a ethos, carisma e poder no discurso eleitoral midiatizado · demonstrações de amor ao longo da...
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUCP-SP
Rudney Soares de Souza
A práxis política em cena no Brasil: ethos, carisma e poder no discurso
eleitoral midiatizado
Doutorado em Língua Portuguesa
São Paulo
2018
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUCP-SP
Rudney Soares de Souza
A práxis política em cena no Brasil: ethos, carisma e poder no discurso
eleitoral midiatizado
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de DOUTOR em Língua Portuguesa, sob a
orientação do Prof. Dr. Jarbas Vargas
Nascimento.
São Paulo
2018
BANCA EXAMINADORA
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O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
Guimarães Rosa
Agradeço à Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Ensino Superior –
CAPES – pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa.
Agradeço o apoio da FUNDASP.
AGRADECIMENTOS
Ao amigo de todas as horas e professor exemplar, Doutor Jarbas Vargas Nascimento,
por quem tenho profunda admiração e respeito. Suas orientações foram imprescindíveis
para a conclusão desta tese. Obrigado pela confiança.
À Professora Doutora Izilda Nardocci e ao Professor Doutor Antonio Roberto Chiachiri,
pelas preciosas contribuições, pelas leituras críticas desta tese e por aceitarem participar
das Bancas de Qualificação e de Defesa.
À Professora Doutora Micheline M. Tomazi e ao Professor Doutor João Hilton Sayeg
de Siqueira, por aceitarem participar da Banca de Defesa.
À Coordenação e aos docentes do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da PUC-SP, pelo apoio.
À Lourdes Sclagione, secretária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua
Portuguesa da PUC-SP, pela amizade e pela atenção de sempre.
A minha esposa, Mirian de Almeida Rodrigues Souza, pela paciência e pelas
demonstrações de amor ao longo da jornada.
Aos meus filhos, Erick Henrique e Théo Augusto, pelos momentos de descontração e
pelo carinho.
Aos meus pais, Rosária Maria Soares de Souza e José Florêncio de Souza, por
acreditarem em mim durante todos os momentos da minha vida. Vocês são exemplos de
dignidade, amor e dedicação.
Aos meus irmãos, Sidney, Kátia e Allyfer, pelo carinho e consideração durante esse
percurso.
A todos os meus familiares e amigos que estiveram ao meu lado durante todo esse
tempo, pelo apoio e pelas palavras de incentivo.
Aos meus companheiros do Grupo de Pesquisa Memória e Cultura na Língua
Portuguesa escrita no Brasil, em especial, aos amigos Losana Prado, Márcio Cano,
Ramon Chaves, André Soares, André Lopes, Anderson Ferreira, Anderson Jacob,
Carlos Baptista e Ricardo Celestino, pelos momentos de discussão que fizeram com que
minha pesquisa amadurecesse.
Ao amigo Márcio Martins Melo e às amigas Losana Prado e Daniela Peneda, pela
generosidade em traduzir as versões do Resumo em inglês, francês e espanhol,
respectivamente.
Aos meus alunos, apoiadores e admiradores do meu trabalho.
RESUMO
SOUZA, Rudney. A práxis política em cena no Brasil: ethos, carisma e poder no
discurso eleitoral midiatizado. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica.
São Paulo, 2018.
Esta tese insere-se nos princípios teórico-metodológicos da Análise do Discurso e tem
por objetivo geral examinar a força do ethos discursivo, do carisma e do poder da mídia
na construção do sujeito político brasileiro no HGPE - Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral -, no segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Os objetivos
específicos são: verificar as estratégias e os mecanismos discursivos utilizados nos
discursos do enunciador político que busca legitimação; entender e explicar a força
argumentativa do ethos discursivo, do carisma e da mídia na organização e no
funcionamento do discurso político; identificar as formações discursivas que atravessam
diferentes discursos de campanhas eleitorais e suas relações com as competições
interpartidárias que evidenciam o político por meio do confronto de suas relações
imaginárias com as suas condições reais de existência. Para fundamentar nossas
análises, utilizamos os trabalhos de Maingueneau (1995; 1996; 1997; 2004; 2006; 2007;
2008a; 2008b; 2008c; 2010a; 2010b; 2015) e Charaudeau (1996; 1999; 2000; 2006a;
2006b; 2008a; 2008b; 2009; 2012; 2016). Dado o caráter interdisciplinar das
perspectivas que abordam, permitem o diálogo com Weber (1999), Bourdieu (1989),
Foucault (2003; 2014), Bobbio (2015), entre outros. O tema mostra-se relevante, pois
trata do funcionamento do discurso político midiatizado em território brasileiro e
desloca os estudos sobre política para a interdiscursividade, recuperando as condições
sócio-históricas de discursos de uma eleição presidencial acirrada. Os candidatos Aécio
Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) protagonizaram programas eleitorais que
projetaram, no imaginário social, uma sociedade dividida. Nossa hipótese é que o
discurso político midiatizado no HGPE projeta uma identidade discursiva do
enunciador, ou seja, um ethos discursivo que visa a legitimá-lo como sujeito
carismático. Queremos afirmar que o carisma enfatiza o posicionamento do ethos
discursivo, na medida em que nele e por ele vemos o sujeito político validando-se como
melhor. Nessa perspectiva, os conceitos de carisma subjetivo e carisma objetivo, ao
adentrarem às cenografias, situam o enunciador político entre a lógica simbólica e a
lógica pragmática para conquistar a adesão do co-enunciador. Para atingirmos os
objetivos que propusemos, constituímos um corpus composto de doze programas
eleitorais veiculados no HGPE, seis de Aécio Neves e seis de Dilma Rousseff. As
análises revelaram que o sujeito político, ao mostrar seu ethos discursivo de político
brasileiro, oscila entre a lógica simbólica e a lógica pragmática para atingir seus
objetivos de adesão e de sedução e, assim, validar, discursivamente, sua figura de poder
que é projetada na tela da televisão.
Palavras-chave: Análise do Discurso; discurso político; cenografia; ethos discursivo;
carisma; poder.
ABSTRACT
SOUZA, Rudney. The political praxis on the scene in Brazil: ethos, charisma and
power in the mediatized electoral discourse. Doctoral Thesis. Pontifícia
Universidade Católica. São Paulo, 2018.
This thesis is part of the theoretical-methodological principles of Discourse Analysis
and its aim is to examine the strength of discursive ethos, charisma and media power in
the construction of the Brazilian political subject in the HGPE, Horário Gratuito de
Propaganda Eleitoral, ((Free) political advertising time), in the second round of the
2014 presidential elections. The specific objectives are: to verify the strategy and the
discursive mechanisms used in the discourses of the political enunciator that seeks
legitimation; to understand and explain the argumentative strength of the discursive
ethos, the charism and the media in the organization and functioning of political
discourse; to identify the discursive formations that cross different discourses of
electoral campaigns and their relations with the interparty competitions that show the
politician through the confrontation of their imaginary relations with their real
conditions of existence. In order to base our analysis, we use the papers of Maingueneau
(1995, 1996, 1997, 2004, 2006, 2007, 2008a, 2008b, 2008c, 2010a, 2010b, 2015) and
Charaudeau (1996, 1999, 2000, 2006a, 2006b; 2008b; 2009; 2012; 2016). Given the
interdisciplinary nature of the perspectives they address, it is possible to dialogue with
Weber (1999), Bourdieu (1989), Foucault (2003, 2014), Bobbio (2015), among others.
The topic is relevant, since it deals with the functioning of the mediatized political
discourse in Brazilian territory and shifts studies on politics to interdiscursivity,
recovering the socio-historical conditions of discourses of a fierce presidential election.
The candidates Aécio Neves (PSDB) and Dilma Rousseff (PT) carried out electoral
programs that projected, in the social imaginary, a divided society. Our hypothesis is
that the mediatized political discourse in the HGPE projects a discursive identity of the
enunciator, in other words, a discursive ethos that aims to legitimize it as a charismatic
subject. We want to affirm that the charism emphasizes the positioning of the discursive
ethos, since in him and by him we see the political subject validating themselves as the
best. In this perspective, the concepts of subjective charisma and objective charisma,
when entering the scenographies, locate the political enunciator between the symbolic
logic and the pragmatic logic to reach the adhesion of the co-enunciator. In order to
achieve the objectives we have proposed, we have constituted a corpus composed of
twelve electoral programs broadcast in the HGPE, six by Aécio Neves and six by Dilma
Rousseff. The analyzes revealed that the political subject, in showing their discursive
ethos of a brazilian politician, oscillates between the symbolic logic and the pragmatic logic to reach their goals of adhesion and seduction and, thus, to validate, discursively,
their figure of power that is projected on the television screen.
Keywords: Discourse Analysis; political discourse; scenography; discursive ethos;
charisma; power.
RÉSUMÉ
SOUZA, Rudney. La praxis politique sur la scène au Brésil: éthos, charisme et
pouvoir dans le discours électoral médiatisé. Thèse de doctorat. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018.
Cette thèse fait partie des principes théoriques et méthodologiques de l'Analyse du
Discours et a pour objectif d'examiner la force de l'ethos discursif, du charisme et du
pouvoir des médias dans la construction du sujet politique brésilien dans l’HGPE, temps
libre de la propagande électorale au second tour des élections présidentielles de 2014.
Les objectifs spécifiques sont: vérifier les stratégies et les mécanismes discursifs utilisés
dans les discours de l'énonciateur politique qui cherche la légitimation; comprendre et
expliquer la force argumentative de l'ethos discursif, du charisme et des médias dans
l'organisation et le fonctionnement du discours politique; identifier les formations
discursives qui traversent les différents discours des campagnes électorales et leurs
rapports avec les compétitions interpartis qui montrent le politicien à travers la
confrontation de leurs relations imaginaires avec leurs conditions réelles d'existence.
Pour fonder notre analyse, nous avons utilisé les travaux de Maingueneau (1995; 1996;
1997; 2004; 2006; 2007; 2008a; 2008b; 2008c, 2010a, 2010b, 2015) et Charaudeau
(1996; 1999; 2000; 2006a; 2006b; 2008a; 2008b, 2009, 2012, 2016). Compte tenu de la
nature interdisciplinaire des perspectives qu'ils abordent, ils permettent un dialogue avec
Weber (1999), Bourdieu (1989), Foucault (2003, 2014), Bobbio (2015), entre autres. Le
thème montre pertinent car il concerne le fonctionnement du discours politique
médiatisé au Brésil et déplace des études sur la politique de l'interdiscursivité, en
récupérant les conditions socio-historiques des discours d'une élection présidentielle
féroce. Les candidats Aécio Neves (PSDB) et Dilma Rousseff (PT) ont mené des
programmes électoraux qui ont projeté, dans l'imaginaire social, une société divisée.
Notre hypothèse c’est que le discours politique médiatisé dans l’HGPE projette une
identité discursive de l'énonciateur, à savoir um éthos discursive qui vise à légitimer
comme un sujet charismatique. Nous voulons affirmer que le charisme insiste sur le
positionnement de l'ethos discursive, car en lui et par lui nous voyons le sujet politique
se valoriser comme le meilleur. Dans cette perspective, les concepts de but charisme et
son charisme subjectif, à l'étape dans les scénographies, placez l’énunciateur politique
entre la logique symbolique et l’approche pragmatique pour obtenir l'adhésion de le co-
énonciateur. Pour atteindre les objectifs que nous avons proposés, nous avons constitué
un corpus composé de douze programmes électoraux diffusés dans l'HGPE, six d'Aécio
Neves et six de Dilma Rousseff. Les analyses ont révélé que le sujet politique, en
montrant son ethos discursive de politique brésilien, oscille entre la logique symbolique
et la logique pragmatique pour atteindre leurs objectifs de l'adhésion et de la séduction
et de valider ainsi, discursivement, sa figure de puissance projetée sur l'écran de
télévision.
Mots-clés: Analyse du Discours; discours politique; scénographie; ethos discursif;
charisme; pouvoir.
RESUMEN
SOUZA, Rudney. La praxis política en escena en Brasil: ethos, carisma y poder en
el discurso electoral en los medios de comunicación. Tesis de Doctorado. Pontificia
Universidad Católica. São Paulo, 2018.
Esta tesis se introduce en los principios teórico-metodológicos del Análisis del
Discurso y tiene por objetivo general examinar la fuerza del ethos discursivo, del
carisma y del poder de la prensa en la construcción del sujeto político brasileño en el
HGPE, Horario Gratuito de la propaganda Electoral, en el segundo turno de las
elecciones presidenciales de 2014. Los objetivos específicos son: verificar las
estrategias y los mecanismos discursivos utilizados en los discursos del enunciador
político que busca legitimación; entender y explicar la fuerza argumentativa del ethos
discursivo, del carisma y de la prensa en la organización y en el funcionamiento del
discurso político; identificar las informaciones discursivas que atraviesan diferentes
discursos de campañas electorales y sus relaciones con las competiciones
interpartidarias que evidencian el político por medio del confronto de sus relaciones
imaginarias con sus condiciones reales de su existencia. Para fundamentar nuestros
análisis, utilizamos los trabajos de Maingueneau (1995; 1996; 1997; 2004; 2006; 2008
a; 2008 b; 2008 c; 2010 a; 2010 b; 2015) y Charaudeau (1996; 1999; 2000; 2006 a;
2006 b; 2008 a; 2008 b; 2009; 2012; 2016). Dado el carácter interdisciplinar de las
perspectivas que abordan, permiten el diálogo con Weber (1999), Bourdieu (1989),
Foucault (2013; 2014), Bobbio (2015), entre otros. El tema se muestra relevante, pues
trata del funcionamiento del discurso político en los medios de comunicación en
territorio brasileño y disloca los estudios sobre política para la interdiscursividad,
recuperando las condiciones socio-históricas del discurso de una elección presidencial
muy disputada. Los candidatos Aécio Neves (PSDB) y Dilma Rousseff (PT)
protagonizaron programas electorales que proyectaron, en el imaginario social, una
sociedad dividida. Nuestra hipótesis es que el discurso político en los medios de
comunicación en el HGPE proyecta una identidad discursiva el enunciador, o sea, un
ethos discursivo que visa a legitimarlo como sujeto carismático. Queremos afirmar que
el carisma enfatiza el posicionamiento del ethos discursivo, en la medida en que en él y
por él vemos el sujeto político siendo validado como mejor. En esta perspectiva, los
conceptos de carisma subjetivo y carisma objetivo, al adentrarse a las escenografías,
sitúan el enunciador político entre la lógica simbólica y la lógica pragmática para
alcanzar la adhesión del con-enunciador. Para que podamos atingir los objetivos
propuestos, constituimos un corpus compuesto de doce programas electorales
vehiculados en el HGPE, seis de Aécio Neves y seis de Dilma Rousseff. Los análisis
revelaron que el sujeto político, al mostrar su ethos discursivo del político brasileño,
oscila entre la lógica simbólica y la lógica pragmática para atingir sus objetivos de
adhesión y de seducción y, así, validar, discursivamente, su figura de poder que es
proyectada en la tela de la televisión.
Palabras-clave: Análisis del Discurso; discurso político; escenografía; ethos discursivo;
carisma; poder.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1. Relação de partidos registrados no TSE .................................................... 42
TABELA 2. Coligações com o PT e com o PSDB no 1º turno (1989-2014) ................ 47
TABELA 3. Descrição do corpus - Discursos de Aécio Neves ................................... 127
TABELA 4. Descrição do corpus - Discursos de Dilma Rousseff ............................... 129
LISTA DE ESQUEMAS
ESQUEMA 1 – Condições de produção do discurso .................................................... 28
ESQUEMA 2 – Tríade do interdiscurso ........................................................................ 77
ESQUEMA 3 – Instâncias enunciativas ........................................................................ 95
ESQUEMA 4 – Concorrência discursiva entre instâncias .......................................... 103
ESQUEMA 5 – Circunstância de imagem – projeção do Sujeito Carismático ........... 117
ESQUEMA 6 – Circunstância de cena – projeção do Sujeito Carismático ................ 119
LISTA DE SIGLAS
AD – Análise do Discurso
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
DEM – Democratas
D – Discurso
FHC – Fenando Henrique Cardoso
FD – Formação Discursiva
HGPE – Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MP – Ministério Público
MPF – Ministério Público Federal
MPL-SP– Movimento Passe-Livre – São Paulo
PF – Polícia Federal
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCdo B – Partido Comunista do Brasil
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PFL – Partido da Frente Liberal (atual DEM)
PL – Partido Liberal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP – Partido Progressista
PPB – Partido Progressista Brasileiro
PPR – Partido Progressista Reformador
PPS – Partido Popular Socialista
PRN – Partido da Reconstrução Nacional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSC – Partido Social Cristão
PSD – Partido Social Democrático
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PSOL - Partido Socialismo e Liberdade
PST – Partido Social Trabalhista
PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PTR – Partido Trabalhista Renovador
PV – Partido Verde
R – Recorte
STF – Supremo Tribunal Federal
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
UDN – União Democrática Nacional
UHF - Ultra High Frequency (Frequência Ultra Alta)
VHF – Very High Frequency (Frequência Muito Alta)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 20
CAPÍTULO I – CONDIÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS: O DISCURSO DA
POLÍTICA E A POLÍTICA DO DISCURSO ........................................................... 27
1.1. Por uma concepção de política ................................................................................ 28
1.1.1. Aristóteles ....................................................................................................... 29
1.1.2. Hobbes ............................................................................................................ 29
1.1.3. Marx................................................................................................................ 30
1.1.4. Weber.............................................................................................................. 32
1.1.5. Arendt ............................................................................................................. 34
1.1.6. Bobbio ............................................................................................................ 35
1.1.7. Charaudeau ..................................................................................................... 36
1.2. A política partidária do Brasil ................................................................................. 38
1.3. PT, PSDB e Coligações em concorrência nas campanhas eleitorais ........................ 44
1.4. A práxis política e o protagonismo dos candidatos ................................................. 49
1.4.1. Tancredo Neves (1985) ................................................................................. 50
1.4.2. Sarney (1985-1990) ....................................................................................... 50
1.4.3. Collor (1990-1992) ........................................................................................ 51
1.4.4. Itamar Franco (1995-2002) ............................................................................ 52
1.4.5. FHC (1995-2002) .......................................................................................... 53
1.4.6. Lula (2003-2010) ........................................................................................... 55
1.4.7. Dilma Rousseff (2011-2016) ......................................................................... 58
1.4.8. Históricos de Aécio Neves e Dilma Rousseff ................................................ 61
1.5. Mídia: espaço privilegiado na disputa política ........................................................ 63
1.6. Eleições 2014: a cena política ................................................................................. 66
CAPÍTULO II – A ANÁLISE DO DISCURSO E SUAS FRONTEIRAS .............. 71
2.1. Do discurso à Análise do Discurso: filiações históricas ........................................... 71
2.2. Da noção de Discurso à de Interdiscurso .................................................................. 75
2.3. A trajetória da noção de gênero de discurso em Maingueneau ................................ 78
2.3.1. Gêneros de discurso ........................................................................................ 79
2.3.2. O gênero de discurso propaganda eleitoral midiatizada ................................ 84
2.4. Cenografia, ethos discursivo e efeitos de verdade .................................................... 87
2.4.1. Cenografia ..................................................................................................... 88
2.4.2. Ethos discursivo e a constituição do sujeito político ...................................... 90
2.5. Instâncias enunciativas ............................................................................................. 95
2.5.1. Instâncias política e adversária ....................................................................... 96
2.5.2. Instância midiática .......................................................................................... 97
2.5.3. Instância religiosa ........................................................................................... 99
2.5.4. Instância cidadã ............................................................................................ 100
CAPÍTULO III – CARISMA E PODER .................................................................. 105
3.1. Discutindo a noção de carisma ............................................................................... 106
3.1.1. Platão: carisma institucional ........................................................................ 107
3.1.2. Weber: dominação carismática ..................................................................... 108
3.1.3. Charaudeau: relação ethos-carisma-poder ................................................... 112
3.2. Rosto e máscaras no discurso: o enunciador em cena ............................................ 115
3.2.1. Carisma Subjetivo......................................................................................... 117
3.2.2. Carisma Objetivo ......................................................................................... 119
3.3. Discutindo a noção de poder ................................................................................. 120
CAPÍTULO IV – MÁSCARAS DO SUJEITO POLÍTICO ................................... 123
4.1. Situação comunicativa Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral ......................... 125
4.2. Discursos – Aécio Neves ....................................................................................... 131
4.3. Discursos – Dilma Rousseff .................................................................................. 173
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 210
REFERÊNCIAS........................................................................................................... 214
ANEXOS....................................................................................................................... 229
Anexo 1 – Links dos programas no youtube.com ......................................................... 230
Anexo 2 – CD – Corpus ................................................................................................ 231
20
INTRODUÇÃO
Esta tese está situada na linha de pesquisa Texto e Discurso: modalidades oral e escrita,
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Fundamentamo-nos na Análise do
Discurso (AD), de modo particular nas perspectivas enunciativo-discursivas de
Maingueneau (1995; 1996; 1997; 2004; 2006; 2007; 2008a; 2008b; 2008c; 2010a;
2010b; 2015) e Charaudeau et alii (1996; 1999; 2000; 2006a; 2006b; 2008; 2009; 2012;
2016), que dialogam com Weber (1980a; 1980b; 1999; 2000; 2003; 2011), Bourdieu
(2007a; 2007b), Foucault (2003; 2008; 2014), Bobbio et alii (1998; 2001; 2015), entre
outros. Propomos como tema o estudo da cenografia, da força do ethos discursivo, do
carisma e do poder da mídia em campanhas políticoeleitorais midiatizadas para
presidente do Brasil em 2014.
Em nosso percurso de pesquisa, examinamos obras que tratam dos termos que constam
de nosso tema – sobre ethos discursivo, Maingueneau (1997; 2006; 2008a; 2008b;
2008c; 2010a; 2015); sobre carisma, Platão (1999), Weber (1999) e Charaudeau (2009;
2012); sobre poder, Bourdieu (2007a; 2007b), Bobbio (2015) e Foucault (2003, 2014);
sobre mídia, Charaudeau (2006b; 2009; 2016) e Gregolin (2003a; 2003b). Tais
pesquisas enquadraram esses termos como categorias de análise que, engendradas no
funcionamento discursivo de discursos políticoeleitorais midiatizados, projetam, pela
interdiscursividade, além de sujeitos políticos carismáticos, novas formas de abordagem
dos fatos políticos, sociais, culturais e midiáticos.
Assim, este estudo considera que o discurso políticoeleitoral resulta de estratégias
discursivas das quais nem sempre o enunciador é o mentor, ou seja, algumas instâncias1
– que não devem ser confundidas com campos2 – circunscritas na cena política,
1 Compreendemos instâncias como instituições sociais envolvidas na construção da cena política. De
acordo com Charaudeau (2008, p 55), são categorias abstratas, desencarnadas e destemporizadas,
definidas, como se diz, pela oposição que elas ocupam no dispositivo e às quais os indivíduos são
remetidos. 2 Diferentemente de Charaudeau (2008, p. 28), que considera campo como sinônimo de setor de ação
social, seguimos o que postula Maingueneau (2015, p. 68), segundo o qual campos discursivos são esferas
de atividade, apenas algumas – por exemplo, o discurso político ou o discurso religioso – onde se
confrontam diversos posicionamentos.
21
oferecem força ao que é dito nos programas eleitorais do HGPE e afiançam um carisma
projetado pelo ethos do sujeito político que enuncia. De acordo com Charaudeau (2008,
p55), em cada dispositivo, as instâncias se definem de acordo com seus atributos
identitários, os quais, por sua vez, definem sua finalidade comunicacional. Charaudeau
(2008, p.12) ainda assevera que, na cena política, o sujeito político lida com ‘máscaras’,
ou seja, toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo
pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao pé da letra, numa transparência
ingênua [...].
Nossa tese enfoca o discurso político por várias razões. Em primeiro lugar, porque,
embora tenha sido tratado por diferentes áreas do saber, o termo ‘política’, aqui, será
apreendido no âmbito da Linguística, uma vez que é por meio da linguagem que
construímos as práticas sociais perpetuadas historicamente. Tais ações determinam a
vida social, organizando-a com base na relação de poder dominante x dominado3,
sujeitos que atuam em um projeto de influência, cujo poder preconiza o uso da
linguagem mediante as relações de força que as instâncias mantêm entre si para
construírem o vínculo social.
Em segundo lugar, priorizamos o discurso político em programas eleitorais no HGPE
porque, indubitavelmente, a mídia se tornou um dos principais meios de informação
política. Os debates, por exemplo, antes restritos ao âmbito interno dos partidos
políticos e ao noticiário impresso, ganharam visibilidade na mídia, inclusive as disputas
de prévias dentro dos partidos passaram a ser exploradas pela imprensa. Em decorrência
dessa nova configuração, houve o empoderamento não só da instância midiática, para
atuar como instância reguladora da circulação da informação política, mas também de
outras instâncias.
Decorre disso a relevância desse estudo, principalmente porque trata do funcionamento
do discurso políticoeleitoral midiatizado em território brasileiro e considera o
deslocamento dos estudos sobre política para a interdiscursividade, recuperando as
condições sócio-históricas de produção de uma das eleições presidenciais mais
disputadas de toda a história política do Brasil. Os candidatos Aécio Neves (PSDB) e
3 WEBER (2009).
22
Dilma Rousseff (PT) protagonizaram programas eleitorais que projetaram, no
imaginário social, uma sociedade dividida, ou seja, uma espetacularização da política,
incomum num país que se engajava apenas em disputas esportivas, principalmente
futebolísticas.
Tais condições possibilitam reflexões acerca da força e da fraqueza dos partidos
políticos, dos candidatos e do jogo de sedução que é instaurado na política. Essas
noções, de certa forma, revelam como se constroem os discursos dos candidatos e,
também, mostram em que medida eleições para presidência da República modificam o
dia a dia do povo brasileiro, já que as campanhas eleitorais estão cada vez mais
marcadas por um alto grau de profissionalização, com propagandas políticas que
objetivam atrair os eleitores por meio de recursos da mídia, espaço privilegiado da
disputa. É o que constatamos na campanha eleitoral de 2014, disputada em segundo
turno pelos candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff.
Assim, alguns aspectos de produção e de veiculação do HGPE são investigados,
sobretudo quanto às imagens positiva (campanha positiva) e negativa (campanha
negativa) dos políticos. Por exemplo, por meio de ataques a adversários, busca-se
evidenciar, por óbvio, o que de positivo tem o político que enuncia, ou seja, há uma
tentativa de promover a sua imagem positiva pelo contraste entre o honesto (Eu) e o
corrupto (Outro).
Devido a esse percurso investigativo e ao fato de que se trata de uma pesquisa de
doutorado, optamos pela Análise do Discurso (AD), pois lida com o discurso de modo
interdisciplinar. Essa escolha teórico-metodológica norteará a intenção de analisar o
discurso político midiatizado no HGPE para comprovar que o carisma faz parte da
construção da imagem do político brasileiro, enunciador4 que oscila entre a lógica
simbólica e a lógica pragmática para atingir seus objetivos de adesão e de sedução. O
discurso político não é factível apenas aos candidatos/governantes, ele é fabricado em
lugares diferentes, na interação e na projeção das identidades dos sujeitos que integram
4 Consideramos a nomenclatura proposta por Maingueneau em conferência, sob o título O Aforisador,
entre enunciação e anunciação, no IX Congresso Latino-Americano de Estudos do Discurso, na UFMG,
promovido pela Associação Latino-Americana de Estudos do Discurso, em 2011. Maingueneau sugeriu:
enunciador – aquele que é fonte de referência do discurso; co-enunciador (com hífen) – aquele que é
destinatário do discurso; já o termo coenunciadores (sem hífen e no plural) segundo o autor francês,
designa enunciador e co-enunciador como partícipes da cena enunciativa.
23
a cena enunciativa. Em eleições para presidente do Brasil, a partir dos anos 1980, com a
força da mídia, os líderes políticos passaram a agregar identidades coletivas que podem
ser identificadas pelo eleitor, independentemente da filiação partidária.
Diante do exposto e considerando esses aspectos sob a base teórico-metodológica da
AD, esta tese discute também a forma como a práxis5 política interfere na organização
da vida coletiva, uma vez que é nos espaços de discussão e de construção de valores que
o campo da política se constitui. Em função disso, o tema desta pesquisa desperta o
questionamento que norteia a investigação: em que medida a cenografia, o ethos
discursivo e o poder da mídia possibilitam ao enunciador político, no funcionamento
discursivo, projetar-se carismático e ser legitimado pela instância cidadã?
Para investigação desse problema, instituímos como objetivo geral: examinar a força do
ethos discursivo, do carisma e o poder da mídia na construção do sujeito político
brasileiro no HGPE, Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, no segundo turno das
eleições presidenciais de 2014. Já os objetivos específicos são: verificar as estratégias e
os mecanismos discursivos utilizados nos discursos dos candidatos a presidente do
Brasil, em campanhas eleitorais, que buscam a legitimação por parte do co-enunciador;
entender e explicar a força argumentativa do ethos discursivo, do carisma e o poder da
mídia na organização e no funcionamento do discurso político; identificar as formações
discursivas que atravessam diferentes discursos de campanhas eleitorais para presidente
do Brasil e suas relações com as competições interpartidárias que evidenciam o político
por meio do confronto de suas relações imaginárias com as suas condições reais de
existência.
Defendemos a tese de que o discurso políticoeleitoral midiatizado no HGPE do segundo
turno da campanha eleitoral de 2014 projeta ethé discursivos, ou seja, identidades
discursivas do enunciador político, uma relacionada ao conceito político e outra à
prática política. Enquanto a primeira refere-se ao posicionamento do político em relação
à vida em sociedade, a segunda insere-o em determinada posição no processo
comunicativo da gestão do poder. Tudo isso para construção do candidato político
carismático.
5 Prática.
24
Muito por isso, supomos, então, que o carisma seja um traço do ethos discursivo, na
medida em que estabelece condições de validação do enunciador. Os carismas subjetivo
e objetivo se apresentam como resultado de cenografias – concernentes à prática política
e à gestão do poder – e da concorrência entre instâncias que, incorporadas nos
programas políticoeleitorais midiatizados, situam o enunciador político como ser no/do
mundo que tem projetada a imagem de si para ser legitimada pelo co-enunciador. Com
esse propósito, portanto, o enunciador terá de manifestar, nos funcionamentos
discursivo, corporal e sensorial, um carisma, uma maneira de ser e de falar, que
conquiste a adesão do co-enunciador, uma vez que, no processo de legitimação em que
o co-enunciador é o protagonista, enquanto membro de uma comunidade discursiva, há
elementos que podem validar ou não a figura de poder projetada na tela do televisor.
A par disso, no primeiro capítulo, partindo do alcance da categoria condições sócio-
históricas de produção, apresentamos a concepção de política e as particularidades do
processo políticoeleitoral brasileiro do segundo turno da campanha eleitoral para a
Presidência, em 2014, a fim de delimitar o corpus constituído para nossas análises. Por
essa razão, recorremos a Aristóteles6 (2007), Hobbes7 (2003ª; 2003b), Bobbio8 et alii
(1998; 2001; 2015), Marx9 (1970; 1971; 1978; 2009), Charaudeau10 (2006a; 2006b;
2009; 2012), Weber11 (1980a; 1980b; 1999; 2000; 2003; 2009; 2011) e Arendt12 (2001;
2004a; 2004b; 2005; 2006; 2008), pelas contribuições aos estudos atinentes ao discurso
político.
No segundo capítulo, apresentamos uma retomada das noções de análise do discurso
para, depois, situar sua produção atual. As perspectivas da AD que nortearam esta tese
foram as de Maingueneau e Charaudeau, produtivos autores franceses que, a partir de
1980, ampliaram os estudos sobre o discurso, principalmente ao proporem, ou
ressignificarem, dentre muitos conceitos: interdiscurso, formação discursiva, cena de
enunciação, gênero de discurso e ethos discursivo.
6 Filósofo grego (384 a.C – 322 a.C). 7 Filsófo inglês (1588 – 1679). 8 Filósofo italiano (1909 – 2004). 9 Filósofo alemão (1818 – 1883). 10 Linguista francês (1939). 11 Sociólogo alemão (1864 – 1920). 12 Filósofa alemã (1906 – 1975).
25
No terceiro capítulo, partimos da reflexão sobre o papel da interdisciplinaridade e do
alcance inovador da AD, particularmente no que concerne aos discursos
políticoeleitorais em cena na sociedade brasileira, para tratar de carisma e de poder. Ao
trazer as categorias ethos discursivo e carisma para o discurso político, um dos
discursos mais dominadores do mundo atual, estabelecemos uma interdisciplinaridade
com diferentes ciências humanas e sociais, tais como a Linguística, a Sociologia e a
Antropologia, uma vez que o sujeito político materializa em si e em seu discurso as
relações entre as condições sócio-históricas de produção, a linguagem, a memória e as
formações discursivas para se constituir. Tais relações autorizam o enunciador a
articular, tal como no corpus que constituímos, sua imagem pessoal com seu
conhecimento de política e sua competência linguístico-discursiva, incorporando
discursividades que envolvem o verbal e o não verbal.
Para discutirmos a noção de poder, consideramos, de forma sintética, isto é, sem a
pretensão de esgotar o assunto, que mereceria um aprofundamento teórico maior, obras
de Platão (1972; 1997; 1999), Weber (1980a; 1980b; 1999; 2000; 2003; 2011), Bobbio
(1998; 2001; 2015), Bourdieu (2007a; 2007b) e Charaudeau (2006a; 2008; 2012; 2016)
que discutem as posturas que garantem popularidade e legitimidade aos sujeitos
políticos.
Ainda no terceiro capítulo, propomos as noções de carisma subjetivo e carisma objetivo.
O primeiro manifesta-se no detentor da voz, no rosto, na figura humana, no sujeito
empírico, trata-se, portanto, do carisma para além da dominação, ou seja, uma qualidade
performativa em que práticas corporais e sensoriais são fundamentais para o
estabelecimento da autoridade e da legitimidade do candidato político; quanto ao
segundo, carisma objetivo, emerge de condições distintas, ou seja, de condições
externas ao sujeito empírico, que se internalizam no discurso e que projetam um ethos
do enunciador que, nas palavras de Weber (2000), é uma qualidade pessoal
extracotidiana que confere poderes ou qualidades sobrenaturais a quem a detém.
No quarto capítulo, procedemos à análise do corpus constituído – discursos políticos
midiatizados proferidos por Aécio Neves e Dilma Rousseff, na ocasião do segundo
turno das eleições presidenciais brasileiras de 2014, buscando entender como as
26
categorias de análise enquadram esses discursos políticos e como o enunciador pode ser
legitimado como sujeito carismático.
O mundo comum da política reveste-se de sacralidade, o que permite a criação de
“profetas” (candidatos) ‘cheios’ de carisma e, à maneira religiosa, a constituição de um
grupo de “discípulos” (eleitores), pois o carisma, manifestado no discurso do
enunciador durante a campanha eleitoral, pode arrebatar os corações e, portanto, os
votos de eleitores, na medida em que ocorre uma apropriação, pelo candidato político,
de instituições, de discursos e de imagens de outrem que avalizam o seu dizer.
Charaudeau (2008) afirma que, no discurso, o enunciador autoemerge, ou seja, destaca-
se, identifica-se pelo que ele enuncia, embora nem sempre tenha clareza e consciência
de sua elocução. Isso quer dizer que não se trata de avaliar o posicionamento sobre o
que o sujeito enuncia, o seu pensamento e as suas opiniões, mas de sabermos se o
comportamento do sujeito, sua relação com ele mesmo e com os outros, mostrado no
funcionamento discursivo, constitui um modo de subjetividade do enunciador, ou seja,
uma forma de manifestação de sua interioridade. É a partir dessa evidência do
enunciador que podemos relacionar o ethos discursivo ao carisma, que se manifesta em
meio a um acordo de permuta entre os coenunciadores no contrato de comunicação.
Por fim, a análise da cena de enunciação, do ethos discursivo, do carisma e do poder da
mídia revelou que o carisma faz parte da construção da imagem do político brasileiro,
enunciador que oscila entre a lógica simbólica e a lógica pragmática para atingir seus
objetivos de adesão e de sedução e, assim, validar, discursivamente, sua figura de poder
que é projetada na tela da TV.
27
CAPÍTULO I
CONDIÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS: O DISCURSO DA POLÍTICA E A
POLÍTICA DO DISCURSO
Neste capítulo, partindo do alcance do conceito da categoria condições sócio-históricas
de produção, apresentaremos uma concepção de política, as particularidades da
constituição do processo políticoeleitoral brasileiro do segundo turno da campanha
presidencial de 2014 e o histórico dos candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff, a fim
de subsidiar a constituição e a análise do corpus.
O fato de a Análise do Discurso (AD) ser interdisciplinar permite a interface com a
Política, uma vez que dispositivos teórico-metodológicos de diferentes ciências
humanas e sociais, tais como a Linguística, a Sociologia, a Antropologia, são
mobilizados. Para nós, o discurso do sujeito político está circunscrito às condições de
sua produção que são marcadas por aspectos sociais, históricos e linguageiros, marcas
que poderão ser acessadas na memória discursiva do co-enunciador e, se legitimadas
forem, contribuirão para depreensão de efeitos de sentido. Charaudeau & Maingueneau
(2016, pp. 114-115), definem condições de produção do discurso como:
[...] o que condiciona o discurso, ou seja, trata-se de uma noção que
separa enunciado considerado do ponto de vista da pragmática do
enunciado considerado do ponto de vista da análise do discurso. As
condições de produção desempenham um papel essencial na
construção dos corpora, que comportam necessariamente vários textos
reunidos em função das hipóteses do analista sobre suas condições de
produção consideradas estáveis.
Nesse sentido, tomamos condições de produção como categoria essencial para a
constituição do corpus e sua análise, uma vez que aspectos sócio-históricos não só
situam o tempo e o lugar do discurso, mas também mostram os papéis sociais dos
coenunciadores (EU – TU). É o que ilustramos na figura a seguir:
28
LUGAR
TU
TEMPO
EU DISCURSO
ESQUEMA 1 – Condições de produção do discurso13
No tópico seguinte, trataremos da constituição e do funcionamento do discurso político,
por isso, a despeito de outras perspectivas, e para situar as condições de produção do
discurso político no Brasil, consideraremos o que postulam Aristóteles (1987; 2007),
Hobbes (2002; 2003a; 2003b), Arendt (2001; 2004a; 2004b; 2005; 2006; 2008), Weber
(1980; 1980b; 1999; 2000; 2003; 2009; 2011), Marx (1970; 1971; 1978; 2009), Bobbio
(1998; 2001; 2015), Charaudeau (2006a; 2008), entre outros.
1.1. Por uma concepção de política
Partimos do pressuposto de que é nos espaços de discussão e de construção de valores
que a política se constitui. A política é uma ação ligada à convivência humana14, porque
essa prática determina a vida social, organizando-a a partir da relação de poder entre
13 Esquema feito por nós, com base no conceito de condições de produção proposto por Charaudeau &
Maingueneau (2016, pp. 114-115). 14 ARENDT, 2006.
29
dominante x dominado15, sujeitos que atuam em um projeto de influência, cujo poder
preconiza o uso da linguagem, mediante as relações de força que concorrem nos lugares
de fabricação do discurso político16: lugar de governança, lugar de não governança,
lugar de opinião e lugar de mediação das instâncias17. Nesses lugares, as instâncias –
política, adversária, religiosa, cidadã, midiática, empresarial, econômica, judiciária etc.
– constroem o vínculo social em torno de projetos políticos.
1.1.1. Aristóteles
Nesta pesquisa, como já mencionamos na introdução deste capítulo, consideraremos
postulados de teóricos para nortear nosso ponto de vista acerca do conceito de política.
