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CORRUPÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: ACPI “DAS ONGS”
PUBLIC POLICIES AND CORRUPTION: THE PARLAMENTARY COMISSION OF
INQUIRY ABOUT NON-GOVERNAMENTAL ORGANIZATIONS
Ana Cristina Gomes1
Resumo: O presente artigo pretende, de maneira analítica, discutir alguns problemas encontrados ante aconstrução de políticas públicas dentro do Estado brasileiro. Um dos enfrentamentos diz respeito a máutilização do dinheiro público que, neste cenário de desigualdades sociais acaba por contribuir ainda mais como crescimento dessas assimetrias, criando ainda um sentimento de ingerência por parte da AdministraçãoPública, bem como uma miopia individual na população que reconhece nos programas assistenciais de acessouma válvula aberta para a corrupção. Tendo como ponto de partida a Assistência Social no Brasil, bem como osurgimento das Organizações Não Governamentais, chega-se a análise da Comissão Parlamentar de Inquéritoconhecida como CPI “das ONGs” cujo relatório foi apresentado em 2010. Segundo este, o propósito desta CPI
estaria relacionado à investigação ampla e geral das irregularidades e dos processos que lhes deram causa,tendo por objetivo apontar soluções aos problemas estruturais que permitem locupletamentosindividualizados. É dentro deste contexto que se estrutura o presente trabalho.Palavras-chave: Políticas públicas. Assistência social. Corrupção.
Abstract: This article aims, analytically, discuss some problems encountered at the construction of publicpolicies within the Brazilian state. One of confrontations with regard to misuse of public money that in this
scenario of social inequality turns out to further contribute to the growth of these asymmetries, even creating asense of interference by the public administration, as well as an individual myopia in the population thatrecognizes in social assistance programs to access an open valve for corruption. Taking as its starting point theSocial Assistance in Brazil, as well as the emergence of non-governmental organizations, one comes to theanalysis of the Parliamentary Commission of Inquiry known as CPI "ONGs" whose report was presented in 2010.According to this, the purpose CPI this is related to the broad and general investigation of the irregularities andthe processes that gave them cause, aiming to identify solutions to the structural problems that allowindividualized earnings. It is within this context that structured this work.Keywords: Public policies. Social assistance. Corruption.
Introdução
O cenário nacional vive hoje a ascensão da democracia. Nosso país nasceu
Império advindo de uma longa gestão colonial marcada pela exploração, tornando-se
República apenas em 1889, ou seja, a menos de 150 anos. Entretanto, a experiência
republicana foi marcada por longos períodos ditatoriais, influenciando de forma significativa
1 Possui formação em Educação Infantil (magistério/1998). Possui graduação em Direito pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009). Mestrado em andamento em Direito pela UniversidadeEstadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2012). Membro do grupo de estudos “Sistema Penal Integral eEstado Democrático de Direito: Bioética e Direito Penal”;. Sócia do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais(IBCCrim) e membro do Grupo de Estudos Avançados (IBCCrim).
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na produção legislativa, transformando o sistema jurídico pátrio em instrumento político de
controle e repressão.
É latente o descaso moral, o uso indevido das fontes orçamentárias da
administração pública, a má utilização dos recursos físicos e humanos gerenciados pelo
Estado, bem como a utilização de funções públicas; eletivas, estatutárias, comissionadas ou
cargos de confiança; em proveito próprio. O prejuízo, como sempre, é repassado a toda a
sociedade, de forma direta e indireta toda a coletividade sofre os reflexos da corrupção. Os
desvios morais e éticos oneram os cofres públicos, distribuindo de forma injusta o Direito, a
Cidadania. A sociedade paga um preço altíssimo pelos abusos e desmandos daqueles que
deveriam zelar pela administração pública.
Mais que um problema de ordem político-econômica, a corrupção é sem dúvida
um problema estrutural e cultural que afeta a todos. A impunidade da margem a
incredibilidade, ao descaso; contribuindo em muito com a proliferação das práticas delitivas.
