a educação popular como um instrumento e resistência contra a exploração capitalista

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  • 7/29/2019 A Educao Popular como um instrumento e resistncia contra a explorao capitalista

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    A Educao Popular como um instrumento de resistncia contra a explorao

    capitalista

    Paulo Eduardo Dias TaddeiUFPEL

    Resumo: No presente artigo feito um estudo terico sobre as possibilidades da Educao Popular comoinstrumento de resistncia contra a explorao capitalista, analisando-se os limites e possibilidades dessaresistncia. O estudo parte de uma breve anlise sobre a categoria da explorao em Marx e da compreensoconceitual do modelo de Educao Popular, para, no final, tentar responder se a Educao Popular pode ou nose constituir em um nicho de resistncia contra a explorao capitalista e como isso pode acontecer.

    Palavras-chave: Educao popular, resistncia e explorao.

    Introduo

    Vive-se em um mundo marcado por desigualdades de ordem scio-econmica e

    cultural, no qual poucos se apropriam da maior parte da riqueza e dos avanos tecnolgicos

    em detrimento da maioria que vende a fora de trabalho a preo vil ou sobrevive na mais

    extremada misria e marginalidade. Com efeito, um mundo marcado pela explorao.

    Quem ainda no escutou que a receita para a superao do modelo hegemnico

    capitalista a educao. At que ponto tal afirmao correta, se os espaos formais de

    educao, de uma forma geral, funcionam como nichos de reproduo do modelo dominante?

    Ora, sendo capitalista o sistema hegemnico, o espao formal de educao, por consequncia,

    em regra, partilha dos mesmos princpios, valores e premissas desse sistema. Mesmo que a

    influncia da sociedade sobre a escola no seja absoluta, conforme entendimento de

    SAVIANI (1986), existe uma relao dialtica entre escola e sociedade; sociedade e escola,

    tanto na escola privada quanto na escola pblica, porque o prprio Estado capitalista. Assim,

    no difcil afirmar que a prpria escola produtora de desigualdades ou, no mnimo,

    reprodutora das desigualdades resultantes da lgica do sistema dominante.

    Por tudo isso, pergunta-se: existe realmente a possibilidade de resistncia

    explorao capitalista atravs do projeto de Educao Popular? Assim, para responder a

    essa indagao, arrisca-se, em primeiro lugar, um breve ensaio sobre a explorao, seguida de

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    um estudo sobre a Educao Popular, ficando para a concluso a anlise da possibilidade de

    resistncia a partir da concepo de Educao Popular.

    Este artigo um estudo terico, exclusivamente biogrfico, no qual

    desenvolvida uma breve anlise sobre a categoria da explorao, em Marx, e as possibilidades

    de resistncia a esta categoria atravs da Educao Popular. Este estudo terico no tem a

    pretenso de esgotar um tema to relevante e complexo, mas busca, a partir de revisitaes

    bibliogrficas, e considerando a realidade objetiva como pano de fundo, promover uma

    discusso sobre as possibilidades concretas dessa resistncia. possvel? Por qu? No

    possvel? Por qu? Toma-se por base para a concluso deste artigo, a tradicional e conhecida

    resposta que dada a quem integra s fileiras na luta pela superao do regime capitalista

    (no pela sua reforma): isso uma utopia, porque o capitalismo o nico sistema possvel,

    diante da natureza egosta do ser humano.

    Assim, em primeiro lugar feita uma anlise sobre a categoria da explorao, na

    concepo de Marx, para, logo em seguida, se fazer uma reflexo sobre a Educao Popular e

    suas possibilidades como trincheira de resistncia contra a explorao.

    I - Breves consideraes sobre a categoria da explorao

    Por que a maior parte da riqueza se concentra nas mos de poucos? A pobreza de

    muitos e a abastana de poucos resultam, em regra, dos antagonismos de classe, a partir das

    contradies existentes entre o capital e o trabalho. Assim, com o recrudescimento da diviso

    social do trabalho e a afirmao da propriedade privada dos meios de produo, as relaes

    sociais passaram a ser marcadas pela explorao, uma vez que poucos muito poucos

    passaram a concentrar em suas mos um excedente produzido por outro setor da populao.

