73625593 a pratica pedagogica historico critica ana carolina galvao marsiglia

96

Upload: ju-liana

Post on 11-Aug-2015

286 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

a istida n a ss dos rencdis

atidade a hegemonia l a u dapedagogias do

ap mdet i secim darizam o

p rer< r . do

tuias pnippsics professor e : :da

papel

ensino e preconizam um trab alh o pedaggico vinculado reproduo da vida cotidiana e. cen trad o tios in te u sses im ed iatas das crians. Vemos,: ssim , nterisiicr-se o esvaziam ento da educao escolar, em urrt (SnAo em que o.s baixos indicies de desem penho w adgjm co dos alu nos. tem provocairlo cidas crticas aos professores; : Contrariando esse iderio, o plrcseiite livro

A p r tic a p e d a g g ic a h ist ric o -c rtica n a e d u c a o in fa n til e ensino fu n d a m e n ta l

apreserM J resultados de trabalhos i .ii jvi n desenvolvidos na educao infantil c sries iniciais do ensino fundamental baseados na .pedagogia histrico-crtica* referencial terjeocom prometido com a: promoo do desenvoh imcitto hurMnodos indivduos em suas mximas possibilidades, tendo como horizonte a superao das rela es; de alienao, explorao c Opresso! do h om em .: No que se refere educao infantil, o liv ijjrelata a experiacia realizada durante a graduao, da autora, que rei ebett jSjio do Programa

Institucional dc Bolsas de Iniciao Cientfica (Pibk ;) cio Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) (2003-2005). j . as experincias 110 ensino fundamental so resultado da atuao profissional dc A naCarolina como professora efetiva da Secretaria dp Estado cla Educao dc So Paulo (2006-2009), com classes de alfabetizao.

EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA.Uma editora educativa a servio da cultura brasileira

Av. Albino J. B. de Oliveira, 901 Baro Geraldo | CEP 13084-008 | Campinas-SP Telefone: (55) (19) 3289-5930 | Vendas: (19) 3249-2800 Fax: (55) (19) 3249-2801 E-maik [email protected] Catlogo on-line: www.autoresassociados.com.br

Conselho Editorial Prof. Casemiro dos Reis Filho

A prtica p ed ag g ica histrico-crtica na educao infantil e ensino fundamentalAna Carolina G a lv o M arsiglia

Bernardete A. Gatti Carlos Roberto Jamil Cury Dermeval Saviani Gilberta S. de M. Jannuzzi Maria Aparecida Motta Walter E. GarciaDiretor Executivo

Flvio Baldy dos ReisCoordenadora Editorial

rica BombardiAssistente Editorial

Rodrigo NascimentoPreparao de Originais

Aline MarquesReviso

Cleide Salme FerreiraDiagramao

Percurso Visual EditoraesIlustraes

Ana Maria Galvo MarsigliaImagens

Coleo Educao Contempornea

Figuras do arquivo pessoal da autoraCapa

Maisa S. ZagriaIlustrao da capa

Alexandre Marsiglia, baseado em Paul dessinant, de Pablo Picasso, 1923.Arte-final

Rodrigo NascimentoImpresso e Acabamento

Grfica Paym

www.abdr.org.br [email protected] denuncie a cpia ilegal

A U TO RES/^ASSOCIADOS

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)M arsiglia, Ana C arolin a Galvo A prtica pedaggica histrico-crtica na educao infantil e ensino fundam ental / Ana Carolina Galvo M arsiglia. - Cam pinas, SP : Autores A ssociados, 2011. - (Coleo Educao contem pornea) Bibliografia ISBN 978-85-7496-266-5 1. Educao - Brasil - Histria 2. Educao infantil 3. Ensino 4. Ensino fundamental 5. Pedagogia histrico-crtica 6. Prtica social 7. Professores 8. Sociologia educacional I. Ttulo. II. Srie.

11-00042

CDD-370.115

ndice para catlogo sistemtico:1. Pedagogia histrico-crtica na educao infantil e ensino fundam ental: Educao 370.115

Impresso no Brasil - abril de 2011 Copyright 2010 by Editora Autores Associados LTDA.Depsito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei n. 10.994, de 14 de dezembro de 2004, que revogou o Decreto-lei n. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Dedico este livro memria de duas mulheres: Ana Maria (minha me) e Adriana Chaves (me de corao). Com gratido pela ternura e saudade insupervel.

Ns temos que atuar nas instituies existentes, impulsionando'as dialeticamente na direo dos novos objetivos. Do contrrio, ficaremos inutilmente sonhando com instituies ideais.D erm eva l

Saviani,

Educao: do senso comum conscincia filosfica.

Prefcio........................................................................................................xi Apresentao ............................................................................................. 1 Captulo 1 Fundamentos da pedagogia histrico-crtica..................................... 5 1. O Homem e o trabalho.............................................................5 2. Alienao docente: implicaes na construo do conhecimento ............................................................................8 3. Escola: que espao esse? .....................................................10 Captulo 2 Consideraes sobre desenvolvimento infantil............................. 35 1. O Desenvolvimento da criana: breves consideraes .. 35 Captulo 3 A interveno em uma instituio de educao infantil............61 1. A Educao infantil: aproximaes ..................................61 2. Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educao Infantil........................................................ 63 3. A Interveno......................................................................... 67

Captulo 4 Intervenes no ensino fundamental..............................................116 1. A Educao no estado de So Paulo.................................116 2. O Ensino fundamental de nove anos: prejuzos para a infncia? .............................................................................. 120 3. Um Contedo de matemtica da I a srie do ensino fundamental........................................................ 122 4. Ensino de cincias: contradies na sala de aula...........133 Consideraes finais............................................................................. 153 Referncias bibliogrficas....................................................................155 Sobre a autora.........................................................................................169

a pedagogia est sempre referida educao. Dir-se-ia, ento, que a pedagogia implica uma atitude, um ponto de vista, um enfoque, uma abordagem que se exerce sobre algo, isto , um objeto que identificado pelo nome de educao. Assim sendo, a educao comporta-se como um dado de realidade, como algo objetivo, como um fenmeno determinado. Sobre essa realidade incide a pedagogia. Voltamos, ento, pergunta: o que pedagogia? Mas agora essa pergunta j no mais genrica, pois ela diz respeito a algo ob jetivamente determinado que conhecemos pelo nome de educao. E a pergunta indaga sobre qual o tipo de atitude ou de abordagem que caracteriza a pedagogia em seu voltar-se para a educao. Ora, dizer que a pedagogia se volta para a educao signi fica que ela olha para a educao, observa e analisa, procurando compreend-la e explic-la. E ns sabemos que o ato de olhar, de contemplar, de observar algo expresso em nossa cultura de origem greco-romana pelo termo teoria. Com efeito, teoria um termo grego que significa ato de ver, de olhar, de contemplar, de interpretar, o que implica um sentido desvinculado dos interesses da ao. Nesse mbito, a teoria denota o ato de conhecer, cuja forma mais prestigiaJ;i na sociedade contempornea se identifica com a cincia.

E

ste livro trata de pedagogia. Mas o que a pedagogia? Independentemente dos vrios significados que se possa atribuir a esse termo, h um aspecto comum, de carter consensual:

Mas ns sabemos tambm que as abordagens cientficas, via de regra, tm suas denominaes formadas pela ligao entre o termo que indica o objeto sobre o qual incide a abordagem acresci do do sufixo Aoyux (loguia) . Esse sufixo, tambm de origem grega, significa estudo de, tratado a respeito de, o que acabou por ser assimilado ao significado de cincia de. Diferentemente, o termo pedagogia deriva diretamente do grego Jtaiayoyia (paidagoguia) , que tem seu primeiro elemento (peda) derivado do termo grego Jiai (pais) (no caso nominativo) eJ ta i

A partir do enunciado de seus fundamentos e princpios re presentados pelo esclarecimento da natureza e especificidade da educao e pelo movimento metodolgico relativo apropriao e interveno na prtica social pela mediao da Problematizao, instrumentalizao e catarse por parte dos educandos, coloca-se a necessidade de se trabalharem os vrios aspectos implicados na reali zao da prtica pedaggica na perspectiva histrico-crtica. nesse contexto que se inserem os esforos de Ana Carolina Galvo Marsiglia dos quais este livro sua primeira expresso, pois incorpora os estudos realizados no projeto de iniciao cientfica, no trabalho de concluso do curso de pedagogia (TCC) e em sua expe rincia, logo aps a graduao, atuando nas sries iniciais do ensino fundamental como professora de turmas de alfabetizao. Aps esclarecer os leitores sobre os fundamentos filosfico -pedaggicos e sobre as bases psicolgicas da pedagogia histrico -crtica (captulos 1 e 2), a autora apresenta a interveno prtica realizada na educao infantil (captulo 3) e na primeira srie do ensino fundamental (captulo 4). provvel que os leitores, j vista do sumrio, possam es tranhar a proposta de trabalhar com crianas pequenas no nvel da pr-escola o tema histria do livro incursionando pela Pr-histria, Antiguidade, Idade Mdia e Renascimento. Poder-se-ia indagar: mas como possvel uma proposta como essa? At que ponto as crianas em idade pr-escolar teriam j formada a noo de tempo que lhes permitiria compreender o percurso histrico desde as pocas mais re motas? Ser que a autora no estaria tendo um entendimento mec nico da denominao histrico-crtica, o que a levaria a forar, mes mo para as crianas pequenas, a introduo de contedos histricos? No entanto, quando o leitor penetra no texto e acompanha a narrativa dos aspectos internos interveno prtico-pedaggica, percebe, pela demonstrao da prpria experincia efetivada, no apenas a viabilidade como a fecundidade da proposta em termos dos resultados da aprendizagem das crianas. E isso no apenas porque

(paids) (no genitivo), que significa criana, sendo o se

gundo elemento constitudo pelo sufixo yoyia (goguia) e no oyia (loguia). Ora, o sufixo gogia liga-se ao ato de conduzir, dirigir. Da que jraiayoyia (paidagoguia) significa, em grego, conduo da criana ou o ato de dirigir a criana. V-se, ento, que enquanto o sufixo logia remete ao signifi cado de um estudo do objeto, ou seja, uma anlise que no interfere na constituio de seu objeto, buscando apenas o conhecer, o sufixo gogia se reporta ao sentido do prprio ato de produo do objeto. Da a concluso que enunciei nos seguintes termos: Se toda pedagogia teoria da educao, nem toda teoria da educao pedagogia. Assim, diferentemente das teorias que bus cam explicar como est constitudo o fenmeno educativo sem se preocupar com o modo como realizado o ato educativo, a pedago gia uma teoria que se empenha no apenas em compreender e ex plicar a educao, mas tambm em orientar o modo de sua realizao prtica. Eis por que a pedagogia pode ser definida como a teoria da e para a prtica educativa. Eis a razo pela qual a pedagogia histrico-crtica caracteri zou a educao como uma atividade prtica mediadora no interior da prtica social. Como sabemos, essa teoria pedaggica vem sen do construda por aproximaes sucessivas num processo coletivo que conta com a contribuio dos vrios pesquisadores e professores identificados com sua formulao original.