Começaremos a organizar o conceito de política a partir de Aristóteles (2007), segundo
o qual a Política é tudo o que se relaciona à busca de ações para o bem-estar tanto
individual como coletivo.
Desde a antiguidade clássica, a noção de política tem sido discutida nos âmbitos da
filosofia e das ciências sociais. Havia uma classificação das formas de poder: o paterno,
o despótico e o político18. Para Aristóteles (2007), a primeira era exercida pelo interesse
dos filhos; a segunda, pelo interesse do senhor; e a terceira, na acepção do filósofo
grego, ocorria pelos interesses do governante e dos governados, entretanto, na terceira,
de forma viciada, é característico que o poder seja exercido em benefício dos
governantes.
1.1.2. Hobbes
No campo político, Hobbes, que experienciou momentos conflituosos na Inglaterra do
século XVII, assevera que o indivíduo, para ser livre para agir socialmente, deve, antes,
ser capaz de avaliar as consequências de suas ações. As escolhas, as paixões e as ações
desse sujeito revelam o que Hobbes (2002) denomina ‘desejo de poder do ser humano’.
15 WEBER, 2009. 16 CHARAUDEAU, 2008, p. 56. 17 Aprofundaremos tais noções no Capítulo II. 18 BOBBIO, 1998, p. 161.
30
O poder é considerado por Hobbes (2002), semelhante ao que postula Weber (2000),
como consistente nos meios adequados à obtenção de qualquer vantagem, ou seja, uma
combinação de fatores, tais como a dominação da natureza e de outro homem, que
visam a alcançar os efeitos desejados como, por exemplo, a imposição da vontade de
um sujeito em detrimento da vontade de outro, o que determina comportamentos. De
acordo com Hobbes (2002, p. 955):
o poder político pertence à categoria do poder do homem sobre outro
homem, não à do poder do homem sobre a natureza. Esta relação de
poder é expressa de mil maneiras, em que se reconhecem fórmulas
típicas da linguagem política: como relação entre governantes e
governados, entre soberano e súditos, entre Estado e cidadãos, entre
autoridade e obediência etc.
Ainda, segundo Hobbes, existem várias formas de poder do homem sobre outro homem,
mas o homem natural (instância cidadã) deve confiar ao Estado (instância política) as
ações que visem ao bem comum, ou seja, o Estado impõe-se como um órgão
inquestionável, detentor do poder absoluto, diante do qual a sociedade deve se
submeter.
1.1.3. Marx
Marx (1971), por sua vez, cunhou o conceito denominado materialismo histórico,
deixando um legado que registra a luta do proletariado pela igualdade de direitos e pela
queda do “capitalismo voraz”. Em Marx et alii (1998, pp. 102 e 103), há uma crítica aos
alemães que elaboram o mundo e a realidade em que vivem a partir das ideias, das
abstrações teóricas, do método especulativo, sem considerar a realidade material,
concreta, em que estão inseridos, e às suas formas de atuação. Marx (1971) defende que
o mundo e a realidade devem ser analisados com base em métodos empíricos, e não
especulativos:
Tese VIII - Toda vida social é essencialmente prática. Todos os
mistérios que conduzem ao misticismo encontram sua solução
racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis. Tese XI –
Os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras; do que
se trata é de transformá-lo. (MARX, 1971, p. 102)
31
Nessa perspectiva, os homens são os responsáveis pela produção de seus meios de
sobrevivência e, por conseguinte, de sua vida material e de sua história. Embora trate do
complexo conceito de ‘política’, Marx atrela a noção de política à figura do Estado,
esclarecendo como este serve como um complemento do capital para a exploração do
trabalho.
Marx (2009) discute a concepção de Estado laico e considera que a emancipação
política concedida pelo Estado não significa a emancipação do homem da religião. Para
Marx, o fato de os judeus terem conquistado a emancipação política não os obriga a
renunciar sua religião e sua cultura, pois permanecem cativos humanamente. Todavia,
segundo o filósofo, o deslocamento da religião e do Estado para a sociedade serve de
complemento para a emancipação política:
a religião é, precisamente, o reconhecimento do homem por um
atalho. Por um mediador. O Estado é o mediador entre o homem e a
liberdade do homem. Assim como Cristo é o mediador a quem o
homem imputa sua divindade, todo o seu constrangimento religioso,
também o Estado é o mediador para o qual ele transfere toda sua não-
divindade, toda sua ingenuidade humana. (MARX, 2009, p. 49).
Nesse sentido, o Estado político é, então, a vida genérica do homem em oposição à sua
vida material:
onde o Estado político alcança o seu verdadeiro desabrochamento, o
homem leva – não só no pensamento, na consciência, mas na
realidade, na vida – uma vida dupla, uma vida celeste e uma vida
terrena: a vida na comunidade política (em que ele se faz valer como
ser comum) e a vida na sociedade civil (em que ele é ativo como
homem privado, considera os outros homens como meio, se degrada a
si próprio à condição de meio, e se torna o joguete de poderes
estranhos). O Estado político comporta-se precisamente para com a
sociedade civil de um modo tão espiritualista como o Céu para com a
Terra. Está na mesma oposição a ela, triunfa dela do mesmo modo que
a religião triunfa do constrangimento do mundo profano. (MARX,
2009, p.50-51).
Para Marx (2009, p.51), toda a emancipação política é a redução do homem, por um
lado, a membro da sociedade civil, a indivíduo egoísta independente; por outro, a
cidadão, a pessoa moral. Desse modo, a emancipação efetiva do homem só pode
32
ocorrer quando ele conseguir transformar suas próprias forças em forças sociais capazes
de intervir no mundo real. Essa é a figura da força política para Marx, força que,
materializada, emancipa o ser humano.
1.1.4. Weber
Weber (2011), de outro lado, propõe uma sociologia que busca entender a sociedade
que se formara com base na força do capitalismo industrial. A atenção de sua pesquisa
voltou-se para o indivíduo e para os grupos sociais os quais, segundo ele, são os
responsáveis pela atribuição de sentidos às ações no contexto social, ou seja, as ações
humanas variam de grupo para grupo e essas variações se devem a valores diferentes de cada
sociedade. Assim, além da força, essencial na vida política, Weber entende que a
violência é um fator de construção da ação política. Ainda, segundo Weber (2011), a
política é um ato violento de dominação.
O sociólogo alemão julga que a política se encontra em uma relação rígida com os
princípios de uma ética religiosa. O poder é vontade de potência, mas os sistemas de
dominação, nos quais o poder se afirma, necessitam ser legítimos para serem duráveis.
O conceito de legitimidade, para Weber, refere-se à aceitação da validade de uma ordem
de dominação. Nesse sentido, Weber (2011, p. 67) assevera que política,
consequentemente, é o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a
influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.
Weber (2011) afirma que todo indivíduo que se propõe político aspira ao poder, seja
porque almeja alguma vantagem particular, seja porque deseja o poder pelo poder para
gozar do sentimento de prestígio que ele confere. Para Weber, o Estado, assim como
qualquer agrupamento político, consiste, portanto, em uma relação de dominação do
homem sobre o homem, estabelecida pela violência legítima, não necessariamente
física, que se instaura na submissão de homens dominados à autoridade reivindicada por
homens dominadores. Nesse sentido, Weber (2011) propõe três fundamentos que
legitimam a obediência ao Estado: poder tradicional, poder legal e poder carismático,
justificados, respectivamente, pela historicidade, pelas leis e pelas características
heroicas do indivíduo.
33
De acordo com o autor, o que definiria a legitimidade de um sistema de dominação seria
a disposição subjetiva de seus sujeitos e a capacidade de esse sistema apresentar-se
como consensual. A instância política, assim, tem a legitimidade forjada pela violência,
na forma de leis e regulamentações, para continuar com o seu poder.
Portanto, embora a participação política deva estar relacionada às políticas públicas
voltadas à criação e manutenção de leis que beneficiem a sociedade em geral, o sujeito
pode ambicionar ingressar na política pelo fato de querer beneficiar-se pessoalmente ou
beneficiar grupos sociais ligados a ele. De acordo com Weber, há duas maneiras de
fazer política:
ou se vive ‘para’ a política ou se vive ‘da’ política. Quem vive ‘para’ a
política a transforma em ‘fim de sua vida’, seja porque encontra forma
de gozo na simples posse do poder, seja porque o exercício dessa
atividade lhe permite achar equilíbrio interno e exprimir valor pessoal,
colocando-se a serviço de uma ‘causa’ que dá significação a sua vida.
Neste sentido profundo, todo homem sério, que vive para uma causa,
vive também dela. [...] daquele que vê na política uma permanente
fonte de rendas, diremos que ‘vive da política’ e diremos, no caso
contrário, que ‘vive para a política’. (WEBER, 2011, p. 78)
Nessa perspectiva, o homem político deve, portanto, ser economicamente independente
das vantagens que a política possa lhe oferecer, mas, segundo Weber, tal condição está
mais próxima de ser alcançada pelo capitalista, uma vez que, grosso modo, ele não
depende de rendas oriundas de mandatos políticos, considerando que, em vários países
europeus, havia um recrutamento de dirigentes políticos segundo critérios
plutocráticos19, mas isso não significa que políticos recrutados de acordo com outros
critérios ou que tenham surgido de camadas menos privilegiadas economicamente não
estejam aptos a ocupar cargos políticos.
Em verdade, o que Weber sustenta é que o modo como as agremiações se apropriam das
instituições do Estado é que fazem com que tenham mais ou menos adesões ao seu
projeto político. De acordo com Weber (2011, p. 82), as lutas partidárias não são,
portanto, apenas lutas para consecução de metas objetivas, mas são, a par disso, e
19 WEBER, 2011, p. 80. “Critérios plutocráticos” são critérios que consideram a concentração de dinheiro
por determinado político ou grupo político.
34
sobretudo, rivalidades para controlar a distribuição de empregos, ou seja, a política
como garantia econômica para o futuro.
1.1.5. Arendt
Arendt (2004b), a seu modo, postula que política é um ato coletivo de delegação de
poder. Assim, ninguém pode governar sozinho, pois até aquele que se utiliza da
violência precisa de certa organização e de apoio de outros para a implementação do
governo. Nas palavras de Arendt (2004b, p. 128), mesmo o mandante totalitário, cujo
maior instrumento de domínio é a tortura, precisa de uma base de poder – a polícia
secreta e sua rede de informantes. Em outras palavras, contrariando Weber, Arendt
afirma que a violência, apesar de não poder ser ignorada como variável, não é suficiente
para constituir uma comunidade política.
De acordo com Arendt (2004b, p.120), as instituições políticas são manifestações e
materializações do poder; petrificam e decaem quando o poder vivo do povo cessa de
lhes sustentar. Desse modo, a ação política não pode ser produto fabricado (poeisis),
pois não tem existência própria, mas depende do processo produtivo (práxis) que o
gerou. O fato é que a ação política, para a autora, está ligada a uma tarefa que necessita
de novas ações e de recordações para a manutenção das instituições políticas, pois,
embora iniciada por um indivíduo apenas, a sua realização depende de muitos outros.
Segundo Sócrates (1991), o homem não é ainda um “animal racional”, um ser dotado da
capacidade da razão, mas um ser pensante cujo pensamento se manifesta em forma de
discurso. Desse modo, não é sem razão que a pluralidade humana, a que Arendt (2008)
se refere, manifestada na realização do discurso político, parece-nos ligada a identidades
coletivas que podem ser discernidas pela instância cidadã. No campo político, tais
identidades são mais expressivas por causa da configuração das campanhas eleitorais no
rádio e na televisão, principais cenários de promoção da instância política.
35
1.1.6. Bobbio
Bobbio, por sua vez, considera que, embora apresentado sob perspectivas diferenciadas,
etimologicamente, o termo ‘política’ é:
derivado do adjetivo originado de pólis (politikós), que significa tudo
o que se refere à cidade e, consequentemente, o que é urbano, civil,
público, e até mesmo sociável e social, o termo Política se expandiu
graças à influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política,
que deve ser considerada como o primeiro tratado sobre a natureza,
funções e divisão do Estado, e sobre as várias formas de Governo,
com a significação mais comum de arte ou ciência do Governo, isto é,
de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou
também normativas, dois aspectos dificilmente discrimináveis, sobre
as coisas da cidade. (BOBBIO, 1998, p. 954)
Bobbio (1998) assevera que o termo ‘política’ repercutiu pelo mundo em função da
influência da obra ‘Política’, de Aristóteles, que tratou de apresentar, descritiva e
normativamente, a origem, as funções e as divisões do Estado, além das várias formas
de governo. Tais proposições contribuíram para a perda do significado original do
termo.
Modernamente, o termo política é substituído por expressões como: ciência do Estado,
doutrina do Estado, ciência política, filosofia política etc. É o que vemos em obras do
século XIX, tais como Filosofia do direito (Hegel, 1821), Elementos de ciência política
(Mosca, 1896), entre outras. Ou seja, o termo política passou a indicar um conjunto de
atividades ligadas ao Estado, portanto, uma forma de práxis humana que está
diretamente ligada ao poder, responsável pelas leis, pelos recursos e pela manutenção da
pólis.
A par do que problematizou Aristóteles quanto à sua terceira forma de poder, o político,
Bobbio considera que existem três classes de poder que mantém uma sociedade de
desiguais: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político. O poder
econômico é aquele que estabelece, por meio da posse de bens, a diferença entre pobres
e ricos. Trata-se de um poder que se vale de patrimônios considerados necessários e
que, em situação de escassez, pode determinar comportamentos, principalmente quanto
à relação de trabalho. Já o poder ideológico baseia-se na distinção entre ignorantes e
36
sábios, aqueles com ótima influência, ligados a grupos socialmente prestigiados
(sacerdotes, cientistas etc.), estabelecem o status quo do ponto de vista intelectual e
científico. Por sua vez, o poder político, cujo conceito se aproxima dos postulados de
Weber (2011), tem a força instituída como meio para se manter. Trata-se de um poder
coator, que distingue superiores de inferiores e que é capaz de condicionar
comportamentos na sociedade por meio da força física, bélica.
1.1.7. Charaudeau
Charaudeau (2008), a sua maneira, problematiza o poder político, pois, segundo ele, há
uma instância política a qual cabe ditar leis e sancioná-las, mas isso só ocorrerá com o
consentimento da instância cidadã, com o voto e com mecanismos de controle. No
discurso político, o candidato e os lugares de sua fabricação são muito eficazes para a
politização e a legitimação de seus conteúdos.
Em outras palavras, cabe à instância política, no jogo político entre a razão e a paixão,
buscar a adesão de outras instâncias capazes de, nas palavras de Charaudeau (2006b),
estabelecer uma conjunção de discursos de ideias e discursos de poder, verdade e
possibilidade, respectivamente. O Estado, nessa perspectiva, governado pela instância
política, detém o monopólio da força legítima, uma vez que essa é a condição para que
ele exista em meio a tantas forças20 que coexistem no espaço social21.
A ação política determina a vida social ao organizá-la. É ela que possibilita que a
sociedade tome decisões coletivas, por meio de representantes, que estarão incumbidos
de diversas responsabilidades, entre elas a de estar obrigado a prestar contas de seus
atos perante a coletividade. Face ao exposto, os cidadãos devem estabelecer um controle
dos atos praticados por seus representantes. Assim, tem-se uma organização da ação
política, que é depreendida num espaço de discussão dos objetivos a definir, tanto na
sociedade como na política. É do poder político que provêm as sanções de leis, sempre
20 Instâncias enunciativas funcionam como agentes sociais. 21 Consideramos essa expressão “espaço social” de Bourdieu (2007, p. 174). Segundo o autor, os
discursos políticos são produtos de “lutas simbólicas” que agentes sociais promovem no campo político –
um subespaço específico do “espaço social”. Bourdieu considera que o espaço social é um espaço
“multidimensional” composto por vários campos relativamente autônomos - religioso; jurídico; literário;
científico; político; etc. É no interior de cada um de tais campos que ocorrem as lutas simbólicas pelo
poder simbólico.
37
asseguradas no consentimento da instância cidadã, ou seja, para que a instância política
consiga a adesão do povo à sua ação, joga com argumentos da razão e da paixão e isso
configura um espaço discursivo em que se negocia efeitos de sentido.
As eleições seriam o modo de acesso à representação do poder, enquanto que as
modalidades de controle estariam, na essência, no interior das instituições e no exterior,
por diversos movimentos reivindicativos. A linguagem, portanto, não está ausente no
engendrar da ação política, uma vez que esse espaço depende de um espaço de
discussão.
Para Charaudeau (2008, p.21), em função dos espaços de discussão e de persuasão que
o campo político pode ser considerado “o governo da palavra”, mas apenas para “uma
parte” da população. Por exemplo, em algumas ações de protesto que pressionam o
governo, o que tem mais influência são os slogans e declarações da imprensa, pois
marcam uma opinião que será difundida em muitas comunidades que poderão, a partir
da “palavra”, organizarem-se de modo a construírem uma coordenação das tarefas que
resultarão em ações propriamente ditas.
Em contrapartida, o governo, se considerar “a palavra”, poderá utilizá-la para intervir
nos espaços de discussão, de ação e de persuasão, para que se estabeleçam os ideais, os
meios da ação política, a coordenação das tarefas e a promulgação das leis, regras e
decisões de todas as ordens, além de convencer a instância cidadã dos fundamentos de
seu programa e das decisões tomadas ao gerir os conflitos de opinião. Portanto, pode-se
determinar que o discurso é constitutivo da linguagem, que é o que motiva a ação e que
lhe dá sentido.
As campanhas eleitorais estão cada vez mais marcadas por um alto grau de
profissionalização, com propagandas políticas que atraem os eleitores por utilizarem
muito bem os recursos da mídia, espaço privilegiado da disputa. Isso faz crer que o
conceito de política utilizado nesta tese resulta da junção das perspectivas dos autores
apresentados, sobretudo Bobbio e de Charaudeau, segundo os quais, a política é uma
práxis, o que reforça a relevância do estudo da força do carisma, do ethos discursivo e
do poder da mídia em campanhas eleitorais para presidente do Brasil veiculadas no
HGPE, espaço que midiatiza o discurso políticoeleitoral e acomoda/promove instâncias
38
enunciativas, quais sejam, política, religiosa, empresarial, judiciária, cidadã e midiática,
que validam e sustentam figuras de poder no jogo político.
1.2. A política partidária no Brasil
Todo partido político tem um caráter associativo entre a natureza de sua ação, orientada
pela conquista do poder político dentro de uma comunidade, e pela multiplicidade de
estímulos e motivações que levam a uma ação política que preconiza fins "objetivos"
e/ou "pessoais". Segundo Weber (2009, p. 32):
“Partido político é uma associação [...] que visa a um fim deliberado,
seja ele 'objetivo' como a realização de um plano com intuitos
materiais ou ideais, seja 'pessoal', isto é, destinado a obter benefícios,
poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então
voltado para todos esses objetivos conjuntamente".
A par disso, para esta pesquisa, faz-se relevante recuperar o histórico dos partidos
políticos brasileiros, uma vez que são meios legais para aqueles que querem concorrer a
cargos políticos no Brasil, país que esteve submetido a diferentes formas de governo
(Monarquia, República, Parlamentarismo, Presidencialismo) e regimes (ditadura e
democracia). Após a queda da Monarquia e a Proclamação da República, em 1889,
abriram-se discussões acerca da constituição das esferas de poder que, mais tarde,
seriam compostas por: Executivo, Legislativo e Judiciário. Tais esferas devem definir e
fazer valer as regras que englobam direitos e deveres de todos, mas quem decide quais
os governantes do Executivo e do Legislativo é a sociedade.
Desde o fim do regime militar, em 1985, a democracia foi instituída. Tal regime
facultou à sociedade o voto direto nas eleições, de maneira que as representações,
independentemente de suas origens, se fossem consideradas legítimas, teriam espaço no
meio político. Mesmo assim, algumas manobras continuam, até hoje, tentando
manipular os procedimentos e os eleitores, mas o direito à livre escolha de seus
governantes foi preservado, pelo voto. Diante dessa realidade, o povo passou a fiscalizar
as ações de seus governantes e a fazer-se ouvir a partir de suas representações sociais.
39
No estado de direito, as representações de setores da sociedade devem estar
organizadas, por exemplo, em estruturas não governamentais, sindicatos, movimentos
sociais etc., e também em partidos políticos que, observado o devido processo legal,
devem buscar a legitimidade de candidaturas nos órgãos competentes da Justiça
Eleitoral para participarem de eleições municipais, estaduais e nacionais. Nesse sentido,
de acordo com Chacon, a ação política deve partir de uma organização partidária. O
autor diz que:
[...] podemos remontar a Atenas e Roma antes de Cristo, como fontes
da moderna organização partidária, mas ela só surge efetivamente na
Grã-Bretanha, a partir do século XIX, isto é, da sua revolução
industrializante e urbanizadora. Donde Maurice Duverger conclui: De
fato, nenhum país do mundo (salvo os Estados Unidos) conhecia
partidos políticos no sentido moderno do termo: encontravam-se
tendências de opiniões, clubes populares, associações de pensamento,
grupos parlamentares, mas nenhum partido propriamente dito.
(CHACON, 1985, p. 11).
No Período Imperial, por exemplo, a cena política brasileira era regrada por três
partidos: o Partido Restaurador (1831), o Partido Conservador (1836), e o Partido
Liberal (1837). O primeiro defendia a volta de Dom Pedro I; o segundo defendia um
regime forte, com autoridade concentrada na monarquia e pouca liberdade às províncias
(Estados); o terceiro acreditava no fortalecimento do parlamento e uma maior
autonomia nas províncias. Os três partidos, entretanto, tinham em membros defensores
do sistema escravista.
Em 1889, o quadro político brasileiro foi marcado por diversos acontecimentos, dentre
tantos, mudanças de regime e revoluções. Esses rompimentos foram assinalados por
quatro motivos: pela implantação da república (1889), pela Revolução de 1930, pelo
Estado Novo (1937-1945) e pelo Regime Militar de 1964.
O surgimento de partidos políticos no Brasil foi marcado por acontecimentos
impactantes - mudanças de regime ou revoluções - que comprometeram a existência dos
partidos, de modo que foram forçados a sempre terem de recomeçar sua trajetória a cada
uma das interrupções sofridas. Esses rompimentos foram assinalados pela implantação
da república, em 1889, que suplantou os partidos monarquistas, instituindo partidos
oligárquicos; a Revolução de 1930 fez com que desaparecessem os partidos
40
republicanos; o Estado Novo (1937-1945) impediu a existência de partidos; o Regime
Militar de 1964 submeteu alguns partidos políticos às condutas do regime.
Em 1943, alguns fatores22 como a mobilização de operários e estudantes de São Paulo,
Rio de Janeiro e Recife, além do Congresso Jurídico Nacional, do Manifesto dos
mineiros, e da iminência de uma vitória das democracias na segunda Guerra Mundial,
motivaram a necessidade de haver um governo democrático no Brasil no lugar do
Estado Novo ditatorial. Diante da pressão sofrida, o governo Getúlio Vargas, em
fevereiro de 1945, promulgou a Lei Constitucional nº 923 que alterou a Constituição
Federal de 1937 visando a regulamentar o funcionamento do sistema eleitoral dos
órgãos de governo.
Em maio de 1945, foi publicado o Decreto-Lei n.º 7.586 que, além estabelecer a forma
de organização dos partidos políticos, apresentou regras para as eleições em âmbito
nacional, tais como: mínimo de dez mil assinaturas para registro de partido;
obrigatoriedade de inscrição dos candidatos até quinze dias antes das eleições; voto
obrigatório e secreto; eleições presidenciais e parlamentares marcadas para 2 de
dezembro de 1945 e estaduais para 6 de maio de 1946. Uma vez que o presidente
Getúlio Vargas constituiu interventores em alguns estados do Brasil, incumbiu a eles a
missão de criar um partido político com abrangência nacional, o PSD.
De 1945 até o ano 1964, a atuação política brasileira foi conduzida pelos partidos
getulistas (PSD – Partido Social Democrático e PTB – Partido Trabalhista Brasileiro) e
pelo principal partido anti-getulista (a UDN – União Democrática Nacional). Cada um
desses três partidos, segundo Lamonier (2005), tinha em suas bases representantes de
setores da sociedade: o PSD deu espaço aos conservadores do getulismo, em sua
maioria lideranças rurais e funcionários estatais importantes, já o PTB, reflexo do
Labour Party da Grã-Bretanha (Partido Trabalhista Independente da Inglaterra),
22 FGV-CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do brasil), Rio de
Janeiro. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/manifesto-dos-
mineiros. Acesso: 25/07/2017, às 22h02. 23 BRASIL, Lei Constitucional Nº 9, de 28 de fevereiro de 1945. Alterações no Art. 1º - Os arts. 7º, 9º e
parágrafo, 14, 30, 32 e parágrafo, 33, 39 e parágrafos, 46, 48, 50 e parágrafo, 51, 53, 55, 59 e
parágrafos, 61, 62, 64 e parágrafos, 65 e parágrafo, 73, 74, 76, 77, 78 e parágrafos, 79, 80, 81, 82 e
parágrafo, 83, 114 e parágrafo, 117 e parágrafo, 121, 140, 174 e parágrafos, 175, 176 e parágrafo, 179
da Constituição Federal de 1937. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCT/LCT009.htm. Acesso: 25/07/2017, às 20h25.
41
unificou as lideranças sindicais e os operários em geral. O partido oposto, a UDN,
liberal e antipopulista, concedeu abrigo à burguesia, interessada no capital estrangeiro e
na iniciativa privada.
Após a aprovação da nova Lei Orgânica dos Partidos pelo Congresso Nacional, em
novembro de 1979, que extinguiu o bipartidarismo, cada partido foi obrigado a (re)
construir sua própria trajetória. Desse modo, surgiram o PFL (Partido da Frente
Liberal), o PPB (Partido Popular Brasileiro), o PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PDT (Partido
Democrático Trabalhista), o PT (Partido dos Trabalhadores) e o PSDB (Partido Social-
Democrático Brasileiro). Segundo Silva (2007)24:
Não seria exagero afirmar que, da mesma forma que ocorre com a
matéria eleitoral em sua quase totalidade, o nascimento jurídico dos
partidos políticos no Brasil ocorre com o Código Eleitoral de 1932.
Ainda que houvesse os grupos políticos do Império, e mesmo os
partidos políticos da Primeira República, é a Revolução de 1930 e o
Código Eleitoral de 1932 que dão início à verdadeira regulação
jurídica do fenômeno políticoeleitoral no Brasil. Já o reconhecimento
constitucional ocorre apenas com o fim do Estado Novo, com a
Constituição de 1946.
A Constituição de 1946, no que tange à regulamentação de partidos políticos, tinha
como propósito estabelecer que as agremiações fossem nacionais e não locais, como na
Primeira República. Tal prescrição continuou assentada na Constituição de 1988.
Hoje, existem trinta e cinco partidos políticos registrados no TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), conforme dados da Tabela 1:
24 SILVA, V. A. Partidos e Reforma Política. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estad (RERE),
Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n.º 10, junho/julho/agosto, 2007. Disponível em:
http://www.direitodoestado.com/revista/rere-10-junho-2007-virgilio%20afonso.pdf. Acesso: 26/07/2017,
às 13h45.
42
Tabela 1 – Relação de partidos registrados no TSE25
Partidos registrados no TSE
0001 SIGLA NOME DEFERIMENTO PRES. NACIONAL Nº DA LEGENDA
1 PMDB PARTIDO DO
MOVIMENTO
DEMOCRÁTICO
BRASILEIRO
30.6.1981 ROMERO JUCÁ, no
exercício da presidência
15
2 PTB PARTIDO
TRABALHISTA
BRASILEIRO
3.11.1981 ROBERTO
JEFFERSON
MONTEIRO
FRANCISCO
14
3 PDT PARTIDO
DEMOCRÁTICO
TRABALHISTA
10.11.1981 CARLOS LUPI 12
4 PT PARTIDO DOS
TRABALHADORES
11.2.1982 RUI GOETHE DA
COSTA FALCAO
13
5 DEM DEMOCRATAS 11.9.1986 JOSÉ AGRIPINO
MAIA
25
6 PCdoB PARTIDO COMUNISTA
DO BRASIL
23.6.1988 LUCIANA BARBOSA
DE OLIVEIRA
SANTOS
65
7 PSB PARTIDO SOCIALISTA
BRASILEIRO
1°.7.1988 CARLOS ROBERTO
SIQUEIRA DE
BARROS
40
8 PSDB PARTIDO DA SOCIAL
DEMOCRACIA
BRASILEIRA
24.8.1989 AÉCIO NEVES DA
CUNHA
45
9 PTC PARTIDO
TRABALHISTA
CRISTÃO
22.2.1990 DANIEL S.
TOURINHO
36
10 PSC PARTIDO SOCIAL
CRISTÃO
29.3.1990 EVERALDO DIAS
PEREIRA
20
11 PMN PARTIDO DA
MOBILIZAÇÃO
NACIONAL
25.10.1990 ANTONIO CARLOS
BOSCO
MASSAROLLO,
presidente interino
33
12 PRP PARTIDO
REPUBLICANO
PROGRESSISTA
29.10.1991 OVASCO ROMA
ALTIMARI RESENDE
44
13 PPS PARTIDO POPULAR
SOCIALISTA
19.3.1992 ROBERTO JOÃO
PEREIRA FREIRE
23
14 PV PARTIDO VERDE 30.9.1993 JOSÉ LUIZ DE
FRANÇA PENNA
43
15 PTdoB PARTIDO
TRABALHISTA DO
BRASIL
11.10.1994 LUIS HENRIQUE DE
OLIVEIRA RESENDE
70
25 Tabela disponível em: http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-no-tse. Acesso:
02/07/2017, às 19h44.
43
16 PP PARTIDO
PROGRESSISTA
16.11.1995 CIRO NOGUEIRA
LIMA FILHO
11
17 PSTU PARTIDO SOCIALISTA
DOS TRABALHADORES
UNIFICADO
19.12.1995 JOSÉ MARIA DE
ALMEIDA
16
18 PCB PARTIDO COMUNISTA
BRASILEIRO
9.5.1996 EDMILSON SILVA
COSTA*
21
19 PRTB PARTIDO RENOVADOR
TRABALHISTA
BRASILEIRO
18.2.1997 JOSÉ LEVY FIDELIX
DA CRUZ
28
20 PHS PARTIDO HUMANISTA
DA SOLIDARIEDADE
20.3.1997 EDUARDO
MACHADO E SILVA
RODRIGUES
(AI nº 0705654-
62.2017.8.07.0000
TJDFT - antecipação da
tutela deferida em
16/05/2017)
31
21 PSDC PARTIDO SOCIAL
DEMOCRATA CRISTÃO
5.8.1997 JOSÉ MARIA
EYMAEL
27
22 PCO PARTIDO DA CAUSA
OPERÁRIA
30.9.1997 RUI COSTA
PIMENTA
29
23 PODE PODEMOS 2.10.1997 RENATA
HELLMEISTER DE
ABREU, no exercício
da presidência
19
24 PSL PARTIDO SOCIAL
LIBERAL
2.6.1998 ANTONIO EDUARDO
GONÇALVES DE
RUEDA, no exercício
da presidência
17
25 PRB PARTIDO
REPUBLICANO
BRASILEIRO
25.8.2005 EDUARDO
BENEDITO LOPES,
no exercício da
presidência
10
26 PSOL PARTIDO SOCIALISMO
E LIBERDADE
15.9.2005 RAIMUNDO LUIZ
SILVA ARAÚJO
50
27 PR PARTIDO DA
REPÚBLICA
19.12.2006 ANTONIO CARLOS
RODRIGUES
22
28 PSD PARTIDO SOCIAL
DEMOCRÁTICO
27.9.2011 ALFREDO COTAIT
NETO, no exercício da
presidência
55
29 PPL PARTIDO PÁTRIA
LIVRE
4.10.2011 SÉRGIO RUBENS DE
ARAÚJO TORRES
54
30 PEN PARTIDO ECOLÓGICO
NACIONAL
19.6.2012 ADILSON BARROSO
OLIVEIRA
51
31 PROS PARTIDO
REPUBLICANO DA
ORDEM SOCIAL
24.9.2013 EURÍPEDES G.DE
MACEDO JÚNIOR
90
32 SD SOLIDARIEDADE 24.9.2013 PAULO PEREIRA DA
SILVA
77
33 NOVO PARTIDO NOVO 15.9.2015 JOÃO DIONÍSIO
FILGUEIRA B.
AMOÊDO
30
44
34 REDE REDE
SUSTENTABILIDADE
22.9.2015 JOSÉ GUSTAVO
FÁVARO BARBOSA
SILVA
18
35 PMB PARTIDO DA MULHER
BRASILEIRA
29.9.2015 SUÊD HAIDAR
NOGUEIRA
35
(*) Nos termos do § 1º do art. 58 do estatuto do PCB, para fins jurídicos e institucionais, os cargos de Secretário Geral do Comitê Central e de Secretário Político dos Comitês Regionais e Municipais
equiparam-se ao de Presidente do Comitê respectivo.
Esse número de partidos apresentado na tabela desperta críticas ao sistema eleitoral
brasileiro e motiva iniciativas populares que desacreditam partidos políticos, sobretudo
aqueles considerados ‘nanicos’ que fazem uso de verbas públicas, mas não têm
representatividade significativa na Câmara e no Congresso. A despeito de tudo isso, o
número de partidos é justificado pela legislação eleitoral26 vigente no país.
1.3. PT, PSDB e Coligações em concorrência nas campanhas eleitorais
Coligações partidárias são agrupamentos de partidos políticos em torno de um projeto
de poder. De acordo com Sartori (1982), tais coligações mostram-se como estratégias
para o empoderamento de determinados grupos políticos, sobretudo em torno daqueles
considerados “partidos relevantes” e que almejam a Presidência da República, não só
por seu posicionamento, à direta, ao centro ou à esquerda, mas também, e
principalmente, pela abrangência e número de eleitores em todo o território nacional. É
o que tem acontecido com os partidos políticos PT e PSDB nos últimos 23 anos (1994-
2017).
26 BRASIL. Lei nº 9.096/1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso
V, da Constituição Federal. (Lei dos Partidos Políticos). D.O.U, 20/09/1995. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9096.htm. Acesso: 20/06/2017, às 14h30.
________________. Resolução/TSE nº 23.093/2009. Dispõe sobre o Sistema de Gerenciamento de
Informações Partidárias (SGIP). (Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias – SGIP). DJE-
TSE, nº 155, de 17/08/2009, p. 27. Disponível em: http://www.tse.jus.br/legislacao-
tse/res/2009/RES230932009.html. Acesso: 24/05/2017, às 08h55.
Resolução/TSE nº 23.465/2015. Disciplina a criação, organização, fusão, incorporação e extinção de
partidos políticos. DJE-TSE, nº 241, de 22/12/2015, p. 2-12. Disponível em:
http://chimera.tse.jus.br/legislacao-tse/res/2015/RES234652015.htm. Acesso: 24/05/2017, às 11h20.
45
No período em referência, estabeleceu-se uma polarização política em torno da qual os
demais partidos (“micros”, segundo Sartori, 1982) articulam-se para compor as
bancadas de situação e de oposição ao governo vigente. Em consequência disso, a
faculdade de compor coligações é atribuída aos partidos, desde que observada a
legislação. Embora, no Brasil, as junções partidárias tenham, por vezes, interesses
pouco republicanos – como o loteamento da estrutura do Estado em troca de apoio
político às ações do governo –, o objetivo primeiro é o de possibilitar força política à
candidatura para propagar seus projetos e consolidá-los após a vitória nas urnas.
De acordo com a Lei nº 9.504/1997, art. 6º, § 1º, a coligação deve funcionar como um
só partido no relacionamento com a Justiça Eleitoral e no trato dos interesses
interpartidários. A par disso, Machado (2006) assevera que, além da preocupação com
o quociente eleitoral, os partidos têm em vista a elevação do tempo disponível no
HGPE, importante instrumento de campanha eleitoral. Desse modo, a identificação
ideológica parece ser fator menos importante na composição das coligações. É o que
ressalta Miguel (2010, p. 34):
Há a descontinuidade do sistema partidário brasileiro, nossos partidos
são criados e desaparecem, se fundem, se partem, mudam de nome.
Há a baixa identificação do eleitorado. Há o personalismo das disputas
políticas. Há o fato de que um político pode passar por diversas
legendas ao longo de sua carreira, de esquerda ou direita. Mas há,
sobretudo, a fraca coesão e o localismo. Fraca coesão que se manifesta
nas votações no poder legislativo e também nas disputas eleitorais,
quando é frequente que lideranças de um mesmo partido apoiem
candidatos diferentes, de peemedebistas e pefelistas abandonando
Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves para embarcar na campanha
presidencial de Collor em 1989 até o PSDB kassabista na São Paulo
de 2008. E o localismo que faz com que os partidos ganhem
colorações diferentes de acordo com os caciques locais que os
controlam - ou será que o PSB de Eduardo Campos, de Wilma de
Farias e de Cid Gomes para ficar apenas em três governadores
Nordestinos, é o mesmo partido?
Embora as coligações partidárias mostrem-se instáveis no sistema político brasileiro,
elas têm papel fundamental no jogo político. Segundo Miranda (2013), no período de
1950 a 1962, no Brasil, as coligações foram permitidas. Em 1971, a Lei Orgânica dos
Partidos Políticos as proibiu e, entre 1986 e 1998, elas foram permitidas novamente,
mas os partidos ficaram proibidos de constituir coligações incongruentes para a Câmara
dos Deputados, em relação às firmadas para as governadorias.
46
Para as eleições de 1994, a Lei n. º 8.713/9327 estabeleceu normas, sobretudo quanto às
condições para que os partidos, coligados ou não, pudessem lançar candidatos:
Art. 5º Poderá participar das eleições previstas nesta lei o partido que,
até 3 de outubro de 1993, tenha obtido, junto ao Tribunal Superior
Eleitoral, registro definitivo ou provisório, desde que, neste último
caso, conte com, pelo menos, um representante titular na Câmara dos
Deputados, na data da publicação desta lei.
§ 1º Só poderá registrar candidato próprio à eleição para
Presidente e Vice-Presidente da República:
I - O partido que tenha obtido, pelo menos, cinco por cento dos
votos apurados na eleição de 1990 para a Câmara dos Deputados, não
computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um
terço dos Estados; ou
II - o partido que conte, na data da publicação desta lei, com
representantes titulares na Câmara dos Deputados em número
equivalente a, no mínimo, três por cento da composição da Casa,
desprezada a fração resultante desse percentual; ou
III - coligação integrada por, pelo menos, um partido que
preencha condição prevista em um dos incisos anteriores, ou por
partidos que, somados, atendam às mesmas condições.
Segundo levantamento do TSE, publicado no Jornal Folha de São Paulo28, em 1989, o
percentual de deputados eleitos por coligações era de 83,50% e, em 1994, 91,81% dos
513 deputados federais representavam alianças interpartidárias. Esse levantamento
revelou que os partidos utilizam cada vez mais a estratégia das coligações com a
finalidade de ampliar os resultados eleitorais, ou seja, o objetivo é aumentar o número
de parlamentares a despeito de qualquer vínculo ideológico. Nas eleições de 1994, por
exemplo, no Pará, umas das coligações para a Câmara Federal tinha os seguintes
partidos: PDT, PTB, PCB, PPS, PFL, PSB, PSDB e PCdoB.
Se, de um lado, fundado em 1980, o PT alça-se como esquerda29, de outro, o PSDB
intitula-se30 como centro. Em outros tempos, os dois partidos se uniram no segundo
27 BRASIL. Lei n. º 8.713, de 30/09/1993. Estabelece normas para as eleições de 3 de outubro de 1994.
D.O.U. de 1/10/1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8713.htm#art73.
