a democracia participativa e sua realizaÇÃo ... · a derrocada do regime absolutista, naquilo que...

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A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E SUA REALIZAÇÃO - PERSPECTIVA HISTÓRICA E PROSPECÇÃO FUTURA: O MARCO CIVIL PARA A REGULAMENTAÇÃO DA INTERNET NO BRASIL MAKING PARTICIPATORY DEMOCRACY COME TRUE - HISTORICAL PERSPECTIVE AND FUTURE PROSPECTION: THE BRAZILIAN INTERNET REGULATORY FRAMEWORK Rubens Beçak* João Victor Rozatti Longh** Resumo: São constantes os esforços para a consecução da democracia em sede global. A revolução das comunicações nos últimos anos trouxe consigo importantes meios para o exercício da liberdade de expressão e comunicação, direito fundamental de primeira geração, que toma feições cada dia mais globais e universais. Nessa esteira, afirma-se que os direitos humanos, hoje transnacionais e atinentes às gerações futuras, têm na democracia seu principal fundamento. É a democracia participativa, com a qual os cidadãos têm a sua inserção direta no jogo democrático assegurada. O presente trabalho procura analisar o caso do marco civil regulatório da Internet no Brasil, uma iniciativa pioneira, que explora as potencialidades da tecnologia para possibilitar ao cidadão a participação ativa na proposição da legislação sobre direitos e obrigações civis na Rede, capitaneada pela sociedade civil em conjunto com o Executivo. Essa é apenas uma das possibilidades de superação dos problemas atuais do sistema partidário nacional, carente de representatividade e fragilizado em legitimidade, risco ao próprio devir democrático. Palavras-chave: Democracia participativa. Liberdade de expressão. Comunicação. Abstract: Making democracy true is a will for everyone around the world. Nowadays, Communications' revolution brought new artifacts for freedom of expression, a civil right that becomes global day-by-day. Therefore, democracy shapes up as fourth generation human right. It's the participatory democracy, in which the citizen directly acts in the democratic game. This article intends to investigate the brazilian Internet Regulatory Framework, a brand new civil society's joint initiative with the Executive that seeks to build a draft law about civil obligations and rights for national Internet actors. This is just an attempt to overcome the political party system, which passes through a lack of representativity and seems gently to lose legitimacy, a big risk for the survival ofthe democratic regime in the overcome. Keywords: Participatory democracy. Freedom of expression. Communication. Professor e Secretário Geral da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. Mestrando em Direito Civil pela UERJ. R. Fac. Dir. Univ. SP v. 105 p. 185-210 jan./dez.2010

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A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E SUA REALIZACcedilAtildeO - PERSPECTIVA

HISTOacuteRICA E PROSPECCcedilAtildeO FUTURA O MARCO CIVIL PARA A

REGULAMENTACcedilAtildeO DA INTERNET NO BRASIL

MAKING PARTICIPATORY DEMOCRACY COME TRUE - HISTORICAL PERSPECTIVE AND FUTURE

PROSPECTION THE BRAZILIAN INTERNET REGULATORY F R A M E W O R K

Rubens Beccedilak

Joatildeo Victor Rozatti Longh

Resumo Satildeo constantes os esforccedilos para a consecuccedilatildeo da democracia e m sede global A revoluccedilatildeo das comunicaccedilotildees nos uacuteltimos anos trouxe consigo importantes meios para o exerciacutecio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo direito fundamental de primeira geraccedilatildeo que toma feiccedilotildees cada dia mais globais e universais Nessa esteira afirma-se que os direitos humanos hoje transnacionais e atinentes agraves geraccedilotildees futuras tecircm na democracia seu principal fundamento Eacute a democracia participativa com a qual os cidadatildeos tecircm a sua inserccedilatildeo direta no jogo democraacutetico assegurada O presente trabalho procura analisar o caso do marco civil regulatoacuterio da Internet no Brasil uma iniciativa pioneira que explora as potencialidades da tecnologia para possibilitar ao cidadatildeo a participaccedilatildeo ativa na proposiccedilatildeo da legislaccedilatildeo sobre direitos e obrigaccedilotildees civis na Rede capitaneada pela sociedade civil e m conjunto com o Executivo Essa eacute apenas uma das possibilidades de superaccedilatildeo dos problemas atuais do sistema partidaacuterio nacional carente de representatividade e fragilizado em legitimidade risco ao proacuteprio devir democraacutetico

Palavras-chave Democracia participativa Liberdade de expressatildeo Comunicaccedilatildeo

Abstract Making democracy true is a will for everyone around the world Nowadays Communications revolution brought new artifacts for freedom of expression a civil right that becomes global day-by-day Therefore democracy shapes up as fourth generation human right Its the participatory democracy in which the citizen directly acts in the democratic game This article intends to investigate the brazilian Internet Regulatory Framework a brand new civil societys joint initiative with the Executive that seeks to build a draft law about civil obligations and rights for national Internet actors This is just an attempt to overcome the political party system which passes through a lack of representativity and seems gently to lose legitimacy a big risk for the survival ofthe democratic regime in the overcome

Keywords Participatory democracy Freedom of expression Communication

Professor e Secretaacuterio Geral da Universidade de Satildeo Paulo Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Satildeo Paulo Mestrando em Direito Civil pela UERJ

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez2010

186 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Introduccedilatildeo

Mesmo que esquecido no panorama nacional o debate acerca da Reforma

Poliacutetica superado por outros mais pontuais o questionamento sobre a democracia e sua

expressatildeo subjacente agravequele permanece atual

Entendemos portanto oportuna a discussatildeo sobre o primado democraacutetico

e a reafirmaccedilatildeo deste ideal especialmente quando a discussatildeo sobre o denominado marco

civil para a regulamentaccedilatildeo da Internet e m nosso paiacutes estaacute instalada

Assim que para se verificar a efetivaccedilatildeo dos valores democraacuteticos

expressos na triacuteade liberdade igualdade e fraternidade isto somente se auferiraacute com o

permear da proacutepria ideacuteia democraacutetica por todos os setores da sociedade E isto e m nosso

entendimento somente se faz com a democracia participativa

Para tal fim importante que a discussatildeo sobre o tema se alastre e assim uma

evoluccedilatildeo dos rumos da democracia se faz necessaacuteria

C o m o ideal das ideacuteias iluministas advindo no plano poliacutetico com

a derrocada do regime absolutista naquilo que Eric Hobsbawn consagrou como a era

revolucionaacuteria1 vai-se idealizar u m sistema poliacutetico adequado a dar sustentaccedilatildeo agrave nova

ordem

A democracia dos gregos no sentido daquela praticada especialmente no

seacuteculo de Peacutericles e m Atenas seraacute transplantada para os tempos contemporacircneos havendo

que incorporar instrumento sobrevindo do Direito Civil para sua viabilizaccedilatildeo qual seja o

mandato E sem sombra de duacutevidas com a representaccedilatildeo que os novos regimes praticaratildeo

a democracia cognominada dali para a frente como indireta ou representativa

N a evoluccedilatildeo da democracia sabe-se que se por u m lado a democracia

representativa nasce com o vieacutes da imperatividade da vontade do representado no seu

desenvolver especialmente devido agrave sua evoluccedilatildeo exsurgiraacute a desvinculaccedilatildeo N o tema

bastante trabalhado pela doutrina Ferreira Filho pontua

[] A base fundamental da representaccedilatildeo eacute a ideacuteia exposta por Montesquieu de que os homens em geral natildeo tecircm a necessaacuteria capacidade para bem apreciar e consequumlentemente bem decidir os problemas poliacuteticos Assim no interesse de todos essas decisotildees devem ser confiadas aos mais capazes aos representantes do povo Mas todo e qualquer homem tem a capacidade de identificar no seu ciacuterculo de conviacutevio esses que satildeo mais capazes Por isso a seleccedilatildeo desses representantes deve ser dada a todo o povo que a estabeleceraacute por meio de uma eleiccedilatildeo (observe-se que para a doutrina poliacutetica helecircnica a eleiccedilatildeo era um

Cf H O B S B A W N Eric J A era das revoluccedilotildees 1789-1848 5 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1982

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 187 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

meacutetodo aristocraacutetico de seleccedilatildeo enquanto o sorteio eacute que era considerado o modo democraacuteticof]2

Edmund Burke e m seu famoso discurso aos eleitores de Bristol (1774)

jaacute pontuava no sentido da prevalecircncia do interesse nacional por sobre o dos eleitores

Tambeacutem a Constituiccedilatildeo francesa de 1791 jaacute o deixava claro os representantes nomeados

nos departamentos natildeo seratildeo representantes de u m determinado departamento mas da naccedilatildeo inteira 3

N o momento seguinte de seu evolver vai a democracia se defrontar com a

questatildeo da defesa de interesses por grupos mais ou menos fechados os logo denominados

partidos poliacuteticos provocando o surgimento da democracia representativa pelos partidos4

Entretanto mormente jaacute nas primeiras deacutecadas do seacuteculo X X ou mesmo

antes no final do seacuteculo XIX comeccedila-se a perceber que aquele sistema mdash com a

aparecircncia de supra-sumo da evoluccedilatildeo democraacutetica mdash encontrava u m questionamento

sui-generis sobre e m que medida natildeo estaria a representaccedilatildeo provocando distanciamento

ou mesmo contrariando a vontade do representado5 sobretudo considerada a existecircncia

desses novos partiacutecipes da cena poliacutetica A eacutepoca tinha-se a sensaccedilatildeo de uma crise geral

da representaccedilatildeo poliacutetica regada com interpretaccedilotildees alarmadas atentando para os efeitos

fatalmente corrosivos das novas instacircncias de mediaccedilatildeo - os partidos de massas - sobre o

sistema claacutessico parlamentar6

E m u m primeiro momento a sedutora ideacuteia da coexistecircncia do modelo

da representaccedilatildeo tradicional com a de interesses cooperativos pareceraacute a soluccedilatildeo O

instrumento foi utilizado por uma seacuterie de constituiccedilotildees europeacuteias chegando ao Brasil

com a Constituiccedilatildeo de 1934

Entretanto a ascensatildeo avassaladora de uma nova forma de exerciacutecio do

poder o totalitarismo logo fez colapsar a democracia como u m todo na exata medida e m

que esta era vista como u m sistema decadente e distanciado da realidade

C o m o final da 2a grande guerra e a revalorizaccedilatildeo do poder da ideacuteia

democraacutetica logo natildeo tardam tambeacutem a ressurgir os criacuteticos de suas eventuais falhas e

inversatildeo de valores Agora no entanto as criacuteticas natildeo mais estaratildeo centradas no ataque

2 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de direito constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo Saraiva 2008 p 85 Cf tambeacutem do mesmo autor Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 30 3 LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da

representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 (O

futuro da representaccedilatildeo) 4 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 88 e ss 5 Id Ibid p 93 6 LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela op cit p 67

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188 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

agrave democracia e m si mas sim na busca de instrumentos novos que possibilitassem o seu

repensar o seu aprimoramento

Joseph Schumpeter jaacute advertia nos anos 40 sobre o fato de os candidatos

(aos cargos eletivos) proporem poliacuteticas para se (re) eleger e m vez de serem eleitos para

realizar poliacuteticas definidas pela populaccedilatildeo () 7

A democracia participativa

Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho foi um dos primeiros a apontar a

resiliecircncia desta criacutetica8 demonstrando o surgimento de nova forma da democracia a

democracia semi-direta

Trata-se da tradicional democracia representativa natildeo abdicando da

presenccedila dos partidos poliacuteticos acrescida da instrumentalizaccedilatildeo de institutos que possam

servir agrave que se aufira a vontade do povo quando necessaacuterio Isto no intuito de diminuir

aquele gap jaacute mencionado de efetivaccedilatildeo da vontade do representado

O instrumento por excelecircncia de sua viabilizaccedilatildeo eacute o plebiscito mas natildeo

esqueccedilamos tambeacutem aqueles outros previstos na atual Constituiccedilatildeo Brasileira como o

referendum e a iniciativa popular aleacutem de outros que abordaremos

O plebiscito tem origem no direito romano sendo instituto largamente

adotado mundo afora

A histoacuteria registra u m a variante de sua utilizaccedilatildeo sempre vista com

reservas pelos seus criacuteticos mormente o seu vieacutes porventura antidemocraacutetico a chamada

democracia cesarista 9

Veja-se a sua utilizaccedilatildeo como instrumento real de afericcedilatildeo da verdade

popular como o foi aquele de 1993 e m nosso paiacutes que definiu a forma e o regime de

governo

N o tocante aleacutem do que consta do art 141 da Constituiccedilatildeo Federal onde

aparece para a realizaccedilatildeo da soberania popular eacute tambeacutem e especialmente - mecanismo

necessaacuterio para a criaccedilatildeo incorporaccedilatildeo fusatildeo e desmembramento de municiacutepios (art 18

sect 4o) e estados (sect 3o do mesmo artigo)

S C H U M P E T E R Joseph A apud LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R C A S T E L L O Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 p 59 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 97 Napoleatildeo Napoleatildeo III e outros a utilizaram e natildeo nos esqueccedilamos de tiranos mais recentes como Pinochet no Chile no final dos anos 80 e iniacutecios dos 90 para tentar revestir de legitimidade decisotildees de governo Tambeacutem aqueles entendidos como democratas De Gaulle utilizou o instituto agrave exaustatildeo inclusive tendo renunciado agrave Presidecircncia da Franccedila em 1969 quando derrotado numa dessas consultas A utilizaccedilatildeo exagerada ou desvirtuada do instrumento sempre sofreu criacuteticas o mecanismo em si natildeo

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilacirco futura o marco civil para a 189 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

O referendo ou melhor denominado referendum em latim para diferenciaacute-

lo da expressatildeo por vezes utilizada para exerciacutecio do voto nada mais eacute do que a possibilidade

da proacutepria aprovaccedilatildeo (ou rejeiccedilatildeo) de u m projeto de lei diretamente pela populaccedilatildeo

Duas observaccedilotildees se fazem necessaacuterias a primeira eacute que existem sistemas

onde se permite inclusive a alteraccedilatildeo eventual de projeto de lei pela populaccedilatildeo (consultas

e m referendum putativas) como eacute exemplo a Itaacutelia e a segunda que na praacutetica

constitucional brasileira parece c o m u m ie a confusatildeo deste instituto com o plebiscito

natildeo soacute midiaticamente como tambeacutem por parte da Administraccedilatildeo (como foi exemplo o

plebiscito de Janeiro de 1963 sobre o sistema de governo que na realidade foi referendum)

Q u e m bem conceitua as diferenccedilas entre dois institutos eacute o mais u m a vez

lembrado Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho10 demonstrando inclusive a possibilidade

de o referendum ser formulado enquanto exerciacutecio do poder constituinte pelo povo Eacute

instrumento previsto na Constituiccedilatildeo Federal no art 14 II

N o nosso sistema constitucional eacute o Congresso Nacional que exerce o

poder de convocar o plebiscito e de autorizar o referendo (art 49 X V )

Por derradeiro a iniciativa popular Este eacute instrumento previsto na

Constituiccedilatildeo Federal no inciso III do art 14 e tambeacutem no art 27 sect 3o no que se refere

agrave iniciativa popular no processo legislativo estadual Sua regulaccedilatildeo vem no art 61 sect 2o

onde encontramos os requisitos11 que pela dificuldade de efetivaccedilatildeo jaacute configuram por si

mesmos o seu sepultamento

Art 61 sect 2o A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentaccedilatildeo agrave Cacircmara dos Deputados de projeto de lei submetido por no miacutenimo um por cento do eleitorado nacional distribuiacutedo pelo menos por 5 Estados com natildeo menos de 3 deacutecimos por cento dos eleitores de cada 1 deles

Ora no dizer de Seacutergio Resende de Barros12 segue sendo mais faacutecil (e

econocircmico) deslocar-se por aviatildeo ateacute Brasiacutelia e realizar pressatildeo por sobre os deputados

de sua regiatildeo pessoalmente ou ateacute mesmo nas vindas semanais destes aos seus estados

de origem - do que cumprir os requisitos constitucionais

Natildeo nos esqueccedilamos que a doutrina tradicionalmente elenca outros meios

de exerciacutecio da democracia participativa especialmente no direito norte-americano

10 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit 98 1 Sobre a iniciativa popular e seus requisitos cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo

3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007 p 223-224 e 449-450 12 B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade de

Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

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190 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Outros instrumentos de realizaccedilatildeo da democracia participativa

Ali temos os chamados veto popular aonde uma lei em vigor pode ir a

escrutiacutenio popular se houver solicitaccedilatildeo de certo nuacutemero de eleitores

Ainda o recall ou revocaccedilatildeo e m que igualmente por solicitaccedilatildeo dos

eleitores o que vai a escrutiacutenio popular eacute o mandato de parlamentar ou funcionaacuterio eleito

(lembremos que nos E U A parte das funccedilotildees judiciais e que outras satildeo eletivos)

Joseacute Afonso da Silva relaciona13 a Accedilatildeo Popular dentre noacutes desde a

Constituiccedilatildeo de 1934 como efetivo exerciacutecio de participaccedilatildeo na vida poliacutetica Noacutes nos

aventuramos ainda a dizer que a Accedilatildeo Civil Puacuteblica existente infraconstitucionalmente14

desde 1985 constitucionalizada e m 1988 tambeacutem eacute - por via reflexa - instrumento para tal

Mas seraacute que com esta descriccedilatildeo do instrumental mais usualmente colocado

agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo temos realmente u m a gama de mecanismos que permitam que se

supra aquele distanciamento a que jaacute nos referimos aquela sensaccedilatildeo que eacute de certa forma

comum de que as reais necessidades e anguacutestias da populaccedilatildeo natildeo estatildeo sendo discutidas

nos foros de exerciacutecio do poder C o m o aprimorar isto

Eacute aqui que uma seacuterie de estudos tem-se produzido inclusive algumas

experiecircncias se praticado tambeacutem em nosso paiacutes no sentido de diminuir esta distacircncia

Vejam-se os estudos pioneiros de Capeletti acerca da utilizaccedilatildeo da televisatildeo

como forma de aproximaccedilatildeo papel que hoje e m dia poderia perfeitamente caber agrave Internet

como aliaacutes eacute a proposta concreta do ex-Vice-Presidente norte-americano Al Gore no seu

The Assault on Reason15

Paulo Bonavides jaacute advogou a possibilidade de elaboraccedilatildeo de Emenda

Constitucional popularmente pela inclusatildeo de item IV ao art 60 da Constituiccedilatildeo16

Propostas haacute de criaccedilatildeo do mandato imperativo natildeo no sentido antigo de

sua utilizaccedilatildeo mas no da vinculaccedilatildeo da accedilatildeo do parlamentar ao programa partidaacuterio ou de

governo sob pena de revocaccedilatildeo de seu mandato

Natildeo nos olvidemos tambeacutem de algumas experiecircncias efetivamente

colocadas em praacutetica como o orccedilamento participativo algo que de forma pioneira surgiu

no Rio Grande do Sul e de laacute espalhou-se sendo hoje conforme preleccedilatildeo de Boaventura

de Souza Santos17 utilizado em mais de 1200 cidades da Ameacuterica Latina

13 SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 50-51

14 Lei n 734785 15 G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007 16 BONAVIDES Paulo Constituinte e Iniciativa Popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de 2007 17 SANTOS Boaventura de Souza In JointAnnual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA) and the

Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

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186 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Introduccedilatildeo

Mesmo que esquecido no panorama nacional o debate acerca da Reforma

Poliacutetica superado por outros mais pontuais o questionamento sobre a democracia e sua

expressatildeo subjacente agravequele permanece atual

Entendemos portanto oportuna a discussatildeo sobre o primado democraacutetico

e a reafirmaccedilatildeo deste ideal especialmente quando a discussatildeo sobre o denominado marco

civil para a regulamentaccedilatildeo da Internet e m nosso paiacutes estaacute instalada

Assim que para se verificar a efetivaccedilatildeo dos valores democraacuteticos

expressos na triacuteade liberdade igualdade e fraternidade isto somente se auferiraacute com o

permear da proacutepria ideacuteia democraacutetica por todos os setores da sociedade E isto e m nosso

entendimento somente se faz com a democracia participativa

Para tal fim importante que a discussatildeo sobre o tema se alastre e assim uma

evoluccedilatildeo dos rumos da democracia se faz necessaacuteria

C o m o ideal das ideacuteias iluministas advindo no plano poliacutetico com

a derrocada do regime absolutista naquilo que Eric Hobsbawn consagrou como a era

revolucionaacuteria1 vai-se idealizar u m sistema poliacutetico adequado a dar sustentaccedilatildeo agrave nova

ordem

A democracia dos gregos no sentido daquela praticada especialmente no

seacuteculo de Peacutericles e m Atenas seraacute transplantada para os tempos contemporacircneos havendo

que incorporar instrumento sobrevindo do Direito Civil para sua viabilizaccedilatildeo qual seja o

mandato E sem sombra de duacutevidas com a representaccedilatildeo que os novos regimes praticaratildeo

a democracia cognominada dali para a frente como indireta ou representativa

N a evoluccedilatildeo da democracia sabe-se que se por u m lado a democracia

representativa nasce com o vieacutes da imperatividade da vontade do representado no seu

desenvolver especialmente devido agrave sua evoluccedilatildeo exsurgiraacute a desvinculaccedilatildeo N o tema

bastante trabalhado pela doutrina Ferreira Filho pontua

[] A base fundamental da representaccedilatildeo eacute a ideacuteia exposta por Montesquieu de que os homens em geral natildeo tecircm a necessaacuteria capacidade para bem apreciar e consequumlentemente bem decidir os problemas poliacuteticos Assim no interesse de todos essas decisotildees devem ser confiadas aos mais capazes aos representantes do povo Mas todo e qualquer homem tem a capacidade de identificar no seu ciacuterculo de conviacutevio esses que satildeo mais capazes Por isso a seleccedilatildeo desses representantes deve ser dada a todo o povo que a estabeleceraacute por meio de uma eleiccedilatildeo (observe-se que para a doutrina poliacutetica helecircnica a eleiccedilatildeo era um

Cf H O B S B A W N Eric J A era das revoluccedilotildees 1789-1848 5 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1982

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 187 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

meacutetodo aristocraacutetico de seleccedilatildeo enquanto o sorteio eacute que era considerado o modo democraacuteticof]2

Edmund Burke e m seu famoso discurso aos eleitores de Bristol (1774)

jaacute pontuava no sentido da prevalecircncia do interesse nacional por sobre o dos eleitores

Tambeacutem a Constituiccedilatildeo francesa de 1791 jaacute o deixava claro os representantes nomeados

nos departamentos natildeo seratildeo representantes de u m determinado departamento mas da naccedilatildeo inteira 3

N o momento seguinte de seu evolver vai a democracia se defrontar com a

questatildeo da defesa de interesses por grupos mais ou menos fechados os logo denominados

partidos poliacuteticos provocando o surgimento da democracia representativa pelos partidos4

Entretanto mormente jaacute nas primeiras deacutecadas do seacuteculo X X ou mesmo

antes no final do seacuteculo XIX comeccedila-se a perceber que aquele sistema mdash com a

aparecircncia de supra-sumo da evoluccedilatildeo democraacutetica mdash encontrava u m questionamento

sui-generis sobre e m que medida natildeo estaria a representaccedilatildeo provocando distanciamento

ou mesmo contrariando a vontade do representado5 sobretudo considerada a existecircncia

desses novos partiacutecipes da cena poliacutetica A eacutepoca tinha-se a sensaccedilatildeo de uma crise geral

da representaccedilatildeo poliacutetica regada com interpretaccedilotildees alarmadas atentando para os efeitos

fatalmente corrosivos das novas instacircncias de mediaccedilatildeo - os partidos de massas - sobre o

sistema claacutessico parlamentar6

E m u m primeiro momento a sedutora ideacuteia da coexistecircncia do modelo

da representaccedilatildeo tradicional com a de interesses cooperativos pareceraacute a soluccedilatildeo O

instrumento foi utilizado por uma seacuterie de constituiccedilotildees europeacuteias chegando ao Brasil

com a Constituiccedilatildeo de 1934

Entretanto a ascensatildeo avassaladora de uma nova forma de exerciacutecio do

poder o totalitarismo logo fez colapsar a democracia como u m todo na exata medida e m

que esta era vista como u m sistema decadente e distanciado da realidade

C o m o final da 2a grande guerra e a revalorizaccedilatildeo do poder da ideacuteia

democraacutetica logo natildeo tardam tambeacutem a ressurgir os criacuteticos de suas eventuais falhas e

inversatildeo de valores Agora no entanto as criacuteticas natildeo mais estaratildeo centradas no ataque

2 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de direito constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo Saraiva 2008 p 85 Cf tambeacutem do mesmo autor Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 30 3 LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da

representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 (O

futuro da representaccedilatildeo) 4 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 88 e ss 5 Id Ibid p 93 6 LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela op cit p 67

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188 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

agrave democracia e m si mas sim na busca de instrumentos novos que possibilitassem o seu

repensar o seu aprimoramento

Joseph Schumpeter jaacute advertia nos anos 40 sobre o fato de os candidatos

(aos cargos eletivos) proporem poliacuteticas para se (re) eleger e m vez de serem eleitos para

realizar poliacuteticas definidas pela populaccedilatildeo () 7

A democracia participativa

Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho foi um dos primeiros a apontar a

resiliecircncia desta criacutetica8 demonstrando o surgimento de nova forma da democracia a

democracia semi-direta

Trata-se da tradicional democracia representativa natildeo abdicando da

presenccedila dos partidos poliacuteticos acrescida da instrumentalizaccedilatildeo de institutos que possam

servir agrave que se aufira a vontade do povo quando necessaacuterio Isto no intuito de diminuir

aquele gap jaacute mencionado de efetivaccedilatildeo da vontade do representado

O instrumento por excelecircncia de sua viabilizaccedilatildeo eacute o plebiscito mas natildeo

esqueccedilamos tambeacutem aqueles outros previstos na atual Constituiccedilatildeo Brasileira como o

referendum e a iniciativa popular aleacutem de outros que abordaremos

O plebiscito tem origem no direito romano sendo instituto largamente

adotado mundo afora

A histoacuteria registra u m a variante de sua utilizaccedilatildeo sempre vista com

reservas pelos seus criacuteticos mormente o seu vieacutes porventura antidemocraacutetico a chamada

democracia cesarista 9

Veja-se a sua utilizaccedilatildeo como instrumento real de afericcedilatildeo da verdade

popular como o foi aquele de 1993 e m nosso paiacutes que definiu a forma e o regime de

governo

N o tocante aleacutem do que consta do art 141 da Constituiccedilatildeo Federal onde

aparece para a realizaccedilatildeo da soberania popular eacute tambeacutem e especialmente - mecanismo

necessaacuterio para a criaccedilatildeo incorporaccedilatildeo fusatildeo e desmembramento de municiacutepios (art 18

sect 4o) e estados (sect 3o do mesmo artigo)

S C H U M P E T E R Joseph A apud LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R C A S T E L L O Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 p 59 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 97 Napoleatildeo Napoleatildeo III e outros a utilizaram e natildeo nos esqueccedilamos de tiranos mais recentes como Pinochet no Chile no final dos anos 80 e iniacutecios dos 90 para tentar revestir de legitimidade decisotildees de governo Tambeacutem aqueles entendidos como democratas De Gaulle utilizou o instituto agrave exaustatildeo inclusive tendo renunciado agrave Presidecircncia da Franccedila em 1969 quando derrotado numa dessas consultas A utilizaccedilatildeo exagerada ou desvirtuada do instrumento sempre sofreu criacuteticas o mecanismo em si natildeo

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilacirco futura o marco civil para a 189 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

O referendo ou melhor denominado referendum em latim para diferenciaacute-

lo da expressatildeo por vezes utilizada para exerciacutecio do voto nada mais eacute do que a possibilidade

da proacutepria aprovaccedilatildeo (ou rejeiccedilatildeo) de u m projeto de lei diretamente pela populaccedilatildeo

Duas observaccedilotildees se fazem necessaacuterias a primeira eacute que existem sistemas

onde se permite inclusive a alteraccedilatildeo eventual de projeto de lei pela populaccedilatildeo (consultas

e m referendum putativas) como eacute exemplo a Itaacutelia e a segunda que na praacutetica

constitucional brasileira parece c o m u m ie a confusatildeo deste instituto com o plebiscito

natildeo soacute midiaticamente como tambeacutem por parte da Administraccedilatildeo (como foi exemplo o

plebiscito de Janeiro de 1963 sobre o sistema de governo que na realidade foi referendum)

Q u e m bem conceitua as diferenccedilas entre dois institutos eacute o mais u m a vez

lembrado Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho10 demonstrando inclusive a possibilidade

de o referendum ser formulado enquanto exerciacutecio do poder constituinte pelo povo Eacute

instrumento previsto na Constituiccedilatildeo Federal no art 14 II

N o nosso sistema constitucional eacute o Congresso Nacional que exerce o

poder de convocar o plebiscito e de autorizar o referendo (art 49 X V )

Por derradeiro a iniciativa popular Este eacute instrumento previsto na

Constituiccedilatildeo Federal no inciso III do art 14 e tambeacutem no art 27 sect 3o no que se refere

agrave iniciativa popular no processo legislativo estadual Sua regulaccedilatildeo vem no art 61 sect 2o

onde encontramos os requisitos11 que pela dificuldade de efetivaccedilatildeo jaacute configuram por si

mesmos o seu sepultamento

Art 61 sect 2o A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentaccedilatildeo agrave Cacircmara dos Deputados de projeto de lei submetido por no miacutenimo um por cento do eleitorado nacional distribuiacutedo pelo menos por 5 Estados com natildeo menos de 3 deacutecimos por cento dos eleitores de cada 1 deles

Ora no dizer de Seacutergio Resende de Barros12 segue sendo mais faacutecil (e

econocircmico) deslocar-se por aviatildeo ateacute Brasiacutelia e realizar pressatildeo por sobre os deputados

de sua regiatildeo pessoalmente ou ateacute mesmo nas vindas semanais destes aos seus estados

de origem - do que cumprir os requisitos constitucionais

Natildeo nos esqueccedilamos que a doutrina tradicionalmente elenca outros meios

de exerciacutecio da democracia participativa especialmente no direito norte-americano

10 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit 98 1 Sobre a iniciativa popular e seus requisitos cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo

3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007 p 223-224 e 449-450 12 B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade de

Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

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190 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Outros instrumentos de realizaccedilatildeo da democracia participativa

Ali temos os chamados veto popular aonde uma lei em vigor pode ir a

escrutiacutenio popular se houver solicitaccedilatildeo de certo nuacutemero de eleitores

Ainda o recall ou revocaccedilatildeo e m que igualmente por solicitaccedilatildeo dos

eleitores o que vai a escrutiacutenio popular eacute o mandato de parlamentar ou funcionaacuterio eleito

(lembremos que nos E U A parte das funccedilotildees judiciais e que outras satildeo eletivos)

Joseacute Afonso da Silva relaciona13 a Accedilatildeo Popular dentre noacutes desde a

Constituiccedilatildeo de 1934 como efetivo exerciacutecio de participaccedilatildeo na vida poliacutetica Noacutes nos

aventuramos ainda a dizer que a Accedilatildeo Civil Puacuteblica existente infraconstitucionalmente14

desde 1985 constitucionalizada e m 1988 tambeacutem eacute - por via reflexa - instrumento para tal

Mas seraacute que com esta descriccedilatildeo do instrumental mais usualmente colocado

agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo temos realmente u m a gama de mecanismos que permitam que se

supra aquele distanciamento a que jaacute nos referimos aquela sensaccedilatildeo que eacute de certa forma

comum de que as reais necessidades e anguacutestias da populaccedilatildeo natildeo estatildeo sendo discutidas

nos foros de exerciacutecio do poder C o m o aprimorar isto

Eacute aqui que uma seacuterie de estudos tem-se produzido inclusive algumas

experiecircncias se praticado tambeacutem em nosso paiacutes no sentido de diminuir esta distacircncia

Vejam-se os estudos pioneiros de Capeletti acerca da utilizaccedilatildeo da televisatildeo

como forma de aproximaccedilatildeo papel que hoje e m dia poderia perfeitamente caber agrave Internet

como aliaacutes eacute a proposta concreta do ex-Vice-Presidente norte-americano Al Gore no seu

The Assault on Reason15

Paulo Bonavides jaacute advogou a possibilidade de elaboraccedilatildeo de Emenda

