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A ESCOLA E A INVENÇÃO DAS IDENTIDADES NACIONAIS Luiz Eduardo Oliveira (UFS) [email protected] Palavras-chave: ensino das línguas; escola; identidade nacional; reformas pombalinas O nacionalismo, em função de uma língua e uma literatura nacional que apaga as diferenças étnicas, sociais, linguísticas e culturais que não se encaixam no projeto nacional de que o Estado e os homens de letras são os principais representantes, estabelece o padrão necessário para a produção de dicionários, gramáticas, antologias, parnasos e, principalmente, histórias literárias, os quais, institucionalizando-se nos sistemas de educação nacionais, serão uma instância preponderante, no século XIX, para a legitimação das identidades nacionais. Estas constituem-se discursivamente, em confronto com uma alteridade que pode ser representada pelo colonizador ou pelas nações concorrentes, em relação às quais, ou em decorrência das quais, suas narrativas vão sendo produzidas. Nesse sentido, o processo de institucionalização do ensino das línguas nacionais, seja como instância legitimadora do Estado-Nação, seja como disciplina escolar e acadêmica, encontra-se indissoluvelmente associado ao da configuração das identidades nacionais. A maioria dos preâmbulos das peças legislativas pombalinas assume um caráter de recuperação econômica, política, literária etc. de um tempo perdido, filiando-se assim à mitologia do eterno retorno da Idade de Ouro. Um tempo na verdade mítico, uma vez que perde suas origens nos próprios mitos do tempo. O período eleito é o século XVI: época, como se sabe, da formação dos Estados europeus, da revolução científica, das reformas religiosas, da colonização, da ascensão dos vernáculos, da gramatização e da escolarização. Não por acaso, é o período escolhido pela historiografia ocidental para demarcar e fundamentar o conceito de “modernidade”. A grande inovação da legislação pombalina, especialmente aquela voltada para a instrução pública, de modo geral, e ao ensino das línguas, em particular, foi a ênfase dada à institucionalização do ensino da língua portuguesa, desde então assumida como língua nacional. Embora as motivações da Lei do Diretório, de 1757, fossem de ordem muito mais político-econômica do que propriamente linguística, uma vez que visavam o aumento da Fazenda Real e o incremento do “commercio do Sertão”, tal documento foi de fundamental importância para a consolidação da língua portuguesa como língua nacional em Portugal e no Brasil, principalmente por consolidar o papel do catecismo como o dispositivo principal no processo de escolarização e como método do ensino das primeiras letras. Desse modo, se Luís Antônio Verney (1713-1792), já em 1747, mostrava-se preocupado com a valorização da “índole” da língua vernácula, e se em

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A ESCOLA E A INVENÇÃO DAS IDENTIDADES NACIONAIS

Luiz Eduardo Oliveira (UFS)

[email protected]

Palavras-chave: ensino das línguas; escola; identidade nacional; reformas pombalinas

O nacionalismo, em função de uma língua e uma literatura nacional que apaga as

diferenças étnicas, sociais, linguísticas e culturais que não se encaixam no projeto nacional de

que o Estado e os homens de letras são os principais representantes, estabelece o padrão

necessário para a produção de dicionários, gramáticas, antologias, parnasos e, principalmente,

histórias literárias, os quais, institucionalizando-se nos sistemas de educação nacionais, serão

uma instância preponderante, no século XIX, para a legitimação das identidades nacionais.

Estas constituem-se discursivamente, em confronto com uma alteridade que pode ser

representada pelo colonizador ou pelas nações concorrentes, em relação às quais, ou em

decorrência das quais, suas narrativas vão sendo produzidas. Nesse sentido, o processo de

institucionalização do ensino das línguas nacionais, seja como instância legitimadora do

Estado-Nação, seja como disciplina escolar e acadêmica, encontra-se indissoluvelmente

associado ao da configuração das identidades nacionais. A maioria dos preâmbulos das peças

legislativas pombalinas assume um caráter de recuperação – econômica, política, literária etc.

– de um tempo perdido, filiando-se assim à mitologia do eterno retorno da Idade de Ouro. Um

tempo na verdade mítico, uma vez que perde suas origens nos próprios mitos do tempo. O

período eleito é o século XVI: época, como se sabe, da formação dos Estados europeus, da

revolução científica, das reformas religiosas, da colonização, da ascensão dos vernáculos, da

gramatização e da escolarização. Não por acaso, é o período escolhido pela historiografia

ocidental para demarcar e fundamentar o conceito de “modernidade”. A grande inovação da

legislação pombalina, especialmente aquela voltada para a instrução pública, de modo geral, e

ao ensino das línguas, em particular, foi a ênfase dada à institucionalização do ensino da

língua portuguesa, desde então assumida como língua nacional. Embora as motivações da Lei

do Diretório, de 1757, fossem de ordem muito mais político-econômica do que propriamente

linguística, uma vez que visavam o aumento da Fazenda Real e o incremento do “commercio

do Sertão”, tal documento foi de fundamental importância para a consolidação da língua

portuguesa como língua nacional em Portugal e no Brasil, principalmente por consolidar o

papel do catecismo como o dispositivo principal no processo de escolarização e como método

do ensino das primeiras letras. Desse modo, se Luís Antônio Verney (1713-1792), já em