xiv

XV

se tratava de crianas na fase final da educao infantil, portanto, no limiar do ensino fundamental, estando j praticamente alfabeti zadas, mas tambm porque a professora do ano anterior j havia desenvolvido com elas o estudo da Grcia Antiga, o que mostra que a proposta no tinha nada de excntrico ao processo de aprendizagem daquelas crianas. O contedo deste livro remonta ao perodo em que Anao

damental, de grande importncia no apenas para os professores que se alinham com os pressupostos e a metodologia da pedagogia histrico-crtica. Igualmente os demais docentes no deixaro de en contrar nesta obra informaes valiosas e pistas de inegvel utilidade para o seu trabalho com as crianas em sala de aula. Campinas, 24 de outubro de 2010 Dermeval Saviani

Carolina frequentou, como aluna,

curso de pedagogia da

U

n esp

de Bauru, entre 2002 e 2005. Desde a vem se dedicando com afinco e - podemos dizer - em tempo integral teoria e prtica da pedagogia histrico-crtica. Na sequncia de seus estudos e de sua interveno prtica na educao infantil e ensino fundamental, ela envolveu-se em vrias outras atividades reclamadas pela perspectiva pedaggica que abra ou. E, estando na fase de concluso de sua tese de doutoramento, j elaborou novo projeto de pesquisa versando exatamente sobre a prtica pedaggica na perspectiva da pedagogia histrico-crtica. Nessa nova pesquisa, prope-se a realizar um estudo terico-conceituai dos fundamentos filosficos (materialismo histrico-dialtico), das bases psicolgicas (psicologia histrico-cultural) e proposies terico-metodolgicas da pedagogia histrico-crtica com nfase nas suas expresses didticas. Ana Carolina se dispe, ao formular tal projeto, a enfrentar de forma resoluta o problema nuclear, e por isso dos mais difceis, de toda teoria pedaggica que diz respeito articulao entre teoria e prtica tendo em vista a realizao, no mbito do funcionamento da escola, da orientao explicitada na formulao terica. No mbito especfico da pedagogia histrico-crtica, trata-se de uma contribui o da maior relevncia que, sem dvida, enriquecer sobremaneira a prpria teoria. Estou certo, enfim, de que a leitura deste livro, pelos escla recimentos que traz e pelas indicaes que oferece para o trabalho pedaggico na educao infantil e nas sries iniciais do ensino fun

Apresentao

fundamentado na pedagogia histrico-crtica e com corpo docente comprometido com esse referencial terico, proporcionou-me o privilgio de estudar com profissionais de alto gabarito que se utilizavam de estudos complexos e profundos. Foi no curso de pedagogia que pela primeira vez ouvi falar de Dermeval Saviani, com a recomendao de ler Escola e dem ocra cia. Confesso que, aps a primeira leitura, muito pouco eu entendi, ainda um tanto despreparada para aquele contedo to profundo. No segundo semestre de 2002, j havia lido Escola e demo cracia e Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes por mais duas vezes. As aulas, as discusses, os estudos e a leitura atenta a cada linha dos textos me fizeram ver de outra forma o pensamen to do professor Saviani. Foi assim que decidi mergulhar de cabea na pedagogia histrico-crtica como opo de pesquisa e de vida. Interessei-me em fazer iniciao cientfica e fui contemplada com uma bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientica(P ib ic )

I

ngressei no curso de pedagogia da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho(U n e s p ) ,

campus de Bauru, no ano

de 2002. O curso, poca com um projeto poltico-pedaggico

do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico

c Tecnolgico (CNPq), que originou meu trabalho de concluso de curso, denominado Com o transpor a pedagogia histrico-crtica para a /irtica pedaggica do professor na educao infantil?(Ma r s i g l ia ,

2

3

2005), orientado pelo professor doutor Jos Misael Ferreira do Vale e que originou a parte deste livro que se refere interveno reali zada na educao infantil, Entre 2006 e 2007, coordenei com a professora mestre Rita de Cssia Bastos Zuquieri um grupo de estudos sobre prtica pe daggica na educao infantil e ensino fundamental na Secreta ria Municipal de Educao de Bauru, poca dirigida pela pro fessora doutora Ana Maria Lombardi Daibem. Nessa experincia, tive oportunidade de expandir minhas reflexes, agora no papel de orientadora de professores que se propunham a colocar em prtica a pedagogia histrico-crtica em diferentes nveis de ensino e reas do conhecimento. Tambm no ano de 2006, recm-formada, ingressei como professora efetiva da rede estadual de ensino paulista, na qual tra balhei at 2009 como professora das sries iniciais, sempre lecio nando em turmas de alfabetizao. Essa experincia foi fundamen tal para que eu firmasse minhas posies tericas, contrapondo-me ao discurso oficial da Secretaria de Estado da Educao de So Paulo (construtivista), e ampliasse meu repertrio como educado ra. Tambm foi depois de ingressar nessa rede que iniciei minha tese de doutorado, desenvolvida no Programa de Ps-Graduao em Educao Escolar da U n e s p (campus de Araraquara), sob orien tao do professor doutor Newton Duarte, com bolsa da Fundao de Amparo

respondo s solicitaes que tenho recebido de professores da edu cao bsica e do ensino superior que desejam tomar contato com a pedagogia histrico-crtica e, por outro, procuro romper com as cidas crticas tecidas aos professores sem olhar para a realidade como um todo e sem oferecer-lhes nenhuma alternativa que os au xilie para melhorarem seu desempenho. Como afirmei no editorial de um encarte de jornal da cidade de Bauru, preciso divulgar os sucessos e analis-los com abrangncia e no como casos isolados. E necessrio dar ao professor seu lugar de destaque no processo de ensino-aprendizagem. At porque, esta a nica forma de contra por as colocaes que fazem a respeito da incapacidade, incompe tncia e descompromisso docente, que s avacalham e humilham os educadores(Ma r s i g l ia ,

2008, p. 2).

No primeiro captulo, so apresentadas as concepes de homem e trabalho, bem como so tecidas consideraes sobre a alienao do trabalho docente. Esses itens so fundamentais para chegar-se s teorias pedaggicas e fazer a ligao com os fundamen tos da pedagogia histrico-crtica. O segundo captulo destinado s observaes sobre o de senvolvimento infantil, delineando, ainda que brevemente, os estgios do desenvolvimento trazidos pela psicologia sovitica, a conceituao e caracterizao de atividade-guia em cada estgio e tambm reflexes sobre a linguagem, funo psicolgica superior basilar para o desenvolvimento humano, especialmente nos est gios aos quais se reportam as intervenes aqui apresentadas. Aproximaes com a concepo de educao infantil, pon deraes sobre os Referenciais Curriculares Nacionais para a Edu cao Infantil (RCNEI) e a justificativa da escolha do tema his A tria do livro para o trabalho desenvolvido em uma instituio Je atendimento a crianas de 0 a 6 anos introduzem o terceiro captulo, que traz ainda a interveno em si, em todos os seus mo mentos ilustrados.

Pesquisa do Estado de So Paulo

(F a pesp).

Desde meu

ingresso na ps-graduao, filiei-me ao grupo de pesquisa Estu dos Marxistas em Educao, registrado no CNPq e liderado por meu orientador. Trabalhando com membros desse grupo e outros acadmicos, tenho a oportunidade de articular meus trabalhos di retamente relacionados ao doutorado ou no com a perspectiva marxista, o que vem cada vez mais consolidando meu referencial terico. Ao divulgar os resultados obtidos com minha prtica peda ggica na educao infantil e ensino fundamental, por um lado,

4

O quarto captulo traz um breve panorama sobre a educao no estado de So Paulo a partir de 1983, discute o ensino fundamen tal de nove anos e apresenta dois trabalhos desenvolvidos em classes de I a srie (atual 2o ano)1. Este livro intenciona apresentar os estudos que venho realizando desde 2003, desejando com isso colaborar com o avano da perspectiva terica da pedagogia histrico-crtica. Longe de esgotar o tema, minha inteno contribuir com a reflexo sobre prticas pedaggicas fundamentadas neste referencial. Certamente meu tra balho pode ter limitaes, mas espero que ele possa ser discutido, analisado, ampliado e assim participar do movimento de consolida o da pedagogia histrico-crtica, que, comprometida com a classe trabalhadora, busca oferecer referencial de educao de qualidade queles que tm tido esse direito negado.

Captulo 1 Fundam entos da pedagogia histrico-crtiea

1. O Homem e o trabc-lho

Para entender as implicaes e as possibilidades de um projeto educativo comprometido com a mudana da sociedade, preciso ter uma viso de ser humano e sua relao com o trabalho. O homem como espcie um ser natural, isto , um ser composto biologicamente, mas que no est acabado, pois sua cons tituio depende das suas relaes sociais. A diferena entre a es pcie humana e as outras espcies animais d-se em decorrncia do trabalho. Enquanto as outras espcies se adaptam realidade satis fazendo suas necessidades, o homem modifica a realidade pelo tra balho, transformando-a para atender suas necessidades que se vo complexificando na medida do desenvolvimento de sua realidade. O trabalho, portanto, atividade essencialmente humana, o que caracteriza a natureza humana, construindo-a histrica e social mente. a atividade consciente, com finalidade e intencionalidade de satisfao de suas necessidades, que o torna um ser humanizado. Concordando com Engels (1986, p. 33): Os animais s podem utilizar a natureza e modific-la apenas porque nela esto presentes. J o homem modifica a natureza e a obriga a servi-lo, ou melhor: domina-a. Analisando mais profundamente, no h dvida de que a diferena fundamental entre os homens e os outros animais est na fora do trabalho (grifo do autor).

1

A rede estadual paulista incorporou os cinco anos iniciais apenas em 2010, sen do posterior s reflexes deste livro.

