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  • CENTRO FEDERAL DE EDUCAO TECNOLGICA DE MINAS GERAIS - CEFET-MG

    DIRETORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    MESTRADO EM EDUCAO TECNOLGICA

    SABERES DO PEDAGOGO PARA A PRTICA

    EDUCATIVA NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS

    RAQUEL QUIRINO

    BELO HORIZONTE

    2005

  • RAQUEL QUIRINO

    SABERES DO PEDAGOGO PARA A PRTICA

    EDUCATIVA NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Centro

    Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-

    MG, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em

    Educao Tecnolgica.

    Orientador: Prof. Dr. Joo Bosco Laudares

    Belo Horizonte

    Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais CEFET-MG

    2005

  • Ficha Catalogrfica

    Q6s QUIRINO, Raquel.2005

    Saberes do Pedagogo para a prtica educativa nas

    organizaes empresariais. Belo Horizonte, 2005.

    158 p.

    Dissertao: (Mestrado) Centro Federal de EducaoTecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG.

    1. Educao e trabalho 2. Pedagogia empresarial3. Pessoal - treinamento I - Ttulo.

    CDD 370.193

  • DEDICATRIA

    Dedico este trabalho aos meus grandes amores:

    minha me, Maria: mulher forte e guerreira, meu exemplo.

    minha filha, Laura: melhor pedao de mim.

    Ao meu marido, Cludio: maior incentivador, companheiro,

    amigo, amor em plenitude.

    E ao meu orientador, Professor Joo Bosco: modelo de mestre,

    que me ensinou a encontrar o sabor no saber.

  • AGRADECIMENTOS

    Sou agradecida por todos os momentos felizes e por aqueles difceis que vivi

    durante o perodo do mestrado. E eles foram muitos ...

    Sou agradecida, tambm, a muitas pessoas que, perto ou longe, presentes ou

    ausentes, colaboraram e torceram por mim. As vibraes positivas me fizeram bem.

    No entanto, mesmo correndo o risco de esquecer pessoas importantes, ouso

    explicitar alguns agradecimentos.

    Ento agradeo:

    A Deus por ter me criado sua imagem e semelhana, dotada de inteligncia,

    determinao e perseverana pela busca do crescimento intelectual.

    minha filha Laura, que mesmo de forma inconsciente, desde os primeiros dias de

    vida soube compreender os meus momentos de ausncia e de estresse e me brinda

    a cada manh com seu olhar, seu sorriso e suas palavrinhas de carinho.

    Ao meu marido Cludio, sempre presente, amoroso, compreensivo, carinhoso, meu

    maior f e incentivador.

    minha famlia, em especial minha me e irms, por acreditarem na minha

    capacidade de superar obstculos e por torcerem pelo meu sucesso.

    minha sogra Graa, cunhada Cludia e sobrinha Natlia, por todo carinho e

    ateno dedicados minha filha durante as minhas ausncias e recluso no

    quartinho de estudos.

    Aos professores da graduao e do mestrado, em especial Lusia Pereira, Maria

    Lcia Ferreira, Maria da Conceio Passos, Antnio Tomasi e Ronaldo Nagem pela

    oportunidade de aprendizado e pelo incentivo.

    Aos meus amigos de hoje, de ontem e aos amigos eternos, pela amizade e carinho

    com os quais me privilegiam.

  • Aos meus alunos dos cursos de Pedagogia da UNIPAC de Itabirito e Nova Lima,

    pela oportunidade de crescermos juntos, pelo brilho nos olhos que demonstra, a

    cada aula, a confiana depositada em mim e confirma o quanto foi acertada a minha

    deciso de mudana de profisso.

    A todos os Pedagogos que colaboraram com seus depoimentos, sem os quais este

    trabalho no teria sido possvel.

    Aos professores Suzana Burnier, Lusia Pereira e David Bomfin pela participao na

    banca examinadora, pela colaborao e oportunas sugestes.

    Por fim, mas no menos importante, agradeo ao meu orientador, Professor Joo

    Bosco Laudares, por ter acreditado no meu potencial, pela pacincia e incentivo

    constantes, pelos preciosos momentos de orientao (e de desorientao!) e por me

    ensinar, durante o mestrado, a maior de todas as lies: preciso, e possvel,

    encontrar alegria e prazer nos estudos, na descoberta, na construo do

    conhecimento.

    Muito obrigada a todos!

  • "Apesar de o homem lhe parecer, por natureza e de fato, unilateral, eduque-o com

    todo empenho, em qualquer parte do mundo, para que se torne omnilateral."

    (Manacorda)

    "Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa to importante."

    (Saint-Exupry)

  • SUMRIO

    RESUMO .................................................................................................................. 09

    ABSTRACT .............................................................................................................. 10

    APRESENTAO .................................................................................................... 11

    1. O CONHECIMENTO COMO FATOR DE PRODUO ..................................... 18

    1.1. A Sociedade do Conhecimento ............................................................... 21

    1.2. Capital Humano e Intelectual .................................................................. 26

    1.3. Gesto do Conhecimento ........................................................................ 30

    2. A EMPRESA COMO ESPAO EDUCATIVO .................................................... 37

    2.1. Gesto de Pessoas por Competncias ................................................... 43

    2.1.1. Sobre o Modelo da Competncia ...................................................... 46

    2.2. Treinamento, Desenvolvimento e Educao Corporativa ....................... 54

    2.3. A Organizao Japonesa do Trabalho, o Controle da QualidadeTotal

    e a Educao do Trabalhador ................................................................. 59

    2.4. Aprendizagem Organizacional e Organizao Qualificada e

    Qualificante ............................................................................................. 62

    3. A INSERO DO PEDAGOGO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL .............. 69

    3.1. A Pedagogia Organizacional: Breve relato das obras sobre o tema ....... 73

    3.1.1. "Pedagogia Empresarial: que conhecimento e espao so estes?"... 73

    3.1.2. "Caracterizao do processo de formao/atuao de Pedagogos

    em espaos extra-escolares" ........................................................... 76

  • 3.1.3. "Treinamento e desenvolvimento de Recursos Humanos em

    empresas: uma opo para o Pedagogo" ....................................... 77

    3.1.4. "Pedagogia no Treinamento - Correntes Pedaggicas no Ambiente

    de Aprendizagem nas Organizaes" .............................................. 81

    3.2. Sobre o Educador e Pedagogo organizacional, empresarial;

    extra-escolar ou do trabalho .................................................................... 85

    4. O PEDAGOGO NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS: QUEM SO

    E O QUE DIZEM A RESPEITO DA PROFISSO ............................................. 91

    4.1. Conhecendo os Pedagogos Organizacionais ......................................... 93

    4.1.1 A composio do banco de dados ............................................... 96

    4.1.2 Formao, atuao, atividades desenvolvidas e dificuldades

    encontradas na profisso ............................................................ 96

    4.2. A viso dos Pedagogos sobre o processo educativo desenvolvido

    nas empresas ........................................................................................ 104

    4.3. A contribuio do Pedagogo para a educao do trabalhador ............. 109

    4.4. Pedagogo empresarial ou Pedagogo do trabalho? As opinies

    dos entrevistados .................................................................................. 112

    5. OS SABERES DO PEDAGOGO PARA A PRTICA EDUCATIVA NAS

    ORGANIZAES EMPRESARIAIS ............................................................... 114

    5.1. Saberes profissionais ............................................................................ 117

    5.2. Saberes experienciais ........................................................................... 122

    CONCLUSO ........................................................................................................ 128

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 141

    APNDICES .......................................................................................................... 156

  • 9RESUMO

    O cenrio atual, de mudanas no mundo do trabalho, traz exigncias, cada

    vez maiores, para a formao do trabalhador e, diante das dificuldades da educao

    escolarizada em acompanhar as inovaes tecnolgicas e organizacionais, torna-se

    necessrio reconhecer a dimenso educativa do trabalho, ressaltando, tambm, o

    papel da empresa neste processo formativo. Para garantir a produtividade e a

    competitividade as organizaes adotam estratgias que viabilizam a absoro do

    conhecimento do trabalhador, assim como polticas, programas internos e mudanas

    organizacionais, num complexo sistema de gesto que incentiva a educao

    continuada, o aperfeioamento permanente e o desenvolvimento de competncias.

    Nesta pesquisa evidenciamos que as empresas que adotam modernas formas de

    organizao e gesto de pessoas e buscam o desenvolvimento dos seus

    profissionais, transformam os locais de trabalho em espaos de educao do

    trabalhador. Assim, o processo educativo desenvolvido nestas organizaes torna-

    se intencional, planejado e organizado, demandando altos investimentos financeiros,

    bem como profissionais que atuem como, facilitadores, mediadores e

    operacionalizadores do processo de ensino-aprendizagem. Atravs do estudo

    terico e do discurso de Pedagogos atuantes em organizaes empresariais,

    discutimos a sua insero na prtica educativa organizacional e a constituio dos

    saberes que lhe d sustentao para tal, buscando compreender o papel deste

    profissional - preparado, a priori, para atuar em escolas, mas que atua tambm em

    empresas - e contribuir, atravs das reflexes suscitadas, para a sua formao

    profissional e para a melhoria da educao do trabalhador nas empresas.

    Palavras-Chave: Educao do Trabalhador; Saberes do Pedagogo;

    Pedagogo na Empresa; Pedagogo Organizacional.

  • 10

    ABSTRACT

    The present scenario of changes in the world of work-related matters shows

    increasing demand for education. The difficulty of the school system in keeping up

    with technological and organizational innovations brings to mind the educational

    aspects of work, which leads to considerations on the role of companies in this

    process. In order to guarantee productivity and competitiveness organizations have

    adopted strategies to integrate their workers knowledge, in addition to organizational

    policies and programs to promote changes, along with complex management

    systems that support continuous education, constant improvement and the

    development of competences. In this research we demonstrate that companies that

    adopt modern organizational principles in human resource management and seek

    the development of their workers convert the workplace into an educational place. As

    a result the educational process developed within these organizations becomes

    intentional, is planned and organized and demands high investments, as well as

    professionals to act as facilitators, mediators, and operators in the teach-learn

    process. Through both theoretical studies and the study of the discourse of

    pedagogues working in business organizations we discuss the insertion of those

    professionals in the organizational educational practice. Moreover, we discuss the

    foundations of the knowledge that gives support to their practice and try to

    understand the role of a professional who, in spite of being trained a priori to work in

    schools, works for companies too. It is also our objective, by way of the thinking

    brought up in this study, to contribute in the formation of those professionals and the

    improvement of the worker's education in companies.

