a causalidade natural em david hume
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Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura Plena em Filosofia no aluno Nilton Antunes Domingues – exigência parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Filosofia – submetido à Banca Examinadora da Universidade de Caxias do Sul. Brasil/ RS.2009;TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO
Caxias do Sul - Brasil/RS. 2009
MONOGRAFIA A CAUSALIDADE NATURAL EM DAVID HUME
Nilton Domingues
NILTON ANTUNES DOMINGUES
A CAUSALIDADE NATURAL EM DAVID HUME
Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura
Plena em Filosofia – exigência parcial para a
obtenção do grau de Licenciado em Filosofia –
submetido à Banca Examinadora da Universidade
de Caxias do Sul/ RS.
Orientador: Professora Ms. Jaqueline Stefani.
Caxias do Sul/RS. 2009
Aos meus mestres e colegas de curso.
"Que privilégio peculiar tem esta pequena agitação do cérebro que chamamos pensamento."
(David Hume)
RESUMO
O problema da causalidade surge a partir de observações feitas mediante a experiência,
quando é difícil definir se há conexão necessária ou apenas conjunções constantes entre causa
e efeito de eventos. O problema remete para a questão da inferência causal de juízos futuros a
partir de conhecimentos do passado. Segundo o filósofo David Hume (Escócia, 1711-1776), a
inferência causal parte de uma suposição de regularidade nos fenômenos naturais. Com
provar essa conjectura? Este tipo de raciocínio parece girar em um circulo, em dar por
admitido o determinismo natural. Qual o fundamento desta suposição criada pelo pensamento
humano. No âmbito da Teoria do conhecimento, esta monografia investiga a hipótese do
hábito como uma possível solução do problema. É o costume natural de associar ou relacionar
fatos do passado que cria a idéia de causalidade ou conexão necessária entre eventos. A
hipótese de Hume não pode ser comprovada experimentalmente, mas em analogias do
comportamento humano é possível encontrar evidências que justifiquem o princípio do hábito
associado à crença no conhecimento.
Palavras - chave: Causalidade. Hábito. Crença. Experiência. Indução. Hume.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 06
1 A FILOSOFIA DE DAVID HUME............................................................................................ 07
1.1 O Conhecimento no Tratado ........................................................................................... 11
1.2 O Conhecimento na Investigação ..................................................................................... 12
2 O PROBLEMA DA CAUSALIDADE ......................................................................................... 15
2.1 Fundamento de Causas e Fatos ....................................................................................... 18
2.2 Experiência e Indução ...................................................................................................... 20
2.3 A Conexão Necessária...................................................................................................... 23
3 PRINCÍPIOS DA NATUREZA HUMANA ................................................................................. 27
3.1 Sentimento e Crença ....................................................................................................... 29
3.2 Razão e Imaginação ......................................................................................................... 30
3.3 O Princípio do Hábito....................................................................................................... 31
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................... 36
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, de interesse da Teoria do Conhecimento, investiga o problema da
causalidade na filosofia de David Hume (1711- 1776). O objetivo é esclarecer o papel da
experiência sensível que supera a razão, dentro de uma visão empirista do conhecimento
humano. O autor propõe uma hipótese natural como o grande responsável pelos raciocínios
causais. A partir da experiência causal surge também o problema da indução: como provar
juízos futuros a partir de experiências do passado?
A justificativa deste estudo encontra-se em esclarecer o conhecimento causal e o
pensamento indutivo, muito utilizado no âmbito científico, mas que em última instância
fundamenta-se na filosofia da ciência (epistemologia). A filosofia de Hume parte da Teoria do
Conhecimento de John Locke (1621-1683), influenciado pelo projeto de descobrir os limites do
conhecimento humano. Hume propõe construir uma “Ciência do Homem”, tendo como
inspiração o método experimental de Isaac Newton. Este projeto ambicioso seria a primeira
tentativa de introduzir o método experimental em assuntos sociais, possibilitando a criação de
novas disciplinas científicas que tratam do comportamento humano.
Por meio de leitura bibliográfica, pretende-se encontrar interpretações e respostas ao
problema proposto. Para tanto, além de comentadores da obra de Hume, dois livros servem
de referência para este estudo: o Tratado da Natureza Humana (1740) e a Investigação sobre o
Entendimento Humano (1748). Esta base teórica representa momentos distintos na vida do
autor. Neste sentido, a segunda obra é a principal referência, pois se trata de uma revisão que
Hume promoveu , corrigindo erros cometidos no primeiro livro.
A partir do exposto, três passos são fundamentais para o presente estudo: (1) A divisão
conhecimento em “relações de idéias” e “questões de fato”; (2) Examinar a relação causa e
efeito como fundamento das questões de fato e a necessidade da experiência; (3) Explicar os
princípios do entendimento humano e descobrir a hipótese natural que fundamenta o
fenômeno causal, no entendimento do autor.
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1. A FILOSOFIA DE DAVID HUME.
“Sede um filósofo, mas, no meio de toda vossa filosofia, sede sempre um homem.”
David Hume.
David Hume 1 terminou de escrever O Tratado da Natureza Humana aos 25 anos de
idade. Os três volumes foram publicados em 1739, passando praticamente despercebidos pela
crítica. O jovem filósofo escocês, após longa pesquisa, depositava grandes esperanças no
sucesso de sua obra, que teria começado a escrever aos 15 anos, depois de abandonar o
college de Edimburgo. Durante dez anos Hume dedicou-se a estudar os clássicos da filosofia
(Cícero, Virgílio e Horácio) e os novos filósofos ingleses da época (Clarke e Bayle). No entanto,
após a publicação da primeira parte do livro, o jovem filósofo ficou profundamente
decepcionado com o resultado obtido: “já saiu da gráfica natimorto”, diz ele, no pequeno texto
autobiográfico My own Life (1776). Mas Hume estava seguro de que seu fracasso se devia
“mais à maneira que à matéria”, por isso, em resposta a indiferença e às poucas críticas que
haviam considerado a leitura do livro difícil, Hume lançou anonimamente uma sinopse do
Tratado (Abstract – 1740), onde comenta criticamente a sua própria obra. Em seguida,
decepcionado com a filosofia, abandonou os estudos, viajando pela Europa, participando,
inclusive, como secretário do General Saint- Clair, de uma missão militar contra a França,
tendo o título de marechal- de - campo. Somente em 1748 voltou a publicar, lançando a
Investigação Acerca do Entendimento Humano, resumindo e corrigindo os erros do Tratado,
concentrando-se mais na Teoria do Conhecimento do livro.
No inicio do século XVIII, as idéias do Iluminismo sobre Deus, a razão, a natureza e o
homem formavam uma nova visão que aos poucos tomava conta da Europa. Este movimento,
herdeiro do Renascimento e originado do racionalismo e do empirismo do século XVII,
fundava-se no uso da razão, vista como o atributo pelo qual o homem apreende o universo e
aperfeiçoa sua própria condição. A ciência, especialmente a filosofia natural, firmava-se com o
1 “David Hume (1711-1776, Edimburgo, na Escócia). Filósofo empirista e historiador, foi diplomata,
ocupou o posto da Embaixada britânica em Paris, a partir de 1763. Tornou-se amigo dos maiores
pensadores franceses da época – Iluministas e enciclopedistas – Rousseau, Diderot e D’Alembert. A obra
de Hume levou Bertrand Russell a declará-lo o maior filósofo da língua Inglesa, e é bem conhecida a
influência que exerceu sobre Adam Smith, e depois sobre Immanuel Kant, levando, inclusive, o filósofo
alemão a abandonar a metafísica racionalista e tornando possível a redação da Crítica da Razão Pura.
Influenciou os estudos sobre a teoria do conhecimento, sobretudo, dos positivistas, e também o
pensamento liberal clássico. Suas principais obras foram: A Treatise of Human Nature (1739-1740;
Tratado sobre a natureza humana); Investigações sobre o entendimento humano, 1748; Pesquisa sobre
os princípios da moral, 1751; A História da Inglaterra, 1754-1762” (HUME, 2001, p.5, em prefácio).
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método experimental. Os Iluministas produziram as primeiras teorias modernas sobre a
natureza humana, do ponto de vista científico.
O filósofo empirista inglês John Locke foi, certamente, o criador da Teoria do
Conhecimento. Em seu Ensaio acerca do entendimento humano -1689 - descreve as
circunstâncias desta nova disciplina, o autor diz que o Ensaio resultou das dificuldades de
resolver um problema filosófico, abordado ao acaso entre amigos; diante da dificuldade, Locke
sugeriu uma investigação sobre a extensão e o limite do entendimento humano.
O papel do Ensaio foi fundamental para uma visão crítica do conhecimento, pois rejeitou
a apriorismo cartesiano, afirmando que as idéias não são inatas. Assim, considerou que desde
o nascimento a mente humana vai formando sua experiência, formando o seu caráter
individual. Locke chegou, então, à conclusão de que, se o homem possui conhecimento, se sua
alma é “um papel impresso”, os conteúdos devem vir da experiência sensível e da reflexão. Em
si mesmo, esses elementos não constituem o conhecimento; seria, antes, processos que
suprem a mente com os materiais, que são “idéias”, expressão que adquire em Locke, o
sentido total de qualquer conteúdo do processo cognitivo. Incluem-se no significado de “idéia”
os “fantasmas” do conhecimento (dados imediatamente provenientes dos sentidos),
lembranças, imagens, noções e conceitos abstratos.
