a cidadania e a ética no discurso da mídia -...
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A CIDADANIA E A ÉTICA NO DISCURSO DA MÍDIA. Marcel J. Cheida, Faculdade de Jornalismo, Puc-Campinas, Campinas, São Paulo. [email protected]
Resumo: Os termos cidadania e ética têm sido divulgado sistematicamente pelos meios de
comunicação, num apelo em favor da formação de crianças e jovens nas instituições
educacionais. Por influência dos jornais, a escola incorpora a terminologia no discurso
pedagógico na tentativa de obter a adesão de públicos para programas de formação educacional
nem sempre subordinados à profundidade e à precisão dos conceitos manuseados pelos
jornalistas. Distancia-se deliberadamente a cidadania da política, em discursos moldados mais
pela propaganda do que pela informação noticiosa ou pelas narrativas analíticas e pelas
dissertações reflexivas. Este trabalho é um estudo do noticiário sobre a reprodução sistêmica de
termos e expressões dos discursos institucionais que banalizam os sentidos da cidadania e da
ética. A produção noticiosa fica comprometida eticamente à medida que os jornais são também
recursos didáticos-pedagógicos.
Palavras-chaves: ética da comunicação, deontologia do jornalismo, educação e comunicação
social.
Introdução
Ao postular a investigação sociológica da imprensa e suas relações de poder durante o Primeiro
Congresso da Associação Alemã de Sociologia, em Frankfurt, 1910, Max Weber (2005, p. 20)
ressaltou a importância política e econômica dos jornais na sociedade capitalista e a necessidade
de o mundo acadêmico se debruçar com maior densidade crítica sobre eles. Em particular,
Weber propõe indagações pertinentes para a busca de respostas sobre como a imprensa
influencia e conforma as idéias do homem moderno. Indagações que vão orientar vários estudos
sobre os jornais nas décadas seguintes. Isso porque, segundo ele,
A imprensa introduz deslocamentos poderosos nos hábitos de
leitura e com isso provoca poderosas modificações na
conformação, no modo e na maneira como o homem capta e
interpreta o mundo exterior. (WEBER, p. 20)
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Weber, um sociólogo já renomado e dos mais influentes no século XX, admitia o poder
exercido pela imprensa na sociedade contemporânea, e destacava os campos de interesses e
conflitos entre os jornais, jornalistas e os organismos ou instituições com os quais aqueles se
relacionam para manter o fluxo de informação para públicos e indivíduos. A influência da
imprensa sobre os homens e sobre a sociedade era preocupação intelectual de Weber, para quem
A constante mudança e o fato de se dar conta das mudanças
massivas da opinião pública, de todas as possibilidades
universais e inesgotáveis dos pontos de vista e dos interesses,
pesa de forma impressionante sobre o caráter específico do
homem moderno.(idem, p. 20)
Mais tarde, outro pensador alemão, Jüergen Habermas (1984, 213) desenvolve amplo
estudo sobre a formação do espaço público como conquista da burguesia, a qual constrói a mídia
jornalística como ferramenta de manutenção e transformação do Estado. A imprensa, segundo
Habermas1, não pode ser dissociada da evolução da esfera pública, a qual também não se
distingue mais da esfera privada no mundo contemporâneo. Na era moderna, os jornais se
confundiam, porém, com o campo político-partidário. Tanto Weber como Habermas observa que
na modernidade a imprensa servia de porta-voz de correntes político-partidárias e com elas se
misturavam. Era o jornalismo romântico, idealista. Mas o século XIX vai abrigar uma mudança
do modelo de produção noticiosa a partir dos Estados Unidos, onde a cultura industrial e urbana
recebe de braços abertos o paradigma da objetividade dos fatos. Weber ressaltava que o francês
se identificava com os jornais opinativos, uma tradição européia, enquanto que nos Estados
Unidos o público demandava informações, ou apenas a exposição dos fatos (WEBER, p. 18).
São dois modelos basilares de jornalismo praticados ao longo do século XX, ainda. O de viés
opinativo, encontrado em vários países europeus e no leste socialista, onde a imprensa era
controlada pelo partido comunista, e o de viés informativo, que vai se disseminar pelo continente
Americano. Ao final do século XX, porém, a fusão de grandes corporações com a aquisição de
empresas jornalísticas provoca a ampliação do modelo americano, o qual apregoa a distinção
clara entre notícia e opinião, entre o relato factual e a expressão dos juízos valorativos.
Nesse cenário de aceleradas mudanças, a influência dos conteúdos e das formas
editoriais dos jornais evidencia-se pela importância econômica e política numa sociedade
midiática ou da informação, reestruturada conforme os novos tempos. Entre as profundas
mudanças na estrutura social, a distinção entre o público e o privado sofre abalos que pulverizam
as fronteiras entre a intimidade individual e familiar e a publicidade dos atos de interesse
público. Se na modernidade o público e o privado se definiam com claras delimitações morais,
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no século XX a onipresença da mídia gradualmente absorve num processo hegemônico ambas as
esferas. As conseqüências podem começar a ser entendidas a partir da afirmação de Weber,
sobre como a imprensa é um poder de conformação das idéias numa dada sociedade.
A sociedade mercadológica coisifica idéias e pessoas e estas descobrem que podem
usar o próprio corpo e a imagem para a ascensão social e econômica. A mídia jornalística passa a
se alimentar de reportagens e notícias sobre o mundo privado, doméstico e íntimo das pessoas.
Assim, relatam uma nova sociedade na qual a mercadoria é caracterizada pela fugacidade; se as
pessoas se transformam em mercadoria midiática, também se expõe no efêmero do tempo da
televisão ou na limitação das páginas dos jornais e revistas. A lógica do mercado se estrutura na
renovação permanente e cotidiana das idéias e comportamentos, num ciclo acelerado de
substituição dos bens de consumo para manter a economia na dinâmica necessária para a
circulação da moeda e do enriquecimento ilimitado.
Os jornais se transformam ao longo do século XX e chegam ao seu final como
instituições que abandonaram o engajamento político-partidário para cumprir uma nova função
(MARCONDES Fº, 1993, P. 62):
O jornalismo da nova era está sintonizado com o novo papel
das comunicações e com a supressão dos fatos que
marcavam o calor, o entusiasmo, a determinação de nossos
antepassados. Ele hoje não traz mais o conflito, a polêmica,
a discussão, o choque de idéias. Sua função atual é
harmonizar como a freqüência modulada de consultórios,
mas sob a linguagem da inovação.
O autor realça o “poder monopolista” da mídia, que hoje não expressa os conflitos
como fenômenos sociais e políticos. Estes foram substituídos pelo conflito ou pela competição
entre grifes, entre personagens fictícios do cinema e das telenovelas. O jornalismo não é
impermeável ao novo mundo, faz parte dele, é protagonista desse tempo, e, segundo Marcondes
Fº,
para sobreviver apela para a indústria imaginária da
notícia. Criam-se fatos, forjam-se notícias, estimulam-se
polêmicas fictícias, constrói-se o conflito “em laboratórios”.
O estúdio de TV, a redação de jornal deixam de ser meios de
transmissão de fatos e tornam-se eles mesmos os produtores
de mundos. (idem, p. 63)
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A dura crítica de Marcondes Fº abriga um ceticismo inconoclástico sobre a imprensa
como organização mercadológica, consumista. Mesmo porque, se o autor está correto em afirmar
que os jornais compõem um sistema econômico muito mais do que uma instituição engajada
política e partidariamente, como antes, ele também admite que os jornais mantêm uma sincronia
com o mundo das tecnologias digitais, da virtualidade, do imaginário sobre o real.