Segundo Cláudia Santos:
O caráter bifronte da corrupção na dimensão jurídico-penal ( o seu“desdobramento” numa modalidade passiva, e numa outra activa) tem
interessantes repercussões ao nível da sua caracterização criminológica.Assim, se a corrupção passiva merecerá, em regra, a qualificação de crime decolarinho branco, já a corrupção activa constituirá, muitas vezes, uma dasformas do actuação do crime organizado. 2
Os crimes de corrupção e os delitos econômicos, como por exemplo, a lavagem
de ativos bens e valores, atentam contra a ordem econômica e a Administração Pública,
colocando toda a sociedade em situação de risco.
Como democracia emergente, a Magna Carta de 1988 surge com o ideal de
cidadania, consagrando em seu texto direitos fundamentais e sociais. Junto com a ascensão
dos direitos sociais ao status constitucional, surge a necessidade da realização material
destes direitos. No que consiste aos direitos sociais, a inserção de programas de políticas
públicas relacionadas a tais direitos faz se útil e necessária, assim, no tocante a Assistência
Social, surgem leis e decretos de caráter regulatório onde estão, inclusive, consignadas as
formas de custeio.
2 SANTOS, Cláudia. A corrupção [Da luta contra o crime na intersecção de alguns (distintos) entendimentos dadoutrina, da jurisprudência e do legislador] in Líber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias. Coimbra:Editora Coimbra, 2003, p. 964.
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Diante deste cenário democrático emergente somado a necessidade da
implementação material dos direitos sociais para a realização da cidadania e o ideal formal
consagrado pela Constituição e a falta de experiência empírica estatal na realização desta
tarefa surgem as Organizações Não Governamentais (ONGs), as fundações e associações sem
fins lucrativos como colaboradores no processo de democratização, tendo por finalidade a
realização da cidadania a ser implementada por meio de ações sociais que se identifiquem
com as políticas públicas. O problema se apresenta quando essas ONGs criadas com a
finalidade de realizar o projeto cidadão consagrado pela Magna Carta de 1988 tornam-se um
instrumento nas mãos de corruptos, utilizando-se do ideal social em proveito próprio,
utilizando de forma indevida fundos públicos, desviando e lavando ativos, bens e valores,
corrompendo pessoas e instituições, apossando-se indevidamente da coisa pública.
1. Políticas Públicas: breves apontamentos
Para a compreensão do que vem a ser Políticas Públicas, é necessário, segundo
Celina Souza, entender sua origem ontológica3,
A política pública enquanto área do conhecimento e disciplina acadêmicanasce nos EUA, rompendo ou pulando as Etapas seguidas pela tradiçãoeuropeia de estudos e pesquisas nessa área, que se concentravam, então,mais na análise sobre o estudo do Estado e suas instituições do que naprodução dos governos. Assim, na Europa, a área de política pública vaisurgir como um desdobramento dos trabalhos baseados em teoriasexplicativas sobre o papel do Estado e de uma das mais importantesinstituições do Estado - o governo -, produtor, por excelência, de políticaspúblicas. Nos EUA, ao contrário, a área surge no mundo acadêmico semestabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado,passando direto para a ênfase nos estudos sobre a ação dos governos.4
Marcus André Melo sugere que a consagração da expressão política pública junto
ao cenário político brasileiro deu-se ao longo da década de 90 como uma das consequências
do processo de democratização5.
3 SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias [online]. 2006, n.16, p. 21. Disponívelem . Acesso em 26 de novembro de 2012.4 Ibid, p. 22.5 MELO, Marcus André. Estado, governo e políticas públicas. In MICELI, Sérgio (org). O que ler na ciência política
social brasileira (1970-1995). Ciência Política (volume III). São Paulo: Editora Sumaré, 1999, p. 65.
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No Brasil observaram-se aspectos comuns à trajetória europeia continental – no sentido de que as ciências sociais distanciam-se da gestão de governo eque a análise de políticas esteve associada a entidades governamentais –, emuitos trabalhos na área, sobretudo os que estão associados à avaliação depolíticas, foram e continuam sendo realizados por instituições
governamentais.6
A análise de políticas públicas no Brasil pode ser dividia em três subconjuntos,
pertencentes a um conjunto heterogêneo de contribuições da área em apreço: a) o primeiro
subconjunto parte da analise do regime político, das instituições políticas e do Estado
brasileiro sob o aspecto de sua constituição a fim de investigar uma política específica; b) o
segundo subconjunto relaciona-se com os trabalhos acerca de políticas setoriais “que
combinam a análise de problemáticas internas às próprias áreas setoriais”; c) o terceiro
subconjunto tem como foco as análises de avaliação de políticas7.