Foi a partir da Teoria do Conhecimento de John Locke (1621-1683) que David Hume
traçou um caminho próprio, desenvolvendo uma nova teoria do conhecimento humano, ao
estender o “princípio de cópia”, separando idéias simples das complexas, muito usado por
Locke, a todo o conhecimento. Percebeu a necessidade de corrigir alguns erros conceituais
deste filósofo, que apesar de ter refutado as ideias inatas, afirmava que todas as “percepções”
eram “idéias”, pensamento do qual Hume não concordava. Dizia Hume que “Pensar” e
“perceber” são coisas distintas, e Locke teria confundido os termos. Ele buscou, então, em
Berkeley a inspiração necessária, pois considerava a teoria deste filósofo mais completa: toda
a idéia simples é uma cópia de uma impressão simples e não temos idéia de substância
externa distinta das idéias de qualidade particulares. Hume criou um princípio semelhante:
todas as idéias derivam de impressões correspondentes. Este foi o argumento analítico que
permitiu uma devassa nos conceitos da metafísica clássica, iniciando pelo conceito de
causalidade e suas noções (conexão necessária, força, poder, substância, ação e criação).
No entanto, o processo de destruição da falsa metafísica, como dizia Hume, tem um
limite, representando um período cético do autor, e era necessário reconstruir o
conhecimento visando à construção da “Ciência do Homem”, o maior objetivo do filósofo. A
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fase construtiva começa com o estabelecimento do segundo princípio do conhecimento: as
idéias são representações da memória e da imaginação e resultam das impressões como
cópias modificadas. A noção de “cópia” continua, mas agora o sistema associa ideias e não
somente copia, a partir dos conceitos de semelhança, contigüidade espacial e temporal e por
causalidade. O conhecimento tem na imaginação, e não mais na razão, uma nova fonte, uma
faculdade natural da mente humana, com poderes de separar, selecionar e conectar as idéias
às impressões, uma forma sintética de constituição do conhecimento.
A intenção de Hume era reduzir o poder absoluto da razão e ampliar o espaço do
conhecimento, privilegiando outras faculdades do entendimento humano. Hume não se
considera o inventor da teoria associativa, mas o inventor de uma nova forma de usá-la. A
forma de constituição do conhecimento, assim, busca um equilíbrio de forças, entre princípios
mais fortes e mais fracos, combinados por forças atrativas na teoria da associação de idéias,
inspiração que veio da lei gravitacional dos corpos de Isaac Newton. As ideias simples se
introduzem naturalmente e as idéias complexas dependem de princípios lógicos, dentre eles, o
mais forte é o princípio da causalidade. Da mesma forma, as impressões simples e complexas
combinam-se ou associam-se. A mente humana tem uma capacidade instintiva de criar, para
Hume ela não é passiva, uma folha em branco, com era para Locke, ela cria e transforma o
conhecimento, e a imaginação tem o poder de ultrapassar a realidade e a experiência.
As teorias de Locke (empirismo) e Berkeley (idealismo) e o método experimental
newtoniano foram a base do projeto de Hume, que acrescentou ao título do seu primeiro livro
o subtítulo: "uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocinar nos assuntos
morais", indicando com isso a intenção de construir uma “ciência do Homem” em torno das
seguintes questões: descobrir o porquê da rejeição da metafísica como ciência; a relação da
ciência com a natureza humana e descobrir um fundamento sólido para a experiência e a
observação. Sem dúvida que o projeto era ambicioso, Hume pretendia fazer ciência a partir dos
objetos do espírito, e ser considerado o Newton das ciências sociais. Se ele não conclui o
projeto, pelo menos mostrou que era possível estudar as ciências humanas com controle
científico, eliminando uma série de mitos e superstições do conhecimento espiritual. Foi o
primeiro a escrever uma antropologia religiosa, mostrando que a religião também poderia ser
uma ciência.
Quanto à metafísica, Hume pretendia, inicialmente, descobrir qual o motivo do
desprezo generalizado por essa ciência: “Não é necessário uma conhecimento profundo para
descobrir quão imperfeita é nossa atual condição de ciência [...] os doutos ignoram as
questões que podem enfrentar o tribunal da razão humana” (HUME, 2001, p.19, introdução).
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A revalorização da metafísica dependia de uma reaproximação com a razão e das outras
ciências, mesmo a matemática, a filosofia da natureza e a religião natural dependiam de uma
ciência do homem. Para Hume, chegava o momento de descobrir se a ciência do homem não
admitia a mesma precisão da filosofia da natureza. O recurso ao método experimental era uma
alternativa para descobrir o funcionamento da mente e sua relação com os corpos externos:
“Se, ao examinar diversos fenômenos, descobrirmos que eles se reduzem a um princípio
comum, e formos capazes de remeter este princípio a outro, chegaremos finalmente àqueles
poucos princípios simples de que todo o resto depende. E, mesmo que jamais possamos
chegar aos princípios últimos, já é uma satisfação ir até onde nossas faculdades nos permitem
ir” (HUME, 1988, p, 2).
Havia, porém, uma dificuldade para a constituição da Ciência do Homem, ou ciência
moral como era conhecida na época. Esta não admitia fazer experimentação (em laboratório) a
exemplo da filosofia natural. Como fazer experiência premeditada e controlada do
comportamento humano? Os princípios que regulam a natureza podem mudar sob
observação, o comportamento humano, subjetivo, pode ser alterado por vários fatores de
investigação; assim, as observações não seriam seguras. Como construir uma ciência nestas
condições? Esse era o primeiro problema a ser enfrentado. Segundo Hume, este problema
podia ser remediado pela observação cuidadosa da vida humana, recolhendo exemplos e
experimentos “tais como aparecem no curso do mundo, pelo comportamento dos homens em
companhia, nos negócios nos seus prazeres. Onde experimentos dessa espécie são
judiciosamente coletados e comparados, podemos esperar estabelecer sobre eles uma ciência,
que não será inferior em certeza, e será muito superior em utilidade a qualquer outra
compreensão humana [...], portanto, esse tratado da natureza humana parece planejado como
um sistema de ciências” (HUME, 2001, p. xix).
1.1 O Conhecimento no Tratado
No Tratado da Natureza Humana, todo conhecimento humano foi dividido em
“certeza” e “probabilidade” 2. A certeza seria atingida por meio de “relações filosóficas” que
dependem das ideias necessárias, intuídas ou demonstradas a priori. A probabilidade é uma
2 “A divisão do conhecimento em dois campos distintos de Hume inspira-se na divisão analítico/sintético
de Leibniz. No entanto, tal divisão já havia sido antecipada por Malebranche. Para este, toda verdade
consiste em uma relação, havendo três tipos de relações: entre idéias inteligíveis (na mente de Deus),
entre ideias e seres criados e entre os seres criados. As primeiras são eternas (necessárias) e as segundas
contingentes. Começa, assim, uma ruptura entre relações de idéias e relações que envolvem a existência.
Para Hume as relações necessárias e imutáveis reduzem-se às matemáticas e as demais são contingentes.”
(Smith, 1985, p.77).
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relação natural, um conhecimento contingente3 da realidade. Nesta relação, o conhecimento
é atingido a posteriori e depende da observação dos fatos, das experiências naturais
(sensação, reflexão, percepção e raciocínio) ou dos princípios naturais de funcionamento da
mente em contato com os objetos da realidade. Esse tipo de conhecimento é atingido por
meio de “associações de ideias”. Hume enumerou sete tipos de relações filosóficas, divididas
em dois grupos. O primeiro grupo é composto pelas relações que dependem unicamente das
relações das idéias entre si por comparação: (1) semelhança, (2) proporção em quantidade ou
número, (3) graus em qualquer qualidade e (4) contrariedade. Em matemática, por exemplo, é
partindo da idéia de um objeto que se descobre a relação de igualdade que existe entre seus
elementos; e essa relação fica invariável enquanto a idéia permanecer a mesma. Somente
essas relações podem ser objetos de certeza, elas são os fundamentos das ciências. Das quatro
relações, três podem ser descobertas à primeira vista (por intuição), a saber: semelhança,
graus em qualquer qualidade e contrariedade. No segundo grupo estão as relações que podem
ser mudadas sem que haja nenhuma mudança nas ideias: (5) identidade, (6) relações de
tempo e lugar e (7) causação. Sobre esta divisão Hume afirma que:
As relações de contigüidade e distância entre dois objetos podem se
alterar por uma mera alteração de seus lugares, sem nenhuma
mudança nos próprios objetos ou em suas idéias; e o lugar depende de
centenas de acidentes diferentes, que não podem ser previstos pela
mente. O mesmo não se passa com a identidade e a causalidade. Dois
objetos, ainda que semelhantes em absoluto, e ainda que apareçam no
mesmo lugar em tempos diferentes, pode ser numericamente
diferentes. E como a força pela qual um objeto produz o outro jamais
pode ser descoberta apenas por meio de suas ideias, é evidente que só
podemos conhecer a relação de causa e efeito pela experiência, e não
por algum raciocínio ou reflexão abstratos (HUME, 2001, p. 97).
