2.4. Sociedade patriarca legitimadora do racismo.................................................69 2.5. Racismo e sua face brasileira.........................................................................70 2.6. Ao afirmativa e identidade brasileira..........................................................76 2.7. O que pensam os negros da Igreja Batista Maranata sobre as cotas?............81 2.8. Racismo, uma questo silenciada...................................................................87 2.9. O Jornal Batista no ano de 1988.....................................................................94 Captulo 3 Religio e negritude em dilogo: apreciao da produo documental............................................................................ 99 3.1. Oralidade como ponto de partida na produo e anlise dos documentos.....100 3.2. A memria como objeto de pesquisa.............................................................103 3.3. Tticas e estratgias: teoria certouriana......................................................... 104 3.4. Panorama geral das entrevistas atravs de grficos.......................................107 3.5. Pensamento Batista no contexto da ideologia protestante.............................110 3.6. Comunidade de f: rede de solidariedade e integrao social........................118 3.7. Questes negras no contexto da comunidade batista.....................................124 Consideraes Finais..................................................................................... 132 Bibliografia........................................................................................ 137 Anexos................................................................................................ 152 INTRODUO Atemticadanegritudetemdespertadomeuinteressedesdequandomegraduei em Histria e escrevi meu Trabalho de Concluso de Curso sobre a Representao social dosnegrosnaigrejabatistaMaranata.Darcontinuidadeaestetrabalhodeformamais aprofundadanoProgramadePs-GraduaoemCinciasdaReligiofoiinteressante, principalmenteporquepossibilitouaampliaodapesquisaeexigiuumtratamentoda questoreligiosacommaiorrigortericoesensibilidade,destacandooviverreligioso como de fundamental importncia quando se pretende perceber as aes microscpicas do cotidiano popular. Aproblemticadanegritudebrasileiraumtemaquedespertagrandesdebates, nosemacademias,congressos,seminrios,mastambmnamdiatelevisivae impressa.Essetematambmtemfeitopartedorepertriodeexposiesdearte,a exemplodomuseuAfro-Brasil1,instaladonoParquedoIbirapuera,quefazexposies permanentesdearte,comoobjetivodevalorizaraculturaNegra.Asquestesda negritudetambmtomamcorpoemConfernciasedebatespblicoscomooSeminrio ocorridoemoutubrode2006,nasededoMinistrioPblicodoEstadodeSoPaulo2, cujodestaquefoi a negritude com o tema Incluso social: questo de cidadania. Outro evento pblico que merece destaque ocorrido no mesmo ano, foi o debate sobre o Estatuto da Igualdade Racial para o resgate da cidadania, com o tema Dilogo sobre a igualdade racial,organizadopeloMinistriodeAesAfirmativasAfrodescendentesdaigreja metodistaemparceriacomaOrdemdosAdvogadosdoBrasil(OAB).Ainda,merece realceoincentivogovernamentalparaainclusodaHistriadafricanocurrculo escolar,comoummeiodeestimularavalorizaodanegritude,dasrazesafricanase, acima de tudo, despertar respeito pelas contribuies afros, o que deve contribuir para a auto estima de seus descendentes.Muitossoosfocosdediscussoeentreosmaisimportantesesto as polticas afirmativas, uma polmica que divide as opinies tanto entre pesquisadores quanto entre 1OMuseuAfro-Brasil,instaladonoParquedoIbirapuera,cujoobjetivorecuperar,preservar, valorizaredivulgarouniversohistrico-culturaldonegrobrasileiro.(UmprojetodaSecretria MunicipaldaCulturadeSoPauloemparceriacomaSecretriaMunicipaldoVerdeeMeio Ambiente de So Paulo, o Ministrio da Cultura, a Petrobras, o Instituto Florestan Fernandes e a Secretria Especial de Polticas de Promoo da Igualdade Racial). 2AnegritudetemsidoumtemadediscussodaatualSecretriadaJustiaedaDefesadaCidadaniado Estado de So Paulo, Eunice Aparecida de Jesus Prudente. osgruposmilitantesdomovimentoNegro.Noentanto,percebemosqueessauma temticaquepoucotemdespertadoointeressedascomunidadesevanglicasdoBrasil, vistoseraigrejametodistaonicoexemplodeprotestantismodemissoquepossuum ministriodeAoAfirmativa.Assim,opresentetrabalhoquerserumacontribuio, aindaquemodesta,paraodebatedatemticadanegritudenombitoreligioso,mais precisamentenocampoprotestante,namedidaemquediscuteopreconceitoracialnuma comunidade batista afro-descendente. Contudo, sua relevncia no se restringe ao mbito estritamentereligioso,seadmitirmosqueaigrejaumsegmentodasociedadeeuma expressodenossacultura.Sendoassim,osproblemasvivenciadospornossasociedade, tambm fazem parte da realidade de uma comunidade religiosa. Neste sentido, procurou-serespondercomoosfieisdaigrejabatistaMaranataentendemaparticipao social de sua comunidade de f em relao a questes do preconceito e da discriminao racial.Aescolhadatemticadanegritudefoifeitapelaurgnciadesepensarsobreo preconceitoeadiscriminaoracialcomoprticasqueimpedemoexerccioplenoda democraciapormuitoscidadosdasociedadebrasileirae,aigrejabatista,porserum ramo do protestantismo histrico que possui uma existncia slida nas terras brasileiras, tendoumnmerosuperioraummilhodefieisespalhadosportodoterritrionacionale centoeoitentamilsomentenoestadodeSoPaulo,mastambmporportarprincpios comoalutapelaliberdadeepelosdireitoshumanos,destarte,umadenominaocom ampla representatividade nacional, mas que pouco tem agido em favor da afrobrasilidade. nestesentidoqueacredita-seserrelevanterepensaropapeldaigrejabatistana sociedadecontempornea,refletirsobresuasatitudesemrelaoaosproblemas apresentados na atualidade, notar as contribuies dessa instituio sociedade brasileira e, possivelmente, pensar em possibilidades de transformaes futuras.Uma vez que este estudo se interessa por processos histricos do tempo presente e se preocupa em dar voz aos que foram silenciados pela histria dominante, foi escolhido comomtododeinvestigaocientficaaHistoriaOral.Poistrata-se deum mtodo que permitepensarnaparticularidade,pressupondoqueassubjetividadessocategorias importantesparaseentenderumprocessohistrico, sem desprezar as estruturas sociais e a funo da religio na sociedade, permitindo um enfoque da temtica em pauta, a partir da vivncia religiosa dos sujeitos. Paraaelaboraodosdocumentosquefoiproduzidopelapesquisadoraum roteirodeperguntasabordandodiferentestemticas:preconceitoediscriminaoracial, negritudebrasileira,experinciadomembrobatistaesuapercepoarespeitodo preconceitoracialnacomunidadebatistaMaranata.Paratantoforamselecionadasvinte pessoasvoluntriasqueseautodenominaramnegras,incluindoolderdacomunidade, que,contudo,seautodenominoubranco.Paraobtenodeumquadrorepresentativoe geraldacomunidade,foramentrevistadosvintemembrosefetivamenteparticipantesda comunidade, nove homens e onze mulheres com idades entre 24 a 59 anos. As entrevistas foramfeitas,agrandemaioria,nacasadodepoenteparaqueestesesentissemais confortvel e a vontade para conversar. Todas as entrevistas foram gravadas em fitas K7, transcritaseanexadasnantegranofinaldestetrabalho.Foiobtidaautorizaodos depoentes para utilizao total ou parcial de seus depoimentos, mediante a assinatura de uma carta de concesso, produzida pela pesquisadora, permitindo liberdade ao depoente de recusar-se a participar ou de retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalizao alguma e sem nenhum prejuzo.ComousodametodologiadaHistriaOral,foipossveltrazertona experinciasevisesdemundoquenormalmentepermaneceminvisveisesilenciosas nas documentaes histricas convencionais. Foi dada voz a um grupo de afro-brasileiros que vivem a realidade do preconceito racial, mas que, segundo a suspeita, comprovada no finaldotrabalho,sublimamessarealidadequandoestoconvivendodentrodesua comunidadedef.Aescolhadessemtodosejustificamedidaquepermiteestudara memria de sujeitos religiosos e suas representaes, pois possibilita a aproximao entre o pesquisador e o sujeito, que no caso, o sujeito que vive a religio. Os outros tipos de fontes, como as textuais, podem nos ajudar, mas no nos permitem captar a subjetividade particulardeumindivduo.Interpreta-seaexperinciareligiosadaformacomofoi definidaporLauriWirth,comosendo,mltipla,pluralesincrtica,enocabeemum nico conceito3. O autor ainda esclarece que quando se trata da Amrica Latina, em que a experincia religiosa forte e significativa na vida das pessoas, o contato com o sagrado seddeformamuitodiversa,emquemagia,sonhosenaturezadialogamnoimaginrio do fiel. Entender como a igreja batista lida com a questo do preconceito racial, a partir damemriadeseusfiis,deuvazoparaacompreensodeumadimensobemmais 3 WIRTH, Lauri Emlio. Novas Metodologias para a histria do cristianismo: Em busca da experincia religiosa dos sujeitos religiosos. Conferncias do XXVI Simpsio Anual do CEHILA/Brasil. ampladaproblemticanegraemnossasociedade.Nestesentido,ouso da Histria Oral possibilitou o acesso a essa realidade complexa, ambgua e contraditria, que faz parte do campoinvestigado.Aoralidade,porapresentarumagamaenormedesubjetividade, aparentaserumafontepoucoconfivel,comopensavamoshistoriadoresdaEscola Positivista,queprivilegiavamaverdadeirahistriaoficial,amparadapordocumentos textuais.MarcosAntonioLopesexplicaqueparaImmanuelWallerstein,almde privilegiarem os documentos textuais, estes eram interpretados como uma fiel reproduo da realidade. Tais fatos haviam sido registrados em documentos escritos, a maioria deles localizveisemarquivos.Essessbioseramferozmenteempiristas.Agarravam-se a uma viso to prxima dos dados quanto possvel, bem como a sua reproduofielnaescrita da histria4. Ao contrrio, a subjetividade expressada atravs da oralidade no tira dela sua confiabilidade. A entrevista responsvel por produzir o documento da pesquisa no se pretendeaverdade,masinteressa-seemdocumentarumaversodopassado,estudar algunsfatosapartirdeversesparticulares,ouseja,procurarcompreenderasociedade atravsdoindivduoquenelaviveu5.Ofocoquesepretendeudarnessapesquisa,ao discurso oral do afro-descendente,temcomoobjetivovisibilizarasmemriasmarginais, dandovozaumgrupodeafro-brasileirosquepertencemaumacomunidadebatista localizadanazonasul,periferiadacidadedeSoPaulo.Ouviressessujeitosreligiosos possibilitou acesso s suas diferentes redes de significados. Paraqueessasreflexestomassemcorpo,estetrabalhofoidivididoemtrs partes,dandonfasenoprimeirocaptuloaumhistricodacomunidadeestudada.Foi feitoumlevantamentodoprocessodesegregaosocialresponsvelpelofenmenoda favelizaonacapitalpaulistana,sugerindoumatrajetriaquepercorreudesdea formao da cidade e o surgimento das fabricas at o fenmeno da super populao e a desestruturao urbana que ocasionou o caos caracterstico de nossas grandes metrpoles. Foi destacado o que se chamou de contraste irnico, a convivncia entre o abandono de uma grande parcela da massa empobrecida, a segregao social, a violncia, as favelas e a degradaoambiental,comodesenvolvimento,atecnologia,osgrandes empreendimentosimobilirioseoluxo.Discorreu-se sobre o sub-distrito do Graja, que pertence periferia da cidade, sobre seus altos ndices de pobreza e a grande concentrao defavelas,almdeproblematizarsobreadegradaoambientalqueafetaasduas 4 LOPES, Marcos Antonio (org). Fernand Braudel: tempo e histria. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.73. 5 ALBERTI, Verena.Manual de Histria Oral. Rio de Janeiro, RJ: FGV, 2004,p. 19. represas,BillingseGuarapiranga,importantssimasparaacapitalpaulistana,poisso responsveis pelo abastecimento de gua potvel de pelo menos um tero da populao. Ponderou-sesobreadenominaobatista,comoelachegouaoBrasil,suaformaoe pensamentonacional.Efinalmentefoifeitoumbrevehistricosobreacomunidade batistaMaranata,trazendotonaquemela,comoelaseoriginouequemsoseus membros.No segundo captulo, foi dado privilgio discusso da formao do pensamento sobreanegritudenoBrasil,abarcandoosintelectuaisdesdeosculoXIXatda atualidade.Discutiu-seaquestodanegritudeparaformaodaidentidadenacional.Aideologiadoprogressoeonacionalismo,articuladoscomasteoriasraciaisqueforam geradasnaEuropaenosEUAerepercutiramnasociedadebrasileira,apartirdosculo XIX,dediferentesmaneiras.Umadelasfoiaideologiadoembranquecimentodaraa, quevalorizavaoestrangeirobrancoeeuropeucomoagentecivilizador,negandoeste mesmoatributoaosnegrosessuasinflunciasculturaisnegro-africanas.Apesquisa trabalhoutambmasfacetasdadiscriminaoracialbrasileiraeacomplexaquesto: Osbrasileirossabemhaver,negamter,masdemonstram,emsuaimensamaioria,o preconceitocontranegros6.Assim,oafro-descendentecontemporneoenfrentauma constantediscriminao,quenamaioriadasvezes,noassumidapeloracistaquea pratica de forma aberta ou encoberta.Aindadentrodestecaptuloforamlevantadasdiscussessobreaspolticasde ao afirmativa que revelam que uma pequena parcela da sociedade vem se mobilizando emfavordosafro-brasileiros,buscandoainclusosocialdessaparcelasignificativade nossasociedade.Analisa-setambmoqueosnegrosdacomunidadebatistaMaranata entendemarespeitodessapolmica.Eoqueseconcluidequeasinformaes disponveissobreaspolticasafirmativasnososuficientesparaatingiremtodaa populao negra.OltimotpicotrabalhadofoiaanlisesobreaopiniodoOjornalbatistano anode1988,centenriodaaboliodaescravido.OOJBrevelouseuolharnegativo sobreasmanifestaesdoscultosafro.FoipossvelperceberqueoOJBnoentrouna discussopropriamenteditasobreasquestesnegras.Elefaloudepastoresemembros 6 BACELAR, Jferson.; CAROSO, Carlos. (orgs). Brasil: um pas de negros? Rio de Janeiro: Pallas; Salvador: CEAO, 1999, p. 55. queeramnegrosedesuaimportnciaparaadenominao,faloudomissionrioque pregavaparaosescravos,faloudaprimeiraigrejabatistanoBrasilqueerafreqentada pornegros,masnofoialmdisso.Nohouveindagaes,nosequestionousobrea situao atual do negro na sociedade, no tocou nas temticas de discriminao e racismo. Subjacenteaestaposturapareceestaraconvicorepresentativadecertatendnciado protestantismodequecomaconversopessoalosproblemassociaisperdemsua importncia, o que aplicado nossa questo implicaria na eliminao da diferena entre brancosenegros.Procuramosproblematizarestaposturacontrapondo- lheargumentos como os defendidos por Marco Davi Oliveira, que aponta como um dos caminhos rumo igualdaderacialjustamenteavalorizaodonegro,desuaorigem,suahistria,sua culturaereligio.Atentativadeapagarasmarcasdanegritudedosafro-brasileiros ou desqualific- las s aumenta a distncia e a possibilidade de uma igualdade racial. No terceiro captulo foi feito um panorama geral dos entrevistados e uma analise minuciosadesuasfalas,apontandoainfluenciadopensamento protestante, da ideologia racial e finalmente um contraponto entre as teorias certourianas e a posio dos negros da comunidadebatistaemnegaropreconceitoracialdentrodesuacomunidadedef.O pressupostoinicialquefoiconfirmado,dequeosintegrantesnegrosdacomunidade batistaestudadapercebemnasociedadeopreconceitoracial,masentendemqueeste problemaestforadosmurosdaigreja,ouseja,esteumproblemadoEstadoenoda igreja. Os interlocutores utilizam desse discurso, aparentemente ambguo e contraditrio, queoraadmiteopreconceitoracial,eoraonega,comoummeiodeencobriros mecanismos de descriminao e excluso que tambm existem em sua comunidade de f epara,dessemodo,sesentiremaceitosnacomunidade.Buscamosrespaldotericoem MicheldeCerteauparainterpretarestaposturacomosutistticasdesobrevivncia em meio a estratgias impostas pela denominao religiosa7. Contudo,omodocomoosnegrosmembrosdaigrejabatistaMaranataolham paraelaeparasociedade,d-sedeformadiferenciada.Aoolharparasociedade,eles podemperceberopreconceitoracial,jqueoracismoentendidocomoumproblema social. Na mentalidade batista, as pessoas da sociedade que no passaram pelo processo deconverso,noestolivresdoracismoe,porisso,sopropciasadiscriminarseu prximo.Jnocontextointerno da comunidade, esse olhar difere, a comunidade de f 7 CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: arte de fazer. Vozes: Petrpolis, 2007, p. 39. vistacomoumespaodeaceitaodooutroe,sobretudodeafeto.Isto,umespao entendido como formado por pessoas que sofreram regenerao, sendo assim, conseguem ter um olhar de igualdade. Essa uma ttica utilizada pelo fiel para conviver no espao de sua comunidade. De acordo com as categorias certeaurianas acredita-se que no convvio do cotidiano, as pessoas precisam enfrentar as estratgias criadas pela classe dominante, todavia,asregrasimpostasnososeguidasconformeesperadas,porquantoaspessoas conseguemcriarmeios,ounaspalavrasdoautortticas,paraenfrentaremsua realidade.Dizerquenohpreconceito nacomunidade def, pode serumautilizaoda linguagem como ttica de sobrevivncia dentro da comunidade8. Parafazerpartedeumgruporeligiosonecessrio,naturalmente,paraofiel, cumpriralgumasregrassociaisimpostaspelainstituio,oucomofoibemcolocadopor EduardoGusmo,aparticipaonumgruporeligiosoimplicacertosdeverese obrigaes.Issoporcausadarelaoentreorespeitodivindadeeorespeitopelas criaturasquearepresentam.Talatitudevaidesdeostabusaossimplesvaloresticos9. OsprincpiosbatistaseasregrasinternasdaigrejabatistaMaranata,juntamentecoma construo de um discurso que prega a necessidade de comunho entre irmos, o amor e a fraternidade, exercem sobre os fiis o que Certeau chama de estratgia. No entanto, o fiel norecebetodasessasregrasdeforma passiva, tampouco as reproduz na construo de seu prprio discurso. Na fala do afro-descendente possvel perceber o no dito, como foi mencionado pelo prprio Michel de Certeau, o indizvel est naquilo que dito, ou seja, na construo do discurso que consideramos ambguo do membro batista, o preconceito racialestnasociedade,mastenta-se de alguma forma no consentir com a sua presena noseiodacomunidadedef.EstaposturarevelaaquiloqueCerteauchamadettica, nestecaso,criadapeloafro-descendenteparacamuflaropreconceitoracialnoespao religioso,atravsdarepresentaodeummundoutpico,queoajudaaconviverneste ambiente. Nofoiencontradoumarespostafechadae,porisso,odiscursodomembro batista no ter um nico reflexo, ou seja, no ser uma reproduo do discurso elitista da classe dominante, nem ser uma cpia dos princpios batistas. Compreendemos que o ser 8 CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: arte de fazer. Vozes: Petrpolis, 2007, p. 40. 9GUSMAO,Eduardo.A vivncia Religiosa como objeto da histria das religies: Uma leitura de Michel de Certeau. Impulso: Piracicaba, 2004, p. 101-109. humano,aoconstruirseudiscurso,ofazdeformaambguaecriativa.Aambigidade inerente ao ser humano. Nas palavras de Marilena Chau,Aambigidadenofalha,defeito(...)aformadeexistnciados objetosdapercepoedacultura,sendoelastambmambguas, constitudasnodeelementosoudepartesseparveis,masde dimensessimultneasque(...)somenteseroalcanadasporuma racionalidade alargada, para alm do intelectualismo e empirismo10.Segundoaautora,quandoocientistadepara-secomaposioambivalenteda expressopopular(umdiscursonoacadmico,expressesdosensocomum)tendea encararestedado,oucomoignorncia,oucomosaberautntico,oucomoatraso,ou emancipao, mas o que a autora sugere que essa expresso se d de forma ambgua, ou seja,tecidodeignornciaedesaber,deatrasoededesejodeemancipao,capazde conformaraoresistir,capazderesistiraoconformar.Ambigidadequedetermina radicalmentecomolgicaeprtica quese desenvolvem sobadominao11. A reflexo deMarilenaChauestemsintoniacomohorizontetericodeMichaeldeCerteau, na medidaemquesepreocupacomadinmicadocotidiano.ParaCerteau,asnarrativas sempresoconstrudasapartirdeumdeterminadolugareresignificadasemdiferentes espaos. Especialmente nos espaos da vida cotidiana possvel perceber umintercambio entre tticas e estratgias, porquanto as pessoasannimas encontram brechas no sistema de dominao, atuando de forma criativa. Eduardo Gusmo tambm expressa essa idia, explicandoqueodesafiodohistoriadorestemresgataressahibridaoproduzidano cotidiano12.Amassasilenciadautiliza-sedetticasparadesviaraordemefetivadas coisas,esuarepresentaosedpormeiodaartedefazer.Issoacontecequando explorada por um poder dominante ou negada por um discurso ideolgico. Sefaznecessrioatentarsrelaesestreitasqueexistementreigreja,culturae diversidadecultural,paraquedessemodo,sejapossvelvincularadefesadaigrejas dimensespblicaseculturaiscomosdireitos,umavezqueelapensadacomoum espaodeintegraoediversidade.Apropostafeitafoivincularomundoespirituala formaohumanaecultural,poiscomonosexplicaJuarezDayrellaculturatambm ummeiodecomunicaoeintercomunicaoemprocesso,setodosnsestamos 10CHAU,Marilena.Conformismoeresistncia:aspectosdaculturapopularnoBrasil.Brasiliense:So Paulo, 1994, p.123. 11CHAU, Marilena.Conformismoeresistncia:aspectosdaculturapopularnoBrasil .Brasiliense:So Paulo, 1994, p.125. 