1747, mostrava-se preocupado com a valorização da “índole” da língua vernácula, e se em

1757 a Lei do Diretório enfatizava a necessidade da imposição da “Língua do Príncipe”,

proibindo que meninos e meninas usassem “da língua própria das suas Nações”, já em 1827,

alguns anos depois de o Brasil ter negociado, por intermédio da Inglaterra, sua independência,

a Lei de 15 de outubro, mandando criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas

e lugares mais populosos do Império, estabelecia, em seu artigo sexto, a “gramática da língua

nacional” – isto é, da língua portuguesa – entre as matérias a serem ensinadas pelos

professores.

O reinado de D. João V (1689-1750), em Portugal, foi marcado, dentre outras

coisas, pelos efeitos do Tratado de Methuen, tendo Portugal adquirido, na memória histórica

portuguesa, a imagem de um reino afastado tanto de seus vizinhos ibéricos – mesmo depois

dos casamentos reais entre as duas Casas peninsulares – quanto da Europa ilustrada, sob a

liderança de um rei tido por lúbrico e beato1. Todavia, do ponto de vista cultural, o período

joanino caracteriza-se pela importação de artistas e intelectuais estrangeiros, especialmente de

músicos italianos, bem como pela encomenda sistemática de pinturas e obras arquitetônicas,

graças ao incremento financeiro advindo do ouro do Brasil. A construção do palácio e

convento de Mafra, de 1713 a 1730, a fundação da Real Academia da História Portuguesa,

que funcionou de 1720 a 1776, a tradução e impressão de obras portuguesas e estrangeiras,

inclusive de periódicos, e a constituição da figura do homem de letras “estrangeirado”2,

representado por escritores que tiveram experiências diplomáticas ou formativas

internacionais, tais como o já referido D. Luís da Cunha, Alexandre de Gusmão (1695-1753),

Martinho de Mendonça de Pina Proença (1693-1743), António Nunes Ribeiro Sanches (1699-

1783), Luís António Verney (1713-1792) e Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782),

mais tarde Marquês de Pombal. Com relação à organização administrativa do reino português,

há uma mudança importante depois da extinção virtual, por volta de 1720, do Conselho de

Estado: a criação das Secretarias de Estado, sobretudo após a morte do conselheiro Diogo de

Mendonça de Cortes Real (1658-1736). A partir de então, passou a existir uma Secretaria de

Estado do Reino, uma da Guerra e Negócios Estrangeiros e outra do Ultramar.

A estrutura social de Portugal, nesse período, é característica das formações sociais

ibéricas durante o século XVIII, sendo constituída pelo clero, seu primeiro “braço”, pela 1 Voltaire (1694-1778), por exemplo, assim descrevia o monarca português: “Quando queria uma festa, ordenava 2 Para Falcon (1993, p. 204; 320), “o fenômeno do ‘estrangeiramento’” pode ser definido como “o produto de uma cisão entre aqueles que, viajando e que vinham de fora, militares e diplomatas de outras nações, puderam mudar suas maneiras de ver e de sentir, e os demais que, insulados, ficaram impermeáveis a tudo que viesse do estrangeiro. Foi este o ponto de partida para a divisão ideológica entre os nacionais ou ‘castiços’ e os ‘estrangeiros’, questão magna da Ilustração portuguesa, [...]”. Desse modo, os estrangeirados podem sê-lo pelo sangue ou pela educação: “O sangue é hebraico, é o que une os judeus e cristãos-novos, separando-os dos castiços. A educação é a cultura absorvida no exterior, desnacionalizante, contrária à formação castiça”.

nobreza e pelo “terceiro estado”, onde se agrupavam várias gradações dos sectores rural e

urbano. Vale ressaltar, em tal contexto, o crescimento das cidades, que passam a ser povoadas

por oficiais mecânicos e empregados de oficinas, do comércio e de serviços domésticos, bem

como por desocupados, mendigos, negros, ciganos e escravos, e o aumento dos funcionários

públicos, o que favorece à burguesia – comerciantes e empresários manufatureiros – na

competição pelos novos cargos criados pelo governo, em detrimento dos nobres e de

membros do clero. Assim, testemunhamos a emergência do “homem de letras”, que se

materializa na figura do novo tipo de “intelectual orgânico”, no sentido gramscinao do termo.

Em seu texto clássico sobre os intelectuais e a organização da cultura, Gramsci (2006, p. 15;

18) afirma que, embora seja possível dizer que todos os homens são intelectuais,

independentemente do tipo de atividade que desenvolvem, apenas alguns têm essa função na

sociedade, uma vez que todo grupo social cria para si, organicamente, uma ou mais camadas

de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência de sua própria função, nos campos

econômico, social e político.