    Na verdade, o capitalismo, a globalizao e o neoliberalismo, ao privilegiarem olucro, a mais-valia e o acmulo de riquezas nas mos de poucos, em detrimento do ser

    humano, reproduzem uma espcie de darwinismo social, no qual os mais fortes sobrevivem

    e os mais fracos sucumbem no mbito do mercado. O mundo se transforma num grande jogo,

    numa grande competio, regido pelas chamadas leis de mercado (como se fossem leis

    divinas, e, por divinas, eternas e imutveis), favorecendo os fortes, economicamente falando

    (os vencedores do mercado), e fragilizando a grande massa incapaz de competir neste jogo

    socialmente injusto e desigual. Enfatize-se, ainda, a grande ciranda financeira internacional,

    incontrolvel sob qualquer aspecto, chamada por alguns de agiotagem internacional.

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    Em contraposio concepo equivocada acerca da inexorabilidade das leis do

    mercado (o chamado dedo invisvel do mercado), a crise econmica de setembro de 2008

    revogou, ao menos transitoriamente, tais leis eternas e imutveis, quando no poucos dos

    grandes conglomerados capitalistas do mundo, sem qualquer constrangimento, bateram s

    portas dos Estados nacionais (que para eles deveria ser mnimo), em busca de financiamento,

    com o dinheiro do povo, para salvar grandes corporaes da bancarrota, aceitando, neste caso,

    a transformao do Estado de mnimo para mximo.

    Ora, se existem explorados porque, sem nenhuma dvida, existe, por outro lado,

    quem os explore. Com efeito, basta um olhar sobre a histria da humanidade para se chegar a

    tal concluso. Neste sentido, Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, obtemperam

    que: A histria de toda a sociedade at hoje a histria de lutas de classes(MARX EENGELS, 1988, P.66). Aduzem, ainda:

    Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, baro e servo, mestres e companheiros,numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposio unsaos outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarada, ora aberta, queterminou sempre ou com uma transformao revolucionria de toda a sociedade, oucom o declnio comum das classes em luta(Idem, 1988, 66).

    Destarte, Marx e Engels, atravs de uma abordagem crtica da sociedade, baseada

    na realidade cotidiana concreta, sem prescindir da anlise histrica dessa sociedade, oferecem

    a base terica para o entendimento dos antagonismos que marcaram e ainda marcam as

    relaes intersubjetivas no tempo e no espao. Com esta mxima, Marx e Engels escrevem o

    primeiro pargrafo do Manifesto do Partido Comunista, fazendo uma sntese singular da

    histria das sociedades. Assim, no podem passar despercebidas a fora e a sutileza de tal

    brocardo. Nesta exgua, mas excepcional sentena, os autores sintetizam a histria da

    humanidade como a histria da explorao do homem pelo homem, constituindo-se a luta de

    classes como um dos efeitos da explorao.

    Neste sentido, preleciona Tom Bottomore:

    A explorao ocorre quando um setor da populao produz um excedente cujautilizao controlada por outro setor. As classes, na teoria marxista, s existem nasrelaes que mantm uma com as outras, e essa relao gira em torno da forma deexplorao que tem lugar em um determinado MODO DE PRODUO. aexplorao que d origem LUTA DE CLASSES (BOTTOMORE, 2001, p. 144)

    destacou-se.

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    Os autores, portanto, partem da realidade concreta dos homens, que s pode ser

    encontrada na histria, para chegarem sntese relacional dos protagonistas dessa histria: a

    histria da luta de classes.

    Assim, como a histria da formao humana integra a histria das sociedades, e

    esta sempre foi marcada pelo estigma da explorao (e ainda ), resultante do antagonismo de

    classes, do proprietrio em relao ao escravo, do senhor em relao ao servo, do burgus em

    relao ao proletrio, do patro em relao ao empregado, s para citar alguns dos

    protagonistas desta grande trama de relaes que a histria, a explorao tambm est

    presente na educao, a partir da diviso social do trabalho, que resulta em uma educao para

    as elites e outra educao para as camadas populares e marginalizadas da populao.