12GUSMAO,Eduardo.GUSMAO,Eduardo.AvivnciaReligiosacomoobjetodahistriadasreligies: Uma leitura de Michel de Certeau. Impulso: Piracicaba, 2004, p. 101-109. inseridosneladeformaprofundaeuniversal,todosnsatransformamosea transmutamos13.Partindodopressupostoqueaoreivindicarrespeitodiferenapelas categorias sociais estigmatizadas os negrosquandoatacadas,levaralongoprazo,a tornaradiferena pouco significativa e, conseqentemente, um elemento secundrio das relaes.Masquandohierarquizamosasdiferenas,garantimosoreconhecimentoda diferena como sinal diacrtico e de conflito. Areligiocomoumaesferaprodutoradeconhecimentoeficazparagrupos sociais,atravsdesuasrepresentaesareligiotransmiteaoindivduomeiospara expresso e explicao de infortnios e, com isso, possibilita a domesticao da angustia. Masareligionopossuiumsignificadonico,pelocontrarioosignificadouma produo que se desvela a partir de prticas e apropriaes, que tanto gera ordem, como distnciaediferentesinterpretaes.Asformassociaisdesuautilizaoconstroemuma produo de outra modalidade, por isso que no podemos falar em consumo passivo por parte dos fieis, mas eles a utilizam sempre contextualizando seu significado.Quando analisado mais de perto esse grupo batista, foi possvel entender que eles percebemcomclarezaaquestodahegemoniaculturalcomoumalutasocialeracial, construindo suas normas, valores e comportamentos, claramente em oposio s normas e valorespropaladospelaclassedominante,lcidasdetodasascondiesquelhesso impostas e detentores de uma reivindicao permanente contra tais circunstncias. Em seu cotidiano,lutammaterialesimbolicamente,oraresistindoaoconformar,orase conformando ao resistir. 13 DAYRELL, Juarez. Mltiplos olhares sobre educao e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996, p. 50. CAPTULO 1 So Paulo: arauto da modernidade em meio s contradies sociais. ObjetivamosnestecaptuloapresentaracomunidadeBatistaMaranata.Para tanto,julgamosnecessriodiscorrersobreacontextualizaohistrica,econmica, polticaesocialbrasileira,explicitando,entretanto,acidadedeSoPaulo,ondese localiza a comunidade estudada. AigrejabatistaMaranataestsituadanajurisdiodasubprefeituraCapelado Socorro e no distrito do Graja, uma rea perifrica da Zona Sul da cidade de So Paulo, regio esta, que concentra uma parcela significativa da pobreza metropolitana. Ou seja, aregioqueapresentaosmaioresndicesdeprecariedadecomo,porexemplo,favelas, analfabetismo, desemprego e violncia. E, por conseguinte, tambm apresenta os menores ndices de renda por famlia, anos de escolaridade, saneamento bsico e infra-estrutura, o que a caracteriza como uma das periferias mais pobres da cidade So Paulo. Antes de concentrarmos nossa ateno na regio perifrica da metrpole, iremos analisar, de forma breve e sinttica, como se deu o processo de formao da periferia e o surgimentodasegregaosocialna cidade de So Paulo. Para isso usaremos o auxilio de estudosdehistoriadores,economistas,cientistaspolticos,socilogos,gegrafos, demgrafos, arquitetos e urbanistas, com a inteno de demonstrar algumas das facetas da capital paulistana e de sua formao urbanstica. 1.1. So Paulo: a locomotiva que puxa o Brasil AcidadedeSoPaulo,desdeoinciodosculoXX,jerareconhecidacomo uma cidade voltada para o futuro. Expresses como:A cidade que no para; A cidade do futuro e A locomotiva que puxa o Brasil j eram bastante usadas em 1900. CaioPradoJr.,renomadohistoriadordaeconomiabrasileira,explicaquea cafeiculturanoBrasilfoiumdosfenmenosresponsveisporconcentrarumariqueza considervelnoestadodeSoPaulodesdeoltimodecniodosculoXX.Umdos fatoresquecontriburamparaaconcentraodessariquezapodeserapontadocomoa concorrncia por terras do Oeste Paulista, devido o seu bom solo e sua topografia regular, que permitia fcil transporte, alm de que possuaum clima favorvel par adaptao do trabalhador europeu. Desse modo,desviaram paraelasosmelhoresesforoserecursos do pas; e l se concentrou a maior e melhor parcela da lavoura cafeeira do Brasil (...) 14. JnasprimeirasdcadasdosculoXX,doisterosdaproduoagrcola nacionaleramprodutosdeexportao,sendoqueocafparticipavacomumaparcela significativade53%.Destemontante,doisteroseramfornecidospeloestadodeSo Paulo.Dessemodosecompreendeaforaeconmicaconcent radanasmosdos paulistas.SegundoJacobGorender,foiaagriculturadeexportaoqueforneceuao desenvolvimentoindustrialdeSoPauloumaacumulaooriginariadecapitaleum mercado com um potencial superior ao de outras regies do pas15. ApolticadocafnoestadodeSoPaulopromoveueestimulouumaintensa migrao e emigrao. O desenvolvimento da economia cafeeira foi um dos fatores que ajudouaatrairumaintensapopulaoparaoestadopaulista.Porm,comonosadverte Maria Izilda Matos, a massa atrada era superior s possibilidades de emprego no campo, o que fez com que essa populao procurasse guarida na capital. A autora ainda assinala que,nosmomentosdecrisenosetorcafeeiro,podia-se perceber uma grande evaso dos colonos do campoprovocandoacmulodedespossudosnacidadeegerandoumnovo perfil populacional (...) em 1907, 78% da populao brasileira residiam no campo, menos de um sculo depois, cerca de 82% vivem em cidades16. GorenderargumentaqueaimplantaodaindustrializaonacidadedeSo Paulofoipossvelporcausadaexpansodaexportaodocaf,poisfoinoaugeda economiacafeeiraqueseviuapossibilidadedocrescimentodarenda,podendocontar ainda com uma poltica monetria expansionista existente desde o final do Imprio. Maria Izilda Matos acrescenta que o crescimento populacional veloz e a industrializao fizeram com que a cidade de So Paulo se transformasse em uma metrpole moderna, fazendo jus expressoacidadedanoiteedodia,noanodoseuIVcentenrio,1954,jcomoa maior cidade do pas, aproximou-se dos dois milhes e seiscentos mil habitantes (...)17. 14 PRADO, Jr. Caio. Histria econmica do Brasil. So Paulo: brasiliense, 1988, p. 227. 15 GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. 8 ed. So Paulo: Brasiliense, 1990, p. 33. 16MATOS,MariaIzilda.Acidadequemaiscrescenomundo:cotidiano,trabalhoetenso.In: CAMARGO, Ana Maria(coord). So Paulo: CIEE, 2004, p. 64. 17MATOS,MariaIzilda.Acidadequemaiscrescenomundo:cotidiano,trabalhoetenso.In: CAMARGO, Ana Maria(coord). So Paulo: CIEE, 2004, p. 72. Milton Santos classifica o eixo Rio- So Paulo como a regio dinmica do pas que tende industrializao, j em meados do sculo XXI. Essas reas despontam devido aosseuspotenciaisdeacumulaodaproduoindustrial,oquepermitiuuma diversificao da atividade fabril, beneficiando primeiramente a regio sudeste do Brasil, poiseraumeixocapazdeoferecerprodutosvariadosemaisbaratosemrelaoaos outros ncleos industriais espalhados pelo territrio nacional. SoPaulotendeaultrapassaroRiodeJaneirograas,sobretudo, maneira diferente como se organiza a sua zona de influncia. Esta, nas proximidadesdocentroindustrialqueseexpande,vaitornando-se um mercado prximo e prspero, de modo que a cidade e as regies ao seu redor se influenciam reciprocamente, crescendo em dinamismo18.Comocrescimentoaceleradodapopulaoe,deigualmodo,acrescente produoindustrial,aumentaram,emconseqncia,asatividadescomerciais,serviose transportes. Toda essa mobilidade veio conferir regio Sudeste do Brasil, com primazia SoPaulo,umpapelincontestedemetrpoleeconmicadopas.Mesmonaatualidade, comoprocessodeglobalizao,essepassadodinmiconoapagado,asdiferenas regionaisaindapersistemlegandoocomandoeadominao,mesmoquedeforma completamente diferente, nas mos da regio Sudeste. Aonde as indstrias carregavam o poder de dominao regional, agora a informao que garante o poder. A cidade de So Paulocontinuasendo,nessenovoperodo,oplonacional,mantendosuaposio hierrquica sobre a vida econmica do pas. Com a ascenso das atividades tercirias e de servio,aindstriacontinuacrescendonasterraspaulistanas,mesmoquecompouca velocidade. O poder industrial, no entanto, substitudo pela concentrao de informao, dosserviosedatomadadedecisoe,portanto,demeiostcnico-cientfico-informacional.AcidadedeSoPaulofoitransformadaemumelodearticulao,pois ocupa um espao estratgico para a crescente internalizao dos fluxos de bens, servios e informaes nos circuitos internacionais. Processo que d origem a uma rede mundial de metrpoles onde so geradas e por onde transitam decises financeiras, mercadolgicas, tecnolgicas, capazes de definir e redefinir estratgias19. 18 SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura.O Brasil: territrio e sociedade no incio do sculo 20. Rio de Janeiro: Record, 2001, p.251 19CARLOS,AnaFaniAlessandri;OLIVEIRA,AriovaldoUmbelinode.(organizadores).Geografias de So Paulo: representao e crise da metrpole. So Paulo: Contexto, 2004, p. 370. EmboraacidadedeSoPaulosejaessapotnciadeproduoeliderana econmicanacional,possuindoumapermanenterenovaotcnica,comsucessivas modernizaes,nopodemosdesprezaroladoopostodessamesmamoeda.Em contraponto com a evoluo e modernizao, a lgica do sistema econmico estimulou o surgimento de grandes contradies sociais, como o xodo rural, o desemprego em massa eamarginalizaodemilhesdetrabalhadoresexcludosdosistemaeconmicoeda distribuio de riqueza produzida nesse plo que a cidade de So Paulo. Em certo sentido, a industrializao era sinnimo de desenvolvimento, e aurbanizao,umresultadodesejveldesseprocesso.