Para Bauman (2010, p. 15), na época em que foi cunhada – nos primeiros anos do

século XX –, a palavra “intelectual” buscou recapturar e reafirmar a centralidade social e as

preocupações globais em voga no Iluminismo, pois era aplicada indistintamente a uma série

de romancistas, poetas, artistas, jornalistas, cientistas e outras figuras públicas que exerceram

influência sobre as mentalidades da nação. Com efeito, a Encyclopédie, ao redefinir o mundo

do conhecimento para os leitores modernos, identificou-o com os philosophes, de modo que a

emergência de tais “homens de letras” como novo tipo social, e com força suficiente para

interferir nos rumos políticos e culturais de determinadas formações sociais, coincide com as

publicações e episódios históricos associados ao que se concebe como Iluminismo. Nesse

sentido, o que hoje identificamos como intelectual corresponde ao philosophe, ou homem de

letras do século XVIII (Darnton, 2005, p. 24-25). É justamente por derivar seu significado da

“memória coletiva do Iluminismo”3 que a categoria “intelectual” é usada neste texto, embora

reconheça, com o referido autor, que a palavra foi criada numa época em que os descendentes

da República das Letras já tinham se dividido e especializado. Desse modo, se, por um lado, o

uso da palavra, para nos referimos aos autores, diplomatadas, professores, poetas e políticos

de finais do século XVIII e início do XIX, pode soar ahistórico, por outro pode evitar o

anacronismo muito corrente de particularizar ou especializar funções ainda não especializadas

ou suficientemente segregadas de outras de que faziam parte. Assim, optamos por não taxar

3 Z. Bauman, Op. Cit., p. 16.

de “poetas”, “historiadores”, “gramáticos” ou “filólogos”, mas de intelectuais os “homens de

letras” que, em seus respectivos contextos institucionais, contribuíram para o debate dos

temas políticos, econômicos, sociais, linguísticos e literários em voga na época.

No caso de Portugal, Falcon (1993, p. 229) identifica três tipos de intelectuais nesse

período: os “intelectuais tradicionais eclesiásticos”, que representam a antiga ordem

senhorial; os “intelectuais tradicionais não-eclesiásticos”, que são os integrantes do aparelho

burocrático do Estado absolutista – juízes, conselheiros, diplomatas, administradores etc. –, e

os “novos intelectuais”, que, embora fossem egressos dos tipos anteriores, são orgânicos em

relação à burguesia em ascensão, constituindo, no século XVIII, o tipo consagrado do

“homem de letras”. Nesse sentido, o período joanino pode ser entendido como um momento

de transição, uma vez que precede a viragem política e ideológica da época pombalina. É um

período de riqueza, ostentação e luxo, visível no esplendor barroco de sua arquitetura e de

suas carruagens, vestimentas, procissões, autos-de-fé e festas populares, tudo patrocinado pelo

fluxo aurífero. É também, segundo o mesmo autor, “a época de ouro dos freiráticos”,

caracterizada pelo assédio dos nobres aos conventos, onde se encontravam belas moças das

grandes famílias nobres que não encontravam casamento e para lá eram mandadas por

imposição paterna. Para Saraiva e Lopes (1979, p. 595), o reinado de D. João V caracteriza-se

por uma contradição fundamental: se, por um lado, o surto da mineração brasileira

proporciona a ocasião ideal para o realinhamento da aristocracia e do clero ao trono

absolutista, possibilitando assim o florescimento da cultura barroca, por outro o aparente

isolamento de Portugal com relação à Europa começa a ser objeto de críticas dos

estrangeirados, algo que vai servir de mote ao discurso da legislação pombalina, que vai

buscar colocar Portugal em condições de igualdade com as “nações polidas da Europa”.

É justamente sobre a defasagem cultural, política e econômica de Portugal com

relação às demais potências da Europa que vai recair a crítica dos estrangeirados. O fluxo

aurífero e diamantino fazia aflorar problemas monetários que colocavam em primeiro plano

as questões econômicas, as quais encontravam expressão num discurso mercantilista de que

são precursores o padre Antônio Vieira (1608-1697), cuja doutrina baseava-se na atividade

mercantil, como se nota em sua defesa da Companhia das Índias Ocidentais, fundada em 1649

por D. João IV, e na Proposta que se fez ao sereníssimo rei D. João IV a favor da gente de

nação pelo Padre Antonio Vieira sobre a mudança dos estilos do Santo Ofício e do fisco em

1646, na qual pede que se admitam os “judeus públicos” no reino de Portugal, pela sua

aplicação ao comércio, e Duarte Ribeiro de Macedo (1618-1680), diplomata que propunha o

desenvolvimento da atividade manufatureira do Estado, especialmente em seu Discurso sobre

a introdução das artes no reino (1675), onde enfatiza a importância do comércio e o perigo

da saída da moeda, considerada por ele “o sangue das monarquias”. Tais discursos

encontraram expressão política em D. Luís de Meneses (1632-1690), terceiro conde de

Ericeira, vedor da Fazenda que, a partir de 1675, passou a impulsionar a manufatura, tendo

em vista o problema da balança comercial, mas irão consolidar-se com os intelectuais

estrangeirados da geração seguinte, os quais, tendo a vantagem de observar a situação de

outros países europeus, voltavam seu olhar distanciado para a situação de isolamento e

decadência de Portugal, no intuito de diagnosticar as suas causas.

