a aplicação do sermão

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  • 5/11/2018 A aplicao do Sermo

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    A APLICACAO DO SERMAOpor Emilson dos Reis

    Quando um pregador escolhe preparar urn sermao sobre um determinado texto\

    biblico, 6 necessario que ele primeiro conheca sua interpretacao e, depois, saiba comoaplica-lo. Interpretar urn texto significa descobrir 0 que ele significava para aquele que 0escreveu - 0 que ele tinha em mente, qual era sua intencao. A correta interpretacao 6feita respeitando-se detenninadas regras e fazendo uso das ferramentas apropriadas. Asregras de interpretacao sao fornecidas por uma ciencia chamada hermeneutica, e amaioria delas e tambem utilizada para a compreensao de outros escritos antigos,religiosos e seculares. Uma dessas regras nos lembra de respeitar 0 contexto, outra nosadverte para levarmos em conta 0 genero literario que foi utilizado (narrativa, parabola,proverbio, apocaliptico, etc.), ainda outra, recomenda considerannos 0 conjunto dasEscrituras Sagradas sobre urn determinado assunto e nao apenas urn texto isolado.Enfim, ha diversas regras que podem ser encontradas em livros que tratamespecificamente desse assunto. As ferramentas, por sua vez, consistem naquelas obrasque foram preparadas especificamente para ajudar na compreensao dos textos biblicos:.dicionarios biblicos e teologicos, enciclopedias biblicas, comentarios biblicos,concordancia biblica, etc.

    Depois que 0 texto foi interpretado, entendido, agora que se sabe 0 que elesignificava no passado, ele precisa ser aplicado. Aplicar significa extrair dele a licaoespiritual para a vida presente. 0 pregador deve perguntar: "Como este texto ajuda amim e aos meus ouvintes em meio as nossas lutas, necessidades e desafios?" Deve-senotar que a intencao da Biblia falar do passado e do futuro 6 aplica-lo ao presente.

    o valor cia interpretacao jamais deve ser desprezado, pois, se nao houver umainterpretacao ou se ela for incorreta, corre-se 0 lisco de se fazer uma aplicacao que naocondiz com a verdade, de modo que resulte em individuos e congregacoes fonnandocaracteres e adotando procedimentos que destoam daquilo que foi planejado por Deus.

    Observe urn exemplo de aplicacao de urn texto em que 0 pregador nao sepreocupou em interpretar. 0 texto diz: "E, assim, considerou ele puros todos osalimentos" (Me 7: 19). A aplicacao, notadamente equivocada, foi que podemos comerqualquer alimento sem incorrermos em pecado. Se este pregador tivesse feito seutrabalho de interpretacao, teria respeitado 0 contexto, a narrativa no qual este versiculoesta inserido. Perceberia que todos os envolvidos - Jesus, os discipulos e os escribas efariseus que fizeram a acusacao - eram judeus. Nenhum deles utilizava alimentacao

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    irnpropria, Nenhum deles possuia qualquer duvida sobre esta questao. Este nao foi 0foco da d1SCUSSao.0 assunto se concentrava na pratica de lavar as maos antes de umarefeicao. Os discipulos estavam comendo sem terem lavado as maos. De acordo com as!regras rabinicas (nao as regras de Deus) isso era pecado. Por essa razao veio acondenacao dos lideres judeus e a explicacao dada por Jesus. Tambem, um exame dotexto paralelo de Mateus, especialmente sua conclusao, e suficiente para clarear 0assunto: "Porque do coracao procedem maus designios, hornicidios, adulteries,prostituicao, furtos, falsos testemunhos, blasfemias. Sao estas coisas que contaminam 0homem; mas 0 comer sem lavar as maos nao 0 contamina" (Mt 15:19-20).

    Note, agora, outro exemplo, neste caso, de uma aplicacao baseada em umainterpretacao incorreta. 0 texto declara: "Tendo cance1ado 0 escrito de divida, que eracontra nos e que constava de ordenancas, 0qual nos era prejudicial, rernoveu-ointeiramente, encravando-o na cruz" (C12: 14).0 pregador interpretou que 0 escrito dedivida que foi removido e a lei moral. Consequentemente, a aplicacao, distorcida, foi ade que nao mais e necessario guardannos os mandamentos da lei moral.