As mudanças aceleradas são agravadas com a introdução da tecnologia digital em rede
que condiciona a produção jornalística num ambiente de maior competitividade entre as
empresas editoras. A tecnologia informatizada acelera os processos de produção na construção
de um processo de comunicação midiático em tempo real. Esses fatores contribuíram para um
novo modelo de produção noticiosa:
.... a prática jornalística torna-se, neste novo momento, a da
imprensa minimalista. Os grandes assuntos são tratados
como se se reduzissem a questões subjetivas de caráter
pessoal. A economia não é trabalhada do ponto de vista de
sua relação com o Estado, com a sociedade maior, da
perspectiva das tendências e rumos, enquanto organicidade
do sistema. As matérias desta editoria são hoje produzidas
apenas com vistas a darem informações aos leitores sobre
investimentos ou práticas de sobrevivência na selva
econômica. Há um reducionismo dos grandes temas a
assuntos de natureza subjetiva, individual ou particular.
(ibidem, p. 195)
A visão de Marcondes Fº reafirma a crítica sobre a função alienante exercida pelo
manuseio das informações de interesse público reduzidas a um trato de abordagem individual,
subjetivo, distanciado da esfera política, pública no sentido mais lato. Assim, os jornais
condicionam os conteúdos pela demanda mercadológica focada nas tendências de
comportamento do público como agentes de consumo de grifes e de informações minimalistas,
de serviços imediatos, de auto-ajuda.
O problema político e semiológico
A crise por que passa o Estado contribui para elevar o nível de credibilidade e adesão
aos jornais, que se tornam mais expressivos na medida em que dispõem de um aparato técnico e
estético de amplificação dos conteúdos de modo a provocar e estimular sensações diversas no
público leitor, ouvinte ou telespectador. Sob o impacto da dramatização dos relatos e da
expressão emocional dos conteúdos noticiosos, o indivíduo participa do simulacro construído
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pelo poder simbólico dos jornais, agora focados no comportamento e nas demandas pessoais. A
política como ação pública é substituída por relações comportamentais, individuais, as quais
demandam informações sobre qualidade de vida, sobre as relações familiares, amorosas, sobre
como conquistar e manter um emprego, como se relacionar com o chefe, como tratar do filho
adolescente, como prevenir doenças etc.
De certo modo, os jornais modificam os conteúdos que na modernidade pertenciam aos
legítimos agentes do poder político. Assim, o debate sobre a organização política gradualmente
foi substituído pela informação de serviços. O Estado, falido, não mais dá conta de importantes
tarefas e missões que foram delegadas a ele pela sociedade. A imprensa, ainda campo do debate
político, contribui para a mutação e o esvaziamento do sentido da política e do Estado:
(O Estado) ..., naturalmente, sobrevive, agora não mais
dentro do espírito do Estado Moderno, nascido dos
princípios iluministas, que dá conta de todo um
desenvolvimento social, apóia as ciências e trabalha para o
bem-estar humano, acreditando e apostando na
racionalidade técnica. Hoje, trata-se de um Estado destituído
desta amplitude de ação e de possibilidades e mais reduzido
devido á interferência mais radical da imprensa no seu agir
cotidiano. (ibidem, p. 116)
Desse modo, os jornais também substituem os agentes de governo num simulacro de
ação política em favor do público, do leitor, do indivíduo que se projeta no relato exposto como
parte de uma teia de relações nas quais ele se sente partícipe, mesmo que de maneira passiva. O
poder político é deslocado para o poder midiático, cujo capital simbólico (BORDIEU, 1998, p.
09) é estrutura e estruturador do sistema midiático. Os jornais integram o sistema simbólico
como produtores e operadores dos relatos noticiosos. Conforme Bourdieu,
O poder simbólico é um poder de construção da realidade
que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido
imediato do mundo (e, em particular, do mundo social)
supõe aquilo a que Durkheim chama de conformismo lógico,
que dizer, “uma concepção homogênea do tempo, do espaço,
do número, da causa, que torna possível a concordância
entre as inteligências”. (...) Os símbolos são os instrumentos
por excelência da “integração social”: enquanto
instrumentos de conhecimento e de comunicação (cf. a
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análise durkheimiana da festa), eles tornam possíveis o
consensus acerca do sentido do mundo social que contribui
fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a
integração “lógica” é a condição da integração “moral”.
Os jornais se projetam como demiurgos pós-modernos, os quais manuseiam o texto,
palavras e significados (BARTHES, 1985, 131), dando-lhes novos sentidos ao sabor dos
interesses nem sempre clarificados, e sim mantidos sob uma névoa discursiva ou anti-discursiva.
Segundo Barthes, o resultado dessa manipulação do verbo é a formulação de mitos semiológicos,
um sistema duplo de significações que induz as pessoas a perceberem os referentes ou objetos
significantes com outros sentidos. O mito se opõe à ideologia, porque aquele é “produto
colectivo e colectivamente apropriado” (BOURDIEU, 1998, p. 10). A ideologia, como modelo
polarizado entre capitalismo / liberalismo e socialismo, perdeu sentido político e partidário após
a derrocada Soviética, não perdeu o significado de manutenção ou conquista do poder via
propaganda ou retórica. Como capital simbólico condicionador de relações de submissão ao
poder político ou econômico, a ideologia se expressa pela mídia, numa incessante reafirmação de
instrumento da conquista ou da manutenção de poder. Na periferia do poder do Estado, por meio
de seus agentes governamentais, o poder econômico se manifesta nas organizações privadas que
dominam e controlam o capital. Há uma permanente e ansiosa manifestação de argumentos para
legitimar a concentração de riqueza.
O mito como sistema simbólico e instrumento de conhecimento e de comunicação
encontra em Barthes (1985, p 131) uma interpretação calcada em outro campo do conhecimento,
a semiologia. O mito é um sistema semiológico (idem, p. 133) construído na e pela fala. O
modelo barthesiano é aplicado neste trabalho para melhor entendermos a estruturação dos termos
cidadania / cidadão e ética no noticiário e nos textos opinativos do jornal Correio Popular, um
publicação da Rede Anhangüera de Comunicação (RAC), sediada em Campinas.
Na hipótese de Barthes, a construção mítica se referencia na cadeia semiológica
secundária. Barthes toma Ferdinand de Saussure2 como base para a revisão do conceito mito:
Para Saussure, que trabalhou com um sistema semiológico
específico, mas metodologicamente exemplar – a língua – o
significado é o conceito, o significante é a imagem acústica
(de ordem psíquica), e a relação entre o conceito e a imagem
é o signo (a palavra, por exemplo), entidade concreta. (
ibidem, p. 135)
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Signo, portanto, na concepção clássica, é a tridimensionalidade entre o 1) significante, o
2) significado e o 3) referente. O primeiro encontra-se no âmbito da língua, é a palavra ou
símbolos que expressem sentidos. O segundo encontra-se no âmbito da abstração, da memória ou
do imaginário. E o terceiro é o objeto percebido externamente como coisa concreta, mas
constituído na mente do indivíduo como significado.
O modelo clássico de Saussure não contempla, porém, aspectos psíquicos de recepção e
interpretação signíca. Nem mesmo atinge a preocupação sobre como o mito se comporta como
representação.
Quer se trate de grafia literal ou de grafia pictural, o mito
apenas considera uma totalidade de signos, um signo global,
o termo final de uma primeira cadeia semiológica. (op. cit. p.