A primeira fase da governação pombalina foi marcada por acontecimentos decisivos

para o desdobramento das relações político-diplomáticas entre Portugal e Inglaterra: a

implementação do Tratado de Madri (1750), o terremoto de Lisboa, em 1755, e a Guerra dos

Sete Anos (1756-1763), que opôs a França, a Rússia e a Áustria à Prússia e à Inglaterra. A

Espanha, inicialmente neutra no conflito, aliou-se à França em 1759, quando da subida ao

trono de Carlos III (1716-1788), após a morte de Fernando VI (1713-1759), especialmente

quando os ingleses começaram a atacar, no final de 1760, as colônias espanholas das

Antilhas. A diplomacia portuguesa tentou, sem sucesso, casar o rei viúvo da Espanha e seu

primogênito com infantas portuguesas, mas em 1761, com a formação do terceiro Pacto de

Família entre os monarcas da Casa de Bourbon da França, da Espanha, de Nápoles e Parma, a

França exigiu que Portugal fechasse os portos aos ingleses. Mantida a já histórica aliança,

sacramentada que estava pelo Tratado de Methuen, os exércitos franceses e espanhóis

atacaram Portugal em abril de 1762, declarando guerra posteriormente. Foi nesse período

também que começou a manifestar-se de modo mais ostensivo o descontentamento dos

sectores mercantis ingleses com relação às medidas protecionistas de Pombal, bem como as

manobras de açambarcamento de trigo realizadas por comerciantes ingleses, burlando assim o

Regimento do Terreiro do Trigo.

A partir de 1762, as relações anglo-portuguesas passaram por uma série de atritos,

os quais já vinham se manifestando através da reação dos comerciantes ingleses estabelecidos

em Portugal contra a política econômica pombalina. Assim, quando ocorreu a invasão

espanhola na província de Trás-os-Montes, o então conde de Oeiras se viu obrigado, a

contragosto, a solicitar auxílio militar inglês, o que mais uma vez fazia ver a sua situação de

dependência política e econômica com a antiga aliada. Na Inglaterra, contudo, a aliança era

objeto de várias críticas. Em 11 de maio de 1762, por exemplo, quando foi apresentada na

Câmara dos Comuns a mensagem do rei recomendando apoio a Portugal, o representante dos

comerciantes de Londres, Mr. Clover, colocou-se contra a proposta, sendo sua oposição

repercutida numa carta aberta dirigida ao monarca português e publicada no mesmo ano e na

mesma cidade com o título de Punch’s pollitiks. Conforme o panfleto, o primeiro passo a ser

dado pelo rei de Portugal seria “uma retirada imediata a bordo da frota britânica, com seus

tesouros, toda a sua família e vassalos fiéis [...] para os Brasis”. Assim, os conquistadores

seriam deixados com a “concha” enquanto o “núcleo” seria levado embora. Tal plano,

descrito como o “sonho de fadas” de Mr. Punch, tinha o objetivo de alertar Pombal: “Se o

comércio da Grã-Bretanha não for capaz de encorajar o da França e da Espanha, adieu à

liberdade do vosso país”. Três anos depois, o ministro britânico em Lisboa, Mr. Hay,

afirmava, num relatório enviado a Londres, que Pombal, ao mesmo tempo em que estabelecia

o princípio de que era de interesse da Inglaterra ajudar Portugal em todas as suas emergências,

tomava uma série de medidas comerciais que faziam com que tal interesse diminuísse

(Maxwell, 1996, p. 120).

Com efeito, para competir com os ingleses no comércio colonial, Pombal concedeu

privilégios especiais de proteção aos grandes empresários portugueses da Companhia do Grão

Pará e Maranhão, criada em 1755, assegurando-lhes o direito exclusivo do comércio e

navegação das capitanias, o que fez com que fossem expulsos do Brasil todos os comissários

volantes, principal elo de ligação entre os comerciantes estrangeiros e os produtores

brasileiros, e banidos os pequenos comerciantes itinerantes. O mesmo havia acontecido com a

criação, em 1756, da Companhia Geral da Agricultura dos Vinhas do Alto Douro, que teve o

objetivo inicial de proteger os principais proprietários de vinhedos, incluindo ele próprio, em

prejuízo dos pequenos produtores, que vendiam mais do que o dobro de vinho aos

comerciantes ingleses. Estes não reagiram de imediato porque as companhias, além de não

representarem ameaças abertas à hegemonia comercial inglesa em Portugal, não violavam

nenhum dos tratados. Tudo leva a crer que se tratava de um plano camuflado de atacar os

interesses ingleses, o que havia sido possibilitado pela sua habilidade política, adquirida

depois de muitos anos vivendo no exterior como diplomata. Segundo Maxwell (1996, p. 67),

a política econômica pombalina não pode ser confundida com o Mercantilismo em sentido

restrito, em que o comércio é regulamentado, taxado e subsidiado pelo Estado, pois o seu

intuito era fazer uso de técnicas mercantilistas para facilitar a acumulação de capital pelos

comerciantes portugueses, individualmente.