6

7

O trabalho humano pode ser material ou no material. No caso do trabalho material, sua produo a garantia de subsistncia, a produo de objetos tendo o homem como sujeito. J a produo no material se caracteriza pelo trabalho produtor de ideias, valores, smbolos, conceitos, habilidades etc. A educao trabalho no ma terial: no produz resultados fsicos (objetos) e seu produto no se separa nem de seu produtor, nem de seu consumidor. Significa dizer, portanto, que a educao depende do educador (produtor) para a consecuo do seu objetivo (produo) e no se realiza sem a presen a ativa do seu consumidor (educando). As duas categorias de trabalho (material e no material) esto intimamente relacionadas, pois o homem planeja, antecipa mental mente sua ao sobre o objeto e, portanto, para a realizao do tra balho material, o homem realiza um trabalho no material. No momento em que o modo de produo capitalista inverte a posio do homem em relao ao trabalho, ou seja, o homem deixa de ser sujeito e passa a ser objeto, o trabalho se torna fragmentado e perde seu sentido humanizador. Esto criadas as condies para o processo de alienao. A separao entre trabalhador e o produto de seu trabalho, ou seja, a diviso social do trabalho determina a alienao, pois torna o trabalho algo empobrecido e que no enriquece o desenvolvimento humano. Portanto, diviso social do trabalho significa colocar o ho mem como mercadoria: sua produo representa seu valor e seu va lor s considerado quando contribui para a acumulao do capital. Segundo Marx (1989, p. 159):O ser alheio ao qual pertence o trabalho e o produto do trabalho,

outro. No os deuses, no a natureza, s o homem mesmo pode ser este poder alheio sobre os homens [grifo do autor].

Considerando esse processo de alienao, para que o professor seja formado, preciso consider-lo sujeito homem e no desvincul-lo do sujeito professor. H [...] a necessidade de se compreender o professor como pessoa, ou seja, reconhecer que aquilo que ele diz e faz mediado por aquilo que ele , por sua personalidade 2001, p. 29). A sociedade capitalista tem colocado a escola como meca nismo que adapta seus sujeitos sociedade na qual esto inseridos. Sendo assim, na sociedade capitalista a escola tem a funo social de manuteno do sistema por meio das ideias e dos interesses da classe dominante, ocasionando o esvaziamento dos contedos adequados e necessrios humanizao e de mtodos igualmente adequados apropriao da humanidade social e historicamente construda. Essa escola do capitalismo abre portas a todo tipo de organizao no escolar, enfatiza a experincia e valoriza por conseguinte o indivduo particular e sua subjetividade. Se por um lado a histria de vida fundamental na formao do sujeito em sua totalidade, por outro lado a secundarizao da edu cao escolar representa minimizar contedos e formas de assimila o dos conhecimentos historicamente construdos. Consequente mente, significa contribuir para o projeto neoliberal que impede a ao dos homens na realidade concreta.Estas novas referncias, apresentadas por discursos bastante se dutores, sobre valorizao da pessoa e sua subjetividade [...], sobre a importncia dos conhecimentos adquiridos experiencialmente, sobre a criatividade da atividade docente [...], sobre a articulao entre aprendizagem e cotidiano, etc. [...] representam, outrossim, estratgias para o mais absoluto esvaziamento do trabalho educacio nal. Os professores j no mais precisaro aprender o conhecimento historicamente acumulado, pois j no mais precisaro ensin-lo aos seus alunos, e ambos, professores e alunos, cada vez mais empobre(M a r t in s ,

a servio do qual est o trabalho e para cuja fruio est o produto do trabalho, s poder ser o homem mesmo. Se o produto do trabalho no pertence ao trabalhador, um poder alheio estando frente a ele, ento isto s possvel por o produto do trabalho pertencer a um outro homem fora do trabalhador. Se a sua atividade lhe tormento, ento tem que ser fruio a um outro e a alegria de viver de um

8

9

eidos de conhecimentos pelos quais possam compreender e intervir na realidade, com maior facilidade, adaptar-se-o a ela pela prima zia da alienao [idem, pp. 40-41].

preciso compreender esta imerso acrtica em seu contexto histrico. A partir do final da dcada de 1980, aumentou a demanda pela escola, mas sua qualidade no acompanhou o nmero de vagas oferecidas, o que fez que os alunos provenientes de melhores condi es financeiras migrassem para as escolas privadas; o professor teve sua formao esvaziada, deixando de ser valorizado socialmente, os salrios tiveram queda vertiginosa, o que tambm contribuiu para a minimizao do status do professor. Alm disso, a culpabilizao do professor pelos males da escola coloca o educador em condio de ser necessrio ou desnecessrio, tanto para a classe dominante como para a classe trabalhadora, dependendo do projeto com o qual est comprometido. Esse comprometimento, por sua vez, depende do n vel de conscincia profissional do docente em relao ao seu poder de transformao na prtica pedaggica.A crise das instituies educacionais uma crise da totalidade dos processos dos quais a educao formal apenas uma parte. A ques to central da atual contestao das instituies educacionais no simplesmente o tamanho das classes, a inadequao das instalaes de pesquisa etc., mas a razo de ser da prpria educao. Essa questo envolve inevitavelmente no s a totalidade dos processos educacio nais, desde a juventude at a velhice, mas tambm a razo de ser dos instrumentos e instituies do intercmbio humano em geral. Se estas instituies - inclusive as educacionais - foram feitas para os homens, ou se os homens devem continuar a servir s relaes sociais de pro duo alienadas - esse o verdadeiro tema do debate [idem, p. 272].

A finalidade de garantir aos seres humanos as aquisies da cultura humana depende da [...] possibilidade prtica de tomar o caminho de um desenvolvimento que nada entrave 1978, p. 283). Isso possvel,[...] mas s o em condies que permitam libertar realmente os ho mens do fardo da necessidade material, de suprimir a diviso mutiladora entre trabalho intelectual e trabalho fsico, criar um sistema de educao que lhes assegure um desenvolvimento multilateral e harmo nioso que d a cada um a possibilidade de participar enquanto criador em todas as manifestaes da vida humana [idem, pp. 283-284]. (L e o n t ie v ,

2. Alienao docente: implicaes na construo do conhecimento

E preciso no perder de vista que a educao, apesar de sua fun damental importncia na conscientizao das massas, no redentora da humanidade, pois pertence a um sistema de instituies sociais, sen do necessrio considerar que todos os fatores sociais agem (ou deveriam agir) dialeticamente. Sendo assim, [...] a crise de hoje no simples mente a de uma instituio educacional, mas a crise estrutural de todo o sistema da interiorizao capitalista (M sz r o s , 1981, p. 270). Para refletir sobre a atuao do professor, preciso considerar as condies concretas de realizao de seu trabalho, pois a idealiza o deve servir-nos como aquilo que buscamos, mas deve ser pensa da a partir daquilo que vivemos. Os esforos em manter o trabalho pedaggico num iderio que desvaloriza o carter poltico da educao imergem o professor em prticas que, traduzindo sua alienao particular, a reproduzem em seus educandos partindo de prticas valorativas do cotidiano e que impedem a reflexo crtica e transformadora.

A educao, portanto, est diretamente relacionada organi zao social em suas mltiplas relaes. Da decorrem os interesses polticos e econmicos em manter a educao em plano de menor importncia. Preocupar-se com a educao transformadora significa investir no sistema educacional e formar intelectuais orgnicos1.I Segundo Gramsci (1991), os intelectuais tm funo organizativa na sociedade, podendo desempenhar papel reprodutor ou transformador. uma elite formada por dirigentes vinculados aos interesses de classe.

10

11

Porm, esse no um projeto capitalista e precisa ser com preendido em sua essncia, pois o neoliberalismo procura mascar-lo com os conceitos de globalizao, integrao, flexibilidade, competitividade etc., que [...] so uma imposio das novas for mas de sociabilidade capitalista tanto para estabelecer um novo padro de acumulao quanto para definir as formas concretas de integrao dentro da nova reorganizao da economia mundial(F r ig o t t o , 1 9 9 9 ,

a) Teorias no crticas

Na sociedade capitalista, a educao tem duas funes: 1) qualificao de mo de obra; 2) formao para o controle poltico. Assim como j descrito anteriormente, essas funes respondem sociedade de classes, pois em sua funo de formao para o controle poltico sero preparados aqueles que determinaro os rumos da so ciedade enquanto a mo de obra mantm a estrutura social. Todas as teorias deste grupo desempenharam e ainda desem penham grande poder sobre as prticas pedaggicas exercidas, tendo a ao da escola como a de adequao do indivduo sociedade. A chamada escola tradicional2 tem o ensino centrado na auto ridade do professor, os contedos no esto relacionados realidade e o aluno deve aprender pela repetio e memorizao. No entanto, ao longo do tempo essa escola foi sendo progressivamente critica da por [...] no conseguir realizar seu desiderato de universalizao (nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sem pre eram bem-sucedidos) [...]( S a v ia n i ,

p.

4 1 ).

A implicao de maior importncia na alienao do professor no processo educativo , portanto, levar os alunos reproduo da sociedade sem conscincia de sua insero nela e dos resultados des sa reproduo para a melhoria de suas prprias vidas.3. Escola: que espao esse?

A escola uma instituio social, cujo papel especfico con siste em propiciar o acesso ao conhecimento sistematizado daquilo que a humanidade j produziu e que necessrio s novas geraes para possibilitar que avancem a partir do que j foi construdo his toricamente. A escola pode tornar-se espao de reproduo da sociedade capitalista ou pode contribuir na transformao da sociedade de pendendo do nvel de participao nas decises que os envolvidos tm (pais, alunos, professores), da maneira como os contedos so selecionados (sua relevncia e carter humanizador), da forma como so discutidos, apresentados e inseridos no planejamento e como so ensinados. O professor , portanto, pea-chave nessa organizao e sistematizao do conhecimento. Nas diferentes teorias educacionais, encontra-se a viso de escola, professor e aluno que norteia cada uma delas e consequente mente possvel reconhecer nesses modelos a manuteno do status quo ou a luta para fazer da escola um espao democrtico e contri buinte para as transformaes da sociedade.

2008b, p.

6 ).

A educao tradicional esteve ligada fase revolucionria da burguesia, defendendo o princpio de que todos os seres humanos nascem essencialmente iguais, ou seja, nascem uma tabula rasa3, que se contrapunha concepo medieval, segundo a qual os seres humanos nasceriam essencialmente diferentes e defendia a reforma da sociedade [...] substituindo uma sociedade com base num su posto direito natural por uma sociedade contratual (idem, p. 32). Essa escola estava articulada a um processo poltico de superao da Idade Mdia e consolidao da burguesia e sua ordem democrtica no poder. Para tanto, era necessrio superar a ignorncia, entendida como causa da marginalizao dos indivduos, transformando [...]2 3 Que passa a ser assim denominada a partir da crtica pedagogia da essncia, tendo essa expresso em seu ponto de partida j um carter negativo. N ote-se que o discurso pedaggico da atualidade critica a ideia de tabula rasa sem historiciz-la, ou seja, esquecendo-se do fato de que essa ideia desempe nhou um papel histrico progressista ao se opor viso de mundo medieval.

