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t> m t> mm ia liîwi hiik y A ANESTHESIA GERAL PELO D'ETHYLO Al'IUiSENTADA Á I I'ARA SliH DEFENDIDA sul: A NtESlDENUA DO K X C . mo SNB. KICARUO D'ALMEiDA JORGE jL±Jk U T 2L ^O PORTO IMPHENSA C1VILISAÇÃO - SANTOS & LEMOS 19—Entreparedes (Camproho)—19 1882 3 3/1- JF^C-

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A ANESTHESIA GERAL P E L O

D'ETHYLO

Al'IUiSENTADA Á

I I'ARA SliH DEFENDIDA sul: A NtESlDENUA

DO K X C . m o SNB.

KICARUO D'ALMEiDA JORGE

jL±Jk U T 2L ^O

PORTO IMPHENSA C1VILISAÇÃO - SANTOS & LEMOS

19—Entreparedes (Camproho)—19

1882

3 3/1- JF^C-

DIRECTOR

0 ILL"'» E EXC."'" 8NR. CONSELHEIRO, MANOEL WARIA DA COSTA LEITE

SECRETARIO

0 ILL.»'­ E EXC.­'» SUR. RICARDO D'ALMEIDA

CORPO CATHEDRATICO LENTES CATHEDRATICOS

OS ILL.'D 0 S E H C . " 1 0 ' 3NHS. l.

a Cadeira—Anatomia descriptiva e geral João Pereira Dias Lebre.

2." Cadeira— Physiologia Antonio d'Azevedo Maia. Xa Cadeira—Historia natural dos me­dicamentos. Materia medica Dr. Jos; Carlos Lopes.

i . a Cadeira — Palhologia externa — Therapeutica externa Antonio Joaquim de Moraes Caldas.

5." Cadeira—Medicina operatória.... Pedro Augusto Dias. 6.a Cadeira — Partos, moléstias das mulheres de parto e dos receni­nasei­dos Dr, Agostinho Antonio do Souto.

7." Cadeira — Pathologia interna — Therapeutica interna Antonio d'Oliveira Monteiro.

8." Cadeira—Clinica medica Manoel Rodrigues da Silva Pinto. 9." Cadeira—Clinica cirúrgica Eduardo Pereira Pimenta.

10.a Cadeira—anatomia pathologica... Manoel de Jesus Antunes Lemos. 11.a Cadeira—Medicina legal, hygiene

privada e publica e toxicologia geral. Dr. José F. Ayres de Gouveia Osório. 12.a Cadeira—Pathologia geral, semeio­

logia e historia medica Illidio Ayres Pereira do Valle. Pharmacia Isidoro da Fonseca Moura.

LENTES JUBILADOS i José Pereira Reis.

Secção medica j José d'Andrade Craniaxo. f João Xavier d'Oliveira Barros.

Siw3n .■ininnra í Antonio Bernardino d'Almeida. occçao ciimyca j C o n s o l n e l r 0 j M a n o e | M d a C n s t a M c , Pharmacia Fells da Fonseca Moura.

LENTES SUBSTITUTOS c ,„*„ . „,>„., í Vicente Urbino de Freitas. Secção medica. j M i g n e , A r l t i u | . d a C o s t a S a n l o s ^ Secrïn riruraic­i I A u S u s t ° Henrique d'Almeida Brandão, beeçao uiuigita j a i c a r d o d . A l m o i d a Joi.„e_

LENTE DEMONSTRADOR Secção cirúrgica Cândido Augusto Corrêa de Pinho.

A Escola não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação e enunciadas nas proposições.

(Regulamento da Escola, de 23 d'abril de 1840, art. 155).

t A MEMORIA INOLVIDÁVEL

m.

MEUS 'PAES

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HïEffÂl IBMÂS

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AO MEU PARTICULARÍSSIMO AMIGO

MANOEL UMBEL1NQ FERREIRA 01 SILVA

E SUA EXC.,IA ESPOSA

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MEU ANTIGO CONDISCÍPULO E AMIGO

1 , JOIO I BABO 1 SILVA TELLES

E ESPECIALMENTE A

■Anionic de iJVita JkaaaAkcm t ^eiyiM

íoão Jànlanía tie ifamjiaio e cWto E

íaãfr Sinto­ TUwito

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MEUS COMPANHEIROS DE CASA

Q^/panoe/Q^/faticí J2f(r/i.e<> Q///eonâet'tí>-

&ycÁiano 'Satfka/'ata Çfye&ta Gt/otteá

&lf?ito?ito &fu<T,uáto (/'&ffx.e?)e</o

A O

SEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE

O I L I , . m ° E EXC.mo S N R ,

RICARDO DALMEIDA JORGE

fom tedewumko- cU pAoiunàa taktito.

e aamilacàc- tela uu elevada talento-

O. D. e C.

>Vi?i/cm*« xJet'œeùet c/a ^/('/<a Jx-et'/do.

INTRODUCÇAO

E' de 1842 que datara as primeiras investigações verdadeiramente scientificas sobre a importante ques­tão da anesthesia cirúrgica.

A notável descoberta de Jackson, rapidamente diffundida por todo o mundo scientiíico, foi immedia-tamente objecto de numerosos trabalhos experimentaes e clínicos, que firmados pelos nomes imminentes de Vulpian, Longet, Cl. Bernard, Simpson e muitos ou­tros, deram um vigoroso impulso ao estudo theorico e prático dos agentes de anesthesia geral.

Importantes trabalhos tem sido publicados sobre este assumpto, e o numero dos anesthesicos, primeira­mente limitado ao ether e ao chloroformio, tem hoje crescido consideravelmente, procurando-se em todos

v

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i .

elles a solução do difficil problema, que sem duvida encerra o ideal da anesthesia. Adormecer o doente suavemente e sem perigo no decurso d'uma operação dolorosa, reanimal-o em seguida promptamente, resti-tuindo-lhe na integra as suas condicções anteriores, tal seria indubitavelmente um dos primeiros desideratas da cirurgia. Infelizmente porém, e apesar dos impor­tantes trabalhos de experimentação physiologica e cli­nica, pôde dizer-se que nenhuma das substancias anes-thesicas até hoje conhecidas é absolutamente isenta de perigos. A verdade d'esta asserção provam-na de so­bejo os casos fataes que se tem dado durante e de­pois do poriodo anesthesico.

E ' certo que o conhecimento mais completo da acção physiologica d'estes différentes agentes, fazen-do-nos apreciar melhor o valor das suas indicações c contra-indicações particulares, tende a diminuir cons­tantemente o numero de casos funestos attribuidos á influencia nociva da substancia anesthesica. Estare­mos porém hoje auetorisados a preferir d'entre os anes-thesicos mais empregados um d'elles com exclusão de todos os outros, ou deveremos pelo contrario conser-val-os, submettendo-os a uma rigorosa analyse, e ade-quando-os em seguida a certas e determinadas cir-cumstancias em harmonia com as propriedades physio-logicas que se lhe tiverem positivamente conhecido?

Duret referindo-se a esta importante questão diz, que embora os resultados d'esta lueta scientiíica não estejam ainda perfeitamente decididos, é todavia mui­to de crer, porque já existem os primeiros elementos, que as indicações e contra-indicações relativas á sub-

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stancia anesthesica venham a representar um impor­tantíssimo papel.

E ' por isso que, longe de despresar o estudo d'uma substancia anesthesica, recentemente introduzida na therapeutica, para dar a preferencia absoluta ao ether ou chloroformio, hoje quasi universalmente emprega­dos, devemos pelo contrario estudar as propriedades d'esta nova substancia, primeiro pela experimentação physiologiea nos animaes mais próximos do homem, e em seguida por uma observação clinica cautelosa­mente dirigida com o fim perfeitamente justificado de procurar nas propriedades d'esse novo agente uma fonte provável de indicações especiaes.

