a grande tela da crise

2
www.brasildefato.com.br Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 3.00 São Paulo, de 13 a 19 de outubro de 2011 Ano 9 • Número 450 ISSN 1978-5134 Rosa Malmstron Mesmo após a repercussão internacional do assassinato de extrativistas no Pará, em maio deste ano, a situação de lideranças camponesas na região continua delicada. Ameaçados de morte continuam sem proteção do Estado e os latifundiários mandantes de assassinatos permanecem em liberdade, e alguns, inclusive, lucram com a venda de terras à Vale. Págs. 4 e 5 Marcados para morrer Imigrantes no Brasil querem mais direitos Pág. 9 Pág. 9 Bienal VentoSul A arte em meio à crise Pág. 11 Divulgação Silvia Adoue Operações sobre a memória Não é absurdo dizer que no continente houve uma certa continuidade entre os governos militares e os civis que os sucederam. Defendiam os mesmos interesses econômicos, com práticas políticas diferentes. Pág. 16 Guilherme C. Delgado A crise externa se aprofunda O recrudescimento e aprofundamento da crise nanceira na zona do euro, que a cada semana se revela mais ampla e potencialmente contaminante, são um preâmbulo de estagnação econômica para toda a Europa. Pág. 3 Honduras, a República das armas e das palmas Pág. 13

Upload: rafaela-tasca

Post on 10-Mar-2016

214 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

6. Bienal Vento Sul - Bienal de Curitiba_2011 Jornal Brasil de Fato

TRANSCRIPT

www.brasildefato.com.br

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 3.00

São Paulo, de 13 a 19 de outubro de 2011Ano 9 • Número 450

ISSN 1978-5134

Rosa Malmstron

Mesmo após a repercussão internacional do assassinato de extrativistas no Pará, em maio deste ano, a situação de lideranças camponesas na região

continua delicada. Ameaçados de morte continuam sem proteção do Estado e os latifundiários mandantes de assassinatos permanecem em liberdade, e alguns, inclusive, lucram com a venda de terras à Vale. Págs. 4 e 5

Marcados para morrer

Imigrantes no Brasilquerem mais direitos

Pág. 9Pág. 9

Bienal VentoSul

A arte em meio à crise Pág. 11

Divulgação

Silvia Adoue

Operações sobre a memória Não é absurdo dizer que no continente houve uma certa continuidade entre os governos militares e os civis que os sucederam. Defendiam os mesmos interesses econômicos, com práticas políticas diferentes. Pág. 16

Guilherme C. Delgado

A crise externa se aprofundaO recrudescimento e aprofundamento da crise nanceira na zona do euro, que a cada semana se revela mais ampla e potencialmente contaminante, são um preâmbulo de estagnação econômica para toda a Europa. Pág. 3

Honduras, a Repúblicadas armas e das palmas

Pág. 13

cultura de 13 a 19 de outubro de 2011 11

Rafaela Tascade Curitiba (PR)

SOB O DESAFIADOR tema “Além da Crise”, a capital paranaense abriga até o mês de novembro a 6a VentoSul, um importante evento internacional de ar-te contemporânea que, a partir deste ano, também passa ser chamado de Bie-nal de Curitiba. Para conduzir a ousa-da proposta curatorial, os críticos de ar-te Alfons Hug (Alemanha) e Ticio Esco-bar (Paraguai) foram convidados a pen-sar sobre a posição da obra de arte diante de uma cultura de nida em grande par-te pela crise.

A apresentação da proposta dos cura-dores é bastante reveladora: “A palavra ‘crise’ é tomada em seu sentido mais ins-tigador e sugestivo, como momento cru-cial que, diante de uma mudança brusca de paradigma, exige decisões, posições e imagens novas”. E acrescentam: “não se espera que os artistas que participam desta Bienal ofereçam receitas para en-frentar a crise nem que façam críticas, mas que proponham novos olhares.”

Além da presença de artistas das mais diversas regiões do mundo (são 37 paí-ses) e um desenho que optou por descen-tralizar os espaços de exposição, esta Bie-nal de Curitiba é marcada pelas chama-das “narrativas fortes”. “Os curadores ge-rais deram preferência a obras que tra-balhassem com o que eles nomearam de ‘narrativas fortes’, ou seja, trabalhos com conteúdo imagético evidente e direta-mente relacionado com questões políti-cas e sociais do capitalismo atual.”, ana-lisa o paranaense Artur Freitas, um dos curadores convidados para esta edição.