    Key Words: The Worker's Education; The Pedagogues Knowledge; The

    Pedagogue in the Company; The Organizational Pedagogue.

  • 11

    APRESENTAO

    O interesse de estudar sobre a educao do trabalhador no ambiente de

    trabalho e, sobretudo, sobre a insero do Pedagogo na prtica educativa nas

    organizaes empresariais nasceu da minha trajetria profissional e acadmica.

    Por muito anos, mesmo desempenhando funes tcnicas em empresas de

    mdio e grande portes, quer de uma maneira expontnea ensinando um

    companheiro novato a desempenhar as suas funes, quer como instrutora em

    treinamentos organizados pela empresa, o trabalho educativo sempre esteve

    presente em minhas atividades dirias.

    Aos poucos, devido ao meu interesse e habilidade natural em lidar com a

    dinmica do ensinar e aprender desenvolvida nas empresas, fui designada para

    trabalhos especficos de treinamentos tcnicos e de conscientizao dos programas

    de qualidade total, segurana e sade ocupacional, preservao ambiental e

    qualidade de vida do trabalhador.

    As atividades constavam do levantamento das necessidades de treinamento,

    em conformidade aos objetivos e metas da organizao, do desenvolvimento dos

    contedos tcnicos, da elaborao do material didtico, da preparao e

    acompanhamento dos instrutores, da avaliao da eficcia dos treinamentos

    ministrados, alm da conduo dos trabalhos em sala de aula.

    Porm, apesar do sucesso que o meu trabalho vinha alcanando, a prtica

    pedaggica desenvolvida era carregada de informalidade, resultado de uma indevida

    dicotomia entre a teoria e a prtica, gerada pela minha formao extremamente

    tcnica e pela falta de conhecimentos sobre a cincia da educao.

    Constatei, ento, que para tornar a prtica educativa mais eficaz, ser capaz

    de trabalhar com maior rigor conceitual, sistematizar adequadamente os

  • 12

    conhecimentos, ter uma clara definio dos fins a serem atingidos pelos

    treinamentos e escolher os meios mais eficazes a serem utilizados precisava fazer

    algum curso que me proporcionasse o conhecimento necessrio para desenvolver o

    processo educacional.

    Diante destas necessidades decidi fazer o curso de graduao em

    Pedagogia, concludo em 2002 no Centro Universitrio de Belo Horizonte - UNI-BH.

    O estudo das vrias cincias1 que compunham o projeto pedaggico do

    curso, alm do contedo especfico da Pedagogia, apesar de a priori estarem

    direcionados educao formal escolarizada, mostraram-se bastante teis e

    aproveitveis para as minhas atividades na educao organizacional.

    medida que o curso prosseguia, mais e mais a importncia da Pedagogia

    nos treinamentos organizacionais tornava-se evidente, pois, os princpios filosficos,

    sociolgicos e antropolgicos, as metodologias, a didtica, a teoria do trabalho por

    projetos, dentre outros contedos estudados, muito contribuam para o

    desenvolvimento e sucesso dos meus trabalhos educativos na empresa.

    Porm, isto no era suficiente e a minha busca pela transposio dos saberes

    pedaggicos realidade organizacional era rdua e solitria, pois o projeto

    pedaggico do curso de Pedagogia no contemplava nenhum contedo especfico

    direcionado educao de adultos ou com enfoque para a rea de gesto de

    pessoas, que favorecesse o desenvolvimento do processo educacional desenvolvido

    nas empresas.

    No trabalho de concluso do curso de Pedagogia, no UNI-BH, partindo de

    minha experincia pessoal e de outros Pedagogos atuantes em empresas, elaborei

    1 1 "A Pedagogia (...) busca em outras cincias os conhecimentos tericos e prticos que concorrempara o esclarecimento do seu objeto, o fenmeno educativo. So elas a Filosofia, Sociologia,Psicologia, Biologia, Economia e outras." (Libneo, 1994: 25)

  • 13

    e apresentei, em 2002, uma monografia que evidenciava a necessidade da atuao

    do Pedagogo como educador organizacional e parceiro dos demais profissionais nos

    setores de Recursos Humanos.

    Aps alcanar xito, ainda que incipiente, no propsito de inserir a Pedagogia

    na discusso sobre a educao do trabalhador no ambiente organizacional, diversas

    dvidas e inquietaes comearam a surgir demandando novos estudos.

    Diante desta situao, no ano de 2003, procurei no Mestrado em Tecnologia,

    rea de concentrao em Educao Tecnolgica, do CEFET-MG, a oportunidade de

    buscar informaes e contribuir para a evoluo dos conhecimentos acadmico e

    empresarial na rea da Pedagogia Organizacional.

    As diversas disciplinas cursadas e todos os estudos realizados durante o

    programa do Mestrado possibilitaram-me uma viso mais abrangente e crtica da

    educao e do mundo do trabalho.

    Assim, embasando-me nos saberes adquiridos na minha formao em

    Pedagogia, em minha experincia profissional nas empresas, no enriquecimento

    advindo do Mestrado, no estudo das obras que constituem a parte terica e nos

    discursos dos Pedagogos entrevistados na pesquisa emprica, foi possvel a

    realizao da presente dissertao.

    Neste trabalho, procuramos contribuir para o conhecimento sobre a educao

    do trabalhador promovido pelas empresas e proceder a anlise deste processo pelo

    vis da Pedagogia que se ocupa do ensino-aprendizagem nas organizaes

    empresariais.

    Nosso objeto de estudo so os saberes dos Pedagogos atuantes na prtica

    educativa nas organizaes empresariais e, a nossa metodologia de trabalho,

    constituiu-se, na primeira parte, em uma reviso bibliogrfica da produo

  • 14

    acadmica encontrada sobre o tema, o dilogo e a identificao de semelhanas e

    contrapontos presentes nas idias de autores dedicados s reas de Gesto de

    Pessoas com autores da Educao e Trabalho, e entre aqueles das reas de

    Educao e os da Pedagogia Organizacional.

    Na segunda parte, constituda pela pesquisa emprica, identificamos, atravs

    dos bancos de dados de duas instituies escolares: Centro Universitrio de Belo

    Horizonte - UNI-BH e Centro Especializado em Pesquisas Educacionais de Minas

    Gerais - CEPEMG-MG, setenta (70) Pedagogos atuantes em diversas organizaes

    empresariais na regio da Grande Belo Horizonte e enviamos um questionrio de

    pesquisa preliminar. Aps o recebimento dos questionrios, selecionamos nove (09)

    Pedagogos e os submetemos a uma entrevista semiestruturada para, atravs da

    anlise dos discursos destes profissionais, elucidarmos as questes pesquisadas.

    As principais questes que nortearam este trabalho e constituram parte

    importante para situar o contexto e a problemtica da pesquisa foram referentes ao

    conhecimento do perfil do Pedagogo que atua nas organizaes empresariais e sua

    viso sobre a profisso, a contribuio que d educao do trabalhador, as suas

    opinies sobre o processo educativo realizado pelas empresas e, especialmente, o

    que constitui o nosso objeto de estudo, os saberes utilizados e mobilizados por ele

    para esta prtica educativa.

    No primeiro captulo, "O conhecimento como fator de produo", os temas:

    sociedade do conhecimento, capital humano e intelectual e gesto do conhecimento

    sintetizam a idia de que o saber do trabalhador constitui fator de produo e nunca

    esteve to valorizado e em evidncia no mercado de trabalho como no momento

    atual. Tal constatao tem levado diversas empresas a fomentarem os seus setores

    de Recursos Humanos, a investirem mais no desenvolvimento de seus empregados,

  • 15

    assim como tem contribudo para a redefinio e a adoo de diferentes padres de

    gesto de pessoas.

    No segundo captulo: "A empresa como espao educativo", o

    desenvolvimento cientfico-tecnolgico e seus efeitos no mundo do trabalho,

    conjugados crescente competitividade enfrentada pelas empresas, trazem a

    emergncia de um trabalho revalorizado mas com exigncias cada vez maiores ao

    trabalhador.

    A adoo do modelo japons de trabalho, os programas de qualidade total e a

    retomada da valorizao da subjetividade do trabalhador - levando a necessidade do

    desenvolvimento de competncias diversificadas relacionadas gesto de pessoas

    por competncias - levam as empresas, que adotam tais modelos, a buscar o

    comprometimento dos trabalhadores no processo produtivo e a adotar inmeras

    estratgias para assegurar a capacitao dos seus empregados, num complexo

    sistema de gesto que incentiva a educao continuada, o aperfeioamento e o

    desenvolvimento de competncias. Tais iniciativas levam constatao de que

    estas empresas, embora com interesses voltados para a produtividade e o lucro,

    esto se tornando espaos educativos para o trabalhador.

    No captulo terceiro, ainda em discusso terica, uma vez que a

    transformao dos ambientes de trabalho em espaos educativos demandam

    profissionais competentes para o planejamento e a operacionalizao do processo

    de ensino-aprendizagem e, sendo o Pedagogo um profissional especializado em

    educao, a sua insero no ambiente organizacional apresentada.

    No obstante ao reduzido nmero de trabalhos cientficos que tratam do

    tema, atravs dos estudos das obras encontradas, foi possvel evidenciar as

    inmeras denominaes dadas ao profissional de Pedagogia atuante nas

  • 16

    organizaes empresariais e tecer algumas consideraes sobre o Pedagogo do

    Trabalho.

    Na parte emprica, constituda pelo quarto e quinto captulos, os sujeitos da

    pesquisa, os Pedagogos que atuam na prtica educativa nas organizaes

    empresariais na regio da Grande Belo Horizonte, so apresentados com sua

    formao profissional, os aspectos da sua atuao, suas atividades desenvolvidas e

    as dificuldades encontradas para o exerccio da profisso, bem como a viso destes

    profissionais sobre o processo educativo realizado nas e pelas empresas.

    No quinto captulo a discusso emprica encerrada com a abordagem do

    objeto de estudo deste trabalho: os saberes utilizados pelo Pedagogo na prtica

    educativa nas organizaes empresariais. As categorias de saberes foram

    elencadas a partir do discurso dos Pedagogos entrevistados e analisados luz do

    referencial terico escolhido.

    Na concluso do trabalho so sintetizados os principais resultados obtidos na

    pesquisa terica e emprica e apresentadas as consideraes acerca dos saberes

    do Pedagogo Organizacional e a sua correlao com os saberes do Pedagogo

    Escolar.

    Sob o ponto de vista da educao e do mundo do trabalho, este trabalho

    objetiva, sobretudo, trazer a educadores e empresrios, um novo enfoque acerca da

    necessidade de uma abordagem pedaggica nos programas de educao

    desenvolvidos nas empresas, no sentido de que o processo de ensino-

    aprendizagem que se processa nas organizaes empresariais possa contribuir para

    a educao integral do trabalhador e para a construo de sua cidadania.