Escolhendo para thema da nossa dissertação inau­gural a anesthesia geral pelo brometo d'ethylo, tive­mos precisamente em vista as considerações expostas.

Sem pretender esclarecer com novos dados as re­centes investigações sobre este agente anesthesico, o nosso intuito foi simplesmente expor os recentes tra­balhos sobre as propriedades anesthesicas do brometo d'ethylo, mostrar as indicações que por isso mesmo pode ter, e finalmente concorrer na medida das nossas for­ças para que se vulgarise o emprego d'esté novo anes­thesico tão auspiciosamente introduzido na therapeu­tica.

Em harmonia com as doutrinas expostas, dividire­mos o nosso trabalho em duas partes; na primeira oceupar-nos-hemos de simples considerações geraes sobre a anesthesia, referindo-nos de preferencia ás dos anesthesicos mais vulgarmente empregados, ether e chloroformio, entre os quaes estabeleceremos, n'uni

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capitulo á parte, o confronto entre as analogias e dif­

férences que os separam. Na segunda tractaremos mais especialmente da anesthesia pelo brometo d'ethy­

lo, avaliando especialmente as propriedades que lhe são attribuidas, as vantagens e inconvenientes que pode ter, e as indicações e contra­indicações que d'el­

las se deduzem.

■+>

PRIMEIRA PARTE

i

Acção dos anesthesicos em geral

Sem pretender dissertar largamente sobre a im­portante questão da anesthesia, julgamos no emtanto conveniente fazer muito em resumo algumas conside­rações sobre a série de modificações que se operam no organismo debaixo da influeucia dos agentes anes­thesicos, porque d'esta forma se comprehenderá me­lhor o valor das propriedades attribuidas ao brometo d'ethylo, e por conseguinte também a importância das suas applicações especiaes.

Duas questões se offerecem n'este campo á con­sideração do clinico: l.a a successão de phenomenos

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que pelo facto da anesthesia se operam nas principaes funcçòes de economia; 2.a o mecanismo intimo da acção anesthesica.

O mecanismo intimo da acção anesthesica tem sido objecto de numerosas investigações, sem que até hoje se tenha conseguido uma solução positiva. E ' todavia fora de duvida que, embora diffundido por toda a economia onde é levado pelo sangue, e em con­tacto com todos os tecidos, o agente anesthesico vae fazer recahir a sua influencia predominante sobre a cellula nervosa, principalmente sobre o elemento sen­sitivo.

E' por uma espécie de coagulação temporária da substancia propria da cellula nervosa, que Cl. Ber­nard pretende explicar a modificação physico-chimiea dos elementos nervosos debaixo da influencia dos anes-thesicos. (1)

Esta influencia, que não é privativa das ccllulas ou elementos nervosos nem dos tecidos animaes, pa­rece estar em harmonia com os factos observados pe­lo insigne professor, que mostram claramente que não são as perturbações circulatórias e respiratórias que constituem os elementos fundamentaes da acção anes­thesica. E' por isso que, como todas as outras, a theo-ria da asphyxia tem sido quasi universalmente regei -tada pela incompatibilidade dos phenomenos a que es­tes dois estados dão logar.

A hematose faz-se com regularidade na anesthe-

Por considerações bem fundadas não nos parece aeceita-vel esta theoria,

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sia, porque o sangue arterial conserva a sua cor ru­tilante e a proporção normal d'oxigeneo, ao passo que na asphyxia a hematose cessa, revelando-se esta ces­sação por um excesso d'acido carbónico; por outro lado as propriedades dos nervos motores e da medulla, sus­pensas na anesthesia, conservam-se nas perturbações asphyxicas.

Ha casos, é certo, em que os dois phenomenos coincidem, mas conservam sempre a sua independên­cia relativa; a asphyxia do primeiro periodo da acção dos anesthesicos é devida aos reflexos partindo da ex­citação directa dos nervos pharingeo e laringeo; a que se manifesta n'uni periodo avançado filia-se mais di­rectamente na intoxicação do bolbo .

Considerada pois a acção do agente anesthesico, qualquer que seja a sua natureza, como uma modifi­cação especial da cellula nervosa sensitiva, toda a sé­rie de perturbações que no decurso da anesthesia se manifestam nas funeções da respiração, circulação e calorificação, devem considerar-se como uma conse­quência natural da abolição funccional que se mani­festa em toda a extensão dos centros encephalo-rachi-dianos.

E' n'essa acção sobre os centros que se nota uma regularidade quasi constante na suecessão dos pheno­menos, revellando-se claramente a desigualdade de re­sistência d'esses centros á influencia paralysadora do anesthesico, circumstancia importantíssima que nos permitte conhecer a cada instante o grau mais ou me­nos avançado da intoxicação.

Debaixo d'esté ponto de vista dividiremos com

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Villien em quatro períodos a acção anesthesica sobre os centros.—1.° suspensão das funcções dos lóbulos centraes (somno anesthesico).—2.° suspensão das func­ções da medulla ou da protuberância como órgão de sensibilidade (anesthesia).—3.° suspensão das funcções dos centros cerebro-espinaes como órgãos excito-mo-tores (resolução muscular).—4.° suspensão das func­ções do bolbo e dos nervos orgânicos como principio dos movimentos respiratórios e cardíacos (cessação da respiração e suspensão do coração; morte).

Esta divisão, admittida debaixo do ponto de vis­ta experimental, é egualmente aquella que debaixo do ponto de vista clinico, e addicionando-lhe o perío­do d'excitaçao, melhor nos parece satisfazer as neces­sidades da therapeutica cirúrgica. Estudemos agora mais detidamente cada um d'estes quatro grupos a que nos referimos, e vejamos quaes são os principaes phenomenos que os acompanham e caracterisam.

A apparente analogia que existe entre o somno physiologico e o somno anesthesico, tem sido experi­mentalmente confirmada no tocante ás modificações que se notam na circulação central.

As experiências feitas n'este sentido por homens imminentes, tendem a demonstrar que no somno anes­thesico como no physiologico, é a anemia dos centros o phenomeno mais constante.

Casos ha sem duvida em que os resultados foram contradictories, e em que a superficie cerebral, posta a descoberto pela coroa do trépano, deixou vêr os si-gnaes bem claros d'uma hyperemia incontestável, mas esta contradicção nos resultados obtidos pela observa-

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ção directa são apenas apparentes, e devidos á diver­sidade de condições e dos períodos successivos da ex-* periencia; são as complicações particulares indepen­dentes do phenomeno intimo da anesthesia e directa­mente filiadas nas perturbações asphyxicas, que por vezes se declaram nos primeiros períodos da adminis­tração do anesthesico, que nos explicam satisfatoria­mente as suppostas divergências, e que dissipando-se nos períodos mais avançados, deixam perfeitamente isolados os effeitos próprios da substancia empregada, acompanhada então d'uma anemia evidente.

Esta anemia que acompanha a suspensão da acti­vidade central, está aliás em perfeita harmonia com o que sabemos relativamente ás condições d'irrigaçao sanguínea, que se manifestam n'um órgão qualquer durante os períodos d'actividade e de repouso.

Em ambos os casos a diminuição circulatória não excede a d'um órgão simplesmente em repouso; é porisso que, como muito bem faz notar Cl. Bernard, ha no centro sangue sufficiente para entreter as func-ções nervosas e conservar portanto a reacção propria do systema sensitivo ás impressões externas, como nas condições de repouso perfeitamente physiologico. E ' por isso que a simples anemia não é de per si só sufficiente para explicar a anesthesia, mormente ha­vendo, como ha, no sangue urna quantidade d'oxigeneo superior á normal.