Hume usa as noções de “identidade e semelhança” com o mesmo significado para se referir a
um fenômeno que salta aos olhos, ou à mente, e quase nunca requer um exame mais
aprofundado. O mesmo se dá com a “contrariedade” e com os graus de uma qualidade e em
todos os demais casos sugere que se estabeleçam as proporções com alguma liberdade, ou de
3 “Boécio, a quem se deve a determinação de boa parte da terminologia filosófica latina, já observava
que possibile e contingens significam a mesma coisa, salvo talvez pelo fato de não existir o negativo de
contingens, que deveria ser incontingens, assim como existe o negativo de possibile, que é impossibile,
[...] Leibniz dizia que as verdades contingentes se distinguem das verdades necessárias” (ABBAGNANO,
1999, p.200).
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maneira mais artificial. Todos os raciocínios consistem apenas em uma “comparação” e em
uma descoberta das relações, constantes ou inconstantes, entre dois ou mais objetos. No
entanto, não devemos considerar como raciocínio a “identidade” e as relações de “tempo e
espaço”. Em nenhuma delas, a mente é capaz de ir além do que está imediatamente presente
aos sentidos para descobrir seja a existência real, sejam as relações dos objetos. Apenas a
“causalidade” produz uma conexão capaz de proporcionar uma convicção sobre a existência
ou ação de um objeto que foi seguido ou precedido por outra existência ou ação. O que
ultrapassa as impressões dos sentidos só pode estar fundado na relação de causa e efeito.
1.1 O Conhecimento na Investigação
Na obra Investigações sobre o Entendimento Humano, dez anos depois do Tratado, Hume
mantém a divisão do conhecimento em dois campos distintos, com a mesma doutrina, mas
não se refere mais a probabilidade e certeza como divisão geral, agora chamará de questões
de fato4 e relações de ideias. Todos os objetos da razão ou investigação humana estão nestes
dois campos. A relação de idéias pertence às ciências numéricas, as ciências da geometria, da
álgebra e da aritmética. Por exemplo:
Que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos dois
lados, é uma proposição que exprime uma relação entre estas
figuras. Que três vezes cinco é igual à metade de trinta exprime uma
relação entre estes números. As proposições deste gênero podem
descobrir-se pela simples operação do pensamento e não dependem
de algo existente em alguma parte do universo. Embora nunca tenha
havido na natureza um círculo ou um triângulo, essas verdades são
demonstradas com certeza e evidência intuitiva (HUME, 2004, p. 47).
O conhecimento lógico ou matemático tem a virtude de atingir intuitiva ou
demonstrativamente a certeza, o que significa uma vantagem extraordinária em relação aos
outros tipos de conhecimento. Já as proposições sobre as “questões de fato” (mundo
4 “A análises dessa noção começou no séc. XVII, quando, com a distinção entre verdade de razão e
verdade de fatos [...] O primeiro a fazer essa distinção foi Hobbes: Há duas espécies de conhecimento,
das quais uma é o conhecimento de ‘fato’ e outra é o conhecimento da conseqüência de uma afirmação
relativamente à outra. Tanto Leibniz quanto Hume concordam em julgar que o fundamento da verdade
de Fatos é o princípio da causalidade. Dessa análise resulta, portanto que o fato é: a) uma realidade
contingente, atingida ou testemunhada pela experiência; b) uma realidade fundada em certa conexão
causal. Uma noção de fato assim configurada é a que hoje se chamaria de noção de acontecimento, ou
seja, de realidade contingente que pertence à ordem da natureza. Essa última qualificação é a que se
expressa quando se julga que a verdade de Fato baseia-se no princípio causal” (ABBAGNANO, 1999,
p.430).
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empírico) não tem a mesma certeza intuitiva ou demonstrativa, sendo, pois, conhecidas
apenas por observação (experiência). Os fatos da realidade não têm um conhecimento
absoluto, nunca é possível esgotar toda a sua realidade necessária, e sua negação sempre é
possível conceber, sem qualquer perigo de contradição. 5
Diz Hume que a história da humanidade, por exemplo, é uma questão de fatos; ela
expressa os fatos que aconteceram no mundo até hoje; mas o mundo poderia ser diferente, e
isso não seria nenhuma contradição, portanto, a proposição histórica é assim, mas poderia ser
diferente. O contrário de um fato natural sempre é possível, pois, além de jamais implicar
contradição, o espírito humano pode o conceber com a mesma facilidade e distinção com que
concebe o seu atual acordo da realidade com a natureza.
A proposição: “Que o sol não nascerá amanhã” é tão inteligível e não implica mais
contradição do que a afirmação de que ele nascerá. “Podemos em vão, todavia, tentar
demonstrar sua falsidade. Se ela fosse demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição e
o espírito nunca poderia concebê-la distintamente” (HUME, 2004, p. 48). Esta não é uma
proposição necessária, mas sim contingente, e neste caso, é possível sua negação, sem
implicar com isso qualquer contradição. Somente a realização da experiência poderá decidir a
questão. Não podemos recorrer ao método demonstrativo, pois apenas a experiência é que
possui jurisdição na esfera das “relações de fatos”. 6
O caminho que Hume pretende seguir nesta segunda divisão do conhecimento, revisão
do Tratado, é inspirado claramente, em Leibniz, diz ele no Abstract: “o célebre Monsieur
Leibniz observou, como um defeito comum dos sistemas de lógica, que eles são prolixos
quando explicam as operações do entendimento formando demonstrações, mas são bastante
concisos quando tratam das probabilidades e das outras medidas de evidência das qual a vida
e a ação dependem inteiramente” (HUME, 2004, p. 7- 8).
5 “Aristóteles define-a como oposição que, por si só, exclui o caminho do meio. Em analíticos, I, 2, 72, define-a como relação entre proposição universal negativa e particular afirmativa, universal afirmativa e
particular negativa. Esses são os pares (AO, EI). Tendo nascido como princípio ontológico, passou para o
campo da lógica no século XVIII, graças a Leibniz que o considerou exclusivamente fundamentos das
verdades da razão, enquanto dizia que as “verdades de fato” baseavam-se no princípio de „razão
suficiente‟ “(ABBAGNANO, 1999, p.204).
6 “O núcleo do problema nas proposições „o sol nascerá‟ ou „não nascerá‟, não diz respeito às dúvidas de Hume quanto ao aparecimento do sol, mas apenas consiste na indicação de um tipo de certeza diferente
da certeza absoluta. Trata-se, portanto, da caracterização da crença, que reina na esfera da opinião, e, de
acordo com Hume, que aqui diverge de Locke (veja-se N. K. Smith, ob. cit., pp. 63-70), é estendida a
todas as “questões de fato e de existência”. É assim que Hume estabelece uma categórica dicotomia entre
o conhecimento e a crença” (HUME 2004, p.48).
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2. O PROBLEMA DA CAUSALIDADE.
“Não há nada mais livre do que a imaginação humana.”
(David Hume)
Thomas Reid (1710-1776), filósofo escocês, contemporâneo de David Hume, fundador
da Escola Escocesa do Senso Comum, foi um dos mais ferrenhos críticos de Hume, acusava o
autor de utilizar-se indevidamente do “princípio de Cópia”, criado por John Locke, e desta
forma negar a idéia de poder (Power) da causalidade, destruindo os fundamentos da ciência
metafísica. Immanuel Kant saiu em defesa do filósofo escocês, afirmando que as críticas de
Reid não se justificavam, pois Hume não pretendia rejeitar o conceito de causalidade, mas
apenas examinar seus fundamentos que se mostravam obscuros:
Não pode ver-se, sem sentir certa pena, como os seus adversários
[...] passaram inteiramente por alto o ponto do problema. Desde os
ensaios de Locke e de Leibniz, ou antes, desde a origem da metafísica,
tanto quanto alcança a sua história, nenhuma ocorrência teve lugar
que pudesse ser mais decisiva, a respeito do destino desta ciência
(metafísica), do que o ataque que David Hume lhe fez (KANT, 1988,
p.10).
Segundo Kant, Hume considerou a causalidade um “filho ilegítimo da razão”, um bastardo da
imaginação, fecundado sem a experiência, que satisfazia o desejo de poder da razão sobre
todas as coisas. Ele provou, afirma Kant, que é impossível à razão pensar o a priori a partir dos
conceitos de tal relação. O filósofo Alemão, após ler Hume, confessou ter sido acordado de um
profundo sono dogmático: “Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há
muitos anos, interrompeu o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da
filosofia especulativa uma orientação inteiramente diversa” (KANT, 1988, p.14) 7. A metafísica
estava equivocada ao considerar causa e efeito uma relação necessária independente da
experiência, sem qualquer impressão corresponde na realidade. A relação não se submete
aos princípios racionais a priori, pois carrega consigo, na sua essência, a natureza de uma
necessidade absoluta, de um mundo perfeito:
Hume partiu essencialmente de um único, mas importante conceito
de metafísica, a saber, a conexão de causa e efeito (portanto,
7No Prolegômenos, Kant afirma que Hume não era contrário à metafísica, pois dava também este nome
a sua filosofia e atribuía-lhe um grande valor: A metafísica e a moral, diz ele, são os ramos mais
importantes da ciência (Kant, 1988 p.14).