    Embora 0 verdadeiro sentido de urn texto biblico e 0 principio nele conti do naomudern com 0 passar do tempo, sua aplicacao depende da epoca, da cultura, dascircunstancias e das necessidades dos ouvintes.' Como exemplo, citamos ICo 8. Ali 0ap6stolo Paulo apresenta um principio e sua aplicacao. 0 principio declara: quandofazendo uso de nossa liberdade e saber procedemos de maneira que nosso irmao fracotenha sua consciencia contaminada e golpeada e, assirn, tropece e pereca, estarnospecando contra esse irmao e contra Cristo que por ele morreu. A aplicacao, para aquelesque receberarn essa carta apostolica, se referia a comida sacrificada aos idolos. Nascidades pagas, a came podia ser encontrada nos mercados enos templos, A came dostemplos era mais barata e, por isso, alguns cristaos, para economizar e sabendo queembora ela tivesse sido oferecida em sacrificio, de fato 0 idolo nada e (v. 4) e que,portanto, 0 alirnento nao havia side alterado, faziam uso desse alimento sem maiorpreocupacao. Estes tambern, quando convidados por algum amigo nao convertido paraparticiparem de uma refeicao na qual era servido este tipo de carne, aceitavam. Outros,porern, que haviam tido muita familiaridade com os idolos, viam nisso umcomportamento pecaminoso e ficavam escandalizados e abalados ern sua fe (v, 7)_2Paulo, entao, recomenda aos primeiros, que abram mao de sua liberdade, por amor aossegundos (v. 13). Todavia, hoje, de urn modo geral, n6s nao temos mais qualquertentacao ou dificuldade com esse assunto, porque 0 alimento que vamos comprar nao

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    foi oferecido a algum idolo antes de ir para 0mercado. 0 fato e que 0 principiopermanece - exigindo que consideremos 0 bern estar espiritual de nossos irmaos acimade nossa liberdade individual- mas pode haver outras aplicacoes em diferentes Iugares,epa cas e circunstancias. Pode ocorrer que algum procedimento seja perfeitamenteaceitavel em minha relacao com Deus, mas que, por imaturidade crista de meu irmaoque me observa, sirva para faze-lo tropecar e enfraquecer em sua fe. Entao, sabedordisso, em obediencia ao principio, eu you declinar de minha liberdade, por amor a ele.

    Enquanto que a interpretacao do texto atinge nosso intelecto, a aplicacao devecontribuir para moldar nosso carater e conduta. A primeira esta relacionada ao saber e asegunda, ao ser a ao fazer.:' A tarefa da pregacao e basicamente a de aplicar 0 texto itvida dos ouvintes. Sem aplicacao nao ha sermao. Se 0 orador nao fizer uma aplicacaodo texto, entao podemos chamar sua fala de aula, de palestra, de discurso, de comentariobiblico falado, ou de outro nome qualquer, mas nunca de serrnao. E de mesmo, quefala, de fato, nao e urn pregador, mas apenas um orador ou palestrante ou algoequivalente.

    A aplicacao tem sido comparada a uma ponte entre 0mundo biblico e 0mundoatual. Para construi-la 0 pregador deve conhecer bem as duas margens que e1a ira ligar:o texto biblico e seus ouvintes. Se ele conhecer bem e souber interpretar corretamente asEscrituras, mas nao conhecer a natureza humana, as lutas, provas e tentacoes e a culturae as condicoes em que 0 povo se encontra, entao sera semelhante aquelas pontesinacabadas, que comecaram a ser construidas a partir de uma das margens e que porqualquer razao sao abandonadas, esquecidas a meio caminho e que para nada servem. 0mesmo ocorrera se ele estiver bem familiarizado com seus ouvintes e conhecer bern anatureza humana, mas desconhecer 0 correto ensino biblico. Como pregadores,precisamos conhecer bern as Escrituras e bem os hom ens e os dias eml~ue vivemos.Precisamos saber como melhor aborda-los e como levar a eles a Palavra que salva. Paratanto, e relevante ter contato direto com 0 povo, inclusive par meio da visitacao.

    Em realidade, 0principal responsavel pela aplicacao da Palavra ao coracaohumano e 0 Espirito de Deus. AqueJe mesmo Espirito que produziu as SagradasEscrituras e as preservou atraves dos seculos e fez com que 0 pregador as entendesse,deve agora aplica-las aos ouvintes. E ele faz sua obra antes, durante e depois dapregacao. E ele quem induziu 0pregador a escolher aquele texto ou tema especifico eque impeliu as pessoas a irem ao local de culto naquele dia exato. E ele que durante apregacao traz lembrancas, revela necessidades, desperta a consciencia, faz sugestces,

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    move a vontade e vivifica 0 coracao. E ele que depois do sermao, quando a vidacontinua, da forcas para mudar e restaura a h0111ema imagem de Deus. Todavia,frequentemente, ele se vale dos rregadores e os usa como seus agentes para fazer aaplicacao, Foi 0 que ocorreu com os profetas, os ap6stolos, com Joao Batista e com 0proprio Cristo. Ha ouvintes que simplesmente nao sabem como aplicar a sua vida aensino biblico se nao houver a orientacao do pregador."