Não resta pois a menor duvida de que uma mo­dificação intima molecular, por emquanto desconheci­da, e recahindo sobre a cellula nervosa, é indispensa-

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sável para justificar o phenomeno fundamental da anesthesia.

Suspensas as funcções centraes, a anesthesia da medulla segue-se de perto; influenciada pelo centro superior, e submettida egualmente á influencia toxica do anesthesico, a sensibilidade medullar vae pouco a pouco desapparecendo, estendendo-se a toda a area peripherica enervada pelos filetes que d'ella partem, e seguindo o phenomeno da anesthesia uma marcha centrípeta, como claramente o demonstram as notáveis experiências de Cl. Bernard.

D'aqui se conclue que pode a anesthesia ser com­pleta ao nivel das terminações nervosas, conservando os troncos a sensibilidade sufïiciente para reagir dolo­rosamente debaixo da influencia d'um estimulo qual­quer.

Este phenomeno, cujo conhecimento é importan­tíssimo nas applicações cirúrgicas, justifica um grau mais subido da anesthesia todas as vezes que tivermos d'actuar sobre o tecido nervoso muito proximo do centro, que lhe dá origem.

Além d'esta marcha centrípeta da acção anesthe-sica, que é indispensável conhecer, outros importan­tes phenomenos temos a mencionar.

Foi Cl. Bernard que estabeleceu debaixo do pon­to de vista da anesthesia cathegorias distinctas nos nervos sensíveis, admittindo que a acção anesthesica invade primeiro os órgãos de sensibilidade espe­cial, correspondente ao tronco e membros, em se­guida os órgãos de sensibilidade especial, exce-

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ptuando o ouvido, cujo elemento nervoso resiste mais tempo á acção dos anesthesicos; e em terceiro lo-gar a sensibilidade bulbar, comprehendendo as regiô*es sensiveis innervadas pelos nervos que, como o glosso pharingeo, o trigemeo e pneumo-gastrico, tem a sua origem no bolbo, proximo ao centro respiratório e cardiaco, e por isso mesmo resistindo mais á acção do anesthesico, e constituindo um perigo imminente todas as vezes que são submettidos a uma insensibilisação adiantada.

E ' em terceiro logar que sobrevem a suspensão das funcções dos centros cerebraes e espinaes como ór­gãos excito-motores.

A resolução muscular accentuada, que caracté­risa este período, é a principio apenas a consequência da abolição do poder central, e da falta de estimulo reflexo pela paralysia dos elementos sensiveis, só mais tarde, n'ura periodo proximo da anesthesia bulbar, é que sobrevem a resolução muscular, devida a uma acção directa sobre os elementos motores, seguindo uma marcha análoga á que foi observada na perda do poder sensível; e são os músculos dos membros e do tronco (salvo os respiratórios) que perdem os seus movimentos voluntários, sendo só mais tarde que os músculos de fibras lisas são affectados pelo agente anesthesico, o que traz como consequência uma díffi-culdade excessiva em suspender as contracções que se manifestam em todas as vísceras dotadas de fibras li­sas, quando tenham de se praticar operações que mais especialmente recaiam sobre os elementos constituin­tes d'essas visceras, nomeadamente ao nivel dos sphyn-

í~ 32 —

cteres, dotados d'uma resistência excepcional á in­fluencia dos agentes anesthesicos.

Era quarto logar, finalmente, e como período ulti­mo, sobrevem a acção sobre o bolbo como centro dos movimentos respiratórios e cardiacos. E ' pela suspen­são das acções reflexas inconscientes que se suspendem os movimentos da respiração e circulação.

A morte n'estes casos pôde apparecer em duas circumstancias différentes, pondo de parte a syncope laryngo-reflexa, propria do primeiro período da anes­thesia, e devida a uma excitação violenta do trigemeo e do laryngeo, que, reflectindo-se sobre o bolbo, sus­pende simultaneamente por intermédio do pneumogas-trico os movimentos respiratórios e cardiacos.

Pondo de parte, como dissemos, este mecanismo devido a uma influencia puramente reflexa, a acção toxica sobre o bolbo revela-se umas vezes pela exci­tação directa das origens do pneumo-gastrico e suspen­são cardiaca consecutiva, quando o sangue saturado do anesthesico (em geral chloroformio) chega subitamente ao contacto do centro respiratório na anesthesia rápida, e o que constitue a syncope secundaria ou bulbar; ou­tras vezes manifesta-se na intoxicação lenta e gradual e accumulação excessiva nos tecidos, uma consequên­cia da paralysia dos ganglios cardiacos e porisso mes­mo irremediável e profunda; n'estes casos extremos a morte annuncia-se pela suspensão dos movimentos res­piratórios, que precede dois minutos approximada-mente a syncope final do coração.

Feitas estas considerações geraes relativamente á acção dos agentes anesthesicos sobre os órgãos cen-

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traes d'inervaçao, poremos de parte a descripção mi­nuciosa dos phenomenos observados durante a anes­thesia, para tão somente fazermos algumas considera­ções sobre um conjuncto de phenomenos a que todos os auctores ligam um valor especial, como indicios d'uma phase perigosa da anesthesia, e que por isso mesmo devem ser attentainente observados como um estado visinho da paralysia ou intoxicação bulbar, contra-indicaçào formal á continuação da influencia anesthesica.

Esta série de phenomenos ou signaes precursores d'um perigo imminente são fornecidos principalmente pelas grandes funcções da respiração, circulação e ca-lorificação e por algumas perturbações da face, do globo ocular e da pupilla, a que Duret liga com justa rasão uma importância capital.

Começando pelas perturbações respiratórias, in­contestavelmente das mais importantes, é fora de du­vida que qualquer obstáculo á livre circulação do ar nas cellulas pulmonares deve constituir um perigo, que urge debellar sem demora.

As perturbações rithmicas podem dar-se no co­meço ou n'uma phase avançada da anesthesia. As pri­meiras são devidas á excitação reflexa dos pneumo-gastricos, e traduzem-se por movimentos precipitados e superficiaes, pelo espasmo da glotte, ou pela immo-bilisação tetânica dos músculos thoracicos e do dia­phragma, acompanhada por vezes d'uma congestão cyanotica da face.

São estes os signaes precursores da forma apnei-ca da morte pelo chloroformio n'esta primeira phase

3

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de narcose incompleta, a que Duret assignala trez va­riedades distinctas: a apnea espasmódica ou glottica por contracção tetânica das cordas vocaes, a apnea cyanica pela quasi immobilisação do thorax e cyanose progressiva, motivada pela contractura reflexa dos músculos respiratórios, e finalmente a apnea depressi­va, em que nenhum phenomeno espasmódico se mani­festa; ha pelo contrario depressão profunda do bolbo e suspensão consecutiva dos movimentos respiratórios e cardíacos.

As segundas são em geral o resultado d'uma in­toxicação lenta, e revellam-se por phenomenos alter­nativos de acceleração e suspensão dos movimentos

' thoracicos, que por ultimo se tornam precipitados e superficiaes, suspendendo-se de todo e ficando a res­piração apenas garantida por alguns movimentos dia-phragmaticos, que passando rapidamente pelas mes­mas phases, se suspendem egualmente no período final.

Os ruidos respiratórios são egualmente signaes d'um importantíssimo valor, porque, quando a intoxi­cação do bolbo começa, revella-se em geral pelo es-tortor devido á paralysia da úvula, que se desloca debaixo da influencia da columna d'ar formada pelos movimentos respiratórios do thorax.

E' n'estas condições que sobrevem a morte por apnea no período de narcose completa.