12

13

sditos em cidados, isto , em indivduos livres porque esclarecidos, ilustrados. Como realizar essa tarefa? Por meio do ensino. A escola erigida no grande instrumento para converter os sditos em cidados [...] (idem, p. 5). No se podem ignorar as insuperveis limitaes da pedagogia tradicional, as quais decorrem principalmente do fato de que se trata de uma pedagogia burguesa e, como tal, desconsidera inteiramente a existncia da luta de classes e suas implicaes para a produo e distribuio social do conhecimento, da mesma forma que transfor ma o conhecimento ensinado na escola em algo destitudo de histo ricidade. Mas no foi por essa razo que a escola tradicional passou, no final do sculo X IX e incio do sculo XX, a ser alvo das crticas dos defensores da nova pedagogia. Tais crticas tm sua origem so cial no fato de que a burguesia precisava recompor sua hegemonia( S a v ia n i ,

com seus interesses. Isso ocorre porque a verdade histrica eviden cia a necessidade das transformaes, as quais, para a classe domi nante - uma vez consolidada no poder - , no so interessantes; ela tem interesse na perpetuao da ordem existente [S aviani, 2003, p. 100].

Dessa forma, a burguesia passa a propor uma pedagogia que le gitima a diferena entre os homens, a pedagogia da existncia, que [...] vai contrapor-se ao movimento de libertao da humanidade em seu conjunto, vai legitimar as desigualdades, legitimar a dominao, legitimar a sujeio, legitimar os privilgios. [...] Nesse momento, a classe revolucionria outra: no mais a burguesia, exatamente aquela classe que a burguesia explora ( S a v ia n i , 2008b, p. 34). A teoria educacional que toma corpo a partir de ento, a pe dagogia nova4, afirma que [...] os homens no so essencialmente iguais; os homens so essencialmente diferentes, e ns temos que respeitar as diferenas entre os homens. Ento h aqueles que tm mais capacidade e aqueles que tm menos capacidade; h aqueles que aprendem mais devagar; h aqueles que se interessam por isso e os que se interessam por aquilo (idem, ibidem). Em verdade, o que est por trs dessa aceitao a valida o das desigualdades como algo natural e impossvel de ser supera do. Assim, o eixo da questo pedaggica, antes centrado no conte do, no professor e na diretividade, agora se desloca para os mtodos ou processos pedaggicos, para o aluno e para a no diretividade, tratando-se de uma teoria [...] onde o importante no aprender, mas aprender a aprender (idem, p. 8).

2008b) e, nesse contexto, tornou-se necessrio articular

ideologicamente a escola a uma perspectiva no mais centrada na socializao do conhecimento objetivo sobre a realidade natural e social, mas sim a uma concepo da escola como espao de respeito individualidade, atividade espontnea e s necessidades da vida cotidiana dos indivduos.Os idelogos da burguesia colocavam a necessidade de educa o de forma mais geral e, nesse sentido, cumpriam o papel de hege monia, ou seja, de articular toda a sociedade em torno dos interesses que se contrapunham dominao feudal. Enquanto a burguesia era revolucionria, isso fazia sentido; quando ela se consolidou no poder, a questo principal j no era superar a velha ordem, o A n tigo Regime. Este, com efeito, j fora superado, e a burguesia, em consequncia, j se tornara classe dominante; nesse momento, o problema principal da burguesia passa a ser evitar as ameaas e neu tralizar as presses para que se avance no processo revolucionrio e se chegue a uma sociedade socialista. A burguesia, ento, torna-se conservadora e passa a ter dificuldades ao lidar com o problema da escola, pois a verdade sempre revolucionria. Enquanto a bur guesia era revolucionria, ela possua interesse na verdade. Quando passa a ser conservadora, a verdade ento a incomoda, choca-se

4

Segundo Saviani (2008, p. 49), as expresses pedagogia nova e pedagogia da existncia so equivalentes (mas no confundir pedagogia da existncia com pedagogia existencialista), posto que esto centradas [...] na vida, na existncia, na atividade, por oposio concepo tradicional que se centrava no intelecto, na essncia, no conhecim ento (grifo do autor).

14

15

Segundo os preceitos da Escola Nova, a educao deve con tribuir para que todos os indivduos sejam aceitos na sociedade com suas diferenas, sejam elas quais forem. Assim, deslocou[...] o eixo da questo pedaggica do intelecto para o sentimento; do aspecto lgico para o psicolgico; dos contedos cognitivos para os mtodos ou processos pedaggicos; do professor para o aluno; do esforo para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do di retivismo para o no diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspirao filosfica centrada na cincia da lgica para uma pedagogia de inspirao experimental baseada principal mente nas contribuies da biologia e da psicologia [idem, ibidem].

der de se apropriar objetivamente da realidade, reduzindo-se a sinais, convenes e prticas culturalmente justificadas. Trata-se do discurso de um grupo, um significado compartilhado por um grupo social (da pensar a escola como espao de negociao de significados e conte dos e no como espao de transmisso-assimilao de conhecimento). Como se v, a proximidade entre eles grande, pois para ambos a relao do conhecimento se d pela fragmentao e pelo utilitarismo. O desenvolvimento da sociedade (tecnologia, cincia etc.) possvel graas ao acmulo de conhecimentos produzidos ao longo da histria humana. Acmulo esse que transmitido de gerao em gerao, sendo objeto de apropriao pelos indivduos e permitindo progredir nas realizaes e complexificaes da sociedade. Da mesma forma como no h cultura e no h sociedade sem a transmisso da experincia social acumulada, os processos de transmis so de conhecimento so indispensveis prtica pedaggica. Nessa perspectiva, a ideia de transmisso de conhecimento deixa de ser vista como algo negativo, a ser evitado ao mximo possvel e passa a ser considerada a principal funo do trabalho educativo(S a v ia n i,

Esse tipo de escola ficou restrito a pequenos grupos de elite e as redes oficiais, apesar de influenciadas por este novo pensamento, no tinham condies (materiais inclusive) de acompanhar as carac tersticas do trabalho escolanovista. Como consequncia, rebaixou-se o nvel de ensino destinado classe trabalhadora, que no mais tinha na escola o espao singular de acesso ao conhecimento elabo rado, pois este ficou em segundo plano. Na atualidade, remontando ao movimento da pedagogia nova (ou escolanovismo), as pedagogias do aprender a aprender tm se firmado hegemonicamente, sendo diferentes discursos (construtivis mo, pedagogia das competncias, pedagogia de projetos, pedagogia do professor reflexivo etc.) variantes de uma mesma concepo. O universo ideolgico ao qual esto ligadas essas pedagogias o neoliberalismo e o ps-modernismo. Ainda que os intelectuais ps-modernos no aceitem essa associao, difcil no fazer essa aproxi mao tendo em vista que compartilham de diversos aspectos que conver gem para a ideologia da sociedade capitalista (Cf. D u a r t e , 2000, 2001). Um aspecto que pode ser destacado a concepo de conhe cimento para o neoliberalismo e para o ps-modernismo. No caso do primeiro, valoriza-se o conhecimento tcito (imediato, aparente, co tidiano, em-si). Para o segundo, o conhecimento relativo, trata-se de uma construo mental individual ou coletiva que no tem o po5

2003).

As pedagogias do aprender a aprender, por negarem exatamente isso que caracteriza a especificidade da educao escolar, acabam por defender uma viso equivocada do que seja uma escola democrtica. nesse sentido que [...] quando mais se falou em democracia no in terior da escola, menos democrtica foi a escola; e de como, quando menos se falou em democracia, mais a escola esteve articulada com a construo de uma ordem democrtica(S a v ia n i,

2008b, p. 30).

Nessas concepes, o critrio de verdade se estabelece a partir daquilo que mais adequado para cada indivduo considerando o seu cotidiano alienado(D u a rte ,

2001).

Analisando as definies de Vigotski5 para conceitos cotidia nos e conceitos cientficos, Duarte (2003) explica que os conceitos

Existem diferentes grafias para o nome de Vigotski (cf. D u a r t e , 2 0 0 1 ) . Aqui ser adotada esta forma (Vigotski), mas se preservaro as diferentes grafias utilizadas em obras citadas neste trabalho.

16

17

cotidianos esto relacionados aparncia, ao imediatamente obser vvel, que, de forma fragmentada e primria, a manifestao ex terna das coisas. J os conceitos cientficos esto mediados por um conjunto (sistema) de conceitos e so compreendidos pela anlise cientfica. Trata-se da essncia das coisas de forma complexa em oposio aparncia; o diferencial da cincia: demonstrar as coisas em sua totalidade e complexidade pelas mediaes tericas abstratas. Da o papel da escola (no partilhado pelas pedagogias do aprender a aprender) de que o espao escolar deve voltar-se s objetivaes para-si (no cotidianas)6. Para Saviani (2003, p. 15),A escola existe, pois, para propiciar a aquisio dos instrumen tos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (cincia), bem como o prprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola bsica devem organizar-se a partir dessa questo. Se cha marmos isso de currculo, poderemos ento afirmar que a partir do saber sistematizado que se estrutura o currculo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, uma cultura letrada. Da que a primeira exigncia para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e escrever. Alm disso, preciso conhecer tambm a linguagem dos nmeros, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Est a o contedo fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das cincias naturais e das cincias sociais (histria e geografia humanas).

na so caracterizados negativamente como saberes descontextualizados e fragmentados, porque no esto relacionados vida cotidiana. Corroborando com a exaltao do cotidiano, Philippe Perrenoud, ao discorrer sobre a pedagogia das competncias, declarou em entrevista concedida revista Nova Escola que as competncias devem ser fruto da necessidade do dia a dia dos indivduos e, como tal, no podem tomar-se universais. Indaga o educador: [...] o que sabemos verdadeiramente das competncias que tm necessidade, no dia a dia, um desempregado, um imigrante, um portador de deficincia, uma me solteira, um dissiden te, um jovem da periferia?(P e r r e n o u d ,

2000, p. 2). Essas colocaes

permitem observar que a defesa desse autor a estagnao do indivduo em suas condies de existncia, devendo aprender de forma restrita somente o necessrio para manter-se na condio de explorao em que se encontra. Na mesma entrevista, reforando o entendimento de per petuao da explorao, o educador tambm afirmou que[...] dentre as crianas que tm chance de ir escola somente alguns anos, uma grande parte sai sem saber utilizar as coisas que aprenderam [e que por isso] preciso parar de pensar a escola bsica como uma pre parao para os estudos longos [que no se destinam a toda a socieda de, e assim garantir] uma preparao de todos para a vida [idem, p. 3],

Para essas pedagogias, portanto, a educao no est centrada em adquirir conhecimento (domnio de contedos), mas sim no pro cesso da aprendizagem. Os sujeitos so preparados para serem flex veis e adaptveis s necessidades do mercado; tornam-se dceis aos desgnios do capitalismo; a explorao do homem pelo homem na turalizada e a classe dominante isenta-se da responsabilidade de ofe recer condies ao desenvolvimento mximo de todos os indivduos. Em contraposio a esse posicionamento de esvaziamento do currculo e de distoro das atividades nucleares da escola, Saviani (2003, p. 16) define currculo como[...] o conjunto das atividades nucleares desenvolvidas pela escola. E por que isto? Porque se tudo o que acontece na escola currculo,

O currculo escolar, na perspectiva do aprender a aprender, perde referncia de quais so os contedos a serem ensinados, pois deve voltar-se s vivncias e cultura cotidiana do aluno. Os conheci mentos historicamente construdos e acumulados na histria huma

6

Segundo a teoria da vida cotidiana desenvolvida por Agnes Heller, as objetiva es historicamente produzidas pela atividade social humana se estruturam em dois nveis principais. Um o das objetivaes em-si que so prprias esfera da vida cotidiana, como o caso dos objetos, da linguagem e dos usos e costumes. O outro a das objetivaes para-si, as quais adquirem uma relativa autonomia em relao vida cotidiana e, ao mesmo tempo, a superam, como, por exemplo, a cincia, a arte e a filosofia ( D u a r t e , 1999, 2007).