    Sugestces para 0 pregador aplicar corn correcao:~ A aplicacao deve brotar naturalmente do texto que esta senelo estudado. Os

    ouvintes precis am perceber de que ela esta contida no principio exposto pelotexto. Eles precisam ver nela a logomarca "Assim diz 0 Senhor".5

    ~ A aplicacao pode ser vista desde 0 proprio titulo, que e cativante para 0 ouvinte.Assim, se voce for pregar sobre Gn 12, em lugar de colocar 0"0 chamado deAbraao" como titulo de seu sermao, escolha "Saindo da zona de conforto" oualgo parecido, atual.

    ~ A aplicacao deve ser feita desde 0 inicio da exposicao, em qualquer momentosempre que possivel, e na conclusao ela atingira 0 seu climax.

    '" A aplicacao mostra como a verdade biblica se relaciona a experiencia dos. bI!ouvintes, aos seus pro ernas pessoais.

    ~ A aplicacao faz 0 ouvinte ver 0 que deve ser feito, apresenta sugestoes praticasde como fazer e 0 persuade a fazer. 6

    ~ A aplicacao elesafia os ouvintes e convoca-os a acao . A aplicacao nao deve ser apenas negativa, indicando 0 que nao fazer.~ A aplicacao deve ser feita de maneira que 0 ouvinte perceba aqueles aspectos ern

    que precis a mudar e nao apenas a parte que 1he e favoravel, aquela que eleobedece. E1a deve atingir seus pontos fracos'

    Hi assuntos que podem ser aplicados aos ouvintes em geral, enquanto que outross6 podem ser aplicados a classes especiais (lideres, rnulheres, jovens, etc.).

    ~ Algumas vezes e melhor utilizar a expressao "voce" e nao "nos", pois assim 0ouvinte e atingido mais direta e pessoalmente. Outras vezes e melhor 0pregadorse incluir, empregando a primeira pessoa do plural.

    ~ Pode acontecer que em alguns pontos do sermao as licoes que advem da Bibliasejam tao obvias que se tome desnecessario que 0 pregador faya aplicacao.Algumas vezes, aquila que os homens percebern no texto, sem que 0pregadorlhes diga claramente, podera produzir maior efeito.

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    4 A aplicacao geralmente e especifica e definida, mas hi ocasices em que pode serapresentada mediante sugestao, como e 0 caso de uma ilustracao que por simesmo aplique uma determinada verdade.

    "" Se houver na igreja urn problema muito delicado, talvez 0melhor seja nao sertao especifico na aplicacao, confiando na aplicacao feita pelo Espirito."

    ~ Ao aplicar, e necessario deixar claro que nossa obediencia a Palavra resultara embencaos e crescimento espiritual. 9

    Como vimos, a aplicacao e um aspecto essencial do sermao. Sem ela, a exposicaoda Palavra nem sequer pode ser chamada de sermao. Ela se constitui na ponte entre 0mundo biblico e 0mundo contemporaneo e para que expresse a vontade de Deus paranossa vida, deve ser-precedida de cuidadosa interpretacao. Embora 0 Espirito de Deus'\seja 0 grande aplicador da verdade, com dernasiada frequencia ele se vale do pregadorcomo seu agente para moldar a vida eo carater dos ouvintes.

    Referencias Bibliograflcas1 Jerry Stanley Key, 0preparo e a pregaciio do sermiio (Rio de janeiro: JUERP,

    2001),294.2 Warren W. Wiersbe, Comentario biblieo expositivo, 6 vols. (Santo Andre:

    Geografia Editora, 2006), 5:777. 0 assunto de comer ou nao da comida sacrificada aosidolos era motivo de grande discussao e desavenca na igreja do primeiro seculo. Eletambem e tratado em lCo 10 e em Rm 14.

    3 Bruce Wilkinson, As sete leis do aprendizado (Belo Horizonte: Betania, 1998),106.

    4 Key, 289; James Braga, Como preparar mensagens biblieas (Deerfield, Florida:VIDA, 1986),191.

    5Wilkinson, 116.6 John A. Broadus, Sobre a preparaciio e a entrega de sermdes (Sao Paulo:

    Custom, 2003), 228.7 Key, 293.s Ibid., 285.9 Ibid., 286 .