Constitucional popularmente pela inclusatildeo de item IV ao art 60 da Constituiccedilatildeo16

Propostas haacute de criaccedilatildeo do mandato imperativo natildeo no sentido antigo de

sua utilizaccedilatildeo mas no da vinculaccedilatildeo da accedilatildeo do parlamentar ao programa partidaacuterio ou de

governo sob pena de revocaccedilatildeo de seu mandato

Natildeo nos olvidemos tambeacutem de algumas experiecircncias efetivamente

colocadas em praacutetica como o orccedilamento participativo algo que de forma pioneira surgiu

no Rio Grande do Sul e de laacute espalhou-se sendo hoje conforme preleccedilatildeo de Boaventura

de Souza Santos17 utilizado em mais de 1200 cidades da Ameacuterica Latina

13 SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 50-51

14 Lei n 734785 15 G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007 16 BONAVIDES Paulo Constituinte e Iniciativa Popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de 2007 17 SANTOS Boaventura de Souza In JointAnnual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA) and the

Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 187 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

meacutetodo aristocraacutetico de seleccedilatildeo enquanto o sorteio eacute que era considerado o modo democraacuteticof]2

Edmund Burke e m seu famoso discurso aos eleitores de Bristol (1774)

jaacute pontuava no sentido da prevalecircncia do interesse nacional por sobre o dos eleitores

Tambeacutem a Constituiccedilatildeo francesa de 1791 jaacute o deixava claro os representantes nomeados

nos departamentos natildeo seratildeo representantes de u m determinado departamento mas da naccedilatildeo inteira 3

N o momento seguinte de seu evolver vai a democracia se defrontar com a

questatildeo da defesa de interesses por grupos mais ou menos fechados os logo denominados

partidos poliacuteticos provocando o surgimento da democracia representativa pelos partidos4

Entretanto mormente jaacute nas primeiras deacutecadas do seacuteculo X X ou mesmo

antes no final do seacuteculo XIX comeccedila-se a perceber que aquele sistema mdash com a

aparecircncia de supra-sumo da evoluccedilatildeo democraacutetica mdash encontrava u m questionamento

sui-generis sobre e m que medida natildeo estaria a representaccedilatildeo provocando distanciamento

ou mesmo contrariando a vontade do representado5 sobretudo considerada a existecircncia

desses novos partiacutecipes da cena poliacutetica A eacutepoca tinha-se a sensaccedilatildeo de uma crise geral

da representaccedilatildeo poliacutetica regada com interpretaccedilotildees alarmadas atentando para os efeitos

fatalmente corrosivos das novas instacircncias de mediaccedilatildeo - os partidos de massas - sobre o

sistema claacutessico parlamentar6

E m u m primeiro momento a sedutora ideacuteia da coexistecircncia do modelo

da representaccedilatildeo tradicional com a de interesses cooperativos pareceraacute a soluccedilatildeo O

instrumento foi utilizado por uma seacuterie de constituiccedilotildees europeacuteias chegando ao Brasil

com a Constituiccedilatildeo de 1934

Entretanto a ascensatildeo avassaladora de uma nova forma de exerciacutecio do

poder o totalitarismo logo fez colapsar a democracia como u m todo na exata medida e m

que esta era vista como u m sistema decadente e distanciado da realidade

C o m o final da 2a grande guerra e a revalorizaccedilatildeo do poder da ideacuteia

democraacutetica logo natildeo tardam tambeacutem a ressurgir os criacuteticos de suas eventuais falhas e

inversatildeo de valores Agora no entanto as criacuteticas natildeo mais estaratildeo centradas no ataque

2 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de direito constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo Saraiva 2008 p 85 Cf tambeacutem do mesmo autor Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo

Paulo Saraiva 2009 p 30 3 LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da

representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 (O

futuro da representaccedilatildeo) 4 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 88 e ss 5 Id Ibid p 93 6 LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela op cit p 67

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

188 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

agrave democracia e m si mas sim na busca de instrumentos novos que possibilitassem o seu

repensar o seu aprimoramento

Joseph Schumpeter jaacute advertia nos anos 40 sobre o fato de os candidatos

(aos cargos eletivos) proporem poliacuteticas para se (re) eleger e m vez de serem eleitos para

realizar poliacuteticas definidas pela populaccedilatildeo () 7

A democracia participativa

Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho foi um dos primeiros a apontar a

resiliecircncia desta criacutetica8 demonstrando o surgimento de nova forma da democracia a

democracia semi-direta

Trata-se da tradicional democracia representativa natildeo abdicando da

presenccedila dos partidos poliacuteticos acrescida da instrumentalizaccedilatildeo de institutos que possam

servir agrave que se aufira a vontade do povo quando necessaacuterio Isto no intuito de diminuir

aquele gap jaacute mencionado de efetivaccedilatildeo da vontade do representado

O instrumento por excelecircncia de sua viabilizaccedilatildeo eacute o plebiscito mas natildeo

esqueccedilamos tambeacutem aqueles outros previstos na atual Constituiccedilatildeo Brasileira como o

referendum e a iniciativa popular aleacutem de outros que abordaremos

O plebiscito tem origem no direito romano sendo instituto largamente

adotado mundo afora

A histoacuteria registra u m a variante de sua utilizaccedilatildeo sempre vista com

reservas pelos seus criacuteticos mormente o seu vieacutes porventura antidemocraacutetico a chamada

democracia cesarista 9

Veja-se a sua utilizaccedilatildeo como instrumento real de afericcedilatildeo da verdade

popular como o foi aquele de 1993 e m nosso paiacutes que definiu a forma e o regime de

governo

N o tocante aleacutem do que consta do art 141 da Constituiccedilatildeo Federal onde

aparece para a realizaccedilatildeo da soberania popular eacute tambeacutem e especialmente - mecanismo

necessaacuterio para a criaccedilatildeo incorporaccedilatildeo fusatildeo e desmembramento de municiacutepios (art 18

sect 4o) e estados (sect 3o do mesmo artigo)

S C H U M P E T E R Joseph A apud LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R C A S T E L L O Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 p 59 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 97 Napoleatildeo Napoleatildeo III e outros a utilizaram e natildeo nos esqueccedilamos de tiranos mais recentes como Pinochet no Chile no final dos anos 80 e iniacutecios dos 90 para tentar revestir de legitimidade decisotildees de governo Tambeacutem aqueles entendidos como democratas De Gaulle utilizou o instituto agrave exaustatildeo inclusive tendo renunciado agrave Presidecircncia da Franccedila em 1969 quando derrotado numa dessas consultas A utilizaccedilatildeo exagerada ou desvirtuada do instrumento sempre sofreu criacuteticas o mecanismo em si natildeo

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilacirco futura o marco civil para a 189 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

O referendo ou melhor denominado referendum em latim para diferenciaacute-

lo da expressatildeo por vezes utilizada para exerciacutecio do voto nada mais eacute do que a possibilidade

da proacutepria aprovaccedilatildeo (ou rejeiccedilatildeo) de u m projeto de lei diretamente pela populaccedilatildeo

Duas observaccedilotildees se fazem necessaacuterias a primeira eacute que existem sistemas

onde se permite inclusive a alteraccedilatildeo eventual de projeto de lei pela populaccedilatildeo (consultas

e m referendum putativas) como eacute exemplo a Itaacutelia e a segunda que na praacutetica

constitucional brasileira parece c o m u m ie a confusatildeo deste instituto com o plebiscito

natildeo soacute midiaticamente como tambeacutem por parte da Administraccedilatildeo (como foi exemplo o

plebiscito de Janeiro de 1963 sobre o sistema de governo que na realidade foi referendum)

Q u e m bem conceitua as diferenccedilas entre dois institutos eacute o mais u m a vez

lembrado Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho10 demonstrando inclusive a possibilidade

de o referendum ser formulado enquanto exerciacutecio do poder constituinte pelo povo Eacute

instrumento previsto na Constituiccedilatildeo Federal no art 14 II

N o nosso sistema constitucional eacute o Congresso Nacional que exerce o

poder de convocar o plebiscito e de autorizar o referendo (art 49 X V )

Por derradeiro a iniciativa popular Este eacute instrumento previsto na

Constituiccedilatildeo Federal no inciso III do art 14 e tambeacutem no art 27 sect 3o no que se refere

agrave iniciativa popular no processo legislativo estadual Sua regulaccedilatildeo vem no art 61 sect 2o

onde encontramos os requisitos11 que pela dificuldade de efetivaccedilatildeo jaacute configuram por si

mesmos o seu sepultamento

Art 61 sect 2o A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentaccedilatildeo agrave Cacircmara dos Deputados de projeto de lei submetido por no miacutenimo um por cento do eleitorado nacional distribuiacutedo pelo menos por 5 Estados com natildeo menos de 3 deacutecimos por cento dos eleitores de cada 1 deles

Ora no dizer de Seacutergio Resende de Barros12 segue sendo mais faacutecil (e

econocircmico) deslocar-se por aviatildeo ateacute Brasiacutelia e realizar pressatildeo por sobre os deputados

de sua regiatildeo pessoalmente ou ateacute mesmo nas vindas semanais destes aos seus estados

de origem - do que cumprir os requisitos constitucionais

Natildeo nos esqueccedilamos que a doutrina tradicionalmente elenca outros meios

de exerciacutecio da democracia participativa especialmente no direito norte-americano

10 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit 98 1 Sobre a iniciativa popular e seus requisitos cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo

3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007 p 223-224 e 449-450 12 B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade de

Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

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190 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Outros instrumentos de realizaccedilatildeo da democracia participativa

Ali temos os chamados veto popular aonde uma lei em vigor pode ir a

escrutiacutenio popular se houver solicitaccedilatildeo de certo nuacutemero de eleitores

Ainda o recall ou revocaccedilatildeo e m que igualmente por solicitaccedilatildeo dos

eleitores o que vai a escrutiacutenio popular eacute o mandato de parlamentar ou funcionaacuterio eleito

(lembremos que nos E U A parte das funccedilotildees judiciais e que outras satildeo eletivos)

Joseacute Afonso da Silva relaciona13 a Accedilatildeo Popular dentre noacutes desde a

Constituiccedilatildeo de 1934 como efetivo exerciacutecio de participaccedilatildeo na vida poliacutetica Noacutes nos

aventuramos ainda a dizer que a Accedilatildeo Civil Puacuteblica existente infraconstitucionalmente14

desde 1985 constitucionalizada e m 1988 tambeacutem eacute - por via reflexa - instrumento para tal

Mas seraacute que com esta descriccedilatildeo do instrumental mais usualmente colocado

agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo temos realmente u m a gama de mecanismos que permitam que se

supra aquele distanciamento a que jaacute nos referimos aquela sensaccedilatildeo que eacute de certa forma

comum de que as reais necessidades e anguacutestias da populaccedilatildeo natildeo estatildeo sendo discutidas

nos foros de exerciacutecio do poder C o m o aprimorar isto

Eacute aqui que uma seacuterie de estudos tem-se produzido inclusive algumas

experiecircncias se praticado tambeacutem em nosso paiacutes no sentido de diminuir esta distacircncia

Vejam-se os estudos pioneiros de Capeletti acerca da utilizaccedilatildeo da televisatildeo

como forma de aproximaccedilatildeo papel que hoje e m dia poderia perfeitamente caber agrave Internet

como aliaacutes eacute a proposta concreta do ex-Vice-Presidente norte-americano Al Gore no seu

The Assault on Reason15

Paulo Bonavides jaacute advogou a possibilidade de elaboraccedilatildeo de Emenda

Constitucional popularmente pela inclusatildeo de item IV ao art 60 da Constituiccedilatildeo16

Propostas haacute de criaccedilatildeo do mandato imperativo natildeo no sentido antigo de

sua utilizaccedilatildeo mas no da vinculaccedilatildeo da accedilatildeo do parlamentar ao programa partidaacuterio ou de

governo sob pena de revocaccedilatildeo de seu mandato

Natildeo nos olvidemos tambeacutem de algumas experiecircncias efetivamente

colocadas em praacutetica como o orccedilamento participativo algo que de forma pioneira surgiu

no Rio Grande do Sul e de laacute espalhou-se sendo hoje conforme preleccedilatildeo de Boaventura

de Souza Santos17 utilizado em mais de 1200 cidades da Ameacuterica Latina

13 SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 50-51

14 Lei n 734785 15 G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007 16 BONAVIDES Paulo Constituinte e Iniciativa Popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de 2007 17 SANTOS Boaventura de Souza In JointAnnual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA) and the

Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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188 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

agrave democracia e m si mas sim na busca de instrumentos novos que possibilitassem o seu

repensar o seu aprimoramento

Joseph Schumpeter jaacute advertia nos anos 40 sobre o fato de os candidatos

(aos cargos eletivos) proporem poliacuteticas para se (re) eleger e m vez de serem eleitos para

realizar poliacuteticas definidas pela populaccedilatildeo () 7

A democracia participativa

Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho foi um dos primeiros a apontar a

resiliecircncia desta criacutetica8 demonstrando o surgimento de nova forma da democracia a

democracia semi-direta

Trata-se da tradicional democracia representativa natildeo abdicando da

presenccedila dos partidos poliacuteticos acrescida da instrumentalizaccedilatildeo de institutos que possam

servir agrave que se aufira a vontade do povo quando necessaacuterio Isto no intuito de diminuir

aquele gap jaacute mencionado de efetivaccedilatildeo da vontade do representado

O instrumento por excelecircncia de sua viabilizaccedilatildeo eacute o plebiscito mas natildeo

esqueccedilamos tambeacutem aqueles outros previstos na atual Constituiccedilatildeo Brasileira como o

referendum e a iniciativa popular aleacutem de outros que abordaremos

O plebiscito tem origem no direito romano sendo instituto largamente

adotado mundo afora

A histoacuteria registra u m a variante de sua utilizaccedilatildeo sempre vista com

reservas pelos seus criacuteticos mormente o seu vieacutes porventura antidemocraacutetico a chamada

democracia cesarista 9

Veja-se a sua utilizaccedilatildeo como instrumento real de afericcedilatildeo da verdade

popular como o foi aquele de 1993 e m nosso paiacutes que definiu a forma e o regime de

governo

N o tocante aleacutem do que consta do art 141 da Constituiccedilatildeo Federal onde

aparece para a realizaccedilatildeo da soberania popular eacute tambeacutem e especialmente - mecanismo

necessaacuterio para a criaccedilatildeo incorporaccedilatildeo fusatildeo e desmembramento de municiacutepios (art 18

sect 4o) e estados (sect 3o do mesmo artigo)

S C H U M P E T E R Joseph A apud LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R C A S T E L L O Graziela Democracia pluralizaccedilatildeo da representaccedilatildeo e sociedade civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica Satildeo Paulo n 67 p 54-55 2006 p 59 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit p 97 Napoleatildeo Napoleatildeo III e outros a utilizaram e natildeo nos esqueccedilamos de tiranos mais recentes como Pinochet no Chile no final dos anos 80 e iniacutecios dos 90 para tentar revestir de legitimidade decisotildees de governo Tambeacutem aqueles entendidos como democratas De Gaulle utilizou o instituto agrave exaustatildeo inclusive tendo renunciado agrave Presidecircncia da Franccedila em 1969 quando derrotado numa dessas consultas A utilizaccedilatildeo exagerada ou desvirtuada do instrumento sempre sofreu criacuteticas o mecanismo em si natildeo

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilacirco futura o marco civil para a 189 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

O referendo ou melhor denominado referendum em latim para diferenciaacute-

lo da expressatildeo por vezes utilizada para exerciacutecio do voto nada mais eacute do que a possibilidade

da proacutepria aprovaccedilatildeo (ou rejeiccedilatildeo) de u m projeto de lei diretamente pela populaccedilatildeo

Duas observaccedilotildees se fazem necessaacuterias a primeira eacute que existem sistemas

onde se permite inclusive a alteraccedilatildeo eventual de projeto de lei pela populaccedilatildeo (consultas

e m referendum putativas) como eacute exemplo a Itaacutelia e a segunda que na praacutetica

constitucional brasileira parece c o m u m ie a confusatildeo deste instituto com o plebiscito

natildeo soacute midiaticamente como tambeacutem por parte da Administraccedilatildeo (como foi exemplo o

plebiscito de Janeiro de 1963 sobre o sistema de governo que na realidade foi referendum)