18

19

se se apaga a diferena entre curricular e extracurricular, ento tudo acaba adquirindo o mesmo peso; e abre-se caminho para toda sorte de tergiversaes, inverses e confuses que terminam por desca racterizar o trabalho escolar.

A violncia simblica exercida pelo poder de imposio das ideias transmitidas por meio da comunicao cultural, da doutrina o poltica e religiosa, das prticas esportivas, da educao escolar. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, socilogos franceses, escreveram sobre o fenmeno escolar. Os autores de Os herdeiros (1964) e A reproduo (1970) deixam claro que a escola no des vinculada do contexto social em que est inserida, mas sim marcada pelo sistema social e, portanto, sob o vu de neutralidade, acaba por reproduzir as diferenas de classes, o que se traduz numa violncia simblica. Desta forma, a cultura torna-se instrumento de poder, pois legitima a ordem vigente. A teoria da escola como aparelho ideolgico de Estado repre senta a reflexo feita por Louis Althusser, filsofo francs, a partir do pensamento de Marx, sobre a seguridade da produo por meio da garantia de reproduo de suas condies materiais. As condies materiais que esto postas na transformao da natureza em cultura se do por meio da ideologia. A explorao e a dominao de uma classe so veladas, de forma que a classe tra balhadora acredita serem valores universais aqueles impostos pela classe dominante. O Estado, como aparelho repressivo (em que o indivduo res peita as leis para no ser punido) e ideolgico (instituies que ga rantem a dominao pela ideologia), visa garantir a ordem vigente, tendo como um de seus instrumentos a escola. Roger Establet e Christian Baudelot, utilizando a matriz teri ca marxista, retomando Althusser e criticando Bourdieu e Passeron em alguns pontos, escrevem sobre a diviso da escola e desenvolvem a teoria da escola dualista, na qual a escolarizao atende de manei ras diferentes a burguesia e o proletariado, tendo, portanto, a escola, a funo de reproduzir as divises sociais entre trabalho intelectual e trabalho manual. Esse grupo de teorias deve ser considerado crtico porque compreende a educao em sua relao com a sociedade e influen

Para exemplificar essa descaracterizao, o autor recorre ao dia a dia das escolas, que passam todo o ano letivo se dedicando a atividades que se tornam centrais, quando deveriam apenas servir ao enriquecimento do currculo: Carnaval, Pscoa, Dia das Mes, Festas Juninas, Folclore, Semana da Ptria, Semana da Criana etc.O ano letivo encerra-se e estamos diante da seguinte constata o: fez-se de tudo na escola; encontrou-se tempo para toda espcie de comemorao, mas muito pouco tempo foi destinado ao processo de transmisso-assimilao de conhecimentos sistematizados. Isto quer dizer que se perdeu de vista a atividade nuclear da escola, isto , a trans misso dos instrumentos de acesso ao saber elaborado [idem, ibidem].

Finalmente, na tendncia tecnicista todo o sistema educacio nal organizado por especialistas [...] supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais [...](S a v i a n i ,

2008b, p. 11), cabendo

ao professor executar tcnicas que garantam a aprendizagem de con tedos que esto restritos a informaes tcnicas, sem permitirem discusses que considerem outros pontos de vista. Tanto professores quanto alunos no so mais elementos centrais do processo educa tivo, pois a organizao racional, que proporcione a eficincia e a produtividade, ser o componente principal desta pedagogia preo cupada em [...] formar indivduos eficientes, isto , aptos a dar sua parcela de contribuio para o aumento da produtividade da socie dade (idem, ibidem).b) Teorias crtico-reprodutivistas

Nas teorias crtico-reprodutivistas, esto as teorias da escola como violncia simblica, da escola como aparelho ideolgico do Estado e da escola dualista.

20

21

ciou estudos sobre a educao (na Amrica Latina, especialmente na dcada de 1970). Porm, como [...] chegam invariavelmente

con-

em compreender os fundamentos do materialismo histrico, buscando arti cular a educao com uma concepo que se contrapunha viso liberal[grifo meu].

cluso de que a funo prpria da educao consiste na reproduo da sociedade em que ela se insere, bem merecem a denominao de teorias crtico-reprodutivistas ( S a v i a n i , 2008b, p. 13). Nesse senti do, essas teorias, ao mesmo tempo em que desvelaram a articulao da educao com os interesses da burguesia, tambm propagaram o pessimismo entre os educadores, impactados com a impossibilidade de [...] articular os sistemas de ensino com os esforos de superao do problema da marginalidade [...] (idem, p. 24).c) Teorias crticas

A pedagogia histrico-crtica pertence ao grupo empenhado em fundamentar-se no materialismo histrico, contrapondo-se

pedago

gia liberal. Visto que este trabalho se fundamenta nessa concepo, que se estruturou como alternativa ao negativismo pedaggico que, preocupado em denunciar a reproduo capitalista atribuiu nfase ao papel reprodutor da escola, seus fundamentos sero explicitados. A pedagogia histrico-crtica busca compreender a histria [...] a partir do seu desenvolvimento material, da determinao das condies materiais da existncia humana( S a v ia n i,

Designam teorias que fazem uma anlise crtica da sociedade e, consequentemente, da educao, sendo que o posicionamento delas de que a educao, como fenmeno social, determinada pelas classes sociais opostas, com interesses, valores e comportamentos diversos. Podem-se localizar dois grandes grupos nas teorias crticas. No primeiro grupo, as propostas inspiradas nas concepes libertadora e libertria e no segundo, a pedagogia crtico-social dos contedos e a pedagogia histrico-crtica. No caso das teorias do primeiro grupo, pode-se afirmar que elas esto centradas [...] no saber do povo e na autonomia de suas organizaes [preconizando] uma educao autnoma e at certo ponto,

2003, p. 88).

Nesse sentido, esta teoria pedaggica toma posio na luta de classes aliando-se aos interesses dos dominados e surge [...] em decorrncia de necessidades postas pela prtica dos educadores nas condies atuais (idem, p. 93). Para esse autor, a educao escolar tem carter especfico e central na sociedade, o papel do professor fundamental no ensino, o currculo deve ser organizado com base nos contedos clssicos e a transmisso do conhecimento basilar. Desta forma, considera-se que na busca da superao das peda gogias tradicional e do aprender a aprender a pedagogia histrico -crtica se torna referncia por sua coerncia terica e posicionamento ideolgico. Essa concepo comea a ser organizada teoricamente no final da dcada de 1970. Suas ideias iniciam-se nas discusses da primeira turma de doutorado da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), em 1979, e avanam em termos de sistematizao com o texto Escola e democracia: para alm da teoria da curvatura da vara, publicado na revista da Associao Nacional de Educao(A n d e )

margem da estrutura escolar

(S a v ia n i, 2 0 0 7 ,

p.

4 1 2 ).

J nas teorias do segundo grupo, a centralidade est na educao escolar, com valorizao do acesso da classe trabalhadora ao conheci mento sistematizado. Afirma Saviani (idem, p. 413) que essa tendncia[...] aglutinou representantes cuja orientao terica predominante mente se inspirava no marxismo, entendido, porm, com diferentes aproximaes: uns mantinham como referncia a viso liberal, inter pretando o marxismo apenas pelo ngulo da crtica s desigualdades sociais e da busca de igualdade de acesso e permanncia nas escolas organizadas com o mesmo padro de qualidade; outros se empenhavam

em

1982. Esse texto integra a obra Escola e democracia, lanada em 1983, na qual Dermeval Saviani aborda as principais tendncias pedaggicas, contextualiza as contribuies e limitaes dos diferentes grupos de teo

22

23

rias e prope uma pedagogia (que ir denominar-se histrico-crtica a partir de 1984) que supere por incorporao elementos das escolas tradi cional e nova. O autor organiza sua proposta metodolgica na forma de passos para compar-los e caracteriz-los em relao aos outros mtodos (Herbart e Dewey). O autor define a pedagogia proposta afirmando que:Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizar, pois, a escola; no ser indiferente ao que ocorre em seu interior; es tar empenhada em que a escola funcione bem; portanto, estar inte ressada em mtodos de ensino eficazes. Tais mtodos situar-se-o para alm dos mtodos tradicionais e novos, superando por incorporao as contribuies de uns e de outros. Sero mtodos que estimularo a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir mo, porm, da iniciativa do professor; favorecero o dilogo dos alunos entre si e com o profes sor, mas sem deixar de valorizar o dilogo com a cultura acumulada historicamente; levaro em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicolgico, mas sem perder de vista a sistematizao lgica dos conhecimentos, sua ordenao e gradao para efeitos do processo de transmisso-assimilao dos contedos cognitivos [S aviani, 2008b, pp. 55-56].

(continuao) Assimilao de contedos Coleta de dados. transmitidos pelo professor. Apropriao dos instrumentos tericos e prticos necessrios ao equacionamento dos problemas da prtica social (instrumentalizao). Expresso elaborada da nova forma de entendimento da prtica social a que se ascendeu (catarse). Ponto de chegada da prtica educativa (prtica social modificada): passagem da sncrese sntese - a compreenso torna-se mais orgnica. Tabela 1: Passos metodolgicos das diferentes pedagogias (S aviani, 2008b, pp. 56-58).

Passo 3

Passo 4

Generalizao.

Hiptese.

Passo 5

Aplicao.

Experimentao.