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também os seus conceitos consecutivos de força e ação, etc.), e
intimou a razão, que pretende tê-lo gerado no seu seio, a explicar-lhe
com que direito ela pensa que uma coisa pode ser de tal modo
constituída que, uma vez posta, se segue necessariamente que uma
outra também deva ser posta, é o que diz o conceito de causa (KANT,
1988, p14).
A questão levantada por Hume colocava em dúvida a pretensão de cientificidade da
metafísica, uma filosofia primeira desde os tempos de Platão e Aristóteles. "Perguntar se uma
ciência é possível supõe que se duvida da realidade da mesma”, afirma Kant, que resume o
problema:
Hume demonstrou de maneira irrefutável ser totalmente impossível
à razão pensar esta conexão (causa e efeito) a priori e a partir de
conceitos, pois ela encerra a necessidade; não é, pois, possível
conceber que, pelo fato de uma coisa ser outra coisa deva ser
necessariamente e como seja possível introduzir a priori o conceito
de tal conexão. A partir daí concluiu que a razão não tem a faculdade
de pensar em tais conexões. (KANT, 1988, p. 14)
No entanto, apesar de concordar com a realidade do problema, Kant afirma que, por mais
apressadas e inexatas que sejam estas conclusões de Hume, elas fundam-se na investigação, e
esta merecia uma resposta mais séria dos filósofos. Chegava o momento de analisar os
fundamentos da metafísica, investigar sua autoridade como ciência. O projeto Kantiano,
posteriormente realizado, se esforçou em compreender o conhecimento da natureza humana,
e a possibilidade da existência de uma razão pura que fundamentasse as relações de causa e
efeito, independente da experiência.
Segundo Anoar Aiex (1972, introdução, XVII) há várias interpretações 8“ errôneas da
filosofia de Hume e isto, em verdade é o que ensinam certos manuais de filosofia, quando
afirmam que Hume se limitou a uma “redução ao absurdo” da Teoria da causalidade. O autor
teria corroído as teorias precedentes (Descartes, Locke e Berkeley). Informam estes
“compêndios” que Locke iniciou a “via das ideias” traduzindo Descartes para o empirismo, mas
não encontrando fundamento para a noção de “substância”, interpretou a causalidade física
8 “Entre as raízes desses erros pode ser apontado o próprio discurso de Hume. As dificuldades que se
deve a linguagem empregada pelo filósofo. Por exemplo, Selby-Bigge diz “isso torna fácil encontrar
todas as filosofias em Hume, ou, ao opôr um enunciado contra o outro, nenhuma” (SMITH, 1995, p. 14).
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como um esforço mental, deixando a prova do mundo externo sem solução. Berkeley, em
seguida, teria negado a “substância material” e conseqüentemente também a causalidade
material. Hume teria completado o processo ao negar a causalidade espiritual e, por
conseguinte toda noção possível deste conceito, sobrando, apenas, uma seqüência de
experiências psicológicas, transitórias que, embora ricas, nada significam.
O segundo princípio que Hume estabeleceu, geralmente omitido por alguns intérpretes,
diz o seguinte: A imaginação tem a liberdade de transpor e mudar ideias. A interpretação dos
“compêndios” seria satisfatória e completa se este princípio fosse mais bem explicado. O
segundo momento metodológico de Hume é o mais importante de todos. O estabelecimento
do “segundo princípio” é o que permitiu a Hume iniciar a ciência da “Natureza Humana”, o
projeto que previa uma grande reforma da ciência moral, baseado nas mais recentes
conquistas da Filosofia Natural. O “princípio de Cópia” foi um método radical9 de
investigação, dirigido, especialmente, contra a metafísica dogmática. Este foi o primeiro
procedimento metodológico empregado por Hume na tentativa de construir uma “Ciência da
Natureza Humana”.
O princípio estabelece que todas as idéias derivam mediata ou imediatamente de
impressões correspondentes. As idéias e as impressões são separadas em simples e
complexas. A formulação desta teoria decorre da separação do conceito de “percepção” 10 em
“impressões” e “ideias”, que são explicadas pelas relações estabelecidas entre si. Para Hume, o
espírito humano organiza as percepções obedecendo a certa ordem natural: primeiro surgem
às impressões e depois as ideas. A primeira impressão impressiona as ideias (ou atrai) por
meio do grau de força e vivacidade. Esse fenômeno diz respeito apenas às percepções simples,
sendo que nas percepções complexas o processo é diferente. As impressões simples não
suportam qualquer divisão ou separação, diferentes das complexas que podem ser divididas
em várias partes. A rigorosa correspondência entre impressões e idéias foi assim estabelecida
Hume: “Portanto, quando suspeitamos que um termo filosófico esteja sendo empregado sem
nenhum significado ou idéia – o que é muito freqüente – devemos apenas perguntar: de que
impressão é derivada aquela suposta idéia? (HUME, 2004, p. 23).
9 “Na linha tradicional que interpreta Hume como um cético, está, entre outros: Red, Kant, Popkin,
Fogelin, Michaud e Olaso. Esta corrente pensa que Hume negou a objetividade da causalidade, do mundo
e do sujeito. A outra corrente, a mais recente, interpreta Hume como um filósofo naturalista cuja
contribuição é ressaltar o papel dos instintos e crenças naturais. Nesta corrente, entre outros, citamos:
Kemp-Smith, Barry Stroud, N. Capaldi e J. P. Monteiro” (SMITH, 1995, p. 13). 10 “O termo percepções é utilizado por Hume (2004, p.35) para designar a totalidade fenômenos mentais
e das operações da vontade. Elas constituem todos os materiais do pensamento, diferenciando-se de
Locke”.
17
Esse método também ficou conhecido como o “método do desafio”, que será empregado
para negar a realidade objetiva do conceito de causalidade, tão defendido pela metafísica
clássica. O objetivo de Hume fica claro, ele quer esclarecer ou eliminar, em um primeiro
momento, do conceito causal, todas as idéias ambíguas obscuras (força, poder, conexão
necessidade e substância). O esclarecimento da idéia de causalidade, por meio do método do
desafio, foi sem dúvida uma atitude radical que tomou Hume. Afirma ele que todo efeito é um
evento distinto da causa, tornando-se impossível localizar em qualquer impressão a ideia de
causalidade.
2.1 Fundamentos de Causa e Fatos
Ao examinar os fatos da realidade, Hume afirma que a relação causal está na base de
todos os raciocínios relativos à existência ou inexistência de coisas, algumas jamais estiveram
presentes aos nossos órgãos dos sentidos “todos os raciocínios que se referem aos fatos
parecem fundar-se na relação de causa e efeito. Apenas por meio desta relação ultrapassamos
os dados de nossa memória e de nossos sentidos” (HUME, 2004, p.49).
Essa relação é um dos meios de que a natureza humana dispõe para estender o
conhecimento de fatos para além dos dados da sensação e da memória. Permitindo a
inferência da causa para o efeito, apenas em direção ao futuro, mas não em direção ao
passado: “Se tivésseis que perguntar a alguém por que acredita na realidade de um fato que
não constata efetivamente, por exemplo, que seu amigo está no campo ou na França, ele vos
daria uma razão, e esta razão seria um outro fato” (HUME, 2004 p.49). Todos os raciocínios
sobre os fatos que não presenciados são da mesma natureza, causa e efeito. Por hipótese
acredita-se que há uma conexão entre o fato observado e aquele inferido dele. Mas, se assim
não fosse, nada poderia ser inferido das coisas existentes no mundo. Essa relação se acha
próxima ou distante, por exemplo, o calor é efeito do fogo.
Os fundamentos de causa e efeitos dizem respeito à natureza do que é possível conferir
em observações empíricas, ou como é possível conferir mais segurança acerca dos fatos
observados na experiência. Como chegamos ao conhecimento de causa e efeito? A resposta
de Hume nega a capacidade da razão nos raciocínios de causalidade, estabelecendo a seguinte
proposição:
Ousarei afirmar, como proposição geral, que não admite exceção,
que o conhecimento desta relação não se obtém, em nenhum caso,
por raciocínios a priori, porém nasce inteiramente da experiência
quando vemos que quaisquer objetos particulares estão
constantemente conjuntados entre si. A proposição que estabelece
18
que as causas e os efeitos não sejam descobertos pela razão, mas
pela experiência, será prontamente admitida em relação àqueles
objetos de que nos recordamos e que certa vez nos foram
completamente desconhecidos, porquanto devemos ter consciência
de nossa absoluta incapacidade de predizer o que surgiria (HUME,
2004, p.50).
A proposição coloca toda a autoridade na “experiência”, é somente por meio dela que o
conhecimento de causalidade se revela. Este deve ser um critério de verdade que exige a
aplicação do princípio de que “os efeitos são semelhantes às causas”, ou seja, não pode haver
extrapolação no raciocínio causal. O recurso à experiência é necessário não apenas no caso de
objetos que não são familiares, mas principalmente naqueles de estrutura complexas. O
estabelecimento da proposição geral da causalidade exige a observação do elo causal entre
causa e efeito em todos os casos, mesmo naqueles que aparentam envolver qualidades
simples e objetos desprovidos de qualquer outra estrutura oculta.