    Em relao a rea da Pedagogia, o objetivo trazer, atravs da leitura deste

    trabalho, uma oportunidade de reflexo e tomada de deciso em relao ao

  • 17

    desenvolvimento dos saberes necessrios atuao do Pedagogo, para que tanto

    estes, quanto os seus formadores, possam vislumbrar nas organizaes

    empresariais espaos para o desenvolvimento de uma verdadeira prtica educativa,

    benfica ao trabalhador, sociedade e ao prprio Pedagogo enquanto profissional.

  • 18

    1. O CONHECIMENTO COMO FATOR DE PRODUO

    Os saberes2 do trabalhador sempre exerceram papis importantes na

    sociedade.

    Ao longo da histria, o conhecimento teve diferentes significados e funes.

    Durante a antigidade clssica, era usado para o crescimento pessoal e para

    aumentar a satisfao e a sabedoria individual. Em meados do sculo XVIII, essa

    concepo sofreu uma inflexo, justificada, em parte, pelo advento da Revoluo

    Industrial. A partir de ento, o conhecimento passou a voltar-se para sua aplicao

    na sociedade deixando de servir exclusivamente satisfao pessoal. Essa

    modificao foi acompanhada por outra que atingiu a organizao econmica da

    sociedade. O padro artesanal, manual e dependente do homem foi substitudo por

    outro de cunho industrial, tecnolgico, dependente da mquina. A vida rural, que

    dispersava geograficamente as pessoas, foi substituda pela vida urbana, que

    concentrou centenas de indivduos em torno das fbricas e das grandes cidades.

    Nas formas de organizao do trabalho taylorista-fordista predominava o

    saber tcito, denominado de conjuno de saberes pouco sistematizados e

    experincias acumuladas resultantes da relao entre o homem, o conhecimento e o

    trabalho.

    Leite (1994:71) mostra que, autores como Braverman, Gorz, Freyssenet,

    dentre outros, consideram a fragmentao do trabalho, com o fim do artesanato e o

    desenvolvimento tecnolgico presentes naqueles sistemas de organizao do

    2 Os substantivos "saber" e "conhecimento" aparecem na literatura especializada ora com sentidosvariados ou imprecisos, ora com o mesmo significado. Segundo Fidalgo e Machado (2000:295) estefato responsvel e, ao mesmo tempo, expressa a dificuldade de se debruar com rigor sobre eles, oque torna rdua a tarefa de localizar bibliografias especficas e significativas. Para efeito desteestudo, na discusso terica consideraremos "saber" e "conhecimento" como sinnimos.

  • 19

    trabalho, uma constante desqualificao do trabalhador que tem uma expropriao

    progressiva e acumulativa do seu saber e de sua autonomia.

    Nessa perspectiva, segundo Kenzer (1999:13), medida em que o saber do

    trabalhador era incorporado maquina, cujo manuseio ou acompanhamento no

    exigia habilidades especficas, a relao de trabalho ficou determinada pela ntida

    separao entre as atividades intelectuais e instrumentais.

    No entanto, a reestruturao produtiva transforma radicalmente esta situao.

    partir da crescente incorporao de novos princpios cientficos e tecnolgicos ao

    processo de trabalho, as habilidades cognitivas, at ento restritas a um nmero

    reduzido de trabalhadores que desempenhavam funes intelectuais, passam a ser

    requeridas para todos os trabalhadores, independentemente de seu nvel hierrquico

    e funo desempenhada.

    O grande desenvolvimento cientfico-tecnolgico e seus efeitos no mundo do

    trabalho e nas relaes sociais implicam uma nova construo cultural e

    conseqentes modificaes nos processos laborais e educativos.

    A descoberta de novos princpios cientficos permite a criao de novosmateriais e equipamentos; os processos de trabalho de base rgida vosendo substitudos pelos de base flexvel; a eletromecnica, com suasalternativas de soluo bem definidas, vai cedendo lugar microeletrnica,que assegura amplo espectro de solues possveis desde que a cincia ea tecnologia, antes incorporadas aos equipamentos, passem a ser domniodos trabalhadores; os sistemas de comunicao interligam o mundo daproduo. (Kenzer, 1998:37)

    As mudanas na organizao do trabalho envolvem a utilizao crescente

    pelas empresas do componente intelectual do trabalhador, em detrimento do

    componente fsico-manual. Hoje, segundo Bruno (2000), sobretudo a capacidade

    de raciocnio dos trabalhadores que as empresas procuram explorar.

    Carvalho (2002), confirma esta premissa e acrescenta que estas "novas"

    qualificaes poderiam ser compreendidas em trs grandes grupos: novos

  • 20

    conhecimentos prticos e tericos; capacidade de abstrao, deciso e

    comunicao e qualidades relacionadas responsabilidade, ateno e interesse

    pelo trabalho. Alm disso, pressupe tambm uma busca permanente de pequenas

    inovaes na maneira de produzir, que nascem do conhecimento acumulado pelos

    trabalhadores na prpria vivncia da produo.

    No atual contexto, as "velhas" formas de organizao taylorista-fordista

    parecem no ter mais lugar. No novo discurso da sociedade do trabalho, para todos

    os setores da economia, as capacidades intelectuais do trabalhador e os seus

    conhecimentos passam a ter destaque e adquirem valor como um novo e principal

    fator de produo.

    Neste captulo, destacamos a Sociedade do Conhecimento, as Teorias do

    Capital Humano e Intelectual e as novas formas de Gesto do Conhecimento e da

    Competncia adotadas pelas empresas e que trazem pressupostos de novas formas

    de valorizao do conhecimento do trabalhador, mas, tambm, uma necessidade de

    qualificao e requalificao constantes e nem sempre acessveis.

    Na viso de Deluiz (2001:7),

    (...) O lado luminoso (desse processo) a possibilidade de um trabalho comnovos contedos, a partir de novas concepes gerenciais e da introduo detecnologias que exigem maior base de educao geral, alm de novosrequisitos e atributos de qualificao profissional.

    Porm, Kenzer (1998:38) avalia que

    (...) essa novas determinaes mudariam radicalmente o eixo da formao detrabalhadores, caso ela fosse assegurada para todos, o que na realidade noocorre. (...) Na verdade, cria-se uma nova casta de profissionais qualificados, apar de um grande contingente de trabalhadores precariamente educados,embora ainda includos, porquanto responsveis por trabalhos tambmcrescentemente precarizados.

  • 21

    Objetivamos evidenciar a crescente valorizao do conhecimento dos

    trabalhadores pelas organizaes e, ainda, conforme as idias de Kenzer (1998),

    destacar que as exigncias da Sociedade do Conhecimento implicam numa

    reestruturao do processo educativo, tanto no ensino profissionalizante, quanto nas

    atividades desenvolvidas nas empresas, de modo a formar trabalhadores de novo

    tipo, intelectual, tcnica e eticamente desenvolvidos e politicamente comprometidos

    com a construo de uma nova sociedade.

    1.1 A Sociedade do Conhecimento

    A sociedade em que vivemos afasta-se radicalmente da Sociedade Industrial.

    O momento atual de transio para a Sociedade do Conhecimento. Se antes o que

    gerava riqueza e poder era o domnio do capital, da terra e do trabalho, hoje a

    realidade outra. Segundo Cavalcanti et al (2001:21), "mais de 55% da riqueza

    mundial advm do conhecimento e dos denominados bens ou produtos intangveis."

    A constatao de que o conhecimento hoje o principal fator de produo tem

    conseqncias nas atividades econmicas e nos rumos da educao do trabalhador.

    Para Peter Drucker (1997), as atividades que ocupam o lugar central das

    organizaes no so mais aquelas que visam produzir ou distribuir objetos mas

    aquela que produzem e distribuem informao e conhecimento.

    Desde sculos passados os economistas tinham a preocupao de definir os

    fatores de produo. Terra, capital e trabalho foram definidos, como fatores clssicos

    por Jean Baptist Say3 e seguido por Adam Smith4, em trabalhos publicados

    posteriormente. Esta classificao teve um forte impacto no processo de

    3 Say, Jean Baptiste. Cours d'Economie Politique. Paris: Flammarion, 1996.4 Smith, Adam. A Riqueza das Naes, cuja primeira edio foi em 1776.

  • 22

    desenvolvimento da economia enquanto cincia e guiou o pensamento de geraes

    de economistas.

    Analisando as economias baseadas na explorao da natureza,

    predominantes at o sculo XVIII, percebemos que a posse da terra e a explorao

    extensiva da mo-de-obra eram os fatores decisivos para determinar o sucesso

    econmico. Com a Revoluo Industrial, a posse dos meios de produo e

    explorao do trabalho passaram a ser as foras motrizes do desenvolvimento

    econmico.

    Com o surgimento da Sociedade do Conhecimento, os modelos econmicos

    que regem esta nova sociedade foram revistos no sentido de incorporar o

    conhecimento, no apenas como mais um fator de produo mas, como o fator

    essencial do processo de produo e gerao de riqueza.

    Na chamada "Sociedade Ps-Capitalista", assim denominada por Drucker

    (1997:16), a nfase recai sobre o conhecimento, pois este tornou-se o recurso

    essencial da economia.

    (...) Esta nova sociedade traz como recurso econmico bsico ou "meios deproduo" no mais o capital, a terra, nem a mo-de-obra. O maior capitalda nova sociedade e ser o conhecimento.

    Segundo o autor, a nova sociedade, que ora se instala, no ser uma

    "sociedade anticapitalista", nem uma "sociedade no-capitalista", mas o seu centro

    de gravidade - estrutura, dinmica social e econmica, classes sociais e problemas

    sociais - diferente daquele que dominou os ltimos duzentos e cinqenta anos.

    Isto no significa que os fatores clssicos de produo desapareceram,

    apenas tornaram-se secundrios. Eles podem ser obtidos com alguma facilidade

    desde que tenhamos conhecimento. As atividades que agregam mais valor, que

    geram mais riqueza para os indivduos so aquelas propiciadas pela inovao e

  • 23

    esta, principalmente, pela capacidade de usar o conhecimento agregado aos

    produtos e servios oferecidos. O que importa agora para o aumento da

    produtividade o trabalho intelectual e a gesto do conhecimento.

    Cavalcanti et al (2001:27), indicam que, no ano de 1999,

    (...) o conhecimento foi responsvel por mais de 50% do PIB dos pasesdesenvolvidos (...) e a crescente reduo dos custos e a facilidade deobteno da informao apontam claramente para um aumento daparticipao do conhecimento na gerao de riqueza para organizaes,regies e pases.