(...)a modernizao da agricultura provocou o xodo rural e a industrializao urbana,queutilizavatcnicaspoupadorasdemo-de-obra, foi incapaz deabsorverosimigrantesdocampo,trazendoluznoescomo inchao urbano e marginalidade social. Ou seja, a urbanizao j no era induzida pela industrializao, e seus resultados, socialmente perversos, no correspondiam s esperanas de desenvolvimento20. o que nos explica Odair Paiva: com a crise da economia cafeeira na dcada de 1920, e com a carncia de mo-de-obraimigrante,aopopolticafoiincentivaravinda de nordestinos, pois estes estavam dispostos a trabalharem por um baixo salrio. A partir dessemomento,SoPaulopassaaganharfamadeserumaterradeoportunidadesea imagem do nordeste passa a ser construda como um lugar invivel, um lugar de mazelas, secaepobreza.Comoresultado,entreosanosde1930e1950,1,5milhesde trabalhadoresnordestinosmigraramparaacapitalpaulistana,incentivadospelogoverno FederaleEstadual.Essamudanaderegiogeogrficasignificavaumabuscade realizaodesonhoseascensosocial.Masmuitasvezesessenovolugarsignificouuma outra forma de excluso social. Embora a perspectiva demelhoria de vida e de melhores condiesdetrabalho,aindanosdiasdehoje,deixedeserumaalternativa,emgrande medida,positiva,essedeslocamentocontinuapresentenocotidianodacidadedeSo Pauloenasgrandescapitais.Deacordocomosresultadosdivulgadosem2006,pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatstica(IBGE),de2005para2006,aparticipaodaatividadeagrcolana populaonacionalcaiude20,5%(17,8milhesdetrabalhadores)para19,3%(17,2 milhes).Em2004,aparticipaodaatividadeagrcolaerade21,0%,ouseja,17,7 milhesdebrasileirosestavamtrabalhandonocampo.Aparticipaodaatividade agrcolanapopulaoocupadacaiusignificativamenteemtodasasregies.Aregiodo 20SAES,FlavioAzevedoMarques.1870-1960:Industrializaoeurbanizao.In:CAMARGO,Ana Maria. So Paulo, uma viagem no tempo. So Paulo: CIEE, 2005, p.114. Nordeste,ondeseconcentravaomaiorcontingentedessestrabalhadores,cercade7,9 milhes de pessoas, apresentou a maior queda (de 36,5% em 2005, para 33,8% em 2006), comreduode447miltrabalhadores.NaregiodoNorte,aparticipaodaatividade agrcolapassoude23,4%para22,6%dapopulaoocupada.NoSul,ondeaatividade agrcolatempesoexpressivo,opercentualdetrabalhadorestambmcaiu,de22,1%em 2005 para 21,2%. Por fim, a regio Centro-Oeste, com cerca de 1 milho de trabalhadores naatividadeagrcola,tevequedade17,6%para16,4%.Nogrupamentodaindstria, trabalhavam,emsetembrode2006,13,2milhesdepessoas.Observou-seaumentode 1,7%nessaestimativa,emrelaoaoanoanterior.Aindstriaregistrouaumentode contingente apenas nas regies Sudeste (3,4%) e Centro-Oeste (8,1%). Em contra partida, em2006,verificou-seque40,1milhesdetrabalhadoresnotinhamcarteiradetrabalho assinada, trabalhavam por conta prpria e ou eram no-remunerados (23,2%, 21,2% e 6%, respectivamente,dapopulaoocupada),essegruporepresentamaisdametadeda populaoocupada(50,4%).Ecomodecorrnciadessavindadetrabalhadoresparaas grandescapitais,explicitamaslimitaesefragilidadedessascidades,bemcomonos explica o autor: O aumento do trabalho informal expe alguns dos limites desse modelo econmico, do ponto de vista de sua capacidade de absoro de mo-de-obra,transformandoodesempregonumdosgrandesproblemasda cidade.Dele,muitasvezes, derivam os preconceitos, as ms condies demoradiaeafaltadeperspectivasqueexpemaprecariedadeea fragilidade da vida21. Osbaixossalriosimplicamnumacondioprecriadevida.justamentepara nestecontextoqueamassaempobrecidaencontranasperiferiasparaasquais empurrada abrigo. Ocupandobairrosdesvalorizadospelafaltadeinfra-estrutura bsica, e favelascomocupaesirregulareseclandestinasecommoradiasdeautoconstruo22. Oaumentodafavelizao,dotrabalhoinformaledamendicnciasosinaisdo esgotamentodeabsorodessessujeitosnocenriourbano.Comoocasododistrito Graja, onde inmeros bairros apresentam essas caractersticas. O que torna os problemas 21PAIVA,OdairdaCruz.NordestinosemSoPaulonosculo20:diferentestemposdeumamesma histria. In: CAMARGO, Ana Maria. So Paulo, uma viagem no tempo. So Paulo: CIEE, 2005, p. 103. 22 A autoconstruo consiste na compra de lote, muitas vezes, clandestino e ou irregular. A construo da casa feita, normalmente, nos finais de semana com ajuda de amigos e parentes. A construo comea, na maioriadasvezes,comumquartoeumacozinhaevaiseampliandodeacordocomadisponibilidade financeiradoproprietrio,quemuitasvezes,obedeceoritmodecrescimentodafamliaounmerode agregados que vo se juntando mesma. dessa regio de So Paulo ainda mais delicados ofato de ser ela uma rea de proteo aos mananciais. A situao comea a se alterar j a partir do final da dcada de 1970. A crisedomilagreeconmicoeoslimitesdaexpansoterritorialda cidadediminuemaspossibilidadesdeabsorodoimigrante.Asredes sociais,criadaspreteritamente,eonoequacionamentodaquestoda secadoNordeste,aliadosaumacertatradiodeimigraoparaSo Paulo,passaramatensionarsuarelaocomaprpriacidade.Nesse momento,umareversodaimagemsocialdomigranteseopera.De trabalhador, passa a ser visto como problema social23. AbaixomostramosumatabelanacionalelaboradapeloIBGEsobreosaldo migratrio da dcada de 1990 at o ano de 2006. Saldo Migratrio dos Estados Brasileiros 1992 a 2006 (mdia anual) Dcada de 1990 2001 a 2005 2006 UFSaldosaldoSaldo Acre 4.073-7244.608 Alagoas -41.516-43.952-35.125 Amap 19.42711.201-1.946 Amazonas 5.580-611-2.808 Bahia -220.850-39.40933.017 Cear -14.27731.70538.329 DF 62.643-34.147-12.784 Esprito Santo 63.63739.74155.351 Gois 39.754135.56773.560 Maranho -67.684-71.919-66.707 Mato Grosso 31.61288.79456.512 Mato Grosso do Sul -1.50715.73439.818 Minas Gerais 35.43547.36039.435 23PAIVA,OdairdaCruz.NordestinosemSoPaulonosculo20:diferentestemposdeumamesma histria. In: CAMARGO, Ana Maria. So Paulo, uma viagem no tempo. So Paulo: CIEE, 2005, p. 105. Par -98.70310.79523.432 Paraba -12.01810.200-25.661 Paran -47.844-21.887-11.919 Pernambuco-113.576-10.221-10.044 Piau -21.286-8.103-11.352 Rio de Janeiro -109.219-78.433-41.596 Rio Grande do Norte 7.16424.88630.423 Rio Grande do Sul -15.096-27.391-37.493 Rondnia -17.221-22.493-20.801 Roraima 14.91121.01029.531 Santa Catarina 47.39176.78389.946 So Paulo 400.880-126.943-207.098 Sergipe 3.276-3.291-6.303 Tocantins45.015-24.255-22.325 NoestadodeSoPaulo,podemosnotaraentradalquidadenovosmoradores cairdeumsupervitde400milhabitantes,duranteadcadade1990,paraumasada lquida igual a 207 mil s em 2006. Em contra partida a Bahia, que perdia uma populao igual a 221 mil habitantes na dcada 1990, teve uma entrada lquida de 33 mil, em 200624. Ainda em relao ao crescimento populacional na cidade de So Paulo, podemos perceber,assimcomonosapontamaspesquisadorasSuzanaTaschnereLuciaBogusno artigoocaleidoscpiourbano,queaevoluodocrescimentopopulacionalest historicamenterelacionadacomseudesenvolvimentoeconmico.Podemosapontartrs fasesqueperfizeramocrescimentoeconmicoeconseqentementeoaumentonondice populacional.AprimeirafasemarcaofinaldosculoXIX,cujodestaquefoioaugeda produodecaf,comovimosnotpicoacima.Asegundafasesecaracterizapela implantaodaindstriaautomobilsticanosfinaisdadcadade1940.Eaterceirafase 24 Fonte: IBGE/PNADs 1992 a 2006. Elaborao do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA). abrange as dcadas de 1950 e 1970, com a concentrao da atividade econmica nacional na regio metropolitana da cidade de So Paulo25. 1.2. Redemocratizao brasileira: um processo em andamento JosBonifcioafirmou,emrepresentaoenviadaAssemblia Constituinte de 1823, que a escravido era um cncer que corroia nossa vidacvicaeimpediaaconstruodanao.Adesigualdadea escravidodehoje,onovocncerqueimpedeaconstituiodeuma sociedade democrtica.Nadcadade1950,oprocessoindustrialbrasileiroenfrentouumasriede problemas, como, por exemplo, os pontos de estrangulamento, que seriam: a falta interna decombustvel,energiaeltricainsuficienteeumaprecariedadenotransporte;aindustrializao regionalmente desequilibrada, pois, no centro-sul podia-se perceber certo avanoindustrial,enquantononordeste,umempobrecimentoemrelao industrializao;limitaonaimportao;contraodedvidaexterna,poisparaseter umaindustrializaoeficientefoinecessrioimportarequipamentosemateriaisdo exterior, uma vez que se fazia impossvel industrializar um pas como o Brasil, deficiente na produo de maquinrio, sem o apoio internacional; por fim, o crescimento da taxa de inflao. Esses problemas causaramumatrasonoprocessoindustriale,dessemodo,no permitiramseusucessopermanente,oqueresultouemcrisesfreqentesnaeconomia. Comtodasessasdificuldadesnoestabelecimentodeumaindustrializaoeficiente,fica simples entender os desequilbrios financeiros ocorridos nos anos posteriores. Emir Sader explica que em 1964, quando o Brasil sofreu um golpe militar, sua economia no ia bem, oquadroqueseobservavaeraumaumentodescontroladodataxadeinflaoeuma quedanocrescimentoeconmico.Comobjetivodeexpandiraeconomianacional,o primeiro governo militar adotou uma poltica de choque, que seria: Umarpidareconcentraoderendanasmosdosgrandescapitais, medianteumadurapolticadearrochosalarial,umamplodesemprego acompanhado da falncia de dezenas de milhares de pequenas e mdias empresas, tudo fruto da recesso econmica26. 25TASCHNER,Suzana;BOGUS,Lucia.SoPaulo:Ocaleidoscpiourbano.SoPaulo:perspec,So Paulo, v.15, n1, 2001. Acesso dia 17 jan. 2007. 26 SADER, Emir. A transio do Brasil: da ditadura democracia? So Paulo: Atual, 1990. Essapolticaresultouemumcrescimentoeconmiconacional,isto,houve crescimento do PIB. O Brasil ficou mais rico, mas em contrapartida, a classe trabalhadora ficoumaispobre.Osanosdemaiorrepressoduranteogovernomilitarrevelaramum maiorcrescimentoeconmico.Apocaconhecidacomoomilagreeconmicofoi justamentequandoaeconomiacresciaentre10e13%duranteogovernoMdici. Mas foram anos de violentas represses. Acrisedopetrleoem1973foiumimportantefatorqueimpediuocrescimento econmico. A bomba estourou de fato em 1979, quando a taxa de juros anual da dvida externa chegou a 4,2 bilhes. A partir do ano de 1977, o crescimento econmico comeou acaireem1983,ocrescimentoapresentavandicesnegativosde3,2%.Essecenrio econmicotraziainsatisfaoatodasasclasses,inclusiveaosqueapoiaramogoverno militar,eprincipalmenteclasseoperria,queenfrentavaumbaixosalrioeumalto ndice de desemprego. Em1975,LuizIncioLuladaSilvaeleitopresidentedosindicatodos trabalhadores.Durantetodooseumandatonosepercebeupropostasradicais.Oque sempre foi visvel era a capacidade de sempre recorrer a formas de negociaes, ou seja, o partido sempre tentava se mover nas bases legais, atuando nas brechas do estado27. Diante dacrisepolticaeeconmicaem1978,oMDB(MovimentoDemocrticoBrasileiro) ganhaaseleies.Umavisvelmanifestaooperriaseorganiza,eseuprincipal movimentosednoABCpaulista,ondeaindstriaautomobilsticaalavancavaoutros ramosdaeconomia.Umexemplodessaorganizaoforamasgrevesocorridasnosanos de 1978 e 1979. Osestudantestambmvoltaramaseorganizar.Omovimentoestudantil promoveugrandesmobilizaesderuasprotestandocontraaditaduraeatortura.Os rgos estudantis e sindicatos foram alvos de represso, principalmente nos anos de 1964 e1965,perodoresponsvelporeliminaracpulasindical.Comairregularidade industrial,comojvimosanteriormente,emquearegiodoCentro-sulapresentava melhorescondiesdetrabalho,poiseraumaregioindustrializada,oNordeste,e principalmenteostrabalhadoresdocampo,enfrentavammaioresdificuldadesepiores condiesdetrabalhoremunerado.Osindicatonopodiareivindicarmuito,devidoao 27SADER,Emir.Ps-neoliberalismo:aspolticassociaiseoEstadodemocrtico.OrganizaodeEmir Sader, Pablo Gentili. 4. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1998. elevado ndice de desemprego. A crise do emprego fez com que os sindicatos perdessem suasforas,nosentidodenopoderemavanarmuito,tendoemvistaqueprecisavam assegurarosempregos.Dessemodo,ossindicatosseenfraquecemesetornam assistencialistas.Aigrejaeosindicatoforamosnovospersonagensqueentraramem cena.Masnosanosde1980,com o processoderedemocratizao, tambm perdem seu espao28. A nica instituio que conseguiu defender-se, apesar de alguns conflitos com ogoverno,foiaIgrejaCatlica29.Devidooseupoderderesistncia,tornou-seo principal foco de oposio legal ao governo. AIgrejaCatlicaexerceuumaimportanteinfluncianessanovafasedos movimentossociais.Ela,atadcadade60,mantinhaumdiscursoqueensinavaqueo pobre deveria se conformar com a misria, pois assim, em troca, garantiria sua salvao celestial. Porm, uma parcela da populao, que percebia que o discurso da Igreja no era condizente com suas prticas, uma vez que parte significativa da populao brasileira se definhava por falta de po e a Igreja se mostrava pouco preocupada, decidiu abandonar o catolicismo. Mas, em meados da dcada de 70, um movimento de renovao em processo transforma o pensamento da Igreja na Amrica Latina, principalmente em relao ao seu olharparaopobre.Comateologiadalibertaoeasprticasdover,julgareagir,a IgrejaCatlicaconsegueimpulsionaraberturasdeespaosemalgumasigrejaspara discusso dos problemas vividos por suas comunidades. As periferias se tornaram alvo de grupos de esquerda e da Pastoral Jovem, que seguindo os passos do pioneiro Paulo Freire, realizavamtrabalhosdealfabetizaodeadultoscomobjetivodelevarconscientizao poltica a essas pessoas pobres. Essa nova esquerda nasce a partir da decepo com a luta armada30. Oprimeiromarcodetransioredemocratizaofoiapolticadeanistia,que possibilitouoretornoaoBrasildosexiladospolticos.OMDB,queacoplavatodaa oposioaosmilitares,desdeosmoderadosatosdeesquerdamaisradical,viu-se obrigadoasesubdividiremoutrospartidos.AdireitaseconcentrounospartidosPDSe PMDB,eosdaesquerdafundaramopartidodostrabalhadores(PT),umauniodetrs principaisgrupos:aalaprogressistadaIgrejaCatlica,ossindicalistasrenovadores,e 28 SKIDMORE, Thomas. Uma histria do Brasil. So Paulo: paz e terra, 2003. 29CARVALHO,JosMurilode.CidadanianoBrasil:olongocaminho.Riodejaneiro:Civilizao Brasileira, 2004, p. 165. 30 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988. algumasfigurasdaintelectualidade:eramgruposheterogneosqueconviviamdentrodo partido graas ao amplo espao existente para a discusso interna31. Bolvar Lamounier elucida que a dcada de 1980 caracterizada pelo otimismo daredemocratizao,mastambmpelainstabilidadeeconmica,poissepercebiaa reduonoritmodecrescimento,juntamentecomumaaceleraonainflao,somando aindaascondiessociaiscadavezpiores.OautorapontaqueocrescimentodoPIB baixou, de 7 e 8% nos anos setenta, para uma mdia de 2% nos anos oitenta. Esse quadro, quejeragrave,comaacelerao do crescimento populacional, ficou ainda pior, o que culminounaaceleraodainflao.Adcadade80tambmfoimarcadaporuma crescenteparticipaopoltica.Grupossociaisviamnaorganizaopoltica(sindicatos, cooperativas, etc.) uma possibilidade de se defender contra a crise scio-poltica32. Jos Murilo de Carvalho, em sua obraCidadanianoBrasil33, delineia a histria doBrasildestacandoastransformaespolticasnacionaisemostrandoatrajetria brasileira rumo cidadania. Nesse intento, nos mostra de forma clara que a construo da cidadanianoBrasilganhoumpetonadcadade1980,depoisdaderrocadadaditadura militar.AConstituiode1988ficouconhecidacomoaConstituioCidad. Reconquistar o direito de eleger o presidente, o governador, o prefeito e os vereadores, foi umgrandepassoparaademocratizao,oquerepresentoumaisdoqueumasimples chancedeparticipaodavidapolticadopas.Significavareacenderaschamasda esperana de um futuro melhor, com segurana, emprego e justia social. Mas, aps mais devinteanosdedemocracia,oquepodemoscontemplarumaoutrarealidade. Enfrentamos problemas de urgncia em nossa sociedade, como a violncia urbana, que a cada dia se mostra mais ameaadora; o desemprego que atinge cada vez mais um nmero maiordepessoas;oanalfabetismovergonhoso;queaindasignificativonasociedade brasileira;apessmaqualidadedaeducao;adeficincianosserviosdesadee saneamento bsico; e as grandes desigualdades sociais e econmicas que continuam sem soluo.Emconseqncia,osprpriosmecanismoseagentesdosistemademocrtico, 31CARVALHO,JosMurilode.CidadanianoBrasil:olongocaminho.Riodejaneiro:Civilizao Brasileira, 2004, p. 176. 32 LAMOUNIER, Bolvar.De Geisel a Collor: O balano da transio.SoPaulo:Sumar,1990,pp.13-35. 33CARVALHO,JosMurilode.CidadanianoBrasil:olongocaminho.Riodejaneiro:Civilizao Brasileira, 2004, p. 166 comoaseleies,ospartidos,oCongresso,ospolticos,sedesgastameperdema confiana dos cidados34. 1.3. Processo de periferizao e favelizao da cidade de So Paulo Nos barracos da cidade Ningum mais tem iluso No poder da autoridade De tomar deciso E o poder da autoridade Se pode, no faz questo Mas se faz questo, no consegue Enfrentar o tubaro35 FalarsobreametamorfosedacidadedeSoPauloemmetrpolee,por conseguinte,emseuprocessodeurbanizaoacelerado,noignoraraocupaodas regiesperifricasdacidadeeaformaodesuasfavelas.AmsicadeGilbertoGil ilustrabemosentimentodosmoradoresdasgrandesperiferiasquesevemsozinhose abandonadospelopoderdasautoridades.Vemosissonafaladeumdenossos colaboradoresquandoexplicasobreainfra-estruturadeseubairroeoladopositivoe negativo de morar no distrito Graja: O positivo emrelaoaopoderaquisitivo,eunotenhocondiode morar em outro lugar alm daqui, por causa do poder aquisitivo. Mas o negativo que por ser periferia, a gente desfruta da sobra, dorestante. Parans,quandochegaalgumbeneficioquandosobradeoutros bairrosdecentro,declassemdia.Ento,onibusomaissimples,o bancoaqueledefinaldelinha,comopequenoservio,como equipamentoquenoservemaisemumaagnciadeclassemdia. Ento,agentetemessaopoporquestofinanceira. Hoje ns temos assim, uma extenso, na verdade uma extenso mesmo, porque a gente paga por isso, a gente hoje no tem nada grtis, a gente tem que pagar portudo.Temosaquiumserviomdio.Agentepagaporisso,mas precisa melhorar36. Essemoradordaperiferiaconscientedesuacondiodemarginalizadoeda precariedade dos servios pblicos para essa populao, quando existem. O municpio de So Paulo tinha 1% de sua populao vivendo em favelas no incio de 1970, e quase 20% 34CARVALHO,JosMurilode.CidadanianoBrasil:olongocaminho.Riodejaneiro:Civilizao Brasileira, 2004, p. 8. 35 Musica de Gilberto Gil. Nos barracos da cidade. 36 Entrevista realizada no dia 3-7-2007. O colaborador o senhor Ademar de 58 anos, morador da Zona Sul e membro fundador da igreja Batista Maranata. noinciode199037.Umaobraderefernciaqueabordaoprocessodeurbanizaoda cidade de So Paulo e os fenmenos de periferizao e favelizao a pesquisa de Tereza Caldeira, que se baseia em depoimentos de moradores de diferentes bairros da cidade de So Paulo. Os depoimentos foram colhidos entre os anos de 1989 e 1991, e o objetivo foi analisar os discursos de criminalidade, instituies democrticas e os direitos civis. Mas o quenosinteressaoesforodaautoraemmostrarasegregaosocialvividanacidade de So Paulo, que se divide em trs padres marcados por determinadas pocas.O primeiro padro de segregao se desenvolve entre o final do sculo XIX e vai at os anos de 1940. Neste perodo, a populao se concentrava no centro da cidade. Ali, aformadediferenciaoe,portanto,desegregao,eraotipodemoradia(mansese cortios).O segundo tipo de segregao social vivido na cidade de So Paulo se estende da dcada de 1940 at os anos 1980, quando se formava a contradio entre o centro e a periferia.Ouseja,apopulaoricaseconcentravanocentrourbanoeseseparavada classepobre,umavezqueessesseconcentravam naperiferia.O terceiro padroseinicia nosanos80,emodificaconsideravelmenteacidadeesuaregiometropolitana.As transformaes recentes geram espaos em que aparentemente as classes esto prximas umasdasoutras,masficamseparadaspelosmurosesistemasdesegurana.Comofoi colocado pela autora, (...) o novo padro de segregao espacial serve de base a um novo tipodeesferapblicaqueacentuaasdiferenasdeclasseseasestratgiasde separao38. Tereza Caldeira aclara que, de 1890 at 1940, o espao urbano de So Paulo foi caracterizadoporumaimensaconcentraonocentrodacapital.Haviaumcrescimento populacional com a constante chegada de trabalhadores para a cidade e o surgimento de fbricasquesemultiplicavamacadadia.Aeliteviviaemmansesenquantoos trabalhadores viviam em casas alugadas mais de 80% e em cortios. A elite comeou a perceber que viver muito prximo da classe trabalhadora e dos pobresnoeramuitolimpoesaudvel,passandoaassociaropobresujeira, promiscuidade e idias ligadas ao crime. Em funo disso,alm de controlar os pobres, a elite comeou a separar-se dele. Temendo epidemias, a elite passou a mudar para regies 37CARLOS,AnaFaniAlessandri;OLIVEIRA,AriovaldoUmbelinode.. (organizadores).Geografias de So Paulo: a metrpole do sculo XXI. So Paulo: Contexto, 2004, p. 274Op. cit., p. 274. 38 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000. p, 212. menosdensasecomloteamentosexclusivos.Umexemplodissoobairrode Higienpolis. A separao cidade-periferia veio da idia de isolamento, a abertura e a limpeza comosoluoparaomeiourbanocaticoesuastensessociais39.Quatrosoas principaisinflunciasquetransformaramacidadedeSoPauloemumazonade segregaourbana,cidade-periferia.Aprimeirasereferesleisurbanasquesurgiramno inciodosculopassado,estabelecendoalgumasmedidascomo:oalargamentode avenidas,aberturaderuasereformanazonacomercial,entreoutros.Essasmedidas estimulavam a especulao imobiliria, aumentando os preos de aluguis. Assim, quem nopodiapagaroselevadospreoseraexpulsodocentro.Asegundadizrespeitoaos industriaisquetambmtinhaminteresseemorganizaroespaourbanoeexpandirsuas indstrias, reduzindo gastos. Sugeriram, ento, que os trabalhadores tivessem suas casas prprias, diminuindo as despesas com moradia e aumentando seu consumo. O terceiro era referenteaomovimentosindical,que,influenciadopelosanarquistas,propunhauma organizao para boicotar os aluguis, mas que, mais tarde, com as mudanas polticas, o problema de moradia passou a ser tratadoindividualmente.Aquartaeltimainfluncia acontece depois da Revoluo de 1930. O Ministrio do trabalho defendeu a oportunidade dacasaprpria.Essaintervenodogovernocausouumadiminuionomercadode aluguiseissoacelerouapartidadetrabalhadoresparaaperiferia,ondepodiam encontrarterrenosbaratos(eirregulares)paraconstruirsuascasas40.Essenovopadro deurbanizaodispersoemvezdeconcentrado.Asclassessociaisvivemlongesumas dasoutras.Asclassesmdiasealtasvivem nos centros e as classes baixas na periferia. Destes,amaioriatemcasaprpria,porm,amaiorpartedospobresfazconstrues ilegais e/ou irregulares. denunciado que, para as construes e aquisies imobilirias, a classe mdia e altapdecontarcomoapoiodeprogramasdogoverno:aocontrriodoqueacontecia comascamadastrabalhadoras,asclassesmdiaealtareceberamfinanciamentoeno tiveram que construir suas casas. Mudaram-se para prdios de apartamentos41 que muitas 39 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000. p. 215. 