5 - tratamento juridico penal da lesao corporal domestica contra a mulher e a aplicacao da lei 10...

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Pollyana Cunha Romero TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DA LESÃO CORPORAL DOMÉSTICA CONTRA A MULHER E A APLICAÇÃO DA LEI 10.886/04 SUMÁRIO

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VIOLÊNCIACONTRA A MULHER

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Pollyana Cunha Romero

TRATAMENTO JURÍDICO-PENAL DA LESÃO CORPORAL DOMÉSTICA CONTRA A

MULHER E A APLICAÇÃO DA LEI 10.886/04

SUMÁRIO

Resumo.....................................................................................................................................vi

Abstract..................................................................................................................................vii

Sumário...................................................................................................................................viii

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INTRODUÇÃO......................................................................................................................10

CAPÍTULO 1 – VIOLÊNCIA

1.1. Noções Gerais sobre Violência e seu Conceito...........................................................12

1.2. Violência e Agressividade...........................................................................................16

1.3. Tipos de Violência.......................................................................................................19

CAPÍTULO 2 – A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

2.1. Conceito e previsão constitucional...............................................................................22

2.2. Modalidades de Violência Doméstica..........................................................................25

2.2.1 Violência Sexual..............................................................................................26

2.2.2 Violência Física...............................................................................................28

2.2.3 Violência Psicológica.......................................................................................29

2.3. Agentes Agressores do Lar e suas vítimas....................................................................31

2.3.1 Fatores que contribuem para o cometimento da violência doméstica.............31

2.3.2 Ciclos da Violência doméstica.........................................................................36

CAPÍTULO 3 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LESÃO CORPORAL EM RELAÇÃO À

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

3.1 Linhas Gerais sobre a Lesão Corporal........................................................................39

3.1.1 Conceito e sujeitos do crime............................................................................39

3.1.2 Consumação e Tentativa..................................................................................42

3.1.3 Elementos Subjetivos do tipo...........................................................................43

3.1.4 Outras Características......................................................................................45

3.2 Modalidades de Lesão Corporal..................................................................................49

3.2.1 Lesão Corporal leve.........................................................................................50

3.2.2 Lesão Corporal grave.......................................................................................53

3.2.3 Lesão Corporal gravíssima..............................................................................58

3.2.4 Lesão Corporal seguida de morte....................................................................61

CAPÍTULO 4 - A LESÃO CORPORAL DOMÉSTICA

4.1. Violência Doméstica como figura típica qualificada (§9º) e como causa de aumento de pena (§10º)

.............................................................................................................62

4.2. Aplicação da Lesão Corporal Doméstica nos Juizados Especiais Criminais...............65

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................74

REFERÊNCIAS CONSULTADAS......................................................................................79

APÊNDICE – Entrevista realizada com a Dra. Yélena de Fátima Monteiro Araújo, Promotora de Justiça

do estado de Pernambuco em exercício no 3º  Fórum Universitário de PE - Universidade Católica de PE.

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ANEXO A – Jurisprudências.

ANEXO B – Parecer nº 98 da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Lei da

Câmara nº 102, de 2003 (nº 3, de 2003, na origem).

ANEXO C – Discussão do Projeto de lei nº 03-A de 2003 na Câmara dos Deputados. Discussão, em turno

único, do Projeto de Lei nº 3, de 2003.

ANEXO D – Proposição do Projeto de Lei nº 03 de 2003 da autoria da Deputada Iara Bernardi – PT.

ANEXO E – Emenda Substitutiva nº ___ de 2003 da Deputada Laura Carneiro.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma abordagem sobre a alteração decorrente da Lei 10.886/2004, que

inclui no Código Penal a punição contra a violência doméstica, sendo esta acolhida como modalidade

especial do crime de lesão corporal, com o intuito de se vislumbrar a efetividade dessa alteração, na

prática. É um tema muito recente, cujo material é escasso, visto que essa lei data de junho de 2004, sendo

de extrema importância uma explicação maior com relação ao assunto.

Levantando a hipótese de que a Violência Doméstica possui elevada incidência sobre a

sociedade, invadindo milhares de lares brasileiros e afetando toda a coletividade, pode-se afirmar que a

legislação atual ainda não fornece plenas garantias às famílias atingidas pela violência dos próprios

familiares, haja vista a ausência de leis que possuam o rigor necessário à diminuição desse tipo de crime.

Essa é a causa maior deste trabalho, razão pela qual a relevância do tema está no recorrente e intenso

episódio da Violência Doméstica, tornando-se um problema social de alta evidência.

Assim, o estudo tem por escopo a investigação da lesão corporal doméstica, levando em

consideração o conceito de crimes de menor potencial ofensivo, e suas expressões no cenário brasileiro,

em especial no estado de Pernambuco, sendo o objeto dessa pesquisa o enfoque crítico do novo tipo

penal, que é a violência doméstica, ante a triste realidade social e jurídica, bem como a análise de sua

aplicação.

Enfim, a finalidade desse estudo é verificar se esse novo tipo penal realmente é eficaz para o

combate da violência doméstica, se a violência cometida no âmbito doméstico ainda é um crime de menor

potencial ofensivo e se, conseqüentemente, permanece na esfera dos juizados especiais criminais.

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No primeiro capítulo, há um breve relato sobre a violência, a fim de proporcionar uma visão

geral, bem como explicitar o seu conceito, porém ensaia com mais perspicácia o conceito de violência

ante a definição de agressividade e as formas pelas quais ela se expressa, tudo objetivando fornecer

conhecimento geral da matéria ao leitor, além de destacar os pontos mais relevantes para a compreensão

do objeto deste estudo.

No capítulo seguinte, será apresentada uma visão geral da violência doméstica, seu conceito e

suas características. Esse capítulo é de extrema importância, pois nele é explicado o que é a violência

doméstica, o porquê de sua ocorrência, quem são e como agem os agressores e as vítimas do lar.

O terceiro capítulo trata do crime de lesão corporal descrito no art. 129 e seus parágrafos do

Código Penal Brasileiro. Ora, se a violência doméstica agora está sendo tipificada como uma modalidade

de lesão corporal, é evidente que se faz necessária uma explicação sobre a lesão corporal e suas figuras

típicas para que haja um melhor entendimento sobre o trabalho.

Por fim, o quarto e último capítulo é dedicado exclusivamente à inclusão dos §§ 9º e 10º ao art.

129 do Código Penal, ocasião em que se estudará a sua aplicação nos Juizados Especiais Criminais, bem

como sua efetividade. Também serão apresentadas algumas críticas levantadas pela doutrina

especializada acerca da matéria.

No desenvolvimento do presente estudo utilizou-se um método de pesquisa bibliográfica e

jurisprudencial, incluindo-se artigos jurídicos específicos, entrevista realizada com profissional da área,

reportagens e legislação, para definir a existência do problema, qual seja: a inefetividade das alterações

oriundas da Lei 10.886/04 perante a realidade da violência doméstica.

Enfim, espera-se que este trabalho de monografia passe uma visão geral do tema, mas não tem,

contudo, pretensão de esmiuçar a matéria por completo. Redigida em linguagem objetiva e simples visa

elucidar o novo tipo penal da lesão corporal doméstica e sua efetividade. É mister enfatizar que a presente

monografia foi elaborada com base em algumas opiniões diferentes, a fim de enriquecer mais a pesquisa e

de não pressionar ou incitar um único julgamento, como se esse fosse o único.

CAPÍTULO 1 – VIOLÊNCIA

1.1 Noções Gerais sobre Violência e seu Conceito.

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O estudo da violência torna-se necessário para uma melhor explicação da idéia central e da

problemática desta monografia. Reportando-se à sua origem, pode-se considerá-la tão antiga quanto à do

próprio homem, tendo surgido antes mesmo da idéia de direito. Porém, não se pode dizer que a violência

ocorre da mesma forma em todos os períodos históricos.

Há quem acredite que a violência faz parte do ser humano e da natureza da sociedade como um

todo. Dadoun define o homem como o “Homo Violens”, visualizando a violência através de três figuras

extremas: a gênese, o extermínio e o terrorismo, que ocorreram em períodos e locais distintos ao longo da

evolução humana1.

Ele afirma que a violência está presente em todos os períodos da existência humana. “Não há

uma só palavra, um gesto, objeto ou instante que não encubra, às vezes imperceptivelmente, um grão de

violência”.2 No entanto, analisando a violência sob essa perspectiva, torna-se fácil banalizá-la, tornando-a

comum e enraizada na sociedade, dificultando uma análise mais concreta da mesma.

Vista sob o contexto de dano à pessoa, Yves Michaud diz que há violência quando:

(...) numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. 3

Percebe-se, quase instantaneamente, que a violência implica uma relação agressor/agredido, na

qual se pode visualizar os danos ou prejuízos que o primeiro impõe ao segundo, seja de forma física, seja

de forma psicológica.

Por outro lado, Girard considera a violência criadora da sociedade, porém expõe que há uma

saída para ela: a religião. Como isso ocorreria? Por meio dos bodes expiatórios, pois o ser humano busca

substitutivos da violência como uma forma de

fugir da mesma, servindo de mediação entre o sacrificador e a divindade. Deus, para

sossegar seu furor, exigiria o sacrifício. “Só é possível ludibriar a violência fornecendo-lhe uma válvula

de escape, algo para devorar”.4 Este mesmo autor expõe diversos fatos bíblicos que transmitem isso, que

o sacrifício seria um meio de enganar a violência.

Sob outro ponto de vista, analisando a violência como um fenômeno único, Michel Maffesoli,

citado por Áurea Guimarães, diz que a violência possui uma singularidade: ela tem um caráter

convulsivo, irregular e rebelde à análise.5 Enfatiza, ainda, que a violência tem três modalidades: a

violência dos poderes instituídos; a violência anômica, possuindo função fundadora; e a violência banal,

que está expressada na resistência do povo, que, desagrega e ao mesmo tempo, cria.

Também se pode analisar a violência mediante os atos violentos das instituições, como o Estado.

O Estado é um dos maiores promotores da violência, seja no âmbito militar, seja no policial, pois sempre

1 DADOUN, Roger. A violência: Ensaio acerca do homo violens. 1. ed. Rio de janeiro: Difel, 1998. p. 132 Ibid., p. 45.3 MICHAUD, Yves. A violência. 1. ed. São Paulo: Ática, 1989. p. 10-11.4 GIRARD, René. A violência e o sagrado. 1. ed. São Paulo: UNESP, 1990. p. 16-17.5 MAFFESOLI, Michel apud GUIMARÃES, Áurea M. A Dinâmica da Violência Escolar Conflito e Ambigüidade. Campinas: Autores Associados, 1996. p. 7-21.

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abraçou o caráter violento relativamente à população. Ao longo da história pode-se mencionar diversos

fatos que revelam essa atitude violenta por parte do Estado: exterminação indígena, escravidão negra, a

repressão às diversas revoluções, a era nazi-fascista, dentre outras.6

O Estado geralmente elege a imposição, primeiramente, da disciplina e da repressão, bem como,

a violência necessária para o controle social. Porém, hodiernamente, com os avanços culturais,

tecnológicos, dentre outros, o Estado costuma agir através de um tipo de violação à condição humana que

ultrapassa os tempos, mas que agora, mais do que nunca, está sendo priorizada.7

Carlos Ignácio diz que o Estado Contemporâneo comete violência sim, ao consentir a miséria e a

morte difundida pela sociedade pela “total incapacidade de gerir com competência e honestidade os

recursos públicos que devem ter como fim as melhorias da qualidade de vida de sua população”.8

Esta violência que não puxa o gatilho, mas entrega a arma as mãos da sociedade para que esta execute o desigual, é a maior violação da condição humana de nossos tempos. Indivíduo e sociedade travam um diálogo que muitas vezes se expressa na violência, e a junção destes desiguais que habitam o "paraíso" dos iguais e politicamente corretos, vem se tornando cada vez maior e a percepção de que a máquina não gira no mesmo sentido para todos, esta expressa em movimentos de contestação social que vem reivindicar ao Estado, aquilo que este se propõe. É o caso, no Brasil do MST (movimento dos sem terra), MSE (movimento dos sem educação), os movimentos de reconhecimento e igualdade para os negros, entre muitos outros espalhados por este país, bem como pelo planeta.9

Destarte, a violência, praticada por inúmeros povos, é uma violência bem mais tácita e perspicaz

do Estado democrático atual, porém não é menos brutal. E essa violência presente na sociedade penetra

no indivíduo afetando-o, de diversas maneiras, e não raro estimulando mais violência.

A violência entre familiares, por exemplo, ocorre no âmbito da intimidade, mas a partir do

momento que os movimentos das crianças e adolescentes, bem como o das mulheres, denunciam os

abusos, a violência doméstica passa a ser mais visível. Não se pode negar que numa sociedade machista,

autoritária e racista, como é a brasileira, torna-se um ambiente favorável a esse tipo de violência. Assim, o

tema da violência oriunda da convivência familiar não pode ser vista isoladamente das questões mais

amplas de frustração, vexame e diminuição dos direitos sociais e de carência causados pela incapacidade

do Estado em garantir ao povo boas condições de vida.

Examinando a violência a partir de uma concepção sociológica, pode-se afirmar que na

sociedade contemporânea não há mais o contato com a natureza, e sim o predomínio dos valores materiais

sobre os valores morais, éticos, humanos, o que predispõe o ser humano a cometer delitos. Ora, há um

complexo de causas, de pressões que facilitam a exteriorização da fúria e o conseqüente cometimento do

crime. É o que o Professor Roque de Brito Alves chama de sociedade criminógena:

6 CASTRO, João de. A farsa do poder paralelo: o Estado, o maior criminoso. Disponível em: <http://www.anovademocracia.com.br/23-11.htm>. Acesso em: 14/03/2005.7 Ibid.8 PINTO, Carlos Ignácio. A violência Institucional. Disponível em < http://www.klepsidra.net/ klepsidra11/institucional.html>. Acesso em 12/03/2005.9 PINTO, Carlos Ignácio. A violência Institucional. Disponível em < http://www.klepsidra.net/ klepsidra11/ institucional.html>. Acesso em 12/03/2005.

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Reafirmamos que a violência é mais resultante da atual sociedade nitidamente criminógena que, através da predominância de valores materiais – dinheiro, sexo, lucro, busca de status econômico ou financeiro – sobre os valores éticos, religiosos, jurídicos, vai aumentar ou multiplicar os estímulos criminosos no ser humano, por ser uma civilização material, tecnológica, plena de fatores favoráveis ou mesmo sensivelmente predisponentes ao delito. 10

Diante dessa breve visão e evolução da violência, pode-se afirmar que, historicamente, a

violência existe desde o surgimento da raça humana, apresentando-se

de diferentes graus e formas conforme a civilização da época.

Assim, as diversas visões da violência demonstram que a complexidade e sua

compreensão torna difícil a identificação de uma origem da violência ou a sua análise apenas sob um

ponto de vista.

Bom, após a exposição de algumas nuances da violência, pode-se afirmar que não existe um

conceito universal sobre a mesma, tendo em vista ser um algo muito complicado, exigindo, pois, a

demonstração de alguns conceitos.

Conforme Roger Dadoun, violência vem do latim “vis”, que, além de significar “violência”,

também quer dizer “força”, “potência”, mas, na verdade, ele enfatiza que vis designa, de uma forma mais

exata, o “emprego da força”, “vias de fato”. 11

De Plácido e Silva define violência de forma mais específica, dizendo que a violência é:

(...) o ato de força, a impetuosidade, a brutalidade, a veemência. Em regra, a violência resulta da ação ou da força irresistível, praticadas na intenção de um objetivo que não se teria sem ela. Juridicamente, a violência é espécie de coação, ou forma de constrangimento, posto em prática para vencer a capacidade de resistência de outrem, ou para demovê-la à execução de ato, ou a levar a executá-lo, mesmo contra a sua vontade. 12

Verifica-se que a violência é uma ação do homem contra outrem, por meio da força, para fazer

valer a própria vontade, com intuito de causar dano à pessoa violentada, obrigando-a a realizar uma ação

que poderia não ter sido praticada. A violência, então, elimina o uso da força por parte daquele que está

sofrendo a violência a fim de se defender, verificando-se a perda da autonomia, da vontade e da liberdade

da vítima; a violência imobiliza os constrangidos, afetando sua dignidade.

Porém, é necessário afirmar que ao lado da violência deve existir uma resistência que se opõe. O

agente utiliza-se da força para vencer essa resistência e obrigar o indivíduo a agir conforme sua própria

vontade, produzindo efeito que não existiria se a pessoa violentada estivesse no livre exercício de sua

vontade.

Toda violência funciona, de alguma forma como resistência forte a uma outra violência, que ela tende a fixar; as violências se esgotam uma dentro da outra, e o resultado, então, é uma violência desacelerada.13

10 ALVES, Roque de Brito. Ciência criminal. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1995. p. 338 e 341.11 DADOUN, Roger. A violência: Ensaio acerca do homo violens. 1. ed. Rio de janeiro: Difel, 1998. p. 10.12 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1984. 4 v. p. 1658-1659.

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Em menção a posição do doutrinador Vilela, Ana Aurélia Pinheiro Barros e outras, na

monografia intitulada “A violência contra a mulher”, cita:

Violência é toda iniciativa que procura exercer coação sobre a liberdade de alguém, que tenta impedir-lhe a liberdade de reflexão, de julgamento, de decisão e que termina por rebaixar alguém ao nível de meio ou instrumento num projeto, que o absorve e engloba, sem tratá-lo como parceiro num nível igualitário. A violência é uma tentativa de diminuir alguém, de constranger alguém a renegar-se a si mesmo, a resignar-se à situação que lhe é proposta, a renúncia, a toda luta, a abdicar de si. 14

Enfatizando mais essa visão, de que o agredido sofre um processo de inferiorização, em que sua

liberdade e sua própria pessoa são reduzidas a ponto de tornar o indivíduo inferior ao agressor, tem-se

também a definição dada por Marilena Chauí, citada por Érika Maria Batista Bezerra, em seu “Estudo

sobre a violência doméstica”:

(...) se você tomar a figura do sujeito ético, você vai ver que a noção de violência é muito mais ampla do esse lugar restrito à delinqüência e a desordem, porque, do ponto de vista ético, você comete um ato de violência se você considerar que o outro não é sujeito, isto, não é racional, não é consciente, livre e não é responsável. Ou seja, você não o trata como um ser humano, mas como uma coisa. 15

E, ainda, citando Giuseppe Ragno, Valdir Sznick, em seu texto intitulado Crimes Sexuais

Violentos, afirma: “(...) a violência é o emprego, não necessariamente inevitável, de uma energia natural

ou psíquica, ainda que não irresistível ou relevante, contra a integridade física ou autonomia psíquica de

outrem”.16

Assim, percebe-se que a violência significa ver o indivíduo como coisa, é negação do outro, é

desrespeito, é violação dos direitos humanos. Pois bem, diante da exposição de alguns entendimentos

acerca da violência, resta saber a diferença entre esta e agressividade.

1.2 Violência e Agressividade.

Diferenciar violência da agressividade é uma tarefa árdua, pois na maioria das vezes esses dois

conceitos são amplamente confundidos, utilizados, inclusive, como sinônimos. Há diversas teorias que

tentaram explicar a agressividade humana e a sua natureza, sendo de fundamental importância discorrer

sobre algumas delas.

A teoria dos irracionalistas17 diz que a diferença entre o ser humano e os demais

13 DADOUN, Roger. A violência: Ensaio acerca do homo violens. 1. ed. Rio de janeiro: Difel, 1998. p. 62.14 VILELA apud BARROS, Ana Aurélia Pinheiro et al. A violência contra a mulher. 1. ed. Recife, 1986. p. 32.15 CHAUÍ, Marilena apud BEZERRA, Erika Maria Batista. Um estudo sobre a violência doméstica praticada contra criança e adolescente. Recife, 2003. p. 16.16 RAGNO, Giuseppe apud SZNICK, Valdir. Crimes sexuais violentos: violência e ameaça, pudor e obsceno, desvios sexuais. 1ºed. São Paulo: Ícone, 1992. p. 17. 17 FRANCO, João. Ensaios penais. 1. ed. Recife: Fundação Antônio dos Santos Abranches, 1999. p. 20.

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animais é a civilização, admitindo que existe um código genético, onde a violência e a agressividade,

proporcionada pelos genes, estão em estado latente no interior dos seres humanos, uma parte selvagem

que poderá vir à tona quando for ferida por estímulos sociais ou fatores biológicos.

Também existe a Teoria da Associação Diferencial18, acreditando que o comportamento voltado

para o crime sempre é aprendido. Nesse caso, o ser humano nasce destituído de impulso agressivo,

adquirindo-o posteriormente.

Por outro lado, segundo Konrad Lorenz19, fundador da ciência da Teologia, a agressividade,

assim como nos animais, é um instinto inato no ser humano, tendo como finalidade primordial a

sobrevivência. Mas, como qualquer outro impulso, a agressividade tem que ser descarregada e para que

haja uma sociedade humana viável, essa agressividade tem que ser desviada para algo sadio.

Freud, criador da Psicanálise, também chegou à conclusão, através de métodos diferentes, que a

agressividade é inata ao homem, entretanto entende que essa agressividade busca sua satisfação na

destruição e na autodestruição, devendo ser canalizada para algo de útil, mediante processos psíquicos20.

Dessa forma, a agressividade é uma demonstração saudável e natural do ser humano, que precisa ser

direcionada para o bem.

Assim, considerando-se as teorias de Lorenz e Freud, a agressividade seria uma força motriz boa

e necessária ao indivíduo que nasce sem necessidade de ser estimulada. Então, não se deve reprimir a

agressividade, como se ela fosse algo de ruim, o que se deve fazer é canalizar esse instinto para fins

construtivos, para a concretização de algo útil.

Em contrapartida, os humanistas seguidores do pensamento do biólogo e antropólogo Ashley

Montagu não aceitam a teoria de que a agressividade é um instinto inato ao ser humano, pois este pode

manifestar qualquer forma de comportamento, desde a bondade até a agressividade, sendo esta apenas

mais um de seus vários comportamentos. Esse autor admite uma contribuição genética para determinar o

tipo de comportamento do indivíduo, esclarece, porém, que esse comportamento é determinado pelas

experiências acumuladas durante sua vida em interação com seus genes. 21

Já a tese de Ferracuti e Wolfgang, adotada pelo Professor Roque de Brito Alves, defende que a

agressividade e a violência são sinônimas, contrariando a teoria de que a agressividade seria inata ao ser

humano, alegando que a agressividade seria uma resposta à pressão da sociedade; poder-se-ia se falar

numa violência “sociológica”:

Uma violência mais “sociológica”, mais ampla e não puramente biológica, inata ou inerente, restrita. Mais de pressões psicossociais que simplesmente instintiva do homem; mais um fenômeno cultural na civilização contemporânea, mais produto do homem desumanizado – o que o obriga a ser agressivo – do que uma simples reação fisiológica da personalidade humana, idêntica à violência dos animais, segundo a Etologia (Lorenz). 22

18 Ibid., .p. 22.19 LORENZ, Konrad apud MASINI, André C. S. Ódio e lucidez. Disponível em < http:// www.casadacultura.org/andre_masini/artigos/Setembro_2003/11_09_odio_e_lucidez.html > Acesso em: 02 de novembro de 2004.20 BENELLI, Silvio José. O internato escolar como instituição total: violência e subjetividade. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/pe/v7n2/v7n2a04.pdf> Acesso em: 05 de novembro de 2004.21 FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia integrada. 1º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 109-110.22 ALVES, Roque de Brito. Ciência criminal. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1995. p. 338-339

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Ainda tratando da agressividade, Magda Denise Meister afirma existir dois tipos de

agressividade, uma que estimula o crescimento humano (agressividade estruturante) e outra que

desestimula (agressividade desestruturante):

Ser agressivo é próprio do homem, que precisa se defender para sobreviver, precisa impor-se e atuar contra um meio ambiente que seja hostil. Essa agressividade é normal e esperada do ser humano, é a agressividade estruturante, a qual impulsiona o homem para o crescimento (...). Diferente da agressividade que gera agressão, a qual denominamos violência desestruturante, que impede o desenvolvimento sadio. 23

Diante de tantas teorias sobre a agressividade, seria pretensão afirmar qual é a correta, pois todas

têm seus créditos. De qualquer forma, seja a agressividade um instinto, seja um código genético, um

comportamento aprendido ou influenciado pelas experiências obtidas ao longo da vida, pode-se afirmar

que o indivíduo precisa da agressividade para sobreviver e para obter a realização pessoal. Ora, se não

fosse a agressividade humana talvez o mundo não seria como é hoje, talvez a barbárie ainda

permanecesse no mundo e a evolução não tivesse ocorrido.

Desta forma, a partir dessas considerações, entende-se que existe uma imensa

diferença entre agressividade e violência, pois esta seria o agir, ação de um indivíduo em direção a outro

(s); poder-se-ia arriscar dizer que a violência seria uma forma de exteriorização da agressividade,

agressividade esta que estaria desestruturada.

Assim, a agressividade, por si só, é boa e necessária ao ser humano, mas que se não for

devidamente utilizada, de forma a direcioná-la para fins construtivos e criativos, ela se transformará em

violência, que é a forma extrema e descontrolada de agressividade, e aí sim, se tornará prejudicial ao

indivíduo e à sociedade onde vive.

1.3 Tipos de Violência.

Muitas vezes a violência é associada à agressão física, no entanto, é importante frisar que, não

raro, certas atitudes e comportamentos, mesmo que privados de uma agressão física, produzem graves

danos emocionais, até mesmo de caráter permanente, pois estão, intensamente, carregados de teor

violento. Assim, além da violência física, existe o que se pode chamar de violência psicológica.

