a avaliaÇÃo das aprendizagens e a escola em … · pedagógico adequadas ao desenvolvimento e às...
TRANSCRIPT
A AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS E A ESCOLA EM CICLOS:
O QUE MUDA NA PRÁTICA DOCENTE?
Maria Susley Pereira – SEDF [email protected]
Resumo
Este texto é fruto de uma dissertação de mestrado realizada no ano de 2007 com o
objetivo de compreender como se desenvolve o processo avaliativo realizado por uma
professora do Bloco Inicial de Alfabetização em uma escola da rede pública de ensino
do Distrito Federal. Recorreu-se à abordagem de pesquisa qualitativa a fim de atingir os
seguintes objetivos: (a) analisar quais eram os fundamentos teórico-metodológicos do
Bloco Inicial de Alfabetização e em quais deles uma professora se baseava para
desenvolver suas práticas avaliativas; (b) analisar as práticas avaliativas adotadas por
uma professora do Bloco Inicial de Alfabetização e (c) analisar a articulação do
processo avaliativo realizado por uma professora do Bloco Inicial de Alfabetização com
o trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula. Partiu-se do pressuposto de que a
avaliação é o eixo central da organização do trabalho pedagógico e de que as práticas
avaliativas dos professores na organização da escolaridade em ciclos, como é o caso do
Bloco Inicial de Alfabetização, devem estruturar-se sob uma lógica diferenciada da
avaliação na escola seriada. Este artigo focaliza especificamente percepções e práticas
das principais interlocutoras da pesquisa quanto à avaliação desenvolvida no BIA a
partir das falas concedidas nas entrevistas e da observação participante, o que explicitou
que a lógica avaliativa ainda era a mesma do regime seriado, revelando que o trabalho
pedagógico como um todo também assim era realizado. Os resultados ainda apontaram
para a importância de estudos e de reflexão coletiva no espaço escolar sobre a avaliação
das aprendizagens e sobre a educação em ciclo.
Palavras-chave: Avaliação. Bloco Inicial de Alfabetização. Organização da
escolaridade em ciclos. Organização do trabalho pedagógico.
Iniciando nossa conversa
Este texto é fruto de pesquisa desenvolvida (PEREIRA, 2007) com o objetivo de
compreender o processo avaliativo realizado por uma professora do Bloco Inicial de
Alfabetização – BIA - em uma escola da rede pública de ensino do Distrito Federal.
Partiu-se do pressuposto de que a avaliação é o eixo central da organização do trabalho
pedagógico e de que as práticas avaliativas dos professores na organização da
escolaridade em ciclos, como é o caso do BIA, devem estruturar-se sob uma lógica
diferenciada da avaliação na escola seriada.
As informações foram coletadas por meio de análise de documentos oficiais, de
entrevistas semi-estruturadas e pela observação participante nos diversos espaços da
escola: em uma sala de aula de uma professora da etapa III do BIA, na sala dos
professores, na qual ocorriam as reuniões, as coordenações pedagógicas e os Conselhos
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001610
2
de Classe, bem como nos eventos pedagógicos e nos intervalos, considerando que esses
diferentes espaços possibilitaram o confronto entre discursos, atitudes, ações e posturas
na organização do trabalho pedagógico e em relação aos alunos, quanto às práticas
avaliativas desenvolvidas formal ou informalmente.
Uma passagem breve pela avaliação e pelos ciclos
As discussões relativas à avaliação praticada na escola têm ganhado destaque
significativo no Brasil nos últimos anos. No entanto, muito ainda há que se considerar,
já que a avaliação não é um processo meramente técnico, não se reduz à elaboração de
instrumentos com a intenção de julgar o desempenho do aluno. Pelo contrário, é um
processo que pode viabilizar as aprendizagens, não devendo ser uma via de mão única,
na qual somente o aluno é visto. Por isso, são crescentes os estudos sobre o fracasso
escolar e sobre como este tem permanecido, de alguma maneira, encoberto (PATTO,
2000; JODELET, 1999; ABRAMOWICZ & MOLL, 1997; ARROYO, 1997;
FERNANDES, 2007).