Com efeito, dada a importância, à época, do desenvolvimento do comércio para a

prosperidade econômica de Portugal, o ministro de D. José I havia não somente legislado

sobre questões consideradas emergenciais, como as referentes ao negócio do vinho e das

matérias primas produzidas no Brasil, mas também sobre a formação de futuros comerciantes,

o que só traria resultados a longo prazo. Assim, antes da reforma dos Estudos Menores, em

1759, Pombal buscou desenvolver, no campo da Instrução Pública, os setores relacionados

com as tentativas de recuperação econômica da nação portuguesa, que, embora possuísse uma

história de conquistas e riquezas, estava em decadência, especialmente na América do Sul,

onde a sangria, causada pelos jesuítas, negociantes ingleses, colonos, escravos libertos bem-

sucedidos e contrabandistas, impedia um melhor aproveitamento do ouro e dos diamantes da

colônia. Foi com esse intuito que foi criada, pela Junta do Comércio, a Aula do Comércio,

cujos estatutos foram publicados com o Alvará de 19 de maio de 1759, em razão da falta de

formalidade na distribuição e ordem dos Livros do Comércio, tida como uma das causas da

decadência de muitos negociantes, bem como da ignorância da redução dos dinheiros, pesos e

medidas, câmbios e outras matérias mercantis, o que causava grandes prejuízos a Portugal,

sobretudo em suas negociações com as nações estrangeiras. Com os mesmos objetivos foi

criada, pela Junta Administrativa da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto

Douro, uma Aula de Náutica, com o Decreto de 30 de julho de 1762 (Oliveira, 2010, p. 49-

102). Um ponto recorrente no discurso da legislação pombalina relativa à instrução comercial

diz respeito à necessidade de tornar esta profissão digna para os nobres e a nascente burguesia

mercantil, deixando de relacionar-se, no imaginário popular, com as atividades plebeias. O

governo português, nesse sentido, buscava formar um novo homem, apto a enfrentar os

desafios que a modernidade impunha ao comércio: o “perfeito negociante”.

Por mais que suas iniciativas tenham encontrado obstáculos políticos e econômicos,

o que fez com que muitas vezes não saíssem do papel, o fato é que elas iniciaram um

movimento sem precedentes de valorização e institucionalização das atividades comerciais

em Portugal. Em 29 de julho de 1803, por exemplo, foi publicado um Alvará confirmando os

Estatutos da recém-criada Academia Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto,

assinados por Luís Pinto de Sousa Coutinho (1735-1804), primeiro visconde de Balsemão,

conselheiro, ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, os quais previam o

ensino de “hum systema de Doutrinas Mathematicas, e Navegação, e huma Aula de

Commercio, outra de Desenho, e duas das Linguas Ingleza e Franceza”, acrescentando “outra

Aula para as lições de hum Curso de Filosofia Racional e Moral, assim como outra de

agricultura”. A condição de ingresso para os discípulos, além da idade mínima de quatorze

anos, era o conhecimento das quatro operações da Aritmética. As aulas das línguas francesa e

inglesa são tratadas especificamente do Título XXIX ao XLIII, sendo possível verificar não

apenas o seu papel como instrumento de acesso, pela tradução, aos conhecimentos adequados

às matérias da academia, mas também um pouco do seu método de ensino, baseado

principalmente na gramática e na tradução, com alguma ênfase na pronúncia, no intuito de

apreender o “gênio”, o “caráter”, o “estilo” e “gosto” de cada uma delas nos “Authores dignos

de se estudarem” (Oliveira, 2010, p. 61-63). A Academia Real de Marinha e Comércio da

cidade do Porto era uma reivindicação antiga da Junta Administrativa da Companhia Geral da

Agricultura das Vinhas do Alto D’ouro, que em 1785 havia solicitado a El Rei a criação de

Aulas de Matemática e Comércio. Sua Relação de 4 de janeiro de 1803, ao reforçar os

argumentos em prol da criação da academia, é bastante esclarecedora a respeito da

necessidade e utilidade do conhecimento das línguas estrangeiras para os marinheiros e

comerciantes.

As relações comerciais entre Portugal e Inglaterra provocaram também o incremento

do ensino do inglês e do português como língua estrangeira. Esse era um discurso frequente

nos prefácios das gramáticas e dicionários então publicados, desde A Portuguez Grammar, de

1662, escrita por um capitão francês chamado Monsieur de La Molliere e dedicada a Carlos II

da Inglaterra, logo depois de seu casamento com Catarina de Bragança, passando por A

Complete Account of the Portugueze Language, dicionário publicado em Londres em 1701 e

composto por um certo A. J. – Alexander Justice, segundo Manuel Gomes da Torre (1996) –,

até a Grammatica anglo-lusitanica & lusitano-anglica, cuja primeira edição data de 1731, de

autoria de Jacob Castro. Com efeito, o objetivo principal da primeira gramática inglesa escrita

em português de que se tem notícia, conforme as palavras do autor no prefácio, era o seu