Anniquilada a excitabilidade dos centros cere-braes e medullares, á excepção do bolbo, única ga­rantia das funcções da vida vegetativa, a mor te pode sobrevir com a maxima facilidade, desde o momento

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em que, rompendo-se o equilíbrio entre a absorpção e a eliminação do agente anesthesico, uma nova dose venha suspender definitivamente a actividade do bol­bo e por conseguinte do centro respiratório na forma a que nos estamos referindo. E ' este o mecanismo da morte por apnea toxica simples, isto é, em que não ha complicações pulmonares que dêem aos phenomenos asphyxicos uma feição mais complexa.

Casos ha {forem em que o accidente é devido em grande parte ás perturbações phlegmasicas ou conges­tivas do apparelho cardio-pulmonar, e em que por conseguinte a cyanose e engorgitamento do systema venoso cervical, acompanhada duma respiração ester-torosa, precedem a suspensão completa dos movimen­tos respiratórios e cardíacos.

E ' a apnea toxica pneumo-bulbar de Duret que se manifesta nos estados pathologicos caracterisados por uma perturbação mais ou menos grave na circu­lação dos capillares pulmonares, ou por obstáculo me-canimo, que se opponha aos movimentos da caixa thoracica e das pleuras.

As perturbações circulatórias revelladas pelo pul­so são egualmerite importantíssimas, e constituem, quando levadas a um certo grau, os signaes precurso­res da forma syncopal da morte durante a anesthesia.

Pondo de parte as irregularidades de força e ra­pidez, observadas no periodo d'excitaçao, e que con­vém seguir attentamente pela possibilidade da synco­pe laryngo-reflexa, a que já nos referimos, o pulso apresenta desde o começo da anesthesia confirmada trez modificações principaes: primeira lento e cheio,

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_ 3G -

indicio d'um augmente d'inergia do coração e da con­tracção tónica dos vasos; em seguida molle e lento, signal evidente da depressão consecutiva dos vaso-motores e do coração; c em terceiro logar, finalmen­te, pequeno e rápido, indicio d'uma intoxicação pro­funda.

As duas primeiras modificações são compatíveis com a integridade das funcções vitaes, a terceira cons­titue um phenomeno precursor e proximo da syncope final do coração.

E' a alteração das feições e a pallidez cadavéri­ca da face, sobrevindo de subito, e coincidindo com o desapparecimento immediato do piilso, que caraeteri-sam clinicamente o accidente na phase que se segue ao periodo d'excitaçao e anteriormente ao appareci-mento da resolução muscular.

Na phase de narcose completa a morte por syn­cope pode egualmente sobrevir, segundo Duret, por­que, se é certo que a experimentação physiologica nos cães conduzia Arloing a sustentar que a apnea prece­de a syncope n'este periodo, é fora de duvida que a clinica, assistindo á suspensão primitiva dos movimen­tos cardíacos em certos casos, não pôde admittir uma similhante opinião.

E ' certo que em condições taes, como muito bem faz notar Duret, a syncope toxico-bulbar simples é pouco frequente, havendo quasi sempre lesões cardia-cas concomitantes, que podem muito concorrer no mecanismo da morte, ou, por outra, é quasi sempre debaixo da forma cardio-bulbar-toxica que a morte por syncope sobrevem em circumstancias taes.

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Além d'estas perturbações das duas grandes func-ções da respiração e circulação, que devem ser atten-tamente observadas e rigorosamente interpretadas pelo clinico durante as différentes phases da anesthesia, te­mos ainda o precioso recurso das modificações varia­das, que durante a anesthesia apresentam a sensibili­dade da face e da cornea e as modificações da pu-pilla, que nos advertem a cada instante da somma d'excitabilidade de que dispõe os centros nervosos, e por conseguinte da proximidade d'um perigo que urge a todo o transe evitar.

São as origens do trigemeo no bolbo que dão á sensibilidade da face toda sua importância. Em toda a area de distribuição d'esté nervo, mas sobretudo na cornea, a diminuição do poder sensivel é um indicio evidente d'uma narcose profunda, coincidindo com a anesthesia completa da cornea a phase verdadeiramen­te perigosa, em que pôde considerar-se imminente da influencia do menor desvio a paralysia súbita do bol­bo com todas as suas consequências que naturalmente se lhe seguem.

E' n'estas condições que se nota uma accentua-ção pronunciadissima da pallidez propria d'um periodo avançado d'ancsthesia, com descoramento das muco­sas e abaixamento da temperatura, indicando uma at-tenuação proporcional da energia cardíaca e da in­tensidade das combostões orgânicas.

E' egualmente n'esta phase de narcose profunda que se nota o importante phenomeno da perda dos movimentos associados dos globos oculares consecuti­vamente ao nistagmus do periodo d'excitaçao.

— 38 —

As variações da pupilla, egualmente significati­vas, consistem na dilatação rápida e immobilisação consecutiva, verdadeiro contraste com a contracção característica d'uma phase menos perigosa da anes­thesia, em que não existe ainda compromettimento grave do bolbo, e em que por conseguinte podem con­sidérasse illesos os centros respiratório e cardíaco.

II

Ether e ch.loroform.io

Expostos a longos traços os effeitos principaes dos agentes anesthesicos sobre a economia animal, pa-rece-nos conveniente dedicar algumas palavras ao con­fronto entre as propriedades especiaes das duas subs­tancias, que hoje, por assim dizer, dominam a anes­thesia cirúrgica, o ether e chloroformio; porque, em­bora a acção anesthesica seja no fundo a mesma, nem porisso as modalidades especiaes que caracterisam a acção das substancias empregadas, deixam de ter uma importância capital debaixo do ponto de vista da maior frequência e intensidade dos accidentes, que porventura se possam produzir, e das circumstancias em que elles se manifestam de preferencia.

Só d'esta forma podiamos avaliar melhor as van­tagens e inconvenientes do brometo d'ethylo.

— 40 —

■ Sem exaltar um ou outro (Testes agentes, porque não é o exclusivismo que pretendemos adoptar, mas sim indicação e contra­indicação que desejamos for­

mular com a suficiente clareza para que possam ser promptamente seguidas, limitar­nos­hemos a expor as vantagens e inconvenientes d'um e d'outro debaixo dos principaes pontos de vista em que convém enca­

rar os effeitos d'um anesthesico qualquer. Deixando as considerações relativas ás proprie­

dades physicas e modo d'administraçao do anesthe­

sico, que, embora importantes, não são de certo as que mais devem influir no animo do clinico, oceupemo­

nos de preferencia dos effeitos produzidos sobre o or­

ganismo, e dos accidentes que podem sobrevir attri­

buidos ao seu emprego. Os effeitos locaes no primeiro período da anes­

thesia são mais facilmente supportaveis com o ehloro­

fbrmio do que com o ether; ao passo que o ultimo provoca tosse, dyspnea e calor no peito, o primeiro pelo contrario não manifesta esses phenomenos em tão alto grau, e é facilmente supportado pelos doentes.

A excitação e delirio, por vezes violentíssimos, que provoca o ether, são relativamente insignificantes com o chloroformio; em gumma, debaixo do ponto de vis­

ta da intensidade e duração dos phenomenos próprios do primeiro período o chloroformio leva vantagens ao ether, mas infelizmente, esta vantagem é larga­

mente compensada pelas perturbações cardíacas e syn­

cope laryngo­reflexa ou inicial, tão frequente com o chloroformio e muito menos para receiar com o ether.

Este accidente, diz Valletta, pude manifestar-se

: - 4i -

desde o começo, rápido e instantâneo, cahindo o doen­te como que fulminado ás primeiras inhalações da substancia anesthesica.

Foi esta rapidez de acção, ligada em parte á me­nor volatibilidade do chloroformio, que tem sido con­siderado como um inconveniente, e que levou a Aca­demia de Medicina de Lyon a regeitar em absoluto o emprego do chloroformio, dando em todos os casos a preferencia ao ether.