136)
O mito, portanto, age de modo a deslocar o “sistema forma das primeiras significações”,
isto é, tomado o termo global, primário, cidadania, a fala mítica a transporta para um outro nível
lingüístico, numa meta-linguagem. Barthes indicado o esquema no qual essa transição ocorre:
1. Significante 2. Significado
3. signo
I. SIGNIFICANTE
II. SIGNIFICADO
III. SIGNO
No mito barthesiano, portanto, há dois sistemas semiológicos, no qual um se desloca em
relação ao outro. O mito é classificado como metalinguagem, “porque é uma segunda língua, na
qual se fala da primeira.”
Ao aplicarmos o modelo à leitura crítica do noticiário, o termo cidadania / cidadão foi
eleito como objeto de análise para validar a hipótese de como os relatos jornalísticos constituem
mitos semiológicos, num deslocamento do sentido original e formal do termo. Ao redigir, o
jornalista esvazia, esgota o sentido originário do termo para na forma preenchê-la com novo
conteúdo, num processo manipulador de conteúdos.
Diferente do conceito de significante de Saussure, Barthes afirma que no mito “o
significante ... apresenta-se de maneira ambígua: é simultaneamente sentido e forma, pleno de
um lado, vazio de outro” (op. cit. p. 139). A repetição de termos num cenário de transformações
profundas na perspectiva da individualidade competitiva provoca re-construções semânticas,
num processo de reafirmação de poder simbólico expresso pelo veículo institucionalizado numa
determinada comunidade.
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O problema econômico e as ONGs
Se o termo cidadania / cidadão (s) comporta toda uma significação primária, como
sujeito pertencente a uma sociedade politicamente organizada na forma de Estado, o advento da
globalização e do neoliberalismo como modelo econômico transpôs o conceito para designar
ações que mesclam atividades dirigidas à filantropia, à solidariedade entre indivíduos por força
das carências sociais detectadas nas mensagens midiáticas. É o ato da despolitização do sentido
originário do termo, mesmo com suas diversas ressignificações ao longo da história. O sujeito /
indivíduo global não é apenas vinculado a um espaço territorial governado, autônomo e
pretensamente soberano, mas é aquele que se comunica e se interliga com organizações
transnacionais, numa realidade em que o Estado sofre de profundo descrédito ao não prover o
cidadão como fim último que o justifica como organização política sustentada no princípio do
Direito. Esse Estado é submetido a organismos internacionais3 para direcionar as prioridades
econômicas, que determinam políticas diversas e condicionam os processos governamentais. O
modelo de Estado brasileiro durante décadas submeteu-se ao controle de organismos
internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), entre outros credores4.
Apesar de vários autores proporem a redução do Estado como organismo de pacificação
dos conflitos, o Brasil enfrenta o cenário das transformações globais com um Estado portentoso,
sustentado por mais de 37% do PIB nacional5, que vem na contramão das tendências mundiais
desde a década de 1990. Mesmo no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso6, a
elevação da carga tributária ocorreu em contraponto à política de desestatização, modulada pelo
discurso da livre-empresa e de estímulo à criação das organizações não-governamentais como
alternativa inevitável à incompetência governamental em atender as crescentes demandas sociais
num País cada vez mais urbano e escolarizado.
Ocorre, portanto, uma contradição entre o discurso pró-sociedade civil organizada como
instrumento de intervenção no universo político e o modelo de Estado provedor das classes
menos favorecidas por programas7 sociais mantidos pelo governo, como Bolsa Família, Fome
Zero, Auxílio Gás, ProUni, entre outros.
O cenário político-econômico reafirma o papel predominante do Estado e das ações de
governo na mediação dos conflitos sociais e na formulação de projetos de amparo à maioria da
população de baixo poder aquisitivo. Segundo Naves (2003, p. 563),
Em nosso país, a promoção da cidadania depende do poder
do Estado de implementar políticas públicas, assegurando a
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todos os brasileiros o exercício de seus direitos.
Compreender o sentido da cidadania significa, assim,
entender como se relaciona o indivíduo com o setor público.
A afirmação sublinha, sem dúvida, o papel e o significado da cidadania para o país como
o Brasil, no qual a recente democratização ainda não permitiu a expansão necessária dos serviços
do Estado para incluir grande parcela da população na esfera dos direitos básicos previstos na
Constituição. Apesar disso, a inevitabilidade do processo de globalização do campo das trocas
simbólicas e culturais projeta um Brasil interconectado e interligado aos eventos mundiais (idem,
p. 563):
A compreensão do ser cidadão no Brasil de hoje só adquire
sentido pleno quando confrontada às transformações
sofridas, nas últimas décadas, pela própria ordem mundial.
Dos estertores da colonização européia na África e na Ásia à
consagração da hegemonia norte-americana, os últimos
vinte anos se caracterizaram por um duplo movimento: a
crise do poder organizado como ‘Estado-nação’ e, por outro
lado, a valorização, de origem iluminista, de direitos comuns
a todos os seres humanos.
O Brasil apresenta um quadro histórico de contínua presença, a partir do século XIX, das
ações e organizações filantrópicas. Herança do direito Romano e da Igreja Católica, a filantropia
tomou corpo social no Brasil por meio das Santas Casas de Misericórdia, p. ex., as quais
serviram e ainda servem de modelo para a organização de outras sociedades voltadas a amealhar
recursos para destinar parte deles às camadas mais pobres da população. E isso sem a
interferência ou ajuda do Estado, pois boa parcela daqueles que se dedicam a essas organizações
o fazem de modo voluntário, com recursos próprios. Mas, a partir da década de 1960, os
movimentos sociais com nova modelagem começam a surgir no País. Naves (ibidem, p. 568)
observa:
Quanto aos movimentos sociais, para compreendermos suas
origens no Brasil é preciso voltarmos (sic) à década de 1960.
Com o golpe militar de 1964, a repressão sistemática de
todas as formas de contestação política e organização
sindical fez com que a vida associativa se deslocasse para as
comunidades e seus interesses localizados. Por não ser
encarada como desafio para o regime, o trabalho
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comunitário escapou aos controles e assim conseguiu
expandir-se.
Mas é a partir do final da década de 1970 que destacadas associações e entidades
sociais começam a romper com o assistencialismo tradicional expresso na filantropia, segundo
Naves (op. cit. p 569). A década de 1980 é tempo do estertor dos regimes e da utopia socialista,
evento político determinante para o surgimento das associações voluntárias que adotam o
discurso em favor da universalização dos direitos humanos. As várias organizações da sociedade
civil voltadas a intervir nas relações e processos sócio-econômicos de modo a ampliar o número
de indivíduos com melhor qualidade de vida compõem o que se denomina de terceiro setor. De
acordo com Naves, terceiro setor é
O conjunto de atividades espontâneas, não governamentais e
não lucrativas, de interesse público, realizadas em benefício
geral da sociedade e que se desenvolve independentemente
dos demais setores (Estado e mercado), embora deles possa,
ou deva, receber colaboração (op. cit. p. 574).
É importante destacar que o terceiro setor é composto por organizações com estruturas
e fins diferentes. Ainda na conceituação de Naves,
... são basicamente três as fontes originárias do terceiro
setor: filantropia e os movimentos sociais, aos quais
somaram-se as ONGs.