A reflexo desenvolvida pela pedagogia histrico-crtica bus ca propor novos caminhos, para que a crtica no seja esvaziada pela falta de solues e organizao metodolgica do pensamento. Sendo assim, os momentos propostos por esta formulao terica sero a seguir explicitados. a) Ponto de partida da prtica educativa (prtica social): etapa na qual se deve levar em conta a realidade social do educando. Neste primeiro momento, o professor tem uma sntese precria, pois h um conhecimento e experincias em relao prtica so cial, mas seu conhecimento limitado, pois ele ainda no tem claro o nvel de compreenso dos seus alunos. Por sua vez, a compreen so dos alunos sincrtica, fragmentada, sem a viso das relaes que formam a totalidade. O primeiro momento do mtodo articula-se com o nvel de desenvolvimento efetivo do aluno, tendo em vista a adequao do ensino aos conhecimentos j apropriados e ao desenvolvimento iminente, no qual o ensino deve atuar. Com isso se quer dizer que esse momento deve, com base nas demandas ila prtica social (o que no sinnimo de demandas do cotidia

A tabela 1 indica as caractersticas da proposta organizativa de cada mtodo, apoiado pela tendncia pedaggica a qual pertence, segundo as indicaes feitas por Saviani.Passo / Pedagogia C aractersticas Trad icional (H erbart) Preparao do aluno: iniciativa do professor. Apresentao de novos conhecimentos pelo professor. Nova (Dewey) Atividade: iniciativa de alunos. Problema: como obstculo que interrompe a atividade dos alunos. H ist rico -crtica (Saviani) Ponto de partida da prtica educativa (prtica social): comum a professor e aluno, guardados os devidos nveis de compreenso. Identificao dos principaisproblemas colocados pela prtica social (Problem atizao).

Passo 1

Passo 2

(continua)

no), selecionar os conhecimentos historicamente construdos que

24

25

devam ser transmitidos, traduzidos em saber escolar. O ponto de partida da prtica educativa a busca pela apropriao, por parte dos alunos, das objetivaes humanas. importante destacar que o saber das crianas, baseado em suas experincias do cotidiano, pode contribuir para a estruturao do incio da ao pedaggica, mas no condio para ela. Isto por duas razes: primeiro, porque as experincias dos alunos so basea das no senso comum, referem-se ao conhecimento em-si e a forma de conhecimento que a escola deve dedicar-se a desenvolver o conhecimento para-si. A segunda razo, decorrente da primeira, que a escola, dedicando-se ao saber erudito, nem sempre encontrar nos interesses imediatos e nos conhecimentos prvios dos alunos os contedos que a escola deve transmitir e isso no significa que por isso no deva criar as necessidades e oferecer os conhecimentos his tricos e elaborados. Concordando com Facci (2004b, p. 235):[...] sem dvida alguma, a experincia da vida cotidiana da criana deve ser levada em conta no processo de ensino-aprendizagem, no entanto o professor deve agir na reestruturao qualitativa deste conhecim ento espontneo, levando o aluno a super-lo por meio da apropriao do conhecim ento cientfico-terico. Na relao dial tica entre conceito espontneo e conceito cientfico, percebe-se o desenvolvimento das FPS7.

ilos, que envolvem uma srie de procedimentos e aes que precisam ser discutidas. No momento da Problematizao, o professor precisa ter claro como orientar o desenvolvimento da aprendizagem, baseando-se naquilo que j tem como material da etapa anterior e seus objetivos de ensino. Alm disso, seu planejamento deve abordar as diversas di menses do tema e evidenciar a importncia daquele conhecimento, fazendo-o ter sentido para o aluno. c) Instrumentalizao: momento de oferecer condies para que o aluno adquira o conhecimento. Tendo sido evidenciado o ob jeto da ao educativa e feita a mobilizao dos alunos para o con tedo que est em questo, preciso instrumentalizar os educandos para equacionar os problemas levantados no momento anterior, pos sibilitando-lhes, de posse dos instrumentos culturais que lhes permi tam compreender o fenmeno em questo de forma mais complexa e sinttica, dar novas respostas aos problemas colocados. A apro priao dos instrumentos fsicos e psicolgicos permite a objetivao dos indivduos, tornando rgos da sua individualidade o que foi construdo socialmente ao longo da histria humana. A importncia dessa instrumentalizao est em possibilitar o acesso da classe trabalhadora ao nvel das relaes de elaborao do conhecimento e no somente sua produo.A produo do saber social, se d no interior das relaes so ciais. A elaborao do saber implica expressar de forma elaborada o saber que surge da prtica social. Essa expresso elaborada supe o domnio dos instrumentos de elaborao e sistematizao. Da a importncia da escola: se a escola no permite o acesso a esses instrumentos, os trabalhadores ficam bloqueados e impedidos de ascender ao nvel da elaborao do saber, embora continuem , pela sua atividade prtica real, a contribuir para a produo do saber

b)

Problematizao: momento de levantar as questes postas pela

prtica social. a ocasio em que [...] se toma evidente a relao escola-sociedade com as questes da prtica social (que precisam ser resolvidas) e os conhecimentos cientficos e tecnolgicos (que devem ser acionados)(V a l e ,

1994, p. 220). Trata-se de colocar em xeque a

forma e o contedo das respostas dadas prtica social, questionan do essas respostas, apontando suas insuficincias e incompletudes; de monstrar que a realidade composta por diversos elementos interliga-

7

Funes psicolgicas superiores.

[S a v ia n i, 2 0 0 3 , p. 7 7 ].

26

27

d) Catarse: momento culminante do processo educativo, quando o aluno apreende o fenmeno de forma mais complexa. H uma transformao e a aprendizagem efetiva acontece. preciso dizer que a catarse no se d em um ponto exclusivo, pois se trata da sntese, que vai acontecendo de maneira cada vez mais aprofundada. Na verdade, a apresentao de passos um re curso didtico que foi utilizado para fazer analogia s pedagogias tra dicional e nova, sendo mais adequado pedagogia histrico-crtica a meno a momentos, visto a interdependncia existente entre as etapas. So, portanto, momentos que se articulam toda vez que se quer ensinar algo. A Problematizao exige a instrumentalizao e esta nada ser se no houver apropriao dos instrumentos. O momento da catarse parte do processo de homogenei zao, [...] que se efetiva enquanto superao da heterogeneidade da vida cotidiana [...](D u a rte ,

lerem no sentido de que ao final do processo essa prtica se modifica em razo da aprendizagem resultante da prtica educativa, produzindo alte raes na qualidade e no tipo de pensamento (do emprico ao terico). importante que a proposta metodolgica da pedagogia histrico-crtica no seja incorporada como um receiturio, desven cilhada de seus fundamentos tericos, pois seu embasamento visa garantir aos dominados aquilo que os dominantes dominam, de for ma que contribua para a luta pela superao de sua condio de explorao(S a v ia n i,

2008b), e por isso no concebvel utilizar essa

metodologia para a manuteno da ordem vigente. O livro Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes foi lan ado em 1991, reunindo textos anteriormente publicados em revistas cientficas e, a partir da 8aedio, sendo acrescido de dois novos textos. Nesse livro, Saviani aborda, em forma de captulos, os seguin tes temas: escola e saber objetivo na perspectiva histrico-crtica; sobre a natureza e especificidade da educao; competncia polti ca e compromisso tcnico; a pedagogia histrico-crtica no quadro das tendncias crticas da educao brasileira; a pedagogia histrico -crtica e a educao escolar; a materialidade da ao pedaggica e os desafios da pedagogia histrico-crtica; contextualizao histrica e terica da pedagogia histrico-crtica. Vale destacar, com base nessa obra, que a natureza do trabalho educativo corresponde a um trabalho que incide sobre ideias, valo res, princpios smbolos, conceitos etc. e que a especificidade do tra balho educativo [...] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivduo singular, a humanidade que produzida histrica e coletivamente pelo conjunto dos homens(S a v ia n i,

2007, p. 61). Segundo esse autor

(2010, p. 152), [...] a catarse opera uma mudana momentnea na relao entre a conscincia individual e o mundo, fazendo com que o indivduo veja o mundo de uma maneira diferente daquela prpria ao pragmatismo e ao imediatismo da vida cotidiana. Essa mudana, sendo parte de um processo, caracterizada pela diferena qualita tiva entre o antes e o depois da catarse. Sendo assim, o momento catrtico modifica a relao do indivduo com o conhecimento, sain do do sincretismo catico inicial para uma compreenso sinttica da realidade, relacionando-se intencional e conscientemente com o conhecimento. Para Saviani (2008b, p. 57), nesse momento ocorre [...] a efetiva incorporao dos instrumentos culturais, transforma dos agora em elementos ativos da transformao social. e) Ponto de chegada da prtica educativa (prtica social modificada): o educando, tendo adquirido e sintetizado o conhecimento, tem entendi mento e senso crtico para buscar seus objetivos de maneira transforma dora. Quando o aluno problematiza a prtica social e evolui da sncrese para a sntese, est no caminho da compreenso do fenmeno em sua totalidade. O primeiro e o quinto momento so a prtica social, mas di-

2003, p. 13).

A partir da compreenso da natureza e especificidade da educao, preciso olhar ento para o seu objeto, que [...] diz respeito, de um lado, identificao dos elementos culturais que precisam ser assi milados pelos indivduos da espcie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, descoberta das lormas mais adequadas para atingir esse objetivo (idem, ibidem).

28

29

Note-se que Saviani explicita a necessidade de identificao dos elementos culturais necessrios humanizao do indivduo. Existe a um duplo posicionamento do trabalho educativo, ou seja, dos educadores. O trabalho educativo posiciona-se em relao cul tura humana historicamente produzida. Por sua vez, esse posiciona mento requer outro, sobre o processo de formao dos indivduos, sobre o que seja a humanizao dos indivduos. A abordagem histrico-crtica est bastante clara nessas duas tomadas de posio. Afinal, uma concep o historicizadora e crtica da cultura humana no se posiciona sobre aquilo que considera as conquistas mais significativas e duradouras para a humanidade? Igualmente, uma concepo historicizadora e crtica da individualidade humana no estabelece como referncia maior possibilidades socialmente existentes de vida humana, para fazer a crtica s condies concretas da vida dos indivduos e estabelecer diretrizes para o processo educativo deles? Tambm o desenvolvimento histrico da humanidade se mos tra como a referncia de Saviani (2003) quando este argumenta que uma educao escolar comprometida com a classe trabalhadora se concentraria naquilo que o ncleo clssico da escola, ou seja, a trans misso e a apropriao do conhecimento objetivo e universal. que les que identificam o conceito de conhecimento objetivo e universal com a neutralidade e o anti-historicismo positivistas, Saviani responde que se trata exatamente do contrrio, isto , somente uma concepo histrico-dialtica que trabalhe com as categorias de totalidade, con tradio e historicidade pode superar a identificao positivista entre objetividade e neutralidade e superar tambm a concepo metafsica de universalidade substituindo-a pela noo de que a universalidade do conhecimento se constitui em produto histrico da totalidade da prtica social humana. Mesmo no adverso contexto da dcada de 1990 (neoliberalismo e ps-modernismo), muitos educadores continuaram a trabalhar na perspectiva da pedagogia histrico-crtica. Uma demonstrao disso foi a realizao, em 1994, na U n esp , campus de Marlia-SP do Simp

sio Dermeval Saviani e a Educao Brasileira, que reuniu mais de seis centos participantes interessados em discutir com o prprio Saviani sua obra e atuao profissional. Desse evento, elaborou-se o livro Dermeval Saviani e a educao brasileira: o Simpsio de Marlia do autor e de sua fundamentao terica. Scheibe (1994, p. 168) aponta alguns autores que contribuem na fundamentao terica da pedagogia histrico-crtica: Marx, Gramsci e Snyders e seu posicionamento enftico e polmico [...] na busca de um pensamento crtico dialtico para a educao. Oliveira (1994, p. 107), afirmou nessa ocasio que a obra de Saviani[...] est sempre estreitamente vinculada ao seu ato de pensar os pro blemas da educao, sejam aqueles relativos poltica educacional, ao iderio pedaggico, s diversas prticas educativas etc. Sua obra, portanto, tem uma peculiaridade: caracteriza-se pelo ato de pensar os problemas da educao brasileira, tendo uma fundamentao terica que, de fato, opera como base e orientao desse pensar. (S ilv a JNIOR,

1994).