A constitucionalização de direitos e garantias sociais, como a moradia, o trabalho,
a previdência social, a assistência aos desamparados, a saúde cria um espaço para a
produção legislativa de políticas públicas que podem ser observadas na publicação da Lei nº
8.742/93, que institui a Assistência Social, por exemplo, guardando assim, grande relação com
o modelo analisado por de Claus Offe:
Marx, por sua vez, analisou a constituição democrática francesa de 1848como uma forma política que exacerbaria as contradições sociais, através dasupressão das garantias políticas das camadas socialmente dominantes, e daconcessão de poder político aos subordinados.8
A implementação de uma legislação social, seja no âmbito constitucional ou
infraconstitucional, revela a existência de um Estado cunhado, em uma perspectiva formal,
no modelo democrático produzido pelo Welfare State. Um Estado mediador das tensões
sociais que, de modo instrumental, utiliza-se das políticas públicas para a realização formal
da cidadania.
6 MELO, Marcus André. Estado, governo e políticas públicas. In MICELI, Sérgio (org). O que ler na ciência políticasocial brasileira (1970-1995). Ciência Política (volume III). São Paulo: Editora Sumaré, 1999, p. 65.
7 Ibid, 67.8 OFFE, Claus. A democracia partidária competitiva e o “Welfare State” keynesiano: fatores de estabilidade e
desorganização. In OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1984, p. 356.
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2. A Assistência Social
A Assistência Social é hoje um campo de transformação social e econômico no
Brasil, criticas existem, como o fato de que muitos dos projetos assistenciais possuem caráter
paliativo, que tais políticas imediatistas devem ser atreladas a políticas inclusivas
desenvolvidas em longo prazo, projetos na área da educação, saúde, habitação, enfim,
projetos que contribuam com o processo de emancipação iniciado com a instituição de
programas assistenciais imediatistas. Porém, apesar de tais críticas, não se pode negar o fato
de que transformações ocorrem, como por exemplo (ver possibilidade de colocar algo sobre
a aumento do consumo da classe média0
Passando por um período onde o foco da Assistência Social correspondia à
filantropia, ao assistencialismo (muitas vezes revestido de clientelismo político tendo em
vista as “ações sociais eleitoreiras”) ou até mesmo transmudando-se no sentimento de
compaixão religiosa, atinge na década de 80, com a promulgação da Constituição Federal de
1988 o status de direito social inscrito no âmbito da Seguridade Social.
2.1 O surgimento da Assistência Social.
Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, surge a assistência Social
de modo autônomo no ordenamento jurídico brasileiro. Os arts. 203 e 204 da Magna Carta
cuidam de fixar a Assistência Social como integrante da Seguridade Social, devendo ser
prestada a quem dela necessitar, não condicionando sua prestação a qualquer forma de
contribuição para com a Seguridade Social.A Constituição Federal de 1998 estabeleceu em seu texto os objetivos buscados
pela Assistência Social: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice; b) o amparo às crianças e adolescentes carentes; c) a promoção da integração ao
mercado de trabalho; d) a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e
a promoção de sua integração à vida comunitária; e) a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Outro ponto fixado pela magna Carta diz respeito a fonte de custeio da
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Assistência Social, segundo o art. 204 “As ações governamentais na área da assistência social
serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além
de outras fontes (...)”, assim, toda a sociedade é responsável pelo fomento da Assistência
Social9, de forma a contribuir com a realização e efetivação dos direitos sociais.
A Lei nº 6.439/77 dispunha sobre a Legião Brasileira de Assistência (LBA) a qual
possuía a competência de prestar assistência social à população carente por meio de
programas de desenvolvimento social e de atendimento às pessoas. Antes da promulgação
da Constituição federal de 1988, alguns autores entendiam inclusive que a assistência Social
fazia parte de uma das divisões do Direito do Trabalho.