O conceito é necessário para melhor entender a forma como os jornais tratam ONGs e a
filantropia, com se fossem um mesmo modelo de atividade social voltada à cidadania, ou como
muitos afirmam, à “inclusão social”. As ONGs surgem como substitutas dos partidos políticos e
das instituições governamentais que não mais conseguiam atender às antigas e novas demandas
que surgem, entre elas a defesa ambiental. Essas organizações são geradas, portanto, num
ambiente político, mas a sigla passa gradualmente a ser adotada por entidades tradicionais que
atuavam e atuam no campo da filantropia e do assistencialismo.
A relação dessas organizações com o Estado nem sempre é marcada pela demanda
política, de fato centrada na construção da cidadania universal. Muitas entidades filantrópicas
agem dependentes de verbas oficiais, em muitos casos, mas distantes de projetos que
compreendam o debate político ou político-partidário. Apesar disso, cultivam o discurso da
inclusão social e cidadã. Deve-se ressaltar, porém, a diferença entre ONGs e entidades
filantropias. Enquanto as ONGs surgem, de fato, para substituir ações do Estado em diversas
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áreas, a filantropia permanece focada num modelo de iniciativa individualista, personalista,
calcada em doutrinas religiosas, invariavelmente (FERNANDES in NAVES, 2003, p. 570):
As associações promovem a sociabilidade num contexto
individualista. Em suas atividades, os fins coletivos e os bens
coletivos são percebidos como interesse individual dos que
estão envolvidos. A vida pública insere-se nas iniciativas
privadas. A cidadania é personalizada.
A ação individual e personalizada contrapõe-se ao conceito moderno de cidadania,
como fenômeno político, público e social. As ações voluntárias de indivíduos movidos por
tendências sociais e comportamentais dirigem-se a objetivos ambientais ou filantrópicos,
distantes do contexto político, no qual as relações de poder se manifestam. Ao delimitar a ação
filantrópica na expressão ação social ou de cidadania, manipula-se a terminologia que passa a ter
um caráter mitológico barthesiano. O termo cidadania é esvaziado para ser reconstruído
semanticamente pela repetição e pelo contexto discursivo cujo tema é a solidariedade social, a
filantropia, o assistencialismo.
Ressalto, porém, que este trabalho não tem objetivo de julgar ou opinar sobre as ações e
sobre as organizações filantropias ou assistencialistas, muitas delas com rico histórico de
contribuição social.
As ações voluntárias, individualistas, focadas no fim comportamental para que cada um
possa se projetar e se identificar com o coletivo e, assim, ser aceito socialmente, desprezam o ato
político, portanto, o próprio Estado. O discurso que enfatiza as ações desse tipo apresenta
enraizado desprezo pelas ações políticas e político-partidárias, necessárias à fiscalização e à
crítica aos governos. Bobbio (2000, p. 172) destaca como a formação da sociedade religiosa e da
sociedade econômica, burguesa, buscou delimitar o campo da política distante do campo social
(e religioso). A evolução da sociedade burguesa, urbana e estruturada na competição
mercadológica e individual, procurou e procura restringir e delimitar as ações políticas
(pertinentes ao governante) das ações sociais (pertinentes à sociedade civil). Assim, procura
realçar ideologicamente suas ações na busca de legitimidade, de credibilidade nos meios sociais,
onde a produção e a difusão discursiva são essenciais como elementos estratégicos para obter a
boa vontade dos públicos. Ao aproximar os sentidos de cidadania, ética e filantropia ou
assistencialismo, o discurso encontrado na mídia jornalística reafirma o modelo de ataque à
política como ato estranho aos ideais de solidariedade.
Para Bobbio, se constitui num reducionismo distinguir o campo da política do campo
social, como o discurso em torno da responsabilidade ou das ações de inclusão social e cidadania
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procura estabelecer. Ao usar a terminologia “social” como sinônimo de cidadania, os jornais
configuram uma semântica também orientada por uma relação ideológica.
(...) resumir ... a categoria da política à atividade que tem
direta ou indiretamente relação com a organização do poder
coativo8significa restringir o âmbito do ‘político’ em relação
ao ‘social’, recusar a plena coincidência do primeiro com o
segundo.
A afirmação expõe a tradicional conceituação sobre o Estado como agente que reclama
o poder exclusivo para o uso da força como meio de impor a ordem social via norma legal. O
Estado exerce outras funções, entre elas a de expandir os instrumentos de distribuição dos
direitos previstos numa democracia constitucional.
O problema da cidadania e do jornalismo
Ocorre que ao reiterar as expressões “social”, “ética” e “cidadania” como vinculadas à
busca de melhor qualidade de vida, os jornais reduzem o ato político a um ato de governo, cuja
credibilidade no Brasil é baixíssima, e distante das preocupações e ocupações sociais. Exemplo
que pode ser destacado encontra-se no Manual de Redação (2005, p. 07) da Rede Anhangüera de
Comunicação, publicadora dos jornais Correio Popular, Diário do Povo, que circulam em
Campinas, mais o Diário Notícias Já, que circula em Campinas e região, os jornais gratuitos
Gazeta do Cambuí (Campinas), Gazeta de Piracicaba e Gazeta de Ribeirão, além de ser
proprietária do portal Cosmo On Line e da Agência Anhangüera de notícias.
O Manual de Redação que orienta todos os veículos da RAC define o leitor,
inicialmente, como “nosso cliente mais imediato”. A concepção é mercadológica; leitor é
consumidor. E este é alguém que participa de uma relação de troca de um tipo especial de
mercadoria: a notícia. Os projetos editoriais da RAC, em especial o de maior influência em
Campinas, o diário Correio Popular, se orientam por um dedicado grupo de jornalistas
experientes e empenhados em produzir um bom produto, que, aliás, é merecedor de vários
prêmios na categoria. A projeção da RAC e, em particular, do Correio Popular não significa que
o projeto editorial não apresente problemas de ordem conceitual e semântica.
Tendo o leitor como cliente, a RAC chama para si a responsabilidade de pautar “a
agenda da cidade” (idem, p. 07, 2.1), a RAC estabelece:
Uma das missões de um jornal regional é pensar à frente,
antecipar tendências (sic), antever problemas e cobrar
soluções de quem quer que seja, Prefeitura, Estado, União,
empresa pública ou privada. Sob esse ponto de vista, cabe
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aqui a exploração de uma ferramenta que já vem sendo
usada com sucesso pelos jornais da RAC, com base em
orientação da Diretoria Editorial. Trata-se de pautar a
agenda da cidade, liderando na comunidade um esforço de
reflexão cujo objetivo final é melhorar a qualidade de vida
do cidadão. (grifo meu).
Ora, o que a RAC pretende com essas afirmações é exatamente a representação política
de modo a demandar reivindicações por meio da produção noticiosa. Pautar a agenda significa
estabelecer as prioridades políticas assim entendidas como tais pelo grupo empresarial. Se se
arvora na representação das demandas políticas e como protagonista autoral da agenda da cidade,
a RAC exerce e assume um papel político a rigor, numa clara contradição com o conceito de
cliente, um consumidor amparado por codificação jurídica própria. A afirmação da RAC é,
porém, explicada pela teoria da agenda-setting (BARROS Fº, 1995; SOUSA, 2002;
TRAQUINA, 2005). Isto é, o jornal é protagonista do agendamento das prioridades políticas e
assume o papel intervindo no espaço público ao usar de seu capital simbólico. A partir dessa
premissa, o conceito de cidadania é expresso no item 2.2 (idem, p. 08):
Os jornais da RAC são pluralistas9. Cobram quando devem
cobrar. São duros e críticos quando devem ser. Mas esses
veículos carregam uma filosofia que valoriza as boas
notícias, os bons projetos, o esforço cotidiano de um exército
de voluntários da cidade e região e todos os aspectos
relacionados com a responsabilidade social. O conceito é de
se fazer um jornal cidadão, ou seja, um jornal apenas de
notícias ruins não espelha de maneira homogênea o que
pensa esta comunidade. Se for sempre arauto do abutre, este
veículo estará contribuindo para a baixa auto-estima,
esquecendo de ver uma legião de pessoas que faz o bem,
anonimamente ou não. Esse conceito já está enraizado nas
redações, mas é bom salientar que ele deve continuar
sempre, pois o jornalista é acima de tudo um cidadão.