Q u e m bem conceitua as diferenccedilas entre dois institutos eacute o mais u m a vez

lembrado Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho10 demonstrando inclusive a possibilidade

de o referendum ser formulado enquanto exerciacutecio do poder constituinte pelo povo Eacute

instrumento previsto na Constituiccedilatildeo Federal no art 14 II

N o nosso sistema constitucional eacute o Congresso Nacional que exerce o

poder de convocar o plebiscito e de autorizar o referendo (art 49 X V )

Por derradeiro a iniciativa popular Este eacute instrumento previsto na

Constituiccedilatildeo Federal no inciso III do art 14 e tambeacutem no art 27 sect 3o no que se refere

agrave iniciativa popular no processo legislativo estadual Sua regulaccedilatildeo vem no art 61 sect 2o

onde encontramos os requisitos11 que pela dificuldade de efetivaccedilatildeo jaacute configuram por si

mesmos o seu sepultamento

Art 61 sect 2o A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentaccedilatildeo agrave Cacircmara dos Deputados de projeto de lei submetido por no miacutenimo um por cento do eleitorado nacional distribuiacutedo pelo menos por 5 Estados com natildeo menos de 3 deacutecimos por cento dos eleitores de cada 1 deles

Ora no dizer de Seacutergio Resende de Barros12 segue sendo mais faacutecil (e

econocircmico) deslocar-se por aviatildeo ateacute Brasiacutelia e realizar pressatildeo por sobre os deputados

de sua regiatildeo pessoalmente ou ateacute mesmo nas vindas semanais destes aos seus estados

de origem - do que cumprir os requisitos constitucionais

Natildeo nos esqueccedilamos que a doutrina tradicionalmente elenca outros meios

de exerciacutecio da democracia participativa especialmente no direito norte-americano

10 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit 98 1 Sobre a iniciativa popular e seus requisitos cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo

3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007 p 223-224 e 449-450 12 B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade de

Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

190 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Outros instrumentos de realizaccedilatildeo da democracia participativa

Ali temos os chamados veto popular aonde uma lei em vigor pode ir a

escrutiacutenio popular se houver solicitaccedilatildeo de certo nuacutemero de eleitores

Ainda o recall ou revocaccedilatildeo e m que igualmente por solicitaccedilatildeo dos

eleitores o que vai a escrutiacutenio popular eacute o mandato de parlamentar ou funcionaacuterio eleito

(lembremos que nos E U A parte das funccedilotildees judiciais e que outras satildeo eletivos)

Joseacute Afonso da Silva relaciona13 a Accedilatildeo Popular dentre noacutes desde a

Constituiccedilatildeo de 1934 como efetivo exerciacutecio de participaccedilatildeo na vida poliacutetica Noacutes nos

aventuramos ainda a dizer que a Accedilatildeo Civil Puacuteblica existente infraconstitucionalmente14

desde 1985 constitucionalizada e m 1988 tambeacutem eacute - por via reflexa - instrumento para tal

Mas seraacute que com esta descriccedilatildeo do instrumental mais usualmente colocado

agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo temos realmente u m a gama de mecanismos que permitam que se

supra aquele distanciamento a que jaacute nos referimos aquela sensaccedilatildeo que eacute de certa forma

comum de que as reais necessidades e anguacutestias da populaccedilatildeo natildeo estatildeo sendo discutidas

nos foros de exerciacutecio do poder C o m o aprimorar isto

Eacute aqui que uma seacuterie de estudos tem-se produzido inclusive algumas

experiecircncias se praticado tambeacutem em nosso paiacutes no sentido de diminuir esta distacircncia

Vejam-se os estudos pioneiros de Capeletti acerca da utilizaccedilatildeo da televisatildeo

como forma de aproximaccedilatildeo papel que hoje e m dia poderia perfeitamente caber agrave Internet

como aliaacutes eacute a proposta concreta do ex-Vice-Presidente norte-americano Al Gore no seu

The Assault on Reason15

Paulo Bonavides jaacute advogou a possibilidade de elaboraccedilatildeo de Emenda

Constitucional popularmente pela inclusatildeo de item IV ao art 60 da Constituiccedilatildeo16

Propostas haacute de criaccedilatildeo do mandato imperativo natildeo no sentido antigo de

sua utilizaccedilatildeo mas no da vinculaccedilatildeo da accedilatildeo do parlamentar ao programa partidaacuterio ou de

governo sob pena de revocaccedilatildeo de seu mandato

Natildeo nos olvidemos tambeacutem de algumas experiecircncias efetivamente

colocadas em praacutetica como o orccedilamento participativo algo que de forma pioneira surgiu

no Rio Grande do Sul e de laacute espalhou-se sendo hoje conforme preleccedilatildeo de Boaventura

de Souza Santos17 utilizado em mais de 1200 cidades da Ameacuterica Latina

13 SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 50-51

14 Lei n 734785 15 G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007 16 BONAVIDES Paulo Constituinte e Iniciativa Popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de 2007 17 SANTOS Boaventura de Souza In JointAnnual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA) and the

Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

Referecircncias

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilacirco futura o marco civil para a 189 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

O referendo ou melhor denominado referendum em latim para diferenciaacute-

lo da expressatildeo por vezes utilizada para exerciacutecio do voto nada mais eacute do que a possibilidade

da proacutepria aprovaccedilatildeo (ou rejeiccedilatildeo) de u m projeto de lei diretamente pela populaccedilatildeo

Duas observaccedilotildees se fazem necessaacuterias a primeira eacute que existem sistemas

onde se permite inclusive a alteraccedilatildeo eventual de projeto de lei pela populaccedilatildeo (consultas

e m referendum putativas) como eacute exemplo a Itaacutelia e a segunda que na praacutetica

constitucional brasileira parece c o m u m ie a confusatildeo deste instituto com o plebiscito

natildeo soacute midiaticamente como tambeacutem por parte da Administraccedilatildeo (como foi exemplo o

plebiscito de Janeiro de 1963 sobre o sistema de governo que na realidade foi referendum)

Q u e m bem conceitua as diferenccedilas entre dois institutos eacute o mais u m a vez

lembrado Manoel Gonccedilalves Ferreira Filho10 demonstrando inclusive a possibilidade

de o referendum ser formulado enquanto exerciacutecio do poder constituinte pelo povo Eacute

instrumento previsto na Constituiccedilatildeo Federal no art 14 II

N o nosso sistema constitucional eacute o Congresso Nacional que exerce o

poder de convocar o plebiscito e de autorizar o referendo (art 49 X V )

Por derradeiro a iniciativa popular Este eacute instrumento previsto na

Constituiccedilatildeo Federal no inciso III do art 14 e tambeacutem no art 27 sect 3o no que se refere

agrave iniciativa popular no processo legislativo estadual Sua regulaccedilatildeo vem no art 61 sect 2o

onde encontramos os requisitos11 que pela dificuldade de efetivaccedilatildeo jaacute configuram por si

mesmos o seu sepultamento

Art 61 sect 2o A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentaccedilatildeo agrave Cacircmara dos Deputados de projeto de lei submetido por no miacutenimo um por cento do eleitorado nacional distribuiacutedo pelo menos por 5 Estados com natildeo menos de 3 deacutecimos por cento dos eleitores de cada 1 deles

Ora no dizer de Seacutergio Resende de Barros12 segue sendo mais faacutecil (e

econocircmico) deslocar-se por aviatildeo ateacute Brasiacutelia e realizar pressatildeo por sobre os deputados

de sua regiatildeo pessoalmente ou ateacute mesmo nas vindas semanais destes aos seus estados

de origem - do que cumprir os requisitos constitucionais

Natildeo nos esqueccedilamos que a doutrina tradicionalmente elenca outros meios

de exerciacutecio da democracia participativa especialmente no direito norte-americano

10 FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso cit 98 1 Sobre a iniciativa popular e seus requisitos cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo

3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007 p 223-224 e 449-450 12 B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade de

Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

190 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Outros instrumentos de realizaccedilatildeo da democracia participativa

Ali temos os chamados veto popular aonde uma lei em vigor pode ir a

escrutiacutenio popular se houver solicitaccedilatildeo de certo nuacutemero de eleitores

Ainda o recall ou revocaccedilatildeo e m que igualmente por solicitaccedilatildeo dos

eleitores o que vai a escrutiacutenio popular eacute o mandato de parlamentar ou funcionaacuterio eleito

(lembremos que nos E U A parte das funccedilotildees judiciais e que outras satildeo eletivos)

Joseacute Afonso da Silva relaciona13 a Accedilatildeo Popular dentre noacutes desde a

Constituiccedilatildeo de 1934 como efetivo exerciacutecio de participaccedilatildeo na vida poliacutetica Noacutes nos

aventuramos ainda a dizer que a Accedilatildeo Civil Puacuteblica existente infraconstitucionalmente14

desde 1985 constitucionalizada e m 1988 tambeacutem eacute - por via reflexa - instrumento para tal

Mas seraacute que com esta descriccedilatildeo do instrumental mais usualmente colocado

agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo temos realmente u m a gama de mecanismos que permitam que se

supra aquele distanciamento a que jaacute nos referimos aquela sensaccedilatildeo que eacute de certa forma

comum de que as reais necessidades e anguacutestias da populaccedilatildeo natildeo estatildeo sendo discutidas

nos foros de exerciacutecio do poder C o m o aprimorar isto

Eacute aqui que uma seacuterie de estudos tem-se produzido inclusive algumas

experiecircncias se praticado tambeacutem em nosso paiacutes no sentido de diminuir esta distacircncia

Vejam-se os estudos pioneiros de Capeletti acerca da utilizaccedilatildeo da televisatildeo

como forma de aproximaccedilatildeo papel que hoje e m dia poderia perfeitamente caber agrave Internet

como aliaacutes eacute a proposta concreta do ex-Vice-Presidente norte-americano Al Gore no seu

The Assault on Reason15

Paulo Bonavides jaacute advogou a possibilidade de elaboraccedilatildeo de Emenda

Constitucional popularmente pela inclusatildeo de item IV ao art 60 da Constituiccedilatildeo16

Propostas haacute de criaccedilatildeo do mandato imperativo natildeo no sentido antigo de

sua utilizaccedilatildeo mas no da vinculaccedilatildeo da accedilatildeo do parlamentar ao programa partidaacuterio ou de

governo sob pena de revocaccedilatildeo de seu mandato

Natildeo nos olvidemos tambeacutem de algumas experiecircncias efetivamente

colocadas em praacutetica como o orccedilamento participativo algo que de forma pioneira surgiu

no Rio Grande do Sul e de laacute espalhou-se sendo hoje conforme preleccedilatildeo de Boaventura

de Souza Santos17 utilizado em mais de 1200 cidades da Ameacuterica Latina

13 SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 50-51

14 Lei n 734785 15 G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007 16 BONAVIDES Paulo Constituinte e Iniciativa Popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de 2007 17 SANTOS Boaventura de Souza In JointAnnual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA) and the

Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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190 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Outros instrumentos de realizaccedilatildeo da democracia participativa

Ali temos os chamados veto popular aonde uma lei em vigor pode ir a

escrutiacutenio popular se houver solicitaccedilatildeo de certo nuacutemero de eleitores

Ainda o recall ou revocaccedilatildeo e m que igualmente por solicitaccedilatildeo dos

eleitores o que vai a escrutiacutenio popular eacute o mandato de parlamentar ou funcionaacuterio eleito

(lembremos que nos E U A parte das funccedilotildees judiciais e que outras satildeo eletivos)

Joseacute Afonso da Silva relaciona13 a Accedilatildeo Popular dentre noacutes desde a

Constituiccedilatildeo de 1934 como efetivo exerciacutecio de participaccedilatildeo na vida poliacutetica Noacutes nos

aventuramos ainda a dizer que a Accedilatildeo Civil Puacuteblica existente infraconstitucionalmente14

desde 1985 constitucionalizada e m 1988 tambeacutem eacute - por via reflexa - instrumento para tal

Mas seraacute que com esta descriccedilatildeo do instrumental mais usualmente colocado

agrave disposiccedilatildeo do cidadatildeo temos realmente u m a gama de mecanismos que permitam que se

supra aquele distanciamento a que jaacute nos referimos aquela sensaccedilatildeo que eacute de certa forma

comum de que as reais necessidades e anguacutestias da populaccedilatildeo natildeo estatildeo sendo discutidas

nos foros de exerciacutecio do poder C o m o aprimorar isto

Eacute aqui que uma seacuterie de estudos tem-se produzido inclusive algumas

experiecircncias se praticado tambeacutem em nosso paiacutes no sentido de diminuir esta distacircncia

Vejam-se os estudos pioneiros de Capeletti acerca da utilizaccedilatildeo da televisatildeo

como forma de aproximaccedilatildeo papel que hoje e m dia poderia perfeitamente caber agrave Internet

como aliaacutes eacute a proposta concreta do ex-Vice-Presidente norte-americano Al Gore no seu

The Assault on Reason15

Paulo Bonavides jaacute advogou a possibilidade de elaboraccedilatildeo de Emenda

Constitucional popularmente pela inclusatildeo de item IV ao art 60 da Constituiccedilatildeo16

Propostas haacute de criaccedilatildeo do mandato imperativo natildeo no sentido antigo de

sua utilizaccedilatildeo mas no da vinculaccedilatildeo da accedilatildeo do parlamentar ao programa partidaacuterio ou de

governo sob pena de revocaccedilatildeo de seu mandato

Natildeo nos olvidemos tambeacutem de algumas experiecircncias efetivamente

colocadas em praacutetica como o orccedilamento participativo algo que de forma pioneira surgiu

no Rio Grande do Sul e de laacute espalhou-se sendo hoje conforme preleccedilatildeo de Boaventura

de Souza Santos17 utilizado em mais de 1200 cidades da Ameacuterica Latina

13 SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e poder popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 50-51

14 Lei n 734785 15 G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007 16 BONAVIDES Paulo Constituinte e Iniciativa Popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de 2007 17 SANTOS Boaventura de Souza In JointAnnual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA) and the

Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

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Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

Referecircncias

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 191 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Importante ainda referirmos os Conselhos Municipais de Sauacutede tambeacutem

citados por aquele estudioso E os Conselhos Escolares de Seguranccedila de gestatildeo de

espaccedilos puacuteblicos etc todos eleitos pela populaccedilatildeo

Obviamente estas vias de participaccedilatildeo democraacutetica encontram uma grande

resistecircncia dos partidos poliacuteticos que as vecircem como verdadeira ameaccedila

E m todas estas experiecircncias e ou sugestotildees torna-se evidente a retomada

dos valores rousseauneanos inclusive na sua criacutetica aos institutos (tradicionais) da

representaccedilatildeo

Concordamos com Roberto Amaral18 que invocando seguidores da teoria

rousseauneana no aspecto como Marx Gramsci Lukaacutecs Bobbio e Poulantzas vecirc a

representaccedilatildeo como desvirtuadora da vontade soberana

D o outro lado do espectro ideoloacutegico tambeacutem a criacutetica eacute acerba

Joseph Schumpeter (tatildeo revalorizado nos dias de hoje) e Hanna Arendt satildeo

exemplos Para o primeiro () [eacute um] meacutetodo de seleccedilatildeo das elites atraveacutes de eleiccedilotildees

perioacutedicas ()19 ou para a segunda () o que agora chamamos democracia eacute uma

forma de governo na qual poucos governam em nome do interesse da maioria ()20

Aqui cabe-nos uma breve referecircncia do que se passa na Venezuelae

que tambeacutem foi discutido nos uacuteltimos processos constituintes do continente a saber o

equatoriano e o boliviano

N a Venezuela a Constituiccedilatildeo Bolivariana de 1999 conteacutem mecanismos

participativos arrolados no seu art 7021

O que se nota eacute que o caminho da participaccedilatildeo como forma de

aperfeiccediloamento democraacutetico parece ser algo irreversiacutevel o que a sua adoccedilatildeo por u m

nuacutemero cada vez maior de paiacuteses parece indicar

Por derradeiro cabe ainda uma ponderaccedilatildeo no que respeita ao papel da

participaccedilatildeo tambeacutem como elemento de maximizaccedilatildeo da democracia deliberativa no

sentido dela natildeo ser vista mais como inoperante na consecuccedilatildeo constitucional Isto porquecirc

muitos daqueles que defendem o fenocircmeno do ativismo judiciaacuterio depositam ali suas

esperanccedilas de realizaccedilatildeo do primado constitucional muitas vezes vecircm a se decepcionar

com a efetiva manifestaccedilatildeo judicial ou ainda no dizer de Claacuteudio Pereira de Souza Neto22