Em opposição com este modo de ver se lavantam as asserções de Forget, que sustenta na Academia de Cirurgia, que esse supposfo inconveniente do chloro­formio é precisamente uma das maiores vantagens, permittindo ao prático avaliar melhor o grau da ac­ção produzida sobre os centros pelo agente anesthesi-co empregado.

Sem oceultar estes exageros, diremos todavia que os casos citados por Duret, Richard e outros, provam de sobejo que a excitação extrema do primeiro perío­do pode ter inconvenientes, e que por outro lado os accidentes iniciaes do chloroformio podem ser na im-mensa maioria dos casos evitados, seguindo-se á risca as precauções que é indispensável adoptar. Por outro lado, como muito bem faz notar Duret, ha casos em que os accidentes mortaes da etherisação são tão rá­pidos e tão insólitos, como os que se manifestam du­rante a anesthesia pelo chloroformio.

No periodo d'anesthesia ha ainda importantes differenças que convém mencionar: a resolução mus­cular, indispensável na reducção de fracturas c luxa­ções, obtem-se d'um modo mais prompto e completo

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com o chloroformio, do que com o ether, principal­mente nos indivíduos robustos e pouco impressioná­veis.

A influencia exercida sobre as funcções da res­piração, circulação e calorificação, différera egualmen-te n'um certo numero de particularidades, que convém conhecer e precisar, porque, embora fundamentados apenas em experiências physiologicas, podem tornar-se objectos d'indicaçoes e contra-indicações impor­tantes.

A circulação pulmonar faz-se com facilidade c rapidez durante a anesthesia pelo ether, porque esta substancia diminue a pressão no coração direito; pelo contrario na anesthesia chloroformica ha uma conges­tão passiva e diminuição circulatória filiada no au­gmenta de pressão no coração direito. Estes dados são importantíssimos, quando se tracte da escolha de anesthesico n'estes casos de lesões pulmonares e car­díacos, em que não possa prescindir-se do emprego da anesthesia cirúrgica.

Á medida que se prolonga o periodo da sensibi­lidade e resolução muscular, é mais para receiar a suspensão súbita das funcções cardio-pulmonares com o ether, do que com o chloroformio; é por isso que nas operações de longa duração, em que os perigos da intoxicação bulbar são mais para receiar, se pre­fere o chloroformio ao ether, apesar da acção estupe­faciente prolongada que por vezes se segue a uma chloroformisação um pouco prolongada.

Estes effeitos tóxicos sobre o centro respiratório attribuidos ao ether são principalmente funestos nas

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creanças, sendo por tal forma accentuada a influencia nociva da etherisação n'estes casos, que os próprios partidários da anesthesia pelo ether são os primeiros a aconselhar a preferencia ao chloroformio na cirurgia das creanças.

A diversidade de efFeitos nota-se ainda nos phe-nomenos consecutivos á cessação da anesthesia, por­que, ao passo que nos doentes submettidos á etherisa­ção se nota um estado pronunciado d'excitaçao, reve-lando-se por crises nervosas, acompanhadas de cepha­lalgia, irritação das mucosas e vómitos, pelo contra­rio o torpor, a adynamia e o abaixamento de tempe­ratura, revelam a acção depressiva considerável, ca­racterística da anesthesia pelo chloroformio.

Pelo que respeita á tolerância dos doentes e so­bretudo á facilidade d'administraçâo, as vantagens pertencem incontestavelmente ao chloroformio, deven­do sobretudo haver o máximo cuidado com a etheri­sação nas operações em que se empregue o thermo­cauter^, porque a inflam mação súbita dos vapores pode trazer consequências graves para o doente c para os operadores.

Feito este rápido confronto, passemos agora ao ponto capital do nosso trabalho: a anesthesia geral' pelo brometo d'ethylo.

SEGUNDA' PARTE

O ether bronihydrico ou brometo d'ethylo, des­coberto em 1829 por Serullas, foi pela primeira vez submettido á experimentação physiologica por Nunne-ley em 1849.

Levado talvez pela analogia de composição com a dos principaes anesthesicos, procurou o notável ex­perimentador estudar as propriedades do brometo de ethylo para em seguida, confrontando as com as dos dous anesthesicos vulgarmente empregados, ver se d'esté parallelo resultaria o descobrimento de alguma superioridade evidente.

Coroadas as suas experiências sobre os aniraaes dos mais auspiciosos resultados, e apesar de confirma­das mais tarde em 1865 pelas observações clinicas do

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mesmo auetor, que affirma, na communicação feita so­

bre este assumpto, ter colhido um êxito completo em todas as operações praticadas debaixo da influencia d'esté importante anestbesico, a maioria dos práticos, exclusivamente voltada para o ether e chloroformio, acolheu com frieza esta descoberta.

Foi só posteriormente aos trabalhos de Rabuteau, que se começou a ligar alguma attenção a este impor­

tantíssimo assumpto. Apresentadas pelo professor Robin em Dezembro

de 1876 á Academia de Medicina, as conclusões do notável pharmacologista eram de tal forma claras e explicitas, que não tardou que o brometo d'ethylo fos­

se objecto de novas e mais importantes observações. Assim appareceram em 1877 a 1879 os trabalhos de Tunebull, Byfort, na America, Terrillon e Ivon, em França, dando um novo impulso á introducção d'esté agente anesthesico pelo conhecimento das suas impor­

tantes propriedades. Encarecendo, como veremos, as propriedades do

brometo d'ethylo, estamos longe de affirmar que elle possa substituir em todos os casos o ether ou o chlo­

roformio e muito menos de o considerar como reali­

sando o ideal da anesthesia; o nosso intento é simples­

mente mostrar que as particularidades da sua acção sobre o organismo podem tornar­se em extremo apro­

veitáveis n'um grande numero de casos, em que o emprego d'outros anesthesicos deve considerar­se como perigoso pelas circumstancias especiaes em que se rea­

lise. As condições a que deveria satisfazer um anes­

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thesico perfeito, ideal que até hoje não foi possível at-tingir, são as seguintes:

1.° Acção rápida sem periodo d'excitaçao, e po­dendo prolongar-se tanto quanto o exijam as circums-tancias do momento.

2.° Innocuidade completa no presente e no fu­turo.

3.° Ausência de propriedades irritantes sobre as vias respiratórias.

4.° Eliminação prompta e restituição rápida e integral do doente ás condicções anteriores.

5.° Administração prompta, fácil e ao alcance de todos os práticos.

Percorrendo as condições impostas, é faeil veri­ficar que um tal desideratum está muito longe de ter uma realisação completa com os meios de que actual­mente dispomos, e é de crer que nunca um semilhan-te resultado se consiga pelo emprego d'uma única sub­stancia, attendendo á extrema variabilidade de orga-nisação e susceptibilidades physiologicas e pathologi-cas, que dão ao problema uma complexidade notável. E ' por isso que se torna indispensável a adopção de vários agentes anesthesicos dotados de propriedades différentes e suficientemente estudados para que pos­sam accommodar-se tanto quanto ser possa ás exigên­cias d'um caso particular.

Este modo de ver, em opposição com o emprego exclusivo d'uma substancia única, conduz naturalmen­te ao estudo das indicações e contra-indicações relativas á substancia a que Duret liga uma importância gran­de e que justifica plenamente as investigações tenden-

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tês a esclarecer e precisar as propriedades do brome­to d'ethylo, como as de qualquer outra substancia em que se reconheça uma acção anesthesica suficiente­mente intensa e duradoura para satisfazer ás variadas exigências da therapeutica cirúrgica.

Seguiremos no estudo das propriedades do bro­meto d'ethylo a marcha que naturalmente se segue em assumptos d'esta ordem; e assim estudaremos o resultado da experimentação sobre os animaes e em seguida das observações clinicas a que se tem proce­dido com o cuidado que exigem experiências de tão valioso alcance.