Hume considera que a determinação “a priori” dos efeitos de algum objeto não pode
realizar-se independente da experiência. Consiste na seleção, pela imaginação, dos eventos
que são vividamente recordados; causas e efeitos são logicamente independentes, eventos
distintos, são dois aspectos interdependentes de um único evento e só podem ser
relacionados “a posteriori”.
Quando vejo, por exemplo, que uma bola de bilhar desliza em linha
reta na direção de outra, mesmo se suponho que o movimento na
segunda me seja acidentalmente sugerido como o resultado de seu
contato ou impulso, não posso conceber que cem diferentes eventos
poderiam igualmente resultar desta causa? Não podem ambas as
bolas permanecer em absoluto repouso? Não pode a primeira bola
voltar em linha reta ou ricochetear na segunda em qualquer linha ou
direção? Todas estas suposições são compatíveis e concebíveis. Por
que, então, deveríamos dar preferência a uma que não é mais
compatível ou concebível que o resto? (HUME, 2004, p. 51)
Portanto sem o auxilio da experiência, só se pode inventar, o mesmo vale para a suposta
conexão entre a causa e o efeito. Mesmo quando a invenção do efeito é correta – pode
ocorrer por acaso - nada impede que a imaginação invente também os resultados. Hume
propõe como reflexão ao filósofo que ele seja mais modesto quanto às pretensões de
conhecer as causas últimas da natureza. O máximo que a razão humana pode descobrir são
19
alguns princípios de ação dos corpos a algumas causas mais simples e gerais da natureza, e isso
deve satisfazer a ambição humana. Portanto, a ligação entre causa e efeito não é de natureza
necessária, sua natureza é contingente e depende da experimentação dos fatos.
2.2 Experiência e Indução
Como são produzidas as idéias de causa e efeito por meio da experiência? É a razão que
determina a mente a fazer a inferência ou algum outro mecanismo da natureza humana? No
subcapítulo precedente foi afirmado que o raciocínio acerca das questões de fato funda-se na
relação de causa e efeito e que o fundamento desta relação encontra-se na experiência. Mas
qual seria, então, o fundamento de todos os dados que surgem a partir experimentação?
Parece que mesmo depois de feita toda a experiência, as conclusões inferidas não se
fundam em qualquer processo do entendimento. Este é o ponto central que se refere ao
problema da inferência causal, “mas apesar desta ignorância dos poderes e princípios naturais,
sempre supomos, quando vemos qualidades sensíveis idênticas, que elas têm idênticos
poderes secretos, e esperamos que delas se sigam efeitos semelhantes àqueles de que
tivemos experiência. Mas por que deveria esta experiência ser levada a abranger tempos
futuros, e outros objetos que, tanto quanto sabemos, lhes podem ser similares apenas em
aparência?” (HUME , 2004, p.47).
O que leva o pensamento a transcender a experiência passada e projetar os resultados e
suas expectativas para o futuro? É certo que a observação oferece informação direta, mas é
apenas acerca dos objetos que lhe foi dado conhecerem, e apenas durante aquele preciso
período de tempo, e naquela circunstância. Por que, então, de eventos similares são esperados
efeitos similares?
Este é o problema que a partir de David Hume ficou conhecido como “o problema da
indução” – embora o autor jamais se refira especificamente ao termo “indução” em nenhum
de seus textos, no entanto, o termo foi atribuído ao autor por intérpretes. O estudo feito
neste trabalho não encontrou nenhuma citação ao termo “indução em geral”, aquela que é
feita por enumeração de todos os objetos e conclui por um resultado universal, mas, apenas,
foi encontradas referências a “inferência causal”, que é um tipo especial de inferência, restrita
a esse tipo de conhecimento. O que seria, então, o problema da inferência causal, diferente da
indução geral?
A “inferência causal” não se baseia em uma demonstração, tipo matemática, por
exemplo, pelo simples fato (provável) de podermos perfeitamente conceber uma alteração no
20
curso da Natureza. Quanto aos raciocínios prováveis, estes envolvem sempre alguma coisa
presente à mente, vista ou recordada, a partir da qual inferimos algo a ela conectado, que não
é visto ou rememorado. Portanto, por hipótese sempre é possível conceber algo diferente
daquilo que foi conhecido no passado. Assim, embora a causação seja uma relação filosófica,
que implica contigüidade, sucessão e conjunção constante, é apenas enquanto relação natural,
que produz a união entre idéias, que é possível raciocinar sobre ela, ou extrair dela alguma
inferência.
Segundo Hume, o problema da inferência causal está em descobrir como o
entendimento humano, a partir de experiências singulares (uma vez que é possível fazer-se
inferências a partir de um único caso, desde que com critério) sejam repetidas e projetadas às
causas e efeitos passados para o futuro, esperando que quando ocorrerem eventos similares
as suas causas e os seus efeitos sejam idênticos se as experiências passadas fornecendo
informação concreta. Como é que os homens têm a capacidade de esperar do futuro o mesmo
que aconteceu no passado, e ainda, sem quaisquer evidências concretas de que será igual?
O exemplo do fogo é um fato desta natureza: alguém aproxima a mão de uma chama
acesa num fogão e queima-se, naturalmente essa pessoa ficará com a crença de que, no
futuro, sempre que ela se aproximar de uma chama acesa num fogão voltará a se queimar.
Este é um exemplo típico de inferência causal, que depende da eliminação das circunstâncias
estranhas, por apenas uma regra: que objetos similares, colocados em circunstâncias similares,
produzirão sempre efeitos similares. A circunstância principal está na memória avivada que
desperta a lembrança da experiência passada, mostrando a freqüência dos objetos de uma
certa espécie que aparecem em contigüidade, sucessão ou conjunção.
O interesse desta monografia pela hipótese do hábito talvez possa ser esclarecida por
Monteiro (2005), que defende uma tese isolada entre os comentadores de Hume, atribuindo
um papel apenas lógico e não psicológico aos raciocínios causais.
Para Monteiro (2005, p.111), há três problemas centrais na filosofia de Hume. O primeiro
é o do papel da associação de idéias: no Tratado há dois conceitos distintos dessa associação,
falha corrigida na primeira Investigação, em que é eliminado o conceito de “associação
costumeira” e não se atribui à associação qualquer papel na formação de inferências causais.
O segundo diz respeito ao verdadeiro papel da indução. A filosofia humeana trata da
descoberta dos poderes causais dos objetos, sem nunca se ocupar de generalizações acerca de
qualidades sensíveis. Hume descobriu o problema da “indução causal”, mas apenas como
conseqüência de sua análise da inferência causal. O último de nossos problemas é o do exato
21
conceito humeano daquele instinto que ele chama de “costume ou hábito”. O princípio de
Hume mostra ser apenas uma sensibilidade à repetição de conjunções, sendo relevante
apenas o elemento “repetição”, sem haver qualquer influência significativa da passagem do
tempo, o que impede a interpretação desse princípio como “habituação” ou algo equivalente.
Ainda, segundo Monteiro (2005, p.117), torna-se assim inaceitável que Bertrand
Russell, por exemplo, acrescente à sua correta análise da teoria de Hume, discutindo as
relações entre causas e efeitos, a afirmação de que uma das doutrinas de Hume é que “a
indução por enumeração simples não é uma forma válida de argumento” e também admitir
que essas doutrinas levam-nos à conclusão de que “a rejeição da indução torna irracionais
todas as nossas expectativas de futuro”. Hume nunca discutiu a indução enquanto tal, mas
apenas a inferência causal e a crença causal.
O conjunto de todas as inferências causais pode ser concebido como
um círculo mais restrito no interior do círculo mais amplo formado
pelo conjunto de todas as inferências indutivas e talvez possamos
dizer que. Hume, ao descobrir que as inferências causais não podem
ser derivadas da razão, ao contrário das conclusões dedutivas (como,
por exemplo, que a soma dos ângulos internos de um triângulo
perfaz 180 graus), também levantou o véu do problema escondido de
que a indução em geral também não pode ser derivada da razão.
(MONTEIRO, 2005 p. 117).
Portanto, é possível concluir que para Hume há uma certa pré-disposição da mente para a
conjunção constante na experiência, resultado de outras observações, memorizadas no
pensamento.
2.3 A Conexão Necessária
A conexão necessária é uma questão fundamental para o entendimento da inferência
de causalidade, 11 sem a qual não pode ocorrer qualquer relação de causa e efeito. A questão
é a seguinte: Como ocorrem os raciocínios que vão além de impressões imediatas? No
Tratado da Natureza Humana, Hume havia concluído que causas particulares têm efeitos
particulares, no entanto, ele parece insatisfeito com a conclusão obtida naquela obra,
“devemos retornar sobre nossos passos e examinar a questão, que em primeiro lugar nos
11 No Tratado, Hume considerava a questão da inferência resolvida, mas retornou ao assunto na
Investigação. Sobre os termos: “eficácia, agente, necessidade, conexão e qualidade produtiva”, Hume
advertiu que são termos “quase sinônimos”, e que não se deveria supor que a definição de um termo
define os outros, Seção VII da Investigação sobre o Entendimento Humano” (2004, p. 74).