Embora, há até bem pouco tempo a escola afunilasse muito mais, ou seja, por
meio do reduzido número de vagas ou dos processos de reprovação muito acentuados
selecionasse um número considerável de alunos, hoje uma parcela significativa
permanece na escola e muitos até conseguem ―passar de ano‖, mas infelizmente
aprendem pouco ou quase nada. Segundo os resultados mais recentes da Prova Brasil,
em torno de 69% dos alunos do 5º ano do ensino fundamental não conseguiram atingir
um nível esperado em língua portuguesa, pois demonstraram não saber, por exemplo,
localizar a informação principal em um texto. Além disso, os resultados da Prova
indicam que nove em cada dez alunos do 9º ano das escolas públicas não sabem fazer
contas com centavos (TARGINO, 2011). Esses índices, principalmente em relação aos
alunos da escola pública, têm afastado as possibilidades desse grupo interagir no
contexto social e têm afastado a escola de um de seus objetivos: inserir o sujeito de
forma ativa, consciente e competente na sociedade do século XXI .
Nesse caminho, a escola tem formado analfabetos funcionais, encobrindo,
velando o fracasso escolar e comprovando veementemente o processo de eliminação
(FREITAS, 1991), contribuindo para desvalorizar saberes, fortalecer hierarquias,
silenciar e expulsar muitos do seu interior.
Na tentativa de refletir sobre um dos elementos presentes nessa escola e que se
reveste de uma roupagem contrária aos seus pressupostos, colaborando, sobremaneira,
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001611
3
para a exclusão, é que trazemos a avaliação que ocorre no seu interior. Pensamos,
então, que avaliar é inerente ao ser humano. Avaliamos o tempo todo e em todas as
circunstâncias, ―seja em reflexões informais, que orientam as frequentes opções do dia-
a-dia, seja formalmente, nas reflexões organizadas e sistemáticas nos momentos de
tomadas de decisões‖ (DALBEN, 2002, p. 17). A avaliação ocorre naturalmente em
nosso cotidiano e, sendo assim, ela pode adquirir no contexto escolar uma perspectiva
apropriada aos princípios educativos, o que significa dizer que avaliar na escola precisa
ser uma prática condizente com a própria função da escola, a qual certamente não é a de
expulsar muitos de seu interior e, muito menos de manter dentro dela esses muitos sem
perspectiva de avanços.
A avaliação na escola vem sendo questionada não somente quanto aos
instrumentos utilizados, mas também no que diz respeito à sua elaboração, aplicação e,
principalmente, acerca do que é realizado com os seus resultados. Muitas vezes, a
preocupação com os resultados das avaliações se restringe apenas ao valor numérico
alcançado pelo aluno; quando o aluno não apresenta uma nota ou uma menção dentro da
média estabelecida como satisfatória, nem sempre há uma reorganização do trabalho
pedagógico, com vistas a atender às suas necessidades de aprendizagens.
Além dessa dimensão da avaliação, que pode ser encarada como absolutamente
burocrática, o ato de avaliar ainda é visto como instrumento que mede o fracasso ou o
sucesso do aluno que, sendo assim, é colocado à margem do processo educativo. Por
isso, as contribuições hoje dispostas a todos aqueles que se interessam pelo tema
discutem a necessidade de se repensarem as práticas avaliativas ainda vigentes e
apontam para a importância de se enxergar a avaliação e as aprendizagens como
integrantes do mesmo processo (FREITAS, 2003, 2007; FERNANDES, 2003, 2009;
VILLAS BOAS, 2002, 2006, 2008).
Então, discutir avaliação requer ir além da dimensão aprovar/reprovar, porque
tentar acabar simplesmente com a reprovação não significa dar fim ao fracasso escolar.