    Analisando os dados de exportaes do Estados Unidos nos ltimos sete

    anos, os autores verificam que as exportaes americanas de bens intangveis,

    como softwares, patentes, royalties, servios de consultoria, bens culturais (filmes,

    msica) atingiram a impressionante marca de 70% do valor das exportaes totais

    daquele pas. Diante deste nmero impressionante, concluem que "o conhecimento

    o novo motor da economia mundial".

    Em estudo semelhante, o Banco Mundial5 alerta os pases em

    desenvolvimento sobre a importncia do conhecimento como gerador de riqueza.

    Na economia baseada em conhecimento o eixo, da riqueza e do

    desenvolvimento, desloca-se de setores industriais tradicionais - intensivos em mo-

    de-obra e capital - para setores cujos produtos, processo e servios so intensivos

    em tecnologia e conhecimento.

    Na sociedade industrial os empreendimentos tinham como premissas a

    economia de escala, ou seja, fabricar uma grande quantidade de um mesmo produto

    para obter um preo final de venda baixo. Hoje os consumidores querem produtos e

    5 BANCO MUNDIAL. Conhecimento para o Desenvolvimento. In: Inteligncia Empresarial. Rio deJaneiro: CRIE-COPPE/UFRJ, E-papers Editora. n. 1, out./ 1999.

  • 24

    servios que atendam suas necessidades individuais. O modelo de produo na

    sociedade do conhecimento tem, portanto, uma palavra-chave: flexibilidade.

    Da mesma forma, flexibilidade, criatividade e a capacidade de iniciativa so

    alguns atributos essenciais dos trabalhadores desta nova economia. A poca em

    que o trabalhador eficiente era "o que deixava o crebro em casa", est

    definitivamente ultrapassada. O trabalhador desta nova sociedade deve aprender a

    aprender para poder estar continuamente atualizado.

    Neste contexto, Saviani (1994:160) observa que na sociedade capitalista

    moderna, se o saber meio de produo, como tal deve pertencer, exclusivamente

    classe dominante. Porm, na medida em que para produzir, o trabalhador precisa

    dominar algum tipo de saber, insere-se a contradio na essncia do capitalismo: o

    trabalhador no pode ser proprietrio dos meios de produo (apenas da fora de

    trabalho), no pode deter o saber, mas, sem o saber, ele tambm no pode produzir.

    Drucker (1997) confirma esta premissa, mas elege uma nova casta de

    trabalhadores denominados "trabalhadores do conhecimento", aqueles que sabem

    como alocar conhecimentos para usos produtivos. Preconiza que, diferentemente

    dos trabalhadores sob o antigo capitalismo, estes possuem tanto os "meios de

    produo" como "as ferramentas de produo", tornando-se tambm capitalistas,

    pois so donos do capital. Portanto, o desafio econmico da sociedade ps-

    capitalista a produtividade do trabalho com conhecimento e do trabalhador do

    conhecimento.

    Entretanto, ressalta a existncia de uma segunda classe de trabalhadores,

    que por no terem acesso educao necessria para serem trabalhadores do

    conhecimento permanecero margem da sociedade em sub-empregos ou

    desempregados, demonstrando que, na "sociedade ps-capitalista" moderna, a

  • 25

    diviso entre trabalho manual e trabalho intelectual do modelo taylorista, ainda

    permanece.

    Para enfrentar este desafio, Drucker (1997) acredita na educao universal e

    enfatiza a responsabilidade da escola em seu papel e funo de educar - seu foco,

    sua finalidade, seus valores - alm da necessidade de um aprendizado vitalcio.

    Considera, no entanto, que o estudo um empreendimento conjunto entre a escola

    e a empresa, pois a linha que divide o local de trabalho do local do aprendizado se

    torna cada vez mais indistinta. Hoje, ressalta, o trabalho o lugar onde o trabalhador

    continuar a aprender indefinidamente.

    Porm, em seu estudo da arte sobre a Educao e Trabalho no Brasil,

    Kenzer (1991) evidencia que as empresas nunca dependeram da escola para

    preencher seus quadros, segundo suas prprias necessidades, uma vez que

    dispem de sua prpria pedagogia e de meios especficos para educar o trabalhador

    dando a ele acesso apenas quela parcela do saber necessria produo.

    No entanto, esta mesma autora, verifica, em estudos mais recentes (Kenzer,

    1998), avanos do ponto de vista da concepo de qualificao para o trabalho. Em

    decorrncia das exigncias das empresas pelo trabalhador com conhecimentos e

    habilidades cognitivas e comportamentais, capaz de trabalhar intelectualmente e de

    utilizar conhecimentos cientficos e tecnolgicos de modo articulado para resolver

    problemas da prtica social e produtiva, nasce uma nova pedagogia que exige

    ampliao e democratizao da educao bsica, com pelo menos onze anos de

    ensino, abrangendo os nveis fundamental e mdio. Isto leva a uma democratizao

    possvel da educao bsica de qualidade, ainda que no seja para todos e

    custeada pelas prprias empresas, como meio de formar mo-de-obra necessria s

    suas necessidades.

  • 26

    Apesar do crescente entusiasmo de alguns autores pela Sociedade ou Era do

    conhecimento, no podemos afirmar que todas as empresas encontram-se em tal

    estado de avano. Bomfin (2004:108) ressalta que embora haja organizaes com

    tecnologia de ponta, que evoluram mediante processo de amadurecimento e

    superao dos paradigmas gerenciais e organizacionais centrados na era industrial

    e burocrtica, no se pode deixar de lado aquelas organizaes que ainda esto

    longe de atingir este estgio de desenvolvimento e que ainda encontram-se na era

    industrial.

    1.2 Capital Humano e Intelectual

    Considerado como o novo capital da Sociedade do Conhecimento, capital

    humano, para a rea de economia, significa:

    o conjunto de investimentos destinados formao educacional eprofissional de determinada populao. (...) O termo utilizado tambmpara designar as aptides e habilidades pessoais que permitem ao indivduoauferir uma renda. Esse capital deriva de aptides naturais ou adquiridas noprocesso de aprendizagem. Nesse sentido, o conceito de capital humanocorresponde ao de capacidade de trabalho (Sandroni, 1994: 41).

    Este termo vem sendo empregado constantemente em diferentes reas do

    conhecimento cientfico, nos discursos polticos, no cotidiano das organizaes e

    nos diversos segmentos da sociedade. um conceito abrangente e resulta de um

    consenso entre as diversas e diferentes concepes envolvidas no termo: capital,

    investimento, educao, aptido, trabalho.

    Na dcada de 1960, Theodore William Schultz, professor da Universidade de

    Chicago, publicou os textos que formalizaram a nova teoria. Seu trabalho teve

    repercusso mundial e lhe rendeu o Prmio Nobel de Economia, em 1979 (Schultz,

    1973). A teoria teve um impacto expressivo no Terceiro Mundo, sendo considerada

  • 27

    uma alternativa para se alcanar o desenvolvimento econmico, para se reduzir as

    desigualdades sociais e para se aumentar a renda dos indivduos.

    Em sua concepo, a qualidade do esforo humano poderia ser grandemente

    ampliada e melhorada e sua produtividade incrementada. Os gastos com a

    educao - que at ento eram considerados consumo - passam a ser vistos como

    investimento em capital humano para se conseguir melhores empregos e a melhoria

    de rendimentos, aps estudos formais na escola ou treinamento no local de trabalho.

    A Teoria do Capital Humano tambm se relaciona com as recentes

    redefinies do padro de gesto do trabalho. O imperativo da competitividade,

    agora em escala internacional, obriga as empresas a desenvolverem estratgias

    visando qualidade total. Para tanto, torna-se necessrio conquistar o

    comprometimento dos trabalhadores no processo produtivo, especialmente quando

    se trata da operao de mquinas e equipamentos sofisticados e caros. A

    contribuio da mo-de-obra qualificada, at ento subestimada no sistema

    taylorista-fordista, passou a ser valorizada para atender s novas necessidades das

    empresas. Polticas especficas de formao passaram a ser adotadas segundo os

    princpios de seletividade dos trabalhadores.

    Considerando a educao como fator de crescimento econmico e de

    segurana, a Teoria do Capital Humano influenciou decisivamente educadores e

    economistas no Brasil, trazendo, inclusive, inmeras mudanas na legislao, na

    concepo e no planejamento da educao formal, principalmente, no ensino

    profissionalizante.

    Porm, se muitos autores brasileiros, dentre eles Serra (1975), Castro (1973),

    Fishlow (1975), concordavam com a tese da Teoria do Capital Humano, tambm

  • 28

    eram muito numerosos os que dela discordavam, dos quais citamos os trabalhos de

    Rossi (1978), Salm (1980), Frigotto (1993), dentre outros.

    O debate que se configurava era sobre a existncia de causalidade entre

    educao e produtividade/renda. Do ponto de vista dos autores que apoiavam a

    Teoria do Capital Humano, as oportunidades educacionais diminuiriam as diferenas

    scio-econmicas. Do lado oposto haviam os que defendiam a idia de que a

    educao, atravs da expanso da qualificao, apenas criaria condies para a

    melhor utilizao da fora de trabalho pelo capitalista. 6

    Neste contexto, Saviani (1994:151) observa que o problema das relaes

    entre educao e trabalho abordado de diferentes maneiras. Em termos gerais, no

    passado, a concepo que se tinha de educao era do seu carter improdutivo e o

    seu entendimento como um bem de consumo, objeto de fruiao.

    Essa situao tendeu a se alterar a partir da dcada de 60 com osurgimento da "teoria do capital humano", passando a educao a serentendida como algo no meramente ornamental mas decisivo para odesenvolvimento econmico. Postula-se, assim, uma estreita ligao entreeducao (escola) e trabalho; isto , considera-se que a educaopotencializa trabalho. Essa perspectiva est presente tambm nos crticosda "teoria do capital humano", uma vez que consideram que a educao funcional ao sistema capitalista, no apenas ideologicamente, mas tambmeconomicamente, enquanto qualificadora da mo-de-obra (fora detrabalho).

    Para Saviani (1994), tais discusses, evidenciando duas posies opostas,

    leva os educadores a oscilarem ao considerar a educao apenas em termos gerais,

    com ou sem referncias formao profissional, ou propondo um sistema dualista

    com a formao geral desvinculada da formao profissional ou, ainda, concebendo

    uma escola nica que pretenderia articular educao geral e formao profissional.