Citando o teor do art. 1º, II do texto do Projeto de Lei nº 3381/92, retirado da obra “Pensando

nossa cidadania: Propostas para uma legislação não discriminatória”, do Centro Feminista de Estudos e

Assessoria, pode-se visualizar as formas pelas quais a violência psicológica se manifesta:

Violência psicológica: toda conduta que produza grave dano emocional e que se manifesta sob as seguintes modalidades: ameaça, desamor, descrédito ou menosprezo ao valor pessoal, limitação irrazoável ao acesso e manejo aos bens comuns, chantagem, vigilância constante, restrições aos vínculos

23 MEISTER, Magda Denise. Inocência Violada: uma face da violência intrafamiliar. Revista Direito & Justiça, Porto Alegre: PUC-RS. v. 20. p. 211-226. 1999. p. 224/225.

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afetivos familiares, destruição de objetos apreciados pela pessoa e qualquer ato dirigido a restringir a liberdade e o desenvolvimento pessoal. 24

Bom, após se constatar a existência da violência física e da psicológica, mister se faz expor a

classificação que se faz na doutrina acerca do assunto.

Alguns doutrinadores afirmam que a violência pode ser real ou presumida e é de grande valia a

conceituação de cada uma dessas formas de violência. A violência presumida, no dizer de Crysolito de

Gusmão, citado por Marcelo Amaral Marcochi, é:

(...) a decorrência do conjunto de princípios e motivos sociais, jurídicos, propriamente, e psicológicos que levam o legislador a erigir e integralizar, como tal, não só os casos em que se trata de vítima de pouca idade, como os em que a vítima se acha impossibilitada de resistir. 25

Esse tipo de violência está prevista no art. 224 do Código Penal. Dispõe o art. 224 do Código

Penal: “Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental,

e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

Na hipótese prevista na alínea “a”, pode acontecer “de o agente incidir em erro quanto à idade

desta, erro este plenamente justificado pelas circunstâncias”.26

Com relação ao doente mental, para que a presunção de violência incida, é necessário que o

mesmo seja completamente incapaz de entender o seu gesto ou de comportar-se conforme esse

entendimento, além de ser imprescindível que o agente conheça esse estado da vítima. 27

Já a violência real se dá quando a vontade da vítima é anulada ante a atuação imediata e real da

força e se diferencia em violência física ou violência moral.

Violência física “é o meio físico aplicado sobre a pessoa da vítima para cercear sua liberdade ou

sua faculdade de agir (ou não agir) segundo sua vontade”.28 Então, na violência física há a total

incapacidade de reação por parte da vítima diante da força física empregada pelo agente, não possuindo

alternativa. Neste caso, a ação é destinada a produzir dano físico a alguém.

Por outro lado, de acordo com João Mestiere, a violência moral “consiste na inevitabilidade e

natureza gravosa do mal prometido (...), tão grave que, por si só,

determine a absoluta ineficácia de qualquer reação da vítima”.29

Na violência moral, sua reação não está completamente cessada, pois a vítima tem a

possibilidade de escolher se realiza a vontade do agente ou não, porém se escolher esta última opção,

24 PENSANDO nossa cidadania: Propostas para uma legislação não discriminatória. 1. ed. Brasília: Centro feminista de estudos e assessoria, 1993. p. 89.25 GUSMÃO, Chrysolito de apud MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert. Violência real e ficta nos crimes contra os costumes. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp? id=3404>. Acesso em: 02 de novembro de 2004.26 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 15º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 15327 Ibid., p. 153.28 HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romão Cortês de; FRAGOSO, Heleno apud MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert. Violência real e ficta nos crimes contra os costumes. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp? id=3404>. Acesso em: 02 de novembro de 2004.29 MESTIERE, João apud MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert. Violência real e ficta nos crimes contra os costumes. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp? id=3404>. Acesso em: 02 de novembro de 2004.

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poderá sofrer danos mais gravosos do que aqueles que obteria se obedecesse ao agente, não possuindo, de

qualquer forma, a livre escolha. Desta feita, violência moral (ou psicológica) é a ação ou omissão

destinada a produzir dano psicológico ou sofrimento moral a outrem. Caracteriza-se pela ameaça,

podendo ocorrer de forma direta ou indireta. Damásio de Jesus explicita bem essa questão:

A ameaça pode ser direta, quando exercida contra a própria vítima, ou indireta, quando dirigida a terceira pessoa, consistindo em mal prometido a pessoa ligada à ofendida, fazendo com que esta ceda para evitar a concretização de tal ameaça. É a hipótese da mãe que cede aos instintos do agente que ameaça matar-lhe o filho. 30

De qualquer forma, em ambos os casos há vício de consentimento, consoante afirma De Plácido

e Silva:

A violência, seja material, ou moral, vicia o consentimento, porquanto por ela se suprime a vontade, sendo o violentado coagido a praticar um ato, ou a se privar de ação, pelo temor, ou pelo perigo, que a violência oferece. 31

Após essa explanação, vale tecer alguns comentários sobre o assunto. Como foi visto acima,

existe a violência física e a moral. Há várias formas de violência física; as mais comuns são as lesões

corporais refletidas nas tapas, nos espancamentos, nas queimaduras. Esse tipo de violência pode, muitas

vezes, ocasionar lesões corporais graves e até mesmo a morte, bem como fortes traumas psicológicos.

Percebe-se, assim, em muitas ocasiões, que a violência física está associada à violência psicológica.

Entretanto, arrisca-se afirmar que a violência moral é bem mais perigosa que a física, pois esta é

de fácil verificação, enquanto que a violência psicológica é silenciosa, pois envolve o íntimo, o

sentimento da vítima, sendo exercida por meio de humilhações, privação de liberdade, dano a pessoas ou

objeto queridos, etc., sendo de difícil constatação e deixando marcas mais profundas e difíceis de serem

apagadas.

Por fim, é mister frisar que, muitas vezes, a violência acontece no âmbito doméstico, gerando

seqüelas não só para os entes da família, vítimas da violência, mas para toda a sociedade, tornando-se um

problema social de ampla magnitude.

Assim, considerando que já foram explicados as noções gerais e o conceito de violência, bem

como seus tipos, no próximo capítulo será analisada, de forma mais esmiuçada, a violência doméstica,

pois o estudo do seu conceito, bem como de suas características também é fundamental para o objetivo do

trabalho, haja vista a presente monografia se referir ao crime de lesão corporal praticado no âmbito

familiar.

CAPÍTULO 2 – A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

2.1 Conceito e previsão constitucional.

30 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 15º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 98.31 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1984. 4 v. p. 1659.

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O seio familiar constitui a base natural e fundamental para a sociedade, porque tem como escopo

especial garantir a reprodução e a uniformidade da humanidade durante séculos, além de desenvolver os

mais elevados sentimentos, devendo ser protegida e amparada por todos, principalmente pelo Estado.

Atualmente, no Brasil, a família é resguardada pela Constituição Federal nos seus artigos 226 a

230.

Dispõe o art. 226 da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção

do Estado”.

O §8º do mesmo artigo é mais enfático no que concerne ao reconhecimento da violência no

âmbito familiar, afirmando que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que

a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Este dispositivo

revela a importância da família e, por outro lado, a forte incidência da violência intrafamiliar na

atualidade.

Infelizmente, como já foi mencionado no capítulo anterior, ao contrário do que se poderia

imaginar, é nesse ambiente familiar, protegido pelo Estado, que a violência encontra desenvolvimento.

Quantas e quantas vezes o ambiente familiar, mergulhado num “mar de afetividade”, onde se encontram

os mais diversos sentimentos, foi o palco de relações de força e de dominação, subjugando a vontade e a

liberdade dos entes que deveriam ser os mais queridos pelo agressor? É essa a realidade, não só da

sociedade brasileira, mas de toda a humanidade. E é justamente por questionar o instituto da “família”

que o estudo da violência doméstica é tão difícil.

Mas, o que seria violência doméstica? Após várias pesquisas, observou-se que o conceito de

violência doméstica não é de tão fácil compreensão, sendo muito mais complexa e abrangendo diversos

aspectos. Dependendo de quem seja a vítima, possui diversas nuances. Falando de uma forma bastante

conceitual, a violência doméstica seria aquele tipo de violência que abarca todo o seio familiar.

Desta feita, a violência doméstica pode atingir qualquer ente familiar, ou seja, consiste na

violência empregada por um membro da família contra outro integrante da mesma família. Sendo assim,

até o homem pode ser vítima da violência doméstica, no

entanto as vítimas mais freqüentes são as mulheres, as crianças e os idosos.

O tema da violência doméstica, portanto, é amplo. Entretanto, neste trabalho, a abordagem será

limitada à violência doméstica contra a mulher, que é aquela cometida por um membro da família ou

pessoa que habite ou tenha habitado o mesmo domicílio. Neste caso, geralmente é o marido ou o

companheiro, tornando-se uma forma de dominação utilizada pelo agressor, resultando em lesão física,

psicológica ou sexual (como será visto no subitem seguinte) e que acontece em todas as classes sociais,

raças ou etnias.

Existe por parte da sociedade uma tendência em associar violência a pessoas negras ou mulatas,

assim como, à pobreza, mas, na verdade, as coisas não são bem assim. Essa afirmativa não é verdadeira,

haja vista ser a vítima, na maioria das vezes, de cor branca. Em Pernambuco, por exemplo, 66,67% das

vítimas são de cor branca, conforme pesquisa feita pelo Departamento Policial da Mulher.32

32 Dados divulgados a partir de um estudo feito com base em uma amostragem de trinta homicídios ocorridos nos meses de junho, julho e agosto do ano de 2004. (Pesquisa diz que mulheres morrem por motivo fútil. Diário de Pernambuco. 08/03/2005. Caderno Vida Urbana – B6).

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Assim, a violência doméstica pode ser cometida por qualquer um que integre o ambiente

familiar, mas, quando é cometida contra a mulher, possui um grande diferencial: o agressor pode ser

marido, padrasto, companheiro ou outro parente da vítima. Vale ressaltar, no entanto, que o marido ou

parceiro é considerado o principal agressor, ocasião em que o índice das ocorrências de violência varia

entre 53%, quando ameaça a integridade física da mulher, e 70%, quando pratica quebradeira,

excetuando-se aí o crime de assédio sexual.33

O que isso quer dizer? Significa dizer que as vítimas estão sempre à disposição dos agressores,

pois estes moram na mesma casa que a vítima, possuem uma relação de intimidade com mesmas e as

conhece muito bem, o que proporciona acesso às vulnerabilidades das mulheres. Desta feita, os agressores

utilizam essas informações para agredi-las.

A mulher de que falamos, convive, dorme, faz sexo, gera filhos de seu agressor, estatisticamente comprovado ser do sexo masculino, de confiança – como companheiro, marido, amante – e que por conta dessas características, não precisa de grandes elaborações para perpetrar o crime. Esse agressor que pratica seus crimes entre as quatros paredes domésticas ou mesmo no trabalho e locais públicos, conhece todos os gestos, gostos, sentimentos e desejos de sua vítima.34

Ou seja, o inimigo não está nas ruas, mas dentro da própria casa. Devido a este fato, as vítimas

silenciam-se, por medo e vergonha, o que favorece a reincidência das agressões e a conseqüente

impunidade do agressor.

Quando meu marido está calmo, chega em casa e não fala nada. Mas quando chega nervoso, por qualquer besteira, me espanca, chuta, fico com os braços cheio dos beliscões. Uma vez me espancou tanto que fiquei uma semana sem sair de casa, envergonhada, nem pude trabalhar porque estava toda machucada. (Conceição – 34 anos, funcionária pública).35

Meu ex-marido me levou para um motel com nosso filho de 2 anos. Ficamos presos lá um dia e uma noite. Ele me espancou muito na frente da criança que tinha crises de medo. Depois tentou me matar com uma faca e com o gargalo de uma garrafa, rasgou toda minha roupa e só não me estuprou na frente da criança porque eu tive uma hemorragia. (Sandra – 26 anos – comerciante).36

A violência, neste caso, consistiria numa relação de violência entre o homem e a mulher, em que

aquele, valendo-se da sua “superioridade”, que foi adquirida culturalmente, anula a mulher, fazendo-a

sujeitar-se às suas imposições. É uma ação de superioridade conferida à mulher pelo homem com o qual

tem ligações afetivas e que objetiva permanecê-la sob julgo. E esse excesso de poder, que poderá se

33 Dados constatados após formulação de 125 perguntas, aproximadamente,  para uma pesquisa nacional sobre mulheres, com uma amostra de 2.502 entrevistas pessoais e domiciliares, estratificadas em cotas de idade e peso geográfico por natureza e porte do município, segundo dados da Contagem Populacional do IBGE/1996 e Censo IBGE 2000. (A MULHER Brasileira nos espaços públicos e privados. Fundação Perseu Abramo, Pesquisa Nacional 2001 – Núcleo de Opinião Pública. Disponível em: <http://www.fpa.org.br/nop/>. Acesso em: 05/03/2005).34 MULHER: Abc da violência: aprenda a reconhecer e denuncie. 1. ed. Recife: Viva mulher, 1992. p. 05.35 Ibid., p. 10.36 Ibid., p. 35.

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exteriorizar das mais diversas formas, causa sérias conseqüências às vítimas, muitas vezes impossíveis de

se apagar. O parecer nº 98 de 2004 da Comissão de Constituição, Justiça e cidadania acerca do Projeto de

lei nº 102 de 2003, trata bem disso:

A violência doméstica caracteriza-se pelos comportamentos violentos e excesso de poder de uma pessoa sobre a outra, susceptível de controlá-la. Muitas vezes ela acontece de mais variadas formas e pode ser temporária ou constante. Ao longo das sessões de violência, danos físicos e psicológicos tendem a ter sua gravidade aumentada.37

E mais, a violência doméstica é a forma mais freqüente de violência sofrida pelas mulheres.

De acordo com a pesquisa feita no ano de 2001, pela Fundação Perseu Abramo, pelo menos 2,1 milhões

de mulheres são espancadas por ano no Brasil, ou seja, uma a cada 15 segundos. 38 Tal atitude fere os

direitos e liberdades fundamentais das mulheres, limitando-os ou até, eliminando-os.

A violência física contra a mulher é um abuso da autoridade do chefe de família39 e, portanto, uma violação dos direitos e liberdades fundamentais da mulher, enquanto pessoa. O espancamento de mulheres é, pois, uma violação dos direitos humanos, na medida em que viola o direito a vida e a integridade física.40

Assim, a violência doméstica avança de forma assustadora no cotidiano das pessoas, em especial

das mulheres. Porém, seria uma visão otimista acreditar que a quantidade de denúncias ou registros no

Boletim de Ocorrências exposta nessas estatísticas traduzem a realidade, pois em muitos casos, senão na

maioria das ocasiões, a própria mulher não denuncia. Isso ocorre por vários motivos, ela se sente

envergonhada, com medo, às vezes até culpada pela violência sofrida. Infelizmente a mulher só rompe a

barreira do silêncio quando a situação se torna insuportável.

2.2 Modalidades de Violência Doméstica.

Como a violência doméstica contra a mulher não é um ato isolado de violência, ela consiste de

uma variedade de atos agressivos que acontecem em diferentes ocasiões no curso do relacionamento.41

Isto quer dizer que todos os tipos de violência doméstica contra mulher não ocorrem isoladamente, ou

37 Vide Anexo B.38 Dados constatados após formulação de 125 perguntas, aproximadamente,  para uma pesquisa nacional sobre mulheres, com uma amostra de 2.502 entrevistas pessoais e domiciliares, estratificadas em cotas de idade e peso geográfico por natureza e porte do município, segundo dados da Contagem Populacional do IBGE/1996 e Censo IBGE 2000. (A MULHER Brasileira nos espaços públicos e privados. Fundação Perseu Abramo, Pesquisa Nacional 2001 – Núcleo de Opinião Pública. Disponível em: <http://www.fpa.org.br/nop/>. Acesso em: 05/03/2005).39 É interessante notar esta expressão, empregada pela autora, pois caracteriza uma visão machista direcionada às relações familiares, tornando-se, portanto, contrária à concepção adotada na presente monografia, o que não impede a exposição do seu entendimento sobre a violência doméstica contra as mulheres e, a conseqüente violação dos direitos destas. 40 AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: A violência denunciada. 1. ed. - São Paulo: Cortez, 1985. p. 158.41GANLEY, Anne L. Compreendendo a Violência Doméstica. Disponível em: <www.casadeculturadamulhernegra.org.br/quem_somos_frameset.htm>. Acesso em: 29/02/2005.

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seja, eles estão interligados, sendo uma das razões pelas quais a violência doméstica é tão complexa. Por

exemplo, uma mulher vítima de espancamento, também sofre violência psicológica em decorrência da

violência física sofrida. O mesmo ocorre quando a mulher suporta violência sexual.

Então, existem vários tipos de violência doméstica. Conforme Maria Amélia

Azevedo42, a violência contra a mulher, violência esta interpessoal, pode ser praticada como um fim em

si, também chamada de violência expressiva, ou como mecanismo, que seria a violência instrumental,

onde a agressão é dirigida para alcançar a obediência da vítima e o controle sobre ela. No primeiro caso, a

autora enquadra o abuso sexual, enquanto que no segundo, ela insere o abuso físico e o abuso psicológico,

porém observa que nada impede a ocorrência desses dois últimos tipos de abuso como um fim em si.

É importante ter uma noção do que seja cada uma dessas espécies de violência doméstica

dirigida contra a mulher.

2.2.1 Violência Sexual.

No abuso sexual, pratica-se o ato agressivo com o fim de obter participação em atividades

eróticas, seja de forma ativa ou passiva. É praticado através da continuidade de ações, desde o estupro a

outras formas, que não são físicas, forçando as mulheres a tomar parte de atos sexuais contrários à sua

vontade. Nestes casos, a mulher não tem saída, além de sofrer graves danos ao reagir aos avanços sexuais

feitos pelos homens.

Ironicamente, muitas relações sexuais não consentidas acontecem dentro do casamento ou da

união estável. Os abusos sexuais, cometidos contra a esposa ou contra a companheira, podem ser

praticados através do estupro, do atentado violento ao pudor, bem como da importunação, ou seja, quando

o marido incomoda a mulher, utilizando palavras vulgares e de “baixo calão”.43

Do ponto de vista jurídico, o estupro é crime previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro,

sendo definido como o ato de “constranger a mulher de qualquer idade ou condição à conjunção carnal,

por meio de violência ou grave ameaça”. Conjunção Carnal significa a cópula normal, com a penetração

do órgão masculino na cavidade vaginal, seja de forma completa ou incompleta.44

Discutia-se se seria cabível aplicar esse artigo na hipótese do marido estuprar a esposa, tendo em

vista o dever de relacionamento sexual entre os cônjuges, mas Damásio de Jesus afirma o seguinte:

Entendemos que o marido pode ser sujeito ativo do crime de estupro contra a própria esposa. Embora com o casamento surja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra ela a violência física ou moral que caracteriza o delito de estupro. (...) Assim, sempre que a mulher não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio caracterizar-se-á o crime de estupro, desde que ela tenha justa causa para a negativa.45

42 AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: A violência denunciada. 1. ed. - São Paulo: Cortez, 1985.p. 19.43 Vide Jurisprudências nº 01 e nº 02 disposta no Anexo A.44 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 15º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 96.45 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 15º ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 96

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O crime de estupro é diferente do atentado violento ao pudor, que consiste em “constranger

alguém mediante violência ou grave ameaça a praticar ou permitir que se pratique ato libidinoso diverso

da conjugação carnal” (artigo 214 do Código Penal).

Ato libidinoso é aquele que almeja o prazer sexual, ato esse que não desemborca na conjunção

carnal, caso contrário seria estupro.

Quanto à hipótese de se considerar o marido agente ativo do crime de atentado violento ao

pudor, aplica-se o mesmo argumento do crime de estupro; pois a mulher não perde, com o casamento, o

direito sobre o seu corpo.

O abuso sexual é, de uma certa forma, uma agressão à integridade da mulher. Ora, se a mulher

tem direito ao domínio do seu próprio corpo e ao livre exercício de sua sexualidade, a partir do momento

que um indivíduo fere esses direitos, fere não apenas a moral da vítima, mas à sua integridade. Além

disso, a mulher vítima de abuso sexual sofre o trauma emocional devido à própria violência, ao medo de

gravidez ou de ter adquirido uma doença sexualmente transmissível, assim como o HIV. A reação

imediata é de medo persistente, perda de auto-estima e dificuldade de relacionamento.46

Conforme se infere da entrevista realizada com a Promotora de Justiça do estado de Pernambuco,

Dra. Yélena de Fátima Monteiro Araújo, o abuso sexual é o mais praticado, embora não seja relatado:

E nessa questão da violência doméstica tem um pudor a ser falado, mas o que realmente acontece, que nós percebemos, é o abuso sexual, a violência sexual é um fato. Mas não é a mais reportada em virtude do preconceito, do constrangimento de você ter que dizer como acontecer, reviver os fatos.47

Esse tipo de abuso é um dos efeitos da cultura dominante que humilha e envergonha as

mulheres, podendo ocorrer das mais variadas formas, podendo culminar com o homicídio, como se

percebe no quadro abaixo:

A) ABUSO SEXUAL

1. Assedia sexualmente a mulher, em momentos

inoportunos.

9. Exige o sexo constantemente.

2. Caçoa da sexualidade da mulher. 10. Força-a a desnudar-se (às vezes diante dos

filhos).

3. Acusa-a de infidelidade. 11. Sai com outras mulheres.

4. Ignora ou nega as necessidades e sentimentos

sexuais da mulher.

12. Exige sexo através de ameaças.

5. Critica seu corpo e sua maneira de fazer amor. 13. Força a mulher a fazer amor com outros

homens.

6. Toca-a de modo não agradável para ela; força-a

a tocá-lo ou a olhar o que ela não deseja.

14. Sente prazer em causar dor à mulher, durante o

ato sexual.

7. Retira-lhe todo e qualquer momento de amor e 15. Exige sexo depois de haver espancado a

46VIOLÊNCIA SEXUAL E DST. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/assistencia/manualdst/ item17.htm>. Acesso em 02/03/2005.47 Vide Apêndice.

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carinho. mulher.

8. Chama-a de “puta” e de “frígida”,

alternadamente.

16. Usa objetos ou armas sexualmente, com o

propósito de causar dor à mulher.

17. Homicídio.

Fonte: AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: A violência denunciada. 1. ed. - São Paulo: Cortez, 1985.p. 20

2.2.2 Violência Física.

Violência física resulta do “emprego da força, necessária à submissão da pessoa,

impossibilitando-a, ou dificultando a resistência dela”.48 Assim, a violência física é o uso da força com o

intuito de ferir, e pode deixar marcas evidentes ou não.

Além disso, a agressão física praticada no âmbito doméstico não é cometida através de um único

ato, pois as mulheres agredidas sofrem vários atos de agressão ao longo do tempo, havendo, inclusive, a

prática conjunta de outros tipos de violência, como os abusos psicológico e sexual.

O Código Penal trata da violência física nos artigos 121 e 129, os quais se referem aos crimes de

homicídio e lesão corporal, respectivamente.49

Lesão corporal, conforme art. 129 do Código Penal, significa “ofender a integridade corporal ou

à saúde de outrem”, refere-se, assim, à agressão feita contra a integridade física ou fisiopsíquica da

vítima, no caso em questão, da mulher. Verificar-se-á que, independente do número de lesões, o agente

responde por um só delito.50

A lesão corporal é classificada, pelo Código, como de natureza leve, grave, gravíssima ou

resultante em morte, dependendo da gravidade da lesão e de suas conseqüências. Como se pode perceber,

esse tipo penal é muito complexo, além de ser um dos pontos essenciais ao tema, razão pela qual foi-lhe

dedicado um capítulo inteiro para sua explicação.

“Homicídio é a destruição da vida de um homem por outrem”51 (art. 121 do Código Penal), e

pode correr de forma simples, privilegiada, qualificada ou, ainda, culposa. Também pode haver a tentativa

de homicídio, quando o marido ou companheiro tenta matar a mulher, mas esta não morre por

circunstâncias alheias ao agressor. Mas, não vem ao caso alongar-se sobre o assunto, resta saber que o

homicídio é um dos prováveis resultados da violência física contra a mulher, é o seu auge.

Dessa forma, a violência física é a mais comum das agressões sofridas pelas mulheres e ocorre

das mais variadas formas, sendo, geralmente, exercida através da lesão corporal contra a vítima, capaz de

chegar ao homicídio.

A) ABUSO FÍSICO

1. Belisca-a 10. Transforma objetos da casa em armas de

agressão.

48 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1984. 4 v. p. 1659.49 Vide Jurisprudência nº 03 em Anexo A.50JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p. 130.51 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p. 17.

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2. Empurra-a, imobiliza-a. 11. Fá-la gritar.

3. Sacode-a, dá-lhe empurrões. 12. Imobiliza-a e golpeia-a.

4. Esbofeteia-a, agarra-a pelos cabelos. 13. Fá-la abortar.

5. Aperta-a, deixando marcas em seu corpo. 14. Deixa-a de “cama”.

6. Dá-lhe socos e/ou pontapés. 15. Produz-lhe corte que demandam suturas.

7. Aperta-lhe o pescoço, atira-lhe objetos. 16. Quebra-lhe ossos: produz-lhe feridas internas.

8. Repetição de qualquer ato anterior. 17. Agride-a com armas (pistolas, facas, veneno,

etc.).