A proposta de organização da escolaridade em ciclos pode constituir uma alternativa
para a superação da escola tradicional hegemônica que carrega o ranço de uma escola
que exclui em seu interior, com vistas à construção de uma escola mais emancipadora.
Os ciclos têm marcado presença nos debates entre educadores, pesquisadores e
secretarias de educação que implantaram essa forma de organização do trabalho escolar
nos últimos anos, evidenciando a preocupação com os altos índices de evasão e de
repetência e, especialmente, com as não-aprendizagens. É com base nessa preocupação
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001612
4
que autores como Arroyo (1997, 1999), Freitas (2003, 2004, 2007) e Barreto e Mitrulis
(2001, 2004), Mainardes (2007, 2009), Fernandes (2003, 2009) destacam a organização
da escola em ciclo sob o olhar de que a escola tradicional tem perpetuado a exclusão e a
eliminação, não dando conta de manter na escola uma grande parcela da população, o
que significa negar a esta o exercício pleno de sua cidadania.
Os ciclos são uma forma de organização escolar já bem debatida, prevista no
Artigo 23 da LDB nº 9.394/96, pela qual se indica que a enturmação dos alunos ocorra
com referência à idade, a fim de contribuir efetivamente com o desenvolvimento
integral do aluno, e já é uma realidade que abrange 20,9% das matrículas do ensino
fundamental do país. Do total de 35,1 milhões de alunos, 7,3 milhões estão em escolas
que organizaram seu currículo dessa forma (BRASIL, 2011). Não se sabe se essa
crescente reorganização se deve ao fato de a LDB regulamentar os ciclos ou se é uma
tendência que se aplica pela concepção pedagógica transformadora sugerida por esta
forma de organização escolar.
Para Mainardes (2009, p.13) a escola em ciclos sugere uma ―ruptura‖ com a
reprovação e com o fracasso escolar tão presentes no modelo seriado de escolaridade,
que geralmente seleciona e exclui, com vistas a uma ―transformação em sistema
educacional não-excludente e não seletivo.‖ O que nos leva a pensar, então, que os
ciclos compõem uma concepção diferente da concepção tradicional de escola e
enxergam as aprendizagens como um direito da pessoa.
Em outras palavras, os ciclos buscam assegurar a permanência dos alunos na
escola, enxergando as heterogeneidades decorrentes das diferentes necessidades de
aprendizagens e visam garantir o avanço esperado dos alunos naquele determinado
período. Sua estrutura deve se configurar em alternativas mais dinâmicas e mais
flexíveis para organização dos tempos e dos espaços escolares no que diz respeito à
formação das turmas, ao processo de avaliação, ao currículo, enfim, no que diz respeito,
especialmente, à concepção de educação escolar para todos. Tais fatores merecem
significativa importância na compreensão da proposta de organização da escolaridade
em ciclos, pois são esses fatores que garantem a diferenciação da escola convencional: a
seriada. Se estas questões não forem foco de atenção, a mudança fica apenas no plano
da nomenclatura; muda-se o nome, mas não se muda a concepção, a práxis docente e a
organização do trabalho pedagógico de fato.
Assim sendo, na perspectiva de romper com as formas que privilegiam
processos seletivos, os ciclos propõem alternativas de organização do trabalho
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001613
5
pedagógico adequadas ao desenvolvimento e às aprendizagens dos alunos sem oferecer
uma ―quebra‖ do processo a cada ano letivo, favorecendo a democratização do
conhecimento, o que pressupõe uma mediação pedagógica por parte dos responsáveis
pelo processo educativo como interlocutores privilegiados, instigando, provocando e
compartilhando conhecimentos, o que envolve a participação ativa e dialógica do aluno.
No Brasil, a organização da escolaridade em ciclos surgiu na década de 1960
com o objetivo de diminuir os elevados índices de reprovação e de retenção,
especialmente nos anos iniciais do ensino fundamental. O Distrito Federal apresentou
uma das experiências pioneiras na adoção de ciclos - Fases e Etapas, de 1963 até o final
dos anos 60.