    Efetivamente, a diviso social do trabalho, em trabalho intelectual ou espiritual eem trabalho manual ou material; em trabalho do campo e da cidade; em trabalho do comrcio

    e da indstria, reflete-se diretamente no processo de formao humana, a partir do momento

    em que essa diviso deixa de ser natural e passa a ser artificializada pelas necessidades do

    capital. Assim, desde h muito tempo a escola (mesmo em seu estgio embrionrio) est

    dividida no seu processo de formao, entre aqueles que dominaro e queles que sero

    dominados.

    A explorao, portanto, uma categoria bsica, fundamental, geradora de outrascategorias. O fundamento para tal assertiva que se no existisse a explorao do homem

    pelo homem, em seu sentido mais amplo, por conseqncia lgica possivelmente no

    existiriam alienao, opresso, excluso, represso, etc., categorias estas que decorrem,

    inelutavelmente, daquela. A explorao como foi visto gera o antagonismo de classes

    (fenmeno socioeconmico, poltico e cultural): de um lado os exploradores e de outro os

    explorados, em suas multifacetadas formas.

    Marx, segundo Bottomore, atribuiu dois sentidos ao termo explorao: um maisgeral e outro mais especfico.

    No geral:

    Termo usado por Marx em dois sentidos, o primeiro dos quais, mais geral, autilizao de um objeto pelas vantagens que oferece explorao de recursosnaturais, de uma situao poltica, ou da moralidade hipcrita: (...) em relao aotrfico de crianas, os pais de classe operria evidenciaram caractersticas que soverdadeiramente revoltantes e em muito se assemelham ao trfico de escravos. Maso capitalista, bom fariseu (...) denuncia essa ignomnia que ele mesmo criou,

    perpetua e explora... (O Capital, I cap. XV, 3). Num certo sentido, portanto,explorao um termo pejorativo de carter abrangente, bastante til e de

    excepcional fora polmica; e por isso muito presente na investida crtica de Marxcontra o capitalismo (BOTTOMORE, 2001, p. 144).

    No especfico:

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    Mas explorao possui um outro significado mais preciso e, nesse sentido, umconceito bsico do MATERIALISMO HISTRICO. Em qualquer sociedade em queas foras produtivas se tenham desenvolvido alm do mnimo necessrio sobrevivncia da sua populao, capacitando-a assim, pelos menos potencialmente

    para crescer, transformar-se e sobreviver s vicissitudes da natureza, a produo deum excedente torna possvel a explorao, que o fundamento da sociedade declasses. A explorao ocorre quando um setor da populao produz um excedentecuja utilizao controlada por outro setor. As classes, na teoria marxista, sexistem nas relaes que mantm uma com as outras, e essa relao gira em torno daforma de explorao que tem lugar em um determinado MODO DE PRODUO. a explorao que d origem LUTA DE CLASSES (Idem, 2001, p. 144).

    Marx e Engels, atravs de uma viso crtica, inauguram uma nova forma de

    compreenso da sociedade industrial, a partir de uma nova teoria social: o materialismo

    histrico: O modo de produo da vida material determina o carter geral dos processos davida social, poltica e espiritual. No a conscincia dos homens o que lhes determina a

    realidade objetiva, mas, ao contrrio, a realidade social que lhes determina a conscincia

    (MARX & ENGELS, 2005, contracapa).

    Como o modelo dominante est assentado nas ideias de acumulao de riquezas,

    individualismo, competio, desenvolvimento a qualquer custo, naturalizao da pobreza,

    idolatria ao lucro, reificao do homem e da mulher, dentre outros, todos esses fatores

    acabam por influenciar de forma decisiva na formao da personalidade dos indivduos,

    atuando como agentes condicionadores de sua construo moral, ou seja, o egosmo um

    vcio moral produzido na existncia objetiva do homem e da mulher em decorrncia de suas

    condies materiais de existncia. , portanto, um efeito, e no uma causa consoante

    concebem alguns idealistas.