9. Golpeia-a em partes específicas do corpo. 18. Deixa-a desfigurada ou aleijada.

19. Homicídio.

Fonte: AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: A violência denunciada. 1. ed. - São Paulo: Cortez, 1985.p. 20

2.2.3 Violência Psicológica.

Conforme Anne L. Ganley52, a violência psicológica pode ocorrer através de tais

ações dirigidas às vítimas: ameaças de violência e maus-tratos, ataques contra a propriedade ou animais

de estimação e outros atos de intimidação, abuso emocional, isolamento e uso dos filhos, dentre outros.

Mary Susan Miller fala da gravidade desse tipo de abuso:

A violência física em toda sua enormidade e horror não é mais um segredo. Entretanto, a violência que não envolve dano físico ou ferimentos corporais continua num canto escuro do armário, para onde poucos querem olhar. O silencia parece indicar, que pesquisadores e escritores não enxergam as feridas que não deixam cicatrizes no corpo, e que as mulheres agredidas não fisicamente, tem medo de olhar para as feridas que deixam cicatrizes em sua alma. 53

No art. 129 do Código Penal, há a preservação da saúde física ou psíquica da vítima, em face do

que este artigo também é aplicável à hipótese de violência psicológica exercida contra a mulher.

Além disso, o Código Penal também pune o crime de ameaça (art. 147 do Código Penal),

afirmando que o mesmo significa “ameaçar alguém por palavras, escrito ou gestos ou por qualquer outro

meio de forma a causar-lhe mal injusto e grave”, incorrendo o agressor na pena de 01 a 06 meses de

detenção.

Esse tipo de violência pode ser considerado mais grave até do que a violência física, pois

geralmente não deixa marcas corporais visíveis, sendo de difícil constatação. Acrescentando-se a isto, o

abuso e a humilhação psicológicos são ainda mais difíceis de agüentar que o abuso físico, porque mexe

com a pessoa mesma da mulher, com sua auto-estima, com seu amor-próprio, fazendo-a sentir-se inferior

e impotente, deixando cicatrizes emocionais, muitas vezes, permanentes. Por isso que, não raro, a

reincidência desse tipo de violência pode levar a mulher a cometer o suicídio.

52GANLEY, Anne L. Compreendendo a Violência Doméstica. Disponível em: <http://www.casadeculturadamulhernegra.org.br/quem_somos_frameset.htm>. Acesso em: 29/02/2005.53 MILLER, Mary Susan. Feridas Invisíveis – abuso não físico contra mulheres. São Paulo: Summus, 1995. p. 20.

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A mulher repetidamente humilhada, xingada e desvalorizada pode desenvolver ansiedade, hipertensão, de pressão, insônia, partir para o uso de drogas e até mesmo tentar o suicídio. 54

A) ABUSO PSICOLÓGICO

(emocional):

1. Caçoa da mulher. 10. Critica-a como mãe, amante e profissional.

2. Insulta-a. 11. Exige toda a atenção da mulher, competindo

zelosamente com os filhos.

3. Nega seu universo afetivo. 12. Critica-a reiteradamente (em público).

4. Jamais aprova as realizações da mulher. 13. Conta-lhe suas aventuras com outras mulheres.

5. Grita com ela. 14. Ameaça-a com maus-tratos para os filhos.

6. Insulta-a repetidamente (em particular). 15. Diz que fica com a mulher apenas porque ela

não pode viver sem ele.

7. Culpa-a por todos os problemas da família. 16. Cria um ambiente de medo.

8. Chama-a de “louca”, “puta”, “estúpida”, etc. 17. Faz com que a mulher fique desesperada, sofra

depressão e/ou apresente outros sintomas de

enfermidade mental.

9. Ameaça-a com violência. 18. Suicídio.

Fonte: AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: A violência denunciada. 1. ed. - São Paulo: Cortez, 1985.p. 20

Vale ressaltar que no terceiro capítulo a violência física, assim como a psicológica, serão mais

detalhadas, enfatizando as lesões corporais, que é o tema central desta monografia. Após uma síntese

sobre os tipos de violência doméstica contra a mulher, mister se faz analisar a situação dos agressores do

lar e suas vítimas.

2.3 Agentes Agressores do Lar e suas vítimas.

2.3.1 Fatores que contribuem para o cometimento da violência doméstica.

É decepcionante verificar que a violência é comumente praticada por uma pessoa detentora do

amor e da confiança da vítima, por uma pessoa que se uniu à vítima por livre e espontânea vontade,

movido pelo “amor” que sentia pela mesma. Então, por que ele a agride?

Há quem afirme que existem dois fatores que, de uma forma lógica, podem justificar a violência

empregada contra a mulher.

54 LOPEZ, Imaculada. Violência Invisível: vítimas da agressividade, muitas mulheres sofrem em silêncio. Revista Problemas Brasileiros, v. 37, nº 336, p. 26-29, 1999. p. 26.

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Em primeiro lugar está a naturalização da condição de submissão da mulher casada, sobre a qual

o homem comanda, desconsiderando e até retirando sua posição de ser humano. Neste caso, qualquer

desvio da conduta, da função natural da mulher, justifica a prática da violência.55

Em segundo, quando a mulher sofre qualquer tipo de abuso sexual, é, por assim

dizer, parcialmente culpada, pois provocou aquela atitude do homem.56

Analisando esses dois fatores, percebe-se que a mulher, ao sofrer uma violência, seja física,

sexual ou psicológica, é acusada de ser, mesmo que parcialmente, provocadora do ato agressivo do

homem.

Existe todo um aparato ideológico destinado a justificar a agressão física às mulheres e que vai desde a idéia de que a mulher, quanto mais apanha melhor fica, até a concepção de que a mulher gosta de apanhar, passando pela noção bastante popular de que quem apanha é porque merece, sendo culpado por definição. 57

A promotora Dra. Yélena de Fátima Monteiro Araújo, fala dessa “anuência” da vítima de

violência doméstica:

E, a questão da violência doméstica é muito sutil porque é um processo degenerativo, existe um relacionamento, existe a vítima e existe o agressor, essas vítimas e o agressor se relacionam, existe uma interdependência, o agressor precisa da anuência da vítima pra ser agressivo, então a vítima tem que concordar, em algum momento ela está concordando. 58

Desta forma, antes de tudo, a violência doméstica do homem contra a mulher é movida pelo

aspecto cultural. O mundo é machista porque os homens são criados para sê-lo. O homem e a mulher são

integrantes do mesmo mundo, porém são frutos de uma educação diferenciada. O homem tem que ser “o

homem”, sinônimo de virilidade, de “varão”, o patriarca da família, enquanto que a mulher tem que ser o

“sexo frágil”, sempre obediente ao marido e responsável pelo bem estar da família.

Só a título de demonstração, é curioso observar que, principalmente no abuso físico e/ou sexual,

é a mulher quem dele se envergonha e não o agressor em si. Isso ocorre devido à pressão ideológica

machista, como se a culpa fosse da mulher e o agressor fosse inocente, sendo impelido a agredir pela

vítima.

Destarte, as mulheres, subordinadas ao marido, são mal tratadas e carentes de segurança no

próprio lar, não conseguindo denunciar nem sair desse círculo vicioso. Ao praticarem essa conduta, elas

estão desempenhando seu papel de “sexo frágil”, reprodutora e dependente financeira do marido.59

55UM RETRATO perverso da mulher brasileira: uma vítima calada, desassistida e ameaçada, Rio de Janeiro, Revista Proposta, Rio de Janeiro, v.22, n.60, p. 74-78, março de 1994. p.76/77.56 UM RETRATO perverso da mulher brasileira: uma vítima calada, desassistida e ameaçada, Rio de Janeiro, Revista Proposta, Rio de Janeiro, v.22, n.60, p. 74-78, março de 1994. p. 76/77.57 AZEVEDO, Maria Amélia. Mulheres espancadas: A violência denunciada. 1. ed. - São Paulo: Cortez, 1985. p. 56.58 Vide Apêndice.59 MEISTER, Magda Denise. Inocência Violada: uma face da violência intrafamiliar, Revista Direito & Justiça, v. 20, p. 211-226, 1999. p. 218.

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Evidencia-se que a fragilidade econômico-salarial, os filhos e a vergonha são, em geral, o que

impedem as mulheres, vítimas de agressões, de romperem com o agressor e de denunciá-lo. “Por uma

questão cultural e religiosa, muitas mulheres estão convencidas de que não podem mudar seu destino”60, é

como se fosse sua sina.61

Novamente, a Promotora Dra. Yélena de Fátima Monteiro Araújo trata dessa questão:

É comum as mulheres tentarem se reconciliar, por vários fatores. Existe a dependência econômica que motiva, mas é mais a pressão psicológica do que a econômica, porque colocar “chifre” pra elas é normal, botando comida em casa... Então, há toda uma concepção, você não muda a cabeça de uma mulher, há todo um meio social em que ela vive. Tem o problema psicológico dos filhos também. Então, o maior peso é a psicologia em si e a cultura. Há sempre uma perspectiva de que ele vai melhorar. 62

Chega-se à conclusão de que o homem agressor utiliza a violência como meio de exercer o

controle na vida familiar e de desempenhar seu papel de “macho”. Por outro lado, as vítimas, na maioria

das vezes, se sentem incapazes de reagir, de mudar a situação, seja a nível pessoal, seja a nível

econômico-social.

Dentro desse contexto de “inferioridade” feminina, há alguns fatores precipitantes da violência

doméstica, como álcool, ciúme, drogas, doença mental, etc. Desta forma, a violência doméstica pode

ocorrer em virtude de uma infinidade de fatores.63

O ciúme surge como o principal motivo para o cometimento da violência doméstica, bem como

o alcoolismo, conforme pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo. 64

Considerando que esses dois fatores são os principais estimulantes da violência doméstica

tratada neste trabalho, é razoável um breve comentário sobre os mesmos.

Com relação ao “ciúme”, é valioso mencionar algumas idéias de Roque de Brito Alves sobre o

assunto, apontando-o como um motivo para o cometimento de um crime.

Ele diz que, para o ciumento, a pessoa amada é apenas um objeto de posse, em que o proprietário

(agressor) tem o direito de ter, gozar e abusar da propriedade (vítima). E, enfatizando a questão da

diferença de gêneros, o autor ainda afirma que o agressor, agindo sob o efeito do ciúme, comete a

violência com o intuito de manter sua superioridade, manter sua condição de proprietário da mulher.65

O mesmo autor faz uma diferenciação entre “complexo do ciúme” e “temperamento ciumento”,

mas ressalta que ambos podem levar ao crime.

60 WEIL, T.R.P. SOS, maltratadas e longe do lar. Revista Cadernos do Terceiro Mundo, Rio de Janeiro, ano 16, nº 167, p. 42-43, nov. de 1993. p. 43.61 Vide Jurisprudência nº 04 em Anexo A.62 Vide Apêndice.63 Vide Jurisprudências nºs 05, 06 e 07 em Anexo A.64 Dados constatados após formulação de 125 perguntas, aproximadamente,  para uma pesquisa nacional sobre mulheres, com uma amostra de 2.502 entrevistas pessoais e domiciliares, estratificadas em cotas de idade e peso geográfico por natureza e porte do município, segundo dados da Contagem Populacional do IBGE/1996 e Censo IBGE 2000. (A MULHER Brasileira nos espaços públicos e privados. Fundação Perseu Abramo, Pesquisa Nacional 2001 – Núcleo de Opinião Pública. Disponível em: http://www.fpa.org.br/nop/. Acesso em: 05/03/2005).65 ALVES, Roque de Brito. Ciúme e crime. 1. ed. Recife: FASA, 1984. p. 23-24.

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No “complexo do ciúme” há a contenção do ciúme, mas não sua eliminação, o que torna a

pessoa obsessiva, o ciúme domina sua personalidade, tornando-o um possível agressor.

Assim entendido, fala-se de “complexo do ciúme” como reprimido, proibido, latente, controlado, mas não anulado ou destruído que conduzirá facilmente à violência criminosa, que se explicaria dessa forma, muito mais do que simples reação instintiva, primária, imediata do ciúme. 66

Por outro lado, o temperamento ciumento pode ser revelado desde os primeiros anos de vida,

sendo caracterizado pela hiper-emoção, em que o ciumento tem predisposição ao ciúme por si mesmo,

sempre é sôfrego de afeição e possessivo com relação ao seu sentimento. Além disso, há um contraste

interessante neste tipo, pois, em contraposição ao sentimento doentio que nutre por sua companheira, o

possuidor do temperamento ciumento tem o costume de trair a mulher ou até de submetê-la a

humilhações físicas e morais. “É um tipo que quanto mais adúltero ou de comportamento reprovável,

mais obsessivo torna-se em seu ciúme, chegando facilmente ao delito”.67

Carlos Barreto também fala do ciúme como elemento estimulante de crime:

O criminalista brasileiro Evaristo de Morais, de acordo com Bourget, sob a forma de ciúme dos sentidos, estuda o amor brutal, violento, que leva o homem ao desespero, destruindo as energias intelectuais, inutilizando os órgãos sensoriais e, em ímpetos irresistíveis, fazendo o agente perder o discernimento, sob a ação da loucura transitória. 68

Entrementes, posteriormente, este mesmo autor afirma que o estado emotivo, ou passional, não

retira a liberdade do homem normal, apenas exalta o espírito. Agora, se o agressor apresentar indícios de

loucura, o ciúme, a emoção, pode, realmente, ocasionar um crime, pois neste caso o sentimento é

desenfreado.

No que concerne ao uso de álcool como um impulsionador da violência doméstica, vale afirmar

que existe a embriaguez normal e a embriaguez patológica. A diferença reside no fato de que, na

Embriaguez Patológica, o indivíduo, mesmo ingerindo pequenas quantidades de bebida alcoólica, pode

“apresentar um estado de ânimo exageradamente excitado, desinibição excessiva, descargas

comportamentais agressivas e graves, enfim, manifestar ações que diferenciam muito de sua

personalidade quando sóbrio”.69

A agressão praticada em razão da Embriaguez Patológica possui algumas particularidades.

Em primeiro lugar, não há motivo suficiente para provocar a ação, sendo esta,

conseqüentemente, carente de premeditação e em desacordo com as tendências habituais da pessoa. Em

segundo lugar, existe uma fúria selvagem, em que ocorrem sessões de violência fora do comum, fazendo-

o continuar a agredir mesmo quando o objetivo da agressão é alcançado. Também pode acontecer

amnésia posterior ao episódio e semelhança com outros atos agressivos ocorridos anteriormente.

66 Ibid., p. 49.67 Ibid., p. 51.68 BARRETTO, Carlos Xavier P. O crime, o criminoso e a pena. 1. ed. Rio de janeiro: A coelho branco f., 1938. p. 276/277.69BALLONE GJ, Ortolani. Imputabilidade. Disponível em <http://www.psiqweb.med.br/forense/ imput.htm>. Acesso em 02/03/2005.

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Assim, casos de Embriaguez Patológica pode ser enquadrado como um exemplo de

agressividade exacerbada, sendo causadora de inúmeros crimes de agressão, caracterizando-se, como o

exposto acima, por uma mudança brusca e intensa na personalidade do indivíduo motivada pela ingestão,

mesmo que pequena, de bebida alcoólica.

Conforme o art. 28, II do Código Penal, a pessoa que praticou um crime porque estava

embriagado, seja embriaguez voluntária, seja culposa, não se encontra isento de pena. Embriaguez

voluntária ocorre quando “o agente bebe para se embriagar; culposa, quando não tem esse propósito, mas

isso sucede”.70

Com relação à embriaguez patológica, não se aplica o art. 28 do Código Penal, pois se trata de

enfermidade mental. Neste tipo de embriaguez, pode-se aplicar o caput do art. 26 do Código Penal

(isenção de pena) ou o parágrafo único do mesmo artigo (redução da pena), dependendo do estágio da

doença.

Também há o que se chama de embriaguez preordenada, que é considerada uma

circunstância agravante pelo Código Penal (art. 61 do Código Penal), ocorrendo “quando o sujeito ativo

se embriaga para delinqüir”.71

A violência doméstica pode ter como estimulante qualquer um desses tipos de embriaguez:

embriaguez normal, embriaguez voluntária, embriaguez culposa, embriaguez preordenada ou embriaguez

patológica. Vale ressaltar que no Brasil, estar embriagado, por álcool, não é crime, o que dificulta a

prevenção da violência doméstica, visto que a bebida alcoólica pode ser tida como um fator instigante da

agressão.

Outro fator determinante para o cometimento da violência doméstica contra as mulheres,

realizadas pelo homem, é o fato deste ter sido vítima de algum ato de violência na infância,

especialmente, abuso sexual.

É importante destacar que não existe um perfil pré-estabelecido que caracterize o agressor. Existem certas tendências e nem todos os homens agressores podem ser considerados como “psicopatas”, “doentes mentais” ou similares. Porém a característica mais freqüente, no geral, expressada pelo próprio agressor, é de que eles próprios foram vítimas de violência física na infância, violência verbal ou por circunstâncias diversas presenciaram ou estiveram próximos de cenas de violência. 72

Enfim, relatados alguns fatores que influenciam a prática da violência doméstica, como a cultura,

o ciúme, o álcool, a existência de ato violento na infância do agressor, é importante destacar que não são

apenas esses fatores que podem desencadear a violência do marido ou companheiro contra a mulher, e

sim vários outros, sendo um processo, como será visto adiante, porém como não é este o objetivo da

presente monografia, não cabe discussão aprofundada da questão.

2.3.2 Ciclos da Violência doméstica.

70 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. 33. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. 1 v. p. 183.71 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal. 33. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. 1 v. p. 184.72UM RETRATO perverso da mulher brasileira: uma vítima calada, desassistida e ameaçada, Rio de Janeiro, Revista Proposta, Rio de Janeiro, v.22, n.60, p. 74-78, mar. de 1994. p.75

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Também é importante frisar como a violência doméstica se procede, como o

agressor e a vítima agem dentro desse “inferno familiar” e entender como a violência chega ao seu ápice.

Pode-se dizer que a violência se aloja de forma progressiva no interior do casal, ou seja, de

forma paulatina, evitando, assim, transparecer a real situação. Por isso, a mulher só percebe que está

sendo vítima pela segunda ou terceira vez. É como se fosse uma escalada crescente, a violência vai se

instalando, devagarzinho, até que toma conta de tudo.

A Dra. Yélena de Fátima Monteiro Araújo, Promotora de Justiça do estado de Pernambuco,

relata o processo que é a violência doméstica:

Então a violência doméstica não é no susto, você casou e noutro dia ele dá uma surra em você, é um processo paulatino, começa com “Você está gorda hoje”, “Essa roupa não presta, tu fica muito feia”, “Pra quê tu vai pra escola? Tu não aprende nada mesmo, tu é burra”. Essa questão vai minando a auto-estima da mulher. 73

Essa escalada crescente é o que Lenore Walker chama de “Ciclos da Violência Doméstica”. Esse

autor trata desses ciclos restringindo-se apenas aos espancamentos, porém, como já foi explicado

anteriormente, a violência doméstica não ocorre isoladamente, ela se caracteriza pela variedade de atos

agressivos que vão ocorrendo no decorrer do relacionamento.

Pois bem, esses ciclos são resumidos em três Fases. 74

A Fase I é o estágio de acumulação de tensão, em que ocorrem pequenos casos de espancamento

e, em função disso, a mulher tenta se esquivar da violência através do “comportamento correto”, negando

o que está por vir. Porém, o homem se aproxima mais dela, aumentando a tensão entre os dois. Essa é a

fase mais longa.

A Fase II é marcada pelo descontrole e pela imprevisibilidade, pois não se pode prever o tipo de

violência a ser empregada no estágio crítico. Nesta fase, ocorrem espancamentos de natureza mais grave

e, logo após o ataque, há o choque, a negação de que aquele ato realmente aconteceu.

É nesta fase que, geralmente, a polícia é chamada, se é que ela é chamada, porque isso ocorre em

pouquíssimas vezes, pois as mulheres agredidas não acreditam que alguém poderá protegê-la da

violência. Esta fase é a mais curta, podendo durar um dia ou até uma semana.

A Fase III é, por incrível que pareça, a fase da Lua-de-mel, ocasião em que o homem se torna

amoroso e arrependido, pedindo desculpas à mulher e prometendo mudar. É neste ponto que o processo

de vitimização da mulher se completa, quando a mesma retira a queixa feita ou desiste da

separação/divórcio.

Então, a tensão acumulada (Fase I), que foi liberada (Fase II), agora está esgotada (Fase III).

73 Vide Apêndice.74 WALKER, Lenore. Os Ciclos da Violência Doméstica. Disponível em: www.casadeculturadamulhernegra.org.br/quem_somos_frameset.htm. Acesso em: 29/02/2005

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Após essas três fases, todo o ciclo se reinicia e a mulher, mais uma vez é agredida.

EPISÓDIO VIOLEN

TO

RECONCILIAÇÃO

TENSÃO

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CAPÍTULO 3 – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LESÃO CORPORAL EM RELAÇÃO À

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

3.1 Linhas Gerais sobre a Lesão Corporal.

3.1.1 Conceito e sujeitos do crime.

Como esse crime é muito complexo, implicando uma variedade enorme de informações, não

apenas na seara Penal, mas também na Processual Penal, sábia é a decisão de abordar apenas o necessário

para a compreensão da lesão corporal no âmbito familiar, tendo como vítima, em especial, a mulher.

Conforme art. 129 do Código Penal Brasileiro, lesão corporal é a ofensa à “integridade corporal

ou a saúde de outrem”. Mesmo assim, existe muita discussão a respeito da definição de lesão corporal. Há

quem entenda que a mesma se refere apenas à lesão física. Por outro lado, existem algumas opiniões

divergentes. Aníbal Bruno entende que lesão corporal é:

(...) qualquer alteração desfavorável produzida no organismo de outrem, anatômica ou funcional, local ou generalizada, de natureza física ou psíquica, seja qual for o meio empregado para produzi-la. (...) Nem sempre, mesmo, será possível estremar uma da outra a ofensa à integridade corporal e a alteração da saúde, sendo freqüente que essas duas formas se apresentem concorrentemente, uma originando-se da outra e afinal influindo-se reciprocamente. 75

Paulo Antonio Ribeiro Fraga também faz alusão à abrangência do crime de lesão corporal: “(...)

o crime em estudo se concretiza com qualquer dano à integridade física ou à saúde de outrem. Saúde aqui

abrangendo tanto a fisiológica como a mental”.76

Em menção à opinião do doutrinador Antenor Costa, Helena Caúla Reis, em sua obra intitulada

“Lesões Corporais”, cita:

Há, como se depreende dessa definição legal, duas possibilidade da pessoa ser afetada em uma ofensa corporal: na sua “integridade corporal”, isto é, na continuidade ou na estrutura material de seus órgãos ou tecidos, e na saúde, ou seja, no seu equilíbrio fisiológico ou psíquico. Comumente, uma lesão corporal apresenta essa duplicidade de efeitos: ao dano estético se associam, regra geral, perturbações fisiológicas e, não raro, psíquicos.77

75 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1959. v.4. p. 181.76 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 33-34.77 COSTA, Antenor apud REIS, Helena Caúla. Lesões corporais (enfoque médico-jurídico). 1. ed. Recife: Editora Universitária / UFPE, 1987. p. 49.

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Desta forma, é pacífico que a lesão corporal engloba não apenas a agressão física, mas também a

psicológica, pois esta poderá provocar danos à integridade mental da vítima, deixando-a com problemas

mentais e até capaz de praticar o suicídio.

Já foi visto no capítulo anterior a importância não só da violência física, mas também da

violência psicológica e as conseqüências que esta pode causar, principalmente na mulher vítima de

violência doméstica, pois a mesma é constantemente agredida, o que torna os efeitos da agressão ainda

mais graves.

Vale afirmar que a lesão corporal não pode ser praticada somente contra pessoa saudável,

também se configura quando o agente agrava o estado de saúde da vítima, a qual já se encontrava

enfermo.78

Existe, ainda, a questão de se considerar a simples dor uma lesão corporal. Porém, há quem

acredite que a dor, desacompanhada de incolumidade física, não é delito. Paulo Antônio Ribeiro Fraga

fala das conseqüências que a dor pode causar:

A dor é capaz de trazer perturbações nocivas à saúde, tais como distúrbios de digestão, fadiga, impotência funcional para o trabalho (enquanto ocorra) e em tese podemos mesmo aceitá-la como lesão corporal. Mas, na prática, em verdade o que ocorre, sempre que a lesão não deixa vestígio e se limita a provocar dores, é a classificação do delito ou como vias de fato (...) ou como modalidade de injúria real (...). Fenômeno eminentemente subjetivo, a dor é de difícil prova, o que mais concorre ainda para, na prática, não a acolher, por si só, como capaz de entrar no conceito de lesão corporal. 79

Porém, deve-se fazer uma ressalva: ora, se lesão corporal significa lesão não só à integridade

física, mas também à mental, se integridade mental abrange a situação fisiológica e psíquica do indivíduo,

por que não considerar a dor uma lesão corporal? O problema consiste na dificuldade de se verificar se a

vítima realmente sentiu dor e, se positivo, qual o grau dessa dor. Aníbal Bruno expõe esse óbice:

A dor para ser tomada como lesão corporal oferece realmente a desvantagemdo seu caráter subjetivo que, quando ela não vem acompanhada de sinais objetivamente constatáveis, permite a simulação.80

Destarte, a dor só constitui o delito de lesão corporal quando estiver acompanhada de algum

dano efetivo à vítima.81

78 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 431.79 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 35.80 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1959. v.4. p. 183.81 Vide Jurisprudência nº 08 em Anexo A.

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Bom, na lesão corporal, o bem jurídico protegido é a integridade física ou fisiopsíquica da

pessoa. Conforme Paulo Antonio Ribeiro Fraga82, essa proteção da lei penal atende ao interesse da ordem

social, mantendo as pessoas aptas ao trabalho normal.