O parágrafo expõe a inconsistência dos conceitos de “cidadão”, “notícia jornalística” e
“jornalista”. A ênfase se dá em torno da ação voluntária já citada por Fernandes, num cenário em
que as iniciativas pessoais no âmbito das relações sociais buscam exprimir o conceito de
cidadania, sem que o Estado esteja presente ou se aproxime. A RAC chama para si a
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responsabilidade política de representar os cidadãos / clientes / leitores e de enaltecer as boas
ações voluntárias, mesmo que essas sejam na essência formas de filantropia.
A contradição maior está ainda na falta de conceituação do que a RAC entende por
“pluralista”. Termo que se opõe ao singular, plural passou a ser empregado pelo mundo na
década de 1990, na tentativa de reconhecer a diversidade da cultura e das manifestações políticas
no âmbito dos direitos humanos. Ser plural consiste antes de tudo em assumir uma doutrina de
convivência com a diversidade, aceitando-a de modo simétrico, algo ainda irrealizado pela
sociedade brasileira10. Ao grafar o termo “pluralista”, em seguida, no mesmo parágrafo, explica
o tom da cobrança condicionado ao conceito de jornal cidadão (aquele que divulga boas notícias
sobre atos e fatos relacionados com a responsabilidade social). Assim, a RAC envereda pelo
caminho da explicitação ideológica sobre como estabelece a política editorial. A condição de
cidadão está vinculada à auto-estima, um fenômeno psicológico e não político (Se for sempre
arauto do abutre, este veículo estará contribuindo para a baixa auto-estima, esquecendo de ver
uma legião de pessoas que faz o bem, anonimamente ou não). Cidadão, sujeito político, deixa de
ser um direito e obrigação do Estado para se tornar um problema comportamental. Além disso,
ocorre outra contradição ao pretender tornar notícia, portanto pública, a ação de voluntários que
atuam no anonimato. Revelar esse lado da sociedade implica em destacar as ações individuais,
personalizadas, herdeiras da filantropia e do assistencialismo católico. De fato, as diversas
reportagens pautadas e publicadas destacam ações de indivíduos que sacrificam tempo e dinheiro
em favor de entidades e comunidades. Tais sujeitos são descritos como fontes das boas notícias,
numa sistemática construção de um mundo social impermeável à política.
Outro problema de ordem conceitual e teórico é como o Manual de Redação qualifica o
termo notícia: jornal cidadão é sinônimo da boa notícia. Ao conceituar a idéia, o texto reitera
uma antiga confusão entre notícia e fato. Se o fato apresenta elementos de interesse público,
mesmo que cruéis ou degradantes, deve ser tratado na forma noticiosa, condicionada pelos
elementos subjetivos e referenciais da especialização, da profissão, como observa Karam (2004,
p. 46):
(O jornalismo), É, ao meu ver, uma construção política,
ideológica, cultural, que reflete, com sua técnica específica,
o mundo em andamento, sem concessões, a serviço da
sociedade ou da universalidade humana.
Ao conceituar o jornal cidadão como algo avesso ao “arauto do abutre”, o Manual traz
implícita uma crítica a outros veículos que, ao publicar “apenas (...) notícias ruins”, não
espelharia11 “de maneira homogênea o que pensa esta comunidade”. As notícias ruins
15
confundem-se com a negatividade dos fatos que são relatados na forma de mensagens, cujo
receptor indignado prefere eliminar o mensageiro a aceitar o conteúdo do evento noticiado. A
pretensão de “espelhar” de modo “homogêneo” o que a comunidade pensa incorre num profundo
problema com a pluralidade pretendida. Ao tentar realçar a importância das boas notícias sobre
as ações anônimas e voluntárias, a RAC estabelece como premissa um projeto de
homogeneidade de conteúdo que negativamente qualifica toda notícia que estiver sob a guarda
do “arauto do abutre”. Isso, de fato, não ocorre no cotidiano do jornal que publica notícias
relativas a fatos bastante negativos, com tons lúgubres até.
Exemplo é a manchete de capa no dia 08 de março de 2007: Amor bandido leva
jovem universitária ao mundo do crime. A notícia trata da história da estudante de Direito,
Ana Paula Jorge Sousa, de 21 anos, detida sub a acusação de integrar uma quadrilha formada
assaltantes, um dos quais seria seu namorado. Além da manchete, a foto publicada em quatro
colunas expõe a jovem universitária apontando um revólver para o leitor.
Outro exemplo: Pulmão é achado diante de uma casa na Vila Industrial. O título
atrai para a notícia, publicada em 07 de junho de 2007, p. A9, Correio Popular, sobre um
“achado macabro” em frente a um portão de uma residência na Vila Industrial, tradicional e
histórico bairro de Campinas: “um pulmão ligado à traquéia e que aparenta ser humano.” O
relato é típico dos fait-divers, das notícias tachadas de sensacionalistas12, macabras até.
Se o jornal não assume a produção de notícias desse tipo de conteúdo, para não ser
“arauto do abutre”, numa tentativa de cumprir o princípio da pluralidade divulga informações
cujo conteúdo trágico, dramático e cruel contrasta com as reportagens sobre as ações aceitas
como positivas por parte dos cidadãos solidários.
A questão do espelho
A terminologia empregada pela RAC ressalta visões sobre um jornalismo não mais
assim compreendido, dado que a idéia de espelhar remonta ao modelo de objetividade e
neutralidade superada ao longo do século XX. Ora, se o jornal espelha, como quer a RAC, a
sociedade quando enfatiza as boas notícias, ao publicar os relatos sobre eventos como o que
envolveu a jovem universitária, o Correio Popular priorizou um fato alvo da fome de abutres. A
pragmática editorial para diversificar o noticiário é inerente ao jornal generalista, dado que a
sociedade é o campo da busca e da produção da informação noticiosa e nela se manifestam os
diversos protagonistas e antagonistas na construção ou re-construção dos processos simbólicos
divergentes, contraditórios, distintos e paradoxais. A pauta do jornal é voltada para uma
sociedade de extremos: da cidadania e dos abutres.
16
Ao pertencer à sociedade, o jornal se expressa como instituição reveladora daquilo que
é conhecido por poucos para ser conhecido por muitos. Nessa mediação nem sempre isenta, o
jornal carrega elementos ideológicos, mitológicos e subjetivos, além dos preconceitos13 inerentes
à constante procura pelo ajuste do indivíduo ao meio social. Bucci (2000, p. 51) é um dos
estudiosos do jornalismo que ressalta a produção noticiosa como fruto da intervenção subjetiva
do repórter e dos jornais num processo de interpretação e construção de versões:
A verdade dos fatos é sempre uma versão (grifo do autor) dos
fatos. O relato, qualquer que seja ele, é um discurso e, como
tal, é inevitavelmente ideológico: mesmo quando sincera e
declaradamente não opinativo, o relato jornalístico é
encadeado segundo valores que obrigatoriamente definem
aquele que se descreve. A objetividade perfeita nunca é mais
que uma tentativa bem-intencionada.