    Assim, uma falcia a concepo de que o capitalismo, o neoliberalismo e a

    globalizao contribuem para a massificao da tecnologia, culminando com a reduo lenta,

    gradual e efetiva da pobreza e das desigualdades em todo o planeta. Com efeito, os fatos do

    cotidiano nem sempre confirmam as estatsticas oficiais.

    Sobre o tema, preleciona Roberto Leher, o seguinte:

    Se nos trinta gloriosos anos do Capitalismo, os filhos dos trabalhadores forameducados to-somente para as mquinas, o atual padro de acumulao ainda pior.A educao dirigida s massas no pode almejar seno a formao de trabalhadores

    precarizados e sobrantes que vivero no apenas fora do mercado regulado, comodependero de polticas de alvio pobreza para no sucumbirem fome e misriaabsoluta. Em outros tempos, o atual nvel mnimo de conhecimento indispensvelpara as classes populares ainda mais rebaixado que em perodos pretritos.

    Pobreza e despossuimento da educao, da cincia e da cultura so dimensesprprias da sociedade de classes que, ademais, contribuem para a manuteno daordem social (LEHER2007, p. 22).

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    Assim, em sentido geral, pode-se dizer que a explorao um fenmeno scio-

    econmico no qual algum ou um grupo obtm vantagens indevidas sobre outrem ou outro

    grupo, no mbito de suas relaes concretas e objetivas.Na verdade, muito mais se teria a comentar sobre a categoria da explorao, mas

    tal no o objetivo deste opsculo, cuja pretenso investigar as possibilidades de resistncia

    explorao, atravs da Educao Popular.

    II - A Educao Popular como instrumento de resistncia contra a explorao capitalista

    Qual a definio de popular? Sabe-se que inmeras definies podem defluir destetermo ou, em sentido contrrio, que tal terminologia carrega em seu bojo alto grau de indefinio. Em

    princpio, popular tudo aquilo que emana do povo. Todavia, o prprio conceito de povo , tambm,

    de alto grau de indefinio, pois povo pode ter uma definio, por exemplo, no mbito da Teoria Geral

    do Estado, outra no campo da Cincia Poltica ou, ainda, do Direito Constitucional, s para citar

    algumas. Assim como povo pode ser definido como o conjunto de indivduos de um determinado

    Estado, tambm pode ser usado como sinnimo de plebe. Enfim! Definies heterogneas no faltam

    para tal expresso. Registre-se, ainda, que no se confundem os conceitos de popular com populista,

    tendo a segunda expresso um carter negativo, pois, em regra, no populismo o povo utilizado comoum meio, um instrumento, por seus representantes, e no como um fim em si e para si.

    O vocbulo popular tambm utilizado nas seguintes palavras complexas: jri popular,

    feira popular, dito popular, partido popular, festa popular, cultura popular, conto popular, banco

    popular, repblica popular, assemblia popular, msica popular, arte popular, pessoa popular, time

    popular, casa popular, etc.

    No Minidicionrio AURLIO (1998), no verbete popular, tem-se as seguintes

    definies: Popular adj. 1. Do prprio povo, ou feito por ele. 2. Simptico ao povo. 3. Vulgar, trivial.

    Sm. 4. Homem do povo. popularidade sf. popularizar v. t. e p. Tornar(-se) conhecido, divulgado,ou estimado do povo (grifos no original). No Minidicionrio MICHAELIS (2000), no verbete

    popular, consta o seguinte: po.pu.lar adj. M+f Pertencente ou relativo ao povo; prprio do povo

    (grifo no original).

    Sobre o tema, aduz Ana Maria do Vale:

    A propsito, o que vem a ser para ns o termo popular. Popular no significa apenaso que democrtico ou o que se identifica com a pobreza, com a misria doshomens. Popular uma concepo de vida e da histria que as classes popularesconstroem no interior das sociedades democrticas, estando, necessariamente, ligado questo da qualidade de vida das pessoas e, consequentemente, mudana dafuno social da escola (VALE, 2001, p. 55/56).

