a amazônia

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A Amazônia, a Biodiversidade e o novo milênio A fala deste grande poeta amazonense Thiago de Mello, extraída da obra Mormaço na Floresta, remete-nos ao domínio da natureza sobre os homens e, por conseguinte, sobre os seres vivos que a povoam... As leis são da Natureza, os desígnios, de quem?... Quem, ou "o que" determinará o futuro? Quem construiu o passado? Quem orienta o presente? Assistimos hoje, ao resultado de um processo evolutivo do qual fazemos parte, se não por acaso, por um desígnio, e no qual continuamente tentamos interferir. Resultam dessa interferência os problemas que se apresentam ao homem e aos demais seres vivos que são graves e, embora passíveis de solução, detêm em si uma complexidade enorme. A questão que aqui se impõe, e é atual, concerne à Biodiversidade, sua exploração, sua manutenção, e, é claro, necessita de respostas rápidas. Como é moda dizer, urge encontrarmos seu "uso sustentado"! Discorrer sobre este tema, Biodiversidade, é uma tarefa simples. Simples e, ao mesmo tempo, difícil. Simples, porque o conceito é antigo, embora venha sendo estudado e abordado com outras denominações; difícil porque, mesmo na qualidade de conceito científico, assume muitas vertentes além da biológica. O assunto é de tal maneira complexo, atual e importante, que a definição do termo "biodiversidade" tem uma história política mundialmente conhecida. A mais adequada e mais utilizada definição para o termo Biodiversidade é aquela estabelecida no âmbito da Comissão de Ciência e Tecnologia do Congresso dos Estados Unidos da América (OTA - Office of Technology Assessment) em 1987 que assim se traduz: "Biodiversidade abrange a variedade e a variabilidade entre os organismos vivos e os complexos ecológicos nos quais eles ocorrem. Diversidade pode ser definida como o número de itens diferentes e sua freqüência relativa. Por diversidade biológica, esses itens são organizados em muitos níveis, variando de ecossistemas completos a estruturas químicas que são a base molecular da hereditariedade. Assim, o termo engloba diferentes ecossistemas, espécies, genes e sua abundância relativa". Como podemos ver, esta definição abrange os conceitos de quantificação de espécies existentes num ecossistema (abundância e riqueza) bem como suas relações com o meio ambiente, as quais são reflexo do patrimônio genético que detêm em si, suas diversas populações em seus diversos habitats. "A lei do rio não cessa nunca de impor-se sobre a vida dos homens. É o império da água... ...O rio diz para o homem o que ele deve fazer. E o homem segue a ordem do rio." Thiago de Mello, poeta

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A Amaznia, a Biodiversidade e o novo milnio

"A lei do rio no cessa nunca de impor-se sobre a vida dos homens. o imprio da gua... ...O rio diz para o homem o que ele deve fazer. E o homem segue a ordem do rio." Thiago de Mello, poeta

A fala deste grande poeta amazonense Thiago de Mello, extrada da obra Mormao na Floresta, remete-nos ao domnio da natureza sobre os homens e, por conseguinte, sobre os seres vivos que a povoam... As leis so da Natureza, os desgnios, de quem?... Quem, ou "o que" determinar o futuro? Quem construiu o passado? Quem orienta o presente? Assistimos hoje, ao resultado de um processo evolutivo do qual fazemos parte, se no por acaso, por um desgnio, e no qual continuamente tentamos interferir. Resultam dessa interferncia os problemas que se apresentam ao homem e aos demais seres vivos que so graves e, embora passveis de soluo, detm em si uma complexidade enorme. A questo que aqui se impe, e atual, concerne Biodiversidade, sua explorao, sua manuteno, e, claro, necessita de respostas rpidas. Como moda dizer, urge encontrarmos seu "uso sustentado"! Discorrer sobre este tema, Biodiversidade, uma tarefa simples. Simples e, ao mesmo tempo, difcil. Simples, porque o conceito antigo, embora venha sendo estudado e abordado com outras denominaes; difcil porque, mesmo na qualidade de conceito cientfico, assume muitas vertentes alm da biolgica. O assunto de tal maneira complexo, atual e importante, que a definio do termo "biodiversidade" tem uma histria poltica mundialmente conhecida. A mais adequada e mais utilizada definio para o termo Biodiversidade aquela estabelecida no mbito da Comisso de Cincia e Tecnologia do Congresso dos Estados Unidos da Amrica (OTA - Office of Technology