Em 2005, o DF, depois de outras experiências com o ciclo, lançou-se mais uma
vez no desafio com a implantação do Bloco Inicial de Alfabetização – BIA, na busca da
―tão sonhada qualidade de ensino para todos – em que mais do que todos na escola,
pretende-se todos aprendendo na escola‖ (SEEDF, 2005, p. 4).
Assim, o BIA foi implantado pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal com o ―objetivo de reestruturar o Ensino Fundamental para 9 anos, organizando
o período de alfabetização em ciclo e garantindo à criança, a partir dos 6 anos de idade,
a aquisição da alfabetização/letramento/ludicidade e seu desenvolvimento global.‖
(SEEDF, 2005, p. 7).
Para o BIA a avaliação é o eixo norteador do trabalho pedagógico, em uma
perspectiva coletiva, ―em que todos os profissionais envolvidos planejem, executem e
avaliem o processo de ensino e aprendizagem de forma cooperativa, integrada e
coletiva‖ (SEEDF, 2005, p. 25). A partir desse posicionamento, apresentamos, em
seguida, as informações reveladas pela pesquisa.
A avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização
A pesquisa foi realizada durante o período escolar de 2007, acompanhando o
cotidiano de uma turma da Etapa III - 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola da
rede pública de ensino do Distrito Federal, a qual era, à época, um Centro de Referência
em Alfabetização, local considerado polo para as discussões e formação dos professores
acerca do trabalho a ser desenvolvido no BIA, mas sem a pretensão de ser escola
modelo.
Em todas as visitas à sala de aula, que ocorriam durante todo o horário de aula da
turma, focalizou-se a atenção na relação da professora com os alunos, sua forma de
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001614
6
abordar os conteúdos, na metodologia e estratégias utilizadas, na participação dos
alunos nas aulas durante as tarefas propostas e, principalmente, na forma de a professora
conduzir a avaliação.
O trabalho pedagógico naquela sala de aula era cotidianamente desenvolvido a
partir do livro didático com algumas variações, quando eram utilizados exercícios
mimeografados. Em um dos dias de observação, na primeira parte da aula, a turma
desenvolveu atividades do livro didático de matemática e, em seguida, realizou uma
atividade mimeografada sobre ortografia. Após o recreio, os alunos produziram um
texto a partir da colagem e montagem de um coelhinho – comemorando a Páscoa.
Durante esta atividade, as reflexões da pesquisadora se prenderam ao modo como
determinados alunos estavam fazendo uso da linguagem escrita. Alguns ainda
necessitavam de intervenções produtivas para que pudessem avançar mais rapidamente
e, principalmente, pudessem avançar por meio de uma aprendizagem sólida acerca dos
usos da língua escrita. No entanto, tais intervenções não ocorriam; os alunos
participavam de atividades direcionadas a todo o grupo sem que fossem consideradas as
necessidades de cada um, o que não contribuía, muitas vezes, para a sistematização do
código linguístico, tão importante no período de alfabetização. Ficaram as perguntas:
qual o motivo ou o objetivo do Teste Diagnóstico? O que foi feito a partir dele?
Essa troca descontextualizada nas atividades apresentadas aos alunos evidencia a
ausência de um planejamento organizado com vistas ao par avaliação/objetivos. Freitas
(2005, p. 144) diz que o binômio avaliação/objetivos oportuniza ―compreender e
transformar‖ a escola, pois é ele que regula o par conteúdo/método, com vistas ao
desenvolvimento de um currículo que vá além de uma simples sequência de conteúdos
disciplinares, que, muitas vezes, pode ser fragmentado, hierarquizado e linear.
Quando interrogada acerca do que entendia por avaliação, uma das professoras
entrevistadas mostrou a necessidade de uma formação continuada na qual a avaliação
fosse o tema central, pois demonstrou não compreender o papel da avaliação na
organização de seu trabalho pedagógico: “Avaliação do quê?” (Professora Bete).