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    A mesma dificuldade, como foi dito, acontece no tocante definio de povo. Com

    efeito, acerca da definio de povo, assevera a citada autora:

    Da mesma forma que o termo popular possui empregos problemticos encerrandoalto teor de indefinio, o conceito de povo igualmente apresenta-se problemtico e

    impreciso. Povo, para uns, pode significar o conjunto dos indivduos, cidadosiguais de uma determinada sociedade cuja homogeneizao social incluiindistintamente os oprimidos, os opressores, os intelectuais, os analfabetos, osprofissionais liberais, os operrios, os empresrios, a populao marginal. essa aviso propagada pela classe dominante na tentativa de escamotear as desigualdadessociais existentes no seio de uma sociedade de classes (Idem, 2001, p. 54/55).

    Ainda, da mesma autora, sobre a Educao Popular, o que segue: Uma educao

    comprometida com os segmentos populares da sociedade, cujo objetivo maior deve ser o de

    contribuir para a elevao de sua conscincia crtica, do reconhecimento da sua condio de

    classe e das potencialidades transformadoras inerentes a essa condio (Ibidem, p. 57).A Educao Popular, portanto, embora possa sofrer algumas diferenas circunstanciais de

    um para outro autor ou grupo de autores, tem em comum o fato de trabalhar com um projeto poltico-

    pedaggico alternativo lgica do projeto capitalista, com uma nova concepo de educao, uma

    educao transformadora: uma educao do povo, com o povo e para o povo. No a educao que

    aliena, reproduzindo o modelo das classes dominantes, mais precisamente os interesses do capital, mas

    a educao que conscientiza atravs de um estudo da realidade concreta, sem mistificaes, que faz

    com que o explorado compreenda sua situao no contexto social, histrico, econmico, poltico e

    cultural onde est inserido, conhecendo, sobretudo, as causas reais dessa situao e as possibilidadesde transformao a partir desse entendimento.

    Sobre o tema, assevera a multicitada autora:

    O reconhecimento das relaes sociais e sua estreita ligao com o processoeducacional imprescindvel a uma proposta de educao transformadora. Aeducao burguesa opressora, desigual que hoje dada na escola pblica, deve sersubstituda por outro tipo de educao, cujo compromisso maior seja voltado para ossegmentos populares. Essa a proposta educacional que defendemos e que, mesmoembrionariamente, j estamos vendo nascer no nosso pas numa dimenso queperpassa inclusive o mbito da escola pblica (Ibidem, p. 52).

    Desse modo, a partir de uma concepo progressista de mundo, a educao assume um

    carter dinmico, transformador, criador, de superao de um estado de negatividade para um estado

    de emancipao, um estado de construo do homem e da mulher integrais. Em suma, de uma

    educao omnilateral, na expresso de Manacorda (1991), respaldado em Marx (2005).

    Assim, atravs da EP busca-se a concretizao de uma pedagogia comprometida com a

    libertao e no com a alienao do explorado. Ora, uma pedagogia que liberta no pode ocultar a

    realidade concreta. A realidade o campo onde dever ser desenvolvido o processo de conscientizao

    para a libertao e para a transformao.

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    Hoje, os chamados espaos formais de educao trabalham, em regra, com um saber

    posto, que depositado mecanicamente pelos professores, enquanto monopolizadores deste saber,

    nos alunos, enquanto meros receptores passivos deste saber, caracterizando a educao como

    depsito bancrio do saudoso Mestre Freire. No se discute que a funo primordial da escola a depossibilitar o acesso ao saber sistematizado. Discute-se, sim, o processo pelo qual propiciado tal

    acesso.

    Neste sentido, argumenta Dermeval Saviani:

    A escola tem o papel de possibilitar o acesso das novas geraes ao mundo do sabersistematizado, do saber metdico, cientfico. Ela necessita organizar processos,descobrir formas adequadas a essa finalidade. Esta a questo central dapedagogia escolar. Os contedos no representam a questo central dapedagogia, porque se produzem a partir das relaes sociais e se sistematizamcom autonomia em relao escola (SAVIANI (2), 2003, p. 75)destacou-se.