Acesso: 28/07/2017, às 03h11. 28 SOUSA, V. Coligações elegem mais de 90% dos deputados federais. Folha de São Paulo, 01 de janeiro
de 1998. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc010102.htm. Acesso: 07/07/2016, às
20h30. 29 PARTIDO DOS TRABALHADORES. Estatuto. Alterações ao Estatuto do PT aprovadas de acordo
com as normas estatutarias e legais, registradas na ata da reunião do Diretório Nacional de 12 de
dezembro de 2013. Disponível em: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-pt-deferido-
em-5-junho-2014. Acesso: 28/03/2015, às 20h40.
47
turno das eleições à presidência da República de 1989, quando Mário Covas (PSDB),
após amargar o quarto lugar, apoiou o candidato Lula (PT), que disputou o segundo
turno com Collor (PMN).
Não obstante, a partir de 1994, com a vitória de FHC (PSDB), os dois partidos (PT e
PSDB) assumiram, definitivamente, lados opostos na política nacional e, na nova
configuração, formaram alianças em torno de projetos distintos de poder. É o que se
mostra delineado na Tabela 2:
Tabela 2 – Coligações com o PT e com o PSDB no 1º turno (1989-2014)
ANO Coligações com o PT Coligações com o PSDB
1989 PT – PSB – PcdoB PSDB
1994 PT – PSB – PCdoB – PCB –
PV – PPS – PMN – PSTU
PSDB – PFL – PPB – PTB –
PSD
1998 PT – PCB – PSB – PCdoB PSDB – PPB – PTB – PFL –
PSD
2002 PT – PL – PCdoB – PMN –
PCB
PSDB – PMDB
2006 PT – PRB – PCdoB PSDB – PFL
2010 PT – PRB – PDT – PMDB –
PTN – PSC – PR – PTC –
PSB – PCdoB
PSDB – PTB – PPS – DEM –
PMN – PTdoB
2014 PT – PMDB – PSD – PP –
PR – PROS – PDT – PCdoB
– PRB
PSDB – DEM – SD – PTB –
PMN – PTC – PEN – PTdoB
– PTN
Fonte: tabulação nossa. Elaborada com base nos dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
30 PARTIDO DA SOCAIL DEMOCRACIA BRASILEIRA. Estatuto. Alterações aprovadas pela Xl
Convenção Nacional do Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, realizada no dia 18 de maio de
2013, em Brasília, Distrito Federal. Disponível em http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-
estatuto-psdb-de-18-5-2013-deferido-em-13-8-2013-1427215183593. Acesso em 28/03/2015, às 22h14.
48
O PSDB venceu duas disputas, em 1994 e em 1998, quando elegeu Fernando Henrique
Cardoso, e o PT ganhou as eleições de 2002 e 2006, alçando Lula, por duas vezes, à
Presidência, e, em 2010 e 2014, as vitórias do PT ficaram por conta de Dilma Rousseff.
A coligação que lançou FHC candidato a presidente, em 1994, era “União Trabalho e
Progresso” e reunia os partidos PSDB, PFL, PPB, PTB e PSD. Já a coligação de Lula
era “Frente Brasil Popular pela Cidadania” e agrupava os partidos PT, PSB, PPS, PV,
PCdoB, PCB e PSTU. De acordo com Guarnieri & Limongi (2014, p. 11):
A estratégia adotada pelo PSDB pede comentários. A candidatura de
Fernando Henrique Cardoso, como se sabe, apoiou-se no sucesso do
Plano Real, lançado quando o candidato era o ministro da Fazenda de
Itamar Franco. Os estrategistas de sua campanha consideraram esse
trunfo insuficiente para garantir a nacionalização de sua candidatura.
O objetivo central era evitar as limitações enfrentadas por Covas cinco
anos antes10. Eis a razão de ser da aliança com o PFL: garantir a
entrada do candidato no Nordeste. O acordo se fez, vale recordar, sem
o apoio do PSDB baiano. Ou seja, a estratégia implicou submeter os
interesses locais aos nacionais. Dito de outra forma: a nacionalização
de um partido, a viabilização de sua candidatura presidencial, passa
por concessões no plano local. Envolve, portanto, uma divisão do
mercado eleitoral em que o cabeça da chapa faz concessões a seus
aliados no plano estadual.
Em 1998, FHC concorria à reeleição, e Lula continuava na oposição. Para aquele pleito,
FHC, na coligação “União, Trabalho e Progresso”, contou com o apoio dos partidos
PSDB, PPB, PFL, PTB e PSD. Lula, na coligação “União do Povo. Muda Brasil”,
assegurou o apoio das agremiações PT, PCB, PSB e PCdoB. É importante observar que,
nas duas eleições, 1994 e 1998, o candidato do PSDB ganhou no primeiro escrutínio,
não havendo, assim, um segundo.
Em 2002, quando o PT chega ao poder com a vitória de Lula, a polarização entre dois
partidos se estabeleceu com mais força, já que o PT se tornou situação ante o
deslocamento do PSDB para a oposição, aliás, os tucanos fincaram-se como a legenda
mais significativa de oposição ao governo. Nas eleições de 2002 e 2006, o TSE instituiu
a verticalização, que estabeleceu que os partidos que integrassem coligações
presidenciais adversárias não poderiam coligar-se nas disputas para os outros cargos,
federais ou estaduais. Contrariados, os parlamentares aprovaram, em 2006, uma
49
Emenda Constitucional nº. 52 que determinou a não obrigatoriedade de manterem-se os
mesmos parceiros de coligação nos diversos pleitos.
É imprescindível ressaltar que o deslocamento da visibilidade dos partidos para as
figuras dos candidatos não diminuiu as negociatas, o fisiologismo, muito pelo contrário,
essa prática, que é parte do sistema político brasileiro e consiste na congregação de
ações políticas e decisões tomadas em troca de favorecimento a interesses particulares,
continuou ora liderada pelos candidatos, ora pelos seus asseclas aglutinados nos
partidos políticos.
O fisiologismo no Brasil, segundo Teixeira31 (2007), é um vício de origem do sistema
político, causado pela fraqueza e divisão dos partidos, pela falta de fidelidade partidária
e pela forma como são construídas as coligações de governo, ou seja, não há
preocupação com pautas nacionais, mas com interesses de determinados grupos sociais
ligados ao mercado financeiro, à religião e aos conglomerados industriais ou midiáticos.
Nesse sentido, a figura do político, sobretudo quando candidato ao cargo de presidente
da República, ganha ainda mais status na conjuntura política do país, principalmente
entre os partidos políticos, seja na disputa eleitoral ou no curso do mandato.
O protagonismo político nas disputas políticoeleitorais fixa-se, portanto, no candidato e
não em seu partido político, muito menos nas ideias suprapartidárias em torno de um
projeto que vise à promoção de políticas públicas, de políticas de estado. Há muito, a
tônica dos projetos de vários políticos brasileiros tem sido a promoção de políticas de
grupos, de governos, infelizmente.
1.4. A práxis política e o protagonismo dos candidatos
Há de se considerar que, embora haja tantos partidos e a legislação regule sua atuação, é
fato que, no Brasil, o protagonismo na política brasileira, desde a redemocratização,
passou a estar vinculado ao candidato e não ao partido político, sobretudo em
campanhas majoritárias. Muito por isso, apresentaremos, neste tópico, um breve
31 ESTADÃO. Fisiologismo virou negociação política. Entrevista com o Professor Marco Antonio
Teixeira, Professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas). São Paulo, 29/09/2007. Disponível em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fisiologismo-virou-negociacao-politica,58072. Acesso:
26/07/2017, às 15h10.
50
histórico de todos os presidentes da República eleitos após a ditadura militar, do
candidato derrotado nas eleições de 2014, Aécio Neves, e de Dilma Rousseff. Tal
percurso tem o propósito de recuperar a trajetória de sujeitos cuja atuação influenciou a
práxis política brasileira nas últimas três décadas, a saber: Tancredo Neves (1985),
Sarney (1985-1990), Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994), FHC (1995-
2002), Lula (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016), e Aécio Neves (candidato em
2014).
1.4.1. Tancredo Neves (1985)32
A eleição de Tancredo Neves – PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), em 1985, após vinte anos de ditadura militar, mesmo indireta, foi não só
palco do simbolismo da eleição de um cidadão comum para presidência da República,
mas também da comoção da sociedade quando esta soube que Tancredo falecera à
véspera de sua posse, depois de vencer Paulo Maluf – PDS (Partido Democrático
Social), candidato dos militares33 para sucessão do presidente Figueiredo. Diante do fato
concreto, Sarney (PMDB), que havia exercido diversos cargos públicos e eleito vice-
presidente de Tancredo Neves, foi empossado presidente do Brasil em 21 de abril de
1985.
1.4.2. Sarney (1985-1990)34
O governo Sarney foi marcado por tentativas frustradas de medidas econômicas de
combate à inflação e pelo estabelecimento de uma nova Constituição que foi
promulgada em outubro de 1988. Após o governo Sarney, houve, finalmente, eleições
presidenciais diretas, em 1989, realizadas em dois turnos.
A campanha eleitoral de 1989 polarizou forças políticas. Embora vinte e dois candidatos
concorressem ao mais alto cargo do país, entre os quais Brizola (PDT), Enéas
32 A Lei nº 7.465, de 21 de abril de 1986 conferiu a Tancredo Neves o status de ex-presidente do Brasil,
mesmo não tendo sido empossado presidente em 15/03/1985. 33 No Brasil, vigia o período denominado Ditadura Militar. Época em que houve cerceamento dos direitos
democráticos dos cidadãos, prisões autoritárias, mortes e perseguições políticas. 34 O mandato de presidente era de cinco anos. A Constituição de 1988 modificou para quatro anos, que
passou a vigorar a partir das eleições de 1989.
51
(PRONA), Mário Covas (PSDB), Ulysses Guimarães (PMDB), Lula (PT) e Silvio
Santos35 (PMB), apenas Collor e Lula foram para o segundo escrutínio.
Conforme previa a Lei n.º 7.773/8936, dois ou mais partidos poderiam se coligar para
aquela eleição: Collor, pela coligação “Movimento Brasil Novo” – PRN, PSC, PTR e
PST; e Lula, pela coligação “Frente Brasil Popular” – PT, PSB e PC do B. Tais
coligações foram importantes para a viabilização das candidaturas, mas, finalizado o
primeiro turno, os candidatos vitoriosos receberam apoio dos partidos vencidos. Dentre
muitos partidos que apoiaram os dois candidatos no segundo escrutínio, destacaram-se
PDS e PSDB. O primeiro, liderado por Maluf, apoiou Collor, enquanto que o segundo,
liderado por Mário Covas, apoiou Lula. Após a finalização da contagem dos votos37
pelo TSE, o vitorioso foi Collor com uma pequena margem sobre Lula.
1.4.3. Collor (1990-1992)
Collor, além de ser o protagonista da primeira eleição direta para presidente da
República, após vinte e nove anos sem voto direto, amargou também o posto de
primeiro presidente a sofrer impeachment38 no Brasil. Filiado a um partido considerado
pequeno, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional), Collor, assim que assumiu o
35 O apresentador de Televisão, Silvio Santos – PMB (Partido Municipalista Brasileiro), também entrou
no páreo eleitoral em 1989, no lugar do Pastor Armando Correia (PMB), mas o dono do SBT acabou
tendo dezoito pedidos de impugnação de sua candidatura que questionaram a legalidade da filiação de
Silvio Santo ao partido. Embasado na lei n.º 5.682/71 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos) e no art. 1º, II,
d , da Lei Complementar nº 5/70, que estabelecia serem inelegíveis os candidatos a presidente e vice-
presidente da República que tivessem exercido, nos seis meses anteriores ao pleito, cargo ou função de
direção, administração ou representação em empresas concessionárias ou permissionárias de serviço
público ou sujeitas a seu controle, o TSE declarou extinto o registro provisório do PMB, o que invalidou a
candidatura de Silvio Santos no sufrágio de 1989. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/julgados-historicos/silvio-santos. Acesso: 27/07/2017, às 21h52. 36 BRASIL. Lei n.º 7.773, de 08/06/1989. Dispõe sobre a eleição para Presidente e Vice-Presidente da
República. D.O.U. de 09/06/1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7773.htm.
Acesso: 20/07/2017, às 14h25. 37 Em 1989, depois de 29 anos da eleição direta que levou Jânio Quadros à Presidência da República, o
alagoano Fernando Collor de Mello (lançado pelo pequeno PRN) foi eleito por pequena margem de votos
(42,75% a 37,86%) sobre Luiz Inácio Lula da Silva (PT). FOLHA DE SÃO PAULO. História - 1990 -
Fernando Collor de Mello. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1990.shtml. Acesso: 21/06/2017, às
13h40. 38 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. TÍTULO IV - Da
Organização dos Poderes (Redação da EC 80/2014). CAPÍTULO II - DO PODER EXECUTIVO. Seção
III - Da Responsabilidade do Presidente da República. O impeachment é acolhido pela Constituição de
1988, no Art. 85. Trata-se de processo de impedimento do presidente da República por crimes de
responsabilidade que atentem contra a Constituição Federal.
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%20950. Acesso em
02/07/2017, às 17h21.
52
cargo, adotou medidas econômicas impopulares, como o bloqueio dos saldos das contas
bancárias de pessoas físicas e jurídicas. Tal medida causou complicações até hoje
lembradas pelos brasileiros.
Além disso, Collor foi acusado de participar do esquema de corrupção denominado
“Esquema PC Farias”. As denúncias davam conta de que Paulo César Farias, tesoureiro
da campanha eleitoral de Collor, era peça-chave no esquema. Em reportagem, a revista
Veja39 publicou uma entrevista com o irmão de Collor, Pedro Collor de Mello, que
apresentou detalhes do esquema bilionário de corrupção.
Em 2 de outubro de 1992, Collor foi afastado temporariamente da Presidência da
República, em decorrência da abertura do processo na Câmara dos Deputados.
Renunciou ao cargo em 29 de dezembro no mesmo ano, mas foi condenado pelo Senado
por crime de responsabilidade e teve seus direitos políticos cassados, tornando-se
inelegível por oito anos.
1.4.4. Itamar Franco (1992-1994)
Como rege a Constituição40, em caso de afastamento do presidente, assume o vice-
presidente, neste caso, o engenheiro Itamar Augusto Cauteiro Franco, conhecido como
Itamar Franco, que mudara de partido apenas para compor a chapa de Collor no PRN. O
governo Itamar foi marcado por mudanças na condução da política econômica,
principalmente, em 1994, com a criação do Plano Real. O programa instituiu uma nova
moeda nacional, o Real, e conseguiu, com reformas econômicas, conter a hiperinflação.
39 AZEVEDO, R. Entrevista de Pedro Collor de Mello. (VEJA). Disponível em:
https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/a-entrevista-que-pedro-concedeu-a-veja-ha-20-anos-e-que-esta-na-
raiz-do-odio-que-fernando-collor-tem-da-revista/. Acesso: 20/03/2016, às 18h32. 40 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. TÍTULO IV - Da
Organização dos Poderes (Redação da EC 80/2014). CAPÍTULO II - DO PODER EXECUTIVO. Seção
III - Da Responsabilidade do Presidente da República. O processo deve ser autorizado pela Câmara dos
Deputados, por 2/3 de seus membros, a instauração do processo (CF, art. 51, I), ou admitida a acusação
(CF, art. 86), o Senado Federal processará e julgará o presidente da República nos crimes de
responsabilidade.
Disponível em: http:// http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%20950. Acesso em
02/07/2017, às 17h21.
53
1.4.5. FHC (1995-2002)
Após o término do governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso (FHC) disputou
a presidência com Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) nas eleições de 1994 e 1998,
ocasiões em que FHC saiu vitorioso nos primeiros turnos, o que permitiu ao PSDB
governar o país por quase uma década.
Antes de presidir o país por tanto tempo, FHC experienciou algumas situações.
Inicialmente, como militante de esquerda, após o golpe militar de 1964, exilou-se no
Chile e, mais tarde, na França. Voltou ao Brasil em 1968 e tornou-se professor de
ciências políticas na USP (Universidade de São Paulo). Algum tempo depois, foi
aposentado compulsoriamente pelo AI-5 (Ato Institucional nº 5). Fundou, então, com
outros pesquisadores cassados, o CEBRAP.
Em 1978, foi eleito suplente de Franco Montoro para o Senado, pelo MDB e assumiu o
cargo em 1983, quando Montoro foi empossado governador de São Paulo. Em 1985,
FHC foi candidato a prefeito de São Paulo, mas perdeu o pleito para Jânio Quadros. Em
1986, reelegeu-se para o Senado. Em 1988, fundou, com outros líderes políticos, o
PSDB. Em 1992, tornou-se ministro das Relações Exteriores do governo Itamar Franco,
e, em 1993, assumiu a pasta da Fazenda, integrando, assim, o grupo responsável pela
criação do Plano Real. Com a sensação de estabilidade percebida pela população, FHC
concorreu ao cargo de presidente da República nas eleições de 1994, quando venceu no
primeiro turno.
O primeiro governo FHC foi marcado não só pela busca da estabilização da economia,
mas também pelas privatizações de empresas estatais das áreas de comunicação e
petróleo, e pela eliminação de restrições ao capital estrangeiro. Para muitos
especialistas, a política de privatização de empresas estatais renovou o país nas áreas de
telefonia e de extração e comercialização de minérios, ponto de vista que é contestado
por representantes de outros setores da sociedade, sobretudo por partidos como PT e o
PSOL.
54
Antes de findar o primeiro mandato, em 1998, FHC articulou a Emenda à Constituição
n.º 1641, aprovada pelo Congresso, que tornou a reeleição possível no Brasil. Com tal
manobra legal, com os índices de aprovação popular elevados e a economia com sinais
positivos, reelegeu-se já no primeiro turno. Como legado dos dois mandatos de FHC,
pode-se citar a regulamentação do Programa Nacional de Renda Mínima42, a
distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV (Vírus de
imunodeficiência humana)43 e a criação dos remédios genéricos44, vendidos a preços
menores que os praticados por laboratórios tradicionais.
Por um lado, apesar das crises externas, que impactaram a economia brasileira durante
os quatro anos de seu segundo governo, o Plano Real mostrou-se forte e a inflação
manteve-se baixa. Por outro lado, o setor energético não recebeu investimentos
suficientes para impedir um colapso nas centrais hidrelétricas que ameaçou o país com a
chamada "crise do apagão"45. O racionamento de energia elétrica foi imposto e a
economia brasileira ficou estagnada por um período. Tal deficiência no setor elétrico foi
o mote de que a oposição precisava para dar cabo da era PSDB no poder.
41 BRASIL. Emenda à Constituição, nº 16, de 04 de junho de 1997. Dá nova redação ao § 5º do art. 14,
ao caput do art. 28, ao inciso II do art. 29, ao caput do art. 77 e ao art. 82 da Constituição Federal.
D.O.U. de 05/06/1997. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc16.htm. Acesso: 26/07/2017, às
00h20. 42 BRASIL. Decreto nº 3.934, de 20 de setembro de 2001.
Aprova o Regulamento do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à saúde: "Bolsa-Alimentação"
e dá outras providências. D.O.U. 21/09/2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3934htm.htm. Acesso: 26/07/2017, às 00h30. 43 BRASIL. Lei n.º 9.313, de 13 de novembro de 1996.
Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. D.O.U.
de 14/11/1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9313.htm. Acesso:
26/07/2017, às 00h28. 44 BRASIL. Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Altera a Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976,
que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de
nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. D.O.U. 11/02/1999. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9787.htm. Acesso: 26/07/2017, às 00h35. 45 Foi uma crise energética no Brasil que prejudicou o fornecimento e a distribuição de energia elétrica.
Ocorreu entre 2001 e 2002, durante o segundo mandato de FHC. Especialistas afirmam que houve muitas
causas, dentre as principais, a falta de planejamento e investimentos em geração de energia. O GLOBO.
Da falta de estrutura fez-se a ‘crise do apagão’ no Brasil do início do século XXI. Disponível em:
http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/da-falta-de-estrutura-fez-se-crise-do-apagao-no-brasil-do-
inicio-do-seculo-xxi-9396417. Acesso: 27/07/2017, às 18h50.
55
1.4.6. Lula (2003-2010)
Com a derrocada do PSDB a partir de 2002, o PT governou o Brasil. O governo petista
durou até 31 de agosto de 2016, quando a presidente Dilma Rousseff foi afastada
definitivamente da Presidência, após impeachment46 admitido e julgado procedente pela
Câmara e pelo Senado.
O PT ficou na Presidência da República por mais tempo que o PSDB. Foram dois
mandatos consecutivos de Lula e um e meio de Dilma Rousseff, todos com vitórias em
segundo escrutínio eleitoral, diferentemente de FHC, que venceu em primeiro turno nas
duas disputas das quais participou.
Em 2002, Lula venceu José Serra (PSDB); em 2006, Lula venceu Geraldo Alckmin
(PSDB); em 2010, Dilma venceu José Serra (PSDB); e, em 2014, Dilma venceu Aécio
Neves (PSDB). O PT participa das eleições presidenciais brasileiras desde 1989 e tem
na figura de Lula, ex-líder sindical, sua principal força política em âmbito nacional.
Quando ingressou na política, Lula teve seu primeiro teste eleitoral ao ser candidato a
governador de São Paulo, em 1982. Ficou em quarto lugar. Quatro anos depois, elegeu-
se deputado constituinte com votação expressiva47. Nas eleições de 1988, o PT venceu
em 37 prefeituras do país - entre elas, São Paulo, com a candidata Luiza Erundina,
primeira mulher eleita prefeita na maior e mais rica cidade do Brasil. A partir dali,
foram catorze anos de presença do PT em diferentes esferas do poder público, até a
chegada de Lula à Presidência do país, na quarta tentativa, em 2002.
46 Em 26/10/2014, Dilma (PT) foi reeleita após um confronto eleitoral acirrado com o candidato Aécio
Neves (PSDB). Antes da posse de Dilma, Aécio e líderes da oposição gravaram um vídeo, em
05/12/2014, convocando a população para um protesto e, em 18/12/2014, o PSDB protocolou no TSE um
pedido de cassação do registro da chapa Dilma-Temer pelo fato de o ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras Paulo Roberto Costa ter afirmado ao Ministério Público Federal, em colaboração premiada, que a
campanha de Dilma para a Presidência, em 2010, recebeu recursos de desvios cometidos na Petrobras, desse
modo, PT e PMDB eram os maiores beneficiários do esquema de corrupção. PASSARINHO, N. PSDB pede
a TSE cassação de Dilma e posse de Aécio como presidente. (G1). Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/psdb-pede-tse-cassacao-de-dilma-e-posse-de-aecio-como-
presidente.html. Acesso: 27/07/2017, às 19h29.
47 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Biografia de Luiz Inácio Lula da Silva – PT/SP. Deputado Federal
(Constituinte), 1987 – 1991, posse em 01/02/1987. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=106585&tipo=0.
Acesso: 26/07/2017, às 00h52.
56
O sindicalista foi definido candidato pelo partido para concorrer à presidência em 1989,
quando conseguiu chegar ao segundo turno, superando Leonel Brizola – PDT –
governador do Rio de Janeiro, e Mário Covas – presidente do recém-criado PSDB. No
segundo escrutínio, Lula perdeu o confronto para Fernando Collor de Mello – PRN. Por
sua vez, Brizola e Covas apoiaram Lula no segundo turno.
Polarizada a disputa, Collor, à época evidenciado pelo bom relacionamento que tinha
com a imprensa, sobretudo com a Rede Globo48, utilizou o espaço do HGPE para incutir
medo no eleitorado, associando o candidato Lula ao fim do direito à propriedade
privada, ao confisco de bens, às invasões de terra, à ocupação de fábricas etc., além de
divulgar testemunho de Miriam Cordeiro, ex-companheira de Lula, em que acusou o
candidato petista de ter pedido a ela que fizesse um aborto na década de 1970. Houve,
portanto, uma exploração significativa desses fatos não só no HGPE, mas também em
outras mídias, o que enfraqueceu a campanha do petista.
De sua parte, com discurso popular, Lula atingia grande parte da população, mas não
alcançava uma parcela da sociedade que, embora menor, era (e continua) dominante. O
jingle do petista era “Lula lá” e, em discursos midiatizados, combatia Collor. Este, de
outro lado, prometia reduzir os altos salários daqueles que denominava “marajás”,
assim, passou a ser conhecido como o “caçador de marajás”. No sufrágio, Collor venceu
Lula, 42,75% a 37,86% dos votos, respectivamente49.
Curioso perceber que, desde quando o segundo turno foi instaurado no país, em 198850,
a projeção feita por pesquisas de opinião51 e a exposição dos candidatos na mídia
48 À época (1989), havia especulações acerca do favorecimento da Globo ao candidato Collor,
principalmente quanto às edições nos debates realizadas pela emissora. Em entrevista ao site UOL
Notícias (15/11/2009), Collor afirma que “a boa relação com a Globo ajudou a evitar armadilhas, algo
que estivesse tentando montar contra a minha candidatura”. O candidato é dono de emissora de TV em
Alagoas filiada à Rede Globo e, à época, era governador desse estado. SEREZA, C, H. Relação com a
Globo 'ajudou bastante', lembra Collor; senador diz ter pensado, na véspera, que perderia a eleição.
(UOL). Disponível em: https://noticias.uol.com.br/especiais/eleicoes-
1989/ultnot/2009/11/15/ult9005u10.jhtm. Acesso: 26/07/2017, às 01h28. 49 TSE. Julgados históricos. Collor. Informações gerais. Disponível em:
http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/julgados-historicos/collor. Acesso: 26/07/2017, às 01h47. 50 De acordo com os artigos 28, 29, inciso II, e 77, todos da Constituição de 1988, o segundo turno
poderá ocorrer apenas nas eleições para presidente e vice-presidente da República, governadores e vice-
governadores dos estados e do Distrito Federal e para prefeitos e vice-prefeitos de municípios com mais
de 200 mil eleitores. Logo, são eleitos em uma única votação os senadores, deputados federais, deputados
estaduais e vereadores, assim como prefeitos e vice-prefeitos de municípios com menos de 200 mil
eleitores.
57
mostram a força ou a fraqueza dos candidatos, estejam à frente ou atrás numericamente,
o que pode determinar, no imaginário social, aquele que tem mais ou tem menos
condições de lograr êxito no pleito eleitoral.
Entre 1989 e 2014, cinco das sete disputas presidenciais foram para o segundo turno:
em 1989, 2002, 2006, 2010, 2014. Nos cinco casos, de acordo com pesquisas de
intenção de voto, os candidatos derrotados começaram a campanha do segundo turno
em desvantagem em relação ao vencedor. Foi o que ocorreu com o Lula em 198952,
quando disputou o segundo turno com Fernando Collor. Na ocasião, as últimas
pesquisas mostravam Collor como favorito.
De 1994 a 2014, houve um acirramento mais acentuado nas disputas para Presidente da
República. Os partidos PT e PSDB enfrentaram-se em todas as seis eleições, mas, em
duas delas (1994 e 1998), o PSDB, representado por FHC, saiu vitorioso. Já em 2002 e
2006, quando Lula (PT) disputou as eleições com José Serra (PSDB) e Geraldo
Alckmin (PSDB), respectivamente, o petista acabou saindo vitorioso das duas eleições –
teve vantagem significativa no primeiro turno e, de acordo com pesquisa Datafolha53,
feita às vésperas do segundo turno, Lula tinha 64% dos votos válidos (excluindo
brancos e nulos), contra 36% de Serra, tal previsão ficou próxima da apuração final54
feita pelo TSE, 61,3% (Lula) e 38,7% (Serra).
O PT chegou ao patamar mais alto da República em 2002, após mudar sua plataforma
de governo, realinhar suas bases e reestilizar seu discurso. Tais medidas fizeram com
que Lula mantivesse-se no poder por dois mandatos (2002-2006 / 2006-2010).
51 Os institutos de pesquisas surgiram no Brasil a partir de 1942. Entre tantos, o primeiro foi o IBOPE –
Instituto Brasileiro de Opinião Pública; o segundo foi O Instituto Gallup (1967); o terceiro foi o Datafolha
(1983); e o quarto, em 1984, foi o Vox Populi. BIROLI, F. et alii. Mídia, eleições e pesquisa de opinião
no Brasil (1989-2010): um mapeamento da presença das pesquisas na cobertura eleitoral.
(COMPOLÍTICA).Disponível: http://www.compolitica.org/revista/index.php/revista/article/viewFile/6/4.
Acesso: 02/07/2017, às 17h56. 52 DATA FOLHA. Intenção de voto presidente 1989 – 2º turno. (Folha). Disponível em:
http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/1989/12/1203337-intencao-de-voto-presidente-1989---2-
turno.shtml. Acesso: 05/10/2015, às 20h. 53DATA FOLHA. Eleições 2002 e 2006. Disponível em:
http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2002/indice-1.shtml e
http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2006/indice-1.shtml. Acesso:10/01/2014, às 14h25. 54 TSE. Eleições 2002. Disponível em: https://eleicoes.uol.com.br/2002/. Acesso: 02/07/2017, às 20h17.
58
Após perceber as mudanças sociais por que o país vinha passando, o PT buscou retratar
tais mudanças em seu discurso e em sua imagem. Em 2002, o “Lula lá” deu lugar à “Por
um país decente” e para a reeleição, em 2006, a vez era de “Lula de novo com a força
do povo”. Em 2010, era “Meu Brasil tá querendo Dilma...agora é Dilma! É a vez da
mulher”. Em 2014, era “Dilma, coração Valente”.
1.4.7. Dilma Rousseff (2011-2016)
Após muitas mudanças na política e avanços democráticos protagonizados pelo Brasil
ao eleger um operário ao cargo mais alto da República, o país fortaleceu o sistema
eleitoral, sobretudo no que cerne ao papel da mulher, aquela que ainda não havia
galgado o posto de presidente da República.
Não obstante, é válido ressaltar que dos quinhentos e treze Deputados da Câmara
Federal a maioria continua sendo do sexo masculino; no Senado, com 81 parlamentares,
o cenário é semelhante. Esse era o panorama do poder no Brasil até 2010, ano em que a
primeira mulher foi eleita presidente do Brasil.
Durante as eleições de 2010, o PT de Lula ousou lançar candidata à presidência alguém
que nunca havia concorrido a um cargo público e que, ao longo da vida política, ocupou
apenas cargos técnicos. Antes, o PT já tinha mulheres como quadros importantes no
cenário político, senadoras, deputadas, prefeitas e vereadoras. Entre os tais, Luiza
Erundina, ex-prefeita de São Paulo – atualmente no PSOL; Marta Suplicy, ex-prefeita
de São Paulo, ministra e, atualmente, senadora pelo PMDB; Marina Silva, ex-ministra
do Meio Ambiente e senadora pelo PT, atualmente é filiada à REDE Sustentabilidade,
partido que fundou visando às eleições de 2014 e 2018.
Após a queda de José Dirceu – ex-ministro da Casa Civil nos governos Lula, acusado de
orquestrar o “mensalão”, Lula, que havia posicionado Dilma em cargos de maior
visibilidade no governo federal, entre eles o de Ministra de Minas e Energia, percebeu a
importância de empossar Dilma ao cargo de Ministra Chefe da Casa Civil, cargo que
deu a ela muito destaque.
59
Dilma foi apresentada pelo presidente Lula ao povo brasileiro em um evento público no
complexo do Alemão, em março de 2008, no Rio de Janeiro, durante lançamento de
obras, como “mãe do PAC”55. Tal ocasião marcou, definitivamente, após várias
especulações, Dilma candidata à Presidência da República do Brasil, dois anos antes das
eleições.
Segundo Amaral (2011), Dilma conciliava seu trabalho diário com os diversos pedidos
de entrevistas e especulações sobre projetos de governo, até que, em maio de 2009,
notícias estampadas nos jornais revelavam que Dilma estava sendo submetida a um
tratamento contra um câncer. Após se recuperar totalmente do câncer, Dilma investiu
em sua candidatura, a começar por sua imagem. Retocou o corte e a cor dos cabelos, fez
alguns procedimentos estéticos e intensificou as caminhadas diárias. Tratava-se de um
recomeço. Tal recomeço estava relacionado à sua vida pessoal, uma vez que, na vida
política, seria um começo, pois se tratava da primeira vez que disputaria uma eleição.
Se o PT já tinha Dilma como candidata, o PSDB tinha Serra, candidato que participou
do governo Montoro (São Paulo), foi Ministro da saúde no governo FHC, governador
do estado de São Paulo e prefeito da cidade de São Paulo. Os tucanos (como são
chamados os membros do PSDB) estavam confiantes que Dilma não chegaria nem perto
dos altos índices que apontavam a vitória de Serra, já no primeiro turno. Segundo
Amaral (2011, p. 225), para o PSDB, ele (Serra) era o candidato mais preparado, e
Dilma, uma iniciante, ou como os tucanos a chamavam, um “poste de Lula”.
Com a disputa mais acirrada nos dias que antecederam as eleições, a campanha de 2010
foi marcada por resvalos do “mensalão”56, mas o fato de a candidata do PT nunca ter
disputado uma eleição foi ainda mais estampado nas propagandas eleitorais tucanas.
Dilma foi taxada de “poste” pela oposição, imagem que serviu de mote para Lula que,
durante seus pronunciamentos nas propagandas eleitorais petistas, dizia que “de poste
em poste, vamos iluminar o Brasil”, em alusão aos avanços obtidos no governo Lula,
55 REUTERS. Lula apresenta Dilma como mãe do PAC em favelas do Rio. Disponível em:
https://br.reuters.com/article/companyNews/idBRN0733097220080307. Acesso: 24/08/2016, às 18h20. 56 NUNOMURA, E.Y. O mensalão impresso: o escândalo político-midiático do governo Lula nas
páginas de Folha e Veja. Dissertação de Mestrado. ECA, USP, São Paulo, 2012. Disponível em:
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-18122012-125216/publico/EN.pdf
60
por exemplo, com o programa “Luz para todos”, que beneficiou milhões de brasileiros
em todo o país.
Não foi só o apadrinhamento de Lula que garantiu a campanha vencedora de Dilma,
houve também um amplo arco de alianças político-partidárias, a fim de garantir
condições políticas e de sustentação da candidata no processo políticoeleitoral. De
acordo com Amaral (2011), assim como ocorreu em eleições passadas, quando Lula era
candidato, a oposição passou a querer incutir na opinião pública que, se Dilma fosse
eleita em 2010, o aborto seria liberado, igrejas seriam fechadas etc. Todos esses ataques
resvalaram nos números de pesquisas, de diversos institutos. A candidata do PT perdia
pontos. Diante disso, mais uma vez, Lula posou para as câmeras e, com semblante
austero, afiançou a candidata de seu partido no HGPE.
As eleições presidenciais de 2010 agitaram o contexto político nacional. Os problemas
que cercavam o governo Lula, “mensalão” entre os piores, e o fato de assuntos pontuais,
tais como aborto e a inexperiência da candidata, serem difundidos na grande mídia, fez
abrir brechas para que os adversários políticos atacassem a candidata do PT. Mesmo
assim, todos os ataques não fizeram frente o bastante para tirar da lembrança do eleitor
o imaginário de que havia bom desenvolvimento do país, sobretudo do ponto de vista
econômico, proporcionado durante o governo de Lula.
Naquele momento, não importava quem era a candidata, desde que Lula fosse o
avalista. Dilma venceu seu adversário político (José Serra), no segundo turno, com
55.752.52957 votos, doze milhões a mais que Serra. Segundo Amaral (2011, p. 302):
não era apenas a primeira mulher a conquistar a presidência da
República, num país onde a presença feminina nas lutas sociais é
marcante, mas sua representação política nunca chegou a 10% das
cadeiras do Congresso. Dilma era também a primeira representante da
geração que se formou no combate à ditadura a conquistar o poder em
eleições livres, as primeiras que ela disputou nos 63 anos de vida que
ia completar em 14 de dezembro, duas semanas antes de assumir o
comando do país.
57 TSE. Eleitor e eleições. Disponível em http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/eleicoes-
2010. Acesso em 23/11/2012.
61
No primeiro turno da eleição de 201058, a candidata do PT à Presidência, Dilma
Rousseff, também estava à frente de seu opositor no primeiro turno, recebeu 46,91%
dos votos válidos, contra 32,61% de José Serra (PSDB). Em 201459, não foi diferente,
no primeiro turno, Dilma Rousseff ficou com 41,59% dos votos válidos (43.267.668) e
Aécio Neves (PSDB) com 33,55% dos votos válidos (34.897.211).
1.4.8. Históricos de Aécio Neves e Dilma Rousseff
A seguir, reproduzimos breve histórico dos candidatos60 que visa a situá-los como
figuras públicas e candidatos políticos.
Aécio Neves da Cunha
Foto: Flickr
Natural de Belo Horizonte, Aécio Neves da Cunha nasceu em 10 de
março de 1960. Formado em Economia pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), começou sua carreira política
como secretário pessoal do avô Tancredo Neves - presidente da
República eleito em 1985 pelo Colégio Eleitoral, morto antes de tomar
posse. Um ano depois da morte do avô, Aécio elegeu-se deputado
federal constituinte.
Em 1990, já filiado ao PSDB, conquistou seu segundo mandato na
Câmara. Dois anos depois, concorreu, sem sucesso, à eleição para a
Prefeitura de Belo Horizonte. Em seu terceiro mandato como
deputado federal, tornou-se líder da bancada do seu partido.
58 FOLHA DE SÃO PAULO. Eleições 2010 - Apuração – 1º turno. Disponível em:
http://eleicoes.folha.uol.com.br/2010/1turno/apuracao-presidente.shtml. Acesso: 10/01/2014, às
14h55. 59 ________________. Eleições 2014 – Apuração – 1º turno. Disponível em:
http://eleicoes.folha.uol.com.br/2014/1turno/presidente/br.shtml. Acesso: 05/04/2015, às 15h22. 60 ULTIMO SEGUNDO. Aécio Neves e Dilma Rousseff. (IG). Disponível em:
http://ultimosegundo.ig.com.br/aecio-neves/53ea210f08ec508e570000a4.html e
http://ultimosegundo.ig.com.br/dilma-rousseff/53e8e018a5fea40938000077.html. Acesso: 10/05/2017, às
18h35.
62
Em 2001, em uma articulação que contou com a ajuda do então
ministro da Saúde José Serra, apresentou-se como candidato à
presidência da Câmara à revelia do PFL (atual DEM), principal aliado
do governo Fernando Henrique Cardoso. Eleito, tomou medidas,
como a criação do Conselho de Ética, que ajudaram a pavimentar seu
nome para a disputa do governo de Minas Gerais.
Eleito duas vezes no primeiro turno e com a maior taxa de aprovação
entre governadores em 2009, foi cotado para disputar a vice-
presidência na chapa de Serra em 2010, mas recusou o convite. No
mesmo ano, foi eleito senador.
Dilma Vana Rousseff
Foto: Site oficial do Palácio do Planalto
Dilma Vana Rousseff nasceu em Belo Horizonte em 14 de dezembro
de 1947. Iniciou sua militância política aos 16 anos e ingressou na luta
armada contra a ditadura militar. Foi presa em 1970 por quase três
anos e submetida à tortura. Após deixar a prisão, Dilma mudou-se
para Porto Alegre e formou-se em Economia na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em 1980, ajudou a fundar o PDT, legenda a qual permaneceu filiada
até 2001, quando entrou para o PT. Durante a campanha de 2002, que
levou Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, Dilma ganhou destaque
na equipe responsável por formular o plano do governo na área
energética. Foi convidada então a ocupar a pasta de Minas e Energia
em 2003. Permaneceu no cargo até 2005, quando substituiu José
Dirceu, atingido pelo escândalo do mensalão, na Casa Civil.
Em 2009, revelou que se submetera a tratamento contra um linfoma
descoberto em exame de rotina. Após sessões de radioterapia e
quimioterapia, anunciou que estava curada do câncer. Meses depois,
teve sua candidatura à Presidência oficializada pelo PT.