Assessment) em 1987 que assim se traduz: "Biodiversidade abrange a variedade e a variabilidade entre os organismos vivos e os complexos ecolgicos nos quais eles ocorrem. Diversidade pode ser definida como o nmero de itens diferentes e sua freqncia relativa. Por diversidade biolgica, esses itens so organizados em muitos nveis, variando de ecossistemas completos a estruturas qumicas que so a base molecular da hereditariedade. Assim, o termo engloba diferentes ecossistemas, espcies, genes e sua abundncia relativa". Como podemos ver, esta definio abrange os conceitos de quantificao de espcies existentes num ecossistema (abundncia e riqueza) bem como suas relaes com o meio ambiente, as quais so reflexo do patrimnio gentico que detm em si, suas diversas populaes em seus diversos habitats. De fato, ao discorrermos sobre biodiversidade, no podemos ter em mente apenas o nmero de espcies por metro quadrado. No estudo da biodiversidade incluem-se todos os aspectos ecolgicos das populaes que compem as espcies, ou seja, sua distribuio no planeta, seu tipo de alimentao, suas caractersticas migratrias, sua convivncia com outras espcies, etc. Tanto para animais como para plantas, a distribuio um dos fatores mais importantes, pois nela esto contidos tanto a relao com o ambiente (disponibilidade de alimento e espao), como o ritmo que esse ambiente imprime s espcies, que devem responder de acordo com seus prprios ritmos biolgicos - Nascer, Crescer, Reproduzir, Morrer... No basta considerarmos apenas uma espcie vegetal ou animal isolada de seu meio e das demais espcies que ocupam seu habitat; a ateno deve estar centrada na relao que a espcie mantm com o seu redor. A relao planta-animal, a qual est presente em qualquer ecossistema, um dos melhores exemplos do que estamos aqui considerando; muitas plantas dependem de animais para sua polinizao e distribuio no ambiente. Na escola aprendemos que a abelha poliniza as flores ao retirar o nctar de uma delas e visitar outras; que outros insetos tambm so agentes necessrios reproduo de outras espcies. Tambm aprendemos que os pssaros, que se alimentam de um fruto aqui, iro semear a planta em outras de suas paradas, durante sua migrao. Na Amaznia, no apenas insetos e aves, como se vem nos livros escolares, mas tambm morcegos, peixes, macacos, entre tantos outros animais, so agentes responsveis pela reproduo e distribuio de espcies vegetais, contribuindo para o aumento e manuteno da biodiversidade nos diversos ecossistemas aquticos e terrestres. Na Amaznia, como em qualquer outro conjunto de ecossistemas, as relaes so complexas e exigem ateno especial. A nica regio remanescente de floresta tropical mida do planeta merece maior ateno. O pouco conhecimento acumulado sobre a floresta j oferece uma boa noo da complexidade da maior bacia hidrogrfica do Planeta (to grande que se v da Lua!) e de sua relao ntima com a floresta. Certamente, nem todos os grupos animais esto nela em maior nmero de espcies ou de populaes, mas, muitos dos grupos de invertebrados, vertebrados, plantas e microorganismos que a compem encontram-se nela com maior diversidade e, portanto, vm merecendo muita ateno por parte das naes mais desenvolvidas (ECO 1992 - Rio de Janeiro). A histria da formao da bacia tem muito a ver com a existncia de dois fatores: o ambiente heterogneo e a variabilidade gentica. A esses dois componentes refere-se a definio de Biodiversidade. A relao ntima entre ser vivo e ambiente proporciona inmeras possibilidades de interaes que podem ser a causa de tamanha disponibilidade de espcies tanto animal como vegetal na regio. Uma vez que a variabilidade gentica fruto de mudanas contnuas no patrimnio gentico dos seres vivos (e no interessa aqui se ocorrem ao acaso ou sob ao de fora seletiva) as possibilidades de interaes se tornam infinitas... Esse patrimnio gentico transforma-se em patrimnio econmico medida que o homem interfere sobre o ambiente e busca nele a soluo de seus "problemas". A explorao dos recursos naturais (biolgicos ou no) tem atingido o meio ambiente como um punhal que se crava lentamente. Os interesses nacionais e internacionais sobre a madeira nobre existente na regio pressionam a economia da terra. As autoridades no conseguem conter seu contrabando, mais do que denunciado e escancarado pela mdia. A organizao dos contraventores tal que no se intimida com a ao das autoridades que tentam se mobilizar em meio intrincada teia de interesses