    6 Kenzer faz um detalhado estudo sobre a abordagem do capital humano no Brasil em seustrabalho: Educao e Trabalho no Brasil. O Estado da Questo. Braslia: INEP,. Santiago: Reduc,1991.

  • 29

    No entanto, apesar de todas as discusses surgidas acerca do tema, segundo

    os estudo de Burnier (2003:85), o que se observa, at os dias de hoje, que a

    busca de melhoria de vida atravs da qualificao profissional ainda se constitui um

    tradicional mecanismo utilizado pela classe trabalhadora brasileira.

    Contudo, Moretto (1997) alerta que no se pode tomar como sinnimos o

    termo "capital humano" e "Teoria do Capital Humano", j que esta ltima comporta

    toda uma estrutura metodolgica e investigativa que procura comprovar o processo

    de tomada de deciso do indivduo, dos governos ou das empresas na forma de

    investimento, principalmente em educao e treinamento.

    Diferentes propostas de valorizao da fora de trabalho atravs da educao

    debatem entre si sob o enfoque quer da Escola Nova, quer da formao politcnica,

    quer das Relaes Humanas, perspectiva tambm recorrente na gesto da fora de

    trabalho, desde os anos 30.

    CATTANI (2002: 51) ressalta que,

    (...) referncias idia de que o aperfeioamento da fora de trabalho elevaa eficincia do trabalho e do capital encontram-se nas obras de Adam Smithe de Marx. Entretanto essa idia foi, durante muito tempo, negada pelopensamento dominante, seja ele na sua verso neoclssica ou keynesiana.Os aumentos de produtividade eram explicados pela capacidade gerencial,pela intensificao do trabalho, pela eficincia da poltica econmica, ou,mais freqentemente, pela incorporao do progresso tcnico.

    Somente entre a dcada de 1960-1970, quando Schultz, publicou os textos

    que formalizaram a "Teoria do Capital Humano", o entendimento de que a educao

    seria comparvel a um investimento produtivo tomou corpo na rea econmica, a

    ponto de criar um campo especfico de pesquisa e de reflexo - a Economia da

    Educao - e estimular as empresas a fomentarem os setores de treinamento

    investindo mais no desenvolvimento dos seus empregados.

  • 30

    nosso interesse, evidenciar que a partir da Teoria do Capital Humano,

    iniciada na dcada de 60, as empresas comearam a dar mais nfase aos

    conhecimentos do trabalhador e produtividade da educao e, conseqentemente,

    passaram a investir de maneira mais sistemtica em sua educao no ambiente de

    trabalho.

    Partindo da idia de capital humano proposta por Schultz, vrios autores,

    dedicam-se ao estudo deste novo meio de produo, que recebe inmeras

    denominaes, tais como "capital intelectual" (Stewart, 1997; Edvinsson e Malone,

    1997), "capital intangvel", "nova riqueza das organizaes" (Sveiby, 1997); "novo

    fator de produo" ou "inteligncia empresarial" (Cavalcanti et al, 2001) o que nos

    mostra que o saber do trabalhador est em evidncia, nos meios empresariais, no

    momento atual.

    1.3 Gesto do Conhecimento

    Tambm em funo de mudanas no gerenciamento do trabalho, agora sob

    os nomes de "Gesto por Competncias (Dutra, 2001), "Gesto do Conhecimento"

    (Sveiby, 1997; Stewart, 1997) ou "Gesto do Capital Intelectual" (Edvinsson e

    Malone, 1998) para assegurar a capacitao do trabalhador e a conseqente

    vantagem competitiva, as empresas investem no capital intelectual que corresponde

    soma do conhecimento de todos os seus empregados. Neste contexto, constituem

    parte do contedo intelectual ativos como conhecimento, treinamento, redes

    eletrnicas, cooperao, aprendizado compartilhado, informao e a experincia.

    Nas empresas com tecnologia de ponta e que investem na formao do

    trabalhador, a educao e o treinamento so a base de sustentao dos programas

  • 31

    de organizao do trabalho e de gesto de pessoas quanto ao desenvolvimento de

    competncias, politecnia, polivalncia, flexibilizao e qualidade total.

    Corroborando as assertivas de Drucker (1997), que considera o conhecimento

    como principal fator de produo, Stewart (1997) afirma que o capital intelectual

    constitudo por conhecimento, informao, propriedade intelectual e experincia e

    deve ser utilizado para gerar riqueza. Considera, ainda, nessa nova era, a riqueza

    como produto do conhecimento e, os ativos capitais necessrios para a

    lucratividade, no mais o trabalho fsico, tampouco as ferramentas mecnicas e

    fbricas: ao contrrio so os ativos baseados no conhecimento.

    Stewart chama a ateno para as empresas seguidoras das tendncias de

    investimentos e gesto do conhecimento ou do capital intelectual, as chamadas

    "empresas voltadas para o aprendizado" 7, um termo da moda, designando uma

    cultura empresarial que celebra a melhoria contnua.

    Stewart (1997), Sveiby (1997), e Edvinsson (1998) foram os pioneiros na

    discusso sobre a gesto do conhecimento e consideram que o valor de empresas

    investidoras, intensivamente, em conhecimento deixou de estar relacionado aos

    bens tangveis, como prdios e mquinas, passando a ser cotado, principalmente, a

    partir dos ativos intangveis.

    Sveiby (1997) prope um modelo de gesto para empresas formado por trs

    componentes:

    estrutura interna - patentes, conceitos e modelos administrativos einformatizados;

    estrutura externa - a cultura da organizao;

    7 Mais frente, neste trabalho, trataremos da "empresa voltada para o aprendizado", tambmchamada de "organizao qualificante" ou "learning organization" (Fleury, 2001; Garvin, 1993; Senge,1993; Zarifian, 2001).

  • 32

    competncia - a capacidade individual de atuao, tais como ashabilidades individuais, a educao formal, a experincia e os valores do

    trabalhador.

    Em seu tratado, Sveiby (1997) detalha como utilizar e avaliar de forma eficaz

    esses ativos intangveis, como monitor-los para alcanar o sucesso financeiro e

    conclui que a principal atividade nas organizaes do conhecimento a

    transferncia do conhecimento ou transferncia de competncia - processo pelo qual

    o indivduo aprende atravs de palestras (aulas convencionais, palestras e

    treinamentos tericos) e pela experincia (a prtica).

    O modelo de Stewart (1997) semelhante ao de Sveiby. Sua anlise procura

    realar a importncia do capital intelectual da empresa. Para ele o capital intelectual

    pode ser dividido em trs componentes bsicos:

    capital estrutural; capital de clientes; capital humano.

    Cada um destes "capitais" guarda relao com o modelo de Sveiby. A noo

    de capital estrutural e de capital humano de Stewartt bastante semelhante de

    estrutura interna e competncia em Sveiby.

    Edvinsson e Malone (1998), da mesma forma, dividem o capital intelectual da

    empresa em trs componentes:

    capital organizacional; capital de clientes; capital humano.

  • 33

    Tambm, neste modelo, cada um tem relao direta com os modelos

    apresentados por Stewart e Sveiby. O capital organizacional para Edvinsson tem

    significado semelhante ao de capital interno de Sveiby e de capital estrutural de

    Stewart.

    Todos os trs modelos traduzem um esforo intelectual indito no tratamento,

    de forma sistematizada, da questo da gesto de empresas na Sociedade do

    Conhecimento.

    Cavalcanti et al (2001), do Centro de Referncia em Inteligncia Empresarial -

    CRIE, da Coordenao dos Programas de Ps-Graduao em Engenharia da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE/UFRJ, amparados nas idias de

    Stewart, Sveiby e Edvinsson, preocupam-se com o gerenciamento do conhecimento

    dentro das empresas brasileiras, enfocando que a produtividade do conhecimento

    deve ser a preocupao central dos administradores do sculo XXI.

    Denominam "Inteligncia Empresarial" a sinergia existente entre

    conhecimento, inovao e empreendedorismo, sendo o conhecimento a base desse

    modelo e a mola propulsora da nova economia.

    Apresentam um modelo de gesto denominado "Capitais do Conhecimento",

    fruto de sua reflexo terica e de observao prtica de uma empresa estudada.

    Neste contexto, o "capital do conhecimento" composto por quatro capitais:

    capital ambiental - conjunto de fatores que descrevem o ambiente onde aorganizao est inserida;

    capital estrutural - conjunto de sistemas administrativos, conceitos,modelos, rotinas, marcas, patentes e programas de computador;

    capital intelectual - refere-se tanto capacidade, habilidade, quanto aoconhecimento formal das pessoas que integram uma organizao.

  • 34

    capital de relacionamento - composto pelos clientes, fornecedores eparceiros das organizaes, tais como empresas contratadas e

    terceirizadas e prestadores de servio em geral.

    Tambm no Brasil, Terra (2001) apresenta a Gesto do Conhecimento como

    um grande desafio empresarial e faz uma abordagem do tema baseada no

    aprendizado e na criatividade.

    O autor defende a tese de que o papel fundamental dos gestores o de criar

    condies para os indivduos exercerem todo o seu potencial criativo e de

    contribuio para os fluxos e estoques de conhecimento das empresas. E as

    "empresas criadoras de conhecimento" so aquelas que criam novos conhecimentos

    e, aps dissemin-los pela organizao inteira, os incorporam a novas tecnologias e

    produtos, tudo isto a partir de uma espiral de gerao de conhecimento que comea

    no indivduo, continua no grupo, passa por toda a organizao e, por fim, por todo o

    ambiente externo que tem interface com a empresa.

    Aps estudar mais de 600 empresas no Brasil, Terra (2001) apresenta o seu

    modelo que contempla as sete dimenses da Gesto do Conhecimento:

    O comprometimento da alta administrao e a estratgia empresarial; Culturas e valores organizacionais; Estrutura organizacional; Administrao de Recursos Humanos; Sistemas de informao. Mensurao de resultados; Aprendizado com o ambiente e clientes.

  • 35

    Ressalta, o autor, que a tendncia mais importante, decorrente da Gesto do

    Conhecimento a acelerada necessidade de aprendizado durante toda a vida e,

    enfatiza ser, a nica sada para as empresas, a criao de uma cultura de

    aprendizado constante.

    Para todos estes autores o desafio das empresas conseguir atrair, reunir e

    manter o capital intelectual. As competncias necessrias ao trabalhador, e

    requeridas pelas organizaes, podem ser desenvolvidas dentro da prpria empresa

    atravs de diversos programas de capacitao, verdadeiras oficinas do capital

    intelectual, dentre outras iniciativas que fomentem o aprendizado e a gerao de

    conhecimento.