22
ocorreu e foi deixada para trás em nosso caminho, a saber: em que consiste nossa idéia de
necessidade, quando dizemos que dois objetos estão necessariamente unidos entre si”
(HUME, 2004, p. 155). Estas palavras indicam que a idéia de “conexão necessária” representa
uma das principais questões da filosofia de Hume, e é preciso resolvê-la para prosseguir com o
projeto de criação da “Ciência do Homem”.
O objetivo é descobrir se existe uma “impressão originária” que liga causas e efeitos
necessariamente: Qual a origem da impressão que permite afirma uma conexão necessária
entre causa e efeito? A resposta positiva desta questão também responde o problema da
inferência causal.
Primeiro, é preciso saber se é por meio da repetição constante dos objetos que a
mente é levada a formar a idéia de conexão necessária. A seção VII da Investigação começa
revisando alguns tópicos do Tratado, observando que a origem idéia de conexão surgiu a partir
do momento em que o homem percebeu que os acontecimentos estão conectados em sua
imaginação e com isso ele pôde prever a existência de um acontecimento a partir do
aparecimento de outro. “Não há idéias mais obscuras e incertas em metafísica do que as de
poder, força, energia ou conexão necessária, às quais necessitamos reportar-nos
constantemente em todas as nossas inquirições. Tentaremos, portanto, nesta seção,
estabelecer e, por este meio, remover parte da obscuridade tão lamentada neste gênero de
filosofia” (HUME, 2004, p. 75).
Um elemento chave para Hume é a faculdade de “imaginação”, é por meio dela que
ele pretende descobrir a impressão originária da conexão causal e desta forma explicar todas
as dúvidas sobre o conhecimento Humano. A imaginação é elevada a uma categoria
equivalente a razão, com a liberdade de transpor ou associar idéias, guiada pelos princípios
naturais, alguns instintivos.
No entanto, Hume não abre mão de um fundamento importante, estabelecido na
primeira investigação: a causalidade nasce inteiramente da experiência, quando os objetos
particulares são vistos constantemente conjuntados entre si. A “conjunção constante” é um
fato comprovado; a inferência causal deve estar fundamentada em dados experimentais; é
preciso que haja antes a observação para depois se discutir as conclusões daí tiradas:
Parece, pois, que a idéia de uma conexão necessária entre os eventos
surge de vários casos semelhantes em que ocorre a conjunção
23
constante destes eventos; já que nenhum destes casos pode nos
suscitar esta idéia, embora fossem examinados sob todos os ângulos
e posições possíveis. No entanto, apesar de não haver em
determinado número de casos algo a diferenciá-lo de um caso
singular – suposto exatamente semelhante aos outros – destacamos
apenas que, depois da repetição de casos semelhantes, o espírito é
impelido pelo hábito, devido à aparição de um evento, a aguardar
aquele que usualmente o acompanha e em acreditar em sua
existência. (HUME, 2004, p.85).
Portanto, para Hume a conexão necessária deriva de um “sentimento” forte que afeta o
espírito, é uma transição costumeira da imaginação de um objeto para o seu acompanhante
usual. Este “sentimento” ou “impressão” é a origem da idéia de conexão necessária. É
importante destacar que há uma diferença entre um caso singular, do qual jamais é possível
inferir a idéia de conexão, e vários casos semelhantes que a originam. E essa diferença é o
princípio da “semelhança”. Por exemplo: “Uma pessoa que observa pela primeira vez, o
movimento comunicado pelo impulso quando duas bolas se chocam não poderia afirmar que
os eventos estavam em conexão, apenas poderia asseverar que entre eles havia conjunção.
Observando em seguida vários exemplos de natureza semelhante, poderia então concluir
afirmando que os fatos estão em conexão” (HUME, 2004, p.86). Que tipo de alteração ocorreu
originando a idéia de conexão? Nenhuma, segundo Hume, exceto que agora ela (a mente)
sente que estes eventos estão em conexão em sua imaginação, podendo facilmente antever a
existência de um pelo aparecimento do outro.
Definida a idéia de conexão necessária, o próximo passo é definir o conceito de causa e
efeito porque “Nenhuma conclusão agrada mais ao ceticismo do que a que revela a debilidade
e estreiteza da esfera racional e das capacidades humanas. Que exemplo é mais poderoso do
que o presente para mostrar a surpreendente ignorância e debilidade do entendimento?”
(HUME, 2004, p.87). Hume sugere que é preciso definir com segurança o conceito de
causalidade para não cair no ceticismo, mostrando que a razão ou o entendimento pode ser
facilmente induzido pela experiência. O fato de elementos serem constantemente
semelhantes não significa que sempre sejam iguais.
De fato, porque, se há alguma relação entre os objetos que visamos a
apreender com perfeição, é aquela de causa e efeito. Nela se
fundamentam todos os nossos raciocínios sobre as questões de fato
24
ou de existência. Apenas por meio desta relação podemos ter alguma
segurança sobre os objetos distanciados do atual testemunho de
nossa memória e dos sentidos. Esclarecer-nos como controlar e
regular os eventos futuros através de suas causas é a única e
imediata utilidade de todas as ciências (HUME, 2004, p.87).
A investigação converge para a relação causal, embora Hume mostre certa debilidade do
entendimento humano, afirmando que é impossível definir com exatidão o conceito de
causalidade, a não ser aquela derivada de algo que lhe é exterior, ou seja, de suas qualidades
sensíveis.
A seguir Hume apresenta duas definições da causalidade. Na primeira, objetos
semelhantes sempre estão em conjunção a objetos semelhantes. De acordo com esta
experiência, portanto, podemos definir uma causa como “um objeto seguido por outro, de tal
forma que todos os objetos semelhantes ao primeiro são seguidos de objetos semelhantes ao
segundo. Ou, em outras palavras: se o primeiro objeto não houvesse existido, o segundo nunca
haveria existido” (HUME, 2004, p.87).
Essa primeira definição de causa pode ser classificada como uma “relação filosófica”
trata-se de uma conjunção constante entre eventos semelhantes, ou classes de eventos,
inteiramente separados de qualquer associação de idéias.
A segunda definição é uma relação natural: fundamenta-se em associações de idéias
unidas pelos princípios associativos do entendimento humano. A aparição de uma causa
sempre faz convergir o espírito, por uma transição costumeira, à idéia do efeito: “Podemos,
pois, de acordo com esta experiência, formular outra definição de causa e denominá-la um
objeto seguido por outro e cuja aparição faz convergir o pensamento sempre para aquele
outro” (HUME, 2004, p.87).
Hume afirma que embora estas duas definições sejam formuladas de circunstâncias
alheias à causa, esse problema não é possível remediar, ou seja, a definição não é perfeita.
Somente a experiência ou a circunstância pode indicar a realidade dos fatos.
As duas definições de causa e efeito, uma natural e outra filosófica, também são
chamadas por alguns interpretes de lógica, a primeira, e psicológica, a segunda. Seriam duas
definições alternativas baseadas em “distintos pontos de vista acerca de um mesmo
25
objeto”.12 Feitas as definições de conexão necessária e os dois conceitos de causalidade, o
próximo passo é explicar os princípios do entendimento humano, responsáveis pelos
fundamentos do conhecimento.
12 “Os dois níveis explicativos da causalidade são circunscritos e elucidados pelo princípio mais geral da
necessidade. Julgamo-la assim pelo fato de iluminar e fundamentar tanto a causalidade, como todas as
disciplinas compreendidas pela ciência da natureza humana. E deste modo que a causal é retomada e
situada na raiz dos fenômenos humanos, com o fim de descortinar a idéia de necessidade e de justificar
a inferência causal na ciência do homem. É com justeza, portanto, que Hume inseriu, após a explicitação
da idéia de conexão necessária, a seção intitulada “Da liberdade e da necessidade: deu continuidade
lógica aos argumentos baseados no raciocínio causal. Hume inicia pelo estudo da idéia de “necessidade’,
pois dela irradia, além da causalidade e da ciência moral, o esclarecimento da idéia de liberdade”
(HUME, 2004, p.214).
26
3 PRINCÍPIOS DA NATUREZA HUMANA
“O hábito é grande guia do conhecimento.”
David Hume.
Este capítulo trata de vários tópicos necessários para o entendimento da causalidade:
sentimento de crença, hábito, razão e imaginação. Iniciamos descrevendo as funções da
memória e da imaginação. Parece que a mente ou o espírito quando experimenta um novo
“sentimento” (feeling) é movido por uma crença, e assim, cria uma “nova impressão”, que
surge dos princípios da imaginação. Nesta faculdade deve encontrar-se a explicação para a
origem da “impressão” que origina a conexão necessária e a respectiva inferência causal:
Pela experiência vemos que, quando uma determinada impressão
esteve presente na mente, ela ali reaparece sob a forma de uma
idéia, o que pode se dar de duas maneiras diferentes: ou ela retém,
em sua nova aparição (a idéia), um grau considerável de sua vividez
original, constituindo-se em uma espécie de intermediário entre uma
impressão e uma idéia; ou perde inteiramente aquela vividez ,
tornando-se uma idéia perfeita. A faculdade pela qual repetimos
nossas impressões da primeira maneira se chama MEMÓRIA, e a
outra, IMAGINAÇÃO. [...] sua principal função (da memória) não é
preservar as ideias simples, mas sua ordem e posição (HUME, 2001,
p.35, grifos do autor).