Apesar dos termos orientadores das premissas, o Manual de Redação da RAC
reconhece o jornalista como “um observador” (idem, p. 10) que “não tem obrigação alguma de
agradar a ninguém”. Esse jornalista da RAC deve ter um compromisso, “acima de tudo, com o
leitor, não com sua fonte. A esta, basta dar o tratamento correto: ser fiel, no texto, àquilo que
ela disse, transmitindo com precisão e clareza o que foi apurado”. O jornalista observador
necessariamente é interventor, testemunho, sujeito cujo olhar demanda uma perspectiva própria,
uma sensação individual e característica, um perceber orientado por ideologia e preconceito, e
por valores e crenças. Observação não se reduz ao ato de ver apenas, mas compreende a
aplicação dos vários sentidos para obter informações sobre um determinado objeto. Assim, o
jornalista deve equilibrar os compromissos com os diversos atores da reportagem, desde o fato,
as fontes, a organização jornalística, ao leitor e à sociedade. Ao afirmar o prioritário
compromisso com o leitor/cliente “acima de tudo”, o jornalista incorre na armadilha de se
submeter ao senso comum nem sempre aferido com precisão, mesmo porque o repórter também
deve ser leal com as próprias convicções deontológicas e políticas. Caso contrário, cairá no
abismo do cinismo, pois ficará submetido a uma entidade abstrata: o leitor. A redação do texto
do manual incorre numa falha lógica, pois dar “tratamento correto” às declarações das fontes
implica num compromisso moral tão grave e responsável quanto ao compromisso com o leitor.
Mesmo porque, a produção do noticiaria não seria possível sem as fontes. O leitor (cliente), no
campo da abstração é composição do imaginário, e como indivíduo é agente da opinião pessoal,
personalizada. Se a RAC entende que o universo de leitores situa-se na pluralidade, a diversidade
de idéias e crenças compõe o referencial valorativo do que seja o leitor, coletivo diverso e
17
destituído da homogeneidade. Contudo, o jornalista carrega valores, crenças e convicções que se
conflitam muitas vezes com a orientação editorial e com a opinião dos leitores, aferida por meio
de pesquisas quantitativas, direcionadas invariavelmente pelos interesses comerciais e
estratégicos da empresa. O ato de produzir notícias depende, inevitavelmente, da subjetividade
de quem observa e interpreta os fatos e as declarações, pois caso contrário seria cair na armadilha
de um compromisso apenas com um sujeito do universo da produção noticiosa.
O termo “fiel” surge nessa página após os itens 2.3 e 2.4, nos quais a RAC relaciona
um Decálogo da Qualidade, na qual orienta o comportamento ético e os deveres do jornalista,
bem como os fundamentos e valores para o exercício do “Bom jornalismo”. Para ser descrito,
porém, não são encontradas as palavras neutralidade, imparcialidade e objetividade, muito
menos fidelidade, que dão suporte conceitual ao modelo de espelho. Mas, sim, entre outras,
agilidade, coerência, compromisso (?), disciplina, ética, equilíbrio, exatidão, prudência, reflexão,
sapiência e seriedade. Esses valores apresentam amplitude semântica, e são necessários para
compor a base do debate editorial, que pode amadurecer na medida em que os significados são
refletidos conforme as experiências cotidianas.
Ao definir o jornalismo-cidadão como sinônimo das boas notícias, a RAC se distancia
do caráter crítico que tradicionalmente move o jornalismo a fim de se amparar na confiança do
público. Se é um jornal plural, deve admitir as diversas e diferentes versões produzidas pelo
universo social, o que implicaria numa revisão da política editorial. O bom / cidadão e o mau /
arauto do abutre, bipolarização dos extremos, não condizem com o modelo plural de sociedade
que recusa a partição do mundo em dois extremos. As versões são construídas por atores que são
diferentes em idéias e valores e que manifestam divergências num cenário de conflito social. A
pluralidade é um conceito que não se aplica, exclusivamente, àqueles a quem é dirigida a
informação, mas também à composição e à direção do projeto editorial.
O problema do bom e do mau
A RAC constrói um noticiário numa perspectiva do bom e do mau, à medida que realça
a divulgação das ações sociais praticadas pelo “exército de voluntários” e também aborda os
crimes na forma dos fait-divers14, modelo de notícia consolidado na segunda metade do século
XIX, com a expansão da imprensa de massa nos centros urbanos, industriais, cujo cenário ocorre
a consolidação da classe média, consumidora.
De certo modo, a RAC propõe fazer jornais que apontem os dois extremos da
sociedade, numa visão ainda ingênua de espelho, como se as relações sociais e a estrutura
político-econômica fossem naturais em suas diferenças e estas fossem objeto do noticiário numa
18
ação jornalística de neutralidade. A lógica desse raciocínio sustenta a idéia de que os relatos
publicados nos veículos da RAC são sempre verdadeiros.
Barthes destaca que a formação do mito semiológico pelo discurso da mídia provoca a
sensação de que o mundo é assim, e as coisas são o que são. Os eventos sociais são naturais,
numa percepção de que a sociedade não pode ser mudada, transformada.
A pretensão da empresa em reafirmar o mundo no qual a política é estranha às ações
sociais ou às de responsabilidade social ou à cidadã é realçada, todavia, na afirmação de um
elenco de temas pautados (ibidem, p. 08) como agenda política como objeto que justifica “o
importante papel da RAC na mobilização de toda a sociedade (sic), pois com base nessa agenda,
o poder público passou a pautar suas ações de investimentos levando-se em conta este painel
exposto pela RAC”.
Ao chamar para si o papel de representação “de toda a sociedade” e das reivindicações
da comunidade, a RAC estabelece o viés ideológico alienante que separa a esfera política das
iniciativas de cunho social as quais são vinculadas à idéia de cidadania. Em editorial publicado
em 06 de junho de 2007, sob o título O resgate de alguns valores da cidadania, o Correio
Popular afirma que
Campinas é uma cidade que, de há muito, perdeu a sua
condição ideal de cidade organizada, bonita, de raízes
históricas interessantes, luminar na educação, saúde e artes,
além de um oásis de segurança e qualidade de vida. Por
anos seguidos, a decadência dos costumes sufocou essas
características, impondo aos campineiros uma realidade
ditada pela confusão social, pelo descalabro político-
administrativo e pela ausência de ações voltadas ao resgate
desses traços.
A ênfase crítica às administrações passadas coincide com períodos governados pelo
Partido dos Trabalhadores, da prefeita Izalene Tiene, e pelo PP, do prefeito Francisco Amaral.
Mais à frente, o editorial ressalta os valores resgatados:
Nessas questões, que não demandam investimentos maiores e
graves alterações estruturais, Campinas finalmente
despertou da letargia e deu início a um processo que tende a
trazer uma situação de normalidade. O Fórum de
Fiscalização, que engloba técnicos e funcionários de vários
órgãos públicos, foi a campo e lacrou 12 bares irregulares,
19
atendendo às reivindicações de moradores que se
mobilizaram contra os abusos. Em outra frente, a Prefeitura
deu início à limpeza de pichações em paredes, muros e
estruturas de imóveis públicos, numa primeira ação contra
vândalos acostumados a deixar a marca de sua ignorância
em prédios e paredes. A isso, deve se seguir o estímulo a que
imóveis particulares também sejam limpos e pintados, além
da implementação de propostas restritivas várias.