Em 1993, a Lei nº 8.742, mais conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), passa a regulamentar a organização da Assistência Social, estabelecendo já em seu
art. 1º ser a Assistência Social “direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade
Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às
necessidades básicas”. A Lei nº 8.212/91 que organizou a Seguridade Social, instituindo seu
custeio e determinou as providências necessárias para sua efetivação, também tratou em seu
art. 4º da Assistência Social “A Assistência Social é a política social que provê o atendimento
das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à
adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de
contribuição à Seguridade Social.”. Já em 1999 foi publicado o Decreto nº 3.048 que aprovou
o Regulamento da Previdência Social, sobre a Assistência Social que em seu o art. 3º reintera
os termos do art. 4º da Lei nº 8.212/91.
A Assistência Social está incluída o rol de direitos sociais consagrados pela
Constituição Federal, sendo um direito fundamental, assegurado a todos10.
9 Segundo o art. 195 “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nostermos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios, e das seguintes contribuições sociais”. 10 Situação interessante é o Leanding Case objeto do RE 586.970/SP no Supremo Tribunal Federal, a matéria em
discussão versa sobre a possibilidade de concessão de Benefício de Prestação Continuada a estrangeiros
residentes no país, onde o Ministro Marco Aurélio reconheceu a repercussão geral do caso:“Pronunciamento: Assistência Social - Garantia de salário mínimo ao menos afortunado – Estrangeiroresidente no país – Direito reconhecido na origem – Recurso Extraordinário – Processamento – RepercussãoGeral – Configuração” (STF, RE 586.970/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, dp. 04.06.2009).
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2.2. As demandas sociais
Dentro do rol de demandas atendidas pela Assistência Social estão as elencadas
no art. 203 da Constituição Federal de 1988: a) a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice;b)- o amparo às crianças e adolescentes carentes; c a
promoção da integração ao mercado de trabalho; d) a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e) a garantia
de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família.
Em 2004, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome lançou a
versão preliminar da Política Nacional da Assistência Social, uma iniciativa que traduz o
cumprimento das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada
em Brasília, em dezembro de 2003, que busca concretizar o compromisso do Conselho
Nacional de Assistência Social e da Secretaria Nacional de Assistência Social/Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate a Fome, visam assim dar concretude às diretrizes da LeiOrgânica da Assistência Social11.
São objetivos do Programa: a proteção social básica, a proteção social especial, a
proteção social especial de média complexidade e a proteção social especial de alta
complexidade.
A proteção social básica possui como objetivos a prevenção de situações de
risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, bem como o
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destinando-se à população que vive
em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda,
precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos
afetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero
ou por deficiências, por exemplo).
A proteção social especial destina-se aos indivíduos e famílias que se encontram
em situação de risco pessoal e social, como por exemplo, as crianças, os adolescentes, os
11 Disponível em . Acesso em 14 de janeiro de 2013.
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jovens, os idosos, portadores de necessidades especiais e pessoas em situação de rua que
tiverem seus direitos violados e, ou, ameaçados e cuja convivência com a família de origem
seja considerada prejudicial à sua proteção e ao seu desenvolvimento.
Os serviços de proteção social de média complexidade são aqueles que oferecem
atendimentos às famílias e indivíduos com seus direitos violados, entretanto, os vínculos
familiares e comunitários não foram rompidos. Já os serviços de proteção social de alta
complexividade são aqueles que visam garantir a proteção integral, como moradia,
alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram
sem referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados ao seu núcleo
familiar e, ou, comunitário.
2.3 As políticas públicas de Assistência Social
Neste diapasão, o campo para o desenvolvimento de políticas públicas é vasto e
com já salientado, a própria Lei nº 8.742/93 ressalta que a Assistência Social – direito do
cidadão e dever do Estado – objetiva a realização dos mínimos sociais, podendo ser realizada
por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, paragarantir o atendimento às necessidades básicas. É neste ponto que ganham destaque o papel
das ONGs, das fundações e associações sem fins lucrativos. No momento em que
estabelecem - as ONGs, fundações, associações sem fins lucrativos e o Estado – uma parceria
para a realização de ações sociais revestidas dos fundamentos das políticas públicas.
As políticas públicas da Assistência Social estão ligadas a programas educacionais,
de reinserção no mercado de trabalho, programas de assistência aos idosos e crianças, tendo
como foco os cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos,
tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade,
pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico,
cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza; uso
de substâncias psicoativas; violência familiar (que também pode ser representada por
violência e grupos ou indivíduos); inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho
formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem
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representar risco pessoal e social12.