Os artigos dessa publicao auxiliam na compreenso do pensamento

Os alicerces tericos da pedagogia histrico-crtica, no entan to, no podem ser mais bem explicitados do que pelo prprio Saviani (2007, p. 420):A fundamentao terica da pedagogia histrico-crtica nos aspectos filosficos, econmicos e poltico-sociais prope-se expli citamente a seguir as trilhas abertas pelas agudas investigaes de senvolvidas por Marx sobre as condies histricas de produo da existncia humana que resultaram na forma da sociedade atual domi nada pelo capital. , pois, no esprito de suas investigaes que essa proposta pedaggica se inspira. Frise-se: de inspirao que se trata e no de extrair dos clssicos do marxismo uma teoria pedaggica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem Engels, Lnin ou Gramsci de senvolveram teoria pedaggica em sentido prprio. Assim, quando esses autores so citados, o que est em causa no a transposio de seus textos para a pedagogia e, nem mesmo, a aplicao de suas

30

31

anlises ao contexto pedaggico. Aquilo que est em causa a elaborao de uma concepo pedaggica em consonncia com a concepo de mundo e de homem prpria do materialismo histrico.

1) contra uma educao centrada na cultura presente no co tidiano imediato dos alunos que se constitui, na maioria dos casos, em resultado da alienante cultura de massas, deve-se lutar por uma educao que amplie os horizontes culturais desses alunos; 2) contra uma educao voltada para a satisfao das neces sidades imediatas e pragmticas impostas pelo cotidiano alienado dos alunos, deve-se lutar por uma educao que produza nesses alunos necessidades de nvel superior, ne cessidades que apontem para um efetivo desenvolvimento da individualidade como um todo; 3) contra uma educao apoiada em concepes do conhe cimento humano como algo particularizado, fragmentado, subjetivo, relativo e parcial que, no limite, negam a possi bilidade de um conhecimento objetivo e eliminam de seu vocabulrio a palavra verdade, deve-se lutar por uma edu cao que transmita aqueles conhecimentos que, tendo sido produzidos por seres humanos concretos em momen tos histricos especficos, alcanaram validade universal e, dessa forma, tornam-se mediadores indispensveis na com preenso da realidade social e natural o mais objetivamen te que for possvel no estgio histrico no qual se encontra atualmente o gnero humano. Sem esse nvel de compreenso da realidade social imposs vel o desenvolvimento de aes coletivas conscientemente dirigidas para a meta de superao da sociedade capitalista. nesse sentido que se interpretam as palavras de Dermeval Saviani quando este afir mou que a tarefa da pedagogia histrico-crtica em relao educa o escolar implica:a) Identificao das formas mais desenvolvidas em que se expres sa o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as

Na virada do sculo, j eram perceptveis os sinais de revigoramento do interesse pela abordagem marxista nos vrios campos da prtica social, inclusive a educao. Os educadores que no haviam deixado de trabalhar na linha da pedagogia histrico-crtica volta ram a ocupar um espao importante nos debates sobre os destinos da escola brasileira. As obras de Dermeval Saviani so um exemplo da vitalidade dessa corrente pedaggica. O livro Escola e democracia est em sua 41a edio, com mais de 200 mil exemplares vendidos. A obra Pedagogia histrico-crtica: primeiras aproximaes encontra-se na 10a edio, com mais de 35 mil exemplares vendidos. Histria das ideias pedaggicas no Brasil j se encontra na 3a edio e recebeu em 2008 o prmio Jabuti na categoria Educao, psicologia e psicanlise, sendo importante contribuio para compreender-se a trajetria das ideias pedaggicas no Brasil desde sua origem. Em dezembro de 2009, o grupo de pesquisa Estudos Marxistas em Educao promoveu naU n e sp

(campus de Araraquara-SP) um seminrio comemorativo dos

trinta anos da pedagogia histrico-crtica, no qual se reuniram pro fessores e alunos de graduao e ps-graduao de 69 instituies, 37 cidades, 11 estados brasileiros. Isso indica que os educadores con tinuam discutindo alternativas pedaggicas que respondam a uma educao crtica na formao dos indivduos. Uma das diferenas entre a pedagogia histrico-crtica e as pedagogias que se tornaram grandes modismos nas ltimas dcadas, como o construtivismo, a pedagogia das competncias, a pedagogia dos projetos e o multiculturalismo, reside no posicionamento peran te a questo da verdade. Essas pedagogias retiram da escola a tarefa de transmisso do conhecimento objetivo, a tarefa de possibilitar aos alunos o acesso verdade. Na direo oposta, a pedagogia histrico -crtica defende que:

32

33

condies de sua produo e compreendendo as suas principais manifestaes bem como as tendncias atuais de transformao; b) Converso do saber objetivo em saber escolar de modo a torn-lo assimilvel pelos alunos no espao e tempo escolares; c) Provimento dos meios necessrios para que os alunos no apenas assimilem o sa ber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o processo de sua produo bem como as tendncias de sua transformao [SAVIANI, 2003, p. 9].

a teoria j contm, at mesmo j elaborou, mas ainda no deu a eles tima forma sistematizada, articulada em termos de uma formulao orgnica, ampla, totalizante e coerente (idem, p. 105). Essa concepo vem firmando-se ao longo das ltimas dcadas, lendo como referncia fundamental o nome de Dermeval Saviani. No entanto, sua constituio uma tarefa coletiva. Segundo Duarte (1994, p. 130):A construo coletiva dessa pedagogia est em andamento tanto no que diz respeito elaborao terica, quanto no que diz respeito ao enfrentamento dos problemas postos pela prtica no campo edu cacional. H muito por ser feito nessas duas direes. Entendo que, ao estudarmos e analisarmos o pensamento de Dermeval Saviani, no podemos adotar a postura cmoda e acomodada de esperar encontrar nesse pensamento toda a teoria da pedagogia histrico-crtica. Trata-se, isto sim, de buscar elementos a partir dos quais possamos avanar na elaborao de nosso prprio pensamento.

A prioridade que a pedagogia histrico-crtica atribui ao con tedo do trabalho educativo, a defesa intransigente que essa pedago gia faz do papel da escola na socializao das formas mais desenvolvi das do saber objetivo significa, em termos de aes prticas, agudizar no campo da educao escolar as contradies da sociedade capita lista. Saviani afirma que:[...] continuar insistindo no discurso da fora prpria da educao como soluo das mazelas sociais ganha foros de ntida mistificao ideolgica. Ao contrrio disso, faz-se necessrio retomar o discurso crtico que se empenha em explicitar as relaes entre a educao e seus condicionantes sociais, evidenciando a determinao recpro ca entre a prtica social e a prtica educativa, entendida ela prpria como uma modalidade especfica da prtica social. E esta, sem d vida, a marca distintiva da pedagogia histrico-crtica. Mais do que isso, o momento atual oportuno para se retomarem os esforos de desenvolvimento e aprofundamento dessa teoria pedaggica. Reitero, assim, aos professores o apelo para que busquem testar em sua prtica as potencialidades da teoria, ao mesmo tempo em que renovo o meu empenho em prosseguir em minhas pesquisas, visando a trazer novos elementos que ampliem e reforcem a consistncia da proposta educa tiva traduzida na pedagogia histrico-crtica [idem, p. XIII].

Diversas obras vm contribuindo na direo do avano e for talecimento da pedagogia histrico-crtica8. Entretanto, como afir ma Gasparin (2002, p. 151): Os autores que tratam da pedagogia histrico-crtica se referem com muita propriedade a fundamentos, implicaes sociais mais amplas, e estabelecem conexo entre edu cao e sociedade. Mas nem sempre explicitam as aes didticas necessrias para que os professores possam aplicar essa proposta terico-metodolgica nos diversos campos de conhecimento. A dificuldade dos professores na transposio da pedagogia histrico-crtica para a prtica pedaggica, conforme apontada por Gasparin (idem, p. 152) e tambm notada por mim em minhas aulas e meus trabalhos com professores, relaciona-se a duas questes: [...]

Vale destacar que a pedagogia histrico-crtica no uma pro posta acabada. Os desafios tericos apontados por Saviani (2003) poderiam ser condensados em duas grandes direes: [...] uma im plicaria desenvolver aspectos da teoria que ainda requerem maior elaborao; a outra direo seria sistematizar, explicitar aspectos que8 Por exemplo: A rce e Martins, 2007 e 2009; Bueno, 2009; Duarte, 1998, 1999 e 2007; Duarte e Delia Fonte, 2010; Eidt, 2009; Facci, 2004b; Francioli, Marsiglia e Duarte, 2009; Gasparin, 2002; Geraldo, 2009; Marsiglia, 2009; Marsiglia e Duarte, 2009a; Martins, 2001 e 2007a; Mazzeu, 2007a; Pasqualini, 2006 e 2010; Rossler, 2004; Saviani, 2003, 2007, 2008a, 2008b; Silva Jnior, 1994.

34

a) dificuldade em entender a teoria e seus fundamentos histrico -materialistas, e b) como passar dessa teoria a um projeto de ensino-aprendizagem especfico de um determinado contedo. Assim, este livro tambm intenciona, assim como o de Duarte (1998, p. 10), e de outros pesquisadores9, contribuir com o [...] es foro coletivo que vem sendo realizado por muitos educadores neste pas, de construo de uma concepo afirmativa sobre o ato de en sinar.

Captulo 2 Consideraes sobre desenvolvim ento infantil

1. O Desenvolvimento da criana: breves consideraesD i f e r e n t e m e n t e d os a n im a is , q u e t m su as a tiv id a d e s lig ad as e s tr ita m e n te s n e c e s s id a d e s b io l g ic a s , [...] o h o m e m u m s e r d e n a tu reza s o c ia l, q u e tu d o o q u e t e m d e h u m a n o n e le p ro v m d a s u a v id a e m s o c ie d a d e , n o s e io d a c u ltu r a c r ia d a p e la h u m a n id a d e ( L e o n t ie v ,

1978,

p.