Para Hume, as idéias da memória são mais “vivas e fortes” que as da “imaginação”, no
entanto, as ideias desta, apesar de mais suaves, são “perfeitas”. Essa é uma importante
descoberta, as idéias da imaginação podem chegar à perfeição. A memória ‘pinta’ com cores
mais vivas que a imaginação e ao lembrar-se de um fato passado é invadida por uma
percepção mais forte, ao passo que, na imaginação, a percepção é mais fraca e suave.
Há uma outra diferença entre essas faculdades: a imaginação não se restringe à
mesma ordem e forma das “impressões originais”, ao passo que a memória está de certa
maneira amarrada quanto a esse aspecto, sem nenhum poder de variação. E esta diferença
“nos acompanha em nosso segundo princípio, a liberdade que tem a imaginação de transpor e
transformar suas idéias” (HUME, 2001, p.36). Hume cita como exemplo os casos literários:
fábulas, poemas e romances. Nestes casos a natureza das idéias é totalmente “embaralhada”,
onde se fala de fantasias. Tal liberdade da imaginação não é de estranhar, porém, é curioso
27
conhecer como a ela age com as idéias, como produz cópias das impressões. Não há duas
impressões que não sejam completamente inseparáveis, “sempre que a imaginação percebe
uma diferença entre ideias, ela pode facilmente produzir uma separação” (HUME, 2001, p.36).
Alguns princípios da natureza humana derivam a sua força do papel que desempenham
na sobrevivência do homem enquanto indivíduo, o que permite formar idéias complexas a
partir das simples, e sem estas seríamos incapazes de pensar o mundo e nele sobreviver, o
autor explica: “o hábito leva à crença causal e a formação do entendimento, como um instinto
que nos põe em harmonia com a natureza e sem o qual cada indivíduo também não
sobreviveria. Há na natureza humana um grande trabalho de autopreservação, mecanismos
associativos que estão a serviço da sobrevivência de nossa espécie de modo mais indireto e
sutil”. (HUME, 2001, p.10). A imaginação é um poder inato do espírito humano, e desde que
bem orientada, tem um papel importante na construção do conhecimento. Quando
totalmente livre, sem nenhum princípio mais geral estabelecido, pode torna-se "fantasia",
juntando idéias livremente. Hume faz uma comparação entre crença e ficção:
Não há nada mais livre do que a imaginação humana; embora não
possa ultrapassar o estoque primitivo de idéias fornecidas pelos
sentidos externos e internos, ela tem poder ilimitado para misturar,
combinar, separar e dividir estas idéias em todas as variedades da
ficção e da fantasia imaginativa e novelesca. Ela pode inventar uma
série de eventos com toda aparência de realidade, pode atribuir-lhes
um tempo e um lugar particulares, concebê-los como existentes e
descrevê-los com todos os pormenores que correspondem a um fato
histórico, no qual ela acredita com a máxima certeza. Em que
consiste, pois, a diferença entre tal ficção e a crença? (HUME, 2004, p
64).
A imaginação, que acompanha toda obra de Hume, significa que representação alguma
expressa a realidade diretamente: entre as impressões mais próximas dos sentidos e as idéias,
existe todo um processo que, em maior ou menor grau, depende de associações imaginativas.
É por isso que a crença ocupa um papel especial na teoria humeana. Ele considera a crença um
sentimento forte e necessário ao elo causal. É aquilo que dá convicção ao pensamento, e esse
sentimento serve de critério para afastar dentre todas as idéias geradas pela imaginação,
aquelas que merecem o “assentimento”.
28
3.1 Sentimentos de Crença
Em que consiste a diferença entre a ficção e a crença? Segundo Hume, essa diferença
consiste em uma maneira particular de sentir13 que é interposto pela mente, isto é, a “crença”
justifica as idéias da “imaginação”. Acreditar, ao contrário do meramente imaginar, põe em
jogo uma idéia adicional que nos obriga ao assentimento. A diferença está numa peculiar
afeição do sentimento interior que tem lugar na crença firmemente estabelecida, perante a
qual a imaginação é impotente para conceber um estado de coisas contrário ao que se
acredita ser o caso. Crer é algo mais forte que simplesmente imaginar. Outra diferença reside
no fato de que somos livres para imaginar um estado de coisas qualquer, mas não somos livres
para acreditar em sua existência. Hume exemplifica: “Podemos, quando pensamos e
imaginamos, juntar a cabeça de um homem ao corpo de um cavalo, mas não está em nosso
poder acreditar que semelhante animal tenha alguma vez existido” (HUME, 2004, p.64).
Em geral, a crença tem como objeto um fato que possivelmente não é dado
diretamente na experiência, caso não derive de uma observação direta será atingida por meio
de um raciocínio a partir de outro fato. Hume cita dois tipos de crença: caso seja perguntado
ao crente por que ele acredita no seu Deus, esse deve ser capaz de fornecer as razões de sua
crença. Esta crença somente estará plenamente justificada se um fato em questão for uma
conseqüência lógica dos fatos que lhe servem de evidência. Em outro exemplo: “Acredita-se
que dinossauros caminharam sobre a terra”, essa é uma crença acerca de algo a que não
temos acesso direto pela observação ou experiência, entretanto, se justifica com base na
experiência indireta que podemos ter com o passado (em livros de história ou pela educação).
Essa crença, como diz respeito a casos do passado, não pode ser fundada em raciocínios de
causa e efeito, mas apenas por inferências.
3.2 Razão e Imaginação
A faculdade de Imaginação tem a mesma autoridade da razão. Estas duas faculdades não
sobrevivem sozinhas, aliás, em alguns casos, a imaginação é superior devido a sua natureza
livre e criativa. No livro I, Parte III, Seção XVI, Do ceticismo e outros sistemas filosóficos, Hume
13 “Hume acrescenta, no “Appendix” do Tratado, um novo elemento para explicar a crença. Salienta que
um “segundo erro pode ser encontrado no primeiro livro, página 96, quando digo que duas idéias de um
mesmo objeto podem ser discriminadas apenas por seus diferentes graus de força e vivacidade. Acredito
que há outra diferença entre as idéias que não podem ser adequadamente compreendidas com aqueles
termos. Se tivesse dito que duas idéias de um mesmo objeto podem diferenciar-se apenas por seus
diferentes feeling [traduzimos por “maneira de sentir”], estaria bem mais próximo da verdade” (p. 636).
Esta nova discussão da natureza da crença ocupa nove das dezessete páginas do “Appendix”, e seu
principal aspecto consiste em mostrar que a crença é um feeling. Convém lembrar que, no corpo do
Tratado, em nenhum momento a crença é designada como feeling” (HUME, 2004, p.65).
29
analisa a “razão”, levantando algumas dúvidas quanto a sua autoridade. Afirma ele que se a
razão trabalhar sozinha pode destruir-se, pois é sempre necessária a influência da
“imaginação”, corrigindo possíveis erros.
Pela sua natureza calculista, a razão tende para a probabilidade, e sua confiança cresce
toda vez que refaz as provas, mas essa certeza corre o risco de degenerar, pois quando
aplicada na prática enfrenta a natureza falível do homem e tem grande tendência a cair em
erro. Por isso, em todo o raciocínio “devemos conferir e controlar nosso primeiro juízo e
crença; e devemos ampliar nossa visão para abranger uma espécie de história de todos os
casos em que nosso entendimento nos enganou, comprando-os àqueles em que seu
testemunho foi legítimo e verdadeiro” (HUME, 2001, p. 213). Neste processo a companhia da
imaginação é de grande ajuda, se, no entanto, a razão preferir a probabilidade, esta corre o
risco se autodestruir. O motivo é que “probabilidade” e “conhecimento” têm naturezas tão
contrárias e discordantes que não poderiam se transformar insensivelmente um no outro, sem
o perigo da incerteza:
Nossa razão deve ser considerada uma espécie de causa, cujo efeito
natural é a verdade; mas esse efeito pode ser freqüentemente
impedido pela irrupção de outras causas, e pela inconstância de
nossos poderes mentais. Em toda a probabilidade, após termos
descoberto, além da certeza original dos abjetos, uma nova
incerteza, derivada da fraqueza da faculdade de julgar, nossa razão
nos obriga a somar a elas uma nova dúvida, e assim por diante, ao
infinito [...]. Mas a natureza, por uma necessidade absoluta e
incontrolável, determinou-nos a julgar, assim como a sentir e respirar
(HUME, 2001, p. 213).
A razão é também um sentimento natural, adquirimos o hábito de raciocinar e desta
forma podemos ultrapassar a experiência. Portanto é preciso investigar a origem do hábito
durante conhecimento humano.
3.3 O princípio do Hábito
Hume afirma que em todos os raciocínios derivados da experiência o espírito avança,
muitas vezes, sem apoiar-se em argumentos ou processo do entendimento, como sugere a
citação:
30
Supondo que um homem, dotado das mais poderosas faculdades
racionais, seja repentinamente transportado para este mundo;
certamente, notaria de imediato a existência de uma continua
sucessão de objetos e um evento acompanhado por outro, mas seria
incapaz de descobrir algo a mais. De inicio, não seria capaz, mediante
nenhum raciocínio, de chegar à idéia de causa e efeito, visto que os
poderes particulares que realizam todas as operações naturais jamais
se revelam aos sentidos. (HUME, 2004, p.60).