Dilma comandou uma extensa campanha pelo País, tendo Lula como
seu principal cabo eleitoral. Viu a disputa ser levada ao segundo turno
em meio a denúncias envolvendo Erenice Guerra, sua antiga auxiliar e
então ministra da Casa Civil. Na segunda etapa da votação, Dilma
confirmou seu favoritismo e se tornou a primeira presidente mulher do
Brasil.
63
1.5. Mídia: espaço privilegiado na disputa política
Gregolin (2007) afirma que aquilo que os textos da mídia oferecem não é a realidade,
mas uma construção que permite ao leitor produzir formas simbólicas de representação
da sua relação com a realidade concreta. Ainda, segundo a autora:
Na sociedade contemporânea, a mídia é o principal dispositivo
discursivo por meio do qual é construída uma “história do presente”
como um acontecimento que tensiona a memória e o esquecimento. É
ela, em grande medida, que formata a historicidade que nos atravessa
e nos constitui, modelando a identidade histórica que nos liga ao
passado e ao presente. Esse efeito de “história ao vivo” é produzido
pela instantaneidade da mídia, que interpela incessantemente o leitor
através de textos verbais e não-verbais, compondo o movimento da
história presente por meio da ressignificação de imagens e palavras
enraizadas no passado. Rememoração e esquecimento fazem derivar
do passado a interpretação contemporânea, pois determinadas figuras
estão constantemente sendo recolocadas em circulação e permitem os
movimentos interpretativos, as retomadas de sentidos e seus
deslocamentos. Os efeitos identitários nascem dessa movimentação
dos sentidos. (GREGOLIN, 2007, p. 16).
A mídia é um espaço privilegiado para aqueles que dominam tal território, uma vez que
os discursos que lá circulam utilizam estratégias discursivas capazes de transformar o
irreal em real, o falso em verdadeiro, tudo isso, segundo Gregolin (2007), baseados em
técnicas como a confissão (reportagens, entrevistas, depoimentos, cartas, pesquisas),
que operam um jogo em que se constituem identidades baseadas no regramento de
saberes sobre a utilização que as pessoas devem fazer de seu corpo, de sua vida. Nesse
sentido, Gregolin assevera que:
Podemos enxergar essa rede de discursos tomando alguns exemplos
de propagandas, veiculadas na grande mídia brasileira, com base nas
quais institui-se a subjetivação tanto nas práticas que propõem a
modelagem do corpo como na construção dos lugares a serem
ocupados por homens e mulheres na sua relação com os outros.
Articuladas a outros enunciados que com elas dialogam nos meios de
comunicação, essas propagandas são verdadeiros dispositivos por
meio dos quais instalam-se representações, forjam-se diretrizes que
orientam a criação simbólica da identidade. (GREGOLIN, 2007, p.
18).
64
Nas eleições para presidente do Brasil, a partir dos anos 1980, os líderes políticos
passaram a agregar identidades coletivas e que puderam ser identificadas pelo eleitor,
independentemente da filiação partidária do candidato. A relação dos candidatos com o
eleitor passou a ser configurada via mídia, principalmente pela televisão, que se
instituíra como um dos principais cenários de representação política, sobretudo após a
regulamentação do HGPE.
Não obstante, segundo aponta Carvalho (1990, p. 17), na República Velha (1894),
apenas cerca de 2% da população votava; em 1922, eram 833.270 os eleitores, o que
correspondia a 2,9% da população; em 1930, eram apenas 5,6% da população, ou seja,
1.890.805 de eleitores. Se comparado aos dados de eleições mais recentes. Carvalho
ainda assevera que esses percentuais parecem irrisórios quando comparados com os
dados de eleições mais recentes.
Nesse cenário, tendo em vista o crescente papel da mídia no campo político, os eleitores
passam a aderir às candidaturas com mais volatilidade, ou seja, a mídia se tornou o
principal meio de informação política, haja vista sua atuação como promotora de
debates e propagadora de pesquisas de opinião e de intenção de voto. Os debates, antes
restritos ao âmbito interno dos partidos políticos, ganharam visibilidade na mídia. Até
as disputas internas dos partidos passaram a ser exploradas com mais frequência nos
órgãos de imprensa.
Esse cenário é atual. As campanhas políticas pelos meios de comunicação de massa são
recentes. Sua expansão confunde-se com a chegada da televisão entre as décadas de
1950 e 1970. Desde o período de redemocratização, nos anos 1980, é percebida a
influência da mídia, marcadamente a televisiva, nas campanhas políticoeleitorais, pois
estão cada vez mais marcadas por um alto grau de profissionalização, com propagandas
midiatizadas que atraem os eleitores por meio de recursos da mídia, espaço privilegiado
da disputa.
Após o início do HGPE, em 1962, boa parte dos eleitores tomou conhecimento dos
candidatos e decidiram em quem votar. O HGPE é um espaço garantido por lei para os
partidos apresentarem gratuitamente as suas propagandas. No entanto, sabe-se que, há
65
algum tempo, são contratados especialistas em marketing e publicidade para tornar as
campanhas cada vez mais profissionais e atrativas para o eleitor.
Durante o HGPE, o candidato pode dirigir-se aos eleitores de maneira individual ou
coletiva; discursar para um grande público; atacar um adversário; veicular mensagens
de apoio de seus aliados ou discursos pontuais de seus adversários; utilizar repórteres e
atores em cenários ficcionais.
Nas eleições para presidente do Brasil, a partir dos anos 1980, os líderes políticos
passaram a agregar identidades coletivas que podem ser identificadas pelo eleitor,
independentemente da filiação partidária do candidato, como liderança carismática, ou
seja, como candidato político em que se deve votar. A relação dos candidatos com os
eleitores passou a ser configurada via mídia, principalmente pela televisão. A campanha
eleitoral de 2014 teve a mídia como eixo do processo, sobretudo por causa do tempo de
propaganda eleitoral na TV e no rádio. Conforme dados da Tabela 2, no primeiro turno
das eleições de 2014 – de 19/08 a 02/10 –, a coligação encabeçada pelo PSDB (Muda
Brasil) teve 04min35s ante 11min24s da coligação encabeçada pelo PT (Coligação com
a força do povo). No segundo turno – de 10/10 a 24/10 –, cada coligação teve 10min.
Na era da internet, época em que as redes de relacionamento repercutem discursos,
sobretudo políticos, é comum ver mobilizações de grandes proporções em várias partes
do mundo. No Brasil, tal fenômeno ganhou forma substancial em 2013, durante as
manifestações que reivindicavam a redução dos preços das passagens de transporte
público em várias cidades do país, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. De
acordo com Souza:
No caso do MPL-SP, a reinvindicação que perdura há mais de oito
anos está relacionada à diminuição da tarifa do transporte público.
Desde 2006, o MPL-SP mobiliza-se para barrar os aumentos no preço
das tarifas, entretanto, só em 2013 que o movimento logrou êxito. Tal
ação teve um efeito ‘jurisprudencial’, pois interveio na tomada de
decisão dos órgãos públicos de várias regiões do Brasil, não só em
São Paulo. (SOUZA, 2015, p. 149).
O portal Facebook.com, dentre outros, foi o suporte encontrado por manifestantes para
promoção de datas, horários e locais das manifestações em São Paulo e no resto do país.
66
Segundo especialistas, manifestações em outros países podem ter influenciado os
cidadãos brasileiros a utilizarem a tal ferramenta, tão acessível e abrangente. Souza
(2015, p. 158) assevera que, se permanecesse reclusa ao ambiente virtual, a ‘nova rede
social’ não teria o êxito que teve, pois, embora visualizada por diferentes grupos sociais,
uma rede, para ser legitimada pela instância política, precisa estar presente, de alguma
maneira, sobretudo com exposição midiática, nas ruas, para poder intervir na pauta de
políticas públicas do Estado.
O discurso dos movimentos, ressoados pelo MPL-SP, por exemplo, ressignificou a
forma com que a instância cidadã lida com as instâncias midiática e política, pois os
próprios manifestantes, sem necessidade de mobilizar canais de televisão, divulgaram
suas ideias e obtiveram adesão expressiva da população. Desse modo, não se pode
olvidar que a mídia, na sociedade contemporânea, veicula representações que
atravessam diferentes esferas sociais e que são materializadas em variados gêneros de
discurso, com o propósito de subjetivar a relação dos cidadãos com suas próprias
convicções, principalmente políticas e culturais. Deleuze et alii (1976) assevera que a
subjetividade é a matéria-prima de toda produção, logo, nas palavras de Gregolin
(2007), é consumidora de sistemas de representação, de sensibilidades. Nesse sentido, a
subjetividade, potencializada pela força da mídia, circula discursos que regulamentam o
comportamento das pessoas e o estado das coisas.
1.6. Eleições 2014: a cena política
Os discursos dos dois presidenciáveis que foram ao segundo turno na campanha
eleitoral que ocorreu no ano 2014 intensificaram a polarização histórica entre PT e
PSDB devido ao acirramento de posicionamentos, sobretudo em função dos
desdobramentos da Lava Jato. Nesse sentido, mostra-se relevante não só entender a
operação Lava Jato, mas também o movimento político nas redes sociais que motivaram
manifestações populares em todo o Brasil em 2013. Esse cenário ficará marcado na
memória e na história dos brasileiros como um divisor de águas nas relações entre
políticos e cidadãos.
67
O termo “Lava Jato” surge após uma investigação da PF que encontrou uma rede de
postos de combustíveis e de lava a jato de automóveis utilizada para movimentar
recursos ilícitos pertencentes a organizações criminosas. Segundo o site do MPF 61:
a operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem
de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos
desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa
de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política
dos suspeitos de participar do esquema de corrupção que envolve a
companhia.
No primeiro momento da investigação, desenvolvido a partir de março
de 2014, perante a Justiça Federal em Curitiba, foram investigadas e
processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros,
que são operadores do mercado paralelo de câmbio. Depois, o
Ministério Público Federal recolheu provas de um imenso esquema
criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras.
Nesse esquema, que dura pelo menos dez anos, grandes empreiteiras
organizadas em cartel pagavam propina para altos executivos da
estatal e outros agentes públicos. O valor da propina variava de 1% a
5% do montante total de contratos bilionários superfaturados.
De acordo com o MPF, o esquema de suborno era orquestrado por meio de operadores
financeiros do esquema, incluindo doleiros investigados na primeira etapa, empreiteiras,
funcionários da Petrobras e agentes políticos. De acordo com o MPF, o esquema
corrupto se organizava da seguinte maneira:
As empreiteiras - Em um cenário normal, empreiteiras concorreriam
entre si, em licitações, para conseguir os contratos da Petrobras, e a
estatal contrataria a empresa que aceitasse fazer a obra pelo menor
preço. Neste caso, as empreiteiras se cartelizaram em um “clube” para
substituir uma concorrência real por uma concorrência aparente. Os
preços oferecidos à Petrobras eram calculados e ajustados em reuniões
secretas nas quais se definia quem ganharia o contrato e qual seria o
preço, inflado em benefício privado e em prejuízo dos cofres da
estatal. O cartel tinha até um regulamento, que simulava regras de um
campeonato de futebol, para definir como as obras seriam distribuídas.
Para disfarçar o crime, o registro escrito da distribuição de obras era
feito, por vezes, como se fosse a distribuição de prêmios de um bingo.
Funcionários da Petrobras - As empresas precisavam garantir que
apenas aquelas do cartel fossem convidadas para as licitações. Por
isso, era conveniente cooptar agentes públicos. Os funcionários não só
61 Conforme o site do MPF, o nome “Lava Jato” decorre do uso de uma rede de postos de combustíveis e
lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações
criminosas inicialmente investigadas. Embora a investigação tenha avançado para outras organizações
criminosas, o nome inicial se consagrou. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Caso Lava Jato.
Disponível em: http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso. Acesso: 04/09/2017, às 15h.
68
se omitiam em relação ao cartel, do qual tinham conhecimento, mas o
favoreciam, restringindo convidados e incluindo a ganhadora dentre as
participantes, em um jogo de cartas marcadas. Segundo levantamentos
da Petrobras, eram feitas negociações diretas injustificadas,
celebravam-se aditivos desnecessários e com preços excessivos,
aceleravam-se contratações com supressão de etapas relevantes e
vazavam informações sigilosas, dentre outras irregularidades.
Operadores financeiros - Os operadores financeiros ou
intermediários eram responsáveis não só por intermediar o pagamento
da propina, mas especialmente por entregar a propina disfarçada de
dinheiro limpo aos beneficiários. Em um primeiro momento, o
dinheiro ia das empreiteiras até o operador financeiro. Isso acontecia
em espécie, por movimentação no exterior e por meio de contratos
simulados com empresas de fachada. Num segundo momento, o
dinheiro ia do operador financeiro até o beneficiário em espécie, por
transferência no exterior ou mediante pagamento de bens.
Agentes políticos - Outra linha da investigação – correspondente à
sua verticalização – começou em março de 2015, quando o
Procurador-Geral da República apresentou ao Supremo Tribunal
Federal 28 petições para a abertura de inquéritos criminais destinados
a apurar fatos atribuídos a 55 pessoas, das quais 49 são titulares de
foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”). São pessoas que
integram ou estão relacionadas a partidos políticos responsáveis por
indicar e manter os diretores da Petrobras. Elas foram citadas em
colaborações premiadas feitas na 1ª instância mediante delegação do
Procurador-Geral. A primeira instância investigará os agentes
políticos por improbidade, na área cível, e na área criminal aqueles
sem prerrogativa de foro.
Essa repartição política revelou-se mais evidente em relação às
seguintes diretorias: de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto
Costa entre 2004 e 2012, de indicação do PP, com posterior apoio do
PMDB; de Serviços, ocupada por Renato Duque entre 2003 e 2012, de
indicação do PT; e Internacional, ocupada por Nestor Cerveró entre
2003 e 2008, de indicação do PMDB. Para o PGR, esses grupos
políticos agiam em associação criminosa, de forma estável, com
comunhão de esforços e unidade de desígnios para praticar diversos
crimes, dentre os quais corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Fernando Baiano e João Vacari Neto atuavam no esquema criminoso
como operadores financeiros, em nome de integrantes do PMDB e do
PT.
Em 2013, antes do início da Lava Jato, milhões de brasileiros foram às ruas para
protestar contra o aumento das passagens de ônibus, sobretudo em São Paulo, onde o
MPL-SP62 e outros movimentos, como o VemPraRua63, enquanto atores sociais, mesmo
62 Segundo o site do Movimento Brasil Livre – MBL, ele é uma organização não governamental de
ativismo político. MOVIMENTO BRASIL LIVRE. Sobre o MPL-SP. Disponível em: https://mbl.org.br/.
Acesso: 02/09/2017, às 11h34. 63 Segundo o site do VemPraRua, ele é um movimento suprapartidário, democrático e plural que surgiu
da organização espontânea da sociedade civil para lutar por um Brasil melhor. VEMPRARUA. Sobre o
Movimento. Disponível em: http://www.vemprarua.net/sobre-nos/. Acesso: 02/09/2017, às 11h55.
69
sem líderes políticos declarados em seus sites e em nenhuma outra fonte a que tivemos
acesso, revelaram-se novas formas de representação política no Brasil.
O discurso do MPL ressignificou a forma de representação política no Brasil, ou seja,
inaugurou um novo tipo de representação que não depende da chancela de partidos
políticos, nem de vitórias em eleições para mobilizar a sociedade para o estabelecimento
de uma agenda divergente daquela pautada pelo poder público.
Na atualidade, considerando os atos reivindicatórios que ocorreram no Brasil, sobretudo
nos últimos três anos (2013-2016), o termo ‘rede social’ assume o sentido de ‘uma
organização sem vínculos oficiais com o Estado’ que, por meio do
agrupamento/mobilização, primeiramente virtual, depois físico, de indivíduos de vários
setores da sociedade, promove ações visando à tomada de decisão dos órgãos do Estado.
Nesse sentido, o Estado e os cidadãos são, portanto, atores no jogo político e articulam-
se em variadas cenas. Para Marques (2006, p. 18), uma estrutura de poder pode ser
estabelecida a partir de um conjunto articulado de atores, posições relativas de poder e
instrumentos para exercê-lo. Com a busca pela instalação de um cenário político
democrático, a partir de 1964, o Brasil teve uma ampliação da presença da sociedade
civil nas políticas públicas, o que, para Avritzer (2007), causou o crescimento das
chamadas instituições participativas.
O aumento da participação civil nas políticas públicas do Estado gerou,
inevitavelmente, a criação de movimentos que reivindicam melhorias e investimentos
em diversas áreas, como assistência social, saúde e transporte urbano. Para serem
legitimadas suas propostas políticas, os indivíduos passaram a ter representantes que,
após autorização da instância cidadã, validam-se nos órgãos do Estado. Essa busca por
legitimidade esbarra em burocracias ou más gestões, o que faz com que a instância
cidadã realize protestos, passeatas e carreatas.
É fato que a revolução tecnológica que aconteceu nas últimas décadas possibilitou mais
projeção e notoriedade aos movimentos organizados pela instância cidadã, sobretudo
com o surgimento de aplicativos que permitem o relacionamento virtual. A instância
midiática, que outrora tinha o papel exclusivo de mediadora e promotora dos debates
70
entre os atores das instâncias política e cidadã, passou a repercutir manifestações
organizadas em outros suportes digitais, como facebook.com e twitter.com, suportes que
viabilizaram sua mobilização sem intermediações. Nesses domínios, a instância cidadã
inscreve e agrupa, sem censura ao seu conteúdo, adeptos que darão corpo e voz à rede
social que anseiam formar. O MPL-SP é produto dessa da nova configuração das
relações sociais. Hoje, a interação acontece em rede, e o discurso, que já preconiza ação,
movimenta ainda mais a política, a mídia e a sociedade.
71
CAPÍTULO II
A ANÁLISE DO DISCURSO E SUAS FRONTEIRAS
2.1. Do discurso à Análise do Discurso: filiações históricas
Iniciamos este capítulo propondo uma retomada das noções do termo ‘análise do
discurso’ para, depois, situar sua produção atual. O termo surgiu nos Estados Unidos, no
ano de 1952, quando Zallig S. Herris, em artigo intitulado “Discourse Analysis”,
afirmou que ‘discurso’ designava uma unidade linguística constituída de frases, o que
indicava que discurso era sinônimo de texto. Harris trabalhava a linguística numa
perspectiva estruturalista, visão que o enveredava a tratar de discurso como uma
decomposição do texto, de modo que a parte interior fosse separada da parte exterior, ou
seja, a depender da finalidade da análise, o analista poderia (des)considerar a parte
exterior.
Hoje, os trabalhos com o discurso comumente tomam como ponto de partida a
Linguística que inscreve os estudos do discurso no âmbito das ciências da linguagem,
transformando-as em um ponto de cruzamento com as ciências humanas e sociais. A
Análise do Discurso modifica-se de acordo com as transformações que ocorrem na
comunicação humana. A AD se constituiu progressivamente como disciplina a partir
dos anos 1960.
É fato que a AD nos permite compreender os sentidos e interpretá-los a partir de uma
relação que se estabelece entre o discurso e sua exterioridade, retomando aquilo que já
foi dito. Maingueneau (2007) afirma que, quando se fala em AD, não é possível mais
ignorar que ela se aplica a trabalhos de inspirações muito diferentes em todo o mundo,
pois ela permanece extremamente variável. Segundo o autor:
[...] na era do e-mail e da mobilidade dos pesquisadores, os recortes
geográficos e intelectuais tradicionais devem transigir com redes de
afinidades científicas que desconhecem fronteiras e que modificam
profundamente as linhas de partilha epistemológica. Em análise do
discurso, como em outros domínios, a transformação dos modos de
72
comunicação modificou em profundidade as condições de exercício da
pesquisa. (MAINGUENEAU, 2007, p. 17).
Como se pode ver, a AD não existe para preencher, simplesmente, um espaço vago na
linguística do sistema, como se a uma linguística da “língua” acrescentássemos uma
linguística da “fala”. Maingueneau (2007) assevera que a AD parte da noção de que as
disciplinas são complementares e atendem ao propósito de analisar um dado discurso,
uma vez que este não é estanque, mas ligado a diferentes posicionamentos e condições
de produção. Desde 1960, parte dos grandes inspiradores da AD não é formada por
linguistas, mas por antropólogos (Hymes), sociólogos (Garfinkel, Sacks) e também
filósofos, provavelmente preocupados com a linguística (Pêcheux e Foucault). Segundo
Maingueneau (2007, p. 18):
O discurso somente se torna verdadeiramente objeto de um saber se
ele for assumido por diversas disciplinas que possuem cada uma um
interesse específico: sociolinguística, teorias da argumentação, análise
do discurso, análise da conversação, análise crítica do discurso etc.
Grosso modo, o interesse da AD é o de apreender o discurso como intricação de um
texto e de um lugar social, o que torna seu objeto aquilo que une, por meio de um
dispositivo de enunciação específico, a organização textual e a situação de
comunicação, o social e o linguístico, o interno e o externo do discurso. A AD estuda a
utilização da linguagem nas situações reais de comunicação, já que as interações sociais
são responsáveis por determinar as escolhas de linguagem feitas pelos coenunciadores.
Não é possível, portanto, buscar conceituações restritivas sobre o que vem a ser a
disciplina, já que a AD não é uma vertente da análise conversacional, tampouco uma
evolução da Linguística Textual.
Não obstante, na década de 1960, concomitante ao surgimento da AD, e à influência da
pragmática, surgia a Linguística Textual, disciplina que buscava analisar, além da frase,
as regularidades e exterioridades do texto. Tais estudos, em grande monta, contribuíram
para o entendimento da estruturação dos textos. Em 1966, houve publicações que, mais
tarde, influenciariam consubstancialmente os estudos sobre o discurso, a saber: As
palavras e as coisas, de Foucault (2002); Escritos, de Lacan (1998); Crítica e verdade,
73
de Barthes (2007); Semântica estrutural, de Greimas (1973); Problemas de linguística
geral, de Benveniste (1989).
A década de 1960, dada a produção profícua nos campos da língua e da linguagem, foi
crucial para o engendramento da AD, principalmente na França, país em que, no ano de
1969, uma revista de considerável prestígio, de nome Langages, sob a responsabilidade
do linguista Jean Dubois, dedicou uma de suas publicações (número 13), a um campo
denominado ‘novo’: análise do discurso.
Nesse mesmo período, o filósofo Pêcheux apoiava-se no marxismo, na psicanálise de
Lacan e na linguística estrutural de Saussure para elaborar a análise psicanalítico-
político-epistemológica, ou seja, decompunha os textos para revelar a ideologia a que
estavam subordinados. Diferentemente de Pêcheux, Foucault não considerava que o
discurso tivesse uma relação direta com o uso da língua, pois o enunciado, como
acontecimento, tinha regras e práticas que o regulavam em diferentes períodos da
história, de modo que o que se depreenderia não era um inconsciente textual, mas os
efeitos de sentido possíveis na imbricação do texto com as condições de sua existência e
com os outros enunciados que podem estar filiados a ele. Maingueneau (2015)
considera que os dois filósofos são filiados ao que se denomina ‘teoria do discurso’.
O período a que nos referimos anteriormente pode ser considerado o de fundação da
AD. Destacam-se pesquisas de Charaudeau (1983; 1997) sobre as mídias; de
Maingueneau (1984; 1993) sobre os discursos religioso e literário; de Moirand (1988)
sobre o discurso científico. Tais pesquisas focalizaram a noção de gênero do discurso,
com base nas teorias da enunciação e situaram a AD como uma disciplina que passou a
analisar o discurso num quadro metodológico comum e numa perspectiva
interdisciplinar.
Em princípio, de acordo com Maingueneau (2015), a AD, já na França, tinha uma
predileção pelo discurso político da esquerda francesa. Depois, o conceito de formação
discursiva modificava o objeto de análise da AD, na medida em que a formação
discursiva era responsável por determinar aquilo que podia ou não ser dito por um
sujeito que ocupava determinado papel social, em determinado momento histórico. No
fim dos anos 60 e início da década de 1970, procurava-se colocar em evidência as
74
particularidades de formações discursivas, o discurso comunista, socialista etc.,
propostas por Foucault (2008), para quem as formações discursivas devem ser
consideradas:
[...] um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas
no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma
área social, econômica, geográfica ou linguística, dadas as condições
de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 2008, p. 97)
A AD, na atualidade, apreende o discurso como intricação de um texto e um lugar
social, o que torna seu objeto aquilo que une, por meio de um dispositivo de enunciação
específico, a organização textual e a situação de comunicação. Segundo Maingueneau:
Esse dispositivo pertence, simultaneamente, ao verbal e ao
institucional: pensar os lugares independentemente das palavras que
eles autorizam, ou pensar as palavras independentemente dos lugares
com os quais elas estão implicadas significaria permanecer aquém das
exigências que fundam a análise do discurso. (MAINGUENEAU,
2007, p. 18)
Para a AD, é na relação da linguagem com o social que o sujeito tem um enunciador
constituído e que pode ser totalmente distinto do sujeito empírico. Nas palavras de
Nascimento (2013, p. 14):
A AD postula o discurso como uma construção linguística em suas
condições de produção, integrando, por conseguinte, a história e o
sujeito, categorias imprescindíveis de apreensão a quem se candidata a
discutir relações entre textualidade e discursividade.
Desse modo, faz-se necessário recorrer à materialidade linguística e relacioná-la às
condições sócio-históricas de produção, no momento de depreensão dos efeitos de
sentido do discurso, quando as categorias carisma e de ethos discursivo são desveladas
no discurso do candidato político, que assume, no dito, uma imagem de si estereotipada
e/ou idealizada e que é capaz de projetar um carisma pronto para mobilizar o co-
enunciador para aderir ao discurso e incorporá-lo às suas formações discursivas.
75
2.2. Da noção de Discurso à de Interdiscurso
A AD entende o discurso como prática social. Segundo Maingueneau64, trata-se de uma
disciplina empírica, pois modifica suas hipóteses de análise de acordo com a evolução
dos diferentes tipos de discursos que circulam na sociedade e com as transformações
nos modos de comunicação. O discurso, objeto de análise da AD, ocorre socialmente por
meio de uma materialidade específica, a língua. Nessa materialidade, manifesta-se o
interdiscurso. A AD considera a interdiscursividade como o lugar dos efeitos de sentido,
ou seja, é onde ocorre o atravessamento dos campos discursivos e os jogos de falsa
aparência.
Em Maingueneau (2008a), é apresentada uma análise de discursos de uma época de
embates sobre a Reforma Protestante e a Contrarreforma Católica, portanto, o campo
religioso era o quadro de referência obrigatório aos debates ideológicos. O autor
apresenta dois discursos devotos que, à época, meados do século XVII, mantinham uma
relação polêmica: o humanismo devoto e o jansenismo. Ambos pretendiam ensinar aos
fiéis quais comportamentos deveriam adotar para se enquadrarem aos pressupostos
cristãos convencionados pela sociedade.
Influenciado por Foucault, Maingueneau (2008a, p. 19) entende que discurso é uma
dispersão de textos, cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço
de regularidades enunciativas. Ainda, de acordo com Maingueneau (2008a, p. 19), é
preciso pensar ao mesmo tempo a discursividade como dito e como dizer, enunciado e
enunciação.
A noção de formação discursiva, a qual Maingueneau (2006) desloca para
posicionamento ideológico, é fundamental para a apreensão de efeitos de sentido de um
dado discurso, porque as vivências e a historicidade do enunciador devem ser
consideradas, quando da análise de seu discurso, uma vez que o lugar do qual ele fala
interfere na enunciação, bem como o lugar de onde se o ouve.
64 Palestra proferida pelo Professor Dominique Maingueneau no I CITeD realizado na UNESP-ASSIS em
16/05/2011. Disponível em: http://www.gedunesp.com/i-cited. Acesso: 04/08/2015, às 16h30.
76
O autor propõe, então, que o discurso é, ao mesmo tempo, linguístico e histórico. Muito
por isso, o discurso sofre, nessa imbricação, atravessamentos que o constituirão. Nesse
sentido, Maingueneau (2008, p. 20) assevera que a categoria Interdiscurso precede o
discurso [...]. A unidade de análise pertinente é um espaço de trocas entre vários
discursos convenientemente escolhidos. Em consequência disso, Maingueneau amplia a
concepção de ‘competência’ dada por Chomsky (1978), para o qual a aquisição de uma
língua dá-se de forma inata por parte do ser humano e, ao longo do tempo, esse ser
pode, criativamente, criar enunciados inéditos. De acordo com Maingueneau:
no quadro do espaço discursivo, a competência deve ser pensada
como competência interdiscursiva; o que supõe: a aptidão para
reconhecer a incompatibilidade semântica de enunciados da ou das
formação(ões) do espaço discursivo que constitui(em) seu Outro; a
aptidão de interpretar, de traduzir esses enunciados nas categorias de
seu próprio sistema de restrições (MAINGUENEAU, 2008a, p. 55).
O enunciador, portanto, não imita meramente enunciados, mas os traduz. Tal tradução
equivale a uma interincompreensão regida por regras. Segundo o Maingueneau (2008a),
é preciso haver, por parte dos coenunciadores, uma aptidão, ou seja, uma competência
discursiva que permita a eles produzirem enunciados e saberem se posicionar em
relação às formações discursivas concorrentes. Em outras palavras, ao longo da vida, o
mesmo indivíduo deve estar apto a se inscrever em competências discursivas distintas.
Assim, ser enunciador de um discurso significa ser capaz de reconhecer enunciados
como bem formados, ou seja, pertencentes à sua formação discursiva, e produzir um
número ilimitado de enunciados pertencentes a essa formação discursiva. De acordo
com Maingueneau, se considerarmos o primado do interdiscurso e, portanto, o quadro
do espaço discursivo, a competência deve ser apreendida como competência
interdiscursiva.
Essa interdiscursividade inscreve-se, portanto, na hipótese da heterogeneidade
discursiva, que amarra, em uma relação inextricável, o mesmo do discurso e seu outro,
Maingueneau (2008a, p. 31). Por entender difícil a apreensão da categoria,
Maingueneau (2008a) propõe a noção de interdiscurso pela seguinte tríade:
77
ESQUEMA 2 – Tríade do Interdiscurso65
Tal tríade estrutura a identidade do enunciado e do enunciador. Nesse sentido, o
universo discursivo deve ser entendido como um conjunto finito de todos os
posicionamentos que interagem em uma conjuntura dada, mesmo que ele não possa ser
apreendido em sua totalidade. O campo discursivo constitui um conjunto de
posicionamentos que se encontram em concorrência, delimitando-se reciprocamente em
uma região determinada pelo universo discursivo.
Na prática social discursiva, existem diversos campos, dentre tantos, podemos destacar:
científico, político, religioso, filosófico e pedagógico. É no interior do campo de
discursivo que o discurso se constitui. O espaço discursivo, por sua vez, isolado de um
campo discursivo, compõe subconjuntos de posicionamentos, cujas relações são
estabelecidas pelo analista de acordo com seus propósitos, ou seja, é no espaço
discursivo que o discurso se materializa.
Para ancorar seus pressupostos, Maingueneau faz referência a alguns autores, entre eles
Bakhtin, para o qual o fundamento da discursividade está na relação com o Outro, quer
pela heterogeneidade mostrada, quer pela heterogeneidade constitutiva. A primeira é
marcada, ou seja, é explicitada no discurso por meio das citações, autocorreções, aspas
etc., e a segunda, na qual se inscreve o autor, pode ser compreendida como
heterogeneidade discursiva.
O primado do interdiscurso estabelece uma rede semântica em que a especificidade de
um discurso reflete a definição das relações de um discurso com um discurso Outro.
65 Esquema elaborado por nós, com base no conceito de interdiscurso proposto por Maingueneau (2008a).
Interdiscurso
Universo discursivo
Campo discursivo
Espaço Discursivo
78
Este não é um fragmento identificável no espaço discursivo; na verdade, encontra-se na
raiz daquele. O interdiscurso inscreve-se justamente na construção do discurso por meio
de uma heterogeneidade constitutiva que, segundo Maingueneau (2008a, p. 31), amarra
em uma relação inextricável o Mesmo do discurso e seu Outro.
Charaudeau (2011), por sua vez, discute postulações acerca de texto/discurso e
estabelece constatações e pontos de vista sobre o que nos parece ligado ao que
Maingueneau denomina primado do interdiscurso:
[...] há discursos diversos num mesmo texto e um mesmo discurso em
vários textos. O discurso não é o texto, mas ele é carreado por textos.
O discurso é um percurso de significância que se acha inscrito num
texto, e que depende de suas condições de produção e dos locutores
que o produzem e o interpretam. Um mesmo texto é então portador de
diversos discursos e um mesmo discurso pode impregnar textos
diferentes. Há discurso atravessando textos diferentes, e um mesmo
texto pode ser portador de discursos diferentes. (CHARAUDEAU,
2011, p. 6).
Pelo fato de os discursos, necessariamente, constituírem-se a partir de uma hierarquia
instável entre discursos dominantes e dominados, é preciso isolar, no campo, espaços
discursivos, isto é, subconjuntos de formações discursivas que serão, de acordo com o
propósito do analista, definidores da identidade do discurso, pois trata-se de um espaço
de trocas, em que os discursos se atravessam para constituírem um outro. Esse espaço
de trocas está ligado à cena de enunciação. Tal categoria é importante, na medida em
que provoca o deslocamento dos olhares para a constituição heterogênea de qualquer
discurso.
2.3. A trajetória da noção de gênero de discurso em Maingueneau
Muitas pesquisas sobre linguagem tratam do conceito de gênero de discurso. Tal
interesse ocorreu, em certa medida, pelo impacto que os estudos de Bakhtin causaram
no meio acadêmico. De acordo com Bakhtin (2011, p. 264), [...] em qualquer corrente
especial de estudo faz-se necessária uma noção precisa do enunciado em geral e das
particularidades [...] dos diversos gêneros do discurso, ou seja, independentemente da
79
área de estudo, a concepção de gêneros é indispensável, uma vez que é por meio dos
gêneros que as interações sociais acontecem e também podem ser analisadas.
2.3.1. Gêneros de discurso
Inicialmente, os estudos sobre gêneros de discurso buscaram oferecer clareza à
complexidade dos textos literários, propondo um estudo sobre gêneros a partir da noção
fundamental da intertextualidade. Tal atitude privilegiou os estudos sobre gêneros
literários em detrimento dos ‘não literários’, ou seja, todos os outros gêneros passaram a
ser considerados como de ‘menor prestígio’, pois estariam a serviço das necessidades da
vida social.
A AD, por sua vez, propôs estudar os gêneros considerados de pouco prestígio.
Maingueneau et alii vem destacando a importância da categoria gênero de discurso em
suas investigações, tratando dessa categoria nas seguintes obras: Novas tendências em
Análise do Discurso (1997), O contexto da obra literária (1995), Pragmática para o
discurso literário (1996), Análise de Textos de Comunicação (2004), Gênese dos
Discursos ( 2008a), Dicionário de Análise do Discurso (2016), Cenas da Enunciação
(2008b), Doze Conceitos em Análise do Discurso (2010a) e Discurso e análise do
discurso (2015).
Maingueneau (1997), baseado em Todorov e em Bakhtin, trata da categoria gênero de
discurso pela primeira vez. De um lado, recupera o conceito de heterogeneidade
constitutiva e relaciona-o ao princípio do dialogismo bakhtiniano, de outro, considera
aspectos da Pragmática, tais como noções de quadro de enunciação, apreendido como
um “conjunto de elementos moduladores” e não como “uma dimensão constitutiva do
discurso”. Além disso, as metáforas de contrato, papel e cena também aparecem no
conjunto de seu trabalho no que cerne aos gêneros de discurso.
A AD passa, então, a atrelar a noção de gênero à de formação discursiva, uma vez que
esta se materializa em diferentes gêneros de discurso, quais sejam, orais ou escritos,
uma vez que o sujeito assume, no gênero, papéis de enunciador e de co-enunciador.
Maingueneau, para tratar da finalidade do gênero de discurso, considera o que chama de
80
condições de êxito, ou seja, todo ato de fala, tais como jurar, declarar, chamar, deferir
etc., implica, com base em regras próprias e em uma semântica global, condições e
coerções para que obtenha sucesso.
Nesse sentido, Maingueneau apresenta a relação entre os gêneros e o posicionamento do
escritor na esfera literária. Para o autor, posicionamento refere-se à autolegitimação do
enunciador, ao configurar uma obra como sendo dessa ou daquela escola literária, ou
seja, o enunciador traça um percurso com o objetivo de firmar-se ora romântico, ora
moderno etc., mesmo que em épocas diferentes. Segundo Maingueneau (1996), os
gêneros de discurso na literatura, como dispositivos de comunicação compartilhados
socialmente, geram certas expectativas nos coenunciadores, entretanto, as normas
enunciativas, às vezes, são transgredidas.
Dominar os gêneros de discurso é tão fundamental quanto dominar a língua, tendo em
vista que é possível utilizá-los convenientemente nas diversas esferas da comunicação.
Os gêneros de discurso são mais flexíveis e mutáveis que a língua, mas o indivíduo não
cria gêneros, apenas os apreende. Nesse sentido, de acordo com Maingueneau (2008a),
todos os gêneros de discurso dialogam com outros anteriormente produzidos, já que
todo enunciado corresponde a um elo da cadeia da comunicação.
Todo enunciado pertence a um gênero de discurso que Maingueneau (2008c) conceitua
como dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas condições
sócio-históricas estão presentes. Nesse sentido, uma propaganda publicitária só pode
existir se houver uma empresa interessada em vender determinado produto e um
possível mercado consumidor.
A denominação dos gêneros do discurso está subordinada a critérios bastante
heterogêneos que variam de acordo com o uso que se faz deles. O poema, por exemplo,
remete a uma produção literária que pressupõe uma determinada disposição de versos;
um romance policial, de outro modo, lembra um tipo de conteúdo policial. Isso indica
que o gênero está intrinsecamente ligado às necessidades da vida cotidiana, fato que não
pode ser desprezado pelo analista do discurso, que deve aceitar diferentes formas de
apreensão e tipologias do discurso.
81
Maingueneau (2008c) postula que os gêneros de discurso pertencem a diferentes tipos
de discurso que se associam a diferentes práticas sociais, assim, o telejornal está
inserido no tipo de discurso televisivo, que faz parte do tipo de discurso midiático, no
qual também estão inseridos os discursos radiofônicos e a imprensa escrita.
Para a AD, as tipologias propriamente discursivas são as mais relevantes, pois não
separam as caracterizações ligadas às funções, aos tipos e aos gêneros de discurso e às
caracterizações enunciativas. Maingueneau (1995) discute, dentre outros temas, a
importância do domínio de um bom repertório de gêneros de discurso pelos
coenunciadores, pois considera um fator de economia cognitiva:
Se os gêneros do discurso não existissem, se não os dominássemos, se
precisássemos criá-los pela primeira vez no processo da palavra, se
precisássemos construir cada um de nossos enunciados, o intercâmbio
verbal seria impossível (MAINGUENEAU, 1995, p. 65).
Dominar os gêneros do discurso resulta em uma economia cognitiva, pois, quanto mais
conhecemos os gêneros, mais moldamos a nossa fala adequadamente a eles e prevemos
seu conteúdo e sua construção composicional, não precisando, assim, inventar
diferentes gêneros no ato comunicacional, o que tornaria a troca verbal impossível entre
coenunciadores.
Todo gênero de discurso pode transformar a situação de comunicação. Escrever uma
carta, por exemplo, implica querer comunicar-se com alguém; produzir um anúncio
publicitário subjaz a sedução do consumidor para que ele compre determinado produto.
Maingueneau (2008c) explica que a determinação da finalidade do gênero de discurso
faz com que o co-enunciador tenha um comportamento adequado em relação ao gênero
produzido, ou seja, o gênero instaura determinadas regras que devem ser conhecidas
pelos partícipes da comunicação, de modo que qualquer transgressão, por menor que
pareça ser, pode pressupor a exclusão do jogo.