    Para Fleury, M. T. L. (2001) o conhecimento um recurso gerenciado em prol

    da melhoria da performance da empresa, que, por sua vez, descobre as formas

    pelas quais o processo de aprendizagem organizacional pode ser estimulado, bem

    como investiga a maneira pela qual o conhecimento pode ser administrado para

    atender s necessidades estratgicas da organizao.

    Para garantir a eficcia do investimento no capital humano ou intelectual, as

    organizaes passam a adotar estratgias que viabilizem a absoro de alguns

    conhecimentos tcitos dos trabalhadores, em detrimento de outros, assim como

    polticas e programas internos, treinamentos e mudanas organizacionais num

    complexo sistema de gesto do conhecimento para incentivar a educao

    continuada, o aperfeioamento permanente e o desenvolvimento de competncias

    do trabalhador, ainda que tais programas no sejam estendidos a todos.

    A idia de encampar o paradigma de educao, por toda a vida, tem feito

    diversas empresas mobilizar todos os recursos disponveis, tais como universidades

    corporativas ou centros de treinamentos internos, treinamento presencial e virtual,

  • 36

    treinamentos programados por universidades ou escolas profissionalizantes, cursos

    fechados realizados internamente, redes de informao, comunidades de prtica,

    participao em cursos externos, seminrios e congressos, Crculos de Controle de

    Qualidade - CCQ, dentre outros programas.

  • 37

    2. A EMPRESA COMO ESPAO EDUCATIVO

    O mundo do trabalho, atualmente, tem exigido do trabalhador, cada vez mais,

    o devido aprimoramento e, apesar das aes do Estado e das escolas pblicas e

    privadas especializadas em formao profissional, inmeras empresas tm na falta

    de mo-de-obra qualificada um dos principais obstculos para crescer.

    Mais uma vez, a superao das dificuldades da qualificao profissional

    remetida para o terreno educacional.

    A baixa produtividade, a qualificao no adequada aos novos processos de

    trabalho e a falta de competncia, no discurso freqente nos meios empresariais,

    deve-se, principalmente, falncia do sistema escolar, que no consegue

    acompanhar o ritmo dos avanos tecnolgico-organizacionais das empresas e

    culturais da sociedade, no prepara adequadamente o trabalhador para a vida

    profissional e no suficientemente capaz de lev-lo a desenvolver as competncias

    necessrias para insero e permanncia no novo modelo produtivo, principalmente

    no Brasil, face nova estrutura da educao profissional.

    Para Paiva (2001), com a crescente automatizao, o trabalhador foi

    deslocado para as tarefas de direo e vigilncia, demandando uma necessidade de

    reciclagem peridica em funo do constante desenvolvimento tecnolgico.

    Para a autora, o sistema educacional no capaz de suprir o mercado de

    trabalho com mo-de-obra adequada s exigncias empresariais do momento, o que

    conduziria constatao de que o sistema tradicional de ensino no seria capaz de,

    sozinho, realizar toda a educao, determinando a necessidade de se pensar numa

    proposta mais ampla, a da educao permanente.

  • 38

    Em seus estudos sobre o tema, Paiva (2001) afirma ser vantajoso e mais fcil

    para as empresas, para resolver suas deficincias de treinamento de mo-de-obra,

    preparar os seus funcionrios para o trabalho do que esperar por uma reforma

    educacional. Nesse sentido, a autora aponta a educao permanente no interior das

    empresas como um instrumento voltado apenas para a manuteno do exrcito de

    trabalhadores preparados, exclusivamente, para atender s suas necessidades.

    Nos modelos de Gesto de Pessoas por Competncias e Gesto do

    Conhecimento, a partir da necessidade de atrair, reunir e desenvolver o seu principal

    fator de produo - o conhecimento, as empresas esto se tornando espaos

    educacionais, trabalhando como parceiras das escolas na promoo da educao

    do trabalhador.

    indiscutvel a importncia da educao escolarizada na qualificao e

    instrumentalizao do trabalhador para inserir-se e manter-se num mercado de

    trabalho, flexvel, com grandes inovaes tcnicas e mudanas na organizao do

    trabalho e da produo, e no se pode minimizar a necessidade do enfrentamento

    dos graves problemas da educao escolar.

    Porm, diante das condies atuais de rpido e progressivo avano

    tecnolgico, nem sempre acompanhado pelas escolas, igualmente necessrio

    reconhecer a dimenso educativa do trabalho, ressaltando-se, tambm, o papel da

    empresa no processo formativo do trabalhador e sua importncia enquanto espaos

    alternativos de formao profissional.

    Independentemente da concepo poltico-ideolgica dos proprietrios ou dos

    gestores dos meios de produo, sempre haver nas empresas um processo de

    educao implcito ou explcito. Tanto no referencial taylorista, que embasou as

    relaes de trabalho e os modos de produo, quanto nos modelos mais recentes,

  • 39

    as organizaes produtivas constituem-se, tambm, um dos agentes formadores

    do trabalhador.

    Conscientes das limitaes deste "modelo" de educao que objetiva a

    explorao, ainda mais acirrada, do saber do trabalhador, assim como sua

    contribuio para o desenvolvimento de um exrcito de reserva e seu acesso

    limitado a poucos - reforando a tese da polarizao das competncias8, diante do

    crescente nmero de trabalhadores excludos dos sistemas formais de ensino, os

    programas de capacitao, desenvolvidos pelas empresas tm sido alternativas

    importantes para o trabalhador adquirir formao, qualificao e requalificao

    profissionais.

    A retomada da valorizao da subjetividade do trabalhador tambm se

    relaciona com as recentes redefinies do padro de gesto do trabalho. O

    imperativo da competitividade, agora em escala internacional, obriga as empresas a

    aderirem ao modelo japons de trabalho e organizao e a desenvolverem

    estratgias visando qualidade total. Nos programas de Controle da Qualidade

    Total (do ingls, TQC - Total Quality Control) amplamente adotados nas empresas, a

    educao e treinamento so palavras de ordem. Na verso do TQC para adoo nas

    empresas no Brasil, Campos (1990), para melhor evidenciar esta necessidade criou

    o "Declogo da Educao e Treinamento", pois, segundo o mesmo autor,

    (...) educao e treinamento so as base de sustentao do TQC e damanuteno da continuidade do processo de melhorias. (Campos,1990:123)

    Para tanto, torna-se necessrio conquistar o comprometimento dos

    trabalhadores no processo produtivo, especialmente quando se trata da operao de

    8 Segundo Kenzer (1998) e Hirata (2002), a tese da polarizao das competncias se d por meioda oferta de oportunidades de slida educao cientfico-tecnolgica para um nmero cada vezmenor de trabalhadores includos, criando estratificao, inclusive entre estes.

  • 40

    mquinas e equipamentos sofisticados e caros. A contribuio da mo-de-obra

    qualificada, at ento subestimada no sistema taylorista-fordista, passou a ser

    valorizada para atender s novas necessidades das empresas. Polticas especficas

    de formao passaram a ser adotadas segundo os princpios de seletividade dos

    trabalhadores.

    Sobre o TQC, Machado (1994:26) evidencia que

    mais uma vez, a histria mostra que, mesmo agora com a possibilidadeconcreta de plena substituio do trabalho humano pela tecnologia, grandesdesafios ainda se apresentam nas relaes entre o capital e o trabalho, pois asignificao da qualidade e sua interpretao ainda no podem ser feitas pelasmquinas.

    A autora faz, tambm, uma dura crtica aos treinamentos desenvolvidos pelo

    TQC que, geralmente, so de curta durao, voltados para aplicao imediata,

    compostos de normas, padres bsicos e uniformes a serem assimilados e

    constituem mecanismos de disciplinamento e de modelamento dos trabalhadores.

    Neste contexto, nasce a tese da aprendizagem e inovao organizacional

    (Learning Organization) preconizada por Garvin (1993), Senge (1993), Fleury, M.T.

    (2001), dentre outros. Esta tese guarda muito em comum com a "organizao

    qualificante" de Zarifian (2001), em que a formao e qualificao no ambiente de

    trabalho, alm do empenho do trabalhador, dependem fundamentalmente da

    natureza da organizao. Considerada como "organizao qualificada", valoriza o

    "saber" j possudo e incorporado s suas estratgias e, como "organizao

    qualificante" procura desenvolver um processo permanente de aprendizagem e de

    desenvolvimento de seus trabalhadores.

    Arroyo (1997:60) analisa esta transformao do espao de trabalho num lugar

    educativo em duas dimenses: a primeira, uma vez que as palavras de ordem so

    produtividade, resultados e qualidade, tambm a qualidade, a capacidade e a

  • 41

    capacitao de quem trabalha deve ser repensada, pois "a moderna dinmica do

    trabalho exige que haja uma permanente requalificao e que se faa do trabalho

    um espao educativo."

    A segunda dimenso, no se refere apenas s exigncias de modernizao

    das empresas, que trazem a necessidade de redefinir os espaos e relaes de

    trabalho como espaos educativos e formadores, mas tambm a nova conscincia

    do trabalhador acerca de seu direitos.

    Arroyo (1997:61-62) afirma que

    durante mais de um sculo, o conjunto de lutas da classe trabalhadora levou conscientizao de que o trabalhador no tem que se aperfeioar s para produzirmais, ou para rebaixar custos e ser mais eficiente, mas, sobretudo, porque gente, ser humano, e como tal tem direito qualificao.

    Desta forma, o autor alerta para a dimenso de se fazer do espao de

    trabalho um espao requalificador, como uma exigncia de modernizao dos

    processos de trabalho e, tambm, no podendo deixar de se ter sensibilidade com

    um dado histrico central: o trabalhador tem tomado conscincia de que sujeito de

    direitos.

    Diante dessa realidade a concepo de qualificao no s recai na

    qualificao do trabalhador para o trabalho como tambm na qualificao do

    trabalho para o trabalhador, enriquecimento de tarefas e eliminao de tarefas

    desqualificantes, pois "no adiantar tentar qualificar algum para tarefas

    desqualificantes" (Arroyo, 1997:63).

    Neste contexto de transformao dos locais de trabalho em espaos

    educativos importante, tambm, ressaltar a iniciativa do Ministrio da Educao -

    MEC - ao lanar o Programa Escola de Fbrica, que objetiva a formao profissional

    de jovens de baixa renda, de 15 a 17 anos, nas prprias empresas:

  • 42

    a meta abrir 500 escolas no interior de fbricas, empresas e unidadesprodutivas de todo o Pas e formar 10 mil alunos em 2005, assegurando-lhes uma base slida para se inserir no mundo do trabalho. (InformativoMEC, 2004:15)

    Para este trabalho, as organizaes que se inscreverem e forem selecionadas

    recebero recursos do MEC para operar o programa e sero responsveis pela

    infra-estrutura e cesso de tcnicos e funcionrios voluntrios, para atuarem como

    instrutores, alm dos custos da implantao das unidades formadoras. Elas devem

    assegurar alimentao, uniforme, transporte e assistncia mdica e o MEC vai

    financiar bolsa-auxlio de meio salrio mnimo aos alunos durante seis meses nos

    dois primeiros anos.