Em seguida, depois de um esclarecimento acerca da pergunta, embora já
estivéssemos conversando sobre o desenvolvimento do seu trabalho, ela disse: “Eu
entendo, assim: verificar o desenvolvimento acadêmico da criança. Então, assim,
avaliação num todo, não só aquela prova, aquela coisa. Mas, o que o menino está
aprendendo, se o que ele está aprendendo tem significado, se vai servir para a vida
dele, que importância tem aprender determinadas coisas. Então, eu acho que
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001615
7
avaliação é coisa que tem que ser muito estudada e bem criteriosa, porque muitas
vezes você avalia de um lado e... para que avaliar?” (Professora Bete).
A professora Bete acreditava que avaliação “é uma coisa contínua”, porque
“Todo dia você está avaliando a criança, porque todo dia a criança tem um
crescimento. Então, todo dia você está avaliando a criança. Tem que avaliar e
reavaliar”. Todavia, não ficou clara qual é a relação da avaliação com o trabalho
pedagógico que se desenvolvia no espaço escolar, levando-nos a entender que a
avaliação restringia-se a medir o conhecimento do aluno: ―Tem uns que já estão, como
eu falei, lendo, então eu tenho que partir para outro tipo de avaliação, só que eu
trabalho com eles... todo dia eu trabalho uma avaliação... toda semana eu trabalho com
eles na avaliação, todos aqueles que já estão lendo... A mesma coisa que eu dou eu
avalio de uma maneira e os outros que ainda não estão lendo, eu tenho outra visão.‖
(Professora Bete).
Percebe-se que a avaliação ainda era vista apenas como instrumento de medição
de saberes e não se relacionava com o próprio trabalho docente, restringindo-se ao
aluno. No que se refere ao tipo de avaliação desenvolvida, concordou que realizava
apenas um tipo de avaliação, embora tenha dito, em seguida, que a avaliação é ―De
acordo com cada criança. Fazer várias avaliações, várias coisas diferentes, não. Eu
faço a mesma, porque senão, eles ficam preocupados. Eu dou uma mesma coisa só que
na hora de cobrar eu cobro diferente. Tenho outra visão, outro olhar‖. (Professora
Bete)
O que se pode notar é que a ausência de um espaço de reflexão e estudo na
escola, no qual o tema avaliação também esteja presente, reforça uma prática
pedagógica vazia, sem objetivos claros e direcionadores do trabalho. O estudo na escola
favorece a ampliação dos conhecimentos, colabora efetivamente para a retomada de
ações e concepções e, certamente, proporciona ao grupo a necessidade de um
planejamento organizado coletivamente.
De modo geral, as professoras entrevistadas para a pesquisa demonstravam haver
um distanciamento entre a compreensão do trabalho no ciclo e a prática pedagógica
desenvolvida, bem como não enxergavam a importância do papel da avaliação das
aprendizagens nesse tipo de organização da escolaridade, apesar de a Professora Ana
argumentar que a avaliação serve para que ela possa “(...) trabalhar com eles (alunos).‖
(Professora Ana). Mas, não explicitou de fato o que compreendia por avaliação, pois se
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001616
8
referiu a ela limitando-se a um tipo específico de avaliação formal: “Porque eu dou, eu
sempre dou um auto-ditado para eles.‖ (Professora Ana).
Para a Professora Carla da sala de aula investigada, a avaliação no BIA deve
desenvolver-se de modo diferenciado das experiências avaliativas da escola seriada,
mas, contraditoriamente, acreditava que a avaliação serve apenas para ―diagnosticar o
nível de conhecimento do aluno. Avalio o grau de conhecimento. Até que nível esse meu
aluno progrediu ou não... e a partir daí vou criar estratégias para melhorar ou para
que esse aluno venha a melhorar.‖ (Professora Carla).