É possível que um leitor de determinado gênero literário presuma que o autor siga as
convenções do gênero, mas aquele que escreve pode aproveitar a oportunidade para
provocar surpresa. A transgressão das normas do gênero, de acordo com Maingueneau,
não passa de uma maneira de respeitar o contrato num outro nível, de obrigar o leitor a
82
restabelecer o equilíbrio esperado. Os partícipes do discurso, portanto, devem saber que
é próprio do discurso literário criar efeitos de novidade como o ato transgressor,
sobretudo em função das cenografias validadas, o que promove efeitos de sentido
diversos.
Assim, os gêneros de discurso devem ser analisados em condições sócio-históricas
dadas, uma vez que se distanciam dos aspectos meramente cotextuais/formais. Nesse
sentido, Maingueneau retoma a diferenciação entre os conceitos de tipo de discurso e de
gênero de discurso. Enquanto o primeiro se associa aos grandes setores da atividade
social, jornalismo, propaganda etc.; o segundo se refere aos dispositivos de
comunicação, notícia, editorial, “talk show”, reportagem etc., subordinados ao primeiro.
Maingueneau (2008b) assevera que o quadro cênico é imprescindível para o discurso,
independentemente da época e da sociedade. Assim, todo discurso é engendrado numa
situação de enunciação, situação concreta em que uma cena pode acontecer. A par disso,
Maingueneau (2004) discute, mais uma vez, a noção de gênero de discurso. O autor
entende que há uma diversidade de gêneros, uma vez que toda atividade de linguagem
pertence a um gênero de discurso. Com base nessa premissa, ele propõe duas grandes
espécies de gêneros de discurso: os instituídos e os conversacionais. Entretanto,
esclarece que, em razão de considerar os conversacionais difíceis de serem
diferenciados, sobretudo por não pesquisadores, trata apenas dos instituídos, embora
entenda que estes não deem conta da totalidade das atividades verbais.
Os gêneros instituídos, orais ou escritos, são dispositivos de comunicação verbal sócio-
historicamente definidos. De acordo com Maingueneau, essa espécie de gênero não
pode ser dissociada de um lugar e de um tempo, ou seja, são formas com scripts
relativamente estáveis para situações sociais determinadas, por exemplo: conselho de
classe, consulta médica, entrevista etc. Maingueneau (2004, p. 118) enquadra os gêneros
instituídos em quatro modos, a saber:
modo 1: gêneros muito coercitivos e padronizados (carta comercial,
boletim meteorológico, fichas administrativas etc), e seus locutores
são substituíveis;
modo 2: embora sejam gêneros também coercitivos (telejornais,
notícias, aulas etc.), exigem, muitas vezes, a habilidade discursiva do
locutor;
83
modo 3: gêneros (campanhas publicitárias, programas de
entretenimento na TV etc.) para os quais o autor precisa inventar uma
cenografia original, dada a necessidade de sedução de seus
consumidores, entretanto, segundo Maingueneau, a criatividade na
criação de cenografia estará sempre em conformidade com a cena
genérica;
modo 4: são gêneros que, de acordo com Maingueneau, servem como
etiquetas, ou seja, gêneros que se afastam de quadros preestabelecidos
e que, ao serem “etiquetados” por seus autores, geralmente filósofos
ou literatos, estabelecem o sentido da obra, diferentemente do que
ocorre com outros gêneros (consulta médica, por exemplo), ainda que
não os nomeássemos, a atividade discursiva continuaria existindo.
Como vemos, quando apresenta os quatro modos, Maingueneau propõe um novo olhar
para os estudos do gênero, sobretudo no que cerne ao conceito de “etiquetas”, no modo
4, em que o autor afirma que há três espécies de etiquetas: os enquadramentos
interpretativos, os hipergêneros e as classes genealógicas66.
A primeira refere-se ao modo de enquadramento do texto, ou seja, o enunciador
pretende causar um efeito ao direcionar a leitura. Por exemplo, ao lermos uma série de
artigos sobre empregos introduzida pela etiqueta “passos de um campeão”, isso dá a
entender que, do mesmo modo que o treino possibilita ao atleta a vitória, a leitura de
ótimos conselhos sobre como conquistar um novo emprego permite melhorar a
performance do candidato em processos de seleção.
A segunda diz respeito a categorizações que permitem formatar o texto, mas não tratam
de seu funcionamento, ou seja, o hipergênero que, segundo Maingueneau, é um tipo de
organização textual superficial, por exemplo: diário, carta, diálogo, carnê etc., acomoda
diferentes gêneros de discurso.
A terceira remete a propriedades de organização textual e ao conteúdo. As classes
genealógicas têm um pano de fundo histórico e apoiam-se na memória coletiva.
Maingueneau apresenta Eneida, do poeta romano Virgílio, que é legitimada como
epopeia. Essa legitimação se dá em função de sua semelhança quanto a sua organização
textual e a seu conteúdo com as obras Ilíada e Odisseia de Homero. No Brasil, podemos
citar os talk shows, programas que são assim denominados em função de sua
66 Noção emprestada de J-M. Shaeffer, Qu’est-Ce Qu’um Genre Littéraire?, Paris: Seuil, 1989 apud
Maingueneau, 2013, p. 124.
84
semelhança, quanto ao formato e ao conteúdo, com os programas renomados e
originalmente produzidos e televisionados nos Estados Unidos.
A distinção entre as espécies de etiquetas é problemática, de sorte que Maingueneau
afirma que, entre elas, há uma relação de predominância e não de exclusão. Além disso,
ele afirma que o maior interesse do leitor está em reconhecer o gênero e não as etiquetas
que, superficialmente, o compõem.
2.3.2. O gênero de discurso propaganda eleitoral midiatizada
O termo “propaganda”, segundo Pinho (1990, p.19) tem origem no gerúndio do verbo
“propagare” (latim) e significa ‘divulgação de ideias’. A par disso, é possível afirmar
que a propaganda é um conjunto de técnicas e atividades de informação e de persuasão
destinadas a influenciar as opiniões, os sentimentos e as atitudes do público. Há
registros que demonstram que o primeiro uso de propaganda data do século XVII, pela
Igreja Católica, instituição que era a principal fonte de fomento de ideias. Com o
advento do protestantismo, conforme assevera Pinho (1990), a Igreja Católica perdeu
espaço de influência, sobretudo após o surgimento da imprensa, do crescimento das
classes vinculadas ao comércio e da emblemática revolução industrial, dentre outros
fatores, que modificaram o modo de pensar e de interagir do homem.
Nesse contexto, outras instituições, além da Igreja, passaram a fazer uso da propaganda,
tais como o comércio, os políticos e outras frentes sociais. De acordo com Pinho (1990,
p. 21):
vivemos em um mundo de ideologias e sistemas filosóficos em
conflito, no qual coexistem inúmeras organizações que se dedicam à
disseminação de suas ideias, princípios e doutrinas, sejam elas de
natureza institucional, política, social, econômica ou religiosa. A esse
contingente vêm juntar-se as entidades governamentais em nível
municipal, estadual e nacional.
Atualmente, com os vários meios de comunicação e a globalização, o alcance da
propaganda foi potencializado, ou seja, a TV e a internet fazem com que bilhões de
pessoas tenham acesso a diferentes ideias e produtos. Existe, nas palavras de Pinho
85
(1990, p. 22), uma classificação das propagandas: ideológica, política, eleitoral,
governamental, institucional, corporativa, legal, religiosa e social. Consideraremos,
apenas, a distinção que o autor faz entre propaganda política e eleitoral. Para ele, a
primeira tem o propósito de divulgar ideologias políticopartidárias, filosofias desse ou
daquele partido, programas; a segunda tem o objetivo de convencer os eleitores a votar
num determinado candidato a cargo eletivo.
A propaganda política é um gênero de discurso que se subdivide67 em três outros
gêneros, a propaganda partidária, a propaganda intrapartidária e a propaganda eleitoral;
distinguiremos apenas a partidária da eleitoral. De acordo com a Lei dos Partidos
políticos68, a propaganda partidária:
FUNDAMENTO LEGAL. O direito de antena está previsto no art. 17,
§ 3º, da CF e regulamentado nos artigos 45 a 49 da Lei nº 9.096/95
(Lei dos Partidos Políticos – Lei nº 9.096/97) e na Res.-TSE nº
20.034/97. 2)
OBJETIVO. O art. 45, caput, da Lei nº 9.096/95 estabelece que a
propaganda partidária será realizada, com exclusividade, para: a)
difundir os programas partidários; b) transmitir mensagens aos filiados
sobre a execução do programa partidário, dos eventos com este
relacionados e das atividades congressuais do partido; c) divulgar a
posição do partido em relação a temas político-comunitários; d)
promover e difundir a participação política feminina, dedicando às
mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção
partidária, observado o mínimo de 10% do programa e das inserções a
que se refere o art. 49.
A propaganda partidária tem como proposta a divulgação do pensamento político dos
partidos. Ela é gratuita para os partidos, mas existe um ônus ao Estado, uma vez que as
emissoras de rádio e televisão têm direito a compensação fiscal69 pela cedência do
horário político em sua grade de programação. Caso a propaganda partidária configure-
se eleitoral, há possibilidade de fixação de multa ao partido político.
67 Conforme entendimento do TSE e do MP. Disponível em:
https://www.mprs.mp.br/media/areas/eleitoral/arquivos/cartilha_eleitoral-propaganda_eleitoral.pdf.
Acesso: 08/05/2017, às 14h30. 68 Lei nº 9.096/97 e a Resolução-TSE nº 20.034/97. 69 Conforme art. 52, parágrafo único da Lei nº 9.096/95.
86
A propaganda eleitoral, por sua vez, visa a captar o voto do eleitor durante o período
eleitoral. Esse tipo de propaganda tem fundamento legal70 e, como a partidária, também
é gratuita aos partidos políticos, mas custa aos cofres público, uma vez que os veículos
de comunicação recebem por meio de compensação fiscal. A propaganda eleitoral
acontece, com a devida observância da Lei e das Resoluções e a regulam, em algumas
modalidades: em outdoor, em bens particulares, nas sedes do partido e comitês de
campanha, em bens públicos e de uso comum, mas dependências do poder legislativo,
debates ou conversas em recinto aberto ou fechado – mediante uso de alto-falantes ou
amplificadores de som, em material gráfico, na mídia escrita, no rádio e na televisão.
Trataremos, dado o corpus selecionado para esta pesquisa, da propaganda eleitoral na
televisão, via HGPE. A Lei71 estabelece a obrigatoriedade de veiculação da propaganda
eleitoral gratuita para as emissoras de rádio e de televisão de canal aberto e para as
emissoras de televisão que operam em VHF e UHF, além dos canais de televisão por
assinatura sob a responsabilidade do Senado Federal, Câmara dos Deputados,
Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa do Distrito Federal ou Câmaras
Municipais, que são referidos no art. 57 da Lei nº 9.504/97.
As campanhas políticas majoritárias são midiatizadas por meio de pesquisas de opinião,
divulgação de agendas e do HGPE, uma série de atividades da práxis política que busca
a visibilidade pública nos meios midiáticos. O processo de midiatização72 ocorre
quando o discurso político é veiculado pela mídia. Na disputa pela visibilidade, as
campanhas políticas precisam ser atrativas, os discursos, de fácil assimilação e os
candidatos, verdadeiras personagens capazes de “conquistar” o eleitorado. As técnicas
da publicidade de mercado são próprias de equipes de marketing político que buscam
fazer de seus políticos produtos a serem “consumidos”. Face ao exposto, com base no
que assevera Pinho, entendemos que o termo ‘propaganda políticoeleitoral’ abarca as
ações discursivas impressas no HGPE, partidária e eleitoral.
Charaudeau (2008) apresenta os lugares de fabricação do discurso político: o da
elaboração de sistemas de pensamento; o dos atos de comunicação entre atores da cena
70 Conforme Lei nº 9.504/07 (arts. 36 até o 57-I), no Código Eleitoral (arts. 240 a 256) e – para as eleições
de 2016 – na Res.-TSE nº 23.457/2015. 71 Conforme art. 47 da Lei nº 9.504/97. 72 Charaudeau (2008), Marcondes Filho (2005) e Hjardard (2014) tratam do processo de midiatização.
87
política; e o lugar onde se produz o comentário, em princípio alheio ao campo da ação
política. Na perspectiva do autor, um discurso pode ser considerado político mais pelas
condições da situação de comunicação e menos pelo conteúdo, ou seja, o discurso
político não se restringe aos governantes, aos candidatos ou aos estudiosos da política;
ele se caracteriza político em função da interação e das identidades que dele participam.
Nesse sentido, a mídia pode ser produtora ou propagadora de discursos políticos.
Produtora quando desenvolve programas que tratam de temas de relevância social e que
pretendem provocar a tomada de decisão de órgãos públicos, por meio da sensibilização
do público (tele)espectador. Propagadora quando veicula o discurso político por força
de determinação legal – é o caso do HGPE –, ou por meio de fomento – é o caso dos
debates entre candidatos políticos.
Assim, a mídia, nas palavras de Charaudeau (2008), funciona como um enunciador da
informação. Em outras palavras, ela realiza um processo de significação que contempla
a construção do discurso nas suas diversas configurações – quer verbais quer não
verbais. No caso concreto desta pesquisa, o HGPE, gênero de discurso ‘propaganda
eleitoral midiatizada’, a instância política apropria-se do espaço da instância midiática
para propagar a figura política que pretende ser alçada ao poder político. Para tanto, a
instância política escolhe determinados conceitos, imagens e gestos com os quais
elabora um processo enunciativo que permite a comunicação com e para a sociedade,
num processo de imbricação entre mídia e política.
2.4. Cenografia, ethos discursivo e efeitos de verdade
O discurso depende da cena de enunciação para ser de fato enunciado. Tal cena,
segundo Maingueneau (2013) associa três tipos, a englobante, a genérica e a cenografia,
que não são percebidos hierarquicamente, mas a partir do ponto de vista que o analista
assume. A cena englobante equivale ao campo discursivo. Um panfleto entregue na rua,
por exemplo, pode ser reconhecido pelo co-enunciador como político, que se une a um
gênero discursivo (cena genérica), que é a propaganda políticoeleitoral, e faz emergir
cenografias que se diferem de um discurso para o outro. A cenografia é caracterizada e
88
construída pelos elementos que compõem a cena de enunciação – textuais e gráficos,
por exemplo.
2.4.1. Cenografia
A cenografia define, portanto, os “papéis” dos sujeitos da enunciação (enunciador – co-
enunciador), pois o falante, ao mesmo tempo em que assume um papel discursivo,
implica uma relação não só com o papel discursivo do Outro, mas também com as
condições espaciotemporais das quais o discurso emerge. É na cenografia que se
revelam o ethos discursivo e o carisma. Para Maingueneau, o tempo (cronografia) e o
espaço/lugar (topografia) diferenciam e legitimam o EU – TU (enunciação discursiva),
de modo a inscrevê-los sócio-discursivamente e instituí-los como válidos
linguisticamente. Nesse sentido, a topografia não se refere ao espaço físico onde os
sujeitos interagem, mas se incumbe de restringir a posição que podem ocupar, no
âmbito do discurso, enquanto que a cronografia é um momento histórico do discurso, da
mesma forma que seu sujeito em termos de posição social.
A cenografia é, desse modo, uma encenação que, mesmo caracterizada em espaços e
gêneros distintos, apropria-se das condições necessárias para validar-se. Daí a
possibilidade de um político, por exemplo, dirigir-se aos seus eleitores como pai que
adverte ou instrui seus filhos.
Um discurso, muitas vezes, apresenta-se inserido apenas em duas cenas: a englobante e
a genérica, dada a necessidade de o discurso ter o campo discursivo e o gênero de
discurso definidos. Por exemplo, ao receber um panfleto na rua, o co-enunciador precisa
identificar o campo a que pertence tal panfleto, político, religioso etc., a fim de que se
enquadre na situação comunicativa adequada (eleitor, cliente potencial de uma empresa
etc.) e, por fim, o gênero discursivo precisa ser identificado, uma vez que define o papel
dos participantes da cena de enunciação.
Entretanto, é por meio da cenografia que facetas são admitidas pelo enunciador e pelo
co-enunciador, pois, de acordo com Maingueneau (2013), de um lado, o discurso impõe
sua cenografia de algum modo desde o início, mas, de outro lado, é por intermédio de
89
sua própria enunciação que ele poderá legitimar a cenografia que ele impõe. A
cenografia é, concomitantemente, origem e produto do discurso, uma vez que pode ser
uma cena típica ou se servir de outra para que o co-enunciador legitime o discurso como
sendo próprio de tal cenografia e não de outra.
Uma cenografia pode assumir outras cenas que não as tipicamente esperadas para
determinados gêneros. Por exemplo, em um pronunciamento aos eleitores, o
enunciador, que emerge no discurso de um candidato a presidente, pode utilizar a
cenografia ‘conselho de pai’ e seus eleitores podem aderir ao discurso como filhos.
Nesse caso, as cenas englobante e genérica são preteridas e é na cenografia que os
coenunciadores interagem efetivamente. A cenografia revela os posicionamentos que os
enunciadores assumem e os efeitos de sentido que concorrem na enunciação, logo, não
são os sujeitos empíricos que interagem, mas enunciador e co-enunciador que assumem
papéis e legitimam a cenografia de conselho de pai.
Embora Maingueneau (2013) apresente linearmente os três tipos de cena, no tópico
Cenas validadas, ele esclarece que as relações entre essas cenas são conflituosas. Para
ratificar sua constatação, o autor analisa a “Carta a todos os franceses”, escrita por
François Mitterrand, presidenciável na campanha política de 1988. Maingueneau afirma
que enunciar não é somente expressar ideias, é também tentar construir e legitimar o
quadro de sua enunciação.
Nesse sentido, o enunciador, portanto, tem uma identidade social construída na
discursividade que constitui seu ethos discursivo, em outras palavras, o enunciador do
discurso políticoeleitoral precisa construir para si uma dupla identidade discursiva; uma
relacionada ao conceito político e outra que corresponda à prática política: enquanto a
primeira refere-se ao posicionamento ideológico do político em relação à vida em
sociedade, a segunda insere-o em determinada posição no processo comunicativo da
gestão do poder. De acordo com Charaudeau (2008a), o candidato político recorre à
persuasão e à sedução de forma a atrair seu eleitor por meio de características
demonstradas pelos seguintes interesses pessoais:
90
1. Construir uma imagem de si, um ethos, destinada a assegurar sua
credibilidade e oferecer ao público um espelho de identificação;
2. Escolher os modos de interpelação do público que lhe permita se
reconhecer dentro de certa identidade cidadã;
3. Saber desqualificar o adversário, pois é necessário se mostrar
melhor que o concorrente;
4. Saber exaltar os valores descritos como idealidade social de um
bem comum. (CHARAUDEAU, 2008a, p. 4).
Nessa perspectiva, Charaudeau (2008) assevera que o ethos discursivo está associado a
um “cruzamento de olhares”, uma troca de olhares entre os coenunciadores – olhar do
que fala sobre a forma como acha que é percebido pelo seu público e o olhar do que
escuta sobre aquele que fala. Essas representações construídas pelo público não se dão
exclusivamente no ato da enunciação, pois o discurso, embora constitua um sujeito
discursivo, reflete a imagem do enunciador a partir de seus conhecimentos linguísticos e
de mundo. Muito por isso, o enunciador político pode apresentar um ethos discursivo
que é incorporado ao discurso.
Para a Pragmática, a língua não é um instrumento para transmitir informações, mas um
objeto interativo da atividade de linguagem. Para Foucault (2008), a teoria do discurso
não é uma teoria do sujeito antes que este enuncie, mas uma teoria das instâncias de
enunciação que tratam de determinar qual é a posição que pode e deve ocupar cada
indivíduo para dela ser o sujeito. A encenação não é uma máscara do real, mas uma de
suas formas, estando este real investido pelo discurso.
2.4.2. Ethos discursivo e a constituição do sujeito político
Pesquisas recentes sobre ethos discursivo têm permitido o levantamento de questões
relacionadas à incorporação de atitudes e comportamentos do coenunciador na voz do
enunciador, permitindo, na base textual, a incorporação de imagens diferentes sobre ele.
Sabemos que o discurso constitui um sujeito discursivo que reflete a imagem desse
sujeito a partir de seus conhecimentos linguísticos e de mundo. Historicamente,
podemos citar vários autores cujos estudos podem ser relacionados ao ethos, tais como
Aristóteles, Ducrot, Benveniste e Maingueneau.
91
Segundo Aristóteles (2007), o ethos está ligado à própria enunciação e à imagem
positiva criada pelo enunciador, por meio do discurso e das qualidades fundamentais
que ele deve demonstrar: a phronesis (prudência), a aretè, (virtude) e a eunoia
(benevolência).
Ducrot (1987) conceituou o ethos retórico fazendo uma distinção entre o que ele
chamou de locutor-L e locutor-lambda. O primeiro é o locutor apreendido como
enunciador; o segundo, como ser do mundo. Nesse sentido, o ethos emerge na
enunciação.
Benveniste (1989), por sua vez, com a teoria da enunciação e as figuras do locutor e do
alocutário, necessárias ao discurso, também contribuiu para a construção da noção de
ethos. Em sua perspectiva, o locutor usa dos pronomes pessoais para revelar sua
subjetividade na linguagem. Nesse processo de enunciação, quando se institui um EU,
pessoa subjetiva, institui-se, necessariamente, um TU, pessoa não-subjetiva, porém há,
aqui, uma transcendência do primeiro sobre o segundo. Para Benveniste, o ELE é a não-
pessoa.
Maingueneau (2008c) relaciona ethos à cena da enunciação e é dele a ideia de
construção da imagem de si no discurso. A noção de ethos na visão de Maingueneau
permite um estudo mais geral da adesão dos sujeitos a uma certa posição discursiva.
Para ele não existe um ethos preestabelecido, mas sim um ethos construído no âmbito
da atividade discursiva.
O conceito de ethos discursivo de Maingueneau desloca a noção de persuasão para a
noção de adesão. Assim, a noção de ethos na AD possibilita compreender a adesão dos
sujeitos às formações discursivas, já que cada discurso é perpassado por formações
discursivas diferentes. Assim, a noção de ethos discursivo ajuda a entender como esses
sujeitos que transitam nos diferentes discursos são marcados pelas formações
discursivas que compõem o ethos discursivo.
A imagem do sujeito que fala no discurso permite que o co-enunciador tenha uma
adesão ao discurso quando ele compreender essa imagem que aflora no interior do
discurso. Dessa forma, na ótica da AD, o ethos discursivo é um conjunto de
92
características que sempre são relacionadas ao sujeito que revela o próprio modo como
se enuncia. Assim, o ethos discursivo trata não do que o sujeito diz a seu respeito, mas
do caráter da personalidade que revela esse modo do sujeito se exprimir. Ele está
relacionado com aquilo que o sujeito exprime, expressa, ou seja, as marcas de
linguagem e os aspectos psicológicos que ajudam a entender esse sujeito.
A diferença do ethos na Retórica e na AD é que, na primeira, ele tem relação com o
locutor, o sujeito empírico, carnal, ao passo que, na segunda, a relação é com o sujeito
que se diz no discurso (imaterial). Para Maingueneau, o ethos é do discurso, por isso
denomina-o como ethos discursivo, categoria vinculada ao exercício da palavra, ou seja,
ao tomar a palavra, o sujeito já se revela. Dessa forma, o ethos discursivo está vinculado
ao papel que corresponde ao seu discurso e não ao indivíduo real. Esse ethos discursivo
é apreendido independentemente de seu desempenho oratório.
Na perspectiva de Maingueneau, existem elementos que cobrem o ethos discursivo, de
modo que o ethos discursivo vai ser corporificado por uma voz, um tom, um corpo e um
caráter. Segundo o autor, o texto escrito também tem uma voz, que é chamada
exatamente de tom, sendo certo que o que é dito e o tom com que é dito são igualmente
importantes, inseparáveis.
Na AD, o co-enunciador atribui espontaneamente, à figura do enunciador, traços de
personalidade a partir do modo como ele diz. Dessa forma, quando ouvimos alguém
falar, imaginamos um corpo, um tom e traços de caráter. Para a AD, é na relação da
linguagem com o social que o sujeito tem um enunciador constituído e que pode ser
totalmente distinto do sujeito empírico. Segundo Nascimento (2013: 14):
A AD propõe discurso como uma construção linguística em suas
condições de produção, integrando, por conseguinte, a história e o
sujeito, categorias imprescindíveis de apreensão a quem se candidata a
discutir relações entre textualidade e discursividade.
Desse modo, faz-se necessário recorrer à materialidade linguística e relacioná-la às
condições sócio-históricas de produção, no momento de interpretação do discurso.
Tendo em vista as noções de carisma e de ethos discursivo propostas por Charaudeau e
Maingueneau, respectivamente, temos necessidade de observar a forma como o
93
enunciador assume, no discurso políticoeleitoral, uma imagem de si estereotipada e
idealizada da realidade que constrói um carisma capaz de mobilizar o co-enunciador
para aderir ao discurso e para torná-lo parte de seu próprio discurso.
Segundo Charaudeau (2006), o ethos discursivo está associado a um “cruzamento de
olhares”, uma troca de olhar entre os interlocutores – olhar do que fala sobre a forma
como acha que é percebido pelo seu público e o olhar do que escuta sobre aquele que
fala. Essas representações construídas pelo público não se dão exclusivamente no ato da
enunciação. Cada tipo de discurso comporta papéis preestabelecidos e o enunciador
pode escolher, mais ou menos livremente, a sua cenografia. Para Maingueneau (2008b,
p. 71), são os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e validar
o ethos discursivo, bem como sua cenografia, por meio dos quais esses conteúdos
surgem.
O discurso político apresenta procedimentos discursivos que contribuem para a
construção de um ethos discursivo aberto a constituir uma imagem do enunciador, ou
seja, uma cenografia é construída e deve ser legitimada. De acordo com Maingueneau
(2008b, p. 70):
Por meio do ethos, o destinatário está, de fato, convocado a um lugar,
inscrito na cena de enunciação que o texto implica. Essa “cena de
enunciação” se compõe de três cenas, que propus chamar “cena
englobante”, “cena genérica” e “cenografia”.
Maingueneau (2008b) diz que o ethos discursivo se dá no momento da fala, a partir do
comportamento e do que o sujeito político diz, na tentativa de conquistar seus eleitores.
Esse conceito de ethos discursivo é também tratado por Charaudeau (2006, p. 115)
quando afirma que:
o sujeito aparece, portanto, ao olhar do outro, com uma identidade
psicológica e social que lhe é atribuída, e, ao mesmo tempo, mostra-se
mediante a identidade discursiva que ele constrói para si. O sentido
veiculado de nossas palavras depende ao mesmo tempo daquilo que
somos e daquilo que dizemos. O ethos é resultado dessa dupla
identidade, mas ele termina por se fundir em uma única.
94
O ethos discursivo está ligado à própria enunciação. É a imagem que apresenta o
enunciador de si mesmo pelo discurso. O ethos discursivo, então, não está relacionado a
um saber extradiscursivo sobre o enunciador, seu modo de vida, por exemplo. Porém,
em determinados discursos, como o político, por exemplo, o co-enunciador constrói
representações do ethos discursivo do enunciador antes mesmo do discurso do
enunciador. Mas é preciso esclarecer que o ethos discursivo visado não é,
necessariamente, o ethos produzido: o enunciador, por seu discurso, quer transmitir uma
imagem, mesmo que não seja verdadeira, ao co-enunciador. Não se trata somente do
que o enunciador diz (ethos dito), mas do que ele mostra (ethos mostrado) e de como
tudo isso é recebido pelo co-enunciador. Para que seu discurso obtenha o efeito de
sentido pretendido, o enunciador utiliza recursos intra e extradiscursivos, tom de voz,
escolha das palavras, olhar, postura etc. No discurso escrito, somente é possível analisar
os recursos intradiscursivos.
No ethos discursivo encontramos, ainda, a figura do fiador, que pode ser confundido
com a figura do enunciador, mas, na verdade, quem o constrói é o co-enunciador,
quando o discurso é proferido pelo enunciador. No entanto, o ethos discursivo do fiador
não se restringe somente ao discurso – ele engloba, ainda, um caráter, traços
psicológicos, e uma corporalidade, compleição física e uma maneira de se vestir, por
exemplo. A somatória de todos esses aspectos elucubrados pelo destinatário, num dado
discurso, denomina-se estereótipo. A esses estereótipos, quando da enunciação do
discurso, será dada maior relevância, caso se trate de uma pessoa conhecida na mídia,
podendo, o fiador, receber uma avaliação positiva ou negativa do destinatário.
95
2.5. Instâncias enunciativas
Segundo Charaudeau & Maingueneau (2016), a noção de instância está relacionada à
noção de enunciador, ou seja, a instância é o lugar de dizer do enunciador. Ela é,
portanto, imaterial, lugar de ação dos discursos. No discurso político, há uma conjunção
de discursos de ideias e discursos de poder. Os primeiros dizem respeito à verdade, e os
segundos à problemática do verdadeiro, do falso e do possível, assim, o enunciador, na
situação de comunicação, mostra-se como instância de enunciativa, quais sejam política,
cidadã, midiática etc., que, por sua finalidade comunicacional, pode propor, reivindicar,
denunciar etc.
No jogo discursivo, há estratégias de sedução, inclusive a inserção da mentira. Segundo
Charaudeau (2008, pp. 104-105), todo político sabe que lhe é impossível dizer tudo, a
todo momento, e dizer as coisas exatamente como ele as pensa ou concebe, pois suas
palavras não devem atrapalhar sua ação. Desse modo, no contrato de comunicação, na
cena política, os coenunciadores devem obedecer à lógica do parecer verdadeiro,
mesmo que seja necessário empregar estratégias para “evitar ter mentido", entre elas a
generalidade, o silêncio, a omissão e a negação. Sem a verdade de aparências não
haveria ação política possível.
Há outras tantas instâncias implicadas nos variados discursos, mas, nesta pesquisa,
trataremos apenas de instâncias circunscritas no jogo político, conforme esquema a
seguir.
ESQUEMA 3 – Instâncias enunciativas73
73 Esquema elaborado por nós com base em Charaudeau (2008a).
Instância política
Instância midiática
Instância judiciária
Instância empresarial
Instância religiosa
Instância econômica
Instância cidadã
Instância adversária
96
Nos extremos do esquema estão as instâncias política e cidadã, uma vez que, dada a
organização em torno do jogo político, são as duas instâncias responsáveis pela
assunção de figuras de poder. As demais, midiática, judiciária, empresarial, religiosa e
econômica, subjazem ao processo eleitoral, já que funcionam como promotoras,
reguladoras e, algumas vezes, algozes dos políticos. Segundo Charaudeau (2008, p.18):
[...] instâncias implicadas na ação política: a instância política, que é
delegada e assume a realização da ação política; e a instância cidadã,
que está na origem da escolha dos representantes do poder. É a
instância política que se encontra em contradição: ela chegou ao poder
por uma vontade cidadã (e não autoritária), mas esta, não estando
encarregada dos negócios de Estado, não conhece as regras de seu
funcionamento e ignora as condições de realização da ação política. A
instância política, que é de decisão, deve, portanto, agir em função do
possível, sendo que a instância cidadã a elegeu para realizar o
desejável.
É mister, com vistas a nossa análise, entendermos o funcionamento e o papel de cada
instância no cenário das eleições presidenciais de 2014.
2.5.1. Instâncias política e adversária
Na ação política cotidiana, as instâncias política, governo e adversária (não governo),
assumem funções de situação e de oposição, respectivamente, ou seja, a primeira é
governo e a segunda gostaria de sê-lo, por isso esta exercerá pressão política sobre
aquela no curso do mandato eletivo.
O protagonismo das duas instâncias, no Brasil, fica notório durante as campanhas
eleitorais, ocasião em que há igualdade de condições legais, e muitas vezes financeiras,
para que as duas instâncias busquem a legitimação de uma terceira, a cidadã,
responsável pela escolha das figuras de poder.
De acordo com Chararudeau (2008), a instância cidadã, antes de decidir o voto, espera
que a instância política a ser eleita realize o desejável, mas esta agirá apenas em função
do possível. Daí tem-se a noção da dificuldade em se exercer o poder político, pois é
dele que provêm as sanções de leis, sempre asseguradas. Para que a instância política
consiga a adesão do povo à sua ação, joga com argumentos da razão e da paixão, isso se
configura um espaço de persuasão.
97
Para Charaudeau (2008), é em função dos espaços de discussão e de persuasão que o
campo político pode ser considerado “o governo da palavra”. Por exemplo, quando há
ações de protesto que pressionam o governo, o que tem mais influência na tomada de
decisão são os slogans e as declarações da imprensa (palavra), pois marcam uma
opinião que será difundida em muitas comunidades.
De sua parte, o governo, se considerar “a palavra”, poderá utilizá-la para intervir nos
espaços de discussão, de ação e de persuasão para que se estabeleçam os ideais e os
meios da ação política; a coordenação das tarefas e a promulgação das leis, regras e
decisões de todas as ordens para convencer a instância cidadã dos fundamentos de seu
programa e das decisões que ela toma ao gerir os conflitos de opinião em seu benefício.
O discurso político não é factível apenas aos governantes, ele é fabricado em lugares
diferentes, a partir de marcas identitárias e da interação entre os sujeitos.
2.5.2. Instância Midiática
As campanhas políticoeleitorais na mídia são recentes no Brasil. Sua expansão
confunde-se com a chegada da televisão entre as décadas de 1950 e 1970 e com o início
do HGPE, em 1962. Todavia, é no período de redemocratização, nos anos 1980, que é
percebido o quanto a dinâmica das eleições foi modificada. O HGPE é um espaço
garantido por lei para os partidos apresentarem gratuitamente as suas propagandas.
Sabe-se que, há muito, são contratados especialistas em marketing e publicidade para
tornar as campanhas cada vez mais profissionais e atrativas para o eleitor.
Durante o HGPE, o candidato pode se dirigir diretamente ao eleitor, direcionando-se a
ele de maneira individual ou coletiva; discursar para um grande público; atacar um
adversário; veicular mensagens de apoio de seus aliados ou discursos pontuais de seus
adversários; utilizar repórteres, personagens ficcionais e populares. Uma vez que o
objetivo principal de uma campanha eleitoral é promover um candidato a um cargo
eletivo, o lema dos marqueteiros será seduzir os eleitores por meio de apelos, seja de
ordem política, seja familiar etc.
Tal é a força da mídia que, nas eleições para presidente do Brasil, a partir dos anos
1980, os líderes políticos passaram a agregar identidades coletivas e que podem ser
98
identificadas pelo eleitor, independentemente da filiação partidária do candidato. A
relação dos candidatos com o eleitor passou a ser “direta”, principalmente por causa da
projeção televisiva, que se institui como um dos principais cenários de representação
política.
Esses cenários prospectam uma instância cidadã que deve aderir, no curso das
campanhas políticas, a um dos discursos, da instância política ou da adversária. Daí a
importância da instância midiática, visto que a projeção das instâncias ocorre em
suportes e processos midiáticos74.
Muito embora o discurso político não seja midiático, já que não é suporte de veiculação
de discursos, os atores políticos e seus partidos passaram a utilizar as tecnologias
midiáticas como mediadoras de suas práticas discursivas, o que caracteriza o processo
de midiatização que, nas palavras de Thompson (1998, pp. 13-14), são os meios de
comunicação que implicam a criação de novas formas de ação e interação no mundo
social, entre indivíduos e consigo mesmos, novas formas de exercer o poder diferentes
das interações face a face. Nesse sentido, moldadas pela forma com que as mídias
constroem discursos, as instâncias política e adversária ajustam seus discursos para, nas
palavras de Charaudeau (2008, p 67), adquirir legitimidade social e poder exercer o
poder de fazer, o poder de pensar e o poder de agir.
No HGPE, os candidatos fazem uso de pesquisas de opinião pública que mostram as
principais preocupações do eleitor e sinalizam os candidatos mais propensos a vencer. A
ideia é fazer com que o eleitor, de certa maneira, se deixe influenciar pela informação
de que determinado candidato ganharia se as eleições ocorressem naquele período em
que a pesquisa foi realizada. Assim, a mídia tornou-se um dos principais meios de
informação política. Os debates, antes restritos ao âmbito interno dos partidos políticos,
ganham visibilidade na mídia. Até as disputas internas dos partidos são exploradas pela
imprensa.
74 “Os processos midiáticos são entendidos como um conjunto de práticas comunicacionais pertencentes
ao campo das mídias, que operam segundo diferentes linguagens, por meio de dispositivos como jornal,
televisão, rádio, fotografia, publicidade, revista, produção editorial, produção editorial, produção
eletrônica, comunicação organizacional, vídeo e outros emergentes.” (GOMES, P.G. 2004, p. 17)
99
2.5.3. Instância Religiosa
Segundo Durkheim (2003), o conceito de religião vincula-se às representações coletivas
e é a via por meio da qual é possível entender a forma de representação do mundo.
Nesse sentido, o indivíduo abre mão de sua própria liberdade para aderir às práticas,
ritos coletivos e solidários cujo objetivo final é receber em troca uma certa organização
da realidade da vida cotidiana quanto aos aspectos social, político e emocional. No
Brasil, há diversas religiões reconhecidas pelo Estado, o que provoca uma busca por
igualdade de direitos no acesso aos bens públicos e à representação política.
Desde o século XVI, durante o processo de colonização, que foi realizado numa
parceria entre o governo português e as missões de padres jesuítas (1549), de carmelitas
descalços (1580), de beneditinos (1581), de franciscanos (1584), de capuchinhos
(1642), entre outros, o catolicismo delimitou, no Brasil, o que se concebia como
religião. Até o início do século XVIII, o Estado, dominado pela Igreja Católica,
controlou a atividade religiosa na colônia por meio do padroado. Tal controle
promoveu, por exemplo, contribuição financeira e impedimento da entrada de outras
religiões. Somente após o período republicano (século XIX), houve uma influência do
protestantismo que decentralizou o poder religioso no país. No século XXI, há uma
presença significativa de grandes igrejas protestantes no Brasil que fazem frente ao
monopólio em decadência da Igreja de Roma.
A relação entre Estado e Igreja Católica, durante o Império, influenciou o código
criminal vigente em 1830. No artigo 276, por exemplo, observa-se a punição à
celebração, à propaganda ou ao culto de confissão religiosa diferente da oficial (religião
católica). Apenas na República, ao final do século XIX, em 1891, a primeira
Constituição da República garantiu a separação entre o poder político e o poder
religioso, ou seja, o conceito de laicidade passou a viger no Brasil. No Código Penal
brasileiro de 1940, observa-se, entre outros, o impedimento ao constrangimento público
de alguém em razão de sua crença religiosa.
Hoje, igrejas como Presbiteriana, Assembleia de Deus, Deus é Amor, Universal do
Reino de Deus, Mundial do Poder de Deus, Renascer em Cristo e Sara Nossa Terra, a
100
despeito da atuação da Igreja Católica, aglomeram milhões de fiéis em todo o território
nacional e em vários países do mundo. Tal ocorrência influencia a composição das
bancadas políticas, uma vez que as instituições religiosas lançam mão de sua articulação
social para alçar membros e pastores a diversos cargos políticos, eletivos ou
comissionados, atitude que confere a elas peso político nas disputas eleitorais.
As eleições presidenciais, pós redemocratização, exploraram temáticas de apelo
religioso, tais como aborto, casamento, pena de morte etc., ora para enaltecer o
posicionamento do candidato, ora para expor atitudes dos adversários, contrárias aos
dogmas religiosos. O objetivo central dessa disputa é o apelo à opinião pública que, no
Brasil, é predominantemente cristã75.