“great Use in Commerce”, isto é, sua grande utilidade no comércio. Na edição a que tivemos

acesso – a terceira, datada de 1759 e impressa em Londres –, o título completo é Grammatica

anglo-lusitanica & lusitano-anglica ou Gramatica Nova, Ingleza e Portugueza, e Portugueza

e Ingleza; dividida em duas partes”, a primeira para a “instruição dos Inglezes que

desejarem alcançar o conhecimento da Lingua Portugueza” e a segunda “para o uso dos

Portuguezes que tiverem a mesma inclinação a Lingua Ingleza. Segundo informações da

folha de rosto do livro, a primeira parte foi corrigida e emendada, e a segunda “executada por

Methodo claro, familiar, e facil”. O autor, J. Castro, era “Mestre e Traductor de ambas as

Linguas” e ensinava, tanto em sua casa quanto “por fora”, a “Ler, Escrever, Contar, e Livro

de Caixa pello Modo Italiano e em pouco Tempo (sem as costumadas Regras, Taboadas, e

impertinentes ou inutils Questoens) por um Methodo, claro, patente, e bem a provado no

estilo Mercantil”, tendo já publicado um Tratado intitulado Hum presente para os mancebos

em entrando ao Contor (Compting-House), como faz questão de frisar, numa “Advertência”

escrita nas duas línguas (Castro, 1759, p. xii).

Não sendo a preparação militar uma das prioridades do Conde de Oeiras e futuro

Marquês de Pombal, os aliados ingleses reputavam como miserável o estado do exército

português. Mesmo assim, devido à inconsistência e às dispersões das investidas franco-

espanholas, ao apoio de tropas inglesas e à chegada a Lisboa do conde Guilherme de

Schaumburg-Lippe, que era senhor de um pequeno Estado germânico e havia se tornado

marechal-general e diretor de todas as armas do exército português, o reino conseguiu

sobreviver à invasão, sendo assinado no final de 1762 um armistício entre os exércitos

peninsulares. Por outro lado, se os desdobramentos de tais conflitos denunciam a fragilidade

militar de Portugal e de seus territórios, demonstrando que o exército era um reduto

aristocrático difícil de ser controlado, isso não significava necessariamente que o governo não

se preocupava com a formação e a organização das armas portuguesas. Em 1763, por

exemplo, dando continuidade a uma série de medidas tendentes à organização dos Corpos da

Milícia de Terra e Mar, D. José I decretou, no dia 10 de maio, que os Corpos de Artilharia

fossem reduzidos a quatro regimentos de doze companhias cada um. Seu regulamento,

expedido com o Alvará de 15 de julho, foi cometido ao “prudente exame, e madura

consideração” do Conde Reinante de Schaumbourg Lippe, “Meu muito amado e presado

primo, e Marechal General do Meus Exércitos”, segundo o soberano (Ribeiro, 1871, p. 303).

Uma medida importante nesse sentido foi a Carta de Lei de 7 de março de 1761,

publicando os Estatutos do Real Colégio dos Nobres – antigo Colégio das Artes dirigido pelos

Jesuítas –, aberto oficialmente em 19 de março de 1766 e destinado à formação do “perfeito

militar”. O Plano de Estudos da nova instituição trazia novidades, pois além das matérias

usuais do ensino de Humanidades (latim, grego, retórica, filosofia, teologia), estavam

presentes alguns elementos das matemáticas, astronomia e física, e se achava recomendado o

estudo das línguas francesa, italiana e inglesa. Os Estatutos do Real Colégio dos Nobres

foram recebidos com entusiasmo, principalmente pelo Diretor Geral dos Estudos D. Tomás de

Almeida, que se envolveu muito no projeto e no mesmo ano da publicação dos estatutos

enviou várias cópias para todos os governadores e comissários do Brasil (Andrade, 1978, p.

104-108). Ao que parece, as Cartas sobre a educação da mocidade (1760), do

“estrangeirado” António Nunes Ribeiro Sanches (1699- 1783), com quem Pobal travou

conhecimento na Áustria, originaram-se de suas correspondências com o Principal de

Almeida, nas quais o médico e cristão-novo português propunha como modelo ideal que se

podia imitar em Portugal: a Escola Real Militar de Paris, estabelecida em 1751. Assim, o Real

Colégio dos Nobres teria sido inspirado em suas ideias (Braga, 1898, p. 348-351). No entanto,

o funcionamento da instituição, pelo menos até 1772, quando, com a reforma da Universidade

de Coimbra, foi abolido o ensino das matemáticas no colégio, parece ter sido marcado pelo

fracasso, sendo os professores de francês e inglês contratados somente em 1785.