Observa-se que existe uma lacuna entre a avaliação e a organização do trabalho
pedagógico na escola em ciclos; ainda não está claro para o professor o porquê da
avaliação no contexto escolar, o que pode ser percebido no depoimento da Professora
Bete sobre o que ela fazia com os resultados da avaliação: ―Bom... na verdade... faz o
quê? Faz nada! Não tem nada pra fazer! O que você quer saber?! Não... não sei...
Não. Não sei o que fazer com o resultado. Porque pela lógica seria um gráfico, tabular,
divulgar ..., seria assim, mas, na verdade, não se faz nada disso.” (Professora Bete).
Fernandes (2003, p 252) diz que a avaliação ainda não é compreendida e que ―de
um modo geral, as etapas do processo de avaliação restringem-se à aplicação de um
instrumento de avaliação‖, revelando que a prática docente não apresenta uma decisão
clara e explícita do que se está fazendo e, especialmente, para onde se pretende que os
resultados das ações sejam encaminhados.
No que se refere às práticas avaliativas, o uso de provas ou testes praticamente
inexistia no BIA. A professora avaliava por meio da observação, tecendo comentários
sobre o desenvolvimento das atividades e, principalmente, sobre os comportamentos. A
avaliação informal, portanto, era a mais frequente. Havia a prática constante de se
avaliar a pessoa do aluno muito mais que suas aprendizagens. A avaliação realizada
informalmente não se restringia à sala de aula. Eram comuns os comentários sobre os
alunos e até sobre suas famílias, na sala dos professores e no Conselho de Classe.
A professora da turma observada pouco circulava pela sala de aula, o que não lhe
permitia acompanhar mais de perto cada aluno individualmente. Costumava comentar
publicamente o comportamento de determinados alunos, os quais acabaram sendo
rotulados como indisciplinados e conhecidos pela escola inteira, afetando a relação entre
a professora e os alunos, o que certamente pode ter contribuído para um processo de
exclusão branda, que se assemelha ao de eliminação adiada explicado por Freitas como
uma das situações que geram o processo de exclusão das camadas populares do interior
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001617
9
da escola, isto é, os alunos nela permanecem por algum tempo até serem dela excluídos
(FREITAS, 2007, p. 7). Os ciclos ou o Bloco Inicial de Alfabetização do DF podem
situar-se dentre as novas formas de exclusão apontadas pelo autor, as quais levam a uma
[...] redução da ênfase na avaliação formal e pontual do aluno em sala de aula
(introduzem novas formas de organização escolar: progressão continuada,
progressão automática, ciclos etc., e novas formas de avaliação informais),
liberando o fluxo de alunos no interior da escola e conduzindo ao
fortalecimento do monitoramento por avaliação externa, avaliação de sistema
centralizada (Prova Brasil, SAEB, SARESP, SIMAVE etc.). (FREITAS,
2007, p. 8).
No caso do DF, o BIA teve o propósito de reduzir os índices de reprovação nos
anos iniciais do ensino fundamental. Contudo, reduzir ou eliminar a reprovação
significa substituí-la pelas aprendizagens dos alunos e dos professores. A avaliação
cumpre papel importante nesse processo. Mas, o que se observou é que ela ainda
continua sendo conduzida no BIA da mesma velha forma: classificatória e excludente,
com o agravante de a professora da turma investigada pouco ter investido na avaliação
formal. A intenção de adoção da avaliação formativa tem afastado o uso da prova, como
se ela fosse a principal responsável pelos problemas da avaliação. Ledo engano. Os
alunos da turma investigada passavam por muitas situações de avaliação informal, o que
confirma a afirmação de Freitas.
A avaliação presente no BIA ainda carece de estudo e de reflexão no interior da
escola por todos que interagem com as crianças para que possa atingir sua verdadeira
dimensão na organização do trabalho pedagógico. O desenvolvimento do trabalho
pedagógico fragmentado, assim como a ausência de reflexão coletiva sobre a avaliação
escolar podem ter contribuído para uma prática avaliativa burocrática, servindo apenas
para preencher o Relatório Bimestral de desempenho.