    A responsabilidade pela avaliao e certificao dos alunos tambm ser das

    prprias empresas que recebero apoio pedaggico do MEC, a durao dos cursos

    ser de um ano e os currculos, alm da formao tcnica, devero contemplar

    contedos que estimulem os jovens a adotar novos hbitos e atitudes de

    convivncia e cidadania, trabalhando temas como insero social, direitos e deveres

    dos cidados, comunicao interpessoal, meio ambiente e sade coletiva.

    O compromisso das empresas, ser de absorver parte destes jovens, aps

    formados e ajudar os demais a entrar no mercado de trabalho.

    Com o lema "Escola de Fbrica: uma sala de aula em cada empresa para

    formar jovens profissionais", o MEC corrobora a afirmao de que as empresas,

    cada vez mais, esto se tornando espaos educacionais alternativos para a

    educao do trabalhador.

    O objetivo deste captulo, a partir dos temas abordados, compreender que,

    naquelas empresas voltadas para novas formas de organizao e gesto de

    pessoas que buscam o desenvolvimento integral dos seus profissionais, cada local

    de trabalho transformado num espao para a educao do trabalhador.

  • 43

    Neste sentido, embora no seja este o seu objetivo principal, o processo

    educativo, nestas inmeras organizaes, torna-se uma atividade intencional e

    organizada, com altos investimentos, demandando educadores para sua

    operacionalizao e no qual revela o tipo de trabalhador a se formar para um

    determinado tipo de sociedade, hoje, altamente tecnologizada.

    2.1 Gesto de Pessoas por Competncias

    As mudanas crescentes no mundo do trabalho e nas organizaes vm

    trazendo, nos ltimos anos, uma necessidade de mudanas sistemticas nas

    polticas, nas prticas e nos processos de gerir as pessoas.

    Dutra (2001) ressalta que novos conceitos e prticas renovadas, para se

    compreender o elemento humano e desenvolver a educao corporativa, so

    inseridos para eliminar o descompasso existente entre as formas tradicionais de

    gesto e as necessidades das empresas modernas e das pessoas.

    Aquele modelo de administrao tradicional de RH, o qual no diferencia o

    "recurso" humano dos demais fatores geridos pela organizao e que tem a funo

    definida como uma simples extenso das demais funes administrativas para o

    mbito das relaes humanas, objetivando previsibilidade e controle, no mais

    atende aos interesses e necessidades apresentadas pela Sociedade do

    Conhecimento.

    Para Fischer (2001) o modelo emergente em substituio antiga "Gesto de

    Recursos Humanos": o "Modelo de Gesto de Pessoas", mais do que um modismo,

    refere-se a uma reconstruo conceitual diante do conjunto de mudanas ocorridos

    no universo de Recursos Humanos, nos ltimos tempos.

  • 44

    O autor denomina como "Modelo de Gesto de Pessoas" ou "Modelo

    Competitivo de Gesto de Pessoas", o conjunto organizado de polticas, prticas e

    processo de gesto caracterstico da empresa que funciona nesta era de

    competitividade.

    Dutra (2001) complementa as principais mudanas ocorridas ao longo dos

    ltimos vinte anos:

    alterao no perfil das pessoas exigido pelas empresas: ao perfilobediente e disciplinado prefere-se um perfil autnomo e empreendedor.

    Assim, gerou-se a necessidade de uma cultura organizacional que

    estimulasse e apoiasse a iniciativa individual, a criatividade e a busca pelo

    aprendizado contnuo;

    deslocamento do foco da gesto de pessoas por meio do controle para ofoco por meio do desenvolvimento: a mudana do sistema de gesto de

    pessoas inspiradas no paradigma taylorista-fordista - que preconizava o

    controle das pessoas - para a idia de desenvolvimento mtuo;

    maior participao das pessoas no sucesso do negcio ou da empresa: oreconhecimento de que as pessoas so depositrias do patrimnio

    intelectual da empresa, bem como da capacidade e da agilidade de

    resposta da organizao aos estmulos do ambiente e, ainda da

    capacidade de visualizao e explorao de oportunidades de negcios.

    Para Chiavenato (1999), em algumas organizaes tem-se agora a

    administrao de pessoas, numa abordagem visando a personalizao e a

    compreenso das pessoas como seres humanos e dotados de habilidades e

    capacidades intelectuais.

  • 45

    Para este autor, a tendncia hoje verificada est voltada para muito mais

    alm: administrao com as pessoas, significando que a organizao tem uma nova

    viso das pessoas agora no mais como um recurso organizacional, um objeto servil

    ou mero sujeito passivo do processo, mas fundamentalmente, como um sujeito ativo

    e provocador das decises, empreendedor das aes e criador da inovao dentro

    das organizaes. Mais do que isso, um agente proativo dotado de viso prpria e,

    sobretudo, de inteligncia.

    Em Chiavenato (1999), a Gesto de Pessoas se baseia em trs aspectos

    fundamentais, sendo, as pessoas tratadas como:

    seres humanos e no como meros recursos da organizao; ativadores inteligentes de recursos organizacionais; parceiros da organizao.

    Diante destes modelos de gesto de pessoas, que trazem em sua essncia a

    super valorizao das qualidades do trabalhador os quais vo alm de sua fora

    fsica, Dutra (2001) apresenta uma nova forma de gerir os processos de admisso,

    demisso, promoo, aumento salarial, plano de carreiras, dentre outros,

    denominado "Modelo de Gesto por Competncias".

    Em sua proposta de Gesto de Pessoas por Competncias, Dutra (2001) cita

    a "entrega, complexidade e espao ocupacional" como os trs conceitos bsicos que

    podero tornar mais ntida a realidade empresarial e gerar ferramentas de gesto

    adequadas.

    Segundo este autor, no momento em que se verificou a falncia dos cargos

    como elementos diferenciadores, tornou-se necessrio dispor de um elemento de

  • 46

    diferenciao para incorporar a complexidade das novas atribuies e

    responsabilidades.

    Assim, agregada qualificao formal recebida nas escolas e personificada

    nos diplomas, o autor prope uma escala de mensurao da complexidade das

    qualidades do trabalhador, resumida no conjunto de conhecimentos, habilidades e

    atitudes necessrios para o desenvolvimento de suas atribuies e

    responsabilidades e no nvel do que eles utilizam ou entregam seus talentos para as

    organizaes.

    No entanto, apesar do "Modelo de Gesto de Pessoas por Competncias"

    proposto por Dutra (2001), j ser realidade em diversas empresas, no encontramos,

    na literatura estudada, um consenso sobre o significado do termo "competncia".

    2.1.1. Sobre o Modelo da Competncia

    Le Boterf (1994 apud Fleury e Fleury, 2001:17) assegura que "competncia

    um conceito em construo". Resume a competncia como um saber agir

    responsvel e reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e

    transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional

    determinado, ou, conforme Roche (2004) no novo modelo, o trabalhador "para ser

    reconhecido competente, no basta apenas possuir saberes, preciso mobilizar

    qualquer coisa a mais".

    Corroborando as idias de Le Boterf, Wittorski (2004) revela que a noo de

    competncia est antes de tudo em via de fabricao, no existindo, na realidade,

    discurso terico estabilizado permitindo definir de forma precisa seus atributos.

    Porm, Rop e Tanguy (2002), sugerem problematizar a noo de

    competncia ao invs de admiti-la de imediato em substituio noo de

  • 47

    qualificao. Uma vez o deslocamento semntico constatado, importante, na

    verdade, se perguntar sobre o sentido de uma mudana to rpida nas

    denominaes a fim de localizar as causas e as conseqncias do abandono, quase

    unnime, de um termo em proveito de um outro. Esse deslocamento semntico deve

    ser considerado no como um efeito de moda, mas como o sintoma de profundas

    transformaes no trabalho.

    Segundo Tanguy (2002), este movimento observado nas empresas francesas

    de introduzir novas prticas de codificao do trabalho em termos de competncias,

    est se verificando em outros pases da Comunidade Europia (Inglaterra,

    Alemanha, Itlia), no sentido de romper com os modos preexistentes de designao,

    promoo e de remunerao do trabalho, tais como eram difundidos com o nome de

    job skills e job evaluation. O uso e a difuso de um modelo centrado em saberes e

    habilidades possudos pelos trabalhadores iniciado nas grandes empresas

    multinacionais ou transnacionais, vem sendo acompanhado de um conjunto de

    operaes e prticas sociais que lhe do forma e objetividade.

    Os estudos de Rop e Tanguy (2002) indicam que a adoo do termo

    competncia surge, nas empresas francesas e, posteriormente, o seu uso no campo

    das cincias cognitivas e da educao.

    Para Roche (2004), a noo de qualificao aparece com o taylorismo, numa

    poca em que os procedimentos de fabricao so estabilizados e cientificamente

    dominados. A noo de competncia, em contrapartida, aparece ao longo da ltima

    dcada, com as profundas transformaes do aparelho de produo e das polticas de

    mo-de-obra. Os autores acrescentam que a noo de qualificao est associada a

    uma viso esttica do mundo do trabalho ao passo que a noo de competncia,

  • 48

    freqentemente associada a termos como novo, inovao, mudana, mutao,

    evoluo, est ligada idia de transformao.

    Dugu (2004), ressalta que a referncia s competncias uma resposta s

    insuficincias do sistema da qualificao face s novas condies. As numerosas

    anlises do modelo da competncia tm mostrado como ele responde s

    transformaes dos sistemas de trabalho: os modos de prescrio evoluindo,

    recorre-se mobilizao psquica dos trabalhadores e no mais somente aos seus

    conhecimentos. Alm disso, com a reelaborao permanente dos empregos

    interditando sua codificao, torna-se necessrio desatrelar a negociao salarial de

    todo e qualquer vnculo com postos ou saberes preestabelecidos.