261,

grifo s d o a u to r ).

A aquisio de bens culturais no est dada da mesma forma a todos os homens. Da a importncia de um posicionamento em defesa da classe trabalhadora para que possa ter acesso s conquistas do desenvolvimento humano. Segundo Leontiev (idem, p. 274):A unidade da espcie humana parece ser praticamente inexis tente no em virtude das diferenas de cor da pele, da forma dos olhos ou de quaisquer outros traos exteriores, mas sim das enormes diferenas nas condies e modo de vida, da riqueza da atividade material e mental, do nvel de desenvolvimento das formas e ap tides intelectuais. Se um ser inteligente vindo de outro planeta visitasse a Terra e descrevesse as aptides fsicas, mentais e estti cas, as qualidades morais e os traos do comportamento de homens 9 Citarei trabalhos encontrados no banco de teses/dissertaes da C apes em busca realizada pela palavra-chave pedagogia histrico-crtica nos ltimos dez anos, cujo resumo mencionava que o trabalho realizou uma interveno fundamentada nesse referencial terico. No houve uma anlise de minha parte sobre a apro priao dos conceitos marxistas nas teses/dissertaes relacionadas: Alonso, 2004; Cararo, 2008; Dinardi, 2005; Genovez, 2006; Mattiazzo-Cardia, 2009; Ranche, 2006; Scalcon, 2003; Tonus, 2009; Zuquieri, 2007. pertencentes s classes e camadas sociais diferentes ou habitando regies e pases diferentes, dificilmente se admitiria tratar-se de re presentantes de uma mesma espcie. Mas esta desigualdade entre os homens no provm das suas diferenas biolgicas naturais. Ela o produto da desigualdade econmica, da desigualdade de classes e da diversidade consecutiva das suas relaes com as aquisies

36

37

que encarnam todas as aptides e faculdades da natureza humana, formadas no decurso de um processo scio-histrico.

nvel de desenvolvimento efetivo, que estabelece aquilo que a crian a j sabe e capaz de realizar sozinha. Segundo Vigotskii (idem, p. 111), o nvel de desenvolvimento efetivo refere-se ao [...] nvel de desenvolvimento das funes psicointelectuais da criana que se conseguiu como resultado de um especfico processo de desenvolvi mento j realizado. J o nvel de desenvolvimento iminente apre senta aquilo que a criana ainda no consegue resolver de maneira autnoma, mas que com auxlio capaz de solucionar. justamente na zona de desenvolvimento iminente2 que o educador deve atuar, para torn-la desenvolvimento efetivo e avan ar rumo a um maior grau de apropriao do conhecimento, fazendo com a criana e no para ou por ela. De acordo com Vigotski,[...] a caracterstica essencial da aprendizagem que engendra a rea de desenvolvimento potencial, ou seja, que faz nascer, estimula e ativa na criana um grupo de processos internos de desenvolvi mento no mbito das inter-relaes com outros, que, na continua o, so absorvidos pelo curso interior do desenvolvimento e se con vertem em aquisies internas da criana [idem, p. 115].

O trabalho humano produz a cultura material e intelectual (linguagem, instrumentos, cincia etc.). A apropriao dessa cultura acumulada historicamente pela humanidade essencial ao desen volvimento e ocorre por meio da mediao de outros indivduos. Assim, a criana, em seu desenvolvimento, [...] no est de modo algum sozinha em face do mundo que a rodeia. As suas relaes com 0 mundo tm sempre por intermedirio a relao do homem aos ou tros seres humanos (idem, pp. 271-272). Essa relao de que trata o autor leva discusso sobre a me diao que se realiza e o processo de aprendizagem decorrente dela. A criana, ao entrar na escola, j possui uma srie de aprendizagens que Vigotski denomina pr-histria da aprendizagem. No entan to, essas aprendizagens no garantem uma continuidade entre elas e as aprendizagens escolares(Vig o t s k ii ,

2006). O educador, como

um parceiro mais experiente, aquele que faz a mediao da criana com o mundo de forma intencional, buscando as mximas possibilida des de desenvolvimento do indivduo. O professor tem a experincia do uso social dos objetos e quando se relaciona com a criana, pro porciona-lhe a vivncia de uma operao que organiza uma ativida de interpsquica, externa ao sujeito, que ser internalizada por ele na medida em que tambm tiver a experincia individual, objetivando-se naquele objeto da cultura que lhe foi apresentado. Essa mediao que expe o sujeito cultura deve ocorrer den tro daquilo que Vigotski chama de nvel de desenvolvimento imi nente1. Para entend-lo, preciso conhecer tambm o conceito de1 Em sua tese de doutorado, a professora Zoia Ribeiro Prestes examina a atividade de traduo e afirma que [...] o tradutor um servidor da verdade do autor e suporte da alteridade deste. [...]. As palavras do autor iluminam o leitor e devem continuar a faz-lo quando vertidas em outra lngua. De outro modo, se adulteradas dois atos de violncia so cometidos simultaneamente: contra o autor e contra o leitor, pois as palavras do autor formam um campo enevoado

2

que tomam curta a viso do leitor (P restes , 2010, p. 11). Partindo dessa preo cupao, Zoia toma para anlise as obras de Vigotski, procurando [...] demons trar como certos equvocos e descuidos na traduo constituem adulteraes de conceitos fundamentais de sua teoria e distorcem seriamente suas ideias (idem, ibidem). A partir do exame dos conceitos vigotskianos, a autora ento justifica adequaes da traduo do russo para o portugus. Portanto, com base na anlise empreendida por essa autora, tendo em vista a concordncia com suas argumen taes e interpretaes, estou adotando a terminologia zona de desenvolvimento iminente em substituio aos termos zona de desenvolvimento prximo ou pro ximal", comumente utilizados nas tradues que conhecemos. Da mesma forma, utilizarei atividade-guia em lugar de atividade predominante ou atividade principal, que so termos tambm usuais das tradues para o portugus. Prestes (2010, p. 160) explica, com base nos textos de Vigotski, que zona de desenvolvimento iminente [...] revela o que a criana pode desenvolver, no significa que ir obrigatoriamente desenvolver. Isso coerente com o referen cial da psicologia histrico-cultural, pois o desenvolvimento s se realizar se as condies objetivas forem dadas socialmente.

38

39

Para a psicologia histrico-cultural, o natural transformado pela cultura, em um processo de superao por incorporao. Assim, as funes psicolgicas superiores desenvolvem-se superando aque las elementares. Elas so[...] produzidas na histria de cad a indivduo particular, dependen tes, p ortanto, de suas cond ies de vida e de aprendizagens. A s funes superiores, exclusivam ente hum anas, n o so produtos de uma estrutura psquica natural, esttica e a-histrica, mas sim cor respondentes a situaes de desenvolvim ento que no so sempre as mesmas para um dado indivduo e m uito m enos para diferentes in divduos, especialm ente en qu an to representantes de classes sociais desiguais [M artins & A rce , 2007, p. 54]-

O papel da instituio escolar , ento, de suma importncia para que a criana se aproprie dos conhecimentos da humanidade, pois neles esto cristalizadas as qualidades humanas, para que sai ba utilizar instrumentos e seja estimulada para se desenvolver pro gressivamente. De acordo com Leontiev (1978), a transmisso dos resultados do desenvolvimento scio-histrico da humanidade fundamental, visto que sem ela seria impossvel a continuidade do progresso histrico. As crianas manifestam o desejo de conhecer os fenmenos que as rodeiam, especialmente quando se deparam com algo desconhecido que as coloca em contradio com suas concepes anteriores sobre o tema(E lk o n in ,

1960). Esse conhecimento dos fenmenos desenvolve

Segundo Vigotskii (2006, p. 114), Todas as funes psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvol vimento da criana: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas ati vidades sociais, ou seja, como funes interpsquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criana, ou seja, como funes intrapsquicas. Assim, pode-se concluir que o ponto de partida so as funes psquicas j efetivadas, que ampliadas constituiro o ponto de chega da do processo educativo. A escola, como instituio social, fundamental ao desenvol vimento psquico da criana por sua funo e sua representatividade na sociedade, pois[...] as aquisies do desenvolvimento histrico das aptides humanas no so simplesmente dadas aos homens nos fenmenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas so a apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptides, os rgos da sua individualidade, a criana, o ser humano, deve entrar em relao com os fenmenos do mundo circundante atravs de ou tros homens, isto , num processo de comunicao com eles. Assim, a criana aprende a atividade adequada. Pela sua funo este processo , portanto, um processo de educao [L eontiev , 1978, p. 272, grifos meus].

cada vez mais o raciocnio lgico, superando a compreenso inicial sobre os signos (em crianas menores voltada apenas para as funes e utilizaes dos objetos), possibilitando a formao dos conceitos cien tficos3, cujo desenvolvimento central na educao escolar. Os conceitos cientficos desenvolvem-se a partir da colabora o entre o adulto e a criana, e esse um processo no natural e sim dependente do desenvolvimento das funes psicolgicas superiores, que como j foi afirmado anteriormente est sujeito s condies de vida e aprendizagem. Assim, o desenvolvimento dos conceitos cientficos est atrelado mediao do professor entre os conceitos espontneos e as formas superiores de conhecimento. Por meio do pensamento em conceitos assegurada ao aluno a ascenso a formas de anlise do real que, superando a mera descrio, permitem com preender os fenmenos em sua complexidade(E id t ,

2009).

1.1 Atividade-guia e estgios do desenvolvimento

Tanto na educao infantil como no ensino fundamental, a ques to do desenvolvimento importante como norteadora das aes peda ggicas, e por isso sero destacados alguns de seus aspectos. Entretanto, alerta Martins (2007b, p. 79) que ao colocar em foco o desenvolvimento3 Para maior detalhamento sobre conceitos cientficos, confira Vigotski, 2009.

40

41

[...] no estamos nos referindo a uma sucesso natural, linear e mecnica de experincias desarticuladas, mas sim, a uma formao que correia' ciona e complexifica atividades mediadas socialmente. Os estgios do desenvolvimento vo modificando-se pois, no seu decorrer, a criana verifica a necessidade de alterar suas relaes, uma vez que as que esto estabelecidas no correspondem mais s suas potencialidades. isso que gera as chamadas crises do desenvolvimento(To lstij ,

mais vezes, mas, sim, aquela que produz o desenvolvimento e que caracterizada por trs atributos: 1) Na atividade-guia, surgem ou tras atividades; 2) processos psquicos especficos so formados na atividade-guia; 3) a atividade-guia forma a personalidade do indi vduo ( L e o n t ie v , 2006). Essas atividades sintetizam aspectos afetivo-motivacionais e intelectuais, superando o paralelismo entre mundo fsico e social. As atividades principais dividem-se em dois gr