Neste trabalho, dada a representatividade de instituições religiosas não só na política,
mas também na economia76 e na mídia, a instância religiosa, que intervém no curso das
campanhas eleitorais para presidente do Brasil, será considerada em nossas análises.
2.5.4. Instância Cidadã
De acordo com Chararudeau (2008, p. 58), na expressão ‘instância cidadã’, o termo
‘cidadã’ deve ser entendido no sentido amplo, como uma noção que faz parte de um
regime democrático. Instância cidadã, portanto, é o lugar de construção da opinião fora
do governo, ou seja, essa instância incumbe-se de, entre outras ações, reivindicar
políticas públicas e definir aqueles que governarão o Estado em nome do bem-estar
comum.
75 Segundo Censo do IBGE/2010, o número de evangélicos no Brasil aumentou 61,45% em 10 anos, segundo
dados do Censo Demográfico divulgado nesta sexta-feira (29) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Em 2000, cerca de 26,2 milhões se disseram evangélicos, ou 15,4% da população. Em 2010, eles
passaram a ser 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros. Em 1991, o percentual de evangélicos era de 9% e, em
1980, de 6,6%. Mesmo com o crescimento de evangélicos, o país ainda segue com maioria católica. Segundo o
IBGE, o número de católicos foi de 123,3 milhões em 2010, cerca de 64,6% da população. No levantamento
feito em 2000, eles eram 124,9 milhões, ou 73,6% dos brasileiros. A queda foi de 1,3%. G1. Número de
evangélicos aumenta 61% em 10 anos, aponta IBGE. (G1). Disponível em:
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html.
Acesso: 01/09/2014, às 12h30. 76 Segundo reportagem, em um país onde só 8% da população declaram não seguir uma religião, os
templos dos mais variados cultos registraram uma arrecadação de R$ 20,6 bilhões apenas em 2011, valor
superior ao orçamento de 15 dos 24 ministérios da Esplanada ou 90% do disponível naquele ano para o
Bolsa Família. FOREQUE, F. Igrejas arrecadam R$ 20 bilhões no Brasil em um ano. (Folha de SP).
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/01/1221000-igrejas-arrecadam-r-20-bilhoes-
no-brasil-em-um-ano.shtml. Acesso: 03/06/2015, às 22h30.
101
No Brasil, a instância cidadã consolidou-se no movimento das Diretas já (15/06/1983 a
16/04/1984), quando mais de quatro milhões de pessoas77, diante da repressão do
governo militar, reagiu e, organizada em diversas classes sociais, organizou comícios e
passeatas em várias regiões do país. Segundo Nery (2012), em 2 de março de 1983, o
deputado Dante de Oliveira (PMDB) apresentou ao Congresso Nacional proposta de
emenda à Constituição prevendo o restabelecimento de eleições diretas para a
Presidência da República em dezembro do ano seguinte. Em abril, foi lançada
oficialmente a campanha nacional de apoio à emenda, com o slogan que ganharia as
ruas: "Diretas já".
Ainda, segundo Nery (2012), devido a pressões e censuras por parte do governo militar,
emissoras de rádio e de TV cobriram modestamente as manifestações populares com
receio de retaliação, sobretudo da ameaça de encerramento das concessões públicas. Só
com o crescimento do número da participação popular em atos em favor de eleições
diretas é que grandes emissoras como a Rede Globo78 passaram a cobrir de maneira
expressiva esses atos reivindicatórios.
Em 2013, a reivindicação do MPL-SP buscou a diminuição da tarifa do transporte
público. O MPL-SP, desde 2006, mobilizava-se para barrar aumentos no preço das
tarifas, entretanto, só em 2013 logrou êxito. Conseguiu não só cancelar o aumento
proposto pela prefeitura de São Paulo, mas também fazer com que a iniciativa causasse
um efeito ‘jurisprudencial’, ou seja, interveio na tomada de decisão do estado brasileiro
em várias regiões do Brasil.
Assim, o MPL, enquanto ator social, mesmo sem líderes políticos declarados, no site e
em nenhuma outra fonte a que tivemos acesso, revela-se uma forma de ação da instância
cidadã sobre a instância política no Brasil. O movimento do MPL-SP, assim como o da
Diretas já, ressignificaram a forma de ação da instância cidadã no Brasil, ou seja, sem a
chancela de partidos políticos, nem de votos em eleições, organizados, os grupos sociais
mobilizaram os setores da mídia para modificarem o status quo. De mediadora à
77 NERY, V. E. A Campanha Diretas já e a transição brasileira da ditadura militar para a democracia
burguesa. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. PUC-SP, 2012. Disponível em:
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/3421/1/Vanderlei%20Elias%20Nery.pdf. Acesso: 07/06/2017,
às 15h42. 78 MEMÓRIA GLOBO. Diretas já. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/erros/diretas-ja.htm.
Acesso: 02/08/2017, às 14h25.
102
promotora, a instância midiática, no período das manifestações, instaurou, por um lado,
um clima de torcida pelos resultados a serem obtidos pela instância cidadã e, por outro
lado, uma pressão sobre a instância política que, exposta nas telas das TVs, não
prosseguiu com as medidas de aumento.
Segundo Egler (2010, p. 220), as ações da instância cidadã, a partir da propulsão que
recebeu com o advento das novas tecnologias, teve transformada a capacidade de
conectividade e de articulação das redes sociais nas organizações de estado, instituições
do conhecimento, entidades sociais, de capital privado e de pessoas. Isso significa que o
elo estabelecido entre os atores do jogo político tornou-se mais estreito e as ações muito
mais dinâmicas, uma vez que 90% desses atores estão conectados virtualmente79, seja
por e-mail, sites na internet, WhatsApp, entre outros.
Assim, quando o Estado falha na tomada de decisão, a instância cidadã mobiliza-se,
promovida pela mídia, com o intuito de ser ouvida e de ter suas reivindicações não só
percebidas, mas também validadas e atendidas. Ao atender tais reivindicações, a
instância política atesta legitimidade ao discurso das representações sociais, mas não
perde o poder de decidir, pois a ela fora delegada, pela instância cidadã, a tomada de
decisão que, mesmo questionada por setores da sociedade, deverá ser respeitada, afinal,
o Estado, liderado pela instância política, continua soberano em uma República.
A instância política e a instância cidadã devem saber desempenhar seus papéis sociais,
uma vez que a manutenção da polis80 depende desse desempenho. É interessante
perceber, do ponto de vista da AD, mais propriamente nas abordagens de Charaudeau,
como os discursos políticos são marcadores dos papéis sociais de cada indivíduo.
Segundo Charaudeau (2008, p. 21):
[...] a política não pode agir sem a palavra: a palavra intervém no
espaço de discussão para que sejam definidos o ideal dos fins e os
meios da ação política; a palavra intervém no espaço de ação para que
sejam organizadas e coordenadas a distribuição das tarefas e a
promulgação das leis, regras e decisões de todas as ordens; a palavra
intervém no espaço de persuasão para que a instância política possa
79 Conforme aponta EGLER (2010, p. 225). 80 “Por Pólis se entende uma cidade autônoma e soberana, cujo quadro institucional é caracterizado por
uma ou várias magistraturas, por um conselho e por uma assembleia de cidadãos (politai)”. BOBBIO
(1998, p. 949).
103
convencer a instância cidadã dos fundamentos de seu programa e das
decisões que ela toma ao gerir os conflitos de opinião em seu proveito.
Considerando que a política surge para, de certa maneira, regular as relações de força e
organizar a vida dos indivíduos em uma sociedade, de acordo com Charaudeau (2008, p.
27), é papel dela também orientar os comportamentos dos indivíduos para preservar o
bem comum e distribuir os papéis e as responsabilidades de cada um mediante a
instalação de um sistema de representação mais ou menos hierarquizado.
As duas instâncias são, portanto, lugares de produção de discursos no jogo político e
concorrem entre si em variadas cenas. É o que buscamos sintetizar no Esquema:
ESQUEMA 4 – Concorrência discursiva entre instâncias81
81 Esquema elaborado por nós com base em Charaudeau (2008).
Instância
Midiática
Instância Religiosa
Instância Jurídica
Instância Empresarial
Instância Econômica
Instância
Cidadã
Instância
Política
Instância Adversária
104
Para Marques (2006, p. 18), uma estrutura de poder pode ser estabelecida a partir de
um conjunto articulado de atores, posições relativas de poder e instrumentos para
exercê-lo. Com a busca pela instalação de um cenário político democrático, a partir de
1983, o Brasil teve uma ampliação da presença da instância cidadã nas políticas
públicas, mas a instância que mais notoriedade recebeu foi a midiática, haja vista o seu
alcance e sua capacidade de articulação em todas demais instâncias.
105
CAPÍTULO III
CARISMA E PODER
Este capítulo será dedicado ao estudo e à reflexão das noções de carisma, de ethos
discursivo e da estreita relação dessas categorias com a prática política, na medida em
que ambas são constituídas indissociavelmente por processos sociais, históricos e
linguísticos e podem nos servir como balizadoras de análise nas relações de interesses
pessoais nas campanhas políticoeleitorais para presidente do Brasil. Objetivamos, com
isso, mostrar o papel da interdisciplinaridade, o alcance inovador da AD,
particularmente nos discursos políticos em cena na sociedade brasileira, e buscar
subsídios para nortear nossas análises e confirmar a tese que defendemos.
Ao trazer para o discurso político, um dos discursos mais dominantes do mundo atual,
as categorias carisma e ethos discursivo, queremos mobilizar dispositivos teórico-
metodológicos de diferentes ciências humanas e sociais, pois o sujeito político
materializa em si e em seu discurso as relações entre as condições sócio-históricas de
produção, a linguagem e as formações discursivas. A associação dessas relações
autoriza o sujeito político a articular, tal como no corpus que selecionamos, sua imagem
pessoal com seu conhecimento de política e sua competência linguístico-discursiva.
Temos percebido que a categoria carisma vem se tornando uma peculiaridade,
principalmente nos sujeitos políticos brasileiros em campanhas eleitorais. De modo
geral, os sujeitos dos discursos políticoeleitorais procuram manifestar, na organização
discursiva, não somente o seu conhecimento de política, mas também uma imagem de
poder a partir de valores simbólicos que lhes garantem êxito nas eleições. Nesse sentido,
podemos apreender cada discurso político, principalmente aquele veiculado na mídia
(midiatizado), como um espaço discursivo que ganha novos efeitos de sentido quando o
sujeito político utiliza recursos linguageiros e estratégias de marketing político para
construir uma imagem carismática de si, posicionando-se, por conseguinte, com poder e
autoridade diante dos cidadãos.
Nosso interesse por relacionar carisma e ethos discursivo corresponde a uma saída
teórico-metodológica para a questão da construção da imagem e da comunicação
106
política, especialmente em se tratando da aplicação dessas categorias em discursos
proferidos em segundo turno de campanhas para presidente do Brasil.
O que buscamos no discurso políticoeleitoral é confirmar como o presidenciável se
inscreve em seu discurso. A par disso, discutiremos a noção de carisma com o propósito
de tomá-la como uma categoria da AD.
3.1. Discutindo a noção de carisma
Da busca em alguns dicionários de Língua Portuguesa, pudemos depreender, de um
lado, o termo carisma, em sentido lato, como uma habilidade inata de um indivíduo que
o torna apto a causar admiração, encantar, persuadir, atrair ou seduzir outro ou um
grupo de indivíduos, por meio de uma maneira peculiar de ser e agir. A ideia de que o
carisma seja inato não é consenso entre os dicionaristas, visto que alguns argumentam
que, como qualquer habilidade, o carisma pode ser aprendido. Em sentido etimológico,
por outro lado, o termo carisma vem do grego khárisma, significando graça ou favor,
ou seja, um dom gratuito de Deus.
A consequência do uso desse conceito de carisma, ainda hoje, permanece presente nos
estudos de práticas religiosas, na medida em que carisma se ancora na transcendência,
na graça divina, dando ao sujeito carismático poder em vida e após a morte sobre
aqueles que o reconhecem como salvador da humanidade. Nesse sentido, podemos
afirmar que, em contextos de relações de domínio e poder, tanto religiosos quanto
políticos, o carisma causa admiração.
Considerando as várias abordagens da noção de carisma e de sua aplicação em análise
de práticas e crenças religiosas, recorremos a essa categoria para o estudo do discurso
políticoeleitoral, porque, para nós, o sujeito político pode ser um indivíduo admirável,
poderoso, fascinante e sedutor, se observado do ponto de vista da instância política.
Além disso, qualquer sujeito que utiliza o espaço público para se manifestar como
político pode ser reconhecido como portador de carisma, se assim for legitimado por
outro indivíduo ou por um grupo, sendo, por conseguinte, o carisma, um dispositivo
fundamental de poder para a instituição do político enquanto líder.
107
3.1.1. Platão: carisma institucional
No intuito de situarmos discursivamente, em nossa tese, os estudos desenvolvidos
acerca de carisma e sua relação com o poder, faz-se necessário apontar, inicialmente,
que o embrião da noção desta categoria remonta a Platão. Segundo o filósofo, a arte de
governar a cidade, ou seja, a arte política, deve estar intrinsicamente ligada ao saber,
que atribui qualidades e determinações ao sujeito político. As ideias de Platão em
relação ao modelo de sujeito político para ser o guardião do Estado estão explanadas em
A República, A Política e a Carta VII.
Para os interesses de nossa tese, podemos afirmar que, em Platão, encontramos uma
noção de carisma que envolve uma perspectiva institucional, na medida em que o
carisma está no indivíduo que não vive fora da lei, está legitimado pela tradição, deve
ser ou parecer justo e bondoso, a fim de que se aproxime das qualidades da divindade.
Platão considera que o carisma deve se constituir a partir da justiça, entendida como
uma virtude que fortalece o poder e estabiliza a unidade do Estado.
Em Platão (1999 p.154), encontramos algumas características do sujeito político,
quando ele discute as condições necessárias aos que deverão estabelecer as leis,
protegê-las e preservá-las”: ele deve ser tranquilo, reflexivo e, às vezes, passional e
rápido nas decisões e posicionamentos. Para tal, afirma: Habrá de ser filósofo, fogoso,
veloz y fuerte por naturaleza quien haya de desempeñar a la perfección su cargo de
guardián en nuestra ciudad. Além disso, Platão (1997), enumera as qualidades
indispensáveis ao político, entre elas, ser amigo da verdade, ter ódio à mentira e à
fraude, cultivar os prazeres da alma, abandonar os prazeres do corpo, ser moderado,
generoso, magnânimo, entusiasta e desinteressado.
Ao longo da história das ciências, outros autores, tais como Nietzsche, Maquiavel,
Weber, Bourdieu, Charaudeau discutem as posturas dos sujeitos religiosos e políticos
em seus discursos, garantindo-lhes popularidade e êxito em suas atividades. Para os
interesses de nossa tese, enfocaremos apenas as contribuições de Weber (1980a; 2000;
2011), Bourdieu (2007a; 2007b) e Charaudeau (2006a; 2008; 2012), de forma sintética,
isto é, sem a pretensão de esgotar o assunto, que mereceria um aprofundamento teórico
maior, que nos desviaria dos objetivos de nossa tese.
108
3.1.2. Weber: dominação carismática
É pontualmente das palavras de Weber que justificamos sua escolha para esta tese,
quando nos afirma que:
O poder do carisma [...] fundamenta-se na fé em revelações e heróis,
na convicção emocional da importância e do valor de uma
manifestação de natureza religiosa, ética, artística, científica, política
ou de outra qualquer, no heroísmo da ascese, da guerra da sabedoria
judicial, do dom mágico ou de outro tipo. Esta fé revoluciona os
homens “de dentro para fora” e procura transformar as coisas e as
ordens segundo seu querer revolucionário. No entanto, deve-se
compreender corretamente esta oposição. Apesar de todas as
diferenças fundamentais da esfera em que circulam, as “ideias”
religiosas, artísticas, éticas, científicas e todas as demais,
particularmente também as organizatórias políticas e sociais,
surgiram, do ponto de vista psicológico, de uma maneira
essencialmente idêntica. Trata-se de um “avaliar” subjetivo, “a serviço
da época”, o qual quer atribuir algumas ideias ao “intelecto” e outras à
“imaginação” (ou seja, como for a distinção): a “imaginação”
matemática de um Weierstrass, por exemplo, é “intuição” exatamente
no mesmo sentido que aquela de qualquer artista, profeta ou
demagogo; não é aqui que se encontra a diferença. Não se encontra, e
isto cabe enfatizar para se compreender a significação do
“racionalismo”, na pessoa ou nas “vivências” anímicas do criador das
ideias ou das “obras”. Encontra-se, ao contrário, na forma em que são
internamente apropriadas e “vivenciadas” pelos dominados ou
liderados. (WEBER, 1999, pp. 327-328).
Por esse recorte, compreendemos a amplitude das contribuições de Weber para a
constituição de nosso objeto de estudo, da problemática que delimita nossa tese e para a
as análises que empreenderemos mais adiante. Weber viveu em um momento histórico
em que, por um lado, predominava o positivismo e, por outro, os críticos dessa corrente
filosófica. Contrário às ideias dos idealizadores do positivismo, Weber recebe influência
direta de Marx em relação ao capitalismo ocidental e de Nietzsche, na questão da
vontade de poder, compartilhando com esses pensadores a fundação da Sociologia.
Weber inaugura o método da Sociologia compreensiva pelo qual os sujeitos atribuem
sentido às suas próprias ações e consideram-nas em um contexto social mais amplo.
Para ele, o sociólogo, ao estudar as ações sociais, deve priorizar a motivação dos
indivíduos e dos grupos sociais, pois as ações em si não têm um sentido próprio, na
medida em que são os sujeitos que atribuem sentidos a elas. Assim, ser sociólogo
implica compreender, por meio de reflexão sociológica, os sentidos das ações sociais,
109
que são dados pelos acordos com o autor; por isso, ação social significa uma ação que,
quanto ao sentido visado pelo agente ou pelos agentes, se refere ao comportamento dos
outros, orientando-se por este em seu curso. (WEBER, 2009, p.3).
Embora, em seus estudos, Weber tenha se dedicado a diferentes temas, em sua maior
parte, nos campos da sociologia, economia, religião e política, aqui, nos limitaremos ao
seu conceito de dominação e sua relação com o carisma, a fim de depreendermos como
essa categoria pode definir o sujeito político, mudando-lhe a atitude. Nas palavras dele:
O portador do carisma assume as tarefas que considera adequadas e
exige obediência e adesão em virtude de sua missão. Se as encontra,
ou não, depende do êxito. Se aqueles aos quais ele se sente enviado
não reconhecem sua missão, sua exigência fracassa. Se o reconhecem,
é o senhor deles enquanto sabe manter seu reconhecimento mediante
“provas”. Mas, neste caso, não deduz seu “direito” da vontade deles, à
maneira de uma eleição; ao contrário, o reconhecimento do
carismaticamente qualificado é o dever daqueles aos quais dirige sua
missão. (WEBER, 1999, p. 324).
Contudo, Weber entende a dominação como uma sorte de encontrar pessoas
determinadas e prontas para obedecer a uma ordem de conteúdos determinados. Nesse
sentido, para que se constitua indivíduos submissos que atendam os dominadores, faz-se
necessário que a dominação seja socialmente legitimada. Com base nisso, Weber
(1999), em função de diferentes legitimidades, apresenta três tipos de dominação:
carismática, legal racional e tradicional.
A dominação carismática é aquela em que a autoridade é aceita por conta de uma
devoção afetiva dos dominados. Esse tipo de dominação se fundamenta em crenças
transmitidas por profetas, ou seja, os indivíduos dominados reconhecem o dominador,
acatam-no por uma atitude de fé e a eles imputam deveres invioláveis e qualidades
pessoais extremas que obedecem afetivamente e por convicção. Dessa forma, a
dominação carismática é autoritária e imperativa e, sendo a forma mais pura de
dominação, Weber (1999) assegura que essa virtude é instável à figura do dominador.
A dominação legal racional depende da crença nas legalidades das leis. Os dominados
pensam respeitar as leis, mas, na verdade, respeitam também aqueles que as elaboram.
Nesse sentido, o dominador legal pode criar ou modificar qualquer lei que será aceita e
110
assegurada pelos submissos. Por essa perspectiva, instala-se uma burocracia hierárquica
funcional como sendo o tipo mais puro de dominação. Queremos dizer com isso que a
submissão não ocorre à pessoa diretamente, mas à lei e por ela se torna autoridade a
própria lei e, por extensão, quem a elaborou, dando-lhe e assegurando-lhe legalmente
poder de autoridade.
A dominação tradicional se caracteriza por considerar a autoridade do dominador
homologada pela força sagrada da tradição. Desse modo, os dominados são os súditos,
devendo-lhes obedecer e respeitar o dominador, em virtude de a tradição garantir a ele
uma dignidade pessoal que se julga sagrada. Estreitamente relacionada à tradição, toda
ordem se prende necessariamente às normas tradicionais. Em outros termos, não há
possibilidade de criação de um novo direito, impossível em função das normas da
tradição. Segundo Weber, esse tipo de dominação é estável por causa da solidez e da
estabilidade do meio social que se acha sob a dependência direta e imediata do
aprofundamento da tradição na consciência coletiva.
De forma geral, a sociologia de Weber se fundamenta em uma possível interpretação da
sociedade moderna. Por isso, os termos dominação e carisma tornam-se recorrentes em
seus estudos e servem para caracterizar a construção de figuras políticas em cena em
nossa sociedade. Dominação, para Weber, expressa uma ação pela qual o dominador,
por vontade própria, influi sobre os atos de outros, e carisma refere-se a uma qualidade
pessoal, extracotidiana que confere a uma pessoa poderes sobre-humanos. Conforme o
autor, a dominação carismática se estabelece na relação de forças dissimuladas, em que
o dominador e dominado se apreendem. Isso porque:
o carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte
vinculação à tradição [...] O carisma destrói [...] em suas formas de
manifestação mais sublimes regra e tradição e inverte todos os
conceitos sacrais. Ao invés da piedade em relação àquilo que é, desde
sempre, considerado comum, e por isso sacral, ele força a sujeição
interna sob aquilo que nunca antes existiu, sob o absolutamente
singular, e por isso divino. Nesse sentido puramente empírico e
neutro, é, porém, o poder especificamente criativo e revolucionário da
história. (WEBER, 2009, p.161).
Pelo que antecede, podemos afirmar que Weber postula o carisma como uma força
social criativa ou destrutiva que circula nos espaços sociais e que pode estimular o
111
surgimento de novas religiões, destruir as instituições políticas dominantes e até mesmo
possibilitar novas formas de vida. Basicamente, à categoria carisma, para o autor,
integram elementos racionais que geram poder e dominação e outros não racionais
presentes nas ações transformadoras dos carismáticos e de seus seguidores.
Vale ressaltar que a dominação carismática se refere àquela que vai além da
racionalidade, visto que o sujeito carismático se define por meio de dons específicos do
corpo e do espírito. Neste sentido, o carisma não é e não pode ser institucionalizado em
sua forma “pura”, pois a atitude do indivíduo é mais importante. Nessa perspectiva, o
político carismático deve ser colocado sempre à prova para que se legitime como tal;
afinal, o político, por suas aptidões particulares, deve transformar sonhos em realidade.
Nele, portanto, são observados racionalmente aspectos de empatia, emoção e de
subjetividade em função de seus objetivos. Resta-nos dizer, ainda, que, para Weber
(2009), o carisma é algo atribuído a determinado sujeito que, para manter sua condição,
deve provar o seu valor. Por isso, quando um político utiliza o carisma em benefício
próprio, pela sociologia weberiana, ele passa da dominação carismática pura para a
dominação racional.
Em nossa análise, traremos a discussão de como a dominação incide sobre o carisma em
diálogo com as abordagens de Weber, Bourdieu e Charaudeau, articulando-as com a
noção de ethos discursivo, conforme Maingueneau; além da noção de poder de Bobbio,
pois essas categorias podem negociar diferentes efeitos de sentido nos enunciados
constitutivos dos discursos que selecionamos como corpus desta tese.
112
3.1.3. Charaudeau: relação ethos-carisma-poder
Charaudeau é um linguista francês, especialista em Análise do Discurso e reconhecido
como o fundador da Semiolinguística, abordagem interdisciplinar que apreende o
discurso em uma situação de problematização, tornando possível a relação entre as
marcas linguísticas e alguns fenômenos sociais ou psicológicos dos quais interagem
enunciador e co-enunciador nos processos de produção de efeitos de sentido. A
abordagem proposta por Charaudeau visa à construção de um modelo multidimensional
de compreensão da realidade social e isso nos interessa, na medida em que nossa tese
integra o verbal, o não verbal e outras dimensões necessárias ao ato enunciativo.
Privilegiamos seus estudos em nossa tese, porque reflete sobre a relação de dependência
entre carisma e ethos no discurso político, ligando a categoria carisma com legitimidade
por meio da qual se constitui um ethos de credibilidade ao/no discurso.
Sabemos que todo discurso pressupõe a constituição de uma imagem do enunciador que
interage com o co-enunciador no processo discursivo. Neste sentido, Charaudeau
postula que é na interação com o outro que as identidades e recursos sociais deles são ou
não utilizados, embora o discurso se construa de uma forma ou de outra. O modo de
interação dos interlocutores e o discurso que eles produzem não estão predefinidos em
relação ao momento de produção do discurso. O enunciador e o co-enunciador
assumem, no discurso, uma série de expectativas relativas ao modo de organização de
cada tipo de encontro linguageiro e ao tipo de discurso esperado em cada caso. Falar,
nesta direção, significa interagir com outro, manifestar-se a si mesmo e falar sobre o
mundo.
Decorre do que antecede que, segundo Charaudeau (2012), todo e qualquer ato de
linguagem se estabelece por meio de um contrato de comunicação e implicitamente
desencadeia a construção de um ethos resultante de um plano situacional e de um plano
linguístico. Segundo ele, a imagem dos interlocutores advém, de um lado, de seus
objetivos comunicacionais, do assunto da interação e das circunstâncias materiais que os
aliam. Por outro lado, estão outros aspectos relacionados ao plano discursivo, ou seja, os
aspectos que definem o modo de dizer e as estratégias discursivas pertinentes ao tipo de
discurso enunciado.
113
Charaudeau (2006b) afirma, também, que, no discurso, o enunciador autoemerge,
destaca-se, identifica-se pelo que ele enuncia, embora nem sempre tenha clareza e
consciência de sua elocução. Isso quer dizer que não se trata de avaliar o
posicionamento sobre o que o sujeito enuncia, o seu pensamento e as suas opiniões, mas
de sabermos que o comportamento do sujeito, sua relação com ele mesmo e com os
outros, mostrado no funcionamento discursivo, constitui um modo de subjetividade do
enunciador, ou seja, uma forma manifestação de sua interioridade.
É a partir dessa evidência do enunciador que podemos relacionar o ethos discursivo ao
carisma que se manifesta em meio a um acordo de permuta entre os coenunciadores do
contrato de comunicação. Por essa perspectiva de Charaudeau, o carisma resulta da
interação entre a imagem do enunciador e a forma como sua expressividade ecoa no seu
co-enunciador, atraindo-o de modo a levá-lo a identificar-se com o enunciador como
uma necessidade essencial. Assim, a categoria carisma não só se define como um meio
de identificação, mas também como um ideal a ser absolutizado.
O ethos discursivo é sempre um movimento em construção, e o carisma participa deste
fenômeno. É a questão do ethos discursivo levado ao extremo, pois ele não se funda na
legitimidade; é uma vantagem que se sobrepõe à legitimidade, na medida em que um
sujeito pode ter uma legitimidade institucional, mas não ter carisma. Ter carisma é mais
que conseguir credibilidade e aceitação do público.
Para conceituar carisma, Charaudeau (2012) busca sua origem etimológica no grego
que, como dissemos anteriormente, significa dom, graça divina. Para ele, o termo foi
introduzido na Teologia católica pelo apóstolo Paulo e, tempos após, empregada na
Sociologia política com o sentido de autoridade, sedução. Em sua reflexão, Charaudeau
caracteriza carisma por transcendência e atração mediado pelo corpo que materializa a
existência do carisma.
Ao propor a transcendência como a característica primeira do carisma, Charaudeau
(2012) retoma Weber, para quem o carisma carrega em si a graça divina, ou seja, o
carisma é algo transcendente, sagrado. Assim que, neste sentido, carisma foi atribuído à
figura dos profetas e àqueles que assumiram atitudes divinas. Entretanto, ao longo da
história, a ideia de carisma como transcendência se secularizou, tomando para si uma
114
marca de poder incomensurável, assumido pelo homem. Ao colocar o homem como
mediador entre a transcendência e a atração, Charaudeau insiste que a força da
transcendência emana do homem. Por isso, para que haja carisma, faz-se necessário que
um ser humano o revele. O líder carismático deve, por conseguinte, estar apto a
representar, por meio de seu corpo, as forças boas ou más da vida e da eternidade, já que
partilha sua corporeidade com a divindade. Como está investido de graça (energia
positiva ou negativa), com sua personalidade irradiada, ele exerce fascínio para o bem
ou para o mal sobre os outros. O carisma, de fato, transcende o ser humano.
Assim, na caracterização do carisma está a atração. Isso significa que o carisma é
negociado entre os coenunciadores, na medida em que o sujeito carismático se coloca
como um espelho em que o público, por meio de um desejo irresistível, vê-se atraído e
identificado com o líder carismático. É como se o público estivesse em uma situação de
espera e ele surge. Por isso, o sujeito carismático irrompe de uma necessidade de
identificação com um grupo, principalmente em dificuldade social. Com isso, torna-se
um ideal, é reconhecido como tal, de modo particular por aqueles que sofrem ou estão
marginalizados.
Na discussão sobre a categoria carisma, Charaudeau (2012) postula que se deve
distinguir carisma nas artes e na religião de carisma no campo político. E observa que o
carisma religioso, por um lado, é marcado pela transcendência divina em que o poder
emana de Deus que possibilita ao líder religioso manifestar um dom extraordinário. Por
outro lado, de modo artístico, designa o líder carismático pela extroversão, pela
exibição, posto que ele luta para satisfazer seu ego, sublimar sua criatividade e sua
performance.
O carisma político, no entanto, caracteriza-se pelo poder, pela capacidade de dominação
do líder político. Seu discurso é constitutivamente marcado pela persuasão e pela
sedução, que instaura no funcionamento discursivo um processo de fascínio garantidor
da eficácia do político. Nesse sentido, o sujeito político quer construir uma autoimagem,
um ethos discursivo de credibilidade, ao mesmo tempo em que incita o público a
identificá-lo, reconhecer nele uma identidade cívica particular capaz de desqualificar o
adversário, destacando o enunciador como melhor.
115
Em face disso, o político carismático é capaz de eliminar o oponente e de exaltar os
valores sociais necessários à vida comum. Por isso, carisma e ethos discursivo se inter-
relacionam, porque o político carismático revela em si uma identidade ideal, apta a
realizar seus sonhos que são os mesmos sonhos do co-enunciador e, inclusive,
mostrando caminhos para alcançá-los.
Naturalmente, nossa opção pelas reflexões de Charaudeau se justifica porque, além de
se filiar à AD, postula a relação ethos-carisma-poder nas discussões que apresenta sobre
o discurso político. Para ele, o carisma se constitui por meio de estratégias de linguagem
que, por serem argumentativas, refletem os posicionamentos que assumem os sujeitos
políticos na organização e no funcionamento discursivo.
Assim, embora consideremos importantes as contribuições de cada um dos autores que
mencionamos acima, priorizamos Charaudeau, pois visamos a compreender a maneira
pela qual o sujeito político se legitima perante a instância cidadã e constrói, na
enunciação, um ethos discursivo que lhe dá credibilidade e que contribui para lhe
garantir uma força social. Outros autores, particularmente Weber e Bourdieu, apontam
abordagens em diferentes modelos teórico-metodológicos, por isso reconhecemos neles
pontos fundamentais que recuperaremos no momento das análises, uma vez que os
sujeitos políticos que enunciam em nosso corpus de pesquisa recorrem a uma série de
enunciados interdiscursivos que nos impossibilita dissociar a interação de diferentes
campos discursivos no funcionamento intradiscursivo.
Do que antecede, podemos dizer que Charaudeau (2012) postula que o carisma político
se define pela transcendência, pelo cesarismo, pelo enigma, pela sabedoria e pelo poder.
No tópico seguinte, verificaremos as facetas do enunciador nas cenas discursivas.
3.2. Rosto e máscaras no discurso: o enunciador em cena
O processo de enunciação ocorre numa imbricação do que é dito com o que se projeta
ao dizer, ou seja, o enunciador, quando profere o discurso, busca a adesão do co-
enunciador por meio de estratégias discursivas que acabam por dissociar o sujeito
portador do rosto, da voz e do corpo, daquele sujeito que se diz, o enunciador.
116
O enunciador, nas palavras de Nascimento (2013), é constituído na relação da
linguagem com o social e pode ser totalmente distinto do sujeito empírico (dono do
rosto), em outras palavras, o sujeito joga com máscaras, conforme sua historicidade e a
de seu co-enunciador, a fim de negociar os efeitos de sentido de seu discurso, visando a
ter constituído o ethos discursivo de sujeito carismático.
O mundo comum da política reveste-se de sacralidade, o que permite a criação de
“profetas” (candidatos) ‘cheios’ de carisma e, à maneira religiosa, a constituição de um
grupo de “discípulos” (eleitores), pois o carisma, manifestado no discurso de uma
campanha políticoeleitoral, pode arrebatar os corações e, portanto, os votos de eleitores,
na medida em que ocorre uma apropriação, pelo enunciador, de instituições, de
discursos e de imagens de outrem que avalizam o dito.
Charaudeau (2012) afirma que, no discurso, o enunciador autoemerge, ou seja, destaca-
se, identifica-se pelo que ele enuncia, embora nem sempre tenha clareza e consciência
de sua elocução. Isso quer dizer que não se trata de avaliar o posicionamento sobre o
que o sujeito enuncia, o seu pensamento e as suas opiniões, mas de sabermos que o
comportamento do sujeito, sua relação com ele mesmo e com os outros, mostrado no
funcionamento discursivo, constitui um modo de subjetividade do enunciador, ou seja,
uma forma de manifestação de sua interioridade.
É a partir dessa evidência do enunciador que podemos relacionar o ethos discursivo ao
carisma que se manifesta em meio a um acordo de permuta entre os coenunciadores no
contrato de comunicação. A par disso, propomos, então, as noções de carisma subjetivo
e carisma objetivo. O primeiro manifesta-se exclusivamente no detentor da voz, na
figura humana, no sujeito empírico dono do rosto, trata-se, portanto, do carisma para
além da dominação, ou seja, uma qualidade performativa em que práticas corporais e
sensoriais são fundamentais para o estabelecimento da autoridade e da legitimidade do
candidato político; quanto ao segundo, carisma objetivo, emerge de condições distintas,
ou seja, de condições externas ao sujeito empírico, que se internalizam no discurso e
que projetam um ethos discursivo do candidato.
117
3.2.1. Carisma Subjetivo
ESQUEMA 5 – Circunstância de imagem – projeção do Sujeito Carismático82
O carisma subjetivo é associado às características de transcendência e de atração, que
podem ser apreendidas pelo modo de falar e gesticular do enunciador, por exemplo.
Desse modo, o carisma subjetivo está, de certa maneira, ligado ao corpo de quem
enuncia e se manifesta diante de duas forças opostas: o poder e o povo. No cruzamento
dessas forças, o carisma subjetivo torna-se fator crucial para a atuação do enunciador,
pois ajuda na promoção de discursos sedutores, gerando a necessidade de o enunciador
ter de oscilar entre a lógica simbólica e a lógica pragmática para atingir seus objetivos
de adesão.
A Circunstância de imagem toma o rosto como força simbólica na relação com
máscaras e condições que circunscrevem o projeto de dizer do enunciador e o colocam
em cena, ou seja, tal circunstância projeta ethé discursivos em certas condições de
produção (lugar e tempo) que visam a validação do discurso por parte do co-enunciador.
Este, por sua vez, associa a imagem pessoal do enunciador ao seu conhecimento de
política e à sua competência linguístico-discursiva, incorporando discursividades que
envolvem o verbal e o não verbal.
82 Esquema elaborado por nós.
MMÁÁSSCCAARRAASS
CCaarriissmmaa oobbjjeettiivvoo
RROOSSTTOO
CCaarriissmmaa ssuubbjjeettiivvoo
SSUUJJEEIITTOO
CCAARRIISSMMÁÁTTIICCOO
CCOONNDDIIÇÇÕÕEESS
CCaarriissmmaa oobbjjeettiivvoo
118
Indubitavelmente, esse é o processo discursivo em que ocorrem os programas
políticoeleitorais no HGPE, espaço em que se busca construir a imagem de candidato
carismático por meio de cenografias e ethé discursivos que fazem parte do propósito do
enunciador de obter legitimação pelo co-enunciador que, enquanto membro de uma
comunidade discursiva, tem, na memória discursiva, elementos que podem, por um
lado, validar e, por outro, invalidar a figura de poder projetada na tela do televisor.
Consideramos que o carisma do sujeito é projetado não só por meio de máscaras,
condições de produção e cenografias, mas também pelo rosto do candidato, e se
constitui como traço do ethos discursivo do enunciador. No HGPE, há uma encenação
proposta por profissionais de marketing que, em um processo de midiatização dos
discursos políticos, envolve o co-enunciador em circunstâncias que visam a validação
não só da cena, por meio de cenografias variadas, cujos scripts são reconhecíveis, mas
também do rosto e de ethé discursivos que sacralizam o enunciador como mais honesto,
mais crível, mais comprometido, mais realizador, mais humano, em outras palavras, a
Circunstância de imagem busca sacralizar o enunciador como sujeito carismático.
119
3.2.2. Carisma Objetivo
ESQUEMA 6 – Circunstância de cena – projeção do Sujeito Carismático83
Algumas considerações sobre o discurso políticoeleitoral: i. a situação de comunicação
política é onde o discurso é elaborado e organizado com base nas relações de poder; ii. a
mídia é espaço de promoção política; iii. a política é uma prática social em que forças
simbólicas se enfrentam para a conquista e a gestão de poder. Nesse sentido, a política
só pode ser exercida se for legitimada e se o candidato político se mostrar competente e
crível a um grande número de indivíduos com os quais partilha certos valores. O
candidato político, portanto, deve ser ao mesmo tempo representante e fiador do bem-
estar social. Para Maingueneau (2008b, p. 71), são os conteúdos desenvolvidos pelo
discurso que permitem especificar e validar o ethos discursivo e as cenografias.
O carisma objetivo se constitui nas cenografias que circundam a propaganda
políticoeleitoral midiatizada. A desconstrução da imagem do oponente, por meio de
falas de jornalistas, manchetes, pesquisas, diálogos casuais, mostra-se como uma
83 Esquema elaborado por nós.
Cenografia de entrevista
Cenografia de anúncio
Cenografia
de programa de auditório
Cenografia
de
depoimento
Cenografia de conversa
casual
Cenografia de notícia
SUJEITO
CARISMÁTICO
120
estratégia discursiva em que dados externos ao discurso são alocados para a situação de
comunicação e objetivam projetar o ethos discursivo do enunciador em confronto com o
ethos discursivo projetado do adversário.
No discurso políticoeleitoral, o candidato de um partido pode falar aos seus eleitores
como homem do povo, como “enviado de Deus”, como homem experiente, como
tecnocrata etc. Essas possibilidades permitem reconstruir cenografias do dado discurso e
desvelar o ethos discursivo, pois política é, na verdade, o lugar da linguagem e da
negociação de efeitos de sentido, em que atos de linguagem permitem a busca pela
adesão do co-enunciador. Dessa forma, o ethos discursivo de sujeito político
carismático é manifestado, na medida em que esse carisma influencia o co-enunciador
para que ele creia, ou seja, dê credibilidade ao discurso.