É importante ressaltar a indisponibilidade do bem jurídico, evidenciado no art. 5º da Constituição

Federal83, pois o crime de lesão corporal resta-se configurado mesmo que a vítima tenha consentido tal

ação. Esta é uma das razões pela qual não cabe a aplicação do Princípio da Insignificância84 na lesão

corporal, pois o bem jurídico atingido é da maior relevância.85 No entanto, há tribunais que admitem a

absolvição do acusado quando houver ofensa de menor gravidade, a fim de proteger a relação conjugal.86

José Afonso da Silva, sabiamente citado por Flavio Augusto Monteiro de Barros, relata tal

entendimento: “(...) agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza naquele. A

integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital e revela um direito fundamental do

indivíduo”. 87

A lesão corporal é crime comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, desde de que tenha

capacidade para delinqüir e a intenção de produzir dano. Como a vontade é subjetiva, é de difícil

constatação, o que acaba favorecendo o agressor, em virtude da aplicação do in dubio pro reo88 no caso de

dúvida.

Também não se exige qualificação penal do sujeito passivo, razão pela qual qualquer um pode

ser ofendido, exceto nas hipóteses do art. 129, § 1º, IV (aceleração de parto) e § 2º, V (aborto), ambos do

Código Penal, haja vista a exigência de ser o sujeito passivo mulher grávida. Deve-se observar também a

incidência de uma causa de aumento de pena quando o fato doloso for cometido contra criança menor de

14 anos.

É importante frisar que o nascituro poderá ser vítima de lesão corporal, como será visto adiante,

pois basta ter vida, mesmo que em formação, para ser protegido pela lei penal. “A tutela quanto à vida

humana está presente desde o momento da concepção e se estende por toda a existência (...)”.89

Com relação à violência doméstica contra a mulher, também foi visto que o sujeito ativo,

geralmente, é o marido ou o companheiro da vítima, o qual vive ou viveu maritalmente com esta.

3.1.2 Consumação e Tentativa.

Com relação à consumação do crime de lesão corporal, Salles Junior comenta que:

82 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 36.83 Art. 5º, III da Constitução Federal - “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”84 Princípio no qual o dano cometido é tão insignificante que não há sentido condenar-se o agente, até porque se assim o fizesse, haveria visível desproporção.85 Vide Jurisprudência nº 09 em Anexo A.86 Vide Jurisprudência nº 10 em Anexo A.87 SILVA, José Afonso da apud BARROS, Flavio Augusto Monteiro De. Crimes contra a pessoa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 87.88 Sempre que houver dúvidas, a mesma deverá ser dirimida em benefício do réu, na ocasião do julgamento. Na dúvida, que se decida em favor do réu.89 SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 19

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Atuando o agente, comissiva ou omissivamente contra a vítima, e resultando desse comportamento uma lesão efetiva à integridade corporal ou à saúde do sujeito passivo, estará o crime de lesão corporal consumado. Terá o agente realizado o tipo na forma descrita no art. 129 do Código Penal. 90

A lesão corporal é um crime material, de comportamento e de resultado, exigindo, portanto, a

existência de um resultado externo à ação, além de ser um crime de dano, se consumando com a efetiva

lesão do bem jurídico, podendo ser cometida por ação (ex: soco) ou por omissão (ex: deixar de dar

medicamento a paciente com intenção de causar-lhe perturbação fisiológica). A partir disso, pode-se dizer

que existe tentativa na lesão corporal?

A tentativa é, conforme o art. 14 do Código Penal, “quando, iniciada a execução, não se consuma

por circunstâncias alheias à vontade do agente do agente”. É, assim, um crime incompleto, “imperfeito,

um fragmento de delito”.91 Percebem-se dois elementos da tentativa: início da execução criminosa e a não

consumação involuntária do delito.

No caso específico da lesão corporal, a possibilidade da tentativa sofre algumas divergências. Na

lesão corporal leve, por exemplo, não há maiores problemas, porém no caso da lesão corporal grave, há

maiores dificuldades em se constatar a existência da tentativa. Pode-se dizer que, em geral, a tentativa

na lesão corporal é admitida, porém,

deve-se analisar a gravidade da lesão.

Em resumo, a inclinação da doutrina é no sentido de admissão da tentativa de lesão corporal, com alguns reparos necessários tendo em conta a própria estrutura do delito, suas diferentes gradações e compatibilidade com o instituto da tentativa.92

Heleno Cláudio Fragoso defende a aplicação da tentativa na lesão corporal, independentemente

de ser lesão corporal leve ou grave.

Sendo o crime material, a tentativa é admissível (RTJ 75/444), não tendo fundamento certas vacilações da jurisprudência. Pode haver tentativa, inclusive, de lesão grave (ex: lançar ácido sulfúrico ao rosto da vítima, sem atingi-la por razões alheias à vontade do agente). É certo que podem surgir dúvidas, no caso de tentativa de lesão leve ou grave, quanto à idoneidade do meio ou ao dolo do agente, dúvidas que devem sempre resolver-se em favor do réu, conforme a regra geral.93

Para fins desta monografia, o entendimento utilizado é o de que cabe a tentativa na lesão

corporal, seja ela de natureza leve, grave ou gravíssima, porém, devendo-se analisar o caso concreto. 94

90 Ibid. p. 42.91 ALVES, Roque de Brito. Programa de Direito Penal: parte geral. 2. ed., Recife: FASA, 1997.p. 136.92SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 48.93 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte especial. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1987. p. 128.94 Vide Jurisprudência nº 11 em Anexo A.

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3.1.3 Elementos Subjetivos do tipo.

O crime de lesão corporal possui como elementos subjetivos o dolo, a culpa e o praeterdolo.

O crime doloso está previsto no art. 18, inciso I, do Código Penal, o qual diz que crime doloso

acontece “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

O dolo possui alguns elementos que, na posição de Damásio de Jesus95, são: consciência da

conduta e do resultado; consciência da relação de causalidade entre sua ação e o resultado; e por fim, a

vontade praticar a conduta e, conseqüentemente, o resultado.

Segundo Fabbrini Mirabete96, está inserido no dolo o objetivo que o agente pretende alcançar, os

meios utilizados, exteriorizando sua conduta, e as conseqüências secundárias de sua ação. Se essas três

etapas restarem configuradas, o dolo existiu.

Existem várias espécies de dolo (direto, indireto, de dano, de perigo, genérico, específico,

normativo, natural, geral), porém, a fim de não prolongar em demasia este trabalho, deve-se sacrificar sua

exposição.

A lesão corporal dolosa está expressa no art. 129, caput do Código Penal. Segundo Aníbal Bruno

“o dolo é a consciência e vontade de ofender a integridade corporal de outrem ou alterar-lhe a saúde, ou a

previsão desse resultado com aceitação do risco”. 97

De acordo com o mesmo autor, a vontade do agente é fundamental para o deslinde do caso, pois

é a partir de sua constatação que irá se verificar se o crime foi lesão corporal seguida de morte (quando o

agente tem o intuito de praticar uma lesão, mas causa a morte da vítima) ou tentativa de homicídio

(agente tem o ânimo de matar a vítima, mas causa-lhe apenas lesões), etc. 98

Suponha-se que o agente tenha desferido um tiro de revólver na direção da vítima, sem, porém, atingi-la. A adequação típica do fato dependerá do elemento subjetivo que o moveu a praticar a conduta. Responderá por tentativa de homicídio ou por tentativa de lesão corporal, conforme tenha atuado o animus necandi (intenção de matar) ou animus laedendi (intenção de ferir). Se, porém, ausente o dolo de dano e presente o de perigo, responderá pelo delito do art. 132 do Código Penal.99

Por outro lado, a culpa está prevista no art. 18, II do Código Penal, o qual afirma que crime

culposo ocorre “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Para

Aníbal Bruno, lesão culposa é:

(...) a que resulta de imprudência, negligência ou imperícia do agente, quepodia prever esse resultado e evitá-lo. O agente não quer ofender a integridade corporal de outrem, mas age sem a necessária diligência e produz o dano. 100

95 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Geral. 21º ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1. p. 283.96 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 140.97 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1. ed. Rio de janeiro: Forense, 1959. v.4. p. 189.98 Ibid., p. 189.99 BARROS, Flavio Augusto Monteiro De. Crimes contra a pessoa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 90-91.100 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense. V. 4. p. 191.

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Para se perceber a culpa, deve-se entender negligência, imprudência e imperícia.

Imprudência é a culpa ativa, em que o agente faz algo que não deveria fazer. Exemplo: violar um sinal de

trânsito. Negligência é uma omissão, ou seja, o agente não faz o que deveria ter feito. Exemplo: dirigir

um carro sabendo que ele está em más condições. Imperícia é a falta de informação ou competência para

exercer determinada ação, vindo a lesionar alguém; é uma culpa profissional. Ex: pilotar avião sem saber.

Relativamente à lesão corporal, a culpa encontra-se inserida nos § 6º e § 7º do art. 129 do

Código Penal. No § 6º tem-se o que se chama de culpa simples, enquanto que no § 7º, há a culpa

qualificada. Nestes casos, a conduta é involuntária, o agente sabe que pode acontecer algo, mas não

deseja que aconteça. Há uma conduta voluntária inicial e um resultado inesperado. É muito comum nos

crimes de trânsito.

O praeterdolo está disposto no art. 129, §1º, §2º, § 3º do Código Penal. Neste caso, o delito

fundamental é punido a título de dolo, enquanto o resultado qualificador, a título de culpa.

Excepcionalmente, em alguns casos dos §1º e §2º o tipo é simplesmente qualificado pelo resultado, mas

não preterintencional, pois se admite o dolo no tipo fundamental e no resultado qualificador. Julio

Fabbrini Mirabete trata do crime preterdoloso da seguinte maneira:

O crime preterdoloso é um crime misto, em que há uma conduta que é dolosa, por dirigir-se a um fim típico, e que é culposa pela causação de outro resultado que não era objeto do crime fundamental pela inobservância do cuidado objetivo. Não há aqui um terceiro elemento subjetivo, ou forma nova de dolo ou mesmo de culpa. 101

Então, o crime preterdoloso é, de uma certa forma, uma mistura de dolo e de culpa, iniciando-se

de uma forma e terminando de outra.

A lesão corporal culposa não tem grande relevância no âmbito das lesões corporais domésticas

contra a mulher, haja vista estas serem praticadas na sua forma dolosa, razão pela qual o presente trabalho

irá se ater à lesão corporal dolosa ou preterdolosa.

3.1.4 Outras Características.

A lesão corporal possui ainda algumas características, cujos comentários são de relevante

importância.

É um crime de forma livre, porque pode ser cometido por qualquer meio, contanto que atinja a

integridade física e mental da vítima. Pode-se cometer lesão corporal através de uma ação (ex: utilização

de instrumento cortante contra a vítima) ou de uma omissão (ex: negligência). A primeira forma

(comissiva) é a mais comum, mas a lesão corporal também pode ser praticada na forma omissiva, a qual

ocorre quando o agente deixa de fazer algo que está juridicamente obrigado. Salles Junior diz que:

Sempre que houver, por exemplo, o dever de alguém prestar assistência ou exercer vigilância sobre outrem, e esse dever for descumprido, gerando, em conseqüência, dano à incolumidade física ou à saúde da vítima, o crime estará caracterizado, muito embora o agente não tenha mantido conduta que

101 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 154.

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possa importar a denominada ação em sentido estrito, representada por movimento corpóreo. 102

Pois bem, a ação de ofender a integridade corporal ou mental de uma pessoa pode ser feita

através de um ou mais atos. “Pode uma ação, quando considerada pelo Direito Penal como capaz de

realizar um tipo, traduzir-se em vários atos”.103 Assim, o agressor responde por delito único, mesmo que

tenha cometido várias lesões. Obviamente que se houver um intervalo de tempo considerável entre uma

lesão e outra, considerar-se-á concurso de crimes.

Um indivíduo fere a outro em luta, com dois, três, quatro ou vinte cortes, é autor de um só crime de lesão. Diferente será quando há um hiato entre a produção de uma lesão e outra. Um indivíduo fere um desafeto em luta. Separam-se e, uma hora depois, volta e torna a ferir. Há aí dois fatos, dois crimes, que obedecerão as regras do concurso.104

Em geral, a forma como o crime é cometido não influencia na gravidade da lesão, salvo nos

casos em que há alto grau de crueldade.

O meio empregado não influi sobre o juízo de maior ou menor gravidade dalesão. Há meios, entretanto, cujo emprego pela sua crueldade ou insídia agrava a reprovabilidade do agente e, assim, pode pesar sobre a medida da punição.105

Infelizmente, na hipótese de lesão corporal doméstica cometida contra mulher,

após várias agressões cometidas pelo marido ou companheiro, quando a vítima decide

denunciar, o agressor responde apenas por um crime e, muitas vezes, a gravidade com que comete a

agressão não é devidamente constatada.

Ademais, a lesão corporal é um delito instantâneo, ou seja, “uma vez consumado, está encerrado,

a consumação não se prolonga”106, mas poderá, eventualmente, produzir efeitos permanentes. Então, o

crime de lesão corporal é consumado com ação ou omissão que produziu o dano.

Existem casos em que há lesão corporal, porém o “agressor” não incorre nas penas do art. 129 do

Código Penal, é o caso da autolesão e da existência de uma excludente da antijuridicidade, como o estado

de defesa, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito.

Tais formas de lesão corporal não têm muita importância para o crime objeto desta monografia,

pois não se enquadra na hipótese de violência doméstica contra a mulher, porém, é válido um breve relato

sobre algumas delas.

Regra geral, o Código Penal não pune a autolesão, porém, excepcionalmente, a conduta poderá

configurar outro delito. Quando o sujeito lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da

lesão ou da doença, com o fim de haver a indenização ou valor do seguro, responde por subtipo de

102 SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 29.103 Ibid., p. 23. 104 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 37.105 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 4. p. 186.106 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 129.

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estelionato, chamado “fraude para recebimento de indenização ou valor do seguro” ( art 171, V do

Código Penal). O Código Penal não está punindo a autolesão como delito autônomo, mas sim como meio

de execução do crime de estelionato, em que o objeto jurídico é o patrimônio.

A autolesão também poderá ser punida no caso de ter como fito fugir do serviço militar (art. 160

do Código Penal Militar) ou cometer aborto (art. 124 do Código Penal).

A lesão corporal não cabe também no caso de estrito cumprimento do dever legal, como por

exemplo, aplicação de vacina obrigatória, resistência à prisão, etc, até porque é permitida pelo Direito no

art. 23, III do Código Penal. O mesmo ocorre com relação ao exercício regular do direito (intervenção

cirúrgica, transfusão de sangue, etc),

que está previsto no mesmo dispositivo legal.107

Também não cabe quando restar configurada a legítima defesa (art. 25 do Código Penal) ou o

estado de necessidade (art. 24 do Código Penal).

É mister destacar que lesão corporal é diferente de vias de fato. Esta é uma contravenção penal

(ex: empurrão), não atingindo, assim, a incolumidade física ou mental. A lesão corporal, por seu turno, é

crime, provocando danos à integridade física e psíquica do indivíduo (ex: soco com ferimento).

Vias de fato é a agressão física que não produz lesão corporal, como, por exemplo, apertar fortemente o braço da vítima ou desferir-lhe um tapa no rosto ou um puxão de cabelo. Se, porém, resultar lesão corporal, não há falar-se em vias de fato, pois o princípio da subsidiariedade expressa inserido no art. 21 da Lei das Contravenções Penais a exclui para dar ensejo ao delito do art. 129 do Código Penal. 108

A lesão corporal (art. 129 do Código Penal) também difere do perigo para a vida ou saúde de

outrem (art. 132 do Código Penal). No primeiro crime, o sujeito se dirige à produção de dano efetivo,

praticando o fato com dolo de dano; já no segundo, a intenção do sujeito é causar um perigo de dano,

agindo somente com dolo de perigo.

Na primeira, há dolo de dano, isto é, o agente tem a intenção ou assume o risco de produzir lesões; no segundo, o dolo é de perigo, isto é, o agente não quer e nem assume o risco de produzir lesões, deseja, tão-somente, criar uma situação de perigo. 109

Também vale ressaltar que a lesão corporal, às vezes, é elevada à categoria de crime autônomo.

É o caso do art. 130, §1º e art. 131, ambos do Código Penal Brasileiro.

Outro fator relevante é a relação de causalidade entre a conduta criminosa e o resultado, ou seja,

a lesão ocasionada na vítima deve ter como causa a conduta do agente (comissiva ou omissiva). É a

relação entre causa e efeito.

A causalidade é a origem do fato; é quando existe a comprovação de que determinado ato ou fato

foi a causa para aquele resultado. No Código Penal percebe-se que tudo que resultar em crime é causa,

assim como o que contribui ou auxilia tal resultado. De acordo com artigo 13 do Código Penal, “O 107 Vide Jurisprudência nº 12 em Anexo A.108 BARROS, Flavio Augusto Monteiro de. Crimes contra a pessoa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p.90.109 Ibid., p.90.

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resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-

se causa a

ação ou a omissão sem qual o resultado não teria ocorrido”.

No caso da lesão corporal, é imprescindível que se configure o nexo causal entre a ação do

agente e o resultado na vítima, pois caso contrário, impõe-se a absolvição do denunciado.110 É comum

ocorrer esse tipo de coisa no que concerne ao crime de lesão corporal doméstica contra mulher, porque,

muitas vezes, a vítima nega a agressão sofrida, o que impossibilita a configuração do nexo causal.

Ademais, a lesão corporal é constatada através de exame de corpo de delito111, conforme art. 158

e seguintes do Código de Processo Penal.112 O art. 167 do Código Processo Penal admite a utilização do

exame de corpo de delito indireto para a demonstração da lesão corporal, caso não seja possível o exame

de corpo de delito.113 É de se anotar que, conforme Heleno Cláudio Fragoso114, o juiz não está adstrito ao

laudo.

Há julgados que permitem, inclusive, ficha de internação hospitalar da vítima115, tornando-se um

importante instrumento no combate à violência doméstica contra as mulheres, pois, muitas vezes, elas são

conduzidas para um pronto-socorro, a depender da lesão causada, porém há opiniões contrárias,

acreditando que esta ficha é insuficiente para se constatar a lesão corporal.116 Na prática, depende do

entendimento do juiz.

Há, ainda, o que se chama de “Perdão Judicial” (art. 129, §8º do Código Penal), em que o juiz

poderá deixar de aplicar a pena se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão

grave que a pena se torne desnecessária. O perdão judicial não é costumeiramente aplicado no caso de

lesão corporal doméstica contra a mulher117, até porque ela é praticada a título de dolo ou preterdolo.

Em continuidade, a seguir o estudo será voltado às modalidades de lesão corporal, enfatizando

os episódios de lesão corporal doméstica contra a mulher.

3.2 Modalidades de Lesão Corporal.

Antes de iniciar-se a análise dos sub-tópicos a seguir, faz-se necessário um breve esclarecimento

em torno das modalidades de lesão corporal. Existem os seguintes tipos de lesão corporal: lesão corporal

leve, lesão corporal grave, lesão corporal gravíssima e a lesão corporal seguida de morte.

A lesão corporal leve, conforme será comentado, é o tipo fundamental da lesão corporal, estando

descrita no caput do art. 129 do Código Penal, além de ser tida como

um crime de menor potencial ofensivo.

110 Vide Jurisprudência nº 13 em Anexo A.111 É o encaminhamento a um médico, no IML (Instituto de Medicina Legal), para se verificar o tipo e a gravidade das lesões.112 Vide Jurisprudência nº 14 em Anexo A.113 Vide Jurisprudências nº 15 e 16 em Anexo A.114 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte especial. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1987. p. 135.115 Vide Jurisprudência nº 17 em Anexo A.116 Vide Jurisprudência nº 18 em Anexo A.117 Vide Jurisprudência nº 19 em Anexo A.

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Com relação à lesão corporal grave e à lesão corporal gravíssima, vale afirmar que, na verdade, o

Código Penal não faz distinção entre as duas; doutrinariamente se faz essa divisão pela quantidade da

pena. De qualquer forma, ambas são qualificadoras118 do tipo penal da lesão corporal. Assim, lesão

corporal grave, em sentido amplo, quer dizer: lesão corporal grave em sentido estrito (§1º do art. 129 do

Código Penal) e lesão corporal gravíssima (§2º do art. 129 do Código Penal).

Mister se faz uma explicação sobre cada um desses tipos de lesão corporal.

3.2.1 Lesão Corporal Leve.

No que tange à conceituação da lesão corporal leve, Paulo Antonio Ribeiro Fraga, afirma que a

lesão corporal de natureza leve é:

(...) a lesão praticada com vontade consciente de causar dano à integridade física ou a saúde de outrem, sem que produza incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, ou permanente para o trabalho; perigo de vida; debilidade permanente; aceleração de parto ou aborto, e morte. 119

É a figura simples do tipo penal “lesão corporal”. “Define-se meramente como ofensa à

integridade corporal ou à saúde de outrem”.120 Esse tipo de lesão está disposto no caput do art. 129 do

Código Penal, cuja pena é a de detenção - 3 (três) meses a 1 (um) ano.

No entanto, pergunta-se: como saber se a lesão é de natureza leve? Utiliza-se o critério da

exclusão. Assim, será considerada lesão corporal leve quando não resultar uma das formas qualificadas

dos §1º, §2º, §3º do mesmo artigo, ou seja, se não for grave, gravíssima ou seguida de morte. Helena

Caúla Reis faz a seguinte consideração:

Para ser considerada quantitativamente como leve, a lesão terá de ter como qualidade o fato de consistir apenas na ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem, sem que disto tenham resultado as conseqüências que tipificam as outras modalidades de lesões. 121

Um exemplo de lesão corporal leve é o corte de cabelo e/ou da barba122, desde que não seja

referente a partes insignificantes, haja vista constituir dano à vítima123. Paulo Antônio Ribeiro Fraga diz

que a bofetada também pode ser considerada um exemplo de lesão corporal leve, desde que tenha deixado

118 Qualificadoras são “circunstâncias legais especiais ou específicas que, agregadas ao tipo fundamental previsto no caput do dispositivo, agravam a sanção penal” (JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p. 133).119 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 39.120 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 4. p. 199.121 REIS, Helena Caúla. Lesões corporais (enfoque médico-jurídico). 1. ed. Recife: Editora Universitária / UFPE, 1987. p. 58.122 É um exemplo sofrível, mas emblemático, na medida em que o autor é um doutrinador respeitado no mundo jurídico. 123 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte especial. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1987. p. 131.

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vestígios, mesmo que seja por alguns minutos124. Verifica-se, obviamente, que sempre deve haver dano à

pessoa, bem como a possibilidade de constatá-lo.

Como já foi mencionado, para se constatar a lesão corporal, é necessário laudo pericial, ou seja,

a materialidade do delito, bem como o grau da lesão, são comprovadas através do laudo pericial

traumatológico. No que tange à esta exigência, Salles Junior, afirma que:

Tratando-se de infração que deixa vestígios, haverá necessidade de exame pericial, não só para determinar a materialidade do fato, mas também para que se tenha a exata classificação da lesão. É que, dependendo de sua intensidade ou gravidade, a pena será de detenção ou de reclusão. E, dependendo ainda de sua classificação, o próprio rito procedimental será o dos crimes apenados com detenção ou aquele mais amplo dos crimes apenados com reclusão. 125

Infelizmente, em virtude da deficiência desses laudos, que muitas vezes são mal feitos,

incompletos, impõe-se a desclassificação de lesões, evidentemente graves, para lesões leves, isso quando

não há a absolvição do réu.126

O exame de corpo de delito indireto, nas lesões corporais leves, é bastante utilizado, haja vista

ser comum elas não deixarem vestígios por muito tempo. De qualquer forma, tem que ter havido lesão,

sob pena de descaracterizar o crime de lesão corporal, tornando-se vias de fato.

No seio familiar, as lesões corporais de natureza leve são muito freqüentes127, pois é com ela se

inicia todo o ciclo da violência doméstica. Hoje, o homem dá um empurrão na mulher, amanhã, ele

desfere golpes de faca e assim sucessivamente, até que a mulher denuncie ou acabe morrendo.

Pois bem, nos casos de lesão corporal leve, o Código Penal (art. 129, §5º, I e II) permite a

substituição da pena de detenção pela pena de multa em duas situações: “se ocorrer qualquer das

hipóteses do parágrafo anterior” ou “se as lesões são recíprocas”.

O primeiro caso ocorre se “o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor

social128 ou moral129 ou sob o domínio de violenta emoção130, logo em seguida a injusta provocação da

vítima”.131 Flavio Augusto Monteiro de Barros explica que não basta a presença desses fatores, é

necessário também sua relevância.132

124 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 41.125 SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p. 59.126 Vide Jurisprudências nº 20, 21 e 22 em Anexo A.127 Vide Jurisprudências nº 23 e 24 em Anexo A.128 É aquele valor inspirado para satisfazer o interesse coletivo129 Este valor, ao contrário do anterior, é aquele que consistiu na satisfação do interesse individual.130 Essa emoção influencia por um curto período de tempo, razão pela qual se exige que a reação seja logo após à provocação, a qual tem que ser injusta.131 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Geral. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. p. 141.132 BARROS, Flavio Augusto Monteiro De. Crimes contra a pessoa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 92.

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Na segunda hipótese, de lesões recíprocas133, há a lesão corporal privilegiada porque os dois,

agressor e agredido, sofreram lesões. Se, porventura, não se puder comprovar quem iniciou a agressão, o

acusado poderá absolvido por insuficiência de provas.134

Vale afirmar que essas causas de substituição de pena são subjetivas e incomunicáveis em caso

de concurso de agentes (art. 30 do Código Penal).