Por possuir um leque tão variado de atores passivos, as políticas públicas da
Assistência Social abrem margens para a criação programas assistenciais capazes de atuar em
diversas áreas. Como bem se sabe, para implementar políticas públicas, não se faz necessário
apenas a elaboração de normas que as regulem ou então, a disponibilidade de recurso. É
preciso também, constituir também um conjunto de estruturas físicas e humanas, neste
ponto as ONGs, fundações e associações sem fins lucrativos ganham espaço, assumindo tais
tarefas, o que se mostra oportuno para a administração pública. Primeiro porque não é
preciso criar porque fica a cargo da ONG, fundação ou associação a instituição da estrutura
física e humana, em segundo lugar, os encargos com as contratações de pessoal ficam a
cargo de tais instituições, de forma que o processo de contratação pode ser feito por meio de
simples avaliação curricular, sem necessidade de realizações de concurso, terceiro, os
vínculos empregatícios se dão na esfera privada e não pública, sem o compromisso
estatutário da estabilidade.
Ante tais flexibilizações, oportuno e vantajoso para a administração pública a
parceria ou o convênio com as ONGs, fundações e associações, entretanto, como salientado
pelo Relatório da CPI “das ONGs”13
, é preciso atentar para a situação delicada exercida portais instituições, primeiro porque chamam para si obrigações estatais, assumindo assim o
papel que deveria ser exercido pelo Estado e em segundo lugar, diz respeito ao espaço que se
cria para a implementação de delitos econômicos como a corrupção e a lavagem de ativos,
bens e valores.
2.4 As organizações não-governamentais
O primeiro aparecimento das Organizações Não Governamentais se deu junto as
Nações Unidas que, buscando encontrar um a designação para aqueles entes que não
representavam Estados nacionais, para que assim estes fossem inclusos nos debates, cunhou
tal denominação permitindo assim sua representatividade junto a ONU. Já na Carta de São
Francisco a denominação organizações não governamentais aparece de modo formal pela
12 Disponível em . Acesso em 14 de janeiro de 2013.
13 Disponível em . Acesso em 15 de janeiro de 2013.
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primeira vez14.
As ONGs desempenham hoje um papel relevante no cenário mundial, possuindo
reconhecimento internacional, segundo Celi Regina Jardim Pinto:
Apesar de sua grande variedade, as ONGs são organizações comcaracterísticas próprias que se diferenciam de outras organizações dasociedade civil, como associações de caridade ou fundações: é um ofenômeno que surgiu com grande força nas últimas décadas do século 20.São formadas por voluntários, sem fins lucrativos, com objetivo derepresentar a sociedade para resolver problemas, incentivar posturas éticase cidadãs, desenvolver projetos.15
Acerca do papel das ONGs no Brasil, se pode identificar três tipos de ONGs noBrasil: a) durante o regime militar algumas ONGs (ligadas a luta pela democracia); b) as que
derivam dos movimentos sociais e c) as que se constituíram com prestadoras de serviços.
Existem três formas de fomento utilizadas pelas ONGs: a) a arrecadação própria
(doações, venda de produtos); b) o financiamento por fundações nacionais e internacionais;
c) recursos provenientes do Estado.
Em 10 de agosto de 1991, foi fundada no Rio de Janeiro a Associação Brasileira
das Organizações Não Governamentais (ABONG), constituindo-se em uma “sociedade civil
sem fins lucrativos, democrática, pluralista, antirracista e anti-sexista, que congrega
organizações que lutam contra todas as formas de discriminação, de desigualdades, pela
construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização da democracia” 16.
Segundo relatório apresentado em dezembro de 2012, em 2010, havia 290,7 mil
Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil, voltadas,
predominantemente, à religião (28,5%), associações patronais e profissionais (15,5%) e
ao desenvolvimento e defesa de direitos (14,6%). As áreas de saúde, educação, pesquisa e
14 Art. 71 “O Conselho Económico e Social poderá entrar em entendimentos convenientes para a consulta comorganizações não governamentais que se ocupem de assuntos no âmbito da sua própria competência. Taisentendimentos poderão ser feitos com organizações internacionais e, quando for o caso, com organizaçõesnacionais, depois de efectuadas consultas com o membro das Nações Unidas interessad o no caso.”Disponível em . Acesso em 14 de janeiro de 2013.