Foi sobre os porcos da índia e sobre os cães que recahiram as principaes experiências de Terrillon; collocando os primeiros n'um recipiente de vidro de 5 a 6 litros de capacidade, onde conjunctamente se in­troduziu uma esponja contendo 4 a 5 grammas de brometo d'ethylo, observou que o somno anesthesico sobrevinha rapidamente sem periodo inicial d'excita-ção, prolongando-se sem inconveniente durante muito tempo desde o momento em que houvesse o cuidado de estabelecer intermittencias, cujos espaços eram re­gulados segundo o estado do animal submettido á ex­periência.

Nos cães os resultados obtidos foram approxima-damente os mesmos, o que confirma as experiências de Rabuteau que sustenta serem por vezes suíficientes dois minutos d'inhalaçao para que um cão d'uma cor-polencia regular seja completamente anesthesiado.

Segundo Terrillon, para que este resultado se consiga d'um modo completamente satisfactorio e sem

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que o período d'excitaçao seja muito sensível, é indis­pensável que as primeiras inhalações sejam sufficien-temente condensadas. E ' por isso que nas experiên­cias do auctor 15 a 16 grammas de liquido lançado em trez vezes sobre a esponja e sufficientemente ap-proximado do focinho do cão deram como resultado uma anesthesia completa e profunda no fim de trez minutos, ao passo que a mesma quantidade de liquido n'uma simples compressa imperfeitamente adaptada á entrada das vias respiratórias deu como resultado um período d'excitaçao relativamente considerável, sendo necessários dez a doze minutos para se conseguir a anesthesia, e ainda assim com difficuldades de respira­ção dependentes d'uma accumulação excessiva de mucosidades na parte posterior dos fossos nasaes e do esophago.

Durante o período de anesthesia, que pôde pro-longar-se por bastante tempo, havendo o cuidado ne­cessário em attender a cada instante ás perturbações respiratórias, as pupillas do animal conservam-se di­latadas e a conjunctiva insensivel. Suspensas as inha­lações, o animal recupera os sentidos mais rapidamen­te do que com o emprego do ether ou chloroformio e sem haver a receiar o apparecimento da intoxicação profunda, tão frequente nos cães submettidos ás inha­lações do chloroformio.

A ausência de vómitos no cão, não tendo sido alimentado desde o dia antecedente, foi constante em todas as experiências; a insensibilidade foi completa e profunda como provam as operações praticadas du­rante a anesthesia e as irritações variadíssimas a que

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foram submettidos os órgãos mais sensiveis do ani­mal, sem que em nenhum dos casos houvesse indícios alguns de reacção dolorosa, revellando-se por uma excitação qualquer. Voltando a si, o animal conserva por alguns minutos uma incerteza de movimentos e excitação análogos aos phenomenos de embriaguez.

As rãs são egualmente sensiveis á influencia do brometo d'ethylo. A anesthesia sobrevem 10 a 15 mi­nutos depois de terem sido introduzidos na agua sa­turada d'esta substancia.

Taes são a largos traços os resultados da expe­rimentação physiologica nos animaes mais próximos do homem.

Foram os resultados satisfactorios d'estas expe­riências habilmente dirigidas que auctorisaram a obser­vação clinica, sendo certo, como vamos vêr, que em todos os casos até hoje registados sobre este assumpto se tem conseguido uma anesthesia prompta e isenta de perigos.

Dividiremos com Terrillon em trez períodos a acção do brometo d'ethylo.

1.° Periodo inicial que precede a anesthesia e a resolução muscular.

2.° Periodo d'anesthesia. 3.° Periodo de recuperação dos sentidos o phe­

nomenos consecutivos. 1° periodo—Percorrendo as observações de Ter­

rillon, citadas por Duval no sea importantíssimo tra­balho sobre a anesthesia geral pelo brometo d'ethylo, e estudando por outro lado as conclusões a que chega na communicação feita sobre este assumpto á Socie-

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dade de Cirurgia, é fácil verificar a duração insigni­ficante d'esté período e a rapidez com que se succe-dem os phenomenos que n'elle se manifestara.

Facilmente tolerado pela mucosa das vias respi­ratórias em virtude do pouco poder irritante que pos-sue, não provoca por isso mesmo os phenomenos dis-pneicos e a tosse a que dão logar os anesthesicos vul­garmente empregados, e pela mesma razão a syncope inicial do primeiro período de chloroformisação, que por vezes fulmina com rapidez assustadora, é muito menos para receiar com este anesthesico, acrescentan­do, que em nenhum dos casos até hoje observados se tenha dado um terrível accidente.

Os phenomenos de excitação d'esté primeiro pe­ríodo são por vezes quasi insignificantes, sendo para notar que as contracções musculares tem um caracter essencialmente différente das que se manifestam du­rante o período análogo da chloroformisação e sobre­tudo da etherisação; não são movimentos convulsivos e desordenados que apparecem como consequência da excitação nervosa; são pelo contrario contracções tó­nicas, permanentes, nomeadamente accentuadas nos alcoólicos, e que cedem poucos momentos antes da anes­thesia confirmada, em que são substituídos por uma resolução muscular completa. E ' esta contractura mus­cular que, affectando os músculos thoracicos, difnculta por vezes os movimentos respiratórios n'este primeiro período. O pulso, sempre accelerado, adquire em cer­tos casos uma rapidez considerável. A congestão da face e do pescoço, tão característica do brometo d'e-

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thylo, apparece n'este periodo, e as pupillas conser-vam-se medianamente dilatadas.

Todos estes phenomenos se manifestam, como di­zemos, com uma rapidez considerável, muitas vezes no curto espaço d'um minuto; mas para que estes re­sultados se consigam é indispensável que âs primei­ras doses do anesthesico administradas, sejam consi­deráveis, 5 a 6 grammas, e que a compressa sobre que se lança seja longa e cubra a maior parte da fa­ce do doente, aconselhando-lhe ao mesmo tempo que pratique largas inspirações destinadas a fazer penetrar na torrente circulatória grande quantidade de vapor anesthesico n'um periodo relativamente curto.

2.° período.—N'este periodo, á medida que a anesthesia se accentua, a respiração e circulação acce-leram-se, principalmente todas as vezes que se lança sobre a compressa ou esparja uma nova dose de bro­meto. A face e o pescoço conservam se congestiona­dos, cobrindo-se a fronte d'um suor abundante; todos estes phenomenos estão em perfeita opposição cem o que se manifesta na anesthesia provocada por outros meios, em que ha uma tendência pronunciada para a anemia e para a syncope.

Quando a anesthesia pelo brometo d'ethylo se torna completa e profunda, a frequência dos movi­mentos respiratórios attenua-se, e a respiração tor-na-se fácil e livre desde o momento em que se haja tido cuidado em tirar com uma esponja as mucosida-des, que tendem a accumular-sé na bocca e na pha­ryngé, produzidas muito provavelmente em con­sequência dos phenomenos congestivos do encephalo,

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e que pódora por obstrucção mecânica compromet-ter um pouco as funeções da hematose, exigindo por conseguinte uma intervenção immediata.

São 03 esforços provocados pela presença d'estas mucosidades, que podem simular os phenomenos de regorgitamente ou de vomito, que em geral não se manifestam, se tiver havido uma abstenção completa de alimentos algumas horas antes da administração do anesthesico.

A insensibilisação obtida pelo brometo d'ethylo é completa, permittindo praticar as operações mais dolorosas sem que o doente accuse o menor soffri-mento.