    Stroobants (2002), afirma que o modelo da competncia responde a este

    duplo problema. As competncias so definidas como "saberes em ao", ou seja,

    um conjunto de conhecimentos e de maneiras de ser que se combinam

    harmoniosamente para responder s necessidades de uma dada situao em um

    dado momento. Enquanto os diplomas validam o saber-fazer, as competncias

    remetem a uma mistura de saber e de comportamento conferindo um lugar

    preponderante ao "saber-ser" e ao investimento psicolgico. Enquanto os diplomas

    so adquiridos de uma vez por todas, dando noo de qualificao uma dimenso

    estabilizadora, a competncia, por definio "inqualificvel", da ordem do

    conjuntural e no pode ser considerada um atributo definitivo.

    Zarifian (2001) assinala que o conceito de competncia procura ir alm do

    conceito de qualificao, pois, refere-se capacidade de a pessoa assumir

    iniciativas, ir alm das atividades prescritas, ser capaz de compreender e dominar

    novas situaes no trabalho, ser responsvel e ser reconhecido por isso. Assim, a

  • 49

    competncia no se limita, portanto, a um estoque de conhecimentos tericos e

    empricos detidos pelo indivduo, nem se encontra encapsulado na tarefa.

    Assumindo a competncia como inteligncia prtica de situaes que se

    apoiam nos conhecimentos adquiridos e os transformam com quanto mais fora,

    quanto mais aumenta a complexidade das situaes, Zarifian foca trs mutaes

    principais no mundo do trabalho, justificando a emergncia do modelo da

    competncia para gesto de pessoas nas organizaes:

    A noo de acontecimento: aquilo que ocorre de forma imprevista, noprogramada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de

    produo, ultrapassando a capacidade rotineira de assegurar sua auto-

    regulao; isso implica que a competncia no pode estar contida nas

    predefinies da tarefa; o trabalhador precisa estar sempre mobilizando

    recursos para resolver as novas situaes de trabalho;

    Comunicao: comunicar implica compreender o outro e a si mesmo;significa entrar em acordo sobre objetivos organizacionais, partilhar

    normas comuns para a sua gesto;

    Servios: a noo de servio, de atender a um cliente externo ou interno organizao, precisa ser central e estar presente em todas as atividades;

    para tanto, a comunicao fundamental.

    Tambm no Brasil, o "Modelo da Competncia" tem sido pesquisado por

    diversos autores, como, Deluiz (1994), Leite (1994), Manfredi (1998), Kenzer

    (1999), Arruda (2000), Fleury & Fleury (2001), Hirata (2002), Paiva (2002), dentre

    outros.

  • 50

    Independentemente da forma com que trabalham as noes de competncia,

    habilidades, capacidades, dentre outras categorias, as diferentes tipologias dos

    esquemas classificatrios utilizados por todos os autores denotam a polissemia da

    noo de competncia e a fluidez do modelo que leva seu nome.

    Para Hirata (2002), a noo de competncia oriunda do discurso

    empresarial nos ltimos dez anos na Frana, e retomada em seguida, por

    economistas e socilogos. uma noo, ainda bastante imprecisa, e decorreu da

    necessidade de avaliar e classificar novos conhecimentos e habilidades gestadas a

    partir das novas exigncias de situaes concretas de trabalho, associada, portanto,

    aos novos modelos de produo e gerenciamento, substitutiva da noo de

    qualificao ancorada nos postos de trabalho e das classificaes profissionais que

    lhes eram correspondentes.

    Assim,

    (...) o trabalho no mais o conjunto de tarefas associadas descritivamente aocargo, mas torna-se o prolongamento direto da competncia que o indivduomobiliza em face de uma situao profissional cada vez mais mutvel ecomplexa. Essa complexidade de situaes torna o imprevisto cada vez maiscotidiano, rotineiro. (Fleury e Fleury, 2001:20)

    Sobre o modelo da competncia, Arruda (2000) observa que a elevao do

    nmero de diplomados cria uma situao em que a certificao deixa de ser um

    elemento de excelncia no mundo do trabalho para tornar-se acessrio. As

    organizaes passam a exigir qualificaes a que agreguem valor ao diploma e com

    aplicabilidade nas situaes de trabalho. O trabalhador deve ser capaz de mobilizar

    suas qualificaes para gerao de conhecimento na empresa, capacidade esta que

    se constitui no termmetro de sua competncia e de sua eficincia no mundo do

    trabalho.

  • 51

    Os estudos de Manfredi (1998) apontam para uma noo de competncia que

    apesar de j ser conhecida no mbito das cincias humanas (notadamente no

    campo das cincias da cognio e da lingstica), desde os anos 70, passa a ser

    incorporada nos discursos dos empresrios, dos tcnicos dos rgos pblicos que

    lidam com o trabalho e por alguns cientistas sociais, como se fosse uma decorrncia

    natural e imanente ao processo de transformao na base material do trabalho.

    Segundo uma pesquisa realizada, por Leite (1996), em empresas

    metalrgicas de So Paulo, o termo competncia empregado de forma

    generalizada, indistintamente, nos campos educacionais e do trabalho como se

    fosse portadora de uma conotao universal. No discurso dos empresrios h uma

    tendncia a defini-la menos como "estoque de conhecimentos/habilidades", mas

    sobretudo como capacidade de agir, intervir, decidir em situaes nem sempre

    previstas ou previsveis. O desempenho e a prpria produtividade global passam a

    depender, em muito, dessa capacidade e agilidade de julgamento e de resoluo de

    problemas.

    Deluiz (1994), analisando as exigncias de qualificao profissional no setor

    tercirio, desenvolve uma tipologia que envolve cinco grandes grupos de

    competncias, sendo:

    competncias bsicas e especficas relativas a um grupo especfico deocupaes;

    competncias organizacionais e metdicas; competncias comunicativas; competncias sociais; competncias comportamentais.

  • 52

    Nesta mesma linha de argumentao, os documentos do SEFOR/MTb (1996),

    referem-se competncia como sendo processual, exigindo, portanto, um processo

    de educao contnua, para desenvolver um conjunto de habilidades (classificadas

    de bsicas, especficas e de gesto).

    Esta tipologia assim definida:

    habilidades bsicas: podem ser entendidas em uma ampla escala deatributos, que parte de habilidades mais essenciais, como ler, interpretar,

    calcular, at chegar ao desenvolvimento de funes cognitivas que

    propiciem o desenvolvimento de raciocnios mais elaborados;

    habilidades especficas: esto estreitamente relacionadas ao trabalho edizem respeito aos saberes, saber-fazer e saber-ser exigidas por postos,

    profisses ou trabalhos em uma ou mais reas correlatas;

    habilidades de gesto: esto relacionadas s competncias deautogesto, de empreendimento, de trabalhos em equipes.

    A noo de competncia aparece assim, associada a verbos como saber agir,

    mobilizar recursos, integrar saberes mltiplos e complexos, saber aprender, saber

    engajar-se, assumir responsabilidades, ter viso estratgica, com o objetivo de

    agregar valor econmico para as organizaes e valor social para o trabalhador

    (Fleury e Fleury, 2001:21).

    Paiva (2002:6) relaciona o conceito de "competncia" ao de

    "empregabilidade" como sendo

    um atributo e virtude do indivduo em sua relao com o mundo do trabalho eno oportunidade criada pela estrutura econmico-social". (...) Porm, o ladoda empregabilidade que tem recebido nfase aquela que resulta de umdiferencial ligado s caractersticas do trabalhador convertendo-se, nestecaso, num corolrio dos conhecimentos, habilidades e esforo individual deadequao.

  • 53

    Kenzer (1999) avalia que no mbito do taylorismo-fordismo, a competncia

    assume o significado de um saber fazer de natureza psicofsica, antes derivado da

    experincia do que de atividades intelectuais articuladas ao conhecimento cientfico

    e formas de fazer. Neste sentido, o conceito de competncia se aproxima do

    conceito de saber tcito, sntese de conhecimentos esparsos e prticas laborais

    vividas ao longo de trajetrias que se diferenciam a partir das diferentes

    oportunidades e subjetividades dos trabalhadores. Estes saberes no se ensinam e

    no so passveis de explicao, da mesma forma, no so sistematizados e no

    identificam suas possveis relaes com o conhecimento terico.

    Porm, para a mesma autora, no contexto das novas formas de organizao

    e gesto do trabalho, influenciadas pelo toyotismo, o conceito de competncia passa

    a supor domnio do conhecimento cientfico-tecnolgico e scio-histrico em face da

    complexificao dos processos de trabalho.

    Embora a tendncia dos processos mediados pela microeletrnica,

    exatamente em face de sua complexidade, suponham uma relao do trabalhador

    com o conhecimento materializado nas mquinas e equipamentos como "usurio",

    demandam o desenvolvimento de capacidades cognitivas complexas, em particular

    as relativas a todas as formas de comunicao, ao domnio de diferentes linguagens

    e ao desenvolvimento do raciocnio lgico-formal.

    H, pois, uma dimenso que confere um novo significado ao conceito de

    competncia a partir das mudanas ocorridas no mundo do trabalho, ao se

    pretender a incluso: o domnio do conhecimento articulado ao desenvolvimento das

    capacidades cognitivas complexas, ou seja, das competncias relativas ao domnio

    terico.

  • 54

    Estas competncias s podem ser desenvolvidas atravs de relaes

    sistematizadas com o conhecimento em processos especificamente pedaggicos

    disponibilizados pela educao escolarizada e/ou pelos programas de formao

    profissional oferecidos pelas empresas.

    2.2 Treinamento, Desenvolvimento e Educao Corporativa

    As inmeras e rpidas transformaes do mundo do trabalho, quer sejam

    devidas s inovaes tecnolgicas, a aberturas de novos mercados, aos

    lanamentos de novos produtos e servios ou devido competio acirrada entre as

    empresas, vm trazendo crescentes necessidades de atualizao e requalificao

    dos trabalhadores.

    Mquinas mais sofisticadas, mtodos de trabalho diferenciados e grandes

    exigncias, por parte das empresas, levam o trabalhador necessidade de

    ampliao de suas aptides profissionais, aquisio de novos conhecimentos

    tcnicos e ao desenvolvimento de inmeras outras competncias profissionais, at

    ento pouco exigidas. Muitas vezes, ele o nico responsvel pela busca da

    qualificao e requalificao e pelo desenvolvimento de suas competncias, sob

    pena de ser excludo do mercado de trabalho pela sua obsolescncia profissional.

    Desde os modelos tayloristas-fordistas de organizao e gesto do trabalho, e

    agora com o modelo japons e a implantao dos programas de qualidade total,

    para aquelas empresas que se preocupam e investem no desenvolvimento de seus

    trabalhadores, o treinamento profissional ou training on the job, continua sendo a

    melhor opo para soluo destes problemas.

  • 55

    Kenzer (1985) destaca que quando h escassez de mo-de-obra qualificada,

    as empresas acionam