Ademais, a prática pedagógica das professoras que atuam no BIA, assim como a
de qualquer professor, possui um conjunto de idéias que as orientam, porém, querendo
inovar ou não, as professoras não procuraram compreender suficientemente as questões
que dão sustentação à proposta da organização da escolaridade em ciclo e, por isso,
acabavam mesclando práticas pedagógicas, acreditando que o que faziam há muito
tempo era suficiente pela larga experiência que tinham com a alfabetização. Nesse
contexto, a avaliação não entra como categoria fundamental do trabalho pedagógico e
não se mostra, especialmente na avaliação informal que ocorre nos diferentes espaços
da escola, como elemento de inclusão.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001618
10
Finalizando nossa conversa
A investigação explicitou que, a despeito da implementação do Bloco Inicial de
Alfabetização no Distrito Federal, a lógica avaliativa na sala de aula pesquisada ainda
era a mesma do regime seriado, revelando que o trabalho pedagógico como um todo
também assim era realizado. Os resultados ainda apontaram para a ausência de reflexão
coletiva sobre a escola em ciclo, no caso o BIA, e sobre a avaliação que ocorre no
interior da escola.
A avaliação é central no trabalho com ciclos. Assim, muitas são as questões que a
avaliação coloca para o sucesso no BIA ou em qualquer outro segmento: a)Encarar a
avaliação sob outra ótica, diferente da velha ótica classificatória e excludente que existe
na escola apenas para saber o que os alunos não sabem. b) Atribuir à avaliação seu real
valor dentro da organização de todo o trabalho pedagógico. c) Utilizar a avaliação
informal e a formal de forma criteriosa e estritamente com função inclusiva, ―devendo
ser empregadas no momento certo e de maneira adequada. A avaliação formal é
insuficiente para abranger todos os estilos de aprendizagem. A informal pode
complementá-la.‖ (VILLAS BOAS, 2004, p. 28). d) Compreender que a organização da
escolaridade em ciclos pressupõe o uso dinâmico dos tempos e dos espaços escolares,
com vistas ao atendimento das necessidades que vão surgindo no contexto e que
dependem de cada realidade, variam de escola para escola, de etapa para etapa etc. c)
Preocupar-se com os avanços de todos os alunos.
Os depoimentos das professoras apontaram para a importância de um processo de
formação continuada desses professores, visto que, ao que nos parece, todos que atuam
no BIA tiveram mais experiência com uma prática avaliativa classificatória, que não
estava à disposição das aprendizagens, do que com uma avaliação formativa. Ainda há
um longo caminho a ser percorrido nesse sentido. Segundo Perrenoud (1999), a
avaliação das aprendizagens apareceu no contexto da escola organizada em séries, em
meados do século XIX, por isso realizar mudanças na prática avaliativa requer uma
mudança na cultura de todos os envolvidos. Mas, mudar uma cultura é difícil. É difícil,
não impossível. A mudança vem lentamente, porque ―nada se transforma de um dia para
o outro no mundo escolar [...], a inércia é por demais forte nas estruturas, nos textos e
sobretudo nas mentes, para que uma nova idéia possa se impor rapidamente.‖
(PERRENOUD, 1999, p.10).
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001619
11
A partir das reflexões aqui tecidas, este texto espera contribuir para que a escola
organizada em ciclos possa ser vista e vivida de fato diferentemente da escola
organizada em séries, encarando a avaliação que ocorre no interior da sala de aula como
eixo condutor de todo o trabalho pedagógico.
Referências
ABRAMOWICZ, Anete e MOLL, Jaqueline. Para além do fracasso escolar.
Campinas, Papirus, 1997.
ARROYO, M. Fracasso-Sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da
educação básica. In: ABRAMOWICZ, A. e MOLL, J. Para Além do Fracasso
Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1997.
ARROYO, M. Ciclos do desenvolvimento humano e formação de professores.
Educação & Sociedade, Campinas, v.20, n. 68, 1999.