    No mesmo diapaso, adverte Vale:

    Na medida em que escola atribuda uma funo cujo papel consisteexclusivamente na socializao do saber sistematizado, do saber erudito, semconsiderar o saber popular, ento somos forados a pensar que escola cabeespecificamente a funo de transmitir um determinado contedo (saberelaborado, cincia) em detrimento de seu papel social e poltico (Ibidem, 2001, p.73)destacou-se.

    A educao popular, portanto, estabelece novos caminhos, novos processos, novas

    metas para o campo da educao. uma educao que no prescinde da leitura crtica da

    realidade. A realidade profunda ou oculta, no a realidade aparente, superficial,

    contaminada pela ideologia da classe hegemnica. a utopia em movimento, na concretude

    da vida cotidiana. A utopia como um compromisso histrico e um ato de conhecimento

    crtico, como denncia e anncio, na concepo de Freire.

    A conscientizao nos convida a assumir uma posio utpica frente ao mundo,posio esta que converte o conscientizado em fator utpico.Para mim o utpico no o irrealizvel; a utopia no o idealismo, a dialetizaodos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e deanunciar a estrutura humanizante. Por esta razo a utopia tambm umcompromisso histricoA utopia exige o conhecimento crtico. um ato de conhecimento. Eu no possodenunciar a estrutura desumanizante se no a penetro para conhec-la. No possoanunciar se no a conheo, mas entre o momento do anncio e a realizao domesmo existe algo que deve ser destacado: que o anncio no anncio de umanteprojeto, porque na prxis histrica que o anteprojeto se torna projeto. atuando que posso transformar meu anteprojeto que se faz projeto por meio daprxis e no por meio do blblbl (FREIRE, 2001, p. 31 e 32).

    A Educao Popular trabalha com a concretizao de uma pedagogia

    comprometida com a libertao e no com a alienao do oprimido. Ora, uma pedagogia que

    liberta no pode ocultar a realidade concreta. A realidade o campo onde dever ser

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    desenvolvido o processo de conscientizao para a libertao. A conscientizao tem que ser

    crtica, e no mgica. Neste sentido o ensinamento de Paulo Freire: A nica maneira de

    ajudar o homem a realizar sua vocao ontolgica, a inserir-se na construo da sociedade e

    na direo da mudana social, substituir esta captao principalmente mgica da realidade

    por uma captao mais e mais crtica (Ibidem, 2001, p. 60/61).

    Questiona-se, ento, o seguinte: possvel a Educao Popular na escola pblica?

    Pode-se responder que possvel, porm de difcil implantao sob a gide do regime

    capitalista. Com efeito, hoje as limitaes para tal projeto so muitas, e de difcil superao

    neste contexto histrico, cultural, social, poltico e econmico, estando, dentre essas

    limitaes, a mais relevante, ou seja, a incompatibilidade do sistema dominante com o projeto

    de Educao Popular. Ressalte-se, ainda, que tal dificuldade de ordem estrutural e nomeramente conjuntural. As escolas pblicas so administradas pelo Estado. O Estado

    capitalista. Ora, nesta concepo, o Estado, como instrumento poltico da classe detentora do

    poder econmico, exerce, de uma forma geral, o papel de oficializador e legitimador dos

    interesses da classe hegemnica.

    Sobre o tema, refere Conceio Paludo:

    Admite-se e deseja-se, nestes novos tempos, que esta concepo de educao dopopular no seja adequada exclusivamente para os espaos no-formais de educao.Se aposta na sua capacidade de disputa na rede oficial de ensino, embora se admitaque sua ressignificao e fecundidade sejam maiores nos espaos no-formais, vistoque muito mais liberta das amarras que prendem os espaos formais e porqueexercida por indivduos que possuem por ela uma opo clara, o que no significaestar, como tudo na vida, isenta de contradies. Considera-se que esta tarefa maisfcil de ser levada a efeito quando existem governos democrticos e populares, mastambm quando eles no existem, admite-se a possibilidade, desde que os sujeitoseducadores queiram orientar as prticas educativas por esta perspectiva, sedisponham a entrar na luta e a projetar e vivenciar outro modo de fazer educaodas classes subalternas (PALUDO, 2001, 206-207).