O “Hábito” é o princípio que guia todas as conclusões extraídas da experiência sensível e
“embora se apresente como um fato bruto da natureza humana é possível uma
fundamentação empírica deste princípio, visto que todas as vezes que a repetição de um ato
ou de uma determinada operação produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou a mesma
operação, sem ser impelida por nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos
sempre que esta propensão é o efeito do costume” (HUME, 2004, p.60).
Esse princípio da natureza humana é indicado por Hume como universalmente
reconhecido pelos seus efeitos e sua força, um guia indispensável em toda investigação; é ele
que faz com que o futuro se assemelhe ao passado. Esta hipótese, segundo Hume, é
confirmada pela experiência comum, a única que pode explicar a dificuldade que o homem
tem em comprovar as inferências que ultrapassam os limites da experimentação ou dos
fenômenos conhecidos. A razão não é capaz de semelhante variação, e com a mesma
qualidade. O costume é, pois, um dos grandes guias da vida humana.
Esse princípio é conhecido pela sua universalidade e necessidade , pois torna a
experiência útil para aqueles que às experimentam, faz com que se espere no futuro cadeias
de acontecimentos semelhantes às que ocorreram no passado, tal qual a conjunção causa e
efeito. Sem a autoridade do hábito não seria possível o homem estabelecer qualquer relação
com o mundo, pois nascemos e morremos sob influência dele.
É uma espécie de uma força subjetiva que estabelece regularidade e constância em uma
conexão necessária em todos os acontecimentos da vida. Um fenômeno que surge da
multiplicidade de casos assemelhados no tempo e no espaço, na continuidade, comunicada
pela cultura para o comportamento humano, por meio de diversos conhecimentos, entre eles,
a educação, o trabalho, a vida social. Se atentarmos bem, sempre há uma constante conexão,
distante ou próxima, nas relações de fatos, em eventos derivados do hábito natural de viver.
Por meio de uma repetição de casos semelhantes, a mente é levada pelo hábito a esperar (ter
31
esperança, ter expectativa), e a acreditar (ter fé) no seu futuro. Estes são elementos essenciais
para própria sobrevivência da espécie humana14:
Do mesmo modo que a natureza nos ensinou a usar nossos membros
sem esclarecer-nos acerca dos músculos e nervos que os movem, ela
também implantou em nós um instinto que impulsiona o
pensamento num processo correspondente ao estabelecido entre os
objetos externos, embora mantendo-nos ignorantes destes poderes
e forças dos quais dependem totalmente o curso regular e a sucessão
de objetos (HUME, 2004, p.71)
Qual é, portanto, a conclusão sobre a hipótese do hábito? Para Hume deve-se confessar que
seu estudo encontra-se muito distante das teorias filosóficas correntes. Neste sentido, ele
admite que seja uma hipótese. Toda crença, em matéria de fato e de existência real, procede
unicamente de um objeto presente à memória ou aos sentidos e de uma conjunção
costumeira entre esse e algum outro objeto. Hume sugere para pesquisas mais avançadas
sobre o tema, examinar com maior exatidão a natureza da “crença” e da “conjunção
costumeira” durante o processo do conhecimento. O estudo neste caminho será abstrato e
metafísico, mas “A esta altura, poderíamos perfeitamente terminar nossas pesquisas
filosóficas. Na maioria dos problemas jamais poderíamos adiantar um único passo; e em todas
as questões deveríamos terminar aqui, depois das mais incessantes e curiosas investigações”
(HUME, 2004, p.64).
14 “O costume é, portanto, o fator que faculta o pensamento antecipar que o futuro será semelhante ao
passado e leva a mente a inferir de uma causa presente um efeito ausente. O costume compreende
também mais alguma coisa. As idéias introduzidas por Hume são inferências e não meras sugestões. A
experiência que temos da conjunção constante‟ entre, por exemplo, chama e calor, ou neve e frio,
determina-nos, quando revemos a chama ou a neve, pelo “costume a esperar calor ou frio, e a acreditar
que esta realidade existe realmente e que se manifestaria se estivesse mais próxima de nós”. Revela-se,
assim, como o costume envolve e condiciona a crença” (HUME, 2004, p. 64)
32
CONCLUSÃO
Este trabalho, após apresentar as idéias da teoria do conhecimento de David Hume,
em sua análise da noção de causalidade, chegou a algumas conclusões não definitivas, mas
que oferece caminhos para quem quiser continuar a pesquisa.
Para Hume, todo o conhecimento chama-se "percepção" e divide-se em impressões e
idéias. As impressões são as sensações mais vívidas de toda experiência sensível e as idéias,
por sua vez, são cópias das impressões e são menos vivazes. O autor estabeleceu também que
as idéias simples, em sua primeira aparição, derivam de impressões simples e que há uma
representação e correspondência entre elas. Portanto, para Hume, qualquer idéia tem na base
uma impressão. Este é o primeiro princípio que o autor estabeleceu. Toda idéia deriva de uma
impressão sensível correspondente.
A análise da teoria do conhecimento em Hume leva em conta a divisão do conhecimento
humano em dois âmbitos: relações de idéias e relações de fato. O primeiro é obtido através do
raciocínio lógico, um tipo de conhecimento sobre o qual podemos demonstrar sua verdade ou
falsidade a priori; o segundo descreve os fenômenos concretos da realidade e fundar-se na
relação de "causa e efeito”. É neste segundo campo de conhecimento que Hume concentra
toda a sua investigação. Ele busca discutir os fundamentos das inferências causais. Sempre é
possível mudar o curso da natureza humana e da natureza em geral, e isso não representa
nenhuma contradição.
A experiência é o fundamento das questões de fato em todos os raciocínios
experimentais. O problema surge quando Hume descobre que o conhecimento é o produto de
uma atividade subjetiva da "imaginação" operando sobre as impressões e idéias durante a
experimentação. A partir daí o autor tenta explicar como as idéias singulares dão origem ao
conhecimento geral ou universal (inferência ou indução).
A conclusão de Hume é desconcertante. A mente humana ao realizar generalizações,
formar leis, observar regularidades, deriva estas regras por meio de princípios naturais que
operam na imaginação humana. Os princípios operam em associação de idéias por:
“semelhança”, “contigüidade de tempo ou lugar” e “causa ou efeito”. Um quarto princípio, o
hábito, é o mais importante de todos. É ele que permite ao homem ultrapassar a experiência
33
imediata e chegar ao conhecimento universal. Fica a dúvida se realmente o hábito é um
princípio geral de todo e qualquer conhecimento ou é apenas uma maneira especial de
conceber certas idéias (feeling), movido pelo sentimento de crença. De todas as hipóteses
criadas por Hume para explicar o conhecimento causal essa é a de mais difícil comprovação,
seria necessário avançar em estudos psicológicos e antropológicos da natureza humana para
sua comprovação.
O hábito é concebido por Hume como uma disposição instintiva (inata), uma espécie de
mecanismo automático que confere força e assentimento às ideas durante qualquer
observação empírica. A operação causal funciona por conjunção constante, produzindo a
expectativa da repetição de fatos ainda não observados. Portanto, o último fundamento
possível causal é o hábito, isto é, um princípio da natureza humana, que não é um raciocínio. O
resultado alcançado por Hume parece apontar para prioridade da crença que antecede
qualquer entendimento ou razão. A crença é definida como um sentimento forte do
pensamento que dirige os julgamentos sob a tutela do hábito. Isso deve explicar a noção de
probabilidade da ocorrência de eventos futuros associados a eventos do passado. Portanto, é
através do hábito e do sentimento de crença que as ideias adquirem força e vivacidade na
mente humana produzindo a conexão necessária, criando a realidade entre os eventos e
objetos experimentados.
Mas, apesar das justificativas apresentadas por Hume, o hábito é apenas uma hipótese
com forte evidência de verdade, não sendo possível demonstrá-lo experimentalmente. A
comprovação da hipótese de associar idéias por causalidade demandaria pesquisas
comparativas em ciências do comportamento humano. É importante destacar que tanto o
hábito quanto a crença não são idéias em si, são maneiras (ou formas) de conceber certas
idéias e neste sentido é possível pensar uma variedade de concepções, dependendo das
circunstâncias habituais. Para Hume seria possível localizar esses elementos por comparação,
por analogia, de experiências do presente em relação às experiências do passado. Para o
autor, hábito e crença não seriam simples suposições, mas confirmações, bastando observar a
regularidade da história, e do comportamento moral do homem. Este tipo de analogia
também enfrenta dificuldades de comprovação. Seria preciso um estudo comparativo das
questões éticas. Por outro lado, faculdade de Imaginação foi sem dúvida uma grande
descoberta de Hume, e merece ser mais bem investigada. Ela tem um poder criativo
espetacular , quando bem orientada, para criar novos conhecimentos.
34
Este trabalho conclui que a intenção de Hume era ampliar o conceito de razão, pois ele
era cético quanto aos seus fundamentos. Parece que essa intenção foi mais bem entendida,
posteriormente, por Immanuel Kant, ao propor um tribunal da razão para julgar a própria
razão. Finalizando, hábito a crença são hipóteses que devem ser consideradas em todo o
processo do conhecimento humano.
35
4. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.
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32)
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