40 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000.p. 218.41 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000.p. 224. vezeseraminacessveisscamadasbaixas:osmoradoresdaperiferiatambmforam negligenciadospelofatodequenuncapuderamcontarcomnenhumtipode financiamento para construir suas casas42. Outropontoressaltadopelaautoraqueadistnciaentreospobresericos no ficavasomentenasquestesgeogrficas.Pois,almdahabitaosermelhornoscentros da cidade em relao periferia, a qualidade de vida e o saneamento bsico eram tambm radicalmente diferentes. A pesquisadora apresenta dados estatsticos que comprovam que aqualidadedevidanaperiferiaeramuitasvezesinferiorclassemdiaealta:em resumo,nosanos70,ospobresviviamnaperiferia,embairrosprecrioseemcasas autoconstruidas; as classes mdia e alta viviam em bairros bem equipados e centrais, uma poro significativa delas em prdios e apartamentos43. Na terceira fase, entre os anos 80 e 90, a segregao centro-periferia ainda existe, mas o processo diferente:A cidade de So Paulo hoje uma regio metropolitana mais complexa, quenopodesermapeadapelaoposiocentroricoversusperiferia pobre. Ela no oferece mais a possibilidade de ignorar as diferenas de classes; antes de mais nada, uma cidade de muros com uma populao obcecada por segurana e discriminao social44. Nesses anos, houve na cidade de So Paulo uma reduo na taxa de crescimento populacional devido baixa fecundidade e emigrao. Neste mesmo perodo, muitos das classesmdiaealtadeixaramosbairroscentraisparahabitaremembairrosdistantes, antes habitados somente por pobres: Odeslocamentodessaclassemdiaparaloteamentosresidenciaisfoi naturaleprazeroso,porquecapazdepropulgnarqueavidaforada cidadeofereciaqualidadesuperior.Opontodevistadomoradorde que morar um pouco longe de tudo o preo que se paga por uma vida melhor e, alm disso, tem verde, tem ar puro!45 42 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000. p.221. 43 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000. p.228.44 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio.Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000. p.231.45SEABRA,OdetteCarvalhodeLima.SoPaulo:acidade,osbairroseaperiferia.In:CARLOS,Ana fani Alessandri; Oliveira, Ariovaldo Umbelino de(orgs). Geografias de So Paulo: representao e crise da metrpole. So Paulo: Contexto, 2004, p. 127. Poroutrolado,aaquisiodecasapelaautoconstruoficavacadavezmenos vivelparaopobretrabalhador.Issoseexplicadevidoaoempobrecimentocontrado decorrente da crise de 1980 e pelas melhorias urbansticas na periferia: Emoutraspalavras,enquantoasrendasdiminuram,aperiferia melhorouetornou-semaiscara.Comresultado,muitosmoradores tiveramquecolocardeladoosonhodacasaprpriaecadavezmais optarporviveremfavelasoucortios,queaumentaram substancialmente46. ApesquisadoraErmniaMaricato,emseuartigoUrbanismonaperiferiado mundo globalizado: Metrpoles brasileiras So Paulo47, constata que nos anos de 1940 a 1980, o PIB brasileiro teve um crescimento superior a 7%, o que significa um dos maiores crescimentosdomundonesseperodo.Porm,essariquezageradadesembocouemuma concentrao de renda, ou seja, uma melhoria significativa na qualidade de vida para uma parcela bem pequena da sociedade. Pradoexplicaquenofinaldadcadade1950houveumacordoimportantepara a economia brasileira. A Instruo n. 11348 favoreceu o capital estrangeiro, que penetrou naeconomianacionaldeformasegura.EntramnoBrasilprodutosconcorrentesdos brasileiros,mascomumvalormaisacessvel.Paraosindustriaisissofoivantajoso, emboraperdessemsuaautonomiaeindependnciafinanceira.Masoacordoparecia vantajosoporpossibilitarrecursofinanceiroparaocrescimentodesuas empresas. Essas mudanaseconmicasepolticasresultaramnaterceirizaoindustrial.Dessemodo, houveumareduodosempregos.OBrasilviveuumaterrvelcontradioeconmica, houve ganho de produtividade e competitividade, mas perda de meio milho de empregos em curtssimo prazo, resultando em um grande problema social49. Apartirdasdcadasde1930e1940houveumforteinvestimentonosetor imobilirio brasileiro, o que transformou as principais metrpoles em cidades verticais de formaincrivelmenterpida.Em1964foicriadoumbanconacionaldefinanciamentode habitaoBNH(BancoNacionaldeHabitao).Dessamaneira,aclassemdiabrasileira 46 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio.Cidade de Muros: Crime, Segregao e Cidadania em So Paulo. So Paulo: Editora 34/Edusp, 2000. p. 231.47 MARICATO, Ermnia.Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrpoles brasileiras. So Paulo Perspectiva. So Paulo,v. 14,n. 4,2000.Disponvel em:www.scielo.br. Acesso em: 30Jan.2007. 48Instruon113baixadapelaSuperintendnciadasMoedasedoCrditoem17dejaneirode1955, permitia ao Banco do Brasil emitir licena de importao sem cobertura cambial. 49 TASCHNER, Suzana; BOGUS, Lucia.So Paulo:O caleidoscpio urbano. So Paulo: perspectiva. So Paulo, v.15, n1, 2001. Disponvel em: www.scielo.br. Acesso em: 17 jan. 2007. foiocupandosuanovamoradia.OsapartamentosqueeramfinanciadospeloBNHno permitiamumacessodemocratizado,vistoquegrandepartedapopulaonotinha acessoaosfinanciamentos,umavezqueesteseramprioritariamentedirecionadoss classes mdia e alta. Oabandonoporpartedogovernoe,porconseguinte,afaltadepolticas habitacionaisqueatendessemasnecessidadesdosmaispobresfezcomqueamassade trabalhadoresmalremuneradoseosdesempregadosfossemempurradosparaperiferiae, por conseguinte, habitando em espaos com condies precrias de vida. Esse processo se ddesdeofinaldadcadade1960,intensificando-senosanos80.Segundoosautores Eduardo Csar Marques e Renata Bichir, tal processo foi identificado como periferizao, ou seja: A ao pulverizada dos produtores privados e a inao do Estado teriam levadoconstruodeespaosmetropolitanoscaracterizadosporum gradientedecrescentedecondiesdevida,inseronomercadode trabalhoeacessorendadocentroparaasperiferias.Osespaos perifricosseriamosmaisdistantesedemenorrendadiferencial, ocupados pela populao de mais baixa renda e inserida de forma mais precria no mercado de trabalho50. OcrescimentodomunicpiodeSoPaulorumoperiferiatemseuinciona dcadade1940.Essaestratgiademoradiaseassociaatodotipodecarnciaurbana possvel,como,porexemplo,loteamentosirregulares,casasautoconstrudas,lotes invadidos e formao de favelas. A metrpole vive, ento, o que as pesquisadoras Suzana Taschner e Lucia Bogus chamam de estrutura dual. Ou seja, as regies centraisrecebem infra-estrutura,investimentofinanceiroeprdiosluxuososeumaconstante modernizao,enquantoconvivemcomasfranjasdametrpole,asregiesperifricas, sem infra-estrutura pblica bsica e uma massa de desempregados vivendo em favelas. Asautorasanalisamacontradiosocioeconmicaentreosaniscentraise perifricos e chegam aos resultados seguintes: no centro se encontra uma parcela maior da populaomaisvelha,enquantonaperiferiaospercentuaismaioresestoentrea populaomaisjovem.Outrodadoapontadoodequenoanelcentralapopulaode chefesdefamliamajoritariamentebranca,comaltaescolaridade(umamdiadedoze 50MARQUES,EduardoeBICHIR,Renata.Investimentos pblicos, infra-estrutura urbana e produo da periferiaemSoPaulo.SoPaulo,2007.Disponvelemwww.centrodametropole.org.br.Acessoem:17 jan. 2007. oumaisanosdeestudo)erendasuperiora20salriosmnimos.Jnoanelperifricose encontraumamaiorporcentagemdechefesdefamliano-brancos,ouseja,ummaior percentualdepretosepardos,combaixaescolaridade(umamdiadequatroanosde estudo)emenorrenda. Esteestudopermiteestabelecerumarelaoentrerenda,cor, escolaridadeelocalderesidncianoespaourbano.Conseqentemente,evidenciaa discriminao sofrida por quem, alm de negro, pobre e com baixa escolaridade, reside na periferia. A associao cor-pobreza-periferia afirma-se de forma clara, ainda mais quandoverificadaaproporodenegrosepardosnasfavelas paulistanas em 1991 (53% da populao favelada). H fortes indcios da estigmatizaodecontingentespopulacionaisque,aoresidirem determinadoslocais,sodiscriminadosporumacombinaodefatores de classe e etnorraciais51. Afaladeumadenossasentrevistadasdeixaexplcita,tantosuaconscinciade quesofrediscriminaosendoestigmatizadapormoraremumafavela,quantosobrea precariedadedeinfra-estruturaaqualestsubmetida,revelandoumaausnciadestatus social. Aregio,eugosto,porqueumlocaltranqilo,agentenotem assalto, essas coisas. Mas tem desvantagens, sabe por qu? terreno da prefeitura,emuitodesvalorizado,aspessoastemmuitopreconceito, elas pensam que favelado sinnimo de ladro, entendeu? Tem crrego perto,temmuitafofoca,temmuitadiscrdia.Opovonomexecoma gente, todo mundo respeita todo mundo, mas eu queria morar num lugar assim, que fosse mais verde e que no fosse terreno da prefeitura, s por causadadiscriminao.Quandoeueracrianaeunopensavaassim, masagoraeusintonapele,svezesvocestconversandocomuma pessoa e ela fala assim Mas o favelado... com preconceito. Ento nem sempreeufalocomaspessoasqueeumoronafavela,apesardeeu gostar e ter orgulho da minha casa, e ter orgulho dos meus pais terem medadoesselugarparamorar,eusintoopreconceito,entendeu?Por causa do preconceito do bairro, eu no falo nada, eu omito52. Deacordocomonovomercadoglobalizado,osmaisjovensecommenor qualificaosoosquemaissofremembuscadeempregoremunerado,ejustamente essaparcelaqueresidenoanelperifrico.Enquantoseobservaaverticalizaonoanel central,noanelperifricosepercebeumcrescentenmerodeconjuntospopulares, loteamentosirregularese/ouilegaisefavelas.possvel,tambm,estabeleceruma 51 TASCHNER, Suzana; BOGUS, Lucia.So Paulo:O caleidoscpio urbano. So Paulo: perspectiva. So Paulo, v.15, n1, 2001. Disponvel em: www.scielo.br. Acesso em: 17 jan. 2007. 