É importante salientar que lesão corporal leve é infração de menor potencial ofensivo, sendo,

portanto, de competência dos Juizados Especiais Criminais. Mas o que seria infração de menor potencial

ofensivo? Conforme o art. 61 da Lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais), “consideram-se infrações

penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a

lei comine pena máxima não superior a um ano”.

Na verdade, não apenas o crime cuja pena máxima não seja superior a 1 (um) ano é infração de

menor potencial ofensivo, mas também o crime cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois) anos, pois

a Lei 10.259/2001 (Lei dos Juizados Federais) alterou esse dispositivo, inclusive revogando sua parte

final. Agora, todos os crimes, sem exceção, que tiverem sua pena máxima não superior a 2 (dois) anos são

de competência dos Juizados Especiais (art. 2º da referida lei).

No capítulo seguinte há um sub-capítulo dedicado à lesão corporal no Juizado Especial Criminal,

sendo inoportuno, destarte, maiores delongas acerca desse assunto no momento.

3.2.2 Lesão Corporal Grave.

O §1º do art. 129 do Código Penal descreve delitos punidos com dolo em relação à figura típica

fundamental da lesão corporal, ensejando a punição do resultado qualificador a título de culpa. Daí dizer-

se que o delito é preterdoloso ou preterintencional, uma vez que o resultado vai além da intenção do

sujeito.

Excepcionalmente, algumas dessas qualificadoras não são punidas somente a título de

praeterdolo, pois os resultados qualificadores podem ser punidos tanto a título de dolo, como de culpa.

Isso se refere tanto à lesão corporal grave como gravíssima.

Heleno Cláudio Fragoso expõe tal afirmativa: “nos casos de perigo de vida e aborto, exige-se

que o agente não tenha desejado, nem mesmo eventualmente, o resultado mais grave, pois cometeria

outro crime (tentativa de homicídio ou aborto)”.135 E ele vai mais além, critica, sobremaneira, o Código

Penal por ter adotado esse posicionamento:

É defeituoso o sistema do Código Penal vigente, equiparando para o mesmo tratamento penal as hipóteses em que o resultado mais grave é intencional ou doloso e aqueles em que é meramente culposo. Há, evidentemente, diverso merecimento de pena em tais situações. Causar intencionalmente a

133 Vide Jurisprudências nº 25 e 26 em Anexo A.134 Ibid., p. 92.

135 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte especial. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1987. p. 132.

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perda da visão é coisa muito distinta de provocar esse resultado deplorável por mera inconsideração de conduta e sem pretender jamais alcançá-lo. 136

“É indiferente que o sujeito tenha desejado o resultado qualificador ou que esta tenha por

fundamento sua culpa. Nas duas hipóteses, o sujeito responde por lesão corporal grave”. 137 No entanto,

quando da dosimetria concreta da pena, o juiz deverá considerar existência de dolo ou de culpa com

relação à circunstância qualificadora.

Existem quatro formas de se configurar a lesão corporal grave, as quais estão descritas nos

incisos do §1º do art. 129 do Código Penal: incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias;

perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função; e aceleração de parto. Em todas

essas hipóteses, haverá um aumento de pena, que passará a ser de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão.

Com relação à incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias, deve-se ter em

mente que tudo o que desempenha-se habitualmente é ocupação habitual138; referem-se às ocupações da

vida em geral. A contagem dos dias, para fins de se comprovar esse tipo de lesão é feito tendo em vista o

art. 10 do Código Penal, o qual diz que “o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo”.

A atividade praticada pela vítima tem que ser lícita, obviamente, porém, não há exigência quanto

à moralidade da mesma. Assim, uma meretriz, por exemplo, poderá ser vítima desse tipo de lesão

corporal, pois sua atividade é imoral, mas não é ilícita.

Além disso, esse tipo de lesão é punido a título de dolo ou a titulo de culpa, ou seja, o tipo

fundamental é punido a titulo de dolo, mas o resultado qualificador pode ser punido a titulo de dolo ou a

titulo de culpa. 139

Para se verificar a incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias, é necessária a

realização do laudo pericial (art. 158 e seguintes do Código Penal), porém, na falta de exame

complementar, poderá utilizar-se da prova testemunhal. “Juridicamente falando, a cessação de uma

incapacidade ocorre quando a vítima puder retornar a todas as ocupações habituais e não apenas a

algumas delas (statu quo ante)”.140

Também é importante ressaltar que a incapacidade de que trata este dispositivo não se refere

apenas à incapacidade física não, mas também à incapacidade psicológica, afinal, como já foi

demonstrado no início do capítulo, lesão corporal abrange não só lesão a integridade física, mas também a

mental.

A incapacidade estará cessada quando a vítima retornar a todas as suas ocupações habituais, e

não somente a algumas delas141. Por isso é importante se fixar o período da incapacidade e,

conseqüentemente, determinar a devida sanção penal. Aníbal Bruno faz uma ressalva quanto a isso:

O período de incapacidade não se confunde com a duração da lesão. Pode a

136 Ibid., p. 132.137 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p. 134.138 Vide Jurisprudência nº 27 em Anexo A.139 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p. 134.140 REIS, Helena Caúla. Lesões corporais (enfoque médico-jurídico). 1. ed. Recife: Editora Universitária / UFPE, 1987. p. 58.141 FRAGA, Paulo Antônio Ribeiro. As lesões corporais e o Código Penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 53.

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lesão cicatrizar-se e a incapacidade persistir por mais algum tempo, ou ainda, não curada a lesão, desaparecer a incapacidade. 142

O perigo de vida, por sua vez, só restará comprovado se for um perigo concreto, devendo ser

investigado e comprovado pela perícia; assim, não pode ser presumido. Essa lesão está bem próxima de

matar alguém. Em menção a posicionamento do doutrinador Antenor Costa, Maria Helena Caúla Reis

cita:

(...) deve-se admitir que há perigo de vida sob ponto de vista penal, sempre que o estado de saúde do ofendido, em conseqüência da lesão corporal, é (ou esteve em certa ocasião) de tal modo precário, que o coloca (ou que colocou naquela ocasião), em grave risco de morrer. 143

Esse tipo penal só admite preterdolo: dolo quanto à lesão corporal (tipo fundamental) e culpa

quanto ao perigo de vida (resultado qualificador). Se o sujeito pratica o fato com dolo no tocante ao

perigo de vida, responde por tentativa de homicídio e não por lesão corporal de natureza grave. Se, ao

contrário, o sujeito age com preterdolo no tocante ao perigo de vida e a vítima vem a falecer, ele

responderá por crime de lesão corporal seguida de morte.

Vale afirmar que o perigo de vida deve estar acompanhado de uma lesão, pois se esta não existir

faltará o momento inicial, que é o da lesão corporal. Salles Junior explica bem tal exigência:

O perigo de vida, para tipificação do delito em estudo, deve estar relacionado a uma lesão. É que a vítima, como ensina Almeida Junior, pode estar diante de uma situação que importe perigo de vida e, no entanto, tal perigo não se relaciona a qualquer comportamento que tenha produzido dano à integridade corporal ou à saúde da vítima. É o caso citado do agente que coloca a vítima amarrada sobre os trilhos de uma estrada de ferro, para que venha sucumbir sob as rodas do trem. No entanto, o condutor da composição divisa a vítima nos trilhos e consegue frear o trem poucos metros antes de atingi-la. Houve perigo de vida, porém não no sentido que o Código Penal exige para a caracterização do delito de lesão corporal. Falta, no exemplo, o momento inicial, que é a lesão, da qual, para ser grave, nos termos do inciso II, deve decorrer o perigo de vida, ou seja, a probabilidade concreta e presente do resultado letal. 144

O perigo de vida também é constatado, de forma clara, através de laudo pericial, porém, é

comum a vítima ser levada de imediato a um Hospital, o que dificulta o laudo de exame de corpo delito.

Mas, nesse caso, os peritos podem utilizar as observações feitas pelo médico que socorreu a vítima,

conforme já foi visto.

Relativamente à questão da debilidade permanente de membro, sentido ou função, deve-se,

primeiramente, definir membro, sentido e função.

142 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 4. p. 208.143 COSTA, Antenor apud REIS, Helena Caúla. Lesões corporais (enfoque médico-jurídico). 1. ed. Recife: Editora Universitária / UFPE, 1987. p. 67.144 SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p.149.

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Os membros podem ser superiores ou inferiores; os superiores são o braço, o antebraço e a mão,

e os inferiores são a coxa, a perna e o pé145. Os sentidos são totalizados em cinco: visão, olfato, paladar,

audição e tato. Já a função significa a atividade que um órgão tem o papel de praticar. Por fim, debilidade

é a diminuição, enfraquecimento da capacidade funcional que, no caso, poderá ser de um membro,

sentido ou função.

O Código Penal exige que essa debilidade seja permanente, o que não significa que será para

sempre, mas sim duradoura, que permaneça por um lapso de tempo considerável.

Existem algumas hipóteses curiosas. No caso de órgãos duplos, a perda de um constitui

debilidade permanente146, mas a perda de ambos constitui perda ou inutilização (§ 2º, III, do art. 129 do

Código Penal).147 Para verificar se a perda de um só dente significa debilidade permanente da função

mastigatória, deve-se analisar cada caso concreto. E, se houver a recuperação de membros por meio

ortopédico, não se deve incidir a qualificadora.148

Na prática, é o laudo pericial que determina se houve debilidade permanente, afinal, se a

debilidade desapareceu, não é debilidade permanente, logo não há razão para o aumento de pena.

A aceleração de parto ocorre quando o feto, em conseqüência da lesão corporal produzida na

vítima, vem a ser expulso antes do período determinado para o nascimento. Na verdade, quando o Código

Penal fala em aceleração do parto ele quer dizer antecipação do parto, tendo a intenção de proteger não só

a mãe, mas também o

feto. Salles Junior, citando Hungria, diz que:

(...) aceleração de parto é a expulsão precoce do produto da concepção, mas em tal estado de maturidade, que pode continuar a viver fora do útero materno. Compreende tanto o caso em que o parto advém antes do tempo normal (mas necessariamente depois do tempo mínimo para a possibilidade da vida extra-uterina) quanto o caso em que ocorre no tempo normal, mas por trauma físico, ou psíquico. Pressupõe que o feto esteja vivo, nasça vivo e continue a viver, dado o seu grau de maturação. 149

Para responder por essa qualificadora, o sujeito deve ter consciência do estado de gravidez da

vítima; se não tiver, responderá por lesão corporal leve. Além disso, para existir esse crime, é óbvio que o

feto deve nascer vivo, pois se o mesmo nascesse morto, ter-se-ia o delito de lesão corporal gravíssima

resultante em aborto.

Não se configura tentativa de aborto, pois foi praticada com preterdolo; o resultado foi além da

intenção do agente. A vontade é caracterizada pela subjetividade, sendo difícil chegar a uma conclusão

relativa à sua existência, em face do que muitos acusados são absolvidos por insuficiência de provas ou

devido ao in dubio pro reo.

Percebe-se que, no cotidiano, o agressor não é punido como deveria, pois muitas vezes comete

esse tipo de lesão contra sua esposa ou companheira, mas responde por lesão corporal leve, pois afirma 145 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.p. 878.146 Salvo quando o órgão que restou não estiver em condições de atender às necessidades orgânicas do indivíduo, retratando lesão corporal gravíssima.147 Vide Jurisprudência nº 28 em Anexo A.148 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p. 137.149 HUNGRIA, Nelson apud SALLES JUNIOR, Romeu De Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p.163.

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que não tinha conhecimento do estado de gravidez da vítima, tendo confirmação da mulher, a qual, por

várias razões, é submissa ao agressor. Lógico que tal afirmação só merece valia se a mulher estiver nos

primeiros meses de gravidez, pois caso contrário, seria evidente o conhecimento de tal estado pelo

agressor.

Desta forma, esse tipo de lesão não é muito comum, primeiro porque é difícil se verificar o nexo

causal, e depois porque se o parto ocorrer sem problema algum, geralmente se perde o interesse em

denunciar. 150

É curioso notar que a vítima pode sofrer duas dessas lesões numa só ação do agente, ou seja, este

lhe agrediu de tal forma que a tornou incapacitada de exercer sua ocupação habitual por mais de 30 dias,

além de ter lhe causado perigo de vida.151

Anota-se ainda que a palavra da vítima, que narrou com detalhes os ataques sofridos, tem valor

probante e deve ser considerada, tanto mais quando encontra amparo nos demais elementos do processo.

Ademais, a jurisprudência posiciona-se pela prevalência da palavra da vítima quando lesionada de forma

grave. 152

Por outro lado, se a palavra da vítima, bem como a de testemunhas, são contraditórias, impõe-se

a absolvição do acusado, o que, muitas vezes, pode vir a caracterizar a impunidade do agressor.153

3.2.3 Lesão Corporal Gravíssima.

Esse tipo de lesão está contido no § 2º, do art. 129 do Código Penal, possuindo cinco hipóteses

previstas pelo mesmo Diploma Legal: incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável;

perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente; e aborto. Em todas elas, a

pena poderá ser de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão.

Relativamente à incapacidade permanente para o trabalho (inciso I), é mister ressaltar que

permanência não é sinônimo de perpetuidade; a incapacidade permanente é duradoura, ocorrendo quando

não se puder fixar prazo para o seu término.

Se a vítima estiver impedida de exercer determinada atividade laboral, específica, mas puder

exercer atividade laboral de outra natureza, não se aplica a qualificadora da lesão corporal gravíssima,

pois esta leva em consideração trabalho genérico e não específico. Nesse caso, quer se dizer que a vítima

deve estar impedida de realizar qualquer atividade lucrativa.

Citando Basileu Garcia, Salles Junior comenta a respeito, afirmando que a lesão se enquadrará

neste dispositivo quando incapacitar a vítima “para a generalidade dos trabalhos a que a vítima poderia

dedicar-se, sem se exigir, por outro lado, uma incapacidade terminante e absoluta”.154

Tem-se também a enfermidade incurável (inciso II), que pode ser absoluta ou relativa, bastando

que haja esta última para se configurar a qualificadora. Se, após a lesão, a vítima tiver como curar a

150 REIS, Helena Caúla. Lesões corporais (enfoque médico-jurídico). 1. ed. Recife: Editora Universitária / UFPE, 1987. p. 79.151 Vide Jurisprudência nº 29 em Anexo A.152 Vide Jurisprudência nº 30 e 31 em Anexo A.153 Vide Jurisprudência nº 32 em Anexo A.154 GARCIA, Basileu apud SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Lesões corporais (doutrina, comentários, jurisprudência e pratica). 1. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p.170.

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enfermidade ou vier a ter, no futuro, a qualificadora deixará de incidir. Se acontecer a cura durante o

período em que o acusado está preso, há a desqualificação, ocasião em que este continuará cumprindo

pena, porém, não mais por um crime qualificado. Heleno Cláudio Fragoso faz a seguinte consideração:

Enfermidade Incurável é alteração da saúde. Pressupõe sempre um processo patológico que afeta a saúde em geral. Não é fácil, por vezes, distinguir entre debilidade permanente de função (lesão grave) e enfermidade incurável, porque não é um processo patológico geral (Hélio Gomes). A incurabilidade deve ser afirmada com os dados da ciência atual, com um juízo de probabilidade ou certeza. 155

A perda ou inutilização de membro, sentido ou função (inciso III) é semelhante à qualificadora

imposta pelo inciso III, §1º do mesmo artigo, porém, há algumas diferenças.

Perda significa ablação do membro ou órgão (ex: braço é amputado) e inutilização, por seu

turno, quer dizer inaptidão do órgão à sua função, ou seja, o órgão torna-se incapaz de exercer sua função,

torna-se inútil (ex: paralisia de um braço). São diferentes da simples debilidade, pois nesta há apenas a

diminuição da capacidade funcional (ex: amputação de um dedo da mão).

Há, ainda, uma consideração a ser feita relativa a esse tipo de lesão: por vezes, a lesão não

provoca a perda total de um membro, mas ainda assim, se configura a qualificadora.

Pode restar um resíduo do membro que, pela sua insignificância, comprometa todo o conjunto. E exemplifica no sentido de que a mão e o pé não são considerados em Anatomia ou Fisiologia como membros, mas têm importância no membro respectivo, constituindo mesmo parte essencial. 156

Ademais, “as impotências gerandi (para procriar) e coeundi (para o ato sexual) se qualificam

como lesões corporais gravíssimas (art. 129, §2º, III)”.157

Deformidade Permanente (inciso IV) é, de acordo com a doutrina, dano estético de certa monta,

visível, irreparável e capaz de causar impressão vexatória. Refere-se a tudo que desfigura uma pessoa de

forma duradoura e grave. Permanência, nesse sentido, é a deformidade irreparável, em si mesma, ou

incurável pelos meios comuns. Além disso, essa deformidade tem que ser, como já foi mencionado,

aparente, perceptível. Aníbal Bruno faz referência a isso:

Desse conceito de deformidade resulta logo que ela deve ser aparente, quer consista em marca ou cicatriz da região visível do corpo, quer em alteração esteticamente desfavorável da conformação normal de uma parte importante do organismo como um desvio da espinha, a entortadura ou encurtamento de um membro. 158

Por outro lado, há quem entenda, como, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci, que a

deformidade permanente não tem que ser, necessariamente visível e que não é relacionada à beleza física,

155 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte especial. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1987. p. 132.156 ALMEIDA JUNIOR apud FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte especial. 9. ed. Rio de janeiro: Forense, 1987. p. 132.157 BARROS, Flavio Augusto Monteiro De. Crimes contra a pessoa. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 103.158 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 4. p. 215.

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bastando que haja “uma alteração duradoura nas formas originais do seu corpo humano”. 159 Esse mesmo

autor entende que se exige, apenas, que a deformidade seja duradoura e irreparável. De qualquer forma,

no caso concreto, vai depender do posicionamento do juiz.

Conforme Damásio de Jesus, a vítima não está obrigada a se submeter a uma cirurgia, mas se

assim fizer e a deformidade, bem como seus efeitos, desaparecerem, a qualificadora deixará de existir.

Obviamente que se a vítima tiver de colocar olho de vidro, orelha de borracha, aparelho ortopédico, etc, a

qualificadora não irá desaparecer porque os efeitos da deformidade continuam presentes.160

A qualificadora do aborto (inciso V) deverá ser analisado a título de preterdolo: pune-se a lesão

corporal a título de dolo e o resultado “aborto” a título de culpa. Se o sujeito agir com dolo quanto à

interrupção da gravidez, responderá pelo delito de aborto e não pelo o de lesão corporal qualificada pelo

aborto.

Nesse caso, o sujeito tem que ter conhecimento da gravidez da vítima, caso contrário, configura-

se o erro de tipo, que exclui o dolo, tornando o fato atípico, haja vista o dolo ser o elemento subjetivo do

tipo penal da lesão corporal. Há que diga que essa hipótese de lesão corporal não admite a tentativa, pois

o sujeito agiu com culpa no tocante ao resultado qualificador, e quando o crime é culposo não há

tentativa.161

Como as mulheres vítimas de violência doméstica sofrem diversas lesões, podendo chegar à

morte (conforme o capítulo 2), por vezes fica difícil identificar se o crime cometido foi o de lesão

corporal ou o de tentativa de homicídio:

O relato de uma série de agressões anteriores leva ao enquadramento do crime como de “lesões corporais” e não como “tentativa de homicídio”. Esse é um ponto fundamental quando se procura analisar de que forma os espancamentos de mulheres são tratados no sistema judiciário e policial. A fronteira que, nos casos de espancamento de mulheres, separa a lesão corporal da tentativa de homicídio é por demais tênue.162

Por fim, vale dizer que é muito comum ocorrerem transmudações de estados menos graves

para outro de maior gravidade e vice-versa, o que provoca várias desclassificações em razão da

insuficiência probatória. Por isso, não raro uma lesão gravíssima, por exemplo, é punida como se fosse

uma lesão grave ou até mesmo leve.

3.2.4 Lesão corporal seguida de morte.

É um tipo particular de agravação do tipo fundamental da lesão corporal. É o homicídio

preterdoloso; é crime qualificado pelo resultado, misto de dolo e culpa. É necessário, portanto, que o

sujeito não tenha agido dolosamente no tocante à produção do resultado “morte”, isso porque se pune a

159 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 129.160 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Especial. 23º ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 2. p.139.161 Ibid., p.140.162 ARDAILLON, Danielle; DEBERT, Guita Grin. Quando a vitima é mulher: Análise de julgamentos de crimes de estupro. 1. ed. Brasília: CNDM, 1987. p. 50.

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lesão corporal a título de dolo e o segundo delito (morte da vítima) a título de culpa. Guilherme de Souza

Nucci trata dessa questão, afirmando que a lesão corporal seguida de morte:

(...) trata-se da única forma autenticamente preterdolosa prevista no Código Penal, pois o legislador deixou nítida a exigência de dolo no antecedente (lesão corporal) e somente a forma culposa no evento subseqüente (morte da vítima). Ao mencionar que a morte não pode ter sido desejada pelo agente, nem tampouco pode ele ter assumido o risco de produzi-la, está-se fixando a culpa como único elemento subjetivo possível para o resultado qualificador. Justamente por isso, neste caso, havendo dolo eventual quanto á morte da vítima, deve o agente ser punido por homicídio doloso. 163

O resultado é ligado ao crime-base (nexo de causalidade), não prescindindo da relação subjetiva.

Se houver caso fortuito ou força maior, o sujeito só responde pelo primeiro crime. Além disso, esse tipo

de lesão corporal não admite tentativa, já que o resultado é culposo, e como já foi visto anteriormente, não

se admite tentativa em crime culposo.

Na forma típica da lesão corporal seguida de morte, está conceitualmente excluída a tentativa, por ausência do dolo necessário para que ela se constitua. O dolo em relação ao resultado transforma o fato em tentativa de homicídio. 164

É circunstância objetiva, sendo, portanto, comunicável entre os agentes, devendo ser conhecida

em benefício de todos eles.

No sentido do tema proposto para o presente trabalho, passa-se ao estudo da lesão corporal

doméstica, inserida no Código Penal pela Lei 10.886/04.

163 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 129.164 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 4. p. 212.

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CAPÍTULO 4 – A LESÃO CORPORAL DOMÉSTICA

4.1 A Violência Doméstica como figura típica qualificada (§ 9º) e como causa de aumento de pena

(§10º).

Primeiramente, é importante comentar um pouco sobre o Projeto de lei nº 03/2003, que

adicionou tais dispositivos ao Código Penal Brasileiro.

A inserção desses dois parágrafos no art. 129 do Código Penal teve como justificativa a

problemática da violência doméstica, não só no Brasil, como no mundo, enfatizando que a violência

doméstica “deve ser tratada como uma questão pública, um problema social, que deve ser objeto de ação

governamental e punida com o rigor da nossa legislação Penal”.165

Além disso, o projeto parte de duas considerações: a primeira é a de que o delito praticado por

ente familiar tende a reincidir, podendo culminar com delitos de maior gravidade, e a segunda é a de que

é muito difícil para a vítima de violência doméstica decidir se vai ou não representar o agressor.166

O projeto original, cuja autoria é da Deputada Laura Carneiro, previa pena de reclusão de 02 a 04

anos, mas com o intuito de possibilitar a aprovação do mesmo, através de um acordo, a pena foi reduzida

para detenção, de 06 meses a 01 ano, tornando-a, ainda, muito baixa, haja vista a gravidade do crime em

questão.167 E, ainda, conforme Emenda Substituiva nº _____ de 2003:

O Projeto original não é o mais adequado a ser recepcionado no texto do Código Penal, pois a redação da Deputada Laura Carneiro parece ser mais acertada e a pena estabelecida como sendo de reclusão para cumprimento de seis meses a um ano é totalmente desproporcional e fere o princípio da proporcionalidade, pilar essencial do Código Penal.168

Apesar de a pena cominada ainda ser leve, a violência doméstica foi tipificada no Código Penal,

deixando de ser uma lesão corporal simples, para ser um tipo penal específico, o que não deixa de ser um

passo em direção à punição dos agressores do lar.

Também se deve ressaltar que tais alterações foram a favor não só das mulheres, mas também de

crianças, idosos e homens. A emenda da senadora também torna mais claro que o crime de violência

doméstica é resultado de lesões corporais cometidas por pessoas que não sejam necessariamente parentes

de sangue. Mesmo os casos em que haja apenas hospitalidade já podem ser enquadrados nesse tipo

penal.169

Vale afirmar ainda que tais parágrafos são limitados ao crime de lesão corporal, não abarcando

as outras tantas agressões cometidas diariamente contra as mulheres no ambiente familiar, como injúria,

ameaça, etc.

165 Vide Proposição do Projeto de lei nº 03/2003 de autoria da Deputada Iara Bernardi em Anexo D.166 Vide Proposição do Projeto de lei nº 03/2003 de autoria da Deputada Iara Bernardi em Anexo D.167 Vide Discussão do Projeto de lei nº 3 de 2003 pela Câmara dos Deputados em Anexo C.168 Vide Emenda Substitutiva nº ___ em Anexo E.169 GALVÃO, Daniel. Inimigo Íntimo: Estatísticas mostram que a maior incidência de agressões a mulheres acontece dentro de casa. Disponível em <http://www.sermulher.org.br/ ultima_noticia_estatisticas.htm> Acesso em 24/03/2005.