A programação inclui palestras, me-sas-redondas, exposições, cursos, o ci-nas, mostra de lmes, perfomances e in-terferências urbanas que vêm ocupando os principais espaços culturais e museus da cidade; e também galerias subterrâ-neas, praças, ruas e parques.

Projeções inquietasAo passar pelas obras de diferentes la-

titudes do globo, as quais se encontram na “grande tela audiovisual” que se tor-nou as duas salas do Museu Oscar Nie-meyer – principal espaço desta Bienal –, não há como não ser sgado por al-gum instante de imagem. São projeções de obras perturbadoras, inquietas, ins-tigantes; por vezes desoladoras, irônicas ou mesmo líricas.

Como no vídeo Shared Propulsion Car (Carro de Propulsão Compartilhada), com a performance do artista canaden-se Michel de Broin, em que ele substitui o motor de um carro por quatro mecanis-mos de pedais criando um meio de trans-porte de auto-propulsão coletiva. Reali-zado no centro de Nova York, onde de Broin circulou a 15km/h, o trabalho faz uma crítica poética à economia do petró-leo e à cultura do automóvel.

Também ali, nesta grande tela, os efei-tos visuais do vietnamita Dinh Q. Lê com clima quase surreal em South China Sea Pishkun, animação em vídeo com a ima-gem de helicópteros caindo, um após o outro. Em referência aos episódios de 30 de abril de 1975, o vídeo insere as máqui-nas de guerra em seus últimos momen-tos, lançadas à morte no mar.

Também saltam das paredes dessa ex-posição as imagens estarrecedoras dos trabalhadores das minas ilegais de ou-ro de Obuasi, em Gana, apresentadas na obra Ghana Gold – Da Money do fotó-grafo nigeriano, George Osodi. Além do ritmo da rígida disciplina, um tanto mi-litar, da “chamada” antes da jornada de trabalho em Shangai, captadas em vídeo pelo artista chinês Zhou Tao para a obra 1,2,3,4.

Ruínas do presente Como ruído de fundo, o discurso da

crise também parece adensar algumas práticas similares de mapeamento, co-mo as que lançam um olhar aguçado para objetos cotidianos e modos de vi-da. A exemplo da obra Esto es una pipa (Isto é um cachimbo) do artista colom-biano Camilo Restrepo na qual trabalha

com uma espécie de recenseamento dos objetos cotidianos da atualidade; no ca-so, os cachimbos de fumar bazuco (mis-tura de drogas duras) que ele encontra nas ruas.

A obra de Restrepo não só com ques-tões contextuais de seu país, como tam-bém transita com primorosa desenvoltu-ra por uma clássica referência da história da arte: a obra A traição das imagens do artista surrealista Renè Magritte. Se Ma-gritte, em 1966, provoca uma crise na re-presentação da imagem ao pintar um ca-chimbo e sob ele escrever Isto não é um cachimbo; o colombiano Restrepo se apropria deste símbolo e reinsere a ques-tão, a rmando a realidade da imagem e subscrevendo com exatidão arqueológica o local de coleta do material: os bairros marginalizados de seu país.

Este procedimento aparece em outras obras do artista, como na recente insta-lação Figuritas en el suelo na qual ex-põe uma série fotográ ca e algumas bol-sas plásticas – máquinas inaladoras de drogas – recolhidas no parque da Esta-ção do Prado, centro de Medellín. O títu-lo da instalação surge de uma expressão usual dada às imagens que são vistas sob efeito do Boxer – popular marca de cola entre os consumidores da droga.

Também Luis Molina-Pantin se ocupa das cidades colombianas. Com um apu-rado olhar para a arquitetura e o desve-lamento de suas camadas de poder, o ar-tista, nascido na Suíça e radicado na Ve-nezuela, apresenta uma série fotográ -ca com exemplares da chamada “narco-arquitetura”: mansões de tra cantes e ma osos colombianos construídas nos anos de 1980 e 1990, nas cidades de Ca-li e Bogotá.

Outro modo de olhar para as camadas de memória urbana é aquele que rever-bera na obra da fotógrafa alemã Ricar-da Roggan. A artista leva para fotografar em seu estúdio peças do mobiliário utili-

zadas em repartições públicas da Alema-nha Oriental e encontradas em estado de abandono pelas cidades. As composições reencenadas de Roggan revelam a at-mosfera insólita de um mundo e um mo-do de vida que desapareceu após a queda do muro de Berlim.