econmicos. Sem volta, ambientes explorados para extrao de minrios se desertificam, aps serem sangrados pelo homem que, em percebendo o fim da reserva de "ouro" abandona o local sem sequer olhar para trs. A regio, antes detentora de riqueza e diversidade biolgica, perece em argila e sob eroso devastadora. Todos esses exemplos so identificveis e tratam de recursos bem definidos, dos quais sabemos o que retirar, como usar, para que usar, o quo so necessrios ao conforto e desenvolvimento do homem e que "valores" possuem, tanto econmicos como ambientais. No atual momento, entretanto, nos deparamos com o fantasma da explorao da biodiversidade, que, como "apenas" detentora de material gentico, esconde em si riquezas, que, se indevidamente exploradas, podero se esgotar antes mesmo que saibamos seu valor. As recentes discusses sobre a explorao da biodiversidade da Amaznia, com a insistncia de alguns em contabiliz-la por meio de mega-projetos, tomaram grande vulto na comunidade cientfica brasileira e tm sido motivo de amplos debates, nos quais o interesse ecolgico deveria prevalecer, mas o que prevalece o interesse econmico. Aqui, identificamos um ponto frgil da nossa soberania, o qual se traduz em FALTA DE CONHECIMENTO. Fossem nossos ecossistemas mais bem conhecidos e melhor assistidos cientfica e tecnologicamente, nosso debate seria enriquecido e seguramente teramos "defesa". Por isso no basta apenas discutir a "defesa" territorial, como se os invasores fossem apenas aqueles que invadem nossas terras fisicamente e tentam nela se instalar ou dela tirar proveito econmico formal. Nossas divisas podem estar muito mais no que "se esconde" dentro de uma planta ou de um animal; suas informaes genticas e suas potenciais interaes com o meio ambiente. E aqui vai um alerta: no basta inventariar! No basta apenas investir na identificao do material gentico, na sua quantificao. As chamadas "bibliotecas genticas" so necessrias, mas no adianta termos um livro que no saibamos ler!Voltemos definio de biodiversidade, que fala em variedade e variabilidade, mas no as dissocia de sua existncia no contexto dos complexos ecolgicos, ou seja, dos ecossistemas onde ocorrem. A Amaznia exemplo vivo da definio completa oferecida ao mundo por polticos interessados em divisas, fronteiras, economia, poder, domnio, etc. Na Amaznia, tudo isto resulta do rio, que impera majestoso. A cheia do rio, inundando a floresta, como uma serpente a se entremear nos galhos das rvores, permite que os peixes se alimentem da abundncia de frutos que caem das rvores sobre as guas, tornando-os veculos semeadores de tal diversidade. Na seca, confinados em pequenos lagos ou na calha principal do rio, esse mesmos peixes buscam seus alimentos na intrincada teia alimentar que sustenta e equilibra as comunidades. Cada indivduo guarda em si esta relao, registrada em seu material gentico, porm controlada remotamente pelo ambiente, por outras espcies, pelo clima, etc. como uma orquestra, na qual um instrumento sozinho no transmite a msica, mas o todo, sem ele, nunca ser igual. Mesmo sabendo tocar todos os instrumentos da orquestra, o homem ainda necessita da harmonia que s o regente maestro poder dar. Na Amaznia, a regncia comandada por sua histria natural e a interferncia do homem tira orquestra o tom. Somente quando formos detentores da batuta do Maestro, ou seja, quando detentores do conhecimento dos fenmenos de interao da natureza com os seres vivos, que poderemos encontrar o caminho para dela retirarmos nosso desenvolvimento, que, se sustentado, nos levar to sonhada harmonia entre o homem e o seu ambiente. No nos restam dvidas de que, para o novo milnio, a biodiversidade na Amaznia trar as principais divisas, contidas no patrimnio biolgico; a delimitao das fronteiras no mais ser baseada apenas no territrio e sim no que est intrnseco aos recursos naturais biolgicos. A soluo estar em nos curvarmos ao comando do "rio" como constata o poeta, e buscarmos conhec-lo de maneira profunda. S assim poderemos obedecer a tal comando com a sabedoria do homem da terra e nos cadenciar com ele, tentando enfrentar suas tmperas com conhecimento cientfico e tecnolgico. O homem se beneficiar da natureza e dela cuidar para que no se destrua as possibilidades das futuras geraes, estas sim, o verdadeiro sentido de nossa existncia na Terra. Vera Maria Fonseca de Almeida e Val - pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa da Amaznia (INPA).