18 Cf A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001 Brasiacutelia 2001

19 S C H U M P E T E R Joseph A apud A M A R A L Roberto op cit p32 20 A R E N D T Hanna apud A M A R A L Roberto Id p 32 21 () I- instrumentos poliacuteticos a a eleiccedilatildeo para o exerciacutecio de cargos puacuteblicos b o referendo c a consulta

popular d a assembleacuteia aberta e e a assembleacuteia dos cidadatildeos cujas decisotildees tecircm caraacuteter vinculante II- instrumentos sociais e econocircmicos a a autogestatildeo b a co-gestatildeo c as cooperativas em todas as suas formas inclusive as de caraacuteter financeiro d as caixas de poupanccedila e a empresa comunitaacuteria O referendo poderaacute ser consultivo confirmatoacuterio ou revogatoacuterio []

22 S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo sobre o

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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U)2 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

com a possiacutevel criacutetica de a sobrecarga no Judiciaacuterio configurar eventual transferecircncia do

poacutelo decisoacuterio agrave elites Confira-se o autor citado

Para a perspectiva democraacutetico-deliberativa a soluccedilatildeo para os problemas

da democracia natildeo pode ser senatildeo o aprofundamento das proacuteprias praacuteticas democraacuteticas e

natildeo a transferecircncia do poder decisoacuterio a elites sejam econocircmicas ou culturais N o entanto

essa ressalva natildeo significa que a democracia deliberativa deixe de atribuir ao Judiciaacuterio

u m papel fundamental no regime democraacutetico23

A democracia participativa e os direitos fundamentais

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos24

Eacute o que proclama e m primeiro plano a Declaraccedilatildeo dos Direitos Humanos da O N U A

afirmaccedilatildeo da liberdade enquanto fundamento para a construccedilatildeo dos direitos fundamentais

de primeira geraccedilatildeo eacute tida como a alma do constitucionalismo e das revoluccedilotildees liberais jaacute

no seacuteculo XIX culminando na positivaccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e m sede constitucional

E m linhas gerais o que se sabe eacute que a proclamaccedilatildeo da liberdade e igualdade

dos cidadatildeos como limitaccedilatildeo ao poder do Estado ateacute entatildeo monaacuterquico e absolutista natildeo

se sustenta por si soacute durante muito tempo Afinal processos sociais como a urbanizaccedilatildeo e

o desenvolvimento de u m a sociedade industrial introduzem novos interesses poliacuteticos os

quais quando contrapostos dialeticamente criam demandas ao Estado que exigiram sua

atuaccedilatildeo positiva Surgem entatildeo os direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda

geraccedilatildeo

Hoje jaacute se encontram claramente positivados direitos fundamentais de

terceira geraccedilatildeo como aqueles difusos e coletivos havendo ateacute quem jaacute mencione os

direitos de quarta geraccedilatildeo representados pela proteccedilatildeo da biodiversidade dentre outras

mateacuterias25 O fato eacute que e m se tratando de direitos fundamentais natildeo haja sobreposiccedilatildeo e

substituiccedilatildeo mas sim cumulatividade e convivecircncia harmocircnica das conquistas aquiescidas

e positivadas e m cada momento histoacuterico26

papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica Rio de Janeiro Renovar 2006 p 302 Id Ibid p 302 O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Art Io primeira parte Nesse sentido V ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v 4 n 1 p41-61 dez 2002 passim Eacute o que conclui Paulo Gustavo Gonet Branco A visatildeo dos direitos fundamentais em termos de geraccedilotildees indica o caraacuteter cumulativo da evoluccedilatildeo desses direitos no tempo Natildeo se deve deixar de situar todos os direitos nem contexto de unidade e indivisibilidade Cada direito de cada geraccedilatildeo interage com os das outras e nesse processo daacute-se agrave compreensatildeo M E N D E S Gilmar Ferreira C O E L H O Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009 p 268

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica eprospecccedilatildeo futura o marco civil para a 193 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Entretanto entre positivaccedilatildeo e efetivaccedilatildeo haacute u m longo caminho a ser

percorrido cujas tortuosidades ademais natildeo param de surgir Os desafios impostos pela

massificaccedilatildeo das novas tecnologias trouxeram draacutesticas transformaccedilotildees agrave ciecircncia juriacutedica

contemporacircnea A nova realidade dos meios de comunicaccedilatildeo por exemplo faz com que o

sistema juriacutedico defronte-se com novas formas de violaccedilatildeo dos direitos fundamentais ateacute

m e s m o pelo proacuteprio Estado pondo por terra as edificaccedilotildees juriacutedicas fruto das conquistas

poliacuteticas aquiescidas ateacute entatildeo

E se vai mais aleacutem Afirma-se que a proacutepria democracia conforme

concebida e instrumentalizada nos formatos das repuacuteblicas constitucionais modernas vive

u m momento de esgotamento por insuficiecircncia A democracia representativa e as formas

constitucionalizadas de exerciacutecio da democracia direta satildeo postas e m cheque quando

dependem necessariamente da esvaziada poliacutetica partidaacuteria para a criaccedilatildeo Constata-o

tambeacutem Joaquim Falcatildeo

Nunca no mundo tantos paiacuteses adotaram a democracia representativa [] Mas sabemos todos que nova Constituiccedilatildeo separaccedilatildeo dos poderes eleiccedilotildees gerais e rotatividade no poder eacute apenas o comeccedilo e natildeo o fim O fato de paiacuteses serem formalmente democraacuteticos natildeo os transforma em paiacuteses de cidadatildeos participantes livres e iguais27

1 Liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo na teoria dos direitos humanos

A positivaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo constitui uma conquista jaacute da

primeira era de direitos fundamentais Afirma-se costumeiramente que a Inglaterra foi o

primeiro a consagraacute-lo no Licensing Act de 1695 Outros paiacuteses como Franccedila e Estados

Unidos o fizeram anos mais tarde Hoje estaacute contida na Declaraccedilatildeo de Direitos Humanos

da O N U (art XIX2 8) assim como nos Convecircnios de R o m a (art 10deg) e no Pacto de San

Joseacute da Costa Rica (art 13o)29

N a Constituiccedilatildeo brasileira satildeo fartas as menccedilotildees ao respectivo direito

fundamental e seus corolaacuterios Destacam-se no art 5o os incisos IV IX e XIV aleacutem dos

sectsect Io e 2 o do art 220 N o Direito estrangeiro muitas Constituiccedilotildees tambeacutem o fazem vg

as Constituiccedilotildees espanhola (art 201) portuguesa (art 371) dentre tantas outras

27 F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006 p 52 28 Artigo XIX Todo ser humano tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito inclui a liberdade

de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras

29 Cf FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio Fabris

2008143-145

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

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194 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Peter Hacircberle leciona que as chamadas liberdades de comunicaccedilatildeo por

ele compreendidas no sentido mais amplo possiacutevel abrangendo as liberdades de credo

artiacutestica e cientiacutefica de opiniatildeo e ateacute mesmo reuniatildeo e associaccedilatildeo constituem natildeo soacute uma

ponte entre a dignidade humana e a democracia no que tange ao binocircmio indiviacuteduo-Estado

mas possibilitam tambeacutem a vida de esferas parciais da assim chamada sociedade que

muitos preferem chamar de sociedade civil (civil society) Conclui Mas no tema aqui

discutido [o nexo interno entre democracia pluralista e dignidade humana] importa apenas

reconhecer na liberdade de comunicaccedilatildeo o cerne da democracia pluralista fundamentada

na dignidade humana 30

Por seu turno outros distinguem as liberdades de expressatildeo e de informaccedilatildeo

ou comunicaccedilatildeo31 A chamada concepccedilatildeo dualista fora consagrada pelo Tribunal Europeu

de Direitos Humanos tese tambeacutem aceita em muitos julgados do Tribunal Constitucional

Espanhol U m a vez que a Constituiccedilatildeo hispana e a Carta Europeacuteia adotam a concepccedilatildeo

monista ganha relevacircncia como u m dos criteacuterios de ponderaccedilatildeo utilizados pela corte para

se aferir a sobreposiccedilatildeo no caso concreto da liberdade de informaccedilatildeo (e natildeo de expressatildeo)

quando e m colisatildeo com o direito agrave honra objetiva (honor)2

Embora relevante a distinccedilatildeo para a ponderaccedilatildeo no caso concreto com

outros direitos fundamentais seu fundamento eacute o mesmo Posto isto conveacutem avanccedilarmos

na anaacutelise do fundamento dos direitos humanos na atualidade o princiacutepio da dignidade

da pessoa humana em suas muacuteltiplas expressotildees tal como sua intriacutenseca relaccedilatildeo com o

regime democraacutetico hoje adotado pela maioria dos paiacuteses ainda que longe de ser efetivado

H Acirc B E R L E Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007 p 24-26 Acerca da delimitaccedilatildeo terminoloacutegica Edilsom Pereira de Farias decidiu por substituir a expressatildeo liberdade de informaccedilatildeo de origem francesa e empregada nos diplomas estrangeiros e nos tratados internacionais de direitos humanos pela locuccedilatildeo liberdade de comunicaccedilatildeo Justifica A rigor a frase liberdade de informaccedilatildeo [] natildeo se afigura a mais apropriada para denominar o processo da comunicaccedilatildeo O termo comunicaccedilatildeo e natildeo o termo informaccedilatildeo eacute o que etimologicamente expressa a ideacuteia de transmitir algo a algueacutem ou seja compartilhar com outrem algo de que se dispotildee O vocaacutebulo informaccedilatildeo eacute adequado para designar u m conteuacutedo possiacutevel do processo comunicativo E m suma a informaccedilatildeo eacute objeto da comunicaccedilatildeo FARIAS Edilsom Pereira de Ob cit p 142 Suas conclusotildees ademais ganham forccedila quando analisadas em conjunto com as de Ciro Marcondes Filho quem ao examinar postulados da obra de Niklas Luhmann afirma que [] noacutes ateacute agora interpretamos equivocadamente a informaccedilatildeo As antigas teorias afirmam que comunicar eacute transferir a informaccedilatildeo quando na realidade diz Luhmann comunicar natildeo eacute se desfazer de nada eacute antes u m processo multiplicador M A R C O N D E S FILHO Ciro Prefaacutecio agrave obra L U H M A N N Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo Paulo Editora Paulus 2005 p 7 A distinccedilatildeo teraacute importantes reflexos no sistema juriacutedico agrave medida que os meios de comunicaccedilatildeo ganham importacircncia cada vez crescente em nossa sociedade incluso como perpetuadores das relaccedilotildees opressivas de poder alterando drasticamente os limites da liberdade de comunicaccedilatildeo em colisatildeo com outros direitos fundamentais que em igual medida expressam elementos da dignidade por se referirem a valores da personalidade (honra privacidade proteccedilatildeo dos dados pessoais etc) Cf G U T I E R R E Z David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus Derecho ai honor Madrid Centro de estudos constitucionales 1999 p 118

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 195 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

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2 Fundamento dos direitos humanos a dignidade da pessoa humana

Inserida a liberdade de se comunicar em sentido lato no rol dos direitos

humanos mister avanccedilarmos para a determinaccedilatildeo de seu fundamento qual seja o princiacutepio

fundamental da dignidade da pessoa humana

Conforme se sabe o momento histoacuterico que fez com que a ciecircncia juriacutedica

mormente por meio da teoria dos direitos fundamentais e da teoria dajusticcedila reaproximasse-

se de u m a fundamentaccedilatildeo axioloacutegica para a compreensatildeo dos institutos juriacutedicos foi

a segunda grande guerra no fim da primeira metade do seacuteculo X X Dessa maneira

procurou-se superar os postulados do positivismo juriacutedico vertendo-se a discussatildeo acerca

da fundamentaccedilatildeo moral do Direito evitando-se os problemas decorrentes da aplicaccedilatildeo

desmedida dos postulados positivistas33

Dessa forma a dignidade da pessoa humana eacute finalmente elevada agrave condiccedilatildeo

suprema u m verdadeiro ponto de partida para a construccedilatildeo dos ordenamentos juriacutedicos

a partir de entatildeo Entretanto as raiacutezes filosoacuteficas da dignidade que finalmente foram

incorporadas ao sistema juriacutedico podem ser encontradas e m momento histoacuterico preteacuterito

o fim do seacuteculo XVII e iniacutecio do seacuteculo XVIII na obra de Emmanuel Kant Leciona

Ricardo Lobo Torres A criaccedilatildeo de uma Teoria dos Direitos Fundamentais coincide com

o desenvolvimento da Teoria da Justiccedila e se faz a partir da virada kantiana isto eacute do

retorno ao pensamento filosoacutefico-juriacutedico agraves raiacutezes lanccediladas por Kant34

D e fato a justificativa dos Direitos Humanos estaacute na Dignidade da Pessoa

Humana Eacute o que se extrai do proacuteprio preacircmbulo da Declaraccedilatildeo da O N U 3 5 e da amai

33 Emblemaacutetica satildeo as palavras de Gustav Radbruch na carta circular aos alunos da faculdade de Direito da Universidade de Heildeberg quando do retorno agraves atividades apoacutes a guerra Esta concepccedilatildeo da lei e sua validade que chamamos positivismo foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitraacuterias mais crueacuteis e mais criminosas Torna equivalentes em uacuteltima anaacutelise o direito e a forccedila levando a crer que soacute onde estiver a segunda estaraacute o primeiro R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito in M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia do direito 5 ed Coimbra Coimbra editores 1974 p 417 A obra de Radbruch aliaacutes eacute siacutembolo desta mudanccedila de paradigma juriacutedico-cientiacutefico Isto porque ao se confrontar o proacuteprio conceito de Direito antes e depois da Segunda Guerra Mundial nota-se clara transformaccedilatildeo no que concerne agrave necessaacuteria incorporaccedilatildeo da busca da efetivaccedilatildeo da Justiccedila pelo Direito Eacute o que constata Henrich Scholler [] em 1932 Radbruch marcou o direito como u m conceito cultural Segundo este o Direito eacute uma realidade que tem o sentid de servir ao caminho do Direito ou agrave ideacuteia de Justiccedila E m outro lugar apoacutes a Segunda Guerra Mundial Direito eacute o que tem a finalidade e realizar a justiccedila S C H O L L E R Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 685

34 T O R R E S Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009 p 25-26 Explica-nos ainda que a expressatildeo kantische Wende se deve a Otfried Hotildeffe indicando a reaproximaccedilatildeo entre eacutetica e direito com a fundamentaccedilatildeo moral dos direitos humanos e a busca da efetivaccedilatildeo dajusticcedila fundada no imperativo categoacuterico H Ocirc F F E Otfried Kategorische Rechtsprinzipien Ein Kontrapunkt der Moderne

Frankfurt Suhrkamp 1990 p 351 apud Idem nota 58 35 Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da famiacutelia humana e

de seus direitos iguais e inalienaacuteveis eacute o fundamento da liberdade da justiccedila e da paz no mundo [] a Assembleacuteia Geral proclama a presente Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos [] O R G A N I Z A Ccedil Atilde O

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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1 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Magna Carta Nacional que a tem como u m princiacutepio fundamental (art Io III CRFB)

Dentre as inuacutemeras asseveraccedilotildees que preenchem de conteuacutedo o princiacutepio da dignidade da

pessoa humana lanccedila-se de matildeo daquela elaborada por Maria Celina Bodin de Moraes

para quem o princiacutepio da Dignidade se expressa mediante quatro corolaacuterios liberdade

igualdade solidariedade e integridade psicofiacutesica36

Entretanto o problema fundamental e m relaccedilatildeo aos direitos do homem

hoje natildeo eacute tanto o de justificaacute-los mas o de protegecirc-los Trata-se de u m problema natildeo

filosoacutefico mas poliacutetico37 Dessa maneira os Estados Soberanos passam a elencar um

extenso Rol de direitos fundamentais tal como de direitos sociais difusos e coletivos e etc