É clara a defesa que o editorial faz da ação do poder público como instrumento das
vontades da comunidade cidadã contra os vândalos responsáveis pela pichação de prédios
públicos e privados. Sob a alegação do despertar da letargia ao limpar os edifícios públicos, o
jornal cobra iniciativa semelhante para aos imóveis particulares. O texto realça a significação da
ação da Prefeitura ao limpar pichações (muitas vezes confundidas pelo jornal como as grafites)
como elevada conduta de resgate da cidadania, bem como a fiscalização dos bares noturnos que
exageram no som e na ocupação do espaço público.
O editorial reduz o valor de cidadania à fiscalização da prefeitura, cujo dever, entre
outros, é intervir para impedir o conflito entre o público e o privado.
Se no editorial a cidadania decorre da atitude fiscalizatória e coativa da administração
municipal, outro sentido ocupa notícias como a publicada em 19 de abril de 2007, intitulada
Reciclagem vira ação de cidadania, no caderno Cidades. O evento relatado trata de um projeto
de reciclagem de latas de alumínio. A reportagem destaca a ação individual da aluna bolsista das
Faculdades Integradas Metropolitana (Metrocamp) que criou o projeto Amassalata, com o
objetivo de recolher e reciclar latas de alumínio para ampliar a rede de proteção ao meio
ambiente. A iniciativa da aluna é realçada pelo fato dela ser mãe e precisar completar a renda
para pagar os estudos.
Outro exemplo do modelo de ação individual, personalista, voltada à filantropia e
orientação comportamental é relatado na reportagem de 06 de Junho de 2007, sob o título
Projeto Cidadão15 - Um foco de luz para as jovens mães, publicado no caderno Cidades. A
reportagem relata trabalho de assistência social e amparo às mães menores de 18 anos pelo
Grupo Fraterno Foco de Luz, sediado em Valinhos. De crença espírita, a entidade apresenta
características filantrópicas e assistencialistas, mas se enquadra, para o Correio Popular, como
projeto de cidadania. Embora o valor solidário do projeto seja realçado, meritoriamente, a
abordagem do jornal peca pela confusa construção de sentidos em relação ao termo cidadania,
pois o projeto se enquadra no modelo descrito por Fernandes.
20
A edição do dia 04 de julho deste ano traz a reportagem intitulada Projeto Cidadão -
Voluntário leva paz na hora da morte, publicada no caderno Cidades. O segundo parágrafo da
reportagem ajuda a esclarecer o tom favorável à ação solidária, filantrópica e “cidadã”:
Desde 1997, em função do aumento no número de óbitos e
para cumprir os ritos fúnebres, criou-se um movimento de
solidariedade por meio dos ministros extraordinários da
Igreja. Um curso de seis meses prepara o voluntário em sua
paróquia. A autorização para atuação é dada pelo bispo e a
ação ocorre na Pastoral das Exéquias (responsável pelas
cerimônias fúnebres). A licença vale por dois anos e pode ser
renovada. Atualmente, 60 pessoas se dividem em esquema de
plantões. No cemitério municipal Nossa Senhora da
Conceição, conhecido por Amarais, um voluntário por
período permanece no local.
O apelo religioso realça a distinção do universo social do universo político, ao afirmar
em título e texto a cidadania como sinônimo de solidariedade também religiosa, mística.
Considerações finais
Ao se consolidar como empresa capitalista, privada, focada na sobrevivência contábil-
administrativa, o jornal passa a priorizar os mecanismos e as metas econômicas e financeiras,
caso contrário pode naufragar em razão da competição mercadológica, da falta de adaptação às
tendências sociais e políticas, da ausência de renovação dos conteúdos, da incompetência
gerencial etc. Surge, nesse plano, uma situação paradoxal, até esquizofrênica. A quem prestar
serviço e informação? Aos interesses do cidadão que compõe o público ou aos interesses do
segmento que detém os recursos para investir em publicidade ou ao segmento governamental que
provê a receita das empresas jornalísticas com anúncios oficiais? A questão maior fica na dúvida
sobre quem mantém a empresa jornalística: a receita publicitária e governamental ou o leitor /
cliente? A quem dar prioridade numa perspectiva mercadológica? Se o leitor é cliente, deve ser
tratado como tal, como consumidor que demanda uma mercadoria para atender um determinado
fim utilitário. Ele deixa de ser cidadão, alguém que demanda informações para se orientar sobre
o processo político, sobre as demandas sociais, sobre os conflitos partidários, sobre as ações de
governo, sobre seu papel eleitoral, entre outros interesses. Um rico conflito enfrentado pelas
empresas jornalísticas é o de se definir como serviço voltado à cidadania ou organização
mercadológica voltada ao cliente / consumidor. Como referência deontológica, Karan (2004, p.
121) destaca a aprovação, em 1993, pela Assembléia Parlamentar do Conselho Europeu, na
21
França, do Código Europeu de Deontologia Jornalística, concebido para ser aplicado pelos
países da União Européia. O artigo 15 do Código estabelece:
... nem os editores ou proprietários nem os jornalistas devem
se considerar donos da informação. A informação não deve
ser tratada pela empresa informativa como mercadoria, mas
como direito fundamental dos cidadãos. Em conseqüência,
nem a qualidade das informações ou opiniões nem o sentido
delas devem ser mediados pelas exigências de aumentar o
número de leitores ou de audiência ou pelo aumento de
arrecadação em publicidade”.
A medida para fazer com que essa norma se realize foi a proposta no artigo 37, que
prevê a criação de organismos de autocontrole, compostos por editores, jornalistas e associação
de cidadãos usuários da comunicação, e representantes de instituições como universidades e até
magistrados.
O Código Europeu Deontológico reafirma os conceitos de bem público ou social da
informação tratada jornalisticamente, pois seu caráter público condiciona a função de serviço
prestado pela empresa jornalística. Isso porque, a informação noticiosa tem caráter social,
público, tecida pelas relações entre indivíduos e coletividades no espaço comum, sem o qual
seria impossível de ocorrer a informação destinada ás organizações jornalísticas. Estas, por sua
vez, dependem da credibilidade pública para quem presta serviço ao apurar, investigar, redigir e
publicação informações que trafegam ao encontro das demandas sociais e políticas. O Código
Europeu, de certo modo, é um documento normativo que prevê deveres a serem implementados
com base em valores definidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em especial o
artigo 19:
Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferências, ter opiniões e de procurar, receber e
transmitir informações e idéias por quaisquer meios,
independentemente de fronteiras.
Karam, porém, esclarece com um exemplo a contradição entre os termos normativos e
o pragmatismo da empresa midiática. Robert Hersant, conhecido como Robert, o Conquistador,
controlava trinta e três porcento da imprensa diária da França. Foi deputado da Assembléia
Parlamentar do Conselho Europeu e logo depois de adquirir um dos mais tradicionais jornais
franceses, Lê Figaro, na década de 1970, afirmou:
22
Considero que adquiri o Le Figaro para ganhar dinheiro,
não para outra coisa; se não houvesse jornalistas, os
editores seriam felizes. (Op. cit. p. 122)
A afirmação do empresário resume de maneira universal o objetivo maior da empresa
midiática que convive com contradições entre a sobrevivência lucrativa que a justifica como
arsenal capitalista e a responsabilidade cívica e crítica do jornalismo como meio pelo qual a
sociedade política pode conhecer a sim mesma.