3." período.—N'este periodo é que principalmen­te se accentuam as vantagens do brometo d'ethylo pela facilidade e rapidez com que o doente recupera os sentidos. O despertar do doente, diz Terrillon, c notavelmente rápido, um minuto, e raras vezes minu­to e meio depois de cessar a administração do anes­thesico, e qualquer que tenha sido a duração da anes­thesia, o doente está em estado de responder ás per­guntas que se lhe fazem, de conversar mesmo com facilidade, sem mal estar nem tendência para o som-no, n'uma palavra, recuperando integralmente no cur­to espaço de tempo, a que nos referimos, as condi­ções normaes de funecionalismo cerebral.

Relativamente á frequência de vómitos n'este pe­riodo, são necessárias observações em maior numero, para que possam tirar-se conclusões seguras; porque, embora Servis diga que são menos frequentes c tena­zes do que os do chlorolbrmio e do ether, as obser-

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vagões de Terrillon mostram claramente que, sendo raros os effeitos vomitivos durante a anesthesia, são pelo contrario frequentes no terceiro periodo, princi­palmente algumas horas depois de se suspenderem as inhalações anesthesicas.

Estas observações não são todavia debaixo d'esté ponto de vista demasiadamente concludentes, porque recahiram na maior parte, como o próprio Terrillon confessa, sobro mulheres dyspepticas e impressioná­veis, que por conseguinte vomitam com a maxima fa­cilidade; Servis que liga a este phenomeno uma im­portância muito secundaria, aconselha, comomeio effi-caz de os combater, pequenos fragmentos de gelo administrados repetidas vezes.

Taes são os resultados da applicação do brometo d'ethylo como agente d'anesthesia geral, segundo a communicação feita por Terrillon á Sociedade de Ci­rurgia, e submottida á discussão em 1880.

Os resultados d'esta discussão ficaram, como não podia deixar de ser, um pouco duvidosos, attendendo ao numero relativamente pequeno d'observaçoes, que de certo possuiam os práticos abalisados, que toma­ram parte na discussão.

Vernueil refere-se á grande energia d'esté agente pela rapidez considerável dos seus effeitos, sem toda­via lhe notar uma reconhecida vantagem sobre o chlo-roformio. Refere-so, baseando-se em experiências pes-soaes, aos effeitos locaes, que julga extremamente aproveitáveis nas cauterisações extremamente doloro­sas a que se tem de proceder por vezes na prática da cirurgia.

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Championnière refcrindo-se ás observações feitas nas applicações obstétricas, considera-o approveita-vel, notando-lhe uma certa analogia com o ether ap-plicado nos mesmos casos, e aventa por isso mesmo a ideia de o associar ao chloroformio, attendendo aos effeitos um pouco différentes d'estes dous agentes.

As observações de Nicaise são mais pronunciada-mente favoráveis ao brometo d'ethylo, confirmando as asserções de Terrillon e dos práticos americanos. Só a opinião de Berger se destaca de todas as outras pelos inconvenientes que procura attribuir ao novo anesthe-sico, affírmando em ultima analyse, que não ha van­tagem alguma em dar a preferencia ao brometo d'e­thylo sobro o chloroformio.

Fundamenta este clinico as suas asserções nas experiências a que procedeu com Charles Richet so­bre um numero considerável de cães e coelhos, asse­verando ter notado uma rapidez insólita na morto pro­duzida por este anesthesico, porque é, segundo o au-ctor, extremamente curto o periodo que separa a anes­thesia confirmada da morte nos animaes submettidos por um certo tempo á influencia dos vapores de bro­meto nas experimentações physiologicas.

A excitação considerável que notou nos cães su­bmettidos á experiência, a salivação abundante com fraqueza e ondulação do pulso e dilatação da pupilla, precedendo a morte, são outros tantos inconvenientes que Berger allega para rejeitar o emprego d'esté agente.

Mais do que a experimentação physiologica con­sidera o auetor concludentes os resultados da obser-

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vação clinica, ntío pelas experiências pcssoaes, por­que não as tem, mas pelos resultados obtidos nas cli­nicas de Gosselin em que julga devorem considerar-se como perigosos os phenomenos d'agitaçao tetânica, vermelhidão da pelle e dilatação das veias subcutâ­neas, e ondulação e frequência do pulso, observados n'um doente submettido ás inhalações do brometo d'ethylo, e ainda os phenomenos hysteric os com agi­tação extrema, nauseas e vómitos que se seguiram ao emprego do mesmo agente n'uma mulher hysterica; observação a que attribuiu um valor considerável pelo confronto que se estabeleceu com os resultados obti­dos pela anesthesia chloroformica n'uma outra mulher cm condições análogas no tocante a intensidade da affecção nervosa.

Como conclusão das considerações expostas, in­siste Berger em julgar como imprudente o sem van­tagem o emprego do brometo d'ethylo, como agente anesthesico geral, em todas as operações que pela sua delicadeza ou importância exijam que se prolongue consideravelmente o periodo d'anesthesia cirúrgica.

Esta opinião demasiadamente exclusivista e in­fundada de Berger, é insustentável perante os argu­mentos de que lançou mão o professor Tcrrillon para a refutar.

Effectivamente, se attendermos ás condições em que foram praticadas as experiências physiologicas de Berger, e as confrontarmos com as circumstancias dif­férentes em que Terrillon procedeu e em que as doses de brometo foram relativamente minimas, e sufficien-temente misturadas com ar, para que os accidentes as-

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phyxicos fossem evitados, facilmente comprehendcre-mos como não appareceram os accidentes a que se refe­re Berger, e como por outro lado se produzem, segundo affirma Terrillon, uma insensibilidade e resolução mus­cular completa, a ponto de se poderem praticar sem a minima dôr nem indicio de reacção operações doloro­síssimas, delicadas e de longa duração.

Por conseguinte, em opposição ás ideias de Ber­ger diremos com Terrillon e com os clínicos america­nos, que nas experimentações physiologicas nos ani-maes se nota uma differença considerável entre a ac­ção do brometo d'ethylo e do chloroformio, recahindo indubitavelmente em favor do primeiro.

Pelo que respeita ao cheiro do brometo d'ethylo, que Berger considera em extremo desagradável, esta asserção nem sempre é verdadeira, porque na maioria dos casos talvez, o brometo tem apenas um cheiro análogo ao do ether e perfeitamente supportavel. Os processos de preparação devem necessariamente influir n'estas variantes de propriedades physicas e por con­seguinte estar dependentes de novas investigações.

A dilatação pupillar e a turgescência congestiva da face com pequenez de pulso, que tauto impressio­naram Berger na experiência a que assistiu nas clinicas de Grosselin, estão longe de merecer uma similhante im­portância, por isso mesmo que, como já vimos, é um phenomeno constante, apparecendo com maior ou me­nor intensidade em todos os casos de anesthesia por este meio, e que são de natureza a inspirar-nos muito menos cuidados de que a pallidez e tendência para a syncope, tão frequente na anesthesia chloroformica.

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Em apoio da innocuidade relativa do brometo d'ethylo, citaremos as proprias palavras de Lervis:

«Empreguei-o, diz Lervis, em todas as circums-tancias variadíssimas, que podem attestai- o valor d'um agente anesthesico; em condições perfeitamente insó­litas de debilidade e traumatismo, prolongando por vo­zes a sua acção durante muito tempo em operações d'alta importância, administrando-o em todas as ida­des sempre com resultados satisfactorios e ao abrigo de qualquer manifestação perigosa.»

Citamos as palavras de Lervis por ser precisa­mente o clinico, que junctamente com o dr. Turnebull maior numero de casos de anesthesia por este modo nos pode apresentar, e por isso mesmo mais auetori-dade apresenta em assumptos d'esta ordem.