52 Renata Alves, 24 anos. relao entre o desemprego e a procura por loteamentos baratos. Com a crise financeira dosfinaisdadcadade1970einciodosanos1980,foicrescenteonmerode desempregados,aomesmotempoemquehouveumareduonaprocuraporimveis alugados, pois essa populao buscou na periferia por meios de habitao. JaneSouzaSilvapesquisouespecificamenteoprocessodefavelizaoda periferia da Zona Sul da cidade de So Paulo, e detectou seu incio a partir da dcada de 1970.Comovimosacima,acriaodobanconacionalparahabitao(BNH),nadcada de1960,nofoiacessvelpopulaopobredametrpole.Oprimeiroprograma alternativo para tratar da habitao popular foi em 1975, o PROFILURB (programa para lotesurbanizados),criadopeloBNH.Em1979,aPROMORARfoiumprogramapara urbanizao das favelas, e em 1983, o programaJoodeBarrofoidestinadoafinanciar autoconstrues. O programa de urbanizao de favelas conseguiu que em 1993, 90% das moradiasdafavelarecebessemenergiaeltricae62%guaencanada.Masaredede esgoto ainda est ausente em mais de 77% das favelas, o que explica a grande quantidade de dejetos que so lanados ao ar livre em crregos e represas53. 1.4. A zona sul de So PauloAZonaSuldacapitalpaulistanaabrangeumaregioformadaporcinco subprefeituras:CapeladoSocorro,CampoLimpo,CidadeAdemar,MBoiMirime Parelheiros. Veja mapa54 abaixo: 53SILVA,JanedeSouza.Urbanizaodefavelasemreadeproteodemananciais:Ocasoda comunidadeSetedeSetembro.2003.Dissertaodemestrado.EscolaPolitcnica,UniversidadedeSo Paulo. So Paulo, 2003. 54 Mapa disponvel no site oficial da prefeitura de So Paulo:www.portal.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 16 nov. 2006. Comovimosanteriormente,essaumadasregiesdacidadedeSoPaulo caracterizada como a mais carente. Grande parte da populao que mora nessa regio vive abaixodalinhadapobreza,comumaltopercentualdefavelaslocalizadasnas proximidadesdasrepresasBillings55eGuarapiranga56.Ostrsdistritosmaispobresda cidade de So Paulo esto localizados na Zona Sul: Parelheiros, Marcilac e Graja. 55umdosmaioresemaisimportantesreservatriosdeguadaregiometropolitanadeSoPaulo.Foi construdanasdcadasde1930e1940pelaempresadeenergiaeltricaLight(responsvelpelo abastecimento de energia da cidade de So Paulo). O objetivo de sua construo era armazenar gua para gerar energia eltrica para usina hidreltrica de Cubato. Em funo do elevado crescimento populacional, a represa Billings possui grandes trechos poludos com esgotos domsticos e industriais. na Zona Sul que est a principal reserva florestal da Mata Atlntica da cidade de So Paulo e onde se encontra o Autdromo de Interlagos e o aeroporto de Congonhas. EdisonLuizOliveira,quefezumestudosobreastransformaesscio-espacial dametrpoleeinvestigouaZonaSuldeSoPaulo,explicaqueapartirdosanosde 1930, com a acelerao docrescimentometropolitano,houveumacrescenteprocurapor imveis,oquefavoreceuaexpansodavendadeterrenoseimveisurbanos.Como aumento da demanda por habitao, principalmente pela classe trabalhadora, uma vez que acidadefoimassiamenteocupadaportrabalhadoresestrangeirosqueajudavama engrossarosencurtiamentos,aluguiseasvilasoperrias,houveumdficitestrutural conhecido como acrise da habitao. Um modo encontrado para suprir a necessidade de habitao dos trabalhadoresfoiaperiferizao ea autoconstruoque foiconduzindoa ocupao mais efetiva dos loteamentos abertos e abertura de uma grande quantidade de novos loteamentos, em todos os quadrantes da futura regio Metropolitana (Zona Sul)57. Aocupaodessesloteamentosclandestinoseirregularesrepresentava,porum lado,umasoluovivelparaostrabalhadores,porserumprodutodenecessidade essencialedepreoacessvel,masporoutrolado,asconseqnciasdessanovaforma dehabitaofoiocrescimentodesordenadoeaocupaodeloteamentosirregularese clandestinos,portanto,emdesacordocomasnormasurbansticasenopossuindoa mnima estrutura urbana como, por exemplo, gua, esgoto, luz, asfalto, etc. A reproduo dessetipodeloteamentocresceutambmporquerepresentavalucratividadeaos loteadores e proprietrios fundirios. Porcausadaabundnciadeterrenosbaratosnosanos50e70,aZonaSulvai atrairasindstriasdeformasignificativa,comoametalrgica,mecnica,qumicae farmacutica.Em1965,somentenosubdistritodeSantoAmaro,havia332indstrias commaisde5empregados,90delaseramdemetalrgicas,48mecnicase34

56 Fundada em 1907 pela empresa Light. A partir da dcada de 1920, a represa serviu como reservatrio de gua para distribuio domiciliar da capital. Tambm utilizada para controle de cheias e para o lazer da regio. Nas suas margens, existem praias artificiais e marinas de barcos. 57OLIVEIRA,EdisonLuiz.ProjetoInterlagos.ApraiaquefaltavaSoPaulo:Contradiese significadodainserodeSantoAmaro/ZonaSulnaformaoscio-espacial/metropolitana.1996. Dissertao de mestrado. Faculdade de FFLCH. USP. So Paulo, 1996, p. 91. qumicas58. Um grande impulso para a industrializao da Zona Sul foi a construo das marginais do rio Pinheiros. No incio dos anos de 1940, e representativamente a partir dos anos de 1960, a ZonaSuldeSoPauloteveumassustadorcrescimento,bemcomotodaagrandeSo Paulo.Juntamentecomocrescimentopopulacional,osproblemasurbanostambm aumentaram.ComonosexplicaOliveira,afaltadeinfra-estruturaesaneamentobsico so aspectos comuns de um grande nmero de bairros que surgem da noite para o dia em todososquadrantesdagrandeMetropole,carnciaquemaissentidaedolorosanos setoresdehabitaoetransporte,poisimpeumsofrimentoinominvelamilhesde pessoas. E acrescenta que oaparecimentodaperiferia,ocorrecomdestaquenaZonaSul,pois ondesedomaiorincrementodemogrficoemtermosdocontextoda Capital, entre os anos 50 e 70. Ao mesmo tempo, a tendncia verificada noperodoanterior,emrelaoaoassentamentoresidncia,das camadas mdias e abastadas neste subespao da Capital permaneceria.59 Dasepercebeadiferenciaoentreosbairrossituadosmaisaonortedazona sul,nossubdistritosIbirapuera,JabaquaraeSantoAmaro(bairrosbemequipados, arborizadosecomcasasquedenotamumstatussocialmaiselevado),emrelaoaos subdistritosCapeladoSocorro,ParelheiroseCampoLimpo,regiesondepredominam casebresefavelas.Nofinaldosanos70einciodosanos80e90,devidoagrande quantidade de loteamentos irregulares, o poder pblico passou a fiscalizar e regularizar os loteamentosclandestinos,oqueresultounavalorizaodosterrenose,portanto,no aumentodospreos.Emconseqncia,o nmero de favelas comeou a crescer de forma assustadora. Essatendnciatevecomoconseqnciaaproliferaodefavelasna zonasulque,em1987,concentrava47%dapopulaofaveladada capital(...)outraconseqnciafoiamultiplicaodeloteamentos clandestinosnasregiesdemananciais,ondeforamabertos213 loteamentosclandestinosentre1976e1994,perfazendoumtotal 58OLIVEIRA,EdisonLuiz.ProjetoInterlagos.ApraiaquefaltavaSoPaulo:Contradiese significadodainserodeSantoAmaro/ZonaSulnaformaoscio-espacial/metropolitana.1996. Dissertao de mestrado. Faculdade de FFLCH. USP. So Paulo, 1996, p. 106. 59OLIVEIRA,EdisonLuiz.ProjetoInterlagos.ApraiaquefaltavaSoPaulo:Contradiese significadodainserodeSantoAmaro/ZonaSulnaformaoscio-espacial/metropolitana.1996. Dissertao de mestrado. Faculdade de FFLCH. USP. So Paulo, 1996. p. 125. aproximado de 35 milhes de metros quadrados de rea loteada na rea de proteo aos mananciais, do municpio e So Paulo.60 AocupaodaregiodabaciadoGuarapirangacomeounadcadade1960, quandoumamassadetrabalhadoresdesempregadafoiatradapelapossibilidadede empregosnasindstriasquechegaram regioepelaofertadeloteamentos.Em1991, aproximadamente18%dapopulao(cercade100milpessoas)moravamemfavelas situadasmargemdabacia61.Comavelocidadedaexpansourbanaogovernono conseguiuoferecerinfra-estrutura bsica para atender essa demanda. Hoje vivem mais de 550milpessoas,ocupandoreadebaixopadrohabitacionalemfavelasouloteamentos clandestinos, somente na regio da periferia da Zona Sul. A falta de fiscalizao do poder pblicofavoreceuocrescimentodescontroladodaregio,apresentandoumadensidade maior do que a permitida. A forma como foi e continua sendo ocupada compromete os mananciais demodoquepareceirreversvel,emquepeseoesforodeentidades ambientalistasedaaodopoderpblicovisandocontrolaresse processoqueaindacontinua.Lotearreveliadospreceitoslegaisfoi essaarespostaprticadosproprietriosdechcarasparaaspolticas pblicaseemrecusaaonusquelherecaiacomaimobilizaodas formas de uso62. Aleideproteoaosmananciaisfoiineficiente,poisnoconseguiunem proteger a regio contra a degradao ambiental e nem conter o avano populacional. Mas continua sendo alvo de preocupao e ao do poder pblico. Uma demonstrao disso anotaoficialdivulgadapelaprefeituradeSoPaulo,nodiavinteenovedeagostode 2007, publicada em seu site oficial, referente demolio de casas construdas na regio dazonasuldeSoPaulo.Foiumaoperaoemdefesasguas,realizadapela fiscalizao estadual em parceria com a municipal, em que foram derrubadas 97 casas na regiodasubprefeituraCapeladoSocorro,comobjetivodeprotegerareade preservaoambintalondesesituamasrepresasBillingseGuarapiranga,responsveis pelo abastecimento de 1/3 de gua potvel da capital. 60OLIVEIRA,EdisonLuiz.ProjetoInterlagos.ApraiaquefaltavaSoPaulo:Contradiese significadodainserodeSantoAmaro/ZonaSulnaformaoscio-espacial/metropolitana.1996. Dissertao de mestrado. Faculdade de FFLCH. USP. So Paulo, 1996. p. 134. 61SILVA,JanedeSouza.SILVA,JanedeSouza.Urbanizaodefavelasemreadeproteode mananciais: O caso da comunidade Sete de Setembro. 2003. Dissertao de mestrado. Escola Politcnica, Universidade de So Paulo. So Paulo, 2003. p.27. 62 SEABRA, Odette Carvalho de Lima.So Paulo: a cidade, os bairros e a periferia. In: CARLOS, Ana fani Alessandri;Oliveira,AriovaldoUmbelinode(orgs).GeografiasdeSoPaulo:representaoecriseda metrpole. So Paulo: Contexto, 2004, p. 126. 1.5. Distrito Graja Para melhor conhecer a comunidade Batista Maranata mostraremos alguns dados fornecidos pela prefeitura de So Paulo referentes ao sumrio de dados de 2004, sobre a regioemqueselocalizaazonaregionaldasubprefeituraCapeladoSocorroe, especificamente, o distrito Graja. Veja a localizao do mapa63. AregiodaZonaSulquenosinteressaadodistritoGraja,quepertence subprefeitura Capela do Socorro, composta por trs subdistritos: Socorro, Graja e Cidade Dutra. Somadosrepresentam134km2,ondehabitamaproximadamente700milpessoas, fazendo da Capela do Socorro a subprefeitura mais populosa da cidade de So Paulo. O crescimentopopulacionaldazonaSulsedeuporvoltadadcadade1960.Odistrito Graja teve seudesenvolvimentonoinciodadcadade1980,mesmoperodoemque nasce a Igreja BatistaMaranata. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica apontou quenoperodode60-80, houve um crescimento de 768% da populao, que atualmente contacom675.162habitantes.odistritomaispopulosoecomomaiorndicede crescimentodemogrficodametrpolepaulistana.Ametadedapopulaoda subprefeitura Capela do Socorro est no Graja. 63 Mapa disponvel no site oficial da prefeitura de So Paulo:www.portal.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 16 nov. 2006. OGrajaodistritoqueselocalizaprximoaSoBernardodoCampoes margens das represas Billings e Guarapiranga. Segundo pesquisas oficiais, a populao do Grajacompostaprincipalmentepormigrantesnordestinosque,comovimoscomo pesquisador Oliveira, vieram em busca de melhores oportunidades de emprego e condio de vida. De acordo com os termos da sociologia, o espao urbano denominado periferia significaumespaosocialmentehomogneo,esquecidopelaspolticasestatais,e localizadotipicamentenasextremidadesdareametropolitana64.Asconstruesso feitasdeformairregularouilegal,semplanejamento,noconseguindocumpriras exigncias mnimas e em conseqncia no recebendo aprovao de assentamento pelas leismunicipais.Essafoiumasoluodemoradiapredominanteencontradapela populaodebaixarendadomunicpiodeSoPaulo.Assimcomoaconstruodas favelas,quetambmoutrasoluodemoradiatradicionalparaospobres,hojecalcula-seaexistnciadequatrocentosbairrosirregularessomentenodistritopesquisado, concentrandoomaiornmerodefavelados(95milhabitantes)dacapital.Odistrito Graja pode ser descrito, portanto, como periferia. OdistritoGrajaapresentaumdosnveismaiselevadosdepobrezadacapital. Algumascaractersticasdodistritoconfirmamessatese,taiscomo:cercade50%dos chefesdefamliarecebemmenosdetrssalriosmnimosporms;possuiumelevado ndicedemortalidadeporhomicdio;odistritomaisviolentodasubprefeitura:98,73 assassinatospor100milhabitantes;elevadonmerodemortalidadeinfantil;amaior partedaregiofoiloteadaclandestinamente;maiorndicedeanalfabetismo;grande nmero de evaso e o pior rendimento escolar65. 64TORRES,HaroldodaGama.Pobrezaeespao:padresdesegregaoemSoPaulo.Estudos avanados,So Paulo,v. 17,n. 47,2003.Disponvel em:www.scielo.com.br. Acesso em: 09 nov. 2006. 65 Dados oficiais divulgados pela prefeitura de So Paulo no site:www.portal.prefeitura.sp.gov.br. Acesso em: 12 de nov. 2006. O mapa acima representa a realidade de excluso social que compe o municpio de So Paulo. Destacamos ainda que a populao do distrito Graja, como nos mostra o mapa, est entre os mais atingidos pela excluso social da cidade paulistana. 1.6. Breve nota sobre os batistas no Brasil A comunidade BatistaMaranatanascenamesmapocaemqueodistrito Graja ganha impulso em seu desenvolvimento, nos finais dos anos 70 e incio dos anos 80. Os membrosdaigrejasodaclassetrabalhadora,possuindoumabaixarendasalarial, como mostramosmaisprecisamentenocaptulotrs.Umgrandenmeroveiodonordestedo pas, majoritariamente do estado da Bahia. Muitos so moradores da favela do entorno da comunidade. No nos interessa aqui trabalhar todo o histrico de formao da denominao66 batista, ou como a denominao chegou e se consolidou no solo brasileiro. Muitas obras se dedicaram a contar a histria dos batistas no Brasil,a primeira obra acadmica com o tema Batistas, foi a de Marli Geralda Teixeira, com a dissertao publicada em 1975 e a tese de doutorado em 1983. Algumas obras foram publicadas pela Casa PublicadoraBatista,poriniciativadaprpriadenominao,comoporexemplo,aobradoautorAsaR. CRABTREE,HistriadosbatistasnoBrasil :atoanode1906,publicadaem1962.Aobraprocura documentarahistriadadenominaobatista,mostrandosuatrajetriaatoanode1906;outroautorde refernciaJosdosReisPereira,cujaobra,BrevehistriadosBatistas,publicadaem1972,teveo objetivo de relatar a histria do surgimento da denominao batista, ressaltando datas oficiaise nomes de grandeslderes;noanode1980,publicoutambmumanovaobraHistriadosbatistasnoBrasil67 que pretendeu contar a histria da denominao batista em solo brasileiro; Betty Antunes Oliveira, em sua obra Centelha do restolho seco, publicadapela prpria autora em 1985, tambm pretendeu dar sua contribuio sobreahistriadosbatistasnoBrasil.Asquatroobrasacimacitadassorefernciasdeumahistria institucional dos batistas, e que no possuem cunho acadmico. Atemticasobreosbatistastambmfoiobjetodeinteresseacadmico.Como exemplo,aobradopesquisadorIsraelBelodeAzevedo,Acelebraodoindivduo, publicadaem1996,cujopropsitofoiestudaraformaoeopensamentodosbatistas desdeseusurgimentonaInglaterraemmeadosdosculoXVIatsuachegadaemsolo brasileiro, fazendo uma reflexo sobre o estado atual dos batistas e suas influncias sobre a cultura brasileira. Outra obra que merece destaque a tese de doutorado de Elizete da 66Denominaoaformaespecficaehistricaqueumaigrejatoma.Nointeriordocristianismo,as denominaes podem ser vistas como conjuntos de tradies seguidas por igrejas. Os batistas integram uma denominao. 67 PEREIRA, Jos dos Reis. Histria dos batistas no Brasil. Rio de Janeiro: Juerp, 1982. Silva,Cidadodeoutraptria:AnglicanoseBatistasnaBahia,apresentadaa Universidade de So Paulo em 1998. A autora pesquisa sobre os batistas e os anglicanos no contexto brasileiro, e principalmente baiano, nos anos de 1880 a 1930. Fizemostambmumlevantamentodastesesedissertaes desenvolvidas pelos pesquisadoresdoprogramadeps-graduaoemCinciasdaReligiodaUniversidade Metodista de So Paulo, e encontramos mais de 20 trabalhos cujo objeto a denominao Batistabrasileira.Dessemodo,percebemosquemuitosforamosfocosdeestudosobre essadenominao,como,porexemplo:estudosobreoseminrioteolgicoeeducao batista; prticas pastorais batistas na cidade de So Paulo; transformaes no culto batista naperspectivadetrscomunidadesdacidadedeSoPaulo;estudosobreatitudesde sadeporpartedemembrosdeigrejasbatistasnacidadedeSoPaulo;estudosobre identidade batista no contexto contemporneo brasileiro; histria dos batistas a partir da memriadamissionriaAnnMaeLouiseWollerman no Mato Grosso do Sul; estudo da mentalidade batista sob a tica do jornal batista nos anos de 1960 a 1985; estudo sobre a ordenao do ministrio feminino na conveno batista paranaense; estudo sobre pessoas comdeficinciamentalemumacomunidadebatista;estudosobreomarcoinicialda histriadosbatistasemsolobrasileiro;entremuitosoutros.Percebemosquea denominao batista tem chamado a ateno da comunidade acadmica nos ltimos anos. No entanto, para pesquisarmos sobre a comunidade batista Maranata, precisamos entender um pouco o universo batista, para, desse modo, termos condies de decifrar os discursos de nossos interlocutores e entendermos a realidade desse grupo religioso. Utilizaremosotermoprotestanteparanosreferirmosdenominaobatista, mesmo sabendo que este deveria designar, estritamente, os luteranos, pois o termo surgiu popularmente no ano de 1529, para designar aqueles que protestavam contra a ab-rogao doprincipiocujusregius,cujusreligusaprovadonaDietaanterior.Mas,comonos explicaIsraelBelodeAzevedo,otermopassouaseraplicado,aolongodahistria,a todososgruposreligiososdecorrentesdosmovimentosreformadoresdosculoXVI: os matrizes(luteranos,presbiterianos,calvinistas,anglicanoseanabatistas);osherdeiros (congregacionais,batistasemetodistas)eosvice-herdeiros(adventistasepentecostais, ente os principais). O trao de genericidade dado pela formao dos trs princpios de Martinho Lutero: escritura sagrada como nica regra de f e prtica, salvao por meio da f,sacerdciouniversaldoscrentes68.NoBrasil,deformageral,otermoprotestante aceitopelosgruposreligiososmatrizes,entreosherdeiros,osmetodistasaceitamsem problema, e os batistas e congregacionaispreferem o termoevanglico e o mesmo ocorre entre os vice-herdeiros. OsbatistassurgiramnaEuropa,sendofrutodeumacisodomovimento puritano-separatistadareformainglesa.ForamimplantadosnosEstadosUnidose transplantadosparaoBrasil.Comoasoutrasigrejasprotestantes,osbatistasnosEstados Unidos sofreram diviso por causa da escravido. A recusa em aceitar donos de escravos comomissionriosfezsurgiraConvenoBatistadoSul.Onovoprotestantismo(novo noemtermosdoutrinais,masemrelaoaoplanodetrabalhoquesurgenasegunda metade do sculoXIX, conhecido comoprotestantismo de misso)nascecomincentivo de sociedades missionrias, que enviam missionrios e os sustentam. A primeira tentativa dos batistas do sul em terras brasileiras deu-se por meio de Thomas Jefferson Bowen69 na colnia de Santa Brbara D Oeste, na cidade de So Paulo, em 1871. Uma dcada mais tardeiniciou-se o trabalho batista entre os brasileiros, no estado da Bahia, com os casais demissionriosBuckBagbyeAnneLutherBagby,ospioneiros;eZachariasClayTaylor,KateStevensCrawfordTaylor,quevieramcom objetivodecriarumaigrejabatistaparaosbrasileiros,efundaram,assim,aprimeira igreja batista brasileira, em 1882, na cidade de Salvador. IsraelBelodeAzevedoexplanaque,parasedesenvolveremsolobrasileiro,o protestantismo utilizou quatro espaos estratgicos: primeiro, o templo, que o centro da vida religiosa; segundo, a escola que serve como um meio da educao cuja finalidade era aconverso;terceiro,apraa,queservecomopalcoutilizadoparaatrairaplatiaao templo;eporltimo,oprelo,queserveparaaautoehetero-evangelizao70.As estratgiasutilizadasparaevangelizaoeramvariadas,como:distribuiodebblias; abertura de escolas e de colgios de elite para alcanar a classe mdia e mostrar a eficcia de sua pedagogia; pregao direta, individual e de grupo. 68AZEVEDO,IsraelBelode.Acelebraodoindividuo:Aformaodopensamentobatistabrasileiro. Piracicaba: Unimep, So Paulo: Exodus, 1996, p. 15. 69 Thomas Jefferson Bowen viveu entre os anos de 1814 a 1875, era missionrio na frica do Sul, quando veio para o Brasil em 1860, fixando-se no Rio de Janeiro. Preparou um dicionrio da lngua Ioruba e veio desejoso de formar uma igreja de fala inglesa e outra entre os escravos. O missionrio chegando ao Rio de Janeiro pde fazer contato com os escravos devido ao domnio que tinha do idioma dos Iorubas. Por causa de sua fluente comunicao com os escravos em suas prprias lnguas, foi alvo de suspeitas, o que resultou em sua priso pela justia brasileira. 70AZEVEDO,IsraelBelode.Acelebraodoindividuo:Aformaodopensamentobatistabrasileiro. Piracicaba: Unimep, So Paulo: Exodus, 1996, p. 153. OperododemaiorcrescimentodosbatistasnoBrasilfoientre1930-1970. Estimava-se que em 1982 os batistas chegariam a um milho de memb