Ao criticar a historiografia disponível à época da publicação de sua obra sobre As

reformas pombalinas da instrução pública (1952), Laerte Ramos de Carvalho (1978, p. 186)

afirma que é lastimável o fato de os historiadores apreciarem a ação do gabinete de D. José I

como obra exclusiva de um só homem, uma vez que o “pombalismo” apresenta-se muito mais

como um denominador comum de opiniões correntes, antes e durante os anos de seu governo,

integradas no protagonismo de um ministro que buscou realizar, na prática, mediante o seu

poder legiferante, os ideais e aspirações de caráter político, econômico, pedagógico e cultural

de muitos intelectuais setecentistas, alguns deles portugueses, embora “estrangeirados”. Com

efeito, o próprio discurso da legislação pombalina – que é redigida em primeira pessoa, em

nome de “El Rei” – deixa claro em seus preâmbulos que as peças legislativas são elaboradas

somente depois das consultas às “pessoas do Meu Conselho, e outros Ministros doutos,

experimentados e zelosos no serviço de Deus”, como se lê no Alvará de 19 de maio de 1759,

com o qual foram publicados os Estatutos da Aula do Comércio, ou dos pareceres dos

“Homens mais doutos, e instruídos neste genero de erudições”, como é o caso do Alvará de

28 de junho de 1759. A questão da autoria das peças legislativas expedidas durante o período

pombalino, nesse sentido, apresenta um problema de difícil solução para o historiador, uma

vez que, mesmo levando em conta as diversas consultas, com suas consequentes alterações do

texto da minuta de uma determinada lei, ou as intervenções de caráter ortográfico ou sintático

dos tipógrafos, que também afetam o processo de construção de sentido dos textos, resta

ainda o fato de que algumas peças legislativas dos séculos XVIII e XIX, tais como os

Alvarás, Provisões e Decisões com força de lei sobre Instrução Pública, ao indicarem algum

método ou compêndio de determinada matéria, ou regularem a remuneração de um ou mais

professores, não são previsões legais, mas verdadeiras sentenças – no sentido jurídico do

termo – proferidas, muitas vezes, sobre requerimento das partes interessadas, constituindo,

portanto, representações bastante significativas de situações concretas, de “práticas” enfim

(Oliveira, 2010, p. 13-15).

No caso do Alvará de 28 de junho de 1759 – também conhecido como Lei Geral dos

Estudos Menores –, por exemplo, é sabido que Sebastião José de Carvalho e Melo, em 9 de

fevereiro daquele mesmo ano, dirigiu-se a Gaspar de Saldanha de Albuquerque, à época reitor

da Universidade de Coimbra, solicitando informações e pareceres para a elaboração da

determinação régia que iria proibir os jesuítas de ensinar e reformar o ensino de humanidades

em Portugal e seus domínios. Em sua carta de resposta, o reitor juntou o parecer do lente

António Denis de Araújo, o qual teria sugerido, dentre outras coisas, o estabelecimento do

latim como “base para todas as sciencias” e a manutenção das línguas grega e hebraica, além

da inserção do francês e do italiano, tal como propunha Verney, no “apêndice II” da “Carta

Primeira” de seu Verdadeiro método de estudar (1746), algo que não foi acatado na redação

final da lei, embora tenha sido aproveitado nos estatutos do Real Colégio dos Nobres,

publicados com a Carta de Lei de 7 de março de 1761. Como Pombal, ao que parece, nunca

parecia inclinado a contentar-se com apenas uma opinião, pode ter levado também em

consideração as sugestões de outros intelectuais da época. Tal parece ser o caso de António

Felix Mendes (1706-1790), que se intitulava “Mestre de letras humanas” e aos trinta e um

anos de idade publicou uma Arte de grammatica latina, a qual foi adotada e indicada pelo

Alvará de 1759, enviou para o ministro um parecer intitulado Memórias para a reforma dos

Estudos de Humanidade que se deve fazer em Portugal sem despesa do Soberano, tendo ele

sido composto, segundo as palavras do seu autor, “muyto antes de haver noticia da ruína dos

Jesuítas” (Cruz, 1971, p. 8-12).

Não é por acaso que muitos autores buscam relativizar o protagonismo de Pombal –

e, consequentemente, o caráter inovador de sua governação – fazendo referência ao reinado

de D. João V (1707-1750), que durante a primeira metade do século XVIII havia preparado o

terreno para o fluxo das ideias ilustradas. António Cruz (1971, p. 2), por exemplo, chega a

afirmar que reforma do ensino de humanidades foi determinada pela conjuntura sócio-cultural

do período joanino, durante o qual se desenvolveram as atividades da Academia Portuguesa,

fundada em sua própria casa por Francisco Xavier de Menezes, o 4.º Conde de Ericeira

(1673-1743), entre 1717 e 1720. Para Banha de Andrade (1982, p. 642-643), o Iluminismo em

Portugal não começou com o Verdadeiro método de estudar (1746), nem com a Teórica

verdadeira das marés, conforme a philosophia do incomparável cavalheiro Isaac Newton

(1737), do cristão-novo Jacob de Castro Sarmento (1691-1762), ou mesmo com os Elementos

de geometria plana (1735), do jesuíta Manuel de Campos (1681-1758), as Gramáticas

Francesa e Italiana (1710 e 1734), de D. Luís Caetano de Lima (1651-1757), ou os

Apontamentos para a educação de um menino nobre (1734), de Martinho de Mendonça de

Pina e Proença (1693-1743), mas com o padre teatino Rafael Bluteau (1638-1734), londrino

de origem francesa, autor do Vocabulário português e latino, primeira obra importante da

lexicografia portuguesa e fonte principal de onde procederam todos os demais dicionários

portugueses modernos, publicada em dez volumes entre 1712 e 1728.