Esta espécie de arqueologia do presen-te ou do passado próximo, ganha um cor-po ainda maior no projeto Intervallo do coletivo italiano Alterazioni Video, com a documentação de obras arquitetônicas colossais e inacabadas da região da Sicí-lia, sul da Itália, edi cadas entre os anos de 1960 e 1980. Certamente uma crítica à especulação imobiliária do pós-guerra que deixou as marcas de seus modos su-perlativos e de sua estética do inacabado. São ruínas como a do Stadio del Polo na cidade de Giarre, do orfanato em Enna, ou das casas populares de Adrano.

Estas obras parecem alinhavar uma chão comum. Exigem empregar um cer-to tempo, uma parada para desmecani-zar o olhar e de fato ver os vestígios e ru-ínas da própria história humana recente, e em curso.

Intervenções urbanasA arte desta Bienal pode ser vista até

mesmo para o público que não quer se deslocar até um dos espaços da mostra. Uma condição possível em virtude das interferências urbanas que ocorrem em praças, fachadas, becos e galerias subter-râneas. A exemplo do painel de 13 metros do jovem curitibano Rimon Guimarães, feito na fachada lateral de um prédio no Largo da Ordem.

Se às cores se lança Rimon, à leveza do branco se propõe Fernando Rosen-baum - outro artista radicado em Curi-tiba. Instalando diversas de suas obras, chamadas de Baiúca (literalmente abri-gos) em situações urbanas diversas, Ro-senbaum cria espaços de convivência e respiro em meio ao caos individualizan-te da cidade. Como a que se alocou no

hall da Biblioteca Pública do Paraná, su-as Baiúcas são delicadas obras feitas em papel de seda que convidam o visitantea entrar e experienciar um outro pensa-mento urbano.

Também a passagem subterrânea da galeria Julio Moreira, localizada no cen-tro histórico da cidade, foi o espaço pa-ra o site speci c (obra feita no próprio lu-gar) Cómo llegar a las masas, do uru-guaio Ricardo Lanzarini. A obra criou polêmica pelo modo que o artista repre-sentou as estruturas de poder e foi inter-ditada já na inauguração da Bienal. Des-de então, vem sendo discutida sua rea-bertura ao público.

Eixo SulCom esta polifonia de fatos e expres-

sões artísticas, esta Bienal “Além da Crise” agrega à aguda experiência com a atualidade do mundo, algum descon-forto. Em seu estado de pensar no além do estado das coisas, variados questiona-mentos sobre si própria. Especialmente de qual seria sua vocação em meio à dis-puta acirrada na cartogra a das grandes mostras de arte contemporânea mundo afora. Por certo, a descentralização do circuito de arte nacional é uma de suas contribuições como bem pondera o críti-co e historiador Artur Freitas, “Creio que, com o passar do tempo, ela terá condi-ções de, somada à Bienal do Mercosul, estabelecer uma nova rota cultural no sul do Brasil”, re ete.

Resta saber se esta Bienal conseguirá ao longo dos anos, se rmar como um la-boratório instigante, com experiências li-geiramente deslocadas do sistema da ar-te mais afeito às práticas de valores do mercado. Ou se fará parte do coro dos mesmos.

A grande tela da criseARTE Com obras bastante contextuais, a 6ª Bienal VentoSul mostra a face inquieta da arte contemporânea mundial

Serviço6ª Vento Sul – Bienal de Curitiba

Quando: Até 20 de novembro de 2011

Local: Diversos espaços da cidade de Curitiba, PR

Site: www.bienaldecuritiba.com.br

Mais informações: (041) 3223-8424

Quem são os curadoresCuradoria Geral: Alfons Hug e Ticio Escobar

Co-curadoria: Adriana Almada e Paza Guevara

Curadores convidados: Alberto Saraiva, Artur Freitas, Eliane Polik e Simone Landal

Curadoria educativa: Denise Bandeira e Sonia Tramujas

Mais informações sobre os artistas:CAMILO RESTREPO ZAPATA, Colômbiawww.camilorestrepoz.com

ALTERAZIONI VIDEO, Itáliawww.alterazionivideo.com

MICHEL DE BROIN, Canadáwww.micheldebroin.org

“Os curadores gerais deram preferência a obras que trabalhassem com o que eles nomearam de ‘narrativas fortes’

O discurso da crise também parece adensar algumas práticas similares de mapeamento, como as que lançam um olhar para objetos cotidianos

Esta Bienal “Além da Crise” agrega à aguda experiência com a atualidade do mundo, algum desconforto

Descentralização do circuito de arte nacional é uma das contribuições da Bienal VentoSul

Divulgação/IPAR

Divulgação/IPAR

Ghana Gold – Da Money, do fotógrafo nigeriano George Osodi

South China Sea Pishkun, animação em vídeo do vietnamita Dinh Q