Essa foi a opccedilatildeo de nossa atual Carta Magna cuja natureza analiacutetica

a ela inerente fez com se inserisse jaacute no art 5o a enumeraccedilatildeo dos direitos e garantias

fundamentais sem excluir aqueles decorrentes do regime e dos princiacutepios por ela adotados

ou dos tratados internacionais e m que o Brasil figure como parte (sect 2o) sendo que quando

aprovados por quorum especial e contidos e m tratados sobre Direitos Humanos poderatildeo

ter status de emenda constitucional (sect 4o)38

Quanto agrave abrangecircncia dos direitos humanos sabe-se que duas visotildees

contrapotildeem-se diametralmente A primeira delas identifica neles os direitos sociais e

econocircmicos aleacutem dos de primeira geraccedilatildeo de grande respaldo entre a Doutrina do Direito

Internacional A segunda por sua vez restringe o conteuacutedo dos direitos humanos aos

direitos da liberdade direitos individuais direitos civis ou direitos fundamentais A latere

das distinccedilotildees o que nota eacute que os direitos humanos hoje encontram-se e m sua maioria

D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos Preacircmbulo M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003 p 85 BOBBIO Norberto A era cit p 24 Esta foi a redaccedilatildeo dada ao dispositivo pela EC 4504 Insta ressaltar poreacutem que em se tratando de Tratados sobre Direitos Humanos aprovados anteriormente agrave manifestaccedilatildeo do poder constituinte derivado reformador vem prevalecendo no Supremo Tribunal Federal a tese da supralegalidade embora sujeiccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo Foi o ocorrido no caso da prisatildeo do depositaacuterio infiel Desde a adesatildeo do Brasil sem qualquer reserva ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Poliacuteticos (art 11) e agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San Joseacute da Costa Rica (art 7o 7) ambos no ano de 1992 natildeo haacute mais base legal para prisatildeo civil do depositaacuterio infiel pois o caraacuteter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar especiacutefico no ordenamento juriacutedico estando abaixo da Constituiccedilatildeo poreacutem acima da legislaccedilatildeo interna O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil dessa forma torna inaplicaacutevel a legislaccedilatildeo infraconstitucional com ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao ato de adesatildeo Assim ocorreu com o art 1287 do Coacutedigo Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n 91169 assim como em relaccedilatildeo ao art 652 do Novo Coacutedigo Civil (Lei n 104062002) (STF R E 466343 Rei Min Cezar Peluso voto do Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 DJE de 5-6-09) N o mesmo sentido R E 349703 Rei p o ac Min Gilmar Mendes julgamento em 3-12-08 Plenaacuterio DJE de 5-6-09 BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L F E D E R A L A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttpwwwstfjusbrportal constituicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 197 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

positivados pelos ordenamentos juriacutedicos nacionais em perfeita consonacircncia formal com

as Declaraccedilotildees e m sede internacional

Assim se eacute mais importante efetivaacute-los do que os positivar imperioso que

hoje eacutepoca e m que o paradigma juriacutedico-cientiacutefico eacute o da aceitaccedilatildeo do caraacuteter normativo

dos valores elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios do ordenamento encontremos a matriz

c o m u m entre a dignidade humana e democracia qual seja natildeo soacute a liberdade de expressatildeo

e comunicaccedilatildeo como a proacutepria liberdade como fonte de legitimaccedilatildeo dos direitos subjetivos

constitucionais dela decorrentes Conclui-se com Ricardo Lobo Torres

Os direitos humanos se aproximam do conceito de direitos fundamentais pois se referem a os direitos decorrentes da proacutepria natureza dos homens [] Mas nada desaconselha que a expressatildeo seja tomada como sinocircnimo de direitos fundamentais e direitos da liberdade que lhes servem de fonte de legitimaccedilatildeo inclusive quanto ao aspecto de necessidade de proteccedilatildeo positiva miacutenima pelo Estado [] os direitos humanos - human rights - incluem liberdades de freedom from) como por exemplo detenccedilatildeo e tortura liberdades para (freedom to) como expressatildeo e reuniatildeo e direitos agrave satisfaccedilatildeo de necessidades humanas baacutesicas como alimentaccedilatildeo ifood) e moradia (housing)39

3 Jusfimdamentalidade dos direitos da liberdade

Conforme jaacute aviltado a inserccedilatildeo de elementos axioloacutegicos criando-se uma

taacutebua de valores no ordenamento juriacutedico alterou profundamente as bases da ciecircncia

juriacutedica moderna evidenciando a urgecircncia de u m a revisatildeo metodoloacutegica no proceder da

argumentaccedilatildeo juriacutedica Relevantes nesse momento as conquistas cientiacuteficas de Robert

Alexy

D a obra do autor destacam-se algumas passagens A primeira delas eacute a

ereccedilatildeo de u m a dogmaacutetica proacutepria da argumentaccedilatildeo juriacutedica como u m caso especial do

discurso racional praacutetico O u seja na trilha delineada por Kant afirma que as pretensotildees

racionais das normas morais satildeo de validade universal somente podendo ser aceitos como

verdadeiros quando confrontados racionalmente motivados por u m a questatildeo praacutetica

relevante Dessa forma haacute necessidade de fundamentaccedilatildeo racional das decisotildees para que

se possa julgar no caso praacutetico relevante determinado conflito In verbis

39 T O R R E S Ricardo Lobo Direitos fundamentais In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 243 (Texto adaptado) Nessa aureacuteola buscando ressaltar a matriz c o m u m agraves diferentes terminologias que refletem as escolas jusfilosoacuteficas a que se vinculam encerra asseverando que os direitos fundamentais (ou humanos ou civis naturais da liberdade individuais) satildeo os direitos preexistentes ao ordenamento juriacutedico inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e dotados de eficaacutecia erga omnes (p 245) abrangendo uma dimensatildeo miacutenima de direitos sociais

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

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164

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

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198 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Esta dificuldade de conseguir u m a categorizaccedilatildeo clara de procedimentos diante dos juizes deve na verdade excluir a possibilidade de designaacute-los meramente como discurso mas por outro lado significa que eles natildeo podem ser teoricamente entendidos como referecircncia ao conceito de discurso Este uacuteltimo ponto conecta-se particularmente com o fato de que (sic) os participantes exigirem argumentar a racionalidade Assim nos processos civis via de regra as partes natildeo desejam convencer u m a agrave outra [] no entanto exigem falar de u m modo que toda pessoa racional teria de concordar com seu ponto de vista Eles ao menos pretendem estar apresentando argumentos tais que obteriam concordacircncia e m condiccedilotildees ideais A teoria do discurso portanto natildeo soacute eacute adequada ao entendimento teoacuterico da argumentaccedilatildeo envolvida eacute necessaacuteria para entendecirc-la40

Posteriormente desenvolve sua famigerada Teoria dos Direitos

Fundamentais de menccedilatildeo indispensaacutevel para concretizaccedilatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional

na maioria das Cortes Constitucionais ao redor do globo Parte da distinccedilatildeo estabelecida

por Ronald Dworkin entre regras e princiacutepios todos espeacutecies de normas41 para enfrentar a

problemaacutetica da colisatildeo de valores sujeitando-os agrave ponderaccedilatildeo In Verbis

Com frequumlecircncia natildeo satildeo regra e princiacutepio mas norma e principio ou norma e maacutexima que satildeo contrapostos Aqui regras e princiacutepios seratildeo reunidos sob o conceito de norma Tanto regras quanto princiacutepios satildeo normas porque ambos dizem o que deve ser A m b o s podem ser formulados por meio de expressotildees deocircnticas baacutesicas do dever da permissatildeo da proibiccedilatildeo Princiacutepios satildeo tanto quanto regras razoes para juiacutezos concretos do dever-ser ainda que de espeacutecie muito diferente A distinccedilatildeo entre regras e princiacutepios eacute portanto uma distinccedilatildeo entre duas espeacutecies de normas42

Em termos geneacutericos a teacutecnica da ponderaccedilatildeo trata do sopesamento entre

valores expressos por direitos fundamentais e elevados agrave condiccedilatildeo de princiacutepios Trata o

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva Satildeo Paulo Landy 2001 p 217 Afy immediate purpose however is to distinguish principies in the generic sense form rules [] The difference between legal principies and rules is a loacutegica distinction Both sets standard poit to particular decisions about legal obligation in particular circumstances but they differ in the character ofthe direction they give Rules are applicable in an al-or-nothing fashion If the facts a rule stipulates are given then either the rule is valid in which case the answer it supplies must be accepted or it is not in which case it contributes nothing to the decision D W O R K I N Ronald Is law a system of rules In (Org) The philosophy oflaw Oxford Oxford University Press 1984 p 45 ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo Malheiros 2008 p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 199 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

autor pioneiramente de uma lei de colisatildeo43 que permite que seja retirada da situaccedilatildeo e m

concreto u m a resposta vaacutelida apta a justificar a prevalecircncia de u m direito sobre outro44 O

princiacutepio da ponderaccedilatildeo45 extrai dos princiacutepios morais positivados constitucionalmente ou

seja normas mandados de otimizaccedilatildeo atraveacutes de trecircs processos adequaccedilatildeo necessidade

e proporcionalidade strictu sensu Conclui Eduardo Ribeiro Moreira Essas trecircs fases -

adequaccedilatildeo necessidade e proporcionalidade estrita - ajudam a pautar a racionalidade na

opccedilatildeo por u m dos princiacutepios escolhidos e diminuem a incerteza que paira sobre a soluccedilatildeo de u m caso difiacutecil 46

A evoluccedilatildeo da proacutepria obra de Alexy se fez pelo rebater de suas criacuteticas

o que apenas denota sua repercussatildeo na ciecircncia juriacutedica atual Costuma-se afirmar que a

principal delas eacute a de que atenua o radicalismo do princiacutepio da ponderaccedilatildeo perdendo forccedila

a ideacuteia de que os princiacutepios estatildeo sempre em peacute de igualdade hieraacuterquica ateacute que o caso

concreto venha a apresentar u m a situaccedilatildeo de colisatildeo Aceita assim a possibilidade de

prioridades prima facie de princiacutepios embora natildeo absolutas por si soacute47

Entra aqui a importacircncia dos chamados direitos da liberdade Prescindindo-

se das noccedilotildees que os igualam por inteiro aos direitos fundamentais o que se percebe eacute que

haacute direitos mais diretamente vinculados agrave liberdade cujo exerciacutecio pelos cidadatildeos muitas

vezes denota accedilotildees natildeo soacute omissivas do Estado como prestaccedilotildees positivas a garantir

seu exerciacutecio C o m o a democracia estaacute intimamente ligada ao exerciacutecio da liberdade

43 Sintetizando a foacutermula adotada pelo Tribunal constitucional alematildeo Quanto maior for o grau de natildeo-satisfaccedilatildeo ou de afetaccedilatildeo de u m princiacutepio tanto maior teraacute que ser a importacircncia da satisfaccedilatildeo do outro A L E X Y Robert Teoria dos cit p 167

44 [] o sopesamento natildeo eacute u m procedimento por meio do qual u m interesse eacute realizado agraves custas de outro de forma precipitada De acordo com esse modelo o sopesamento eacute tudo menos u m procedimento abstrato generalizante Seu resultado eacute u m enunciado de preferecircncias condicionadas ao qual de acordo com a lei de colisatildeo corresponde uma regra de decisatildeo diferenciada D o proacuteprio conceito de princiacutepio decorre a constataccedilatildeo de que os sopesamentos natildeo satildeo uma questatildeo de tudo ou nada mas uma tarefa de otimizaccedilatildeo [] Tambeacutem natildeo eacute procedente a objeccedilatildeo segundo a qual natildeo haveria u m paracircmetro com base no qual o sopesamento pudesse ser decidido e que por isso a maacutexima do sopesamento de interesses seria uma foacutermula vazia Ainda que o sopesamento em si natildeo estabeleccedila u m paracircmetro com o auxiacutelio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva o modelo de sopesamento como um todo oferece u m criteacuterio ao associar a lei da colisatildeo agrave teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica racional A L E X Y Robert Teoria dos cit

p173-174 45 Conceitua Luiacutes Roberto Barroso A ponderaccedilatildeo consiste portanto em uma teacutecnica de decisatildeo juriacutedica

aplicaacutevel a casos difiacuteceis em relaccedilatildeo aos quais a subsunccedilatildeo se mostrou insuficiente sobretudo quando uma situaccedilatildeo concreta daacute ensejo agrave aplicaccedilatildeo de normas de mesma hierarquia que indicam soluccedilotildees diferenciadas B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do advogado 2007 p 72

46 M O R E I R A Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Meacutetodo 2008

p 102 47 Cf A L B U Q U E R Q U E Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert (verbete) In B A R R E T T O Vicente de

Paulo Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006 p 35

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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200 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

principalmente no que concerne aos direitos poliacuteticos haacute de se afirmar que natildeo soacute o proacuteprio

princiacutepio democraacutetico eacute u m direito da liberdade como os direitos poliacuteticos tambeacutem o satildeo

Nesse sentido Ricardo Lobo Torres ensina que satildeo caracteriacutesticas baacutesicas

dos direitos da liberdade serem preacute-constitucionais inerentes agrave pessoa humana deterem

validade erga omnes natildeo se esgotarem no rol do art 5o da Carta Magna nem e m cataacutelogo

preexistente aparecerem sob formas indeterminadas por serem dotados de historicidade

iacutensita ao seu conteuacutedo cultural serem indefiniacuteveis por tocarem a todos os homens

independente de sua nacionalidade abrangerem o status negativus e o status positivus

libertatis protegendo o cidadatildeo contra a constriccedilatildeo do Estado ou de terceiros aleacutem de

gerarem a obrigaccedilatildeo de entrega de prestaccedilotildees positivas estatais individuais para a garantia

da liberdade e das condiccedilotildees essenciais postularem garantias institucionais e processuais

que provocam custos gerais para o Estado e serem plenamente justificaacuteveis independente

de complementaccedilatildeo legislativa gozando de eficaacutecia imediata48

Logo partindo-se da premissa que a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

eacute u m direito fundamental de primeira geraccedilatildeo decorre da dignidade da pessoa humana no

que toca agrave liberdade e constitui u m princiacutepio de primazia primafacie verte-se agrave importacircncia

da democracia como ambiente necessaacuterio ao seu pleno exerciacutecio a ser garantido pelo

Estado seja omissivamente seja de modo por meio defacere determinado

4 O papel da democracia na consolidaccedilatildeo dos direitos da liberdade

Por todo o exposto percebe-se a intriacutenseca relaccedilatildeo entre dignidade

humana e democracia mormente da necessaacuteria dependecircncia dos direitos da liberdade

de u m acircmbito democraacutetico para seu real florescimento Paulo Bonavides ensina-nos que

para a consecuccedilatildeo do Estado Social seriam princiacutepios aplicaacuteveis agrave teoria constitucional

da democracia participativa Princiacutepio da dignidade da pessoa humana (art Io III)

soberania popular (art Io paraacutegrafo uacutenico) soberania nacional (art Io I) e unidade da

Constituiccedilatildeo Atendo-se ao primeiro conclui que eacute o que daacute alma agrave proacutepria Constituiccedilatildeo e

agrave sociedade democraacutetica e pluralista que deve caracterizar u m Estado comprometido com

a defesa dos Direitos Humanos sendo o valor dos valores numa sociedade democraacutetica

e participativa49

E m outras palavras n um estado que cultua a liberdade como premissa baacutesica

a nova democracia que reaproxima os cidadatildeos dos assuntos afeitos a polis de forma

supera o individualismo egocecircntrico do homo faber pelo enaltecimento da pluralidade

instrumentada por formas de concretizaccedilatildeo do proacuteprio regime democraacutetico ilustrando

48 Cf TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo cit p 40 49 Id Ibid p 10

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

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206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 201 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

a vitoacuteria do animal laborams0 Este parece ser o sentido da democracia atual que tem

no chamado terceiro setor formas de reinserccedilatildeo dos indiviacuteduos na discussatildeo poliacutetica a

importacircncia da solidariedade enquanto corolaacuterio da dignidade a dirigir e redimensionar a

liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo na sociedade de massa

Frank I Michelman aponta a diferenccedila entre liberdade de expressatildeo tecircnue

e densa sendo a primeira uma conduta meramente omissiva do Estado ao passo que a

segunda demande limitaccedilotildees que garantam a possibilidade de seu exerciacutecio por todos

equanimente Esta se iguala agrave democraacutetica pois concretiza relaccedilotildees de proporcionalidade

entre a expressatildeo da subjetividade dos indiviacuteduos sem perder de vista os interesses da

sociedade51

Conclui Paulo Ferreira da Cunha que na Liberdade pelo menos a liberdade

civil e poliacutetica comeccedila em grande medida com a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo

U m a vez assegurados direitos baacutesicos como vida a integridade e a natildeo constriccedilatildeo fiacutesica

da liberdade a refletir as trecircs expressotildees da dignidade (liberdade igualdade integridade

psicofiacutesica) somente a dignidade comunicativa que concebe os homens enquanto

semelhantes e m u m ambiente comum em sua expressatildeo social eacute que perfaraacute sua real

proteccedilatildeo52 Esta parece ser a ponte entre democracia e dignidade da pessoa humana na

atualidade por meio da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo a garantia dos direitos da

liberdade via solidariedade estatal

5 O caso da democracia representativa insuficiecircncia dos mecanismos constitucionais

de consecuccedilatildeo da democracia participativa no Brasil

Ningueacutem pretende que a democracia seja perfeita ou sem

defeito Tem-se dito que a democracia eacute a pior forma

de governo salvo todas as demais formas que tecircm sido

experimentadas de tempos em tempos

Winston Churchil

A ceacutelebre frase atribuiacuteda ao primeiro ministro britacircnico que comandou o

paiacutes durante a segunda guerra mundial demonstra a caracteriacutestica principal do regime

democraacutetico a possibilidade de rever os proacuteprios equiacutevocos e mudar quando necessaacuterio

50 Termos utilizados por Hanna Arendt Cf ARENDT Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro

Forense Universitaacuteria 2008 p 333-338 51 Cf M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto

Alegre livraria do advogado 2007 p 59 52 C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado In Id p

164

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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202 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

E m outras palavras u m meio de expressatildeo poliacutetica que desde a antiguumlidade vem sendo

praticada e renova a si mesma de acordo com o momento histoacuterico e m que eacute analisada

Sabe-se que na teoria dos sistemas quando determinado sistema social

defronta-se com seus limites deve readaptar-se para que consiga se organizar novamente

preservando sua essecircncia A evoluccedilatildeo assim natildeo eacute medida pelo processo linear crescente

mas sim pelo niacutevel de complexidade que consegue atingir Quando os limites de seu entorno

chocam-se com outros subssistemas sociais eacute necessaacuterio que esteja aberto a conhecer

para que novas formas de seu exerciacutecio sejam concebidas para sua preservaccedilatildeo Segundo

Niklas Luhmann essa caracteriacutestica se denomina clausura operativa Sendo a autopoiesis

(do latim auto - a si m e s m o - epoiesis - produzir) algo necessaacuterio a ser atingido e m todos

os sistemas o sistema social utiliza-se de meios para reduzir sua complexidade interna

aumentando a complexidade externa Explica

Debido a Ia clausura operativa se constituye una unidad de un acircmbito luego ese acircmbito se convertiraacute en ei entorno dentro de esa unidad N o se niega ni Ia existecircncia ni Ia referencia Del entorno [] Unicamente afirmamos que ei sistema produce Ias relaciones con dicho entorno a partir de sus propias operaciones estas operaciones son posibles gradas a Ia integracioacuten de un urdimbre recursiva que designamos como clausura Mas brevemente Ia apertura es viable solo sobre Ia base de su cierre53

E m outras palavras como u m ser vivo que cresce e para tal necessita de

elementos externos o Direito vecirc e m seu entorno u m a crescente complexidade externa agrave

que deve reagir Neste vieacutes claramente se inserem os meios de comunicaccedilatildeo de massa ou

as novas tecnologias a criarem novos ramos da proacutepria ciecircncia do Direito

Quando tantos paiacuteses adotam o regime democraacutetico e natildeo conseguem

exercecirc-lo devidamente ou quando especificamente no caso brasileiro os instrumentos

de exerciacutecio dos direitos poliacuteticos na democracia representativa e semidireta mostram-se

claramente insuficientes para as atuais demandas sociais algo deve ser feito

Explica-nos Marcelo Neves que os sistemas juriacutedicos dos paiacuteses da

modernidade perifeacuterica como o Brasil vivem u m impasse Isto porque a chamada

autopoiese ou seja a capacidade de se autocompletar atraveacutes da funcionalizaccedilatildeo de

elementos externos fica extremamente prejudicada E m minuacutecias o sistema juriacutedico

democraacutetico se encontra jungido a outros interesses mormente econocircmicos e poliacuteticos

das classes dominantes ocasionando seu natildeo funcionamento54

L U H M A N N Niklas El derecho de Ia sociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002 p 132 Grifo nosso

Eacute o que chama de alopoiesis advnida da junccedilatildeo dos vocaacutebulos de origem grega alo (outro diferente) e

poiesis (produccedilatildeo criaccedilatildeo) que designa a reproduccedilatildeo de u m sistema por mecanismos natildeo pertencentes a si

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 203 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

democraacuteticos eacute u m conjunto de regras do jogo Mais precisamente o que distingue u m sistema democraacutetico

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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Isso se exemplifica pelo atual descaso dos cidadatildeos para com a poliacutetica

tal como seu proacuteprio distanciamento dos partidos poliacuteticos principais atores do jogo

democraacutetico representativo que cada vez mais tecircm menos adeptos fato tambeacutem conhecido

por crise de representatividade N a esteira de Joaquim Falcatildeo infere-se conclusivamente

que eacute preciso inventar55 Eacute preciso que busquemos soluccedilotildees para a proacutepria sobrevivecircncia

do regime democraacutetico natildeo soacute constitucionalmente positivado mas contido e m todas as

Cartas de Direitos humanos em sede Internacional E para que o discurso natildeo caia no vazio

completo seguem algumas proposiccedilotildees especiacuteficas

6 A cidadania do seacuteculo XXI e o papel do terceiro setor superando a dicotomia

liberal Estado vs Sociedade Civil

Posta a importacircncia da democracia na concretizaccedilatildeo juriacutedica da liberdade

e simultaneamente as dificuldades por que passa o regime democraacutetico atual esgotado

pelos limites que o prendem agraves raiacutezes liberais idealizadas pelas revoluccedilotildees burguesas

chega-se agraves linhas finais deste excerto visando apontar algumas possiacuteveis formas de

superaccedilatildeo desse impasse

Muitos procuraram conceituar ou expressar e m palavras o que seria a

democracia Entretanto como se pocircde notar o regime democraacutetico que desde os gregos

fora praticado hoje eacute positivado nos ordenamentos juriacutedicos nacionais elevado a princiacutepio

fundamental na maioria das constituiccedilotildees dos Estados Nacionais Ademais a democracia

passa a figurar nos discursos e m sede internacional como princiacutepio poliacutetico deontoloacutegico

a todos os Estados principalmente ligados agrave intriacutenseca relaccedilatildeo entre a dignidade dos

indiviacuteduos dos Homens ali envolvidos

E m posiccedilatildeo diametralmente oposta desafortunadamente parecem estar os

fatos Afinal o que se nota eacute que principalmente nos paiacuteses da modernidade perifeacuterica

como o Brasil o sistema poliacutetico se demonstra dominado por interesses outros que nem

sempre se interessam pela manutenccedilatildeo da dinacircmica do jogo democraacutetico As tatildeo veneradas

regras do jogo parecem manter u m jogo que para muitos jaacute natildeo vale mais ser jogado O

fato de estarem constitucionalizadas escondem por detraacutes de uma formal liberdade as

injusticcedilas que maculam materialmente os princiacutepios constitucionais56

mesmo In vebis En Ia medida en que ai contrario los agentes dei sistema juriacutedico estatal ponen de lado ei coacutedigo-diferencia liacutecitoiliacutecito y los respectivos programas y criteacuterios conducieacutendose u orientaacutendose principal y frecuentemente basaacutendose en prescripciones directas de Ia economia dei poder de ias relaciones familiares etc cabe sin duda sostener Ia existecircncia de Ia alopoiesis dei Derecho Cf N E V E S Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996 p 416

55 Cf F A L C Atilde O Joaquim op cit p 67 56 C o m propriedade sintetiza Norberto Bobbio[] o que distingue u m sistema democraacutetico dos sistemas natildeo

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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204 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

Afirma-se que se distinguem formalmente trecircs visotildees histoacutericas da

democracia direta indireta e semidireta ou simplesmente natildeo representativa57 A indireta

fora consagrada entre os modernos e parcialmente adotada entre noacutes vez que o sistema

brasileiro se baseia no sistema pluripartidaacuterio (art 17 caput C R F B ) prevendo pontuais

formas de exerciacutecio da democracia semidireta (art 14 C R F B ) Partido poliacutetico eacute um

conceito mais socioloacutegico do que juriacutedico Entretanto pode-se afirmar que eacute uma forma

de agremiaccedilatildeo de u m grupo social que pode se organizar coordenar e instrumentar a

vontade popular com o fim de assumir para si u m programa de governo 58 Muitas satildeo as

classificaccedilotildees que procuram buscar u m a causa agrave segmentaccedilatildeo dos partidos poliacuteticos Dos

reais e pessoais de David H u m e aos ideoloacutegicos e patronais M a x Weber chegando-se

aos de opiniatildeo e de massa preconizados por Georges Burdeau59 fato eacute que a realidade

partidaacuteria principalmente no Brasil

A complexidade dos interesses hoje expresso e m nossa sociedade

multicultural ilustra a insuficiecircncia da sistemaacutetica proposta Os mecanismos de controle

constitucionalmente concebidos60 jaacute natildeo mais satildeo suficientes para conter a falta de fidelidade

partidaacuteria61 de transparecircncia financeira de honestidade ideoloacutegica O emblemaacutetico caso

dos troca troca de partidos nas eleiccedilotildees para a uacuteltima legislatura apenas ilustra quatildeo

urgente eacute a necessidade de u m a reforma poliacutetica no Brasil62

natildeo eacute apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem mais ou menos claras mais ou

menos complexas) mas sobretudo o fato de que estas regras amadurecidas ao longo de seacuteculos de provas

e contraprovas satildeo muito mais elaboradas que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje quase por

toda parte constitucionalizadas [] Mas seraacute possiacutevel num sistema como o sistema democraacutetico que eacute

tatildeo compacto e coerente do ponto de vista dos procedimentos por ele criados e que estatildeo verificados pela

experiecircncia e cristalizados haacute seacuteculos distinguir com tanta seguranccedila as regras a serem mantidas e as que

devem ser descartadas Conservaremos o sufraacutegio universal mas natildeo a liberdade de opiniatildeo a liberdade

de opiniatildeo mas natildeo a pluralidade dos partidos a pluralidade dos partidos mas natildeo a proteccedilatildeo juriacutedica dos

direitos civis E m suma afirmar que nem todas as regras do jogo seratildeo suprimidas eacute u m modo de subtrair-se

agrave obrigaccedilatildeo de precisar o proacuteprio ponto de vista a respeito de u m problema tatildeo central como eacute exatamente

este das regras do jogo e eacute sobretudo u m indiacutecio da absoluta ausecircncia de ideacuteias acerca da sua possiacutevel

resoluccedilatildeo B O B B I O Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de

Marco Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 p 66-67 57 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000 p 346 58 SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio Contextual agrave Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009 p 235 59 Cf B O N A V I D E S Paulo Ciecircncia op cit p 464-467 60 Segundo Joseacute Afonso da Silva trecircs seriam essas modalidades qualitativo quantitativo e financeiro

Cf SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio op cit p 237 A legislaccedilatildeo aplicaacutevel aos partidos poliacuteticos

disciplinando incluso acerca do financiamento e do controle desses recursos eacute a Lei n 909695 arts 30 a 44 61 Insta ressaltar a interpretaccedilatildeo evolutiva preconizada pelo T S E e pelo STF no que concerne agrave mudanccedila de

entendimento jaacute declarada pelo STF quando do julgamento do M S 20297 E m suma conclui-se que em

se tratando de fidelidade partidaacuteria o mandato pertenceria ao Partido [] O Supremo Tribunal Federal

por ocasiatildeo do julgamento dos Mandados de Seguranccedila 26602 26603 e 26604 reconheceu a existecircncia

do dever constitucional de observacircncia do princiacutepio da fidelidade partidaacuteria [] Satildeo constitucionais as

Resoluccedilotildees 226102007 e 227332008 do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 3999 e A D I 4086 Rei Min

Joaquim Barbosa julgamento em 12-11-08 Plenaacuterio DJE de 17-4-09) 62 Este eacute o entendimento do ministro Gilmar Ferreira Mendes Cf M E N D E S Gilmar Ferreira C O E H O

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

Referecircncias

ALBUQUERQUE Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert In BARRETTO Vicente de Paulo

Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

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Satildeo Paulo Landy 2001

ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo

Malheiros 2008

ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta Geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do

Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v4 nl p41-61 dez 2002

71 F O U C A U L T Michel Vigiar e punir nascimento da prisatildeo Traduccedilatildeo de Raquel Ramalhete 20 ed Petroacutepolis Editora Vozes 1999 p 26

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

208 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta

viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001

A R E N D T Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008

B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade

de Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre

direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos

fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do

advogado 2007

BOBBIO Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de Marco

Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986

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danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003

BONAVIDES Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000

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2007

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wwwstfjusbrportalconstimicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado

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aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007

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F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006

FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem

versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio

Fabris 2008

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo

Saraiva 2008

FERREIRA FILHO Manoel Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo Paulo

Saraiva 2009

F O U C A U L T Michel Vigiar e punir nascimento da prisatildeo Traduccedilatildeo de Raquel Ramalhete 20 ed

Petroacutepolis Editora Vozes 1999

G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 209 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

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Porto Alegre livraria do advogado 2007

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Representaccedilatildeo e Sociedade Civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica O futuro da representaccedilatildeo

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LUHMANN Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo

Paulo Editora Paulus 2005

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Iberoamericana 2002

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M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In

SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas

aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007

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Meacutetodo 2008

NEVES Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei

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Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

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filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009

SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007

SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e Poder Popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo

Paulo Malheiros 2000

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210 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

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TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

205

Por essas e por outras eacute necessaacuterio que as proacuteprias relaccedilotildees de poder e de

ascensatildeo a ele sem deixar de lado as regras do jogo devam ser revistas Eis aiacute a importacircncia

do chamado terceiro setor Joaquim Falcatildeo daacute as coordenadas iniciais da problemaacutetica a

ser enfrentada Preconiza que quem deteacutem a forccedila poliacutetica de fato natildeo satildeo os partidos

mas as organizaccedilotildees sociais Embora os partidos poliacuteticos detenham o monopoacutelio legal

de apresentar candidatos agraves eleiccedilotildees isto natildeo eacute suficiente pois carecem de monopoacutelio

poliacutetico63

C o m efeito o fortalecimento de uma sociedade civil no Brasil O tambeacutem

chamado terceiro setor e m verdade constitui u m conjunto de entes privados cujos

interesses institucionais transcendem seus limites sendo considerados de caraacuteter puacuteblico

O u seja instituiccedilotildees que natildeo fazem parte da administraccedilatildeo direta nem indireta mas

desempenham funccedilotildees de suma importacircncia para a sociedade Isto porque na atmosfera

democraacutetico participativa constitui importante arma na defesa de interesses muitas vezes

natildeo passiacuteveis de serem politicamente alccedilados no riacutegido sistema partidaacuterio

Os exemplos satildeo muitos e natildeo param de surgir OSCIPs64 OSSs65 Pessoas

de cooperaccedilatildeo governamental ou Serviccedilos Sociais Autocircnomos66 fundaccedilotildees publicas e

privadas e tantas outras formas de associaccedilatildeo natildeo previstos legalmente que tampouco

devem se jungir agrave ilegalidade

Logo quando nos debruccedilamos sobre a forma de democracia adotada

pelo Brasil perquirindo-se qual a modalidade constitucionalmente adotada - direta

representativa ou participativa responde-se as trecircs Afinal os modelos de democracia natildeo

satildeo sequumlenciais e excedentes satildeo complementares e concomitantes67

Nessa mesma linha Paulo Bonavides avanccedila ainda mais Partindo-se da

premissa de que a democracia participativa eacute u m direito fundamental de quarta geraccedilatildeo

conclui A democracia positivada da quarta geraccedilatildeo haacute de ser necessariamente

uma democracia direta Materialmente possiacutevel graccedilas aos avanccedilos da tecnologia de

comunicaccedilatildeo e legitimamente sustentaacutevel graccedilas agrave informaccedilatildeo correta e agraves aberturas

Inocecircncio Maacutertires B R A N C O Paulo Gustavo Gonet Curso cit p 826 Para o quadro completo dos deputados que perderam os cargos V Idem p 823-824