E ' pois fora de duvida, que os adversários do brometo d'ethylo lho attribuem perigos que realmente não possuo. Não queremos com isto dizer, que elle seja absolutamente benigno, porque casos haverá, ain­da não conhecidos, em que os phendmenos asphyxi-cos ponham em risco a vida do doente; o que quere­mos significar ó, que este agente possue em certos casos incontestáveis vantagens sobre o chloroformio, princi­palmente nas operações rápidas e que não exigem a resolução muscular, porque n'esscs casos a facilidade da anesthesia, a maneira rápida e agradável com que o doente desperta logo quo a operação termina, são as melhores condições que se podem desejar.

O único accidente, que podemos receiar em ope­rações de longa duração, ó a difficuldade respiratória, resultante em grande parte da accumulação da sali-

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va, e podendo dar logar a um começo d'asphyxia; mas a facilidade com que se combate este symptoma, suspendendo as inhalações e eliminando a saliva com uma esponja, atténua consideravelmente a gravidade d'esté accidente.

Pelo que temos dito se conclue que o brometo d'ethylo, empregado como agente d'anesthesia geral, tem dado resultados perfeitamente satisfactorios, que nos auctorisam a emprehender novos estudos e obser­vações com o fim de esclarecer este assumpto, inques­tionavelmente d'um alcance prático importantíssimo debaixo do ponto de vista das indicações a que pôde satisfazer pelas propriedades de que é dotado, inteira­mente différentes das que pretencem ao ether, ao chlo-roformio e a todas as outras substancias que até hoje se têem empregado como meios de anesthesia geral.

Mas para que estes resultados favoráveis se con­sigam, é indispensável que no modo de administração haja o cuidado de satisfazer a um certo numero de prescripções, destinadas a conseguir os resultados e a impedir a manifestação d'uni accidente qualquer, mui­tas vezes devido ao despreso d'essas prescripções.

E ' com uma compressa que se administra o bro­meto d'ethylo. Esta compressa deve ser dobrada um certo numero de vezes, de maneira a poder conter uma quantidade suffíciente do agente anesthesico, e ter di­mensão suffíciente para cobrir a totalidade da face. E ' em geral de 5 grammas a dose que se lança sobre a compressa, aconselhando ao mesmo tempo ao doen­te respire com energia para absorver quantidade suffi-ciente de anesthesico. Por esta forma administrado o

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brometo d'ethylo produz rapidamente o seu cffeito sem excitação cerebral nem contracções musculares, e sem que por outro lado haja a receiar os perigos de asphyxia, attendendo a que o ar atravessa facilmen­te as malhas da compressa, que por isso mesmo deve ser d'um tecido suficientemente permeável.

Esta maneira de anesthesiar, incompatível com as propriedades irritantes do ether e do chloroformio, é perfeitamente praticável com o ether bromhydrico, que não irrita por forma alguma as mucosas ocular e res­piratória.

O peito deve estar completamente livre de qual­quer vestuário e isento de qualquer pressão extranha. O decúbito dorsal deve ser sempre preferido, salvas circumstancias especiaes em que seja indispensável o decúbito lateral, devendo n'estes casos haver cuidado com a administração do anesthesico e com a regula­ridade do rythmo respiratório e cardíaco.

As inhalações não devem ser interrompidas um só instante, emquanto a anesthesia completa se não tiver effectuado; e logo que os effeitos pareçam dissi­par se, uma nova dose é indispensável para conservar o doente na insensibilidade necessária á prática da operação. Debaixo do ponto de vista do grau da anes­thesia, varia necessariamente com as circumstancias especiaes d'um caso particular, c assim é que deve­mos consideral-a suffieiente para as operações de pe­quena importância e pouco dolorosas, quando o doen­te deixa de responder ás perguntas que se lhe fazem ao ouvido e em voz alta.

Pelo contrario nas operações demoradas e em

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extremo dolorosas é indispensável levar a anesthesia mais longe, devendo então o prático guiar-se pelo estado de insensibilidade da cornea e da area sensi­tiva do trigemeo, nervo que, como muito bem diz Du-ret, deve considerar-se como um verdadeiro tentaculo sensível do bolbo, que a cada instante nos annuncia a proximidade da intoxicação bolbar, e por conseguin­te o momento em que urge suspender as inhalações pelo perigo imminente da paralysia dos centros respi­ratório e cardíaco.

O embaraço da respiração e a pallidez ou livi­dez das faces são egualmente signaes importantíssi­mos, e que se dissipam fácil e promptamente desvian­do por um pouco a compressa e permittindo a livre entrada de ar, que além d'isso será facilitada pela eliminação das mucosidades das vias respiratórias por meio d'uma esponja, desde o momento em que haja indicios d'uma obstrucção por este mecanismo, frequen­te, como vimos, na anesthesia pelo brometo d'ethylo.

Se apparecerem vómitos, é indispensável collocar o doente de forma que a sahida se faça com facilida­de, para não augmentar as difficuldades respiratórias.

Taes são as principaes considerações sobre que insistem os práticos na administração do brometo d'e­thylo, devendo haver todo o cuidado, repetimos, em que as primeiras inhalações sejam sufficientemente enérgicas, para evitar a sobreactividade e a rigidez muscular que por vezes se manifesta, se a impressão anesthesica for lenta e pouco enérgica, sobre tudo nos individuos alcoólicos.

Todas estas precauções exigem do prático encar-

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regado da anesthesia uma attenção especial. «O cli­nico encarregado d'esté serviço, diz Duval, não deve importar-se com o que se passa em volta d'elle, e exer­cer uma vigilância incessante sobre o seu doente, tal é o grande dever que lhe confiaram; é pois indispen­sável que elle tenha a capacidade suficiente para co­nhecer a tempo a simples producção da anesthesia, a fim de não a prolongar por ignorância ou negligencia até aos limites da intoxicação perigosa.» Este conse­lho de Duval parece-nos tanto mais acceitavel e digno de se conservar bem gravado na mente de todos os práticos, quanto é certo que se tracta d'uma substan­cia que, embora não tenha até hoje dado lugar a con­sequências funestas, carece por emquanto da impor­tantíssima sancção d'uma longa e aturada experiên­cia.

Taes são as considerações que se nos offerece fa­zer sobre a anesthesia geral pelo brometo d'ethylo, assumpto pouco estudado até hoje, e por isso mesmo carecendo de elementos que nos dessem margem a largas discussões.

Demos-lbe porém a preferencia pela elevada im­portância que nos merece a anesthesia em geral, e pe­las circumstancias extremamente promettedoras em que foram feitas as primeiras experiências com este novo anesthesico.

PROPOSIÇÕES

Anathomia.—O chamado canal crural normal­mente não existe.

Phys io log ia .—A fibra muscular cardíaca é auto-rhitmica.

M a t e r i a medica .—Não ha verdadeiro antago­nismo entre o ópio e a belladona.

P a t h o l o g i a gera l .—A thermometria clinica é um elemento preciosíssimo de diagnostico.

A n a t h o m i a pa tho log i ca .—A similhança que a clinica estabelece entre o epithelioma maligno e o carcinoma tem uma confirmação anatomo-pathologica.

P a t h o l o g i a e x t e r n a . — Admittimos as ideias de Vallette relativamente aos accidentes de occlusão intestinal, ligados á migração imperfeita do testículo.

P a t h o l o g i a in terna .—Não ha tractamento de­terminado para a pneumonia.

Operações.—Preferimos a qualquer outro o thermo-cauterio de Paquelin.

Pa r tos .—A gravidez não contra-indica absolu­tamente uma operação, desde o momento em que es­ta não tenha de ser praticada nas visinhanças do utero.

Hygiene e medicina legal. — Preferimos a cremação á inhumação dos cadáveres.

Approvada, Pode imprimir-se. O CONSELHEIRO-DIRECTOIt,

Ricardo d'Almeida Jorge. Costa Leite.