Muito por isso, acreditamos que, no HGPE, o enunciador apresenta um carisma
construído em cenografias próprias da mídia que promovem um projeto de dizer e, por
conseguinte, instauram um processo de sedução em que o co-enunciador é levado a
legitimar um ethos discursivo do enunciador que, enquanto ser no/do mundo, direciona
sua imagem de carismático para o outro e, assim, busca, nos funcionamentos discursivo
e corporal, manifestar maneiras discursivas de ser e de falar que conquistem a adesão do
Outro.
Assim, o sujeito político carismático emerge da imbricação da Circunstância de imagem
e da Circunstância de cena, ou seja, das projeções dos carismas subjetivo e objetivo, da
concorrência entre instâncias enunciativas (política, adversária, religiosa, jurídica,
econômica e empresarial) que, na cena midiática, buscam estabilizar o discurso numa
cenografia familiar ao co-enunciador para sacralizar o enunciador e fazer com que
corações sejam tocados e votos sejam garantidos nas eleições. Afinal, no jogo político,
em que ganha quem mais seduzir o Outro, paixões afloram e norteiam os debates.
3.3. Discutindo a noção de poder
Segundo Bourdieu (2007b, p.174), o sujeito político assume uma postura dominadora
pelo poder de fazer ver e fazer crer, de predizer e prescrever, de dar a conhecer e de
fazer reconhecer, que é ao mesmo tempo uma luta pelo poder sobre os poderes
121
públicos. A par disso, em nossas análises, mobilizamos as categorias ethos discursivo,
carisma, entre outras, essenciais aos procedimentos metodológicos da AD em sua
perspectiva enunciativo-discursiva, porque queremos identificar como o sujeito político,
no funcionamento discursivo, constrói uma imagem carismática de si e, em meio a
práticas linguageiras, torna possível aliar à linguagem, a mídia, a política e o poder na
espetacularização dos efeitos de sentido.
De acordo com Bourdieu (2007b), os discursos políticos são produto das “lutas
simbólicas” que determinados agentes sociais travam entre si no campo político – um
subespaço específico do “espaço social”. Este é um espaço multidimensional
constituído por diversos campos: literário, científico, político etc. É no cerne de cada um
dos campos que ocorrem as lutas simbólicas pelo poder simbólico – pelo poder agir
sobre o mundo. Ainda, de acordo com Bourdieu, a luta simbólica é uma
luta pela conservação ou pela transformação do mundo social por
meio da conservação ou da transformação da visão do mundo social
ou, mais precisamente, pela conservação ou pela transformação das
divisões estabelecidas entre as classes por meio da transformação ou
da conservação dos sistemas de classificação que são a sua forma
incorporada e das instituições que contribuem para perpetuar a
classificação em vigor, legitimando-a. (BOURDIEU, 2007b, p. 174)
É, portanto, por meio da luta simbólica, da legitimação entre as várias instâncias, que,
no campo político, as formações discursivas e os discursos políticos se estabelecem. Em
consonância à noção de carisma, trazemos também à discussão a noção de poder que,
em sua forma de coerção, marca-se efetivamente nas práticas políticas. Daí
constatarmos relações entre as instâncias política e a cidadã e podermos evidenciar a
complexidade da política, na medida em que o sujeito político, pela força do carisma,
pode oprimir os submissos.
Nesse sentido, o discurso político, particularmente, aqueles em circulação durante
campanhas eleitorais, tornam-se um espaço relevante para as manifestações de poder.
Temos assim que, enquanto instância cidadã, consciente de seus direitos e deveres, o
povo se deixa envolver por relações dominadoras que o tornam submisso. Poder, em
sentido amplo, significa uma capacidade de ação humana. Como os dicionários
122
apresentam também diferentes conceitos de poder, tomamos, aqui, a conceituação
proposta por Bobbio (2015, p. 56) que entende o poder:
como algo que se possui: como um objeto ou uma substancia (...) que
alguém guarda num recipiente. Contudo, não existe Poder, se não
existe, ao lado do individuo ou grupo que o exerce, outro individuo ou
grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele deseja.
Isso indica que o poder carrega em si uma relação interpessoal que inclui poderosos e
submissos, o que nos faz associar o poder à força, na medida em que a ação política
determina a vida social ao organizá-la. É ela que possibilita que a sociedade tome
decisões coletivas, por meio de representantes, que estarão incumbidos de diversas
responsabilidades, entre elas a de estar obrigado a prestar contas de seus atos perante a
coletividade.
Nessa perspectiva, cabe aos cidadãos estabelecer um controle dos atos praticados por
seus representantes. Assim, tem-se uma organização da ação política, que é depreendida
num espaço de discussão dos objetivos a definir, tanto na sociedade como na política. É
do poder político que provêm às sanções de leis, sempre asseguradas no consentimento
da instância cidadã, ou seja, para que a instância política consiga a adesão do povo à sua
ação, joga com argumentos da razão e da paixão e isso configura um espaço de
persuasão. As eleições seriam o modo de acesso à representação do poder, enquanto que
as modalidades de controle estariam, na essência, no interior das instituições e no
exterior, por diversos movimentos reivindicativos. A linguagem, portanto, não está
ausente no engendrar da ação política, uma vez que esse espaço depende de um espaço
de discussão.
Para Charaudeau (2008), o governo, se considerar “a palavra” como instrumento de
exercício do poder, poderá utilizá-la para intervir nos espaços de discussão, de ação e de
persuasão, para que se estabeleçam os ideais e os meios da ação política; a coordenação
das tarefas e a promulgação das leis, regras e decisões de todas as ordens, além de
convencer a instância cidadã dos fundamentos de seu programa e das decisões que ela
toma ao gerir os conflitos de opinião em seu benefício. Portanto, pode-se determinar
que o discurso é constitutivo da linguagem, que é o que motiva a ação e que lhe dá
sentido e lhe confere poder.
123
CAPÍTULO IV
MÁSCARAS DO SUJEITO POLÍTICO
Este capítulo é destinado à análise do corpus e propõe examinar, sob os princípios
teórico-metodológicos da AD, a força do ethos discursivo, do carisma e do poder da
mídia em cenografias que promovem a construção das faces do sujeito político
brasileiro no HGPE do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, quando os
candidatos Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) protagonizaram programas
eleitorais que projetaram no imaginário social uma sociedade dividida.
Entendemos que o discurso políticoeleitoral midiatizado no HGPE projeta identidades
discursivas do enunciador, ou seja, ethé discursivos que visam a legitimá-lo como
sujeito carismático em campanhas políticas, apreendidas, aqui, como discursos que
amplificam e também modificam, numa concorrência entre as várias instâncias
circunscritas na cena política, um modo de ser e um modo de fazer discurso
políticoeleitoral no Brasil.
Como vimos no capítulo I, a política é meio pelo qual os indivíduos organizam a
sociedade. Tal organização acontece dentro da lógica da prática discursiva em que a
instância política, no jogo político, para exercer o poder, deve apresentar-se crível e
eleger-se para ter suas tomadas de decisão legitimadas pela instância cidadã. Com o
advento da mídia, a busca pelo voto ganhou nova configuração, ou seja, as campanhas
políticas sofreram influências e controles de profissionais especializados em ‘marketing
político’.
Os discursos aqui analisados potencializam os jogos de aparência, pois, ao candidato,
ancorado por instâncias, conglomerados empresariais, industriais, midiáticos, religiosos
etc., ofereceu-se a possibilidade de ser, nas cenografias constituídas, carismático –
honesto e bom gestor da coisa pública. Nas palavras de Charaudeau (2008, p.12), na
cena política, o sujeito político lida com ‘máscaras’, ou seja, toda palavra pronunciada
no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais
deve ser tomada ao pé da letra, numa transparência ingênua [...].
124
A par disso, buscamos verificar as estratégias e os mecanismos discursivos utilizados
nos discursos do enunciador político que busca legitimação; entender e explicar a força
argumentativa do ethos discursivo, do carisma e da mídia na organização e no
funcionamento do discurso político; identificar as formações discursivas que atravessam
diferentes discursos de campanhas eleitorais e suas relações com as competições
interpartidárias que evidenciam o político por meio do confronto de suas relações
imaginárias com as suas condições reais de existência. Nossa hipótese é que o discurso
político midiatizado no HGPE projeta uma identidade discursiva do enunciador, ou seja,
um ethos discursivo que visa a legitimá-lo como sujeito carismático. Queremos afirmar
que o carisma enfatiza o posicionamento do ethos discursivo, na medida em que nele e
por ele vemos o sujeito político validando-se como melhor.
Nessa perspectiva, os conceitos de carisma subjetivo e carisma objetivo, ao adentrarem
às cenografias, situam o enunciador político entre a lógica simbólica e a lógica
pragmática para alcançar a adesão do co-enunciador. Para atingirmos os objetivos que
propusemos, constituímos um corpus composto de doze programas eleitorais veiculados
no HGPE, seis de Aécio Neves e seis de Dilma Rousseff. No primeiro momento,
fundamentando-nos em dados teórico-metodológicos da AD, privilegiaremos, em
nossas análises: condições sócio-históricas de produção dos discursos que
selecionamos, instâncias enunciativas, interdiscurso, gênero de discurso, cenografia,
ethos discursivo, carisma e poder, categorias imbricadas no processo exposto nos
Esquemas 1 ao 6.
No segundo momento, a par desses elementos, relacionaremos cenografia, ethos
discursivo e carisma para comprovar que a força do enunciador depende da força da
projeção de sua imagem carismática na mídia, em programas do HGPE. Assumimos
que o ethos discursivo é o que torna o enunciador ‘sujeito político carismático’, por
meio de circunstâncias de subjetivação e objetivação84.
84 Esquemas 5 e 6, páginas 117 e 119.
125
4.1. Situação comunicativa Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral
Os programas políticoeleitorais do segundo turno da campanha eleitoral de 2014 foram
transmitidos pelos canais de televisão aberta entre 13h e 13h20 / 20h30 e 20h50, do dia
11/10 ao dia 23/10. Ao todo foram quarenta minutos diários de programas que
interromperam a transmissão normal dos canais. Para esta pesquisa, selecionamos
recortes dos seis programas noturnos de cada candidato, denominados como discursos.
Na situação comunicativa HGPE, há um discurso que informa: PROPAGANDA
ELEITORAL GRATUITA DE ACORDO COM A LEI 9504/97, seguido de uma
narração de quinze segundos do enunciador: interrompemos nossa programação para
transmitir o horário eleitoral gratuito obrigatório de propaganda eleitoral sob
responsabilidade dos partidos políticos. Dentro de dez minutos, continue assistindo ao
programa X. A cenografia constituída promove uma distinção entre o que é da mídia e o
que é midiatizado, ou seja, o que é produzido pela instância midiática e o que é
produzido por outra instância, no caso do HGPE, pela instância política.
Informe inicial do HGPE
Fonte: youtube.com
126
O discurso inicial instaura a situação comunicativa, ou seja, estabelece, circunscreve, os
coenunciadores na cena do HGPE, um programa de responsabilidade dos políticos e de
seus partidos que veiculará propagandas eleitorais. Há, portanto, um enquadramento do
campo discursivo político e uma delegação de responsabilidades. À instância midiática
cabe o papel de transmitir os discursos; às instâncias política e adversária cabe o papel
de, respeitadas as regras expressas na lei, apresentar suas propostas de governo, por
meio de discursos criativos e convincentes; por fim, à instância cidadã cabe o papel de
depreender efeitos de sentido que a permitam legitimar, positiva ou negativamente, o
discurso do enunciador e, na ocasião da votação, decidir em quem votar.
Com propósito metodológico para realizar as análises, utilizaremos recortes85 feitos dos
discursos selecionados do site youtube.com. Nas tabelas a seguir, classificamos o corpus
por: discurso (D), data, recorte (R), descrição e páginas.
85 Prints feitos da tela do computador. São imagens congeladas do vídeo.
Utilizamos a noção de ‘recorte’ proposto por Orlandi (1984).
127
Tabela 3. Descrição do corpus – Discursos de Aécio Neves
Discursos Data Recortes Descrição Páginas
D1: Aécio
1º Programa
3º Programa
11 e
16/10/2014
R1, R2, R3,
R4 e R5.
O enunciador se posiciona como
representante da instância
adversária por meio de
cenografias que relacionam o
nome de Aécio com o Brasil. As
circunstâncias de imagem e de
cena projetam o enunciador como
uma espécie de ‘a marca da
mudança de que o Brasil precisa’.
131 – 135.
D2: Aécio
1º Programa
11/10/2014 R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7, R8, R9,
R10.
O enunciador constitui, por meio
de circunstâncias de imagem e de
cena, cenografias que o projetam
como político ativo na luta pela
redemocratização do Brasil: pai
de família, economista, deputado
federal, governador, neto de ex-
presidente, portanto, pronto para
ser Presidente do Brasil.
135 – 143.
D3: Aécio
1º Programa
3º Programa
4º Programa
11, 16 e
18/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7, R8, R9,
R10, R11,
R12, R13,
R14, R15,
R16.
Em diferentes cenografias, o
enunciador apresenta fiadores do
discurso do enunciador para
validar o ethos discursivo de
político conhecido e reconhecido
por sujeitos de diferentes
instâncias enunciativas.
143 – 152.
D4: Aécio
1º Programa
2º Programa
11 e
14/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7.
O enunciador apresenta
cenografias que evidenciam uma
campanha negativa contra a
instância política e que buscam
fortalecer ethé discursivos de:
bom político e gestor que valoriza
os professores, a educação etc.
153 – 157.
D5: Aécio
2º Programa
14/10/2014 R1, R2, R3,
R4, R5.
O enunciador apresenta
cenografias variadas, em que
157 – 161.
128
conversa com representantes de
sindicatos; atribui ao sentimento
de medo o fato de muitos votarem
no partido da instância política;
fala de seu compromisso com a
valorização do salário mínimo.
D6: Aécio
3º Programa
4º Programa
16 e
18/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7.
A partir das condições sócio-
históricas, o enunciador constitui
cenografias que buscam
desconstruir a imagem positiva da
instância política.
161 – 165.
D7: Aécio
3º Programa
6º Programa
16 e
23/10/2014
R2, R3. O enunciador apresenta
cenografias que mostram
pesquisas de opinião que o
posicionam na liderança da
corrida eleitoral.
165 - 166.
D8: Aécio
4º Programa
5º Programa
18 e
21/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5.
O enunciador apresenta
cenografias que visam a promovê-
lo como representante da
mudança de que o Brasil precisa
na política nacional.
167 – 170.
D9: Aécio
5º Programa
21/10/2014 R1, R2, R3. O enunciador, por meio de jogos
de aparência, busca promover a
instância política como fiadora da
verdade que o beneficia.
170 – 172.
D10: Aécio
5º Programa
6º Programa
21 e
23/10/2014
R1, R2. O enunciador apresenta
cenografias em que são
demonstrados os apoios da
família de Eduardo Campos e de
Marina Silva, presidenciáveis no
primeiro turno.
172 – 173.
129
Tabela 4. Descrição do corpus – Discursos de Dilma Rousseff
Discursos Data Recortes Descrição Páginas
D1: Dilma
1º Programa
11/10/2014 R1. O enunciador se posiciona como
representante da instância política
que busca encarar o desafio de se
mostrar (i)nova(dora) por meio de
cenografias que o associam a
ideias e governo novos.
173 – 175.
D2: Dilma
1º Programa
2º Programa
3º Programa
11 e
14/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7.
O enunciador se posiciona, por
meio de circunstâncias de imagem
e de cena, como: liderança valente
na luta pela democracia em anos
de ditadura militar; vítima de
perseguição política; presidente
séria, experiente, querida pelo
povo brasileiro e apta para
continuar mandatária do Brasil.
175 – 180.
D3: Dilma
3º Programa
4º Programa
16 e
18/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6.
Em diferentes cenografias, o
enunciador apresenta fiadores de
seu discurso para validar o ethos
discursivo de político conhecido e
reconhecido por sujeitos de
diferentes instâncias enunciativas.
181 – 185.
D 4: Dilma
1º Programa
11/10/2014 R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7.
O enunciador apresenta
cenografias que evidenciam uma
campanha negativa contra a
instância adversária com o
propósito de fortalecer ethé
discursivos de: bom político e
gestor que valoriza as pessoas,
sobretudo as menos favorecidas.
185 – 191.
D5: Dilma
1º Programa
2º Programa
11 e
14/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6.
O enunciador apresenta
cenografias variadas: recebe
jovens representantes de
movimentos da juventude no
Palácio do Planalto; participa de
eventos que demonstram seu
191 – 194.
130
engajamento e compromisso com
a aprovação da Reforma Política.
D6: Dilma
1º Programa
2º Programa
11 e
14/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7, R8.
A partir das condições sócio-
históricas, o enunciador constitui
cenografias que buscam
desconstruir a imagem positiva da
instância adversária.
195 – 200.
D7: Dilma
5º Programa
21/10/2014 R1, R2. O enunciador apresenta
cenografias que mostram
pesquisas de opinião que o
posicionam na liderança da corrida
eleitoral.
200 – 201.
D8: Dilma
1º Programa
2º Programa
3º Programa
11, 14 e
16/10/2014
R1, R2, R3,
R4, R5, R6,
R7.
O enunciador apresenta
cenografias que visam a promove-
lo como representante da mudança
de que o Brasil precisa na política
nacional.
202 – 206.
D9: Dilma
1º Programa
18/10/2014 R1, R2. O enunciador, por meio de jogos
de aparência, busca promover a
instância adversária como fiadora
da verdade que o beneficia.
206 – 207.
D10: Dilma
5º Programa
6º Programa
21 e
23/10/2014
R1, R2. O enunciador apresenta
cenografias em que é apoiado por
Lula, político que pede votos e faz
um balanço dos doze anos de
governos petistas.
207 – 209.
131
4.2. Discursos – Aécio Neves
D1 - AÉCIO – 1º e 3º PROGRAMAS – 11 e 16/10/2014
O D1, pela cenografia, instaura o enunciador como representante da instância
adversária, por meio de cenografias que relacionam o nome de Aécio com o Brasil. As
circunstâncias de imagem e de cena projetam o enunciador como uma espécie de ‘a
marca da mudança de que o Brasil precisa’.
R1
Aécio – 1º Programa – 00:09:58
Para constituição da cenografia do discurso da instância adversária, o enunciador utiliza
a letra A em maiúsculo [R1] com as cores verde, branco, amarelo e azul, que
representam as cores da bandeira do Brasil. Está centralizado na cenografia, logo abaixo
da letra A, o nome Aécio e o número 45, que representam a instância adversária e o
posicionamento que assume frente à instância política ao acionar, na memória
discursiva, o número 45. Logo abaixo do nome Aécio, há o nome do vice e a marca do
132
posicionamento do enunciador que, ao proferir o enunciado “Muda Brasil, agora é
Aécio”, assume uma formação discursiva que o define.
O cargo de presidente e a indicação do vice Aloysio Nunes são dados que buscam
recuperar, na memória discursiva do enunciador, conhecimentos que situam o
enunciador como o Presidente de que o Brasil precisa: único brasileiro que pode mudar
o país. Apesar de haver o número da sigla, não há outra referência que evidencie o
partido político (PSDB) a que está filiado o candidato, trata-se, portanto, de uma
negociação de efeitos de sentido entre enunciador e co-enunciador, uma vez que o
primeiro diz, sem dizer, que está filiado a um partido político por imposição de lei e o
segundo é conduzido a confiar no enunciador e não em seu partido.
R2
Aécio – 3º Programa – 00:00:01
133
R3
Aécio – 3º Programa – 00:00:02
Dadas as condições sócio-históricas em que o discurso está inscrito, campanha eleitoral
pós manifestações em todo o país, uma das estratégias do marketing político foi omitir86
informações que vinculassem explicitamente o candidato a um partido político, uma vez
que a maioria das agremiações estava sob investigação policial.
A cenografia nos R2 e R3, sem qualquer alusão ao PSDB, é constituída com base em
linhas com as cores verde e amarela [R2 e R3] que “percorrem” diferentes regiões do
Brasil, numa tentativa de mostrar, por meio de recursos gráficos, que as ideias do
enunciador estão contagiando todo o país. A circunstância de cena projeta o enunciador
como uma espécie de ‘a marca da mudança de que o Brasil precisa’, em um locus que
oferece ao enunciador competências ética e situacional que fazem com que o discurso
seja considerado do ponto de vista da verdade e da realidade, visando a marcar a
identidade e/ou a contrariedade do sujeito no ato enunciativo.
86 O mesmo ocorre nos programas do PT.
134
R4
Aécio – 1º Programa – 00:00:09
R5
Aécio – 1º Programa – 00:01:10
Para constituição da cenografia, o enunciador profere um enunciado o qual etiqueta
como ‘carta ao ex-presidente FHC assinada pela presidente do Brasil’ [R4],
encaminhada pela presidente Dilma Rousseff na ocasião do aniversário de FHC.
135
Enquanto narra, o enunciador focaliza o nome de quem assina a carta: Dilma Rousseff,
fiadora do discurso do enunciador [R5]. Essa estratégia situa o discurso na
Circunstância de cena, em que o enunciador constrói uma cenografia de declaração
pública positiva feita pela instância política sobre as qualidades de um correligionário
do PSDB e, depois de narrar o conteúdo da declaração, questiona: quem fala a verdade?
A Dilma que ataca para ganhar votos ou a Dilma que escreve e assina embaixo? Tal
atitude projeta, ao mesmo tempo, um ethos discursivo da instância adversária, de vítima
de ataques injustos, e um ethos discursivo da instância política, de desesperada para
ganhar as eleições, faces que objetivam influenciar o posicionamento do co-enunciador
Ao apresentar um documento com a etiqueta de ‘carta assinada pela presidente do
Brasil’, o enunciador quer conferir um efeito de verdade, afinal, a assinatura da
proponente indica não só seu conhecimento formal do conteúdo, mas também expressa
sua vontade de reconhecê-lo. Nesse sentido, a cenografia em curso ‘declaração pública
positiva feita pela instância política sobre as qualidades de um correligionário do
PSDB’ busca estabilizar o gênero de discurso ‘declaração de reconhecimento da
qualidade dos governos tucanos pela presidente da República’. Com isso, o efeito de
sentido negociado é, se a própria presidente sabe quão eficientes foram os governos do
PSDB, logo, a instância cidadã também o saberá. A cenografia define, desse modo, os
papéis do enunciador e do co-enunciador, quais sejam, propagador de verdades e
legitimador de verdades.
Vemos, portanto, que a cenografia é uma encenação que, mesmo caracterizada em
espaços e gêneros distintos, promove a força do ethos discursivo e do carisma e constrói
condições necessárias para ser legitimada. Daí a possibilidade de o enunciador, por
meio de jogos de máscaras e de cenografias, poder dirigir-se ao co-enunciador como
aquele que possui provas da falta de coerência em atitudes da instância política.
D2 – AÉCIO – 1º PROGRAMA – 11/10/2014
O D2 posiciona o enunciador que constitui, por meio de circunstâncias de imagem e de
cena, cenografias que o projetam como político ativo na luta pela redemocratização do
Brasil, pai de família, economista, deputado federal, governador, neto de ex-presidente,
portanto, pronto para ser Presidente do Brasil.
137
Nos R1 e R2, a cenografia é constituída por meio da apropriação de recursos da mídia,
efeitos de imagem, música etc., pelo enunciador. O intuito é projetar, pela máscara de
um fiador, sua trajetória política. Nesse propósito, o enunciador lança mão da figura
política Tancredo Neves [R1], seu avô e ex-presidente do Brasil. Na cenografia de
biografia profissional e pessoal, o enunciador negocia efeitos de sentido com o co-
enunciador com vistas a estabelecer uma associação de seu histórico de luta ao lado do
avô às realizações nos cargos que ocupou. Trata-se do jogo de máscaras inerente ao
discurso políticoeleitoral, no qual o enunciador quer atribuir a si o poder ser para poder
fazer, ou seja, se ele está ao lado do ex-presidente Tancredo e tem o seu sangue,
certamente, também tem o mesmo credenciamento para ser mandatário do Brasil.
Como foi analisado, as estratégias discursivas do enunciador consistem em mobilizar,
na memória discursiva do co-enunciador, formações discursivas que validem Tancredo
Neves como bom político e, por conseguinte, mostrar a força do ethos discursivo do
enunciador, ancorado no ethos do fiador do discurso, Tancredo, projeta um ethos
discursivo de candidato, sujeito membro de família nacionalmente reconhecida e
participante de movimentos que modificaram a história recente do Brasil.
R3
Aécio – 1º Programa – 00:01:55
141
R10
Aécio – 1º Programa – 00:02:21
A cenografia constituída nos R1 a R10 extrapola os limites da política e adentra espaços
diversos na sociedade, uma vez que, na TV, pessoas comuns, em papéis centrais como
aqueles em que estão os candidatos políticos à época de eleições, são considerados
arquétipos, tanto do ponto de vista da imagem quanto do comportamento, em outras
palavras, durante o HGPE, o enunciador dirige-se diretamente ao co-enunciador visado,
mostrando a composição ideal de uma família [R3] com o objetivo de promover-se
como candidato represente da ‘família brasileira’. A estratégia discursiva tem como
propósito seduzir o co-enunciador. Isso ocorre por meio da interdiscursividade entre os
campos político e familiar.
Com efeito, o enunciador não imita enunciados, mas os traduz. Tal tradução equivale a
uma interincompreensão regida por regras reconhecidas pelos coenunciadores, por meio
de uma competência discursiva que permite posicionamentos em relação às formações
discursivas concorrentes, ou seja, o enunciador, ao mostrar-se numa imagem
cumprimentando pessoas [R5], de modo feliz e descontraído, projeta um ethos
discursivo que emerge de uma cenografia que o performa como candidato popular,
articulador e capaz para ser presidente.
142
Nesse sentido, o ethos discursivo, a imagem do enunciador no discurso, constitui-se a
partir de um conjunto de características que sempre estão relacionadas ao sujeito que
revela o próprio modo como se enuncia, ao que se diz sobre ele, à sua personalidade, às
marcas de linguagem e aos aspectos psicológicos. A imagem do enunciador projetada
no discurso permite que o co-enunciador adira ao discurso. Para tanto, o enunciador
busca recuperar, na memória discursiva do co-enunciador, estereótipos e arquétipos
ligados a formações discursivas específicas que validam ethé discursivos de bom pai
[R3], bom marido [R3] e profissional competente para ‘arrumar’ a economia do Brasil
[R4]. Tais projeções estabelecem uma qualidade performativa e uma marca identitária, a
fim de que o enunciador seja legitimado pela instância cidadã que, no Brasil, é,
predominantemente, adepta do dito ‘padrão social’, quer seja na configuração familiar,
quer seja nas esferas de trabalho. Entretanto, de outro modo, há que se ressaltar que, na
atualidade, as ditas “minorias” têm tomado corpo no que diz respeito à representação
político-social.
Considerando a força da instância midiática, lugar de produção e publicização de
discursos políticos do HGPE, o enunciador constrói uma cenografia de notícia
jornalística [R6 e R7] em que apresenta sua atuação em defesa da ética na política,
quando era deputado federal [R5]. Essa estratégia vincula-se a uma circunstância de
imagem, em que, a fim de convalidar seu discurso, o enunciador destaca seu rosto e a
posição de seu corpo, sentado na cadeira da presidência da Câmara dos Deputados
Federais [R6]. Portanto, a cenografia em questão, apesar de não se abrigar em sua
instância de produção, a midiática, quer não só se estabelecer como notícia, mas
também definir o papel do co-enunciador, leitor de notícia que, bem informado, tomará
a decisão correta de votar no enunciador. Essa atitude vincula-se, também à
circunstância de cena, um conjunto de cenografias no discurso político midiatizado que
contribui para a construção do ethos discursivo de sujeito político carismático.
É disso que se trata. De um lado, o rosto mostra sua força simbólica, na medida em que
é instaurada uma relação com máscaras e condições que circunscrevem o projeto de
dizer do enunciador e o colocam em cena, ou seja, há projeção de ethé discursivos em
certas condições de produção (lugar e tempo) que visam à legitimação por parte do co-
enunciador. Este, por sua vez, associa a imagem pessoal do enunciador ao seu
conhecimento de política e à sua competência linguístico-discursiva, incorporando
143
discursividades que envolvem o verbal e o não verbal. De outro, a cenografia pode ser
uma cena típica ou servir-se de outra para negociar com o co-enunciador a legitimação
do discurso como sendo próprio de tal cenografia e não de outra. Ela é, portanto, uma
encenação que, mesmo caracterizada em espaços e gêneros distintos, apropria-se das
condições necessárias para se legitimar.
Assim, reuniões [R4], manchetes de jornais [R6 e R7], inauguração de obras [R8] –
condições externas que são internalizadas no discurso e projetam uma qualidade
extracotidiana ao enunciador –, no funcionamento discursivo, são cenografias que
projetam o ethos discursivo do enunciador de sujeito carismático, ou seja, mais bem
preparado para ser presidente do Brasil, capaz de arrebatar corações e conquistar os
votos necessários para sua vitória. Esse carisma é construído de modo objetivo e
subjetivo, ou seja, de um lado, confere, ao enunciador, qualidades superiores às de seus
oponentes e, de outro, por meio de práticas sociais que denotam competência e
habilidade, associa ao rosto do sujeito, aquele que exerceu funções públicas de deputado
federal [R5], governador [R9 e R10].
D3 – AÉCIO – 1º, 3º e 4º PROGRAMAS – 11, 16 e 18/10/2014
O D3, em diferentes cenografias, apresenta fiadores do discurso do enunciador que
buscam validar o ethos discursivo de político conhecido e reconhecido por instâncias
enunciativas.
151
R15
Aécio – 3º Programa – 00:08:25
R16
Aécio – 1º Programa – 00:02:54
Apropriando-se da força da mídia, o enunciador constitui, no conjunto dos recortes [R1
a R16], uma cenografia de biografia, por meio da qual o eleitor deve conhecer mais do
enunciador: um político com mais de trinta anos de vida pública honrada e honesta.
152
Enquanto o enunciador fala que o eleitor conhecerá Aécio como pai, marido, filho e
irmão, imagens com sua família são projetadas no vídeo, seguidas de depoimentos de
familiares.
É possível perceber a força do ethos discursivo e do carisma, quando o enunciador, no
rosto (carisma subjetivo) de políticos, lideranças e artistas, fiadores de seu discurso e em
cenografias (carisma objetivo), evidencia sua trajetória de sucesso pessoal e
profissional, o que situa o discurso nas Circunstâncias de imagem e de cena, ou seja,
circunstâncias que fortalecem o ethos discursivo projetado de homem honrado, de boa
família, e que performam o enunciador como sujeito carismático.
Para constituição de cenografias, o enunciador, nas vozes de personalidades artísticas e
políticas, reforça sua identidade discursiva ao proferir enunciados do tipo: “Aécio é o
presidente da esperança” [R7], “Eu sinto nele uma vontade, uma capacidade” [R12],
“ele organizou o estado mineiro” [R15], “pode acreditar, o Aécio dá conta do recado”
[R13], “o Brasil precisa mudar, de novo” [R14]. Tais enunciados revelam formações
discursivas que marcam o posicionamento do enunciador em relação à vida em
sociedade, inserindo-o em determinada posição no processo comunicativo de gestão de
poder.
Com efeito, o ethos discursivo se revela na figura do fiador, que pode ser confundido
com a figura do enunciador. Em outras palavras, o ethos discursivo do fiador não se
restringe somente ao discurso, ele engloba, ainda, um caráter (traços psicológicos) e
uma corporalidade (compleição física e a maneira de vestir-se, por exemplo), que
constroem estereótipos fortalecidos por se tratar de pessoa conhecida na mídia.
A estratégia discursiva de apresentar fiadores do discurso, políticos e artistas conhecidos
nacional e internacionalmente, busca associar a imagem pessoal do enunciador (seu
rosto), ao seu conhecimento de política e à sua competência linguístico-discursiva,
incorporando discursividades (máscaras) que envolvem o verbal e o não verbal. É o que
podemos constatar no R16, em que o enunciador, diante de vários microfones de
imprensa, numa cenografia que disponibiliza o espaço midiático para ouvi-lo,
posiciona-se como um candidato com força política e credibilidade. Tal atitude insere o
discurso em circunstâncias para projeção do sujeito carismático.
153
D4: AÉCIO – 1º e 2º PROGRAMAS – 11 e 14/10/2014
O D4 apresenta cenografias que evidenciam uma campanha negativa contra a instância
política.
R1
Aécio – 1º Programa – 00:09:36
No R1, o enunciador, incorporado em corpos e rostos de um homem e de uma mulher, a
mulher aparenta ser mais velha que o rapaz, constitui a cenografia que tem o propósito
de projetar ethé discursivos do enunciador de sujeito capaz, honesto, pai de família,
competente, influente e pronto para ser o próximo presidente do Brasil, tudo isso sob o
processo de desconstrução da imagem do oponente, da instância política, por meio de
enunciados como “Para o PT, o inimigo é o Aécio”. Com tal enunciado, a memória
discursiva do co-enunciador é mobilizada e, a par de suas formações discursivas, ele é
enquadrado no papel de fiador do discurso, ou seja, se ele for contra o PT, votará no
enunciador. Essa construção está associada à circunstância de imagem, em que o rosto
exerce uma influência significativa no imaginário social, o que atribui força ao ethos
discursivo e ao carisma na construção da identidade discursiva do enunciador.
A par disso, valendo-se das condições sócio-históricas em que o discurso está inserido,
últimos acontecimentos relacionados ao PT (processo da Lava Jato, por exemplo), o
154
enunciador busca projetar um ethos discursivo que macule a credibilidade da instância
política, representada pela presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT.
R2
Aécio – 2º Programa – 00:00:01
R3
Aécio – 2º Programa – 00:00:02
157
O enunciador, nos R2-R7, constrói uma cenografia de resposta às afirmações dos
adversários sobre sua conduta política em que, num rosto mais velho e tom de voz sério,
rebate acusações de seus adversários quanto a políticas que implementou à época que
foi governador de Minas Gerais. Para conquistar a adesão do co-enunciador, o
enunciador confronta o imaginário social com suas condições reais de existência, ou
seja, para reforçar tal tese de que foi um bom governador, cita notícias de jornal [R5] e
apresenta documento em que a Presidência da República, instância política, reconhece
que o governo mineiro fez boas políticas públicas, sobretudo na área da educação.
Para reforçar seu posicionamento e recobrar a memória discursiva do co-enunciador, o
enunciador constitui novas cenografias ao apresentar gráfico que indica a exatidão da
informação de que o governo mineiro paga adequadamente aos professores. As
discursividades são ancoradas pela citação de autoridade, jornal Folha de São Paulo
[R5], recurso que o enunciador utiliza para negociar os efeitos de sentido e conseguir a
adesão ao discurso de que quem paga mal os professores são governos da Bahia e do
Rio Grande do Sul, liderados pelo PT.
Essa estratégia discursiva, aliada a formações discursivas marcadas pelos enunciados:
“A campanha da Dilma está faltando com a verdade” [R2 e R3], “como sempre, o PT
adora arrumar confusão” [R4], “contra a mentira, o melhor remédio é a mudança”
[R6], “e a mudança é Aécio” [R7], recupera dados externos ao discurso que exercem
poder simbólico na construção do sujeito carismático, na medida em que fortalecem
ethé discursivos do enunciador: bom político e gestor que valoriza os professores, a
educação.
D5: AÉCIO – 2º PROGRAMA – 14/10/2014
O D5 apresenta cenografias variadas em que o enunciador conversa com representantes
de sindicatos; atribui ao sentimento de medo o fato de muitos votarem no partido da
instância política; fala de seu compromisso com a valorização do salário mínimo.
158
R1
Aécio – 2º Programa – 00:02:25
No R1, o enunciador constrói seu discurso inscrito numa cenografia de programa de
auditório, cenário muito comum na programação da instância midiática. Cercado de
representantes sindicais, com o rosto e o corpo posicionados para responder a perguntas
dos convidados, mas sempre direcionando seu discurso ao telespectador, o enunciador
tem as circunstâncias de que precisa para buscar a adesão do co-enunciador ao seu
discurso. Diante de dessa realidade, os representantes sindicais, no funcionamento
discursivo, são fiadores do discurso do enunciador, na medida em que simbolizam a
perda de poder da instância política, que é filiada ao PT, partido historicamente apoiado
pelo seguimento sindical.
As condições sócio-históricas são fatores que determinam os jogos de verdade
propostos na cenografia em questão. Considerando que havia uma avalanche de
denúncias contra o partido e correligionários da instância política, sobretudo aquelas
investigadas pela Lava Jato, o enunciador, num jogo de aparência, alude que a instância
política, além de corrupta, está isolada, ou seja, não tem mais nem o apoio de sindicatos.
Tal estratégia mostra a força da mídia, do ethos discursivo e do carisma do enunciador.
161
Nos R3 a R5, a cenografia parte da simulação de uma ação de desencorajamento
realizada pela instância política e destinada àqueles que gostariam de votar na instância
adversária. Para obter êxito, o enunciador faz uso de enunciados do tipo: “eles
[instância política] é que estão com medo [da vitória da instância adversária]87 [R5]. Tal
estratégia revela uma tentativa da instância adversária, pela lógica simbólica, em querer
instaurar, no imaginário social, uma sociedade dividida entre os que apoiam a verdade e
os que apoiam a mentira. Nesse sentido, o carisma enfatiza o posicionamento do ethos
discursivo, na medida em que nele e por ele o sujeito político valida-se como melhor.
D6: AÉCIO – 3º e 4º PROGRAMAS – 16 e 18/10/2014
O D6, a partir das condições sócio-históricas, apresenta cenografias que buscam
desconstruir a imagem positiva da instância política.
R1
Aécio – 3º Programa – 00:00:16
87 Grifos nossos.
164
R6
Aécio – 4º Programa – 00:07:17
R7
Aécio – 4º Programa – 00:07:21
Para constituição da cenografia do discurso, nos R1 e R2, o enunciador utiliza o não
verbal, imagens de um copo com água limpa que recebe gotas de um líquido que deixa a
165
água escura, turva, e o verbal, enunciados que marcam suas formações discursivas:
“Gota a gota, o governo atual... está levando o Brasil ao fundo do poço” [R1 e R2]. O
enunciador busca, por meio da cenografia, vincular, no imaginário social, a ‘morte’ da
Petrobras à morte do governo, ou seja, se o co-enunciador quiser que a Petrobras
continue viva [R3], deverá votar no enunciador, representante da instância adversária.
As cenografias constituídas nos R3-R7 reforçam a identidade do enunciador e
depreciam a instância política, na medida em que apresentam depoimentos de pessoas
de regiões diferentes do Brasil que validam as formações discursivas do enunciador.
Como visto, o enunciador assume um posicionamento em circunstâncias de imagem e
de cena, em que a força dos rostos, dos corpos, das cenografias, é fundamental para a
projeção do ethos discursivo do enunciador, que visa a ser sujeito carismático, digno da
adesão do co-enunciador.
D7: AÉCIO – 3ºe 6º PROGRAMAS – 16 e 23/10/2014
O D7 apresenta cenografias que mostram pesquisas de opinião que posicionam o
enunciador na liderança da corrida eleitoral.
R1
Aécio – 3º Programa – 00:06:45
166
R2
Aécio – 6º Programa – 00:00:04
Para constituição da cenografia, o enunciador utiliza recursos verbais e não verbais que
o projetam como candidato que está à frente de sua oponente. Enquanto as pesquisas de
opinião são apresentadas, o enunciador profere enunciados que reforçam os motivos de
sua liderança em seu estado: “Aécio está ganhando em Minas” [R1], “saiu do governo
de Minas Gerais com 92% de aprovação popular” [R2].