63 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 40 64 Lei n 979099 regulamentada pelo decreto n 310099 65 Lei n 963798 66 Eacute o caso do jaacute conhecido sistema S constituiacutedo por SESC SENAI SESI SEBRAE SENAR SENAT

SEST e tantos outros de regime juriacutedico hiacutebrido tendo personalidade juriacutedica de direito privado mas sujeitando-se agraves regras sobre licitaccedilotildees e contratos (866693) e sofrendo controle externo pelo T C U e TCEs demonstrando a inserccedilatildeo e outros elementos na Teoria Geral do Estado que mesclam o puacuteblico e o privado como preteritamente concebido agrave eacutepoca da construccedilatildeo do Estado Moderno Cf S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

67 Cf FALCAtildeO Joaquim op cit p 87

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

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208 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

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SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e Poder Popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo

Paulo Malheiros 2000

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

210 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo

sobre o papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica

Rio de Janeiro Renovar 2006

Souza Santos Boaventura de In Joint Annual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA)

and the Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

TORRES Ricardo Lobo Direitos fundamentai In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de

filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

TORRES Ricardo Lobo O direito ao miacutenimo existencial Rio de Janeiro Renovar 2009

V E N E Z U E L A Constitucioacuten de Ia Repuacuteblica Bolivariana de Venezuela Disponiacutevel em lthttp

wwwconstitucionvedocumentosConstimcionRBV1999-ESpdfgt Acesso em 01 abr 2001

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

206 Rubens Beccedilak e Joatildeo Vwtor Rozatti Longh

pluralistas do sistema Desse modo haacute de ser tambeacutem u m a democracia isenta jaacute das

contaminaccedilotildees da miacutedia manipuladora jaacute do hermetismo de exclusatildeo de iacutendole autocraacutetica

e unitarista familiar aos monopoacutelios do poder Tudo isso obviamente se a informaccedilatildeo e o

pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia esta

poreacutem enquanto direito do gecircnero humano projetado e concretizado no uacuteltimo grau de

sua evoluccedilatildeo conceituai68

E tornando realidade esses postulados chega-se finalmente ao caso gerador

do estudo ora esboccedilado o Marco Regulatoacuterio Civil da Internet Brasileira ou simplesmente

Marco Civil uma forma colaborativa de construccedilatildeo de u m projeto de lei de iniciativa

conjunta da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministeacuterio da Justiccedila (SALMJ) em

parceria com a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas (DIREITO

RIO)69

A iniciativa daacute vida aos postulados ateacute aqui preconizados Afinal utilizando

de u m a potente ferramenta agrave manifestaccedilatildeo da liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo e de

sua clara vocaccedilatildeo como meio plural e democraacutetico de transmissatildeo do conhecimento o

processo ocorre e m duas fases70

A primeira delas fora a de discussotildees em u m canal e m linguagem blog

para a expressatildeo dos diversos pontos de vista acerca de toacutepicos predeterminados direitos

individuais e coletivos (privacidade liberdade de expressatildeo e direito de acesso agrave net)

responsabilidade civil de provedores e usuaacuterios na Internet e as poliacuteticas puacuteblicas acerca

da Internet A o final da primeira etapa apresentou-se a proposta de anteprojeto de lei

sintetizando os debates realizados

A segunda fase ocorreu da mesma forma desta vez tendo como base jaacute a

minuta do anteprojeto de lei apresentado na fase anterior Cada momento teve duraccedilatildeo

de 45 dias onde puderam ser expressas as opiniotildees de todos os interessados com seus

diversos pontos de vista

E os milhares deposts no blog somente demonstram a forccedila de tal meio de

comunicaccedilatildeo bem como o sucesso da iniciativa Esta eacute apenas uma amostra do potencial

da democracia participativa e do uso das novas ferramentas da comunicaccedilatildeo na consecuccedilatildeo

da cidadania no seacuteculo XXI

B O N A V I D E S Curso cit p 571 Ver lthttpculturadigitalbrmarcocivilsobregt Acesso em 18 mar 2010 Conveacutem ressaltar que esta eacute uma premissa que tampouco se encontra imune a ponderaccedilotildees Nesse sentido Faacutebio Konder Comparato Sem duacutevida a invenccedilatildeo da internet [] veio alterar o esquema original de comunicaccedilatildeo de massa ao criar u m ambiente de diaacutelogo entre pessoas do mundo todo Mas natildeo extrapolemos inconsideravelmente os efeitos da democratizaccedilatildeo que esse avanccedilo tecnoloacutegico iraacute produzir Lembremo-nos de que o puacuteblico usuaacuterio desses engenhos eletrocircnicos pertence agrave minoria do extrato econocircmico superior da sociedade [] C O M P A R A T O Faacutebio Konder Para que o povo tenha enfim a palavra Revista de direito UFPR Curitiba n 50 2009 p18

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo - perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 207 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

Enquanto a maioria dos projetos de lei que tramitam anos a fio em nossas

casas legislativas iniciam a regulamentaccedilatildeo da Rede por estabelecer sanccedilotildees criminais no

mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

que tem u m a uacutenica regra liberdade digna para todos

Satildeo Paulo marccedilo de 2010

Referecircncias

ALBUQUERQUE Paulo Antocircnio de Menezes Alexy Robert In BARRETTO Vicente de Paulo

Dicionaacuterio de filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica 2 ed Traduccedilatildeo Zilda Hutchinson Schild Silva

Satildeo Paulo Landy 2001

ALEXY Robert Teoria dos direitos fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva Satildeo Paulo

Malheiros 2008

ALVES Eliana Calmon Direitos de quarta Geraccedilatildeo biodiversidade e biopirataria Revista do

Tribunal Regional do Trabalho da 5aRegiatildeo v4 nl p41-61 dez 2002

71 F O U C A U L T Michel Vigiar e punir nascimento da prisatildeo Traduccedilatildeo de Raquel Ramalhete 20 ed Petroacutepolis Editora Vozes 1999 p 26

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

208 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta

viva a democracia participativa Revista de Informaccedilatildeo Legislativa Brasiacutelia n 151 julset 2001

A R E N D T Hanna A condiccedilatildeo humana 10 ed Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2008

B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade

de Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre

direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos

fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do

advogado 2007

BOBBIO Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de Marco

Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986

M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos

danos morais Rio de Janeiro Ed Renovar 2003

BONAVIDES Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000

Bonavides Paulo Constituinte e iniciativa popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de

2007

BRASIL S U P R E M O T R I B U N A L FEDERAL A Constituiccedilatildeo e o Supremo Disponiacutevel em lthttp

wwwstfjusbrportalconstimicaoconstituicaoaspgt Acesso em 14 mar 2010

C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado

In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas

aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007

D W O R K I N Ronald Is law a system of mies In D W O R K I N Ronald (Org) The philosophy of

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F A L C Atilde O Joaquim Democracia direito e terceiro setor 2 ed Rio de Janeiro FGV 2006

FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem

versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio

Fabris 2008

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo

Saraiva 2008

FERREIRA FILHO Manoel Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo Paulo

Saraiva 2009

F O U C A U L T Michel Vigiar e punir nascimento da prisatildeo Traduccedilatildeo de Raquel Ramalhete 20 ed

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G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

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GUTIEacuteRREZ David Ortega Derecho a Ia informacioacuten versus derecho ai honor Madrid Centro de

estudos constitucionales 1999

HAgraveBERLE Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET

Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees

Porto Alegre livraria do advogado 2007

HOBSBAWN Eric J A era das revoluccedilotildees 1789-1848 5 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1982

LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela Democracia Pluralizaccedilatildeo da

Representaccedilatildeo e Sociedade Civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica O futuro da representaccedilatildeo

(n 67 2006) Satildeo Paulo CEDEC 2006

LUHMANN Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo

Paulo Editora Paulus 2005

LUHMANN Niklas El derecho de lasociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002

MENDES Gilmar Ferreira COEHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso

de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009

M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In

SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas

aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007

MOREIRA Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo

Meacutetodo 2008

NEVES Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei

Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996

O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito In M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia

do Direito 5 ed Coimbra Coimbra Editores 1974

S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de

Janeiro Luacutemen Juacuteris 2009 p 509-518

SCHOLLER Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de

filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009

SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007

SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e Poder Popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo

Paulo Malheiros 2000

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

210 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

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mais das vezes transformando e m condutas tiacutepicas praacuteticas comuns dos usuaacuterios da Rede

o marco civil procura construir soluccedilotildees chamando agraves discussotildees os que se interessam

pelo estabelecimento de u m a justa governanccedila dos usuaacuterios da net

O u seja comeccedila-se pela forccedila pela puniccedilatildeo pela funccedilatildeo coercitiva do

direito Explica-nos Michel Foucault que as relaccedilotildees de coerccedilatildeo no mais das vezes tem

uma duacutebia e cruel face oculta Escondem por detraacutes dela relaccedilotildees de poder que perpassam

diferentes instituiccedilotildees e m diferentes eacutepocas histoacutericas Logo deve-se renunciar ao binocircmio

violecircncia-ideologia propriedade-riqueza Estado-Coerccedilatildeo e a tantos outros dogmas71

Logo na sociedade atual a dignidade humana eacute u m princiacutepio moral

Estabelece u m dever-ser a todos aqueles que atuam na sociedade N a Trilha traccedilada por

Bobbio a dignidade natildeo se realiza sem liberdade a qual necessariamente precisa de u m

ambiente democraacutetico para seu ideal florescimento M a s essa democracia natildeo depende

apenas de u m a conduta omissiva do poder puacuteblico mas sim da criaccedilatildeo de mecanismos

para seu exerciacutecio

Esse parece ser o espiacuterito do Estado Social no seacuteculo XXI u m Estado que

natildeo age para punir e se omite para dar liberdade mas que no mais das vezes deve atuar

positivamente para concretizaacute-la e garanti-la Por cerre a democracia na dita sociedade

da informaccedilatildeo eacute participativa pois inclui antes de segregar e funde interesses puacuteblicos e

privados muitas vezes por permitir os sujeitos do sistema democraacutetico a jogarem u m jogo

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R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

208 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

A M A R A L Roberto Apontamentos para a reforma poliacutetica a democracia representativa estaacute morta

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de Direito da USP compartilhadas com o Autor nos anos de 2002-2003

B A R R O S O Luiacutes Roberto Liberdade de expressatildeo versus direitos da personalidade Colisatildeo entre

direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos

fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees Porto Alegre Livraria do

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BOBBIO Norberto O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo Traduccedilatildeo de Marco

Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986

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BONAVIDES Paulo Ciecircncia poliacutetica 10 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000

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C U N H A Paulo Ferreira da Direito agrave informaccedilatildeo ou deveres de protecccedilatildeo informativa do Estado

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D W O R K I N Ronald Is law a system of mies In D W O R K I N Ronald (Org) The philosophy of

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versus a liberdade de expressatildeo e comunicaccedilatildeo 3 ed rev e atual Porto Alegre Seacutergio Antocircnio

Fabris 2008

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo

Saraiva 2008

FERREIRA FILHO Manoel Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo Paulo

Saraiva 2009

F O U C A U L T Michel Vigiar e punir nascimento da prisatildeo Traduccedilatildeo de Raquel Ramalhete 20 ed

Petroacutepolis Editora Vozes 1999

G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 209 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

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HAgraveBERLE Peter A dignidade humana e a democracia pluralista - seu nexo interno In SARLET

Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas aproximaccedilotildees

Porto Alegre livraria do advogado 2007

HOBSBAWN Eric J A era das revoluccedilotildees 1789-1848 5 ed Satildeo Paulo Paz e Terra 1982

LAVALLE Adriaacuten G H O U T Z A G E R Peter R CASTELLO Graziela Democracia Pluralizaccedilatildeo da

Representaccedilatildeo e Sociedade Civil Lua Nova revista de cultura e poliacutetica O futuro da representaccedilatildeo

(n 67 2006) Satildeo Paulo CEDEC 2006

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MENDES Gilmar Ferreira COEHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso

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argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In

SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas

aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007

MOREIRA Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo

Meacutetodo 2008

NEVES Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei

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O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

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filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

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SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e Poder Popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo

Paulo Malheiros 2000

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

210 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

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Rio de Janeiro Renovar 2006

Souza Santos Boaventura de In Joint Annual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA)

and the Research Committee on Sociology ofLaw (RCSL) Berlim 25 a 28 de Julho de 2007

TORRES Ricardo Lobo Direitos fundamentai In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de

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R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

208 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

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B A R R O S Seacutergio Resende de In Aulas proferidas no curso de graduaccedilatildeo em Direito na Faculdade

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direitos fundamentais e criteacuterios de ponderaccedilatildeo In SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos

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Aureacutelio Nogueira Rio de Janeiro Paz e Terra 1986

M O R A E S Maria Celina Bodin de Danos agrave pessoa humana U m a leitura civil-constitucional dos

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Bonavides Paulo Constituinte e iniciativa popular Folha de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 9 de Julho de

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FARIAS Edilsom Pereira de Colisatildeo de direitos a honra a intimidade a vida privada e a imagem

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Fabris 2008

FERREIRA FILHO Manoel Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 34 ed atual Satildeo Paulo

Saraiva 2008

FERREIRA FILHO Manoel Aspectos do direito constitucional contemporacircneo 2 ed Satildeo Paulo

Saraiva 2009

F O U C A U L T Michel Vigiar e punir nascimento da prisatildeo Traduccedilatildeo de Raquel Ramalhete 20 ed

Petroacutepolis Editora Vozes 1999

G O R E Al The Assault on Reason USA Penguin Press 2007

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185-210 jandez 2010

A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 209 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

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LUHMANN Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo

Paulo Editora Paulus 2005

LUHMANN Niklas El derecho de lasociedad Trad Javier Torres Nafarrate Meacutexico Universidad

Iberoamericana 2002

MENDES Gilmar Ferreira COEHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso

de direito constitucional Satildeo Paulo Saraiva 2009

M I C H E L M A N Frank I Relaccedilotildees entre democracia e liberdade de expressatildeo discussatildeo de alguns

argumentos Trad Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer Rev Ingo Wolfgang Sarlet In

SARLET Ingo Wolfgang (Org) Direitos fundamentais informaacutetica e comunicaccedilatildeo algumas

aproximaccedilotildees Porto Alegre livraria do advogado 2007

MOREIRA Eduardo Ribeiro Neoconstitucionalismo a invasatildeo da constituiccedilatildeo Satildeo Paulo

Meacutetodo 2008

NEVES Marcelo De Ia autopoiesis a Ia alopoiesis dei Derecho Doxa Cuardenos de Filosofia dei

Derecho Alicante v 19 p 403-420 1996

O R G A N I Z A Ccedil Atilde O D A S N A Ccedil Otilde E S UNIDAS Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos

R A D B R U C H Gustav Cinco minutos de filosofia do direito In M O N C A D A Luiacutes Cabral Filosofia

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S A N T O S FILHO Joseacute dos Santos Carvalho Manual de direito administrativo 22 ed Rio de

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SCHOLLER Henrich R A D B R U C H Gustav In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de

filosofia do direito Satildeo Leopoldo Unisinos 2006

SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009

SILVA Joseacute Afonso da Comentaacuterio contextual agrave Constituiccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Malheiros 2007

SILVA Joseacute Afonso da Poder constituinte e Poder Popular estudos sobre a Constituiccedilatildeo Satildeo

Paulo Malheiros 2000

R Fac Dir Univ SP v 105 p 185 - 210 jandez 2010

210 Rubens Beccedilak e Joatildeo Victor Rozatti Longh

S O U Z A N E T O Claacuteudio Pereira de Teoria constitucional e democracia deliberativa u m estudo

sobre o papel do direito na garantia das condiccedilotildees para a cooperaccedilatildeo na deliberaccedilatildeo democraacutetica

Rio de Janeiro Renovar 2006

Souza Santos Boaventura de In Joint Annual Meeting ofthe Law and Society Association (LSA)

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TORRES Ricardo Lobo Direitos fundamentai In B A R R E T T O Vicente de Paulo Dicionaacuterio de

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A democracia participativa e sua realizaccedilatildeo -perspectiva histoacuterica e prospecccedilatildeo futura o marco civil para a 209 regulamentaccedilatildeo da internet no Brasil

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LUHMANN Niklas A realidade dos meios de comunicaccedilatildeo Traduccedilatildeo Ciro Marcondes Filho Satildeo

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