    E, por fim, questiona-se: Existe realmente a possibilidade de resistncia

    explorao capitalista atravs do projeto de Educao Popular? A resposta tem que partir

    da realidade objetiva, sob pena de se cair em um idealismo estril que no leva ningum a

    lugar algum. Com efeito, no se pode prever o tempo histrico em que acontecer a ruptura

    do sistema hegemnico e sua superao por outra concepo que, de forma minoritria, j

    existe em formao no seu prprio bojo. Ademais, sabe-se da capacidade de reinveno do

    capitalismo, que se revoluciona, superando, mesmo que transitoriamente, suas prprias crises,

    at que nova crise se estabelea e seja novamente superada, porque o capitalismo por ndoleum sistema produtor e reprodutor de crises.

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    A preservao histrica de um sistema que beneficia a poucos em detrimento da

    maioria pode estar na prpria naturalizao deste sistema como o nico possvel em face da

    natureza m e egosta do ser humano, partindo-se para tal concluso de uma concepo

    idealista e fatalista da realidade. claro que esta no a nica causa da resistncia do

    capitalismo s suas prprias crises (a naturalizao, baseada numa premissa idealista e

    fatalista), mas uma causa relevante, ou pelo menos, simplificando, a resposta mais comum

    que se ouve quando se discute acerca da possibilidade de superao deste sistema. Isso um

    fato!

    Assim, a Educao Popular, se no pode transformar a realidade, sobretudo neste

    momento histrico, pode, todavia, question-la, apontando outras possibilidades atravs de

    suas propostas e metodologia. Isso tambm um fato.A Educao Popular pode minar as verdades absolutas do sistema

    hegemnico, e, aos poucos, espraiar seus postulados, pressupostos, princpio e valores para

    um maior nmero de pessoas, multiplicando a divulgao de uma concepo do mundo

    assentada fundamentalmente na possibilidade de transformao da realidade.

    Concluso:

    Em concluso, retorna-se indagao inicial: Existe realmente a possibilidade deresistncia explorao capitalista atravs do projeto de Educao Popular? Sim, existe

    essa possibilidade. A resistncia possvel. A Educao Popular pode se constituir como um

    instrumento de resistncia contra a explorao capitalista, porque calcada em pressupostos,

    princpios, valores, instrumentos e postulados antagnicos do projeto educacional vigente.

    Isto um fato! A educao tradicional formal e a Educao Popular so projetos antagnicos.

    Com efeito, para tanto, todos os progressistas que no acreditam que a simples

    reforma do sistema dominante possa levar superao do antagonismo de classes, devem, de

    forma coletiva, articulada e voluntria, trabalhar para a divulgao e aplicao do projeto de

    Educao Popular para um maior nmero de pessoas possvel, formando, destarte, uma

    espcie de uma rede, partindo de uma concepo educacional baseada na realidade concreta

    que aponta as possibilidades de superao de um sistema assentado na explorao, para um

    sistema respaldado na solidariedade humana.

    claro que a transformao no vai acontecer de uma hora para outra ou da noite

    para o dia, porque o capitalismo est naturalizado neste momento histrico, como nica

    possibilidade vivel ao conjunto da humanidade principalmente no ocidente. Este fato,

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    portanto, no pode servir de empecilho ou desnimo para a luta visando a superao do

    pensamento hegemnico.

    A Educao Popular, ento, pode sim se constituir em um nicho de resistncia ao

    projeto dominante, minando as verdades absolutas do sistema hegemnico, e, aos poucos,

    espraiando seus postulados, pressupostos, princpio e valores para um maior nmero de

    pessoas.

    A base da resistncia est, portanto, em mostrar e provar s possibilidades de

    transformao da realidade de forma clara e inequvoca, com suporte na realidade concreta.

    No se pode esquecer que conhecimento poder, podendo se abrir caminhos para

    a superao de uma viso fatalista da realidade, atravs da apresentao das possibilidades

    concretas de transformao, a partir de um novo projeto de educao, uma educao que nose adapta ao modelo necrfilo capitalista, mas que, pelo contrrio, se constitui num meio de

    resistncia s suas premissas, princpios e valores e postulados.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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