As distorções semânticas ou a planejada conceituação ideológica da terminologia
empregada no noticiário compõe o cenário de reprodução da injusta estrutura social na qual o
preconceito contra a política e as iniciativas político-partidárias reafirma o discurso e o desprezo
do brasileiro pelas ações de governo, pelos partidos e pelo fenômeno eleitoral. A distância do
Estado em relação ao cidadão e ao excluído dos direitos de cidadania é encontrada no noticiário
que reitera esse abismo construído ao longo da história do País. O esvaziamento das palavras
cujo sentido se origina no universo político é o esvaziamento do próprio universo político, num
processo de ressignificações inconsistentes e mitológicas.
A RAC e o jornal Correio Popular experimentam, assim, a contradição inerente entre s
discurso propagandístico em favor da sobrevivência mercadológica e o compromisso político do
jornal com a sociedade, o público e o leitor cidadão. Ao considerar o cliente, em vez do leitor, a
RAC incorre num conflito semântico e valorativo típico das empresas capitalistas cujo produto
está comprometido com a satisfação do consumidor em detrimento da formação da opinião
pública a partir dos conflitos sociais característicos de uma sociedade que ainda não realizou a
democracia de fato, mas apenas a tem na norma jurídica.
Bibliografia ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus Editorial, 1995. BARROS Fº, Clóvis de. Ética na comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Moderna, 1995. BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 1985. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000. ________________. As ideologias e o poder em crise. Brasília: UNB/Polis, 1988.
23
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. KARAN, Francisco. Jornalismo e Interesse Público. MEYER, Philip. Periodismo de precision: nuevas fronteras para la investigación periodistica. Barcelona: Bosch / Casa Editorial, 1993. MARCONDES Fº, Ciro. Jornalismo fin-de-siècle. São Paulo: Scritta Editorial, 1993. PINSKY, Jaime & PINSKY, Bassanezi (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2003. PONTE, Cristina. Para entender as notícias – linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Insular, 2005. SOUSA, Jorge P. Teorias da notícia e do jornalismo. Chapecó: Argos, 2002. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo – porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005, v. I. WEBER, Max. Sociologia da imprensa: um programa de pesquisa, in Estudo em Jornalismo e Mídia, Revista Acadêmica, Universidade Federal de Santa Catarina, v. 2, nº 1, julho de 2005. 1 Habermas trata do conceito de público no primeiro capítulo da obra, ao observar a contraposição entre publicus e privatus durante a Idade Média. Se nesse período da história, a dominação feudal desconhecia “a antítese entre esfera pública e esfera privada, segundo o modelo clássico antigo (ou moderno)”, os conceitos de dominium (domínio privado) e imperium (autonomia pública, autoridade pública) já eram conhecidos desde os gregos e romanos. Mais tarde, na formação burguesa e do estado moderno, a distinção jurídica é encontrada nas diversas sociedades européias, as quais vão delimitar o bem público e o pertencente à esfera do particular. Este é dotado de privilégios, intocáveis, sob seu domínio. Enquanto que o bem comum se revelava nos atos da autoridade representante do público, do povo, da nação. E os jornais eram tidos como veículos para a divulgação ao público dos atos e decisões da autoridade governamental A esfera pública, portanto, se caracteriza pela sua gênese e dimensão política, centro de convergência e divergência dos interesses privados expostos na arena da negociação em que o agente representante, o governo, formula normas de superação e convivência entre as partes conflitantes. (HABERMAS, p. 36) 2 Ferdinand de Saussure é considerado pai da lingüística moderna. Falecido em 1913, deixou póstuma a obra referência Curso de Lingüística Geral, redigida e editada pelos ex-alunos do curso por ele ministrado em Genebra, Suíça. 3 Para melhor compreensão das mudanças ocorridas a partir da década de 1980, com a expansão do modelo neoliberal e dos mecanismos da globalização financeira regida pelas novas tecnologias, ver NAVES, Rubens, in PINSKY, J. & PINSKY, B (orgs.) História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. 4 Para uma leitura mais esclarecedora, ver COGGIOLA, Osvaldo, Autodeterminação nacional, in PINSKY & PINSKY, op. cit. 5 Para melhor compreensão dos fatores macro-econômicos, em especial em relação à carga tributária registrada no País, ver http://www.receita.fazenda.gov.br/Publico/EstudoTributario/cargafiscal/CTB2005.pdf. 6 Ver http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Carga_Fiscal/default.htm. 7 Para melhores informações, ver http://www.senado.gov.br/web/comissoes/cas/es/ES_ProgramasSociais1.pdf. 8 Bobbio se refere ao conceito weberiano de Estado como organização detentora, legítima, do monopólio da violência para empregar o poder coativo.
24
9 A afirmação não encontra conceituação. Ao longo do Manual de Redação, porém, é descrito um modelo de jornal típico das premissas liberais, ou neoliberais. Talvez a publicação de artigos de colaboradores na página 03 do Correio Popular apresente uma tentativa de difusão e reafirmação de um princípio pluralista, que se confunde com a essência do termo aplicado a todo o jornal. O conceito de pluralismo é antigo, segundo Bobbio, mas o termo é utilizado após a crise do socialismo soviético. “Que uma sociedade é tanto melhor governada quanto mais repartido for o poder e mais numerosos forem os centros de poder que controlam os órgãos do poder central é uma idéia que se encontra em toda a história do pensamento político”.No caso de uma empresa privada detentora legítima da propriedade sobre a produção e difusão noticiosa, a hierarquia administrativa fundada em uma estrutura de poder piramidal, vertical, é a negação da pluralidade. Não se deve desprezar a gênese política do termo pluralidade, mesmo quando aplicada a uma política editorial. Para melhor compreensão, ver BOBBIO, Noberto. As ideologias e o poder em crise. Brasília: UNB Polis, 1988. 10 Para melhor compreensão dos fatores de tensão nos processos de convivência plural, no qual as minorias disputam os direitos políticos, ver DEMANT, Peter, in PINSKY & PINSKY (op. cit. 2003) 11 O termo espelhar designa uma visão doutrinária predominante do jornalismo na segunda metade do século XIX, em particular nos EUA. A idéia de que o jornal é espelho da sociedade deriva da visão de neutralidade que o jornalista deveria possuir para apurar e divulgar as informações sobre o fato, como se este pudesse ser lido e publicado sem qualquer intervenção de subjetividade. 12 Um importante estudo sobre sensacionalismo e fait-divers pode ser encontrado em ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus Editorial, 1995. 13 Ver MEYER, Philip. Periodismo de precision: nuevas fronteras para la investigacion periodística. Barcelona: Bosch / Casa Editorial, 1993, em especial o primeiro capítulo. 14 O termo, de origem francesa, designa as notícias sobre crimes, roubos, escândalos. Segundo Ponte (2005, 142), “a origem histórica do fait-divers ajuda a perceber como é construído como objecto marginal. O século XIX, tempo de novos territórios, urbanidades e comunidades aparentemente desagregadas e encaradas como lugares privilegiados de perigo, é designado como época de ouro na imprensa. Roubos, crimes passionais, assassínios, violações, tomam lugar na primeira página muito superior à sua dimensão estatística.” No caso dos jornais da RAC, os fait-divers estão presentes cotidianamente, na forma de notícias que expõem o crime em especial praticado pelos personagens oriundos de classes sócio-econômicas de baixo poder aquisitivo. 15 Projeto Cidadão é uma proposta editorial de divulgar as ações positivas da sociedade, por iniciativa de organizações civis e religiosas, por voluntários que assumam responsabilidades solidárias e filantrópicas. Reportagens sobre essas ações e projetos são publicadas nas edições das quartas-feiras, no Correio Popular.