A cenografia que evidencia dados favoráveis ao enunciador projeta o ethos discursivo
de vencedor da corrida eleitoral, máscara ancorada pelos dados registrados no discurso
“Aécio 57% e Dilma 43%” [R1]; “Aécio 53,2% e Dilma 46,8” [R2]. No contraste, a
máscara de perdedor é atribuída a Dilma.
Essa estratégia discursiva, aliada a força da mídia que propaga pesquisas de opinião e,
portanto, influencia o posicionamento do co-enunciador, busca recuperar dados externos
ao discurso e que exercem poder simbólico na construção do sujeito carismático, na
medida em que fortalecem sua imagem pelo jogo de aparências.
167
D8: AÉCIO – 4º e 5º PROGRAMAS – 18 e 21/10/2014
O D8 apresenta cenografias que visam a promover o enunciador como representante da
mudança de que o Brasil precisa na política nacional.
R1
Aécio – 4º Programa – 00:05:48
R2
Aécio – 4º Programa – 00:05:44 Aécio – 4º Programa – 00:05:46
169
R5
Aécio – 4º Programa – 00:08:47
A cenografia constituída no R1 tem o propósito de, pelo alerta ao co-enunciador quanto
ao calendário das eleições, vincular a mudança à atitude do co-enunciador no momento
do voto. Enquanto o enunciador diz “faltam sete dias para mudar você mudar o Brasil”
[R4], uma imagem reproduz um calendário com contagem regressiva. O enunciador
marca seu posicionamento nos enunciados proferidos no R2: “O Brasil quer mudar. A
mudança é Aécio”, mas sua preocupação quanto à efetivação de seu desejo esboçado no
R1 é concretizada no R3, em que o enunciador mostra o código da mudança [45],
número da legenda partidária que deverá ser digitado no dia da eleição.
As condições sócio-históricas, proximidade do dia da votação no segundo turno, fazem
com que o enunciador constitua outras cenografias, como uma fala familiar ao lado de
sua esposa [R4], e notícias sobre os malfeitos da instância política [R5], para reforçar o
ethos discursivo de carismático.
De um lado, o enunciador, com a máscara de bom marido [R4], conversa com os
eleitores, lembrando que aquele dia marcava o início da última semana eleitoral, por
isso agradece as demonstrações de apoio e carinho de todas as famílias brasileiras, que
170
se mostram inseguras quanto ao futuro. O enunciador diz que a mudança por que todas
as famílias esperam já começou e convida a todos para que todas as famílias construam
um novo Brasil. De outro, após as demonstrações de apoio à campanha de Aécio, numa
cenografia de notícia e na voz de uma mulher mais madura, o enunciador diz “veja
agora o que o governo Dilma fez e entenda por que a maioria dos brasileiros quer
mudar”.
A cenografia é constituída por uma sequência de reportagens sobre os altos juros
brasileiros e as paralisações de obras iniciadas por Dilma, além do drama por que os
brasileiros passariam se mantivessem Dilma no governo por mais quatro anos. Essa
estratégia situa o discurso na circunstância de cena, em que o enunciador, subsidiado
pela força da mídia, projeta-se como sujeito político carismático, ou seja, busca
influenciar o posicionamento do co-enunciador para validar-se como melhor.
D9: AÉCIO – 5º PROGRAMA – 21/10/2014
O D9 mostra jogos de aparência para promover a instância política como fiadora da
verdade que beneficia o enunciador.
R1
Aécio – 5º Programa – 00:06:28
172
Para constituição da cenografia, o enunciador profere os enunciados “Preste atenção no
que Dilma fala de Aécio”, “Aécio. Aprovado até pela Dilma” e aforiza enunciado
proferido por Dilma, em abril de 2009, em que diz “Então, primeiro eu respeito demais
o governador. Acho que ele fez um excelente governo em Minas, reconhecido pelos
mineiros, né?”. Essa estratégia situa o discurso em circunstâncias de cena e de imagem,
na medida em que, pelo rosto e pelas palavras da oponente, o enunciador projeta o ethos
discursivo de sujeito carismático, reconhecido até pelos adversários.
D10: AÉCIO – 5º e 6º PROGRAMAS – 21 e 23/10/2014
O D10 apresenta cenografias em que o enunciador é apoiado pela família de Eduardo
Campos e por Marina Silva, presidenciáveis no primeiro turno.
R1
Aécio – 5º Programa – 00:00:25
173
R2
Aécio – 6º Programa – 00:06:19
O enunciador, para constituição da cenografia, utiliza o hino nacional brasileiro, as
cores da bandeira do Brasil, o rosto e a voz de Marina Silva. Trata-se, mais uma vez, de
afiançar seu discurso, de mostrar-se melhor, por isso, dentro de tais circunstâncias, o
enunciador assume formações discursivas que destacam a importância dos apoios de
forças políticas que obtiveram votações expressivas no primeiro turno, principalmente
de Eduardo Campos e de Marina Silva, para, no funcionamento discursivo do discurso
midiático, promover a força do ethos discursivo e do carisma.
.
4.3. Discursos – Dilma Rousseff
D1: DILMA – 1º PROGRAMA – 11/10/2014
O D1 instaura o enunciador como representante da instância política que tem de encarar
o desafio de se mostrar (i)nova(dora), por meio de cenografias que associam o
enunciador a ideias e governo novos.
174
R1
Dilma – 1º Programa – 00:00:01 Dilma – 1º Programa – 00:00:03
Para constituição da cenografia no R1, o enunciador utiliza elementos não verbais,
como o tamanho grande das letras ‘GOVERNO NOVO / IDEIAS NOVAS’ e as cores
verde e laranja em destaque, que buscam recuperar, na memória discursiva do co-
enunciador, conhecimentos que situem o enunciador como presidente de um governo
que está se reformulando para melhor. Essa estratégia situa o discurso em circunstâncias
que projetam, no imaginário social, um ethos discursivo de sujeito político carismático,
representante da instância política, desvinculado de malfeitos e que continuará seu
governo, mas em novo formato, com novas ideais, máscaras que objetivam influenciar o
posicionamento do co-enunciador.
Como parte da estratégia que visa à adesão do co-enunciador, há a valorização das
condições sócio-históricas em que se inscreve o discurso, campanha eleitoral pós
manifestações em todo o país88. Uma das estratégias discursivas, assim como ocorreu
no discurso do enunciador na campanha de Aécio Neves, foi omitir89 informações que
vinculassem explicitamente o enunciador a um partido político, uma vez que a maioria
das agremiações estava sob investigação policial.
Com efeito, o enunciador, ao proferir o enunciado ‘GOVERNO NOVO / IDEIAS
NOVAS’, tem o propósito de vincular-se ao futuro e afastar-se de qualquer problema do
presente e do passado, instituindo, portanto, uma perspectiva da mudança de que o
88 Vide Capítulo I, p.53. 89 O mesmo ocorre nos programas do PT.
175
Brasil precisa. Assim, tal atitude promove uma cenografia de reconhecimento de erros
que visa a (re)credenciar o enunciador e reconduzi-lo à instância política, lugar de
produção de discursos do enunciador que governa.
D2: DILMA – 1º, 2º e 3º PROGRAMAS – 11, 14 e 16/10/2014
O D2 posiciona o enunciador, por meio de circunstâncias de imagem e de cena, como
liderança valente na luta pela democracia em anos de ditadura militar; vítima de
perseguição política; presidente séria, experiente, querida pelo povo brasileiro e pronta
para continuar mandatária do Brasil.
R1
Dilma – 1º Programa – 00:08:59
176
R2
Dilma – 1º Programa – 00:09:59
Nos R1 e R2, o enunciador, para constituir a cenografia, lança mão de um fiador
discursivo que avaliza sua trajetória política: sua própria luta contra a ditadura militar.
Essa estratégia discursiva busca mobilizar, na memória discursiva do co-enunciador,
dados que legitimem uma combatente do regime militar como sujeito capaz de combater
os malfeitores e sujeito valente para tocar obras e projetos importantes para o Brasil. Por
meio da cenografia de biografia pessoal e profissional, da relação do histórico de luta
com as realizações do enunciador como Presidente da República, o ethos discursivo
projetado é o de candidata experiente e preparada para ser, novamente, presidente do
Brasil. Tudo se dá em um jogo de máscaras, em que o enunciador busca atribuir a si o
poder ser para poder fazer, em outras palavras, os efeitos de sentido negociados buscam
estabilizar o seguinte: se o enunciador venceu os ditames de um regime autoritário e
conseguiu ser presidente da República, apesar de sua condição estereotipada, continua
habilitado para continuar sendo mandatário do Brasil.
Assim, vemos que a cenografia é uma encenação que, mesmo caracterizada em espaços
e gêneros distintos, promove a força do ethos discursivo e do carisma, e constrói
condições necessárias para ser legitimada. Daí a possibilidade de o enunciador, por
177
meio de jogos de máscaras e de cenografias, poder dirigir-se ao co-enunciador como
aquele que possui força e resistência para enfrentar as adversidades políticas e pessoais.
Apropriando-se do poder da mídia, o enunciador é mostrado por meio de cenografias
que registram sua atuação política desde a tenra idade. Essa atitude está associada à
Circunstância de cena. A cenografia de biografia pessoal e profissional pretende não só
projetar o ethos discursivo do enunciador de mulher guerreira e valente, mas também
estabelecer o papel social do co-enunciador, admirador de políticos que venceram
regimes autoritários e que são defensores da democracia.
R3
Dilma – 2º Programa – 00:00:43
180
Já nos R3-R7, para constituição da cenografia, o enunciador distancia-se do arquétipo
comum aos candidatos em época de eleições, ou seja, não apresenta familiares felizes
que demonstram apoio à sua campanha. Ao contrário, apresenta-se como eixo de sua
própria trajetória política. Nessa perspectiva, o enunciador negocia efeitos de sentido ao
mostrar que, outrora, estava em xeque diante de militares [R1], mas, atualmente, figura,
paradoxalmente, como líder das forças armadas [R4]. Isso ocorre por meio da
interdiscursividade entre os discursos institucional e de luta política. O objetivo é
seduzir o co-enunciador para que ele adira ao discurso.
Com efeito, o fato de o discurso ser midiatizado faz com que estratégias discursivas do
campo político, quais sejam, utilização de recursos midiáticos que projetam imagens
diversas do enunciador no imaginário social; estímulo da competência discursiva do co-
enunciador, revelem as formações discursivas do enunciador, a fim de que seu ethos
discursivo seja validado como melhor. Para tanto, nos R3-R7, o enunciador apresenta
traços do sujeito, corpo, rosto e gestos, que projetam uma identidade social: uma mulher
guerreira, valente.
Assim, os efeitos de sentido negociados são engendrados em diferentes cenografias –
fotografias [R4, R5, R6, R7], cumprimentos [R6], depoimentos [R1], desfiles [R4],
condições externas que são internalizadas no discurso e projetam uma qualidade
extracoditiana do enunciador – que projetam o ethos discursivo e um carisma objetivo
do enunciador, na medida em que realçam-no como superior a seus adversários
políticos. Isso indica que tais cenografias, aliadas ao rosto da mulher, e aos ethé
discursivos de estudante engajada, valente, perseguida pelos militares [R1, R2],
primeira mulher eleita Presidente do Brasil [R3], política séria [R5], experiente [R7] e
amada pelo povo [R6], imprimem competência e habilidade ao enunciador e constroem
um carisma subjetivo, na medida em que busca credenciar o enunciador, no imaginário
social, como candidato político mais bem preparado para continuar com as políticas
públicas de que o Brasil precisa. Tais estratégias discursivas são realizadas nos
discursos multimodais, nos quais o verbal e o não verbal colaboram para a construção
do sujeito político mais carismático, capaz de arrebatar corações e conquistar os votos
necessário para sua vitória.
181
D3: DILMA – 3º e 4º PROGRAMAS – 16 e 18/10/2014
O D3, em diferentes cenografias, apresenta fiadores do discurso do enunciador que
buscam validar o ethos discursivo de político conhecido e reconhecido por instâncias
enunciativas.
R1
Dilma – 3º Programa – 00:03:38
R2
Dilma – 3º Programa – 00:06:37
184
Apropriando-se da força da mídia, o enunciador constitui, no conjunto dos recortes [R1
a R6] que apresenta depoimentos, uma cenografia de biografia, por meio da qual o
eleitor deve conhecer mais do enunciador: uma mulher política honesta e honrada que
luta pelos menos favorecidos.
Com efeito, é possível perceber a força do ethos discursivo e do carisma, quando o
enunciador, no rosto (carisma subjetivo) de políticos, lideranças e artistas, fiadores de
seu discurso e em cenografias (carisma objetivo), evidencia sua trajetória de sucesso
pessoal e profissional, o que situa o discurso nas Circunstâncias de imagem e de cena,
ou seja, circunstâncias que fortalecem o ethos discursivo projetado de mulher política
honrada, honesta, e performam o enunciador como sujeito carismático.
Para constituição de cenografias, o enunciador, nas vozes de personalidades artísticas e
políticas, sobretudo de Lula, reforça sua identidade discursiva ao proferir enunciados do
tipo:
[R1]
“houve um tempo em que o governo não conseguia fazer o emprego crescer e o
trabalhador chegava a duvidar de sua própria capacidade. Os mais jovens talvez não
se lembrem, mas os seus pais certamente se lembrarão. [...] Eu sei, como vocês, que
tem ainda muita coisa pra [sic] fazer. Pode estar certo que a Dilma é a melhor pessoa
para continuar mudando, para melhor, o nosso querido Brasil”.
[R4]
“Em 2010, eu votei na Dilma muito por causa do Lula. Neste ano, voto na Dilma por
causa da Dilma”.
[R5]
“Dilma, estamos com você”.
[R6]
“É necessário que ela consolide o que ela realizou nos últimos quatro anos”.
185
Tais enunciados revelam formações discursivas que marcam o posicionamento do
enunciador em relação à vida em sociedade, inserindo-o em determinada posição no
processo comunicativo de gestão de poder.
Nesse sentido, o ethos discursivo se revela na figura do fiador, que pode ser confundido
com a figura do enunciador. A estratégia discursiva de apresentar fiadores do discurso,
políticos e artistas conhecidos nacional e internacionalmente, busca associar a imagem
pessoal do enunciador (seu rosto), ao seu conhecimento de política e à sua competência
linguístico-discursiva, incorporando discursividades (máscaras) que envolvem o verbal
e o não verbal.
D4: DILMA – 1º PROGRAMA – 11/10/2014
O D4 apresenta cenografias que evidenciam uma campanha negativa contra a instância
adversária com o propósito de fortalecer ethé discursivos do enunciador: bom político e
gestor que valoriza as pessoas, sobretudo as menos favorecidas.
R1
Dilma – 1º Programa – 00:06:50
189
Para constituição da cenografia, o enunciador, no R1-R7, utiliza recursos verbais e não
verbais numa campanha negativa contra o oponente. O rosto jovem [R1], o tom de voz
sério e as manchetes de jornal [R2, R4, R5, R6, R7], são estratégias discursivas que
visam confrontar o imaginário social com as condições reais de existência do discurso
para reforçar a tese de que o enunciador é o melhor.
Com tal propósito, o enunciador profere enunciados que marcam seu posicionamento e
buscam recobrar a memória discursiva do co-enunciador quanto a declarações feitas
pela instância adversária, tais como:
[R4]
“Aécio já disse o seguinte: estou preparado para tomar as decisões necessárias. Por
mais que elas sejam impopulares” [...] “o candidato tucano não explicou o que seriam
essas ‘medidas impopulares’A resolução de um problema acontece quando o problema
é reconhecido.
A cenografia constituída busca validar o ethos discursivo do enunciador, na medida em
que desqualifica a instância adversária, por meio de dados da memória discursiva do co-
enunciador. Esse processo envolve o co-enunciador em circunstâncias que visam a
validação não só da cena, por meio de cenografias variadas, cujos scripts são
reconhecíveis, mas também de ethé discursivos que sacralizam o enunciador como mais
honesto, mais crível, mais comprometido, mais realizador, mais humano, em outras
palavras, trata-se da sacralização do enunciador como sujeito carismático em detrimento
da falta de carisma de seu adversário.
Firme nesse propósito, o enunciador, num rosto jovem, numa cenografia de noticiário
jornalístico, recupera, na memória discursiva do co-enunciador, fatos negativos ligados
ao aliado do adversário, Armínio Fraga. Segundo o enunciador, uma das medidas do
oponente, se eleito, será colocar Armínio Fraga como ministro da Fazenda, o que, na
visão do enunciador, é um risco, já que, quando presidente do Banco Central, no
segundo mandato de FHC, Fraga “elevou juros para 45% ao ano” [R5]. Com tal
afirmação, busca-se, pelo medo, enquadrar o co-enunciador no papel de fiador do
discurso, ou seja, se ele for contra ao caos econômico, votará no enunciador. Essa
construção está associada à circunstância de imagem, em que o rosto exerce uma
190
influência significativa no imaginário social, o que atribui força ao ethos discursivo e ao
carisma, visando à constituição identidade discursiva do enunciador.
O discurso de Fraga é aforizado e seu rosto destacado, o que o alça ao papel de
representante da instância adversária, numa tentativa de o enunciador imprimir um ethos
discursivo negativo ao seu adversário, já que aquele aduz que é assustador pensar na
possibilidade de Armínio Fraga ser membro da equipe econômica do governo federal
novamente. Percebe-se, portanto, que o enunciador, em circunstâncias dadas, joga com
máscaras, na medida em que tenta imprimir uma de incompetente ao adversário. É o que
ocorre no R3: “Aécio e seu governo foram desaprovados pelos mineiros”. Como visto,
o enunciador quer projetar para si um ethos discursivo de credibilidade ao mesmo
tempo que incita o co-enunciador a desqualificar o adversário.
Em face disso, constata-se que o enunciador se mostra empenhado em eliminar o
oponente e, paradoxalmente, exaltar os valores sociais necessários à vida comum. Tais
atitudes imbricam ethos discursivo e carisma, uma vez que o sujeito carismático
pretendido deve revelar de si uma identidade ideal, que o projete para o co-enunciador
como um sujeito apto a realizar sonhos comuns aos dois.
Além da voz empostada, cenografias variadas, como manchetes de jornais de grande
circulação mostram-se como estratégia discursiva que busca não só mobilizar a
memória discursiva do co-enunciador, mas também incorporar o poder da instância
midiática ao seu discurso, na forma de fiadora, o que possibilita, de um lado, a projeção
do ethos discursivo positivo do enunciador, que não tem nenhum dos membros de seu
governo fazendo declarações ‘tão impopulares’ e, de outro lado, a projeção do ethos
discursivo de incompetente da instância adversária, ao vinculá-la a Fraga. É o que fica
evidente quando o enunciador finaliza o discurso com o enunciado “essa é a visão de
governo de Fraga. Assustador, não é?” [R7].
A fim de negociar os efeitos de sentido, o enunciador profere o enunciado “medidas
impopulares podem significar cortes na educação, na saúde e em programas sociais”
[00:00:55, 1º Programa], numa cenografia em que apenas o enunciador é mais
competente do que a instância adversária para atender aos anseios da instância cidadã
no que cerne às áreas da saúde, educação etc. Trata-se, portanto, da construção do
191
sujeito carismático, com base nas circunstâncias de imagem e de cena. O enunciador se
vale de várias representações no discurso. Em verdade, ele joga com máscaras. Na
mídia, tal estratégia é potencializada pelo alto grau de profissionalismo das equipes
técnica e artística, que utilizam luzes, cenários, corpos, posturas e cores para investir de
poder o enunciador. É o que constatamos. O enunciador, por meio de uma voz, de um
tom e de um rosto, busca, evidenciando o ethos discursivo negativo da instância
adversária, construir para si o ethos discursivo de líder de equipe, gestor de bons e
eficientes projetos em todas as áreas.
D5 – DILMA – 1º e 2º PROGRAMAS – 11 e 14/10/2014
O D5 apresenta cenografias variadas em que o enunciador recebe jovens representantes
de movimentos da juventude no Palácio do Planalto, e de seu engajamento e
compromisso com a aprovação da Reforma Política para a qual, segundo ele, já há sete
milhões de assinaturas favoráveis.
R1
Dilma – 1º Programa – 00:07:38
194
R6
Dilma – 3º Programa – 00:06:24
Nos R1 a R6, para constituição da cenografia de propaganda/agenda de sua atuação em
defesa de assuntos de interesse da população, sobretudo quanto à Reforma Política,
cenografia típica de programas jornalísticos, o enunciador, cercado de jovens
representantes de entidades estudantis [R2] e outras lideranças políticas [R3 e R6], o
enunciador projeta, com o corpo, o rosto e a voz, um ethos discursivo de liderança
política respeitada. Assim, os representantes de entidades sociais, no funcionamento
discursivo, são fiadores do discurso do enunciador, na medida em que simbolizam o
poder de articulação dele enquanto produtor de discursos da instância política.
As condições sócio-históricas determinam os jogos de verdade na cenografia em
questão. Considerando que havia um desgaste do enunciador e de seu partido, sobretudo
por causa das denúncias da Lava Jato, o enunciador, num jogo de aparência, quer se
mostrar forte e articulador, ou seja, detentor de força política para realizar as reformas
de que o Brasil necessita. Essas estratégias são impulsionadas pelo poder da mídia que
atende aos propósitos de fortalecer o ethos discursivo do enunciador e projetá-lo como
sujeito político carismático, que merece a adesão do co-enunciador.
195
D6 – DILMA – 1º e 2º PROGRAMAS – 11 e 14/10/2014
O D6, a partir das condições sócio-históricas, apresenta cenografias que buscam
desconstruir a imagem positiva da instância adversária.
R1
Dilma – 1º Programa – 00:01:17
199
R8
Dilma – 2º Programa – 00:06:21
No D6, a cenografia é constituída a partir da exposição de realizações do enunciador,
enquanto representante da instância política, com o propósito de descontruir a imagem
positiva da instância adversária. Assim, o discurso inscreve-se nas circunstâncias de
imagem e de cena que, respectivamente, mostram a força dos rostos e das cenografias,
fatores fundamentais para a projeção do ethos discursivo do enunciador, que visa a ser
sujeito carismático, digno da adesão do co-enunciador.
De um lado, sob o som do jingle “respeite o meu Nordeste” [R7], imagens destacam
obras que estão sendo realizadas e o enunciador apresenta dados que registram o
desenvolvimento da região, sobretudo o fato de que “42% da população do Nordeste
pertencer à classe média” [R6], de outro, o projeto de integração do rio São Francisco é
apresentado [R8] como destaque, numa cenografia de conversa casual entre Dilma e
Lula, às margens do rio. Tal cenografia é constituída pelo uso de depoimentos, pela
apresentação da transposição que levou o desenvolvimento ao nordeste e pela prestação
de contas das realizações do enunciador nas áreas da saúde, educação e transporte.
Dessa forma, a fim de sedimentar o espaço na disputa políticoeleitoral, o enunciador
negocia efeitos de sentido com o co-enunciador, na medida em que apresenta dados
200
positivos da economia [R5, R6], isto é, entre a lógica pragmática – as realizações – e a
lógica simbólica – o poder fazer mais, o enunciador incorpora, no discurso, valores que,
se legitimados pela instância cidadã, oferecem força ao ethos discursivo projetado.
Essa estratégia discursiva, vinculada a fotografias das obras que já foram realizadas no
primeiro governo Dilma como, por exemplo, uma das policlínicas criadas, a de Caucaia
– CE, segundo o enunciador, “quem não conhece até estranha” [R2 e R3], e o programa
“Mais Médicos” [R4], criado no governo Dilma e que consiste na atuação de médicos
em regiões carentes do país, projeta ethé discursivos do enunciador, de bom gestor,
realizador, aquele que tem o poder de fazer muito mais do que já fez, por isso lança
novas propostas que buscam não só recobrar a memória do co-enunciador, sobretudo
nordestino, sobre as condições sócio-históricas de que fala o enunciador, mas também,
por meio do poder da mídia, provocar posicionamentos favoráveis às formações
discursivas apresentadas, de modo que a adesão enseje o voto eleitoral ao final do
processo.
D7: DILMA – 5º PROGRAMA – 21/10/2014
O D7 apresenta cenografias que mostram pesquisas de opinião que posicionam o
enunciador na liderança da corrida eleitoral.
R1
Dilma – 5º Programa – 00:01:12
201
R2
Dilma – 5º Programa – 00:01:21
Para constituição da cenografia, o enunciador utiliza recursos verbais e não verbais que
o projetam como candidato que está à frente de seu oponente. Enquanto as pesquisas de
opinião são apresentadas, o enunciador profere enunciados que reforçam os motivos de
sua liderança em seu estado: “Cresce a certeza que é Dilma novamente”, “Dilma
dispara na liderança” [R1], “É o que dizem as pesquisas...” [R2].
A cenografia que evidencia dados favoráveis ao enunciador projeta o ethos discursivo
de vencedor da corrida eleitoral, máscara ancorada pelos dados registrados no discurso
“Dilma 52% e Aécio 48%” [R1 e R2]. No contraste, a máscara de perdedor é atribuída
ao Aécio.
Essa estratégia discursiva, aliada a força da mídia que propaga pesquisas de opinião e,
portanto, influencia o posicionamento do co-enunciador, busca recuperar dados externos
ao discurso e que exercem poder simbólico na construção do sujeito carismático, na
medida em que fortalecem sua imagem pelo jogo de aparências.
202
D8: DILMA – 1º, 2º e 3º PROGRAMAS – 11, 14 e 16/10/2014
O D8 apresenta cenografias que visam a promover o enunciador como representante da
mudança de que o Brasil precisa na política nacional.
R1
Dilma – 2º Programa – 00:00:01 Dilma – 2º Programa – 00:00:03
R2
Dilma – 2º Programa – 00:00:05 – RJ
205
R7
Dilma – 1º Programa – 00:05:35
Para constituição das cenografias no D8, o enunciador apresenta seu slogan “Governo
Novo. Ideias Novas” [R1], imagens de cartões-postais brasileiros [R2], além de
registros de realizações de seu governo anterior, como diminuição das taxas de
desemprego e da miséria [R4], ascensão da nova classe média [R5], diminuição da
pobreza [R6] e aumento de investimentos em mobilidade urbana [R7]. Desse modo, o
enunciador marca seu posicionamento ao comparar os feitos de seu governo Dilma ao
do governo tucano (FHC) e ao recuperar, na memória discursiva do enunciador, dados
positivos dos governos petistas.
As condições sócio-históricas, proximidade do dia da votação no segundo turno, fazem
com que o enunciador constitua outras cenografias, por meio de imagens panorâmicas e
de enunciados do tipo: “hoje, em todas as partes do Brasil há mais emprego e
desenvolvimento, mais crianças nas escolas e mais jovens na universidade,
principalmente naquela região que era a mais esquecida, o Nordeste” [R2, R3], para
projetar o ethos discursivo de sujeito político carismático.
De um lado, com a máscara de realizador, aquele que põe a ‘mão na massa’, o
enunciador mostra suas realizações e seus novos projetos para o futuro, numa tentativa
206
de posicionar-se como o político das mudanças para influenciar o posicionamento do
co-enunciador quanto à validação de seu discurso.
D9: DILMA – 1º PROGRAMA – 11/10/2014
O D9 mostra jogos de aparência para promover a instância adversária como fiadora da
verdade que beneficia o enunciador.
R1
Dilma – 4º Programa – 00:00:57 Dilma – 4º Programa – 00:01:02
R2
Dilma – 4º Programa – 00:01:09
O enunciador, para constituição da cenografia, num processo de incorporação, utiliza o
rosto e a voz de pessoas que andam pelas ruas de São Paulo e pelas ruas do Rio de
207
Janeiro para apresentar dados sobre o aumento do número de homicídios nessas regiões
e lembrar que a Segurança é uma das maiores preocupações das populações das grandes
cidades. Trata-se de um jogo de aparências, já que o enunciador, enquanto representante
da instância política, é corresponsável por tal avanço nos índices apresentados.
A estratégia discursiva situa o discurso em circunstâncias de cena e de imagem, na
medida em que, pelo rosto e pelas estatísticas, o enunciador busca projetar o ethos
discursivo de sujeito carismático, reconhecido como governante atento às demandas da
segurança pública, diferente do opositor que governou o estado de Minas Gerais,
posicionado no gráfico como o estado que, segundo gráfico apresentado, amarga altos
índices de criminalidade. Assim, a instância adversária é alçada ao posto de fiadora do
discurso do enunciador, uma vez que, no contraste com os índices positivos do governo
Dilma, o enunciador promove formações discursivas que sustentam seu ethos discursivo
de governante realizador.
D10: DILMA – 5º PROGRAMA – 11/10/2014
O D10 apresenta cenografias em que o enunciador é apoiado por Lula, que pede votos
para Dilma e faz um balanço dos doze anos de governos petistas.
R1
Dilma – 5º Programa – 00:09:29
208
R2
Dilma – 6º Programa – 00:09:54
O enunciador, para constituição da cenografia, utiliza imagens de manifestações de
apoio à Dilma, o rosto e a voz do ex-presidente Lula e de artistas. Trata-se, mais uma
vez, de estratégias que buscam afiançar seu discurso e mostrar o enunciador como
melhor, por isso, dentro de tais circunstâncias, o enunciador assume formações
discursiva que destacam a importância do apoio da força política que obteve expressivas
votações e altos índices de aprovação popular quando era governante.
[R1]
Converse com sua família, seus vizinhos, seus amigos; mobilize sua rua, seu bairro sua
escola, seus companheiros de trabalho para refletir sobre o que está em jogo nessa
eleição. É preciso mostrar quais são os interesses representados pelos dois candidatos.
Não há dúvida de que Dilma é a garantia de manter o rumo de que o povo brasileiro
precisa. Conto mais uma vez com vocês para construirmos juntos uma grande vitória.
Dia 26 de outubro, vote 13.
O rosto de Lula, no funcionamento discursivo, é mais uma das máscaras do enunciador
que, no jogo de aparências, promove a força do ethos discursivo do enunciador de
sujeito político carismático.
209
Por fim, após relatos que registram ‘investidas históricas’ da revista Veja para tentar
barrar vitória de candidatos do PT, novas pesquisas que colocam Dilma à frente de
Aécio, novos depoimentos, inclusive do ex-presidente Lula, o enunciador fala e a
imagem registra: dou minha alma ao Brasil [R2]. Assim, o enunciador que ora estava
ancorado no rosto de outrem, posiciona-se com o rosto da presidente que dá “a alma ao
Brasil”, enunciado que busca sacralizar o discurso do enunciador.
210
CONCLUSÃO
Com esta pesquisa, pudemos analisar os elementos enunciativo-discursivos que
comprovam a força do ethos discursivo, do carisma e do poder da mídia na construção
do sujeito político brasileiro no HGPE, em condições sócio-históricas marcadas pela
realização do segundo turno das eleições presidenciais de 2014.
Em princípio, partimos das noções de política e de categorias da AD, sobretudo quanto
às condições sócio-históricas de produção, à cena de enunciação e ao ethos discursivo,
fazendo uma distinção deste com o carisma, para mostrar que houve, no discurso
políticoeleitoral midiatizado, cenografias diversas que projetaram, no imaginário social,
identidades discursivas do enunciador, ou seja, ethé discursivos que buscaram legitimá-
lo como sujeito carismático, condição que lhe permitiu negociar, com mais facilidade,
os efeitos de sentido de seus discursos com o co-enunciador.
Nessa perspectiva, apreendemos o ethos discursivo e o carisma em circunstâncias, de
imagem e de cena, que construíram, pela subjetividade, a identidade do enunciador.
Trata-se de um jogo discursivo em que estratégias de sedução, por meio de máscaras,
permitem ao enunciador parecer verdadeiro diante das instâncias enunciativas inscritas
na situação comunicativa.
Desse modo, provamos que, em cenografias estrategicamente constituídas, o discurso
políticoeleitoral midiatizado projetou ethé discursivos, ou seja, identidades discursivas
do enunciador, uma relacionada ao conceito político e outra à práxis social, para
constituição do sujeito político carismático. O ethos discursivo é sempre um movimento
em construção, e o carisma participa desse fenômeno. É a questão do ethos discursivo
levado ao extremo, pois ele não se funda na legitimidade; é uma vantagem que se
sobrepõe à legitimidade, na medida em que um sujeito pode ter uma legitimidade
institucional, mas não ter carisma. O carisma se relaciona à atitude de poder e à
capacidade de dominação, pelo convencimento, do líder político. Ter carisma é mais
que conseguir credibilidade e aceitação do público, é ser capaz de se posicionar frente
às instâncias para garantir sua identidade de exaltar os valores sociais necessários à vida
comum. Por isso, carisma e ethos discursivo se inter-relacionam, uma vez que o político
211
carismático revela em si uma identidade ideal apta a realizar seus sonhos que são os
mesmos sonhos do co-enunciador, mostrando, inclusive, caminhos para alcançá-los.
As análises mostraram que o carisma aparece como traço constitutivo da identidade do
sujeito, ou seja, situa o enunciador entre a vontade de mudança do status quo, lógica
simbólica, e sua projeção como sujeito político executor, lógica pragmática. Nesse
sentido, o sujeito político brasileiro, num jogo de aparência e de sedução, para validar
sua figura de poder na tela da televisão e nas urnas, buscou firmar-se como carismático,
reforçando suas formações discursivas que atravessaram não só diferentes discursos,
mas também competições interpartidárias que evidenciam o político por meio do
confronto de suas relações imaginárias com as suas condições reais de existência. Com
efeito, as cenografias revelaram os posicionamentos que os coenunciadores assumiram e
os sentidos que concorreram na enunciação. O enunciador, assim, assumiu identidades
sociais marcadas pelas discursividades que constituíram seu ethos discursivo.
Como sujeito político, o enunciador, enquanto ser no/do mundo, projetou a imagem de
si para ser legitimada pelo co-enunciador, mas teve de manifestar, no funcionamento
discursivo, corporal e sensorial, um carisma, uma maneira de ser e de falar, que
conquistasse a adesão do co-enunciador no processo de legitimação em que o co-
enunciador é personagem importante, enquanto membro de uma comunidade discursiva
detentora do voto e que dispõe de elementos que podem validar ou não a imagem do
enunciador. Nesse sentido, ser enunciador de um discurso não só significa ser capaz de
reconhecer enunciados como bem formados, ou seja, pertencentes à sua formação
discursiva, mas também de produzir um número ilimitado de enunciados pertencentes a
essa formação discursiva.
É essa constituição do sujeito que promove, no campo político, o discurso capaz de
projetar máscaras e assumir discursividades que buscam influenciar o posicionamento
do co-enunciador. Propor maneiras de identificar essas estratégias contribui para
perceber os efeitos de sentido negociados num campo tão polêmico como é o político.
Queremos afirmar que o carisma enfatiza formações discursivas e reforça o ethos
discursivo, na medida em que nele e por ele vê-se o sujeito político validando-se como
melhor. É o que comprovamos na análise do corpus, por exemplo, quando o enunciador
se coloca como representante da mudança de que o Brasil precisa [D1: Aécio e D1:
212
Dilma]; defensor da democracia e político experiente [D2: Aécio e D2: Dilma];
afiançado por lideranças políticas e artísticas [D3: Aécio e D3: Dilma]; conhecedor dos
malfeitos de seu opositor [D4: Aécio e D4: Dilma]; atuante nos campos sindical e
político [D5: Aécio e D5: Dilma]; respeitado e reconhecido até pelo opositor [D6: Aécio
e D6: Dilma]; líder nas pesquisas de opinião [D7: Aécio e D7: Dilma]; político
diferente, engajado [D8: Aécio e D8: Dilma]; bom gestor [D9: Aécio e D9: Dilma];
apoiado por políticos com peso eleitoral [D10: Aécio e D10: Dilma]. O discurso do
enunciador, que se revela sujeito político carismático, buscou convencer o co-
enunciador para que nele votasse.
Os candidatos Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) protagonizaram programas
eleitorais que projetaram, no imaginário social, uma sociedade dividida. Do ponto de
vista linguístico, como práxis, o discurso político foi analisado com base nas relações de
força e de fraqueza que as instâncias discursivas mantêm entre si para construírem o
vínculo social. Tais relações nos permitiram perceber os jogos de sedução que se
instauram no discurso político. Queremos dizer, por exemplo, que alguns aspectos de
produção e de veiculação do HGPE investigados, sobretudo quanto aos ethé discursivos
positivo e negativo do político, mostraram que, por meio de ataques a adversários,
buscou-se evidenciar, por óbvio, o que de positivo tem o político que enuncia, em
contraste com que o Outro tem de negativo. Em outras palavras, houve tentativas de
promover a imagem positiva do enunciador pelo contraste entre o honesto (EU) e o
corrupto (Outro). Constatamos que a legitimação de um sujeito político como
carismático pode orientar os demais eleitores, que compõem a instância cidadã, a
votarem na figura de poder que é projetada na mídia. Perceber o discurso político nessa
dimensão pode contribuir para outras discussões acerca do discurso políticoeleitoral
brasileiro.
Compreender a lógica da política brasileira e a noção de carisma possibilitou-nos propor
os conceitos de carisma subjetivo e carisma objetivo. O primeiro manifesta-se no
detentor da voz, no rosto, na figura humana, no sujeito empírico, trata-se, portanto, do
carisma para além da dominação, ou seja, uma qualidade performativa em que práticas
corporais e sensoriais são fundamentais para o estabelecimento da autoridade e da
legitimidade do candidato político; quanto ao segundo, carisma objetivo, emerge de
condições distintas, ou seja, de condições externas ao sujeito empírico, que se
213
internalizam no discurso e que projetam uma imagem do enunciador. O carisma se
apresenta como resultado da força do ethos discursivo, do rosto do sujeito, de
cenografias e da concorrência entre instâncias que, incorporadas nos programas
eleitorais midiatizados, promovem o enunciador ao status de carismático.
Ademais, verificamos que, na mídia, são produzidos e/ou propagados vários gêneros de
discurso, dentre eles a propaganda eleitoral midiatizada. Como Maingueneau (2008c),
entendemos que a determinação da finalidade do gênero de discurso faz com que o co-
enunciador tenha um comportamento adequado em relação ao gênero produzido, ou
seja, o gênero instaura determinadas regras que devem ser conhecidas pelos partícipes
da comunicação, de modo que qualquer transgressão, por menor que pareça ser, pode
pressupor a exclusão do jogo. No HGPE, o gênero de discurso ‘propaganda eleitoral
midiatizada’ abarca práxis partidária e eleitoral em processos de significação, verbal e
não verbal, que permitiram ao enunciador apropriar-se do espaço midiático para
produzir cenografias que o projetassem como melhor.
Assim como para Charaudeau (2006), para nós, também, a mídia funciona como um
espelho para o co-enunciador que, num “cruzamento de olhares”, pode aderir ao
posicionamento do enunciador, uma vez que os discursos que nela circulam utilizam
estratégias discursivas capazes de transformar, na práxis política em cena no Brasil, o
irreal em real, o falso em verdadeiro e, pelo poder da mídia, o enunciador em sujeito
carismático.
214
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Hegenberg, Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2011.
230
ANEXO 1
Links dos programas no youtube.com
AÉCIO NEVES
D1: AÉCIO 11/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=Ma8N1ILu-o4
D2: AÉCIO 14/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=4SdU74gxveI
D3: AÉCIO 16/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=SWImw6O9eDY
D4: AÉCIO 18/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=9RGg3YVONMY
D5: AÉCIO 21/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=qkzWTno68pg
D6: AÉCIO 23/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=oXPgHfeZBCw
DILMA ROUSSEFF
D1: DILMA 11/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=mX2nWNos7pk
D2: DILMA 14/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=2CqaYCo5_yE
D3: DILMA 16/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=VjzQHnRWUEU
D4: DILMA 18/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=knailgd0JhA
D5: DILMA 21/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=bly5I65bIV0
D6: DILMA 23/10/2014
https://www.youtube.com/watch?v=i0wP7f1pXKU