15 PINTO, Celi Regina Jardim. ONGs. In AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO, Newton; GUIMARÃES, Juarez;
STARLING, Heloisa Maria Murgel (org). Corrupção. Ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008,p. 441-442.
16 Carta de princípios, disponível em . Acesso em 15 de janeiro de2013.
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assistência social (políticas governamentais) totalizavam 54,1 mil entidades (18,6%)17. Assim,
o número de ONGs no Brasil alcança patamares relevantes, bem como seus campos de
atuação.
O Decreto 6.170 de 25 de julho de 2007, recentemente alterado pelo Decreto nº
7.568 de 16 de setembro de 2011, estabelece as normas relativas às transferências de
recursos da União mediante convênios e contratos de repasses de verbas para o custeio de
ações sociais.
.
Outro dado significativo sobre estas organizações é o que diz respeito aosrecursos públicos federais recebidos acima de R$ 200 mil por ano entre 1999e 2006 (foco de interesse da CPI do Senado). Publicação da ABONG comenta:
“abaixo deste valor, há cerca de sete mil ONGs contempladas. Em um
universo de 300 mil fundações e associações sem finalidade lucrativaexistente no Brasil, este último corresponde a apenas 2,3%.”18
3. A CPI “das ONGs”
Em 2010, foi publicado o Relatório da CPI “das ONGs”19, crida por meio do
Requerimento nº 201/2007 do Senado Federal, tendo por objetivo a analise do repasse de
recursos federais para ONGs e OCIPs no período de 1999 até 30 de abril de 2009, tendo
como relator o senador Inácio arruda e como presidente o senador Heráclito Fortes.
Já em sua apresentação o Relatório esclarece que seu objetivo não é a
persecução penal. Seu propósito estaria ligado à investigação ampla e geral das
irregularidades e dos processos que lhes dão causa, objetivando apontar soluções para os
problemas estruturais que permitem locupletamentos individualizados. As questões acerca
de ilícitos cometidos por dirigentes de entidades específicas e/ou a origem dos recursos
destinados a elas não compõem o rol de objetivos do Relatório, pois, conforme consignado
na apresentação, muitas destas posturas já teriam sido identificadas em ações da
Controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União, da Polícia Federal e do
Ministério Público.
Segundo as informações obtidas pelo Relatório da CPI “das ONGs”, cerca de 13,7
17 Disponível em . Acesso em 15 de janeiro de 2013.
18 PINTO, Celi Regina Jardim. ONGs. In Corrupção. Ensaios e críticas. AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO, Newton;GUIMARÃES, Juarez; STARLING, Heloisa Maria Murgel (org). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 446.
19 Disponível em: . Acesso em 16 de janeiro de 2013.
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bilhões foram transferidos para entidades privadas sem fins lucrativos no período de
2001/2006, deste montante, cerca de 5 bilhões destinaram-se a entidades que podem ser
identificadas como ONGs.
Estima-se que de 01/2003 a 05/2007 cerca de 7.700 entidades privadas sem fins
lucrativos teriam firmado convênios, contratos de repasse ou termos de parceria com a
União. Foi apurado pelo Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
– SIAFI Gerencial que cerca de 20.000 convênios foram firmados neste período totalizando
R$ 12,6 bilhões em valores20. São sem dúvida números muito altos que se originam nos
cofres públicos, valores que devem ser destinados a realização da cidadania, garantido a
todos acesso à direitos fundamentais como a saúde, a educação, a moradia.
Relevante é o papel prestado pelas ONGs, assim como pelas fundações e demais
entidades sem fins lucrativos que visam promover o bem estar social, realizando assim o
projeto de cidadania previsto na Magna Carta de 1988, porém, cabe o seguinte
questionamento: até que ponto a existência de repasses oriundos dos cofres públicos e a
transferência de responsabilidades estatais contribuem com o avanço do que parece ser o
mal do século, a corrupção?
Necessário ressaltar que o Relatório da CPI das “ONGs” deixa claro que muitas
das instituições analisadas estavam envolvidas em esquemas de corrupção e lavagem de
ativos, bem e valores, oriundos da iniciativa privada e pública.