BARRETO, E. S. de S.; MITRULIS, E. Trajetória e desafios dos ciclos escolares no
país: estudos avançados. São Paulo: USP. v. 15, n. 42. mai/ago, 2001.
BARRETO, E. S. de S.; MITRULIS, E. Trajetórias e desafios dos ciclos escolares no
Brasil. In: PERRENOUD. P. Os ciclos de aprendizagem: um caminho para
combater o fracasso escolar. Porto Alegre: Artmed. 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira - INEP. Sistema de ciclos abrange 21% dos alunos do
ensino fundamental, Brasília, 2011. Disponível em http://portal.inep.gov.br/rss_censo-
escolar/ - Acesso em 02/01/2012.
DALBEN, Â. I. L. F. Das avaliações exigidas as avaliações necessárias. In: VILLAS
BOAS, Benigna Maria de Freitas. Avaliação: políticas e práticas. Campinas: Papirus,
2002.
FERNANDES, C. de O. Escolaridade em ciclos: desafios para a escola do século
XXI. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
FERNANDES, C. de O. A escolaridade em ciclos: práticas que conforma a escola
dentro de uma nova lógica – a transição para a escola do século XXI. Rio de janeiro,
2003. 353p. Tese (doutorado) – Faculdade de Educação, PUC-Rio, 2003.
FREITAS, L. C. de. A dialética da eliminação no processo seletivo. Educação &
Sociedade. Campinas, v. 12, n. 39, 1991.
FREITAS, L. C. de. Ciclo ou séries? O que muda quando se altera a forma de organizar
os tempos-espaços da escola? Caxambu – MG: Anais, 27ª. Reunião Anual da ANPEd,
2004.
FREITAS, L. C. de. Ciclos, Seriação e Avaliação. São Paulo: Moderna, 2003.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001620
12
FREITAS, L. C. de. Eliminação adiada: o ocaso das classes populares no interior da
escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino. Educação & Sociedade. Campinas,
v.28, n.100, out. 2007.
JODELET, D. Os processos psicossociais da exclusão. In BADER Sawaia, (Org.). As
artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social.
Petrópolis: Vozes, 1999.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 3.ed.
São Paulo: Cortez, 2000.
MAINARDES, J. A escola em ciclos: fundamentos e debates. São Paulo: Cortez, 2009.
MAINARDES, J. Reinterpretando os ciclos de aprendizagem. São Paulo: Cortez,
2007.
PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
PEREIRA, M. S. A avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização: a realidade de uma
escola do Distrito Federal. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade de Brasília – UnB. Brasília – DF, 2007.
PERRENOUD, P. Profissionalização do professor e desenvolvimento de ciclos de
aprendizagem. In: Cadernos de Pesquisa. Campinas – SP: Editora Autores Associados,
nº 108, Nov.1999.
SEEDF - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL.
Orientações Gerais para o Ensino Fundamental de 9 anos: Bloco inicial de
Alfabetização. Versão Revista. Brasília: Subsecretaria de Educação Pública: 2005.
TARGINO, R. Prova Brasil: nove em cada dez alunos do 9º ano de escolas públicas
não sabem fazer contas com centavos. Disponível em
http://noticias.uol.com.br/educacao/2011/12/21. Acesso em 27/12/2011.
VILLAS BOAS, B. M de F. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico. Campinas-
SP: Papirus, 2004.
VILLAS BOAS, B.M de F. A avaliação no Bloco Inicial de Alfabetização do DF.
Caxambu – MG: Anais, 29ª Reunião anual da Anped, 2006.
VILLAS BOAS, B.M de F. As práticas avaliativas e a organização do trabalho
pedagógico. Campinas – SP: UNICAMP, Tese de Doutorado. 1993.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. (Org.). Avaliação: políticas e práticas. Campinas:
Papirus, 2002.
VILLAS BOAS, Benigna M. de F. Virando a escola por meio da avaliação.
Campinas: Papirus, 2008.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001621