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Antes da Lei 10.886/04, o art. 129 do Código Penal previa as hipóteses de lesão corporal e

remetia o agravamento das mesmas ao art. 61, inciso II, alíneas “e” e “f”. Então, surgiu a referida lei,

albergando estas duas situações previstas como agravantes da lesão corporal, transformando-as em um

novo tipo penal (§ 9º do art. 129 do Código Penal), cuja pena foi um pouco majorada.170

É importante frisar a diferença entre as agravantes genéricas contidas nos artigos 61 e 62 do

Código Penal e a qualificadora do § 9º do art. 129 do Código Penal, para que se possa entender o alcance

da mudança.

“As agravantes são circunstâncias objetivas ou subjetivas que aderem ao delito sem modificar

sua estrutura típica, influindo apenas na quantificação da pena em face da particular culpabilidade do

agente”.171 As agravantes genéricas estão localizadas na parte geral do Código, cujo aumento na pena

deve ser especificado pelo juiz, pois a lei não estabelece limites, no entanto, tal aumento não poderá ser

superior ao máximo da pena.

Por outro lado, as qualificadoras “são circunstâncias legais especiais ou específicas previstas na

Parte Especial do Código Penal que, agregadas à figura típica fundamental, têm função de aumentar a

pena”.172 Ela é desvinculada do tipo fundamental descrito no caput do artigo, possuindo pena própria,

estando situada, apenas, na Parte Especial do Código.173 Assim, este dispositivo (§ 9º) é uma figura típica

qualificada porque o legislador cominou mínimo e máximo da pena, incidindo na pena in abstrato.

Conforme o § 9º do art. 129 do Código Penal, se a lesão for praticada contra ascendente,

descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda

prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a pena será de

detenção de 06 (seis) meses a 01 (um) ano.

Aplica-se tal norma apenas ao tipo fundamental descrito no caput do art. 129 do Código Penal e,

estando presente qualquer uma das circunstâncias especiais previstas nesse parágrafo, prevalecerá à

agravante genérica (art. 61 do Código Penal).174

Fazendo uma análise do § 9º, inserido pela Lei 10.886/04, com a lesão corporal leve, será

possível verificar que, além da alteração da pena mínima, não houve maiores acréscimos com relação à

real punição do agressor.

Através da cominação da pena, pode-se perceber que a violência doméstica inserida no § 9º,

assim como nas lesões corporais de natureza leve, é infração de menor potencial ofensivo, sendo

regulada, portanto, pelos Juizados Especiais Criminais (Lei 9099/95, alterada pela Lei 10.259/01). Ou

seja, mesmo com a alteração legislativa, a violência doméstica permaneceu sob a égide dos Juizados, dos

quais, na maioria das vezes, as vítimas só conseguem a cesta básica como forma de “punição” do

agressor.175

170 DAHER, Marlusse Pestana. Violência doméstica é crime. http://www.jusvi.com/site/p_detalhe_artigo. asp?codigo=2314&cod_categoria=&nome_categoria=. Acesso em 08/11/2004.171 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 271172 JESUS, Damásio de. Direito Penal: Parte Geral. 21º ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 1. p. 570.173 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: Parte Geral. 3º ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p. 486.174 JESUS, Damásio de. Violência Doméstica: Novos tipos penais criados pela Lei n. 10.886, de 17 de junho de 2004. Disponível em: <www.damasio.com.br/novo/html/frame_artigos.htm>. Acesso em: 20/08/2004.175 Ibid.

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Igualmente às lesões corporais leves, cabe, na violência doméstica do §9º, transação penal, sursis

processual e penas restritivas de direitos.

E ainda, conforme a Lei dos Juizados Especiais Criminais (lei nº 9099/95), a ação utilizada para

essa figura típica qualificada, é penal pública condicionada à representação (art. 88 da Lei 9099/95), ou

seja, depende da iniciativa da vítima.

Há também o §10º do art. 129 do Código Penal, o qual afirma que “nos casos previstos nos §§1º

a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no §9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um

terço)”.

Tal dispositivo é uma causa de aumento de pena porque o legislador apenas impôs um

acréscimo, não estabelecendo nem mínimo, nem máximo da pena. Não possui, portanto, pena própria,

como a qualificadora do §9º.

Diferentemente do §9º, que é aplicada nas lesões corporais leves, essa causa de aumento de pena

descrita no §10º se aplica nos casos de lesão corporal qualificada, quando esta ocorrer nas condições

expostas no §9º. Esse §10º, de uma certa forma, satisfaz sua função de causa de aumento de pena, pois as

lesões corporais qualificadas cometidas no âmbito familiar terão a pena aumentada. Destarte, não levanta

maiores questionamentos.

Diante do exposto, dando-se ênfase ao §9º do art. 129 do Código Penal, que criou o novo tipo

penal da violência doméstica, é mister analisar se sua aplicação tem a eficácia necessária para combater

esse tipo de violência.

4.2 Aplicação da Lesão Corporal Doméstica nos Juizados Especiais Criminais.

Antigamente, era comum absolver-se o agressor ou até mesmo se arquivar o Inquérito Policial,

tendo como fundamento a harmonia do lar e a preservação da família.176 Hodiernamente, o crime de lesão

corporal leve é crime de menor potencial ofensivo, sendo de competência dos Juizados Especiais

Criminais, devendo, portanto, obedecer ao estabelecido pela Lei 9099/95.

A partir desta lei, a ação, que antes era Pública Incondicionada, passou a ser Pública

Condicionada, exigindo, assim, Representação por parte da vítima, a iniciativa por parte dela. Ora, diante

de tal fato, não subsiste o entendimento anterior, de que a estabilidade conjugal está acima dos direitos

fundamentais de cada ente familiar, que no caso em questão é a mulher.177

Em primeiro lugar, ressalte-se que até 1995, o termo “infração de menor potencial ofensivo” era

utilizado para definir as contravenções penais, ou seja, aquelas ações que agridem menos o corpo social.

Hoje em dia, esse termo abrange tanto contravenção penal como crime. Como este trabalho trata da lesão

corporal doméstica, limitar-se-á a analisar os crimes de menor potencial ofensivo.

O crime de menor potencial ofensivo é todo aquele em que a pena máxima não supera 02 (dois)

anos (alteração feita pela Lei 10.259/2001 – Lei dos Juizados Federais). É um requisito objetivo. Todo

crime cuja pena máxima não for superior a 2 (dois) anos é de competência do Juizado Especial Criminal.

176 Vide Jurisprudência nº 33 em Anexo A.177 Vide Jurisprudência nº 34, 35 e 36 em Anexo A.

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Não existindo Juizado Especial Criminal na cidade, o juiz singular irá apreciar a questão, obedecendo,

entretanto, o rito do Juizado Especial. Essa classificação diz respeito à pena cominada e não à importância

do fato ilícito que está descrito na lei.

Pergunta-se: a violência doméstica contra a mulher, mais especificamente a lesão corporal

doméstica, é, ainda, um crime de menor potencial ofensivo?

Em primeiro lugar, é um absurdo, ideologicamente falando, considerar a violência doméstica

contra a mulher um crime de menor potencial ofensivo, pois, afinal de contas, ela constitui uma ofensa à

dignidade da pessoa humana, mas, infelizmente, no contexto legal, é isso o que acontece. Conforme a Lei

9099/95, a violência doméstica contra a mulher, nos casos de lesão corporal leve, é crime de menor

potencial ofensivo.

Mesmo com a alteração da Lei 10.886/04, a lesão corporal sofrida pelas mulheres no âmbito

familiar ainda permanece na seara dos Juizados Especiais Criminais, com exceção do § 10º, que apenas

agravou o crime de lesão corporal grave e gravíssima, os quais permaneceram na esfera da Justiça

Comum.

O que se verifica, porém, é uma maior preocupação com relação à lesão corporal leve, haja vista

sua maior ocorrência, até porque, muitas vezes, a lesão corporal grave ou até mesmo gravíssima é

desclassificada para lesão corporal de natureza leve em razão de omissão ou ausência de laudo pericial,

conforme foi visto no capítulo anterior. Talvez seja essa a razão dos impressionantes números de

processos que a Delegacia da Mulher encaminha para os Juizados Especiais Criminais.

No Estado de Pernambuco é visível a elevada incidência da violência doméstica, em especial da

lesão corporal, conforme estatística realizada pelo Departamento Policial da Mulher, publicada pelo

jornal Diário de Pernambuco:178

Delegacia da Mulher de Santo Amaro

Tipo Penal 2003 2004Lesão corporal 1.514 1.030Ameaça 1.596 755Crimes contra a honra 1.436 726Atentado violento ao pudor

15 14

Estupro 34 23Queixas diversas 20 2.623Total 4.615 5.171Inquéritos e TCO’s remetidos à justiça

85,79% 85,26%

Delegacia da Mulher de Prazeres

Tipo Penal 2003 2004Lesão corporal 600 615Ameaça 1.292 1.073Crimes contra a honra 1.128 1.113Atentado violento ao pudor

1 14

Estupro 16 11

178 GOETHE, Paulo. Agressor de mulher tem pena leve. Diário de Pernambuco. 06/03/2005. Caderno Vida Urbana – C4.

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Queixas diversas 887 804Total 3.924 3.630Inquéritos e TCO’s remetidos à justiça

93,53% 100%

Delegacia da Mulher de Petrolina

Tipo Penal 2003 2004Lesão corporal 322 363Ameaça 331 336Crimes contra a honra 72 68Atentado violento ao pudor

10 13

Estupro 19 18Queixas diversas 23 182Total 821 980Inquéritos e TCO’s remetidos à justiça

65,86% 96, 82%

Delegacia da Mulher de Caruaru

Tipo Penal 2003 2004Lesão corporal 373 319Ameaça 459 470Crimes contra a honra 160 100Atentado violento ao pudor

19 15

Estupro 22 16Queixas diversas 62 99Total 1.095 1.019Inquéritos e TCO’s remetidos à justiça

57,96% 99,71%

O que o §9º alterou, teoricamente, foi o aumento da pena mínima, que deixou de ser 03(três)

meses (caput do art. 129 do Código Penal) e passou a ser 06 (seis) meses, mantendo-se a pena máxima

em 01 (um) ano, o que, na prática, não trouxe grandes conseqüências, pois o agressor continua a ser

“punido” com cestas básicas, isso quando ele é punido.

E esses crimes de menor potencial ofensivo podem sofrer duas medidas, conforme preza a Lei

9099/95: conciliação e transação penal. Não se pode confundir esses dois institutos.

A conciliação acontece entre a vítima e o autor do fato.179 Na capital, essa relação é intermediada

pela figura do conciliador, que vai tentar fazer um acordo entre a vítima e o autor do fato. A conciliação é

híbrida, porque, geralmente, esse acordo versará sobre o Direito Civil, mais especificamente, sobre danos

materiais e danos morais. Ocorre da seguinte forma: resolve o problema cível e se a vítima estiver

satisfeita, não existe o procedimento penal.

Cezar Roberto Bitencourt, citado por Joaquim Domingos de Almeida Neto, trata da composição

penal:

Finalmente, a Lei 9.099/95 dá uma importância extraordinária para a reparação do dano ex delicto, tornando-a prioritária em relação à composição penal. Tanto é verdade que, havendo composição dos danos civis, tratando-se de ação privada ou de pública condicionada, o acordo homologado acarreta renúncia ao direito de queixa e representação (art. 74,

179 Nos Juizados Especiais Criminais, o réu é denominado autor do fato.

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parágrafo único). A sentença homologatória dos danos, que é irrecorrível, constitui título judicial, executável no juízo cível competente (art. 74). Enfim, o ordenamento jurídico brasileiro sempre adotou a separação das jurisdições penal e civil, no máximo, admitindo a sentença condenatória como título judicial. Agora, passa-se a adotar sistema, ainda que excepcionalmente, de “cumulação das jurisdições”, vencendo resistências, como destacou Antônio Scarance Fernandes, “em que pese a divergência, vai-se firmando tendência em admitir, de maneira mais ou menos ampla, a resolução da questão civil em processo criminal. 180

Ressalte-se que, apesar de ser condicionada à representação, é uma Ação Penal Pública, devendo

o Ministério Público emitir parecer a respeito do acordo firmado na conciliação e, se ele achar por bem

não permitir tal acordo, ele poderá fazê-lo.

Enfim, após a celebração do acordo, há o que se chama de extinção de punibilidade pela

renúncia181, ou seja, resolveu o problema cível, resolveu o problema criminal; não se pode mais interpor

Ação Penal contra o autor do fato pelo mesmo crime. Tudo ficou resolvido ali, na conciliação (art. 74 da

Lei 9099/95).

Mesmo que o autor do fato não cumpra a obrigação estipulada no acordo, não existe mais a

possibilidade de se recorrer à esfera penal. Neste caso, a vítima vai ter que executar o título na esfera

cível.

Ressalta-se aqui a questão da restituição, da reparação do dano sofrido pela vítima de lesão

corporal doméstica e sua eficácia. Inicialmente, a vítima sente que se fez justiça, que o agressor ao menos

está pagando pelo que ele fez, no entanto, feita a conciliação e “indenizada” a vítima, o agressor retornará

para a sua casa, que é a mesma casa da vítima, e voltará a delinqüir, mais cedo ou mais tarde.

Na conciliação, existe também o denominado “aguardo de prazo decadencial”. O prazo

decadencial é a perda do direito de ação por parte da vítima, e só é possível na Ação Penal Privada e na

Ação Penal Pública condicionada à Representação. Em regra, esse prazo decadencial é contado a partir do

conhecimento da autoria do fato, acontecendo a decadência 06 meses depois desse conhecimento (art. 103

do Código Penal).

Pois bem, quando o juizado, em especial o 3º  Fórum Universitário de PE - Universidade

Católica de PE182, recebe um processo, geralmente ele é oriundo de violência doméstica, em que a vítima

continua morando com o agressor na mesma casa, dormindo na mesma cama. Então, a mulher quer a

ajuda do Estado, não para acabar com o casamento, mas para dar uma chance ao agressor; ela quer que a

violência acabe.

Atualmente, nos Juizados Especiais Criminais, as esposas representam contra os seus maridos por crime de lesão corporal e na audiência, freqüentemente pedem que os mesmos sejam estimulados ao respeito à integridade física delas, razão precípua da invocação da autoridade. 183

180 BITENCOURT, Cezar Roberto apud ALMEIDA NETO, Joaquim Domingos. Juizado especial criminal - acordo civil abrangência da matéria. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 03/09/2004.181 É o que se chama de renúncia tácita, prevista no parágrafo único do art.74 da Lei 9099/95.182 Este Juizado é o que recebe maior demanda de processos relativos à violência doméstica praticada contra a mulher, atuando junto à Delegacia da Mulher, localizada em Santo Amaro.183 PENTEADO, Jaques de Camargo. A família e a justiça penal: Crimes contra a família: a responsabilidade criminal e o núcleo familiar de fato: a legislação penal, os incapazes e os idosos. 1. ed.

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Isso é o aguardo de prazo decadencial: quando o TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência)

chega ao Juizado Especial, o mesmo fica aguardando os seis meses necessários para que a vítima possa

pensar se quer ou não dar continuidade ao processo.

Na prática, essa é a medida mais adotada nos Juizados Especiais porque era muito comum a

mulher renunciar, de forma expressa, e uma semana depois voltar ao Juizado dizendo-se arrependida, e aí,

neste caso, nada se poderia fazer.

A transação penal, por seu turno, é o acordo que acontece entre o autor do fato e o Ministério

Público, que ocorre sempre nas Ações Penais Públicas, seja ela incondicionada ou não.

Nos processos referentes à lesão corporal doméstica no seio familiar, que é Ação Penal Pública

condicionada à representação184, quando a conciliação é frustrada, o segundo passo é a transação penal.

Neste momento, não se está negociando na esfera cível, mas sim na esfera penal. O Ministério Público

vai propor uma antecipação da

pena, ou seja, o autor do fato vai pagar uma pena sem processo.

Na transação penal, o Ministério Público oferece duas opções ao autor do fato:

1 – Ele é processado, afinal é um direito constitucional que ele tem;

2 – Ele não é processado, devendo cumprir uma pena sem processo, com a vantagem de não haver

antecedentes criminais, pois não teve processo, nem, conseqüentemente, condenação; ele não está

assumindo culpa, ele só não quer ser processado.

Essa pena assumida pelo autor do fato, nos Juizados Especiais, é uma pena alternativa, e para

isso, é necessária a presença de um advogado. A transação penal é finalizada com a sentença

homologatória, ou seja, esse acordo feito entre o Ministério Público e o autor do fato é homologado pelo

juiz e traz a seguinte conseqüência: durante 05 (cinco) anos a pessoa não pode ser beneficiada com nova

transação penal (§ 4º do art.76 da Lei 9099/95).

Quem é o mais beneficiado com a transação penal é o Estado, devido à celeridade e à economia

processual. Já a conciliação é “boa” para a vítima e é a alma do Juizado, pois se encontra em todas as

fases.185

Esgotadas todas as possibilidades, o juiz poderá, ainda, conforme art. 69 da Lei 9099/95,

determinar que o agressor seja afastado do lar ou encaminhar a vítima para um abrigo, a fim de protegê-

la. Há especialistas da área que acreditam na efetividade dessa medida, mas deve-se ressaltar que a

mesma é cautelar, subsistindo durante o processo, conforme entendimento da Dra. Promotora de Justiça

Yélena de Fátima M. Araújo:

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 89.184 A exigência de Representação para que o Estado possa promover a justiça, em determinados crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais, para alguns doutrinadores, não deveria existir. Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira diz que, na prática, muitos processos dos Juizados Especiais Criminais são arquivados por falta de representação, o que, muitas vezes, não resulta da vontade da vítima de que o autor da agressão (no caso em questão seria lesão corporal leve) não seja punido. Esse autor diz ainda que “a reprovabilidade da conduta deveria exigir, por parte do Estado, autonomia para processar o autor independentemente da representação”. (OLIVEIRA, Adriano Rodrigo Ponce. A “natureza jurídica da cesta básica” (Lei 9.099/95). Disponível em: <www.ibccrim.com.br>. Acesso em 03/09/2004).185 Deve-se observar até que ponto a conciliação é boa para a vítima, pois, em geral, o agente volta a delinqüir.

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O que teve muito mais impacto foi a lei do ano passado, que é do afastamento domiciliar do agressor. Esta sim, teve um peso muito grande. A nossa maior preocupação é o afastamento do agressor, porque muitas mulheres preferem prestar uma queixa, ir à delegacia, abrir um TCO, do que entrar com Separação de Corpos; possa ser que aqui, o afastamento do marido seja mais rápido do que na separação de corpos. 186

No entanto, pode-se dizer que tal medida pode amenizar o problema da violência doméstica, mas

não resolve o mesmo, assim como a alteração feita pela Lei 10.886/04, que, na prática, nada modificou no

que concerne à situação das mulheres vítimas de violência doméstica. O agressor continua a ser punido

com medidas sócio-educativas, sem deixar de ser réu primário, retornando ao lar, onde sua vítima o

“aguarda” para as próximas sessões de agressões.

Há quem acredite que a criação de uma lei própria, específica para o tema, como a do Estatuto

da Criança e do Adolescente ou o Estatuto do Idoso, onde a punição do agressor fosse mais severa e

proporcional ao dano cometido, resolveria a questão. Outros entendem que a criação de varas e juízes

especializados em violência doméstica seria a solução.

Na opinião, novamente, da Dra. Promotora de Justiça Yélena de Fátima Monteiro Araújo, a

assistência psicológica e social, devidamente concedida às mulheres vítimas de violência doméstica, seria

a saída para esse tipo de violência:

E acho que a solução, tanto da violência doméstica, como de qualquer outro tipo de violência é a questão social. Você percebe a proporcionalidade, o tipo de comportamento, de lesão, de acordo com nível de escolaridade, que pesa, e de atividade. Tanto maior a pressão social, desemprego, desestruturação familiar, agrava a situação de violência. Então, o ideal seria que nosso país mudasse. Mas, especificamente, acho que precisamos, o Estado precisa se atentar em prestar serviços de assistência psicológica, bancos de atividades, práticas laborativas, porque está precisando dar opções à mulher para que ela entre no mercado de trabalho. É interessante que as pessoas que estão nesse panorama de violência sejam assistidos tanto psicologicamente como sejam providenciados outros aspectos materiais. Em termos de Juizado, eu acho que é importante mesmo é que a solução do país não está no setor público, não está no setor privado, não está no terceiro setor, a solução está compartilhada por todos. Eu acho que a contribuição do Juizado aos membros do Poder Judiciário, bem como do Ministério Público, é a percepção que, na verdade, a verdade nem sempre está nos autos, normalmente não está nos autos; precisa de uma solução e não de uma ficção jurídica, de uma sentença, apenas naqueles termos penais, que não vai solucionar o problema. 187

Tais medidas, obviamente não exterminaria a violência doméstica, até porque a questão da

violência contra mulher no seio familiar tem raízes mais profundas, no entanto, poderiam, sobremaneira,

ajudar na erradicação da violência doméstica, mais especificamente da violência doméstica contra a

mulher.

186 Vide Apêndice.187 Vide Apêndice.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência doméstica é algo muito complexo, envolvendo diversos sentimentos e emoções, até

porque envolve a família, que é o alicerce para a “construção” do indivíduo. E esse tipo de violência

existe não apenas nas classes menos favorecidas, mas pode acontecer em toda e qualquer família,

independentemente de raça, de classe social ou econômica.

Como foi visto, a violência doméstica contra a mulher pode ser praticada através de agressões

físicas, sexuais ou psicológicas, sendo bastante comum, porque não dizer caracterizador, a ocorrência

concomitante desses três tipos de violência. Há todo um processo de violência sofrido pelas mulheres, que

é chamado de “ciclo da violência doméstica”, o qual se inicia com a tensão, parte para o episódio violento

e desemboca na reconciliação, tornando difícil, para a mulher, visualizar a violência que está sofrendo e,

conseqüentemente denunciar o agressor.

A lesão corporal é a mais comum das agressões praticadas contra a mulher. Conforme dados da

Delegacia da Mulher de Santo Amaro, Recife-PE, no ano de 2004, 1030 casos de lesão corporal

doméstica foram registrados. E esse delito é classificado em vários graus, ou seja, a mulher pode ser

vítima de lesões corporais leve, grave, gravíssima ou seguida de morte.

Cada uma dessas formas de lesões possui suas características, porém foi verificado que as lesões

corporais leves são as mais freqüentes, possuindo, para tanto, um fator importante: a grande quantidade

de desclassificações das demais lesões para lesão corporal de natureza leve em virtude da insuficiência ou

da ausência do laudo pericial exigido para se comprovar a existência e o grau da lesão corporal suportada

pela vítima.

Ficou evidenciado que o número de casos de violência doméstica no Brasil, em especial o estado

de Pernambuco chega a ser alarmante, isso sem contar nas inúmeras agressões que não são denunciadas,

porque há todo um emaranhado de sentimentos que, muitas vezes, facilita, quando não proporciona, a

impunidade do agressor.

Com o intuito de mudar esse quadro, a lei 10.886/04 tipificou a violência doméstica no Código

Penal, introduzindo os §§ 9º e 10º no art. 129. Diante da falsa ilusão de que a violência doméstica, agora,

é crime, pode-se imaginar que a alteração feita pela referida lei supriu os anseios sociais de forma

satisfatória, porém, o que se verifica, na prática, é que a criação do tipo penal “violência doméstica”

certamente representou algum avanço, mas não é uma medida completamente eficaz contra esse tipo de

violência.

Constatou-se que o crime de lesão corporal leve cometido contra as mulheres no recinto do lar,

mesmo após a introdução do § 9º do art. 129, ainda é de competência dos Juizados Especiais, sendo

cabível, da mesma forma, a conciliação e a transação penal. Ou seja, o que mudou, na verdade, foi a pena

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mínima de tal crime, que passou de 03 (três) meses para 06 (seis) meses de detenção, e isto, infelizmente,

ainda proporciona uma leve punição do agressor.

Outra mudança que merece o mérito foi a concepção de que a mera coabitação ou hospitalidade

pode dar ensejo à violência doméstica, devendo, portanto, ser passível de punição.

Verificou-se, também, que com relação ao crime de lesão corporal grave, lesão corporal

gravíssima ou lesão corporal seguida de morte, praticado contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge

ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda prevalecendo-se o agente das

relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, a pena aplicada será aumentada de 1/3. Dessa

forma, a lesão corporal praticada no âmbito doméstico é punida mais severamente (se é que se pode falar

em pena “severa”) do que a lesão corporal cometida contra qualquer um, o que não deixa de ser

progresso.

No entanto, mesmo diante da tipificação da violência doméstica e do aumento de pena em razão

da violência doméstica, infelizmente, a sociedade, mais especificamente as mulheres, ainda padecem do

mal da violência em seus lares. Isso ocorre porque, como já foi mencionado, a violência doméstica possui

raízes mais profundas, e estas raízes não se encontram na lei, mas sim na própria sociedade. Então, além

de se alterarem as leis, o que também é de extrema importância, deve-se alterar a consciência social, a

cultura social, para que se possa alcançar o objetivo final: erradicar da violência doméstica.

Cabe ao Estado estimular tal mudança e obedecer à Constituição Federal, preservando a família e

combatendo ferozmente a violência existente na mesma. Como ele faria isso? Existem várias formas e

uma delas é a criação de uma lei que realmente surta efeito, uma lei que puna mais pesadamente o

agressor, impedindo, ou ao menos evitando, a sua reincidência. Não se pode negar que a Lei 10.886/04

foi um importante passo em direção à paz familiar, e assim, da sociedade como um todo, mas a luta ainda

não terminou.

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Códigos:

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Artigos:

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Evento:

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www.senado.gov.br

www.tacrim.sp.gov.br

www.tjmg.gov.br

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www.tj.rs.gov.br

Trabalhos Científicos:

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ALBUQUERQUE, Débora Fernanda Pinto. O reflexo da violência no meio social. Monografia (Conclusão de Curso de Serviço Social). Recife: Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, 1988.