No entanto, atualmente há um relativo consenso quanto ao caráter de ruptura das

reformas pombalinas. Falcon (1993, p. 317-318), por exemplo, apoiado em A. Martins, autor

do verbete “Luzes” do Dicionário de história de Portugal (1963), busca diferenciar as “luzes

joaninas” das “luzes pombalinas”, afirmando que aquelas seriam marcadas pelo seu caráter ao

mesmo tempo aristocrático – por conta dos Ericeiras – e religioso – dada a proteção de D.

João V aos Oratorianos –, enquanto estas caracterizar-se-iam por uma ação governativa e

despótica com vistas a uma transformação racional e pragmática do país. Nesse sentido, a

governação pombalina impõe-se como uma ruptura sem precedentes na história portuguesa,

uma vez que propôs mudanças estruturais, com destaque para sua reforma da instrução

pública, que, ao estatizar o ensino e institucionalizar a profissão docente, teve um papel

pioneiro na Europa (Nóvoa, 1991). Mesmo assim, não restam dúvidas de que a maior parte

das ideias que seviram de suporte às reformas pombalinas, e até mesmo a postura anglofóbica

de sua governação, encontra precursores durante o reinado de D. João V, como foi o caso do

ensino de línguas modernas estrangeiras, entre elas o inglês.

Da mesma forma, muitas outras ideias sugeridas pelos intelectuais estrangeirados do

período joanino foram postas em prática durante a governação pombalina, desde a criação das

companhias de comércio até as reformas dos Estudos Menores e da Universidade de Coimbra,

passando pelas suas tentativas de aumento da população nas colônias, como aconselhava D.

Luís da Cunha, através de uma política de mestiçagem, como a Lei do Diretório, de 1757,

que, além de impor o uso e o ensino da língua portuguesa no Brasil, em substituição à “língua

geral”, apresentava uma detalhada regulamentação da coleta dos dízimos e fomentava a

introdução de brancos nas povoações do Estado do Grão-Pará e Maranhão, para a legitimação

da mestiçagem – entre brancos e índios apenas – e aumento da população civil. Também na

Índia a língua portuguesa era utilizada como um meio de integração das comunidades nativas,

sendo encorajado o casamento entre indianos e portugueses, para aumentar a população,

apesar dos obstáculos representados pela tradição e pelo preconceito. Foi por isso que ficou

terminantemente proibida a alcunha de “negros” quando referida aos índios, como era

costume no Brasil, pois a vileza de tal nome poderia persuadir-lhes de que “a natureza os

tinha destinado para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos

Pretos da Costa da Africa”. Quanto às suas medidas protecionistas, ou anti-britânicas, a

política econômica pombalina alcançou uma quase reciprocidade em seus negócios com a

Inglaterra, causando bancarrotas a pequenos e grandes empresários estrangeiros e uma

sensível diminuição do volume das exportações de produtos ingleses, bem como do

contrabando da região do rio da Prata, o que provocou, como vimos, uma série de queixas

manifestadas pelo parlamento inglês. Com efeito, o declínio da produção de minérios no

Brasil fez com que se criasse em Portugal um ambiente favorável aos empreendimentos

manufatureiros, uma vez que o Tratado de Methuen mencionava apenas os tecidos de lã,

abrindo assim a possibilidade do desenvolvimento do setor do tecido de algodão. Entre 1777 e

1778, por exemplo, duzentas e trinta e seis novas fábricas, ou oficinas, foram instaladas.

Assim, no longo século XVIII português, que para Maxwell (1996, p. 177) terminou

somente em 1807, a governação pombalina foi um divisor de águas, uma vez que, mesmo não

alcançando todos os seus objetivos imediatos, alterou irreversivelmente a estrutura jurídica e

social do reino português. A preocupação do ministro com a colônia brasileira, que já

ultrapassava o reino em população e riqueza, sempre foi uma constante, mesmo porque,

durante a União Ibérica, foram os “brasileiros” que tinham defendido o rico domínio

português da investida dos holandeses. Desse modo, se, por um lado, o modo radical com que

reprimiu as revoltas e motins coloniais em Pernambuco e em Minas Gerais plantou as

sementes de um sentimento nativista e autonomista que iria consolidar-se no século seguinte

com a independência do Brasil, por outro lado sua habilidade política ajudou-o a cooptar os

principais homens de letras do Arcadismo brasileiro, como Basílio da Gama (1741-1795), que

compôs uma epopeia, O Uraguay (1769), em sua homenagem (Teixeira, 1999). Sua fama

internacional alcançada em vida e sua importância histórica, sacramentada em Portugal em

1934, quando foi erguido uma monumental estátua em sua homenagem no centro de Lisboa,

até hoje é objeto de polémica e controvérsias, nas universidades e nas mesas dos bares, onde

disputam primazia, no decorrer da história, duas correntes, uma antipombalina, pela crueldade

de suas punições, que não pouparam nem os nobres nem o clero, e outra filopombaina, pelas

suas medidas econômicas e educacionais inovadoras, fazendo com que se configurasse, na

cultura portuguesa, o mito do Marquês de Pombal.

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