3.1 A corrupção como macula do Estado Democrático de Direito.
A expressão Estado Democrático de Direito possui o condão de revelar o modelo
estatal consagrado na Magna Carta de 198821. Assim, a adoção de um Estado de Direito
revela a formalidade à que está ligado, bem com sua origem liberal. Por outro lado, a escolha
pela democracia, revela a preocupação deste Estado, mesmo que de modo formal, para com
a participação do povo no processo de construção estatal. Claus Offe ao analisar a tradição
leninista acerca da democracia afirma que, segundo esta corrente de pensamento “existe
20 Disponível em: . Acesso em 16 de janeiro de 2013.
21 Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e doDistrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - acidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - opluralismo político.
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uma harmonia inerente entre o domínio do capital e as formas democráticas burguesas,
estas últimas servindo apenas para enganar as massas”22. De modo que, é possível concluir
que o capitalismo vale-se dos ideias da democracia para construir seu alicerces sobre um
discurso de igualdade e liberdade, onde o bem de todos seria promovido por meio de um
Estado de Direito, ou seja, a democracia também assumiria um aspecto formal.
E, por meio da implementação de Políticas Públicas, este Estado Democrático de
Direito realiza de forma material seus ideais.
Ocorre que a realização de Políticas Públicas governamentais como forma de
realização da democracia, possui não só resultados favoráveis, mas também, cria um espaço
para atividades eticamente incompatíveis com o discurso democrático. O uso de verbas
públicas destinadas as áreas sociais, os desvios de dinheiro público, a utilização de entidades
para a pratica de lavagem de ativos, bens e direitos são apenas exemplos da grande mancha
corrupta que se espalha dentro dos organismos internos do governo, haja visto o Relatório
da CPI “das ONGs” aqui citado, bem como as inúmera Comissões Parlamentares de Inquérito
instalada nos últimos dez anos.
O não se encontra apenas ligado a impunidade ou a adoção de sanções mais
rígidas por parte do Direito Penal e Processual Penal, um dos maiores problemas é semdúvida o descaso para com a própria política, o uso indevido de cargos públicos e políticos,
em benefício próprio, esquecendo-se que as funções públicas e políticas são, antes de mais
nada, um compromisso para com a população, um compromisso com a cidadania e que a res
publica pertence à todos.
Considerações finais
A primeira consideração que se faz após essa breve analise é que a Assistência
Social é não só útil, mas também necessária para a construção de um Estado que atenda o
mínimo de cidadania necessária. A distribuição dos direitos sociais por meio de Políticas
Públicas é um instrumento válido e eficaz no campo das mediações sociais, entretanto, há
que pensar em um modelo emancipatório que proporcione o livre desenvolvimento humano
22 OFFE, Claus. A democracia partidária competitiva e o “Welfare State” keynesiano: fatores de estabilidade edesorganização. In OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1984, p.358.
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dos cidadãos atrelando políticas de distribuição de rendas a políticas educacionais
formadoras, bem como políticas de acesso à saúde, moradia, segurança.
A segunda consideração está ligada aos convênios e consórcios firmados pelo
poder público e instituições privadas (ONGs, fundações e associações sem fins lucrativos),
seria mais oportuno que tais parcerias fossem repensadas de forma a reduzir tais convênios,
fazendo com que o poder público passasse a exercer de forma mais ativa tais
responsabilidades, entretanto, seria utópico e até mesmo ingênuo afirmar que tais entidades
não mais deveriam encarregar-se de atividades voltadas à realização dos Direitos Sociais, até
mesmo porque não se deve desencorajar atividades humantárias ou a solidariedade de um
povo. Mas é preciso repensar os modelos e rever o custeio e as obrigações das entidades que
recebem financiamento público. A atuação do Tribunal de Contas junto à tais entidades deve
ser cada vez mais intenso, assim como, a atuação do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (COAF) e das Promotorias de Justiça.
Para que os Direitos Sociais sejam plenamente desenvolvidos e deixe de existir
apenas no plano formal é necessário uma ação conjunta dos organismos estatais e da
sociedade seja no âmbito da aplicabilidade pratica, por meio do desenvolvimento de Políticas
Públicas, seja no âmbito da fiscalização dos recursos para implantação destes programas ouno âmbito político, fiscalizando as atividades da administração pública.
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