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BOTELHO, Andréa Cristina Valença Gomes. Abrindo janelas: um olhar sob(re) reações familiares frente à morte por violência. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Recife: Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP, 2001.

CANCADO, Maria Elena Ruschel; JUNQUEIRA, Sonia Botelho. Família, violência e poder: Trabalho social em uma delegacia policial da baixada fluminense. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1984.

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APÊNDICE

Entrevista realizada com a Dra. Yélena de Fátima Monteiro Araújo, Promotora de Justiça do estado de Pernambuco em exercício no 3º  Fórum Universitário de PE - Universidade Católica de

PE.

1) Qual a maior dificuldade enfrentada pelo Juizado Especial Criminal?

A maior dificuldade é a falta de assistência na estrutura estatal, de proteção, não só no aspecto criminal, porque eu acredito que no aspecto criminal, bem ou mal, está sendo atendido, tem a Delegacia da Mulher, tem esse Juizado, que é praticamente, exclusivamente de violência doméstica contra a mulher (tecnicamente não existe essa definição por lei, mas na prática, ele só atende à violência contra a mulher), então, eu acredito que juridicamente, em termos de criminal, a questão da violência contra a mulher está sendo bem atendida. Apesar do que, a demanda está imensa, o grande prejuízo aqui é a demanda, que é muito alta; até o ano passado nós tínhamos a quantidade de processos superior ao Thomaz de Aquino, que funciona em dois turnos, então, a demanda é muito alta, conseqüentemente causa prejuízo, porque as audiências ficam com a pauta superlotada. Mas, queira ou não, já existe o espaço, isso eu acho que já é uma grande conquista, diferente de outros segmentos, como deficientes, como os idosos, que não existe esse espaço, a partir do momento que existe o espaço, você pode ampliar. Então, juridicamente, eu acho que, bem ou mal, já existe um referencial.

Agora, o que a gente percebe muito é a falta de assistência social. O que é que essa mulher tem, pra onde ela vai recorrer, pra onde ela vai reportar seus problemas? Muitas delas não querem se separa, mas como é que vai resolver? Por exemplo, no estado de Pernambuco só existe uma unidade pública que faz atendimento psicoterápico: a CAZAS, atendimento familiar, que é o Hospital das Clínicas, o único, porque ninguém tem capacidade. Então, isso é que é o problema. E, a questão da violência doméstica é muito sutil porque é um processo degenerativo, existe um relacionamento, existe a vítima e existe o agressor, essas vítimas e o agressor se relacionam, existe uma interdependência, o agressor precisa da anuência da vítima pra ser agressivo, então a vítima tem que concordar, em algum momento ela está concordando. Então a violência doméstica não é no susto, você casou e noutro dia ele dá uma surra em você, é um processo paulatino, começa com “Você está gorda hoje”, “Essa roupa não presta, tu fica muito feia”, “Pra quê tu vai pra escola? Tu não aprende nada mesmo, tu é burra”. Essa questão vai minando a auto-estima da mulher.

Dependendo da classe social, vai ter ainda aquela questão de trabalhar fora ou não trabalhar fora; se a mulher trabalhar fora e acontecer alguma coisa com o filho, aí o marido diz “está vendo, se você estivesse em casa, não teria acontecido isso”. O relacionamento entre homem e mulher é muito delicado, então fica difícil você chegar num processo e dizer “Hei meu filho, acabou! Você tem que mudar o comportamento”. Como é que ele vai entender isso, se isso já faz parte de um processo interno do casal? Você tem que desconstituir duas pessoas. Por isso, o maior problema do Juizado também é que a vítima e o agressor, não se percebem como tais, tem essa dificuldade toda de você entender a correlação. Lembra

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muito a questão da criança: “ele bateu, mas porque eu mereci”. Então é muito complicada a violência doméstica contra a mulher porque não existe uma rede de apoio para esta mulher e para este agressor, porque o agressor não nasceu agressor, ele se transformou em agressor, inclusive porque ele deve ter sido vítima ou presenciado uma agressão quando criança, as estatísticas mostram que de cada 10 crianças que presenciam violência doméstica, 9 vão repetir quando adultos. Então é muito difícil se trabalhar.

2) É comum a reincidência do agressor, quer dizer, ele voltar a delinqüir após celebração de conciliação ou transação penal?

É muito comum isso acontecer, porque são pessoas que convivem permanentemente. Então são processos que você precisa resolver. Numa transação penal, uma prestação de serviço à comunidade ou uma doação não vão resolver, porque eles vão continuar convivendo, você tem que abordar o ponto principal daquele conflito. Aí que a gente sente falta, vamos encaminhar essa mulher pra onde? Vamos encaminhar esse homem pra onde, no caso de bebida? Isso porque a bebida ou droga são potencializadores, o bêbado não agrediu porque estava bêbado; a bebida é um potencializador, existe aquilo, por exemplo, o bêbado não briga com o colega de copo, briga com a mulher em casa.

3) Quais são as principais queixas das mulheres vítimas de violência doméstica?

Olha, é um processo. E nessa questão da violência doméstica tem um pudor a ser falado, mas o que realmente acontece, que nós percebemos, é o abuso sexual, a violência sexual é um fato. Mas não é a mais reportada em virtude do preconceito, do constrangimento de você ter que dizer como acontecer, reviver os fatos. Mas fora isso, tem a agressão moral, que é a toda hora, utilizando palavras de baixo calão, e em seguida a agressão física. A agressão psicológica fica nesse limiar.

4) Como é comportamento da vítima nos Juizados Especiais Criminais ante o processo contra o agressor?

É muito interessante a questão de trabalhar nessa área. Cada pessoa é um mundo e cada processo é um mundo, a gente consegue identificar um padrão, mais ou menos, mas não é respeitado ao pé da letra. É comum as mulheres tentarem se reconciliar, por vários fatores. Existe a dependência econômica que motiva, mas é mais a pressão psicológica do que a econômica, porque colocar “chifre” pra elas é normal, botando comida em casa... Então, há toda uma concepção, você não muda a cabeça de uma mulher, há todo um meio social em que ela vive. Tem o problema psicológico dos filhos também. Então, o maior peso é a psicologia em si e a cultura. Há sempre uma perspectiva de que ele vai melhorar.

5) Na sua opinião, qual o alcance da Lei 10.886/04, que introduziu dois parágrafos no art. 129 do Código Penal, referente às lesões corporais?

Seria nada. Porque ela realmente não alterou nada. O que mudou? Acho que aumentaram a pena em 1 mês! A pena máxima continua a mesma. Então, só pra eles colocarem um título diferente? Em vez de lesão corporal leve, colocar violência doméstica? No final das contas não alterou nada, nem a competência mudou. O que teve muito mais impacto foi a lei do ano passado, que é do afastamento domiciliar do agressor. Esta sim, teve um peso muito grande. A nossa maior preocupação é o afastamento do agressor, porque muitas mulheres preferem prestar uma queixa, ir à delegacia, abrir um TCO, do que entrar com Separação de Corpos; possa ser que aqui, o afastamento do marido seja mais rápido do que na separação de corpos. Então, há um desvio da coisa. Há uma preocupação muito grande de não fazer com que a Justiça Criminal seja um meio de se evitar fugir da alçada correta da separação de corpos, pois é uma questão de casamento. Mas ta acontecendo esse desvio.

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6) Na prática, como está sendo esse afastamento domiciliar? Tem tido eficaz?

Está tingindo seu objetivo e ocorre, praticamente, uma por semana. É a solução. O único problema que eu vejo do afastamento domiciliar é que é uma medida cautelar, não é nem acompanhamento de pena, ou seja, só cabe durante o processo, o que é lamentável. Porque é a medida que dá a solução. Muitos e muitos processos só foram decididos depois que o agressor se afastou; depois que o conflito saiu de dentro de casa, é que nós tivemos condições de terminar o processo no sentido de que a justiça seja feita, porque simplesmente encerrar com a transação penal, com aplicação de pena alternativa que não tem nada a ver com a questão, não acredito que seja uma solução; é uma solução terminativa, mas não definitiva.

7) Para finalizar, qual seria a solução para acabar de vez com a violência doméstica contra a mulher?

E acho que a solução, tanto da violência doméstica, como de qualquer outro tipo de violência é a questão social. Você percebe a proporcionalidade, o tipo de comportamento, de lesão, de acordo com nível de escolaridade, que pesa, e de atividade. Tanto maior a pressão social, desemprego, desestruturação familiar, agrava a situação de violência. Então, o ideal seria que nosso país mudasse. Mas, especificamente, acho que precisamos, o Estado precisa se atentar em prestar serviços de assistência psicológica, bancos de atividades, práticas laborativas, porque está precisando dar opções à mulher para que ela entre no mercado de trabalho. É interessante que as pessoas que estão nesse panorama de violência sejam assistidos tanto psicologicamente como sejam providenciados outros aspectos materiais. Em termos de Juizado, eu acho que é importante mesmo é que a solução do país não está no setor público, não está no setor privado, não está no terceiro setor, a solução está compartilhada por todos. Eu acho que a contribuição do Juizado aos membros do Poder Judiciário, bem como do Ministério Público, é a percepção que, na verdade, a verdade nem sempre está nos autos, normalmente não está nos autos; precisa de uma solução e não de uma ficção jurídica, de uma sentença, apenas naqueles termos penais, que não vai solucionar o problema.

ANEXO A

Jurisprudências.

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01. Estupro e atentado violento ao pudor. Réu e vitima, marido e mulher. Vestígios materiais positivos em torno da ocorrência de copula vagínica e negativos no que tange a pratica de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Equimose no ombro da vitima. Alegação do réu de ter ocorrido briga corriqueira durante o encontro amoroso de rotina. Depoimento não convincente da ofendida para positivar a pratica dos mencionados delitos. Prova testemunhal que pouco esclarece. Apelo provido para absolver o denunciado de ambas as imputações. (07 fls) (TJRS - Apelação Crime nº 70002178614, Órgão Julgador: 5º Câmara Criminal. Relator: Paulo Moacir Aguiar Vieira. Data de Julg.: 23/05/2001).

02. Estupro entre os cônjuges. A simples existência de um dever a relação sexual não legitima o marido a obtê-la mediante violência física. Necessidade de prova segura da agressão sofrida. Ter relação com o coito e da veemente oposição a ele. Palavra da vitima desprovida de coerência e uniformidade. Sentença absolutória mantida. Apelo ministerial improvido. (TJRS - Apelação Crime nº 698087079. Órgão Julgador: 7º Câmara Criminal. Relator: Aido Faustino Bertocchi. Data de Julg.: 20/08/1998).

03. Lesão Corporal de Natureza Grave. O auto de exame de corpo de delito e o auto de exame complementar demonstra a extensão da lesão sofrida pela vitima, que foi agredida com um tapa pelo seu marido. A pretendida desclassificação para o delito de lesão corporal culposa não encontra respaldo na prova dos autos, restando isolado o relato da mãe do acusado que disse que a lesão foi em decorrência da vitima ter projetado o rosto, em razão do tapa, e batido na quina da porta. Apelo Defensivo Desprovido. (TJRS - Apelação Crime nº 70001019371. Órgão Julgador: 1º Câmara Criminal. Relator: Silvestre Jasson Ayres Torres. Data de Julg.: 22/11/2000).

04. Estupro. Insuficiência de provas. Absolvição. Se a própria vítima, esposa do réu, não obstante acusá-lo na fase do inquérito policial, vem a juízo e nega haver sofrido violência. Tal comportamento, até por uma questão de política criminal, considerada a situação do casamento e dos próprios filhos, inviabiliza a condenação. Deu-se provimento ao recurso para absolver o réu, expedindo-se em seu favor alvará de soltura. Decisão unânime. À unanimidade, deu-se provimento ao recurso para  absolver o réu, expedindo-se em seu favor alvará de soltura.  (TJPE - Apelação Criminal nº 24662-2. Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal. Relator: Ozael Veloso. Revisor: Pio dos Santos. Data de Julg.: 25/10/95).

05. “Lesões corporais - agente que, em estado de excessiva agressividade gerado pela embriaguez, passa a agredir suas filhas, causando-lhes lesões - configuração: - incorre nas penas do art. 129, "caput", do Código Penal, o agente que, em estado de excessiva agressividade gerado pela embriaguez, passa a agredir suas filhas, causando-lhes lesões corporais.” (TACRIM-SP – Apelação nº 1340503/2 . Órgão Julg.: 3ª Câmara. Relator : Poças Leitão. Data : 11/03/2003, v.u.)

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06. “Pena - lesão corporal agravada - agente com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool - determinação de tratamento ambulatorial - admissibilidade: - em tema de lesão corporal agravada pela circunstância prevista no art. 61, II, "e", do Código Penal, mostra-se correta a determinação judicial de tratamento ambulatorial do agente semi-imputável que apresenta, consoante laudo pericial, transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool. Tal comprovação, por si só, já se mostra suficiente para embasar a referida opção, e não a da aplicação de penas reduzidas, pura e simplesmente”. (TACRIM-SP– Apelação nº 1348833/ 8.  – Rel. João Morenghi. Órgão Julgador: 4º Câmara Criminal . Data de Julg.: 15/04/2003, v.u)

07. Lesão corporal - agente que agride a esposa, ferindo-a, ao chegar em casa e encontrá-la com caixa de fósforos na mão, após ter ateado fogo às roupas dele - reconhecimento da atenuante de violenta emoção - possibilidade: - pode ser reconhecida a circunstância atenuante de violenta emoção na hipótese em que o agente agride a esposa, ferindo-a, ao chegar em casa e encontrá-la com caixa de fósforos na mão após ter ateado fogo às roupas dele. (TACRIM-SP – Apelação nº 1380581/2.  Órgão Julg.: 3ª Câmara. Relator : Pereira da Silva. Data : 27/01/2004, v.u.)

08. “Lesões corporais. Conduta antijurídica do agente que, após passar pela vitima, para o carro, arma-se com um facão e aguarda a aproximação do desafeto, vindo com ele travar luta armada e lesionando-o. Desclassificação para lesão leve. O simples sintoma de dor, sem estar ligado a qualquer causa, objetivamente constatada e explicada pelos peritos, não pode servir para a qualificação do crime”. (TJRS - Apelação Crime nº 684026339. Órgão Julgador: 1º Câmara Criminal. Relator: Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira. Data de Julg.: 26/09/1984.)

09. Lesões corporais - reconhecimento do delito de bagatela, sob a alegação de serem insignificantes os danos causados à vítima - impossibilidade: - em tema de lesões corporais, é impossível o reconhecimento do delito de bagatela, dada a alegação de serem insignificantes os danos causados à vítima. A integridade corporal é bem jurídico de extrema relevância e, entender-se que alguém possa estar sujeito a agressões, impunemente, ofenderia a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da Constituição Federal. (TACRIM-SP - Apelação nº 1356265/4. Relator: Figueiredo Gonçalves. Órgão Julgador: 4ª Câmara. Data de julg.: 10/06/2003, v.u) 

10. “Lesão corporal. Ofensa de pouca ou nenhuma gravidade que o cônjuge provoca no outro. Absolvição. Necessidade: - se de pouca ou nenhuma gravidade a ofensa que o cônjuge provocou no outro, não será despropositado absolvê-lo do crime do art. 129, "caput", do Código Penal, pois nas querelas domésticas, a punição do acusado implica, muitas vezes, a ruptura dos últimos vínculos de afeição conjugal. (TACRIM-SP – Recurso em sentido estrito nº 1189965/7.  Órgão Julg.: 15.Câmara. Relator : Carlos Biasott. Data : 16/03/2000, v.u.).

11. “Lesão corporal - tentativa - admissibilidade: - o crime de lesão corporal é material e, assim, admite tentativa. Se a intenção do agente é de ferir, impossível o reconhecimento das vias de fato ou do perigo para a vida ou saúde de outrem, dispostos nos arts. 21 da Código Penal e 132 do Código Penal.” (TACRIM-SP – Apelação nº 1355913 / 8. Órgão Julg.: 2ª Câmara. Relator : Oliveira Passos. Data : 12/06/2003, v.u.)

12. “Lesão corporal - agente que agride a esposa - reconhecimento de exercício regular de direito - impossibilidade: - é impossível reconhecer o exercício regular de direito na conduta do agente que agride a própria esposa, causando-lhe lesão corporal, pois, de maneira alguma, tem ele o direito de ferir qualquer pessoa”. (TACRIM-SP - Apelação nº 1380581 / 2. Rel. Pereira da Silva. Órgão Julgador: 3ª Câmara. Data de Julg.: 27/01/2004, v.u.)

13. “Lesão corporal. Absolvição. Recurso do assistente de acusação. Impossibilidade de condenação ante a inexistência do nexo de causalidade com a lesão apresentada posteriormente pela vítima e a conduta perpetrada pelo agente. Inteligência do artigo 13 do Código Penal. À unanimidade, improveram o apelo

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da assistência da acusação”. (TJRS - Apelação nº 70009257627. Órgão Julgador: 2º Câmara Criminal. Relator: Eliane Maria Canto da Fonseca. Data de julg.: 17/02/2005, v.u.).

14. Prova - Lesão corporal - Exame de corpo de delito - Necessidade: - Inteligência: art. 386, III do Código de Processo Penal. Em sede de crime previsto no art. 129, caput, do CÓDIGO PENAL, é necessária a comprovação da materialidade delitiva através do exame de corpo de delito, a fim de verificar a real ocorrência de lesões corporais na vítima, suas extensões e gravidade”. (RJTACRIM 40/236 - Apelação nº 1.100.869/6. Órgão Julgador: 10ª Câmara. Relator: Breno Guimarães. Data de Julg.: 27/05/1.998)

15. Prova. Lesão corporal. Exame de corpo de delito indireto. Possibilidade: - o crime de lesão corporal, previsto no art. 129, "caput", do Código Penal, pode ser comprovado por exame de corpo de delito indireto consistente na consulta em ficha hospitalar. (TACRIM-SP – Apelação nº 1240445/7 . Órgão Julgador: 4. Câmara. Relator : Marco Nahum. Data de julg.: 03/04/2001, v.u.)

16. “Prova - lesão corporal - exame de corpo de delito indireto - valor: - nas lesões corporais, o exame de corpo de delito indireto, baseado em ficha de internação hospitalar do ofendido, constitui subsídio mais que suficiente, sendo perfeitamente válido para se atestar a materialidade do crime.” (TACRIM-SP - Apelação nº 1341943/2. Órgão Julgador: 4º Câmara. Relator: João Morenghi. Data de Julg.: 11/02/2003 , v.u.)

17. Lesão corporal - boletim médico - comprovação da materialidade - suficiência: - o boletim médico é suficiente à comprovação da materialidade do crime de lesão corporal, erguindo-se em autêntico laudo, mormente se a defesa não coloca em dúvida a autenticidade de suas conclusões. Retirar dele credibilidade constitui formalismo em excesso, o que não se compactua com as diretrizes do moderno Direito Penal. (TACRIM-SP – Apelação nº 1354405/6 . Órgão Julgador: 16ª Câmara. Relator : Lopes de Oliveira. Data de julg.: 24/04/2003, v.u.)18. Prova. Lesões corporais. Existência apenas de boletim médico avaliando as escoriações sofridas pela vítima e de declarações por ela ofertadas. Configuração. Insuficiência. Desclassificação para a contravenção de vias de fato. Necessidade: - deve ser desclassificado o delito do art. 129 do Código Penal para a contravenção de vias de fato se existem, nos autos, apenas boletim médico avaliando as escoriações sofridas pela vítima, bem como declarações por ela ofertadas em juízo dando conta da agressão, uma vez que esses elementos, por si sós, não são suficientes para caracterizar tal crime, se não se puder saber ao certo se da referida violência resultaram as lesões, que deveriam ser atestadas por meio de laudo de exame de corpo de delito. (TACRIM-SP – Apelação nº 1291875/1. Órgão Julgador: 12ª Câmara. Relator : Antonio Manssur. Data de julg.: 04/02/2002, v.u.).

19. Lesões graves decorrentes de agressão do marido. A reconciliação do casal não elimina o crime e a culpa, nem é causa de perdão judicial. Condenação mantida. (TJRS - Apelação Crime nº 684056070. Órgão Julgador: 3º Câmara Criminal. Relator: Gilberto Niederauer Corrêa. Data de Julg.: 23/05/1985).

20. “(1) Habeas corpus. (2) Paciente denunciado pela prática de lesão corporal de natureza grave (art. 129, § 1º, Código Penal). (3) Desclassificação para lesão corporal de natureza leve. (4) Irresignação do paciente dirigida contra atos judiciais de primeira e segunda instância, tendo em vista suposto equívoco na tipificação da conduta. (5) Ausência de impugnação fundamentada da decisão do Superior Tribunal de Justiça. (6) Inadmissibilidade de revisão direta, pelo Supremo Tribunal Federal, de decisões proferidas pelos órgãos de primeira e segunda instância do Poder Judiciário. (7) Habeas corpus não conhecido.” (STF – Habeas Corpus nº 82336. Órgão Julgador: Segunda Turma. Relator(a): Min. Gilmar Mendes. Julgamento:  08/10/2002. DJ - 08-11-2002).

21. “Lesão Corporal - Grave - Desclassificação para lesão corporal leve - Ocorrência - Omissões existentes no laudo pericial - Enunciação da natureza em sede de lesão, que não bastam - Ausência, ademais, de diagnóstico de efetivo perigo de vida - Recurso provido para esse fim Perigo de vida é a

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probabilidade, concreta e efetiva. Não é suficiente simples diagnóstico, sendo exigidos diagnóstico e efetivo perigo de vida.” (TJSP - Apelação Criminal n. 131.223-3. Relator: Andrade Cavalcanti. Data de Julg.: 30/05/94)

22. “Lesão corporal - ausência de laudo de exame de corpo de delito direto e incerteza quanto a ser a ofensa física juridicamente apreciável - absolvição: - deve o acusado do crime de lesão corporal ser absolvido na hipótese em que ausente o laudo de exame de corpo de delito direto, embora possível sua realização e quando da descrição indireta do ferimento for temerário afirmar que a vítima sofreu ofensa física juridicamente apreciável”. (TACRIM-SP - Apelação nº 1322423/2. Órgão Julgador: 10º Câmara. Relator: Márcio Bártoli. Data de Julg.: 05/02/2003, v.u.)

23. “Ameaça e lesões corporais leves - ex-namorado que, inconformado com o término do relacionamento, ameaça a vítima de lhe causar mal injusto e grave e depois, cumprindo o prometido, empurra-a ao chão e chuta-lhe a cabeça - caracterização: - caracteriza os crimes dos arts. 129 e 147 do Código Penal a conduta do agente que, inconformado com o rompimento do relacionamento, ameaça a ex-namorada de causar-lhe mal injusto e grave e depois, cumprindo o prometido, empurra-a ao chão e chuta-lhe a cabeça, causando lesões corporais de natureza leve.” (TACRIMSP - Apelação nº 1357787/6. Órgão Julgador: 13ª Câmara. Relator: Lopes da Silva. Data da Publicação: 12/08/2003, v.u.)  

24. “Lesão corporal - agente que, ao ver sua mulher parando o carro próximo à casa da pessoa que ele supunha ser seu amante, passa a agredi-la com socos e tapas, provocando-lhe lesões de natureza leve no rosto - configuração: - pratica o crime de lesão corporal o agente que, ao ver sua mulher parando o carro próximo à casa da pessoa que ele supunha ser seu amante, passa a agredi-la com socos e tapas, provocando-lhe lesões de natureza leve no rosto. Eventual alegação de estar o réu tomado de violenta emoção não exclui sua culpabilidade ou a ilicitude da conduta, pois, mesmo que verídicas as suspeitas, além de ser o fato justo motivo para separação judicial, é inadmissível, em tal caso, a legítima defesa da honra, atributo personalíssimo, que não se macula pelo comportamento, ainda que reprovável, do outro cônjuge” (TACRIM-SP – Apelação nº 1348901/0. Órgão Julgador: 4º Câmara. Relator: Figueiredo Gonçalves. Data do Julg.: 08/04/2003, v.u.).

25. “Lesão corporal recíproca - falta de comprovação de quem inicia a agressão - impossibilidade de condenação: - é impossível a condenação do acusado por lesão corporal recíproca quando não se comprova quem inicia a agressão.” (TACRIM-SP – Apelação nº 1322929/1. Órgão Julgador: 5ª Câmara. Relator: Luiz Ambra. Data de julg.: 16/12/2002, v.u)

26. “Lesão corporal. Art. 129, "caput", do Código Penal. Existência de fundadas dúvidas sobre quem iniciara os atos de beliculosidade e no que teria consistido o lesionamento sofrido pela indigitada vítima. Absolvição. Necessidade: - impõe-se a absolvição do réu acusado do crime do art. 129, "caput", do Código Penal, na hipótese em que há fundadas dúvidas sobre quem iniciara os atos de beliculosidade e no que teria consistido o lesionamento sofrido pela indigitada vítima, tornando fraca a prova não apenas da autoria mas também da própria materialidade.” (TACRIM-SP – Apelação nº 1321993/5. Órgão Julgador: 7ª Câmara. Relator: Luiz Ambra. Data de julg.: 03/10/2002, v.u.).

27. Lesão corporal de natureza grave. Incapacitação para exercício de ocupações habituais pela vítima por mais de trinta dias. Consideração da atividade habitual do indivíduo. Necessidade: - em se tratando de lesão corporal de natureza grave, para a incapacitação para o exercício de ocupações habituais pela vítima por mais de trinta dias considera-se a atividade habitual do indivíduo "in concreto", a comum atividade corporal e não apenas o sentido de trabalho diário. (TACRIM-SP – Apelação nº 1098933/0. Órgão Julgador: 5. Câmara. Relator : Nogueira Filho. Data de julg.: 27/05/1998 , v.u.).

28. Apelação crime. Lesão corporal de natureza gravíssima. Decisão condenatória. A) preliminar de nulidade por falta de intimação ao curador; b) no mérito, pleito alternativo para absolver-se o réu ou desclassificar-se a lesão, reduzindo-se a pena.  A falta de intimação ao curador para atos posteriores ao

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interrogatório não ocasiona nulidade, quando presente a eles  defensor constituído. Preliminar rejeitada à unanimidade. Ausência de exame complementar pode ser suprida pela prova testemunhal. Validade de perícia assinada por um só médico, quando a lesão atestada resulta confirmada nos depoimentos. Perda de um dos olhos constitui debilidade permanente de função, não perda da visão. Lesão desclassificada para grave, com conseqüente redução da pena. Circunstâncias judiciais - art. 59 Código Penal - não muito favoráveis, motivando pena base acima do mínimo, com redução em razão da menoridade. Inocorrência de prescrição. Apelo parcialmente provido. Expedição de mandado de prisão. Decisão por maioria. (TJPE - Apelação Criminal nº 5827-1. Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal. Relator: Dário Rocha. Data do Julg.: 28/08/98. Publicação: DJ. N. 40, DE 03/03/99).

29. “Apelação Crime. Lesão corporal grave plenamente provada. Laudo pericial soberbo na caracterização das lesões. Perigo de vida reconhecido face o local da lesão e a necessidade de realização de laparotomia de urgência para salvar a vida da vítima. Impossibilidade da vítima exercer sua ocupação habitual por mais de 30 dias. No mérito, o Apelante confessou o crime na polícia e em  Juízo. As provas são contundentes. Apelante atirou na esposa quase ceifando-lhe a vida. Improvimento do recurso. Confirmação da sentença condenatória. Decisão. Unanimemente foi rejeitada a preliminar de desclassificação para lesão corporal leve. No mérito, negou-se provimento ao recurso. Decisão unânime.” (TJPE - Apelação Criminal nº 25237-3. Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal. Relator: Fausto Freitas. Revisor: Mário Melo. Data de Julg.: 08/05/96).

30. Lesão Corporal de natureza grave. Violência de gênero. Palavra da vítima. Nos crimes de Lesão Corporal de natureza grave praticados prevalecendo-se das relações domésticas, toda credibilidade deve ser dada à palavra da vítima. Recurso provido. (TJMG – Processo nº 1.0324.01.002440-8/001(1). Relator: Erony da Silva. Data do acórdão: 07/12/2004. Data da publicação: 07/12/2004).

31. Prova. Palavra da vítima, cônjuge do acusado. Valor: - ameaça. Absorção pelo crime de lesão corporal. Impossibilidade. Hipótese: - ementa oficial: - lesões corporais. Agressão. Palavra da vítima que merece credibilidade, mormente porque esposa do réu por 13 anos e com três filhos dele. Evidências fortes amparando sua versão. Pena bem aplicada. Regime aberto salutar. Apelo provido em parte, apenas para substituir a reprimenda corporal por duas restritivas de direito. (TACRIM-SP – Apelação nº 1301571/1. Órgão Julg.: 7ª Câmara. Relator: Pinheiro Franco. Data de julg.: 04/04/2002, v.u.)

32. Prova - lesão corporal - palavras das testemunhas e da vítima - valor: - é impossível condenar o réu por lesão corporal com embasamento nas palavras das testemunhas e da vítima, quando a prova mostra-se contraditória em certos aspectos e divorciada da realidade em outros, inclusive quando divergente o depoimento do ofendido, quanto à gravidade da lesão, do exame de corpo de delito. Recomendam a prudência e a justiça o reconhecimento do "non liquet", sendo preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente. (TACRIM-SP – Apelação nº 1380391 / 8. Órgão Julgador: 3ª Câmara. Relator: Ciro Campos. Data de julg.: 02/12/2003, m.v.)

33. “Penal. Lesão corporal praticada por amásio. Absolvição em nome da "política criminal" e da "harmonia do lar". Invocação do "principio da insignificância". Impossibilidade "in casu". Recurso especial conhecido e provido.I - O amasio da vitima a esfaqueou no pescoço, com avulsão da musculatura, sendo denunciado por lesão corporal (Código Penal, art. 129, "caput"). O juiz monocrático - e com ele o colegiado -, embora reconhecendo que não havia excludente da antijuridicidade, absolveu o réu, invocando "política criminal" e a "harmonia do lar". O tribunal, por seu turno, ao confirmar a sentença absolvitória, acresceu o "principio da bagatela".II - Não toca ao juiz, depois de reconhecer a inexistência de excludente de antijuridicidade, absolver o réu por razões metajurídicas. O fato e típico e antijurídico. Também não se pode, no caso concreto, invocar o "principio da bagatela ou da insignificância", pois a vitima teve que ser atendida em pronto socorro com "avulsão de musculatura" do pescoço.III - Recurso ordinário conhecido e provido”.(STJ - Recurso Especial 1993/0023771-3. Relator: Ministro Adhemar Maciel (1099). Órgão Julgador: T6 - Sexta Turma. Data do Julg.: 30/11/1993. Data de publicação: DJ 31.10.1994, p. 29530.).

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34. Lesão corporal - constatação da prática do crime por marido contra a mulher - absolvição a pretexto de posterior harmonia na vida conjugal - impossibilidade: - constatada a prática de lesão corporal por marido contra a mulher, não se deve absolver o agressor a pretexto de que se tornou, após, harmônica a vida conjugal. Trazido o fato ao processo, mediante representação da ofendida, é de se impor a punição cabível, até como forma de dissuasão do autor à reiteração de ato semelhante, pois, se nenhum resultado adverso lhe advém, pode não se intimidar com a norma penal proibitiva do comportamento e renová-lo em outras ocasiões. (TACRIM-SP – Apelação nº 1386109/8. Órgão Julg.: 4. Câmara. Relator: Figueiredo Gonçalves. Data de julg.: 11/11/2003, v.u.)

35. Lesão Corporal - Agente que agride sua amásia com golpes de faca - Irrelevância do fato de terem se reconciliado - Condenação mantida - Voto vencido. A lei penal tem por objetivo intimidar as pessoas, para que não cometam delitos. No recesso do lar, a mulher é a parte mais fraca. Indefesa, é alvo fácil para ser agredida pela parte mais forte, seu companheiro. Conta com a proteção da lei. Esta não pode deixar de ser aplicada, sob uma pretensa política criminal. Não aplicada, irá outorgar uma sensação de impunidade ao cônjuge varão ou amásio, e este, aproveitando-se, voltará a agredir sua esposa ou amásia. (TACRIM-SP - Apelação nº 525.301/9. Órgão Julgador: 6ª Câmara. Relator: Almeida Braga. Data de julg.: 06/12/1.988)

36. Art. 21 do Código Penal. Violência doméstica. Política criminal. Há materialidade e autoria se o réu confessa a prática da contravenção e a vítima confirma o fato. A melhor política criminal, no caso, não é absolver, mas condenar o réu, como forma de proteção da vítima, companheira do apelante, evitando-se a impunidade que geraria, por certo, reiteração de violência, na esfera doméstica, e descaso com a mulher. O exame das circunstâncias judiciais contra-indica qualquer benefício que evite o cumprimento da prisão simples, ou seja, da pena carcerária em regime aberto. À unanimidade, negaram provimento. (TJRS - Recurso n° 71000130690. Órgão Julgador: Turma Recursal, Santa Maria. Relator: Dr. Umberto Guaspari Sudbrack. Data de julg.: 14-09-2000, v.u.).

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ANEXO B

Parecer nº 98 da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o projeto de lei da Câmara nº 102, de 2003 (nº 3, de 2003, na origem).

Parecer nº 98, de 2004   

Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 102, de 2003 (nº 3, de 2003, na origem), que acrescenta parágrafo ao art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica”.

   

Relatora: Senadora SERYS SLHESSARENKO

I — I — RELATÓRIO

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Vem a esta Comissão, para exame, o Projeto de Lei da Câmara nº 102, de 2003, cuja apreciação é da competência desta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por força do art. 101, II, d, do Regimento Interno do Senado Federal.

O projeto em exame, de autoria da Deputada Iara Bernardi, cria novo tipo penal – Violência Doméstica, acolhendo-o como modalidade especial do crime de lesão corporal, introduzindo o § 9º no art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

Não foram oferecidas emendas ao projeto, ora sob apreciação por esta Comissão.

 

ANÁLISEA proposição não apresenta óbices quanto à sua constitucionalidade ou à sua

juridicidade. Cabem alguns reparos quanto à técnica legislativa, como se exporá mais adiante.

A violência doméstica é um problema universal que atinge milhares de pessoas, o mais das vezes silenciosa e dissimuladamente. Trata-se de um problema que acomete ambos os sexos e não costuma prender-se a qualquer nível social, econômico, religioso ou cultural específico, como poderiam pensar alguns.

Sua importância surge sob dois aspectos. Primeiro, devido ao sofrimento indescritível que imputa às suas vítimas; segundo, porque, comprovadamente, a violência doméstica – incluindo aí a negligência precoce e o abuso sexual – podem impedir um bom desenvolvimento físico e mental da vítima.

Segundo o Ministério da Saúde, as agressões constituem a principal causa de morte de jovens entre 5 e 19 anos; a maior parte dessas agressões provêm do ambiente doméstico. A Unicef estima que, diariamente, 18 mil crianças e adolescentes sejam espancados no Brasil. Os acidentes e as violências domésticas provocam 64,4% das mortes de crianças e adolescentes no País, segundo dados de 1997.

A violência doméstica constitui um dos “números nefastos” das estatísticas criminológicas; ou seja, trata-se de uma modalidade de crime que ocorre o mais das vezes às ocultas, longe dos olhos públicos e encerrada no confinamento do lar.

Conquanto oculta, esta violência nem por isto deixa de fazer sentir os graves danos que provoca. Na justificação ao seu projeto, a Deputada Iara Bernardi registra dados da Sociedade Mundial de Vitimologia que estimam em 23% a porcentagem de mulheres brasileiras sujeitas a violência doméstica.

O fenômeno da violência doméstica acontece dentro da família, no Brasil e no Mundo, incidindo fundamentalmente sobre a vida e a saúde de crianças, idosos e, sobretudo, mulheres, com sérias e graves conseqüências não só para o seu pleno e integral desenvolvimento pessoal – comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos – mas também para o desenvolvimento econômico e social do país.

A violência doméstica caracteriza-se pelos comportamentos violentos e excesso de poder de uma pessoa sobre outra, susceptível de controlá-la. Muitas vezes ela acontece de mais variadas formas e pode ser temporária ou constante. Ao longo das sessões de violência, os danos físicos e psicológicos tendem a ter sua gravidade aumentada.

Os agressores são vistos como pessoas normais, que se mostram bastante amáveis em público. Na maioria dos casos, as vítimas de agressão calam-se, não revelam que são vítimas de maus tratos, vivendo por isso uma vida inteira num autêntico drama.

O forte impacto que a violência doméstica tem sobre a família, esteio da sociedade, exige do Poder Público a mais veemente condenação. Neste sentido, a proposição atende admiravelmente a esta necessidade, eis que cria um tipo especial de lesão corporal, qualificando este crime quando revestir-se de características domésticas.

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Porém, reside aqui um problema de natureza técnica legislativa, conforme alerta o nobre Senador Demóstenes Torres, autor do PLS 54, de 2003, que trata da pena causada pela violência doméstica com mais rigor, aprovado nesta Casa e remetido à Câmara dos Deputados em 28/11/2003, com carga na Comissão de Constituição e Justiça daquela Casa ainda sem a designação de relator.

De fato, na forma apresentada, somente a lesão corporal simples – vale dizer, a tipificada no caput do art. 129 – é passível de transformar-se em lesão de violência doméstica, restando inalteradas as demais formas qualificadas deste delito. Uma lesão corporal seguida de aceleração de parto, por exemplo, continuará tipificada pelo § 1º do art. 129, inalterada pela circunstância de violência doméstica.

Andou melhor o legislador quando o Estatuto da Criança e do Adolescente fez alteração comparável neste mesmo art. 129, acrescendo-lhe os atuais §§ 7º e 8º. Efetivamente, estes parágrafos criaram uma circunstância agravante da pena, esteja ela disciplinada pelo caput do art. 129 ou por qualquer de seus parágrafos. Revela-se, assim, recomendável que também no caso da violência doméstica seja criada uma circunstância agravante, ao invés de indicar de pronto qual a pena.

 

III – VOTO

Por todo o exposto, o nosso voto é pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 102, de 2003, nos termos do substitutivo ora apresentado, com o acolhimento da Emenda apresentada pelo Senador Demóstenes Torres:

 

EMENDA Nº 1-CCJ (SUBSTITUTIVO) AO PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 102, DE 2003

  

Acrescenta parágrafo ao art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado “lesão corporal com abuso de situação doméstica”.  

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

“Art. 129. ................................................................................................................................................................................................. 

Lesão corporal causada com abuso das relações domésticas, de

hospitalidade ou de parentesco

 § 9º - Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

 Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.” (NR)

 

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§ 10. Nos casos previstos nos parágrafos 1º a 3º, se as circunstâncias são as indicadas no parágrafo anterior, aumenta-se a pena em um terço. (NR) “

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

  Sala da Comissão, 

, Presidente

, Relatora 

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ANEXO C

Discussão do Projeto de lei nº 03-A de 2003 na Câmara dos Deputados. Discussão, em turno único, do Projeto de Lei nº 3, de 2003.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Item 5. Projeto de Lei nº 3-A, de 2003 (Da Sra. Iara Bernardi)

Discussão, em turno único, do Projeto de Lei nº 3, de 2003, que altera o art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, criando o tipo especial denominado "Violência Doméstica" e dá outras providências; tendo parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa, com emenda e, no mérito, pela aprovação. (Relator: Dep. Inaldo Leitão.)188

Tendo apensado o Projeto de Lei nº 282, de 2003.

A SRA. LAURA CARNEIRO - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Tem V.Exa. a palavra.

A SRA. LAURA CARNEIRO (PFL-RJ. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, trata-se do Projeto nº 3-A, de 2003?

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Foi exatamente o que disse esta Presidência, Deputada Laura Carneiro.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Em discussão. Concedo a palavra ao nobre Deputado Antonio Carlos Biscaia. (Pausa.) Ausente. 188 Documento adquirido, via email, do gabinete da Deputada Iara Bernardi.

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Com a palavra o nobre Deputado Luiz Carlos Hauly. (Pausa.) Ausente. Com a palavra o nobre Deputado Eduardo Valverde. (Pausa.) Ausente. Com a palavra o nobre Deputado Zé Geraldo. (Pausa.) Ausente. Com a palavra o nobre Deputado Walter Pinheiro. (Pausa.) Ausente. Com a palavra o nobre Deputado Tarcisio Zimmermann. (Pausa.) Ausente. Com a palavra o nobre Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. (Pausa.) Ausente. Com a palavra a nobre Deputada Laura Carneiro.

A SRA. LAURA CARNEIRO (PFL-RJ. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, desisto, porque vou encaminhar.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Concedo a palavra à nobre Deputada Maria do Rosário. (Pausa.) Ausente.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Concedo a palavra, para oferecer parecer às emendas de Plenário, em substituição à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, ao Sr. Deputado Reinaldo Betão.

O SR. REINALDO BETÃO (Bloco/PL-RJ. Para emitir parecer. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, no que diz respeito a 5 emendas, somos pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa. No mérito, somos pela aprovação apenas da Emenda nº 5. Somos pela aprovação da emenda substitutiva acordada pelo Relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, Deputado Inaldo Leitão, e pelas Deputadas Laura Carneiro e Iara Bernardi.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Aprovada a Emenda nº 5 e rejeitadas as demais.

O SR. REINALDO BETÃO - Isso.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Para encaminhar, concedo a palavra ao nobre Deputado Luiz Carlos Hauly. (Pausa.) Ausente. Concedo a palavra ao nobre Deputado Eduardo Valverde. (Pausa.) Ausente. Concedo a palavra ao nobre Deputado Zé Geraldo. (Pausa.) Ausente. Concedo a palavra ao nobre Deputado Walter Pinheiro. (Pausa.) Ausente. Concedo a palavra ao nobre Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. (Pausa.) Ausente. Concedo a palavra à nobre Deputada Laura Carneiro.

A SRA. LAURA CARNEIRO (PFL-RJ. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Não posso dar parecer, Sr. Presidente, porque sou autora.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Concedo a palavra à nobre Deputada Maria do Rosário.

A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT-RS. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sras. Deputadas, é claro que nosso encaminhamento deve ser positivo à emenda construída pelas Deputadas Iara Bernardi e Laura Carneiro e pela bancada feminina. Trata-se de emenda que se articula na defesa do sentido fundamental do projeto de lei que neste momento estamos votando. A matéria diz respeito à sociedade brasileira, não somente às mulheres brasileiras, porque a violência contra as mulheres diz respeito a cada cidadão brasileiro e a todas as instituições. Chama-nos a atenção a tarefa de estabelecermos claramente na legislação a ofensa à integridade corporal ou à saúde, reconhecendo na própria lei a violência doméstica como um tipo penal, o que é absolutamente novo e compõe para a sociedade brasileira uma possibilidade que combina com as ações, os pactos e as declarações que o Brasil tem assumido junto às instituições internacionais de direitos humanos. Em 1993, há 10 anos, em Viena, pela primeira vez, cunhou-se, no âmbito da Conferência Mundial de Direitos Humanos, a clara noção de que os direitos das mulheres são direitos humanos. A partir de Viena, a Conferência de Beijin - que reuniu milhares de mulheres do mundo inteiro, as organizações de Governo e a sociedade civil do mundo inteiro - denunciou que a violência tem a cara da mulher, um processo de feminilização da violência, e que em todas as culturas e países do mundo a violência doméstica caracteriza as relações interpessoais.

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Estabeleceu também uma responsabilidade de todos nós para com a proteção das crianças e dos adolescentes, na medida em que a violência doméstica, ao atingir as mães e mulheres adultas, atinge também, direta ou indiretamente, em todos os casos, seus filhos, particularmente as crianças do sexo feminino. Sr. Presidente, a violência tem muitas formas pelas quais é processada. Ela deixa marcas físicas ou na alma de quem é ofendido e maltratado. Muitas vezes, as mulheres, no ambiente familiar, na proteção de suas famílias, pensam que o melhor caminho é o silêncio. Não há qualquer dúvida de que o melhor caminho contra a violência é a denúncia e uma legislação que ampare as mulheres. O Código Penal deve protegê-las. O que acontece entre 4 paredes não pode ser absolutamente restrito se as relações de poder estão desequilibradas. Sr. Presidente, somos pela aprovação da emenda, do projeto e pela relação de paz e harmonia entre as pessoas. Muito obrigada.

A SRA. LAURA CARNEIRO - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Tem V.Exa. a palavra.

A SRA. LAURA CARNEIRO (PFL-RJ. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, requeremos, em meu nome e no da Deputada Iara Bernardi, autoras da emenda substitutiva de plenário, uma emenda de redação no art.1º. Em vez da expressão "esta lei acrescenta parágrafo", substitua-se por "acrescente-se parágrafo ao art. 129 do Código Penal". Essa emenda é redacional e não tem qualquer efeito modificativo. Sr. Presidente, agora posso orientar a bancada? O

SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Primeiro a preferência.

SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Requerimento de preferência, com base no art. 161 do Regimento Interno, para votação da emenda substitutiva apresentada pelas Deputadas Laura Carneiro e Iara Bernardi ao PL nº 3, de 2003, que tipifica o crime de violência doméstica, apensado ao PL nº 282, de 2003.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Os Srs. Parlamentares que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)

APROVADA.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Para orientar a bancada, concedo a palavra à Deputada Iara Bernardi.

A SRA. IARA BERNARDI (PT-SP. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, trata-se de um momento extremamente importante do Congresso Nacional, porque estamos prestando contas à sociedade dos compromissos internacionais deste País com a Convenção da Mulher da ONU e com o que a sociedade brasileira cobra: leis mais claras, restritivas, punitivas e preventivas com relação à violência contra a mulher. Esses projetos que estão na pauta e este que tipifica a violência doméstica no Código Penal Brasileiro foram construídos com as entidades feministas, com as mulheres, com a bancada feminina desta Casa e, evidentemente, com os outros Deputados e partidos políticos. Trata-se de uma construção extremamente importante, porque tipificaremos no Código Penal a violência doméstica. Poderemos sensibilizar o Poder Judiciário para fazer cumprir outras leis que esta Casa já aprovou, como, por exemplo, a que alterou o art. 69 da Lei nº 9.099, de 1995, prevendo o afastamento cautelar do agressor do lar. É uma complementação a uma lei que já aprovamos nesta Casa e que o Poder Judiciário não tem utilizado. Quem sofre as punições com relação à violência doméstica é a mulher, que muitas vezes tem de sair do lar, procurar abrigo e a proteção de outras pessoas, enquanto o agressor permanece. Essa legislação complementa uma lei já aprovada e permite ao Poder Judiciário afastar o agressor do lar, deixando a mulher continuar a viver com seus filhos. Este é um momento extremamente importante nesta Casa, que responde às reivindicações da sociedade brasileira com relação ao combate à violência contra a mulher.

A SRA. LAURA CARNEIRO - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

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O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Tem V.Exa. a palavra.

A SRA. LAURA CARNEIRO (PFL-RJ. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, este é um momento especialmente importante para esta Casa, na medida em que, na semana de combate à violência contra a mulher, votamos um projeto amplo, que tipifica a violência doméstica. As Deputadas Maria do Rosário, Iara Bernardi, Marinha Raupp, Sandra Rosado, eu e tantas outras fazemos parte da bancada feminina. Esse não é um projeto apenas para mulheres, mas para homens, mulheres, crianças, todos os que diariamente são espancados, violentados, maltratados por outras pessoas, cônjuges ou alguém que tenha parentesco natural ou civil, por quem tenha guarda ou vigilância, com quem coabita, conviva etc. Sr. Presidente, esse talvez seja o grande avanço conquistado por esta Casa nas últimas semanas. A pena de detenção ainda é leve, de 6 meses a 1 ano. Meu projeto original previa pena de reclusão, de 2 a 4 anos, a Emenda nº 1. Eu e a Deputada Iara Bernardi avançamos num acordo para possibilitar a aprovação, neste momento, da emenda coletiva, construída à base de um entendimento. O principal é garantir a tipificação penal, que não fique apenas como uma lesão corporal simples, como tem sido nos tribunais, mas um tipo penal específico, não para responder a um ou outro clamor, mas ao clamor de mais de 10 anos de todas as entidades que tratam da mulher, da questão de gênero e ainda o clamor de todas as crianças espancadas neste País. Por isso, o PFL vota a favor das emendas das Deputadas Iara Bernardi e Laura Carneiro. Obrigada.

O SR. ANTONIO CARLOS PANNUNZIO - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Tem V.Exa. a palavra.

O SR. ANTONIO CARLOS PANNUNZIO (PSDB-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, na verdade, quero fazer um registro. Cumprimento a Deputada Iara Bernardi pela feliz iniciativa, que vem tipificar como crime algo que, infelizmente, em situações mais comuns do que se pensa, tem acontecido. Portanto, é importante haver uma reação e que a reação parta desta Casa de leis, a Casa do povo brasileiro. Quero cumprimentar também a Deputada Laura Carneiro, que entendeu que a abrangência deveria ser contra os cônjuges, porque na violência doméstica, embora a maioria das vítimas se constitua de mulheres, também acontece o caso contrário. E é importante que não seja dado a nenhum cônjuge o direito de querer resolver as desavenças com o outro na base da pancadaria, da violência incontida. Portanto, estão de parabéns as mulheres por essa iniciativa em defesa do povo brasileiro.

A SRA. LUIZA ERUNDINA - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Tem V.Exa. a palavra.

A SRA. LUIZA ERUNDINA (PSB-SP. Pela ordem. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, o Partido Socialista Brasileiro saúda as colegas Parlamentares Iara Bernardi e Laura Carneiro, a bancada feminina, pela iniciativa, e esta Casa, por ter pautado a matéria no dia de hoje, dentro da semana em que se comemora a luta contra a violência doméstica, verdadeira tragédia na sociedade brasileira, que atinge não apenas mulheres, mas também crianças, idosos e adolescentes. Celebrou-se no último dia 25 o Dia Internacional de Combate à Violência Doméstica. Pautar, votar e aprovar esta matéria significa a concretização do compromisso do Congresso Nacional, em particular da Câmara dos Deputados, em resposta aos graves problemas sofridos pela sociedade e às demandas da bancada feminina, cujas combatividade, competência e presença nos

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trabalhos desta Casa têm representado avanços importantes na legislação, nas políticas públicas. Portanto, é oportuna a aprovação desta matéria hoje. Estão de parabéns as mulheres, as crianças e os idosos brasileiros, vítimas da violência doméstica. Eles têm, neste substitutivo, sem dúvida alguma, eficaz ferramenta de combate a esse desrespeito humano que se dá com tanta freqüência e gravidade em nosso País.

O PSB vota favoravelmente e com louvor à aprovação desta matéria. O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Em votação a Emenda de Plenário nº 5, com o parecer pela aprovação.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Os Srs. Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.). APROVADA. Estão prejudicadas as demais proposições.

O SR. PRESIDENTE (Inocêncio Oliveira) - Os Srs. Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.).APROVADA.

A matéria vai ao Senado Federal. (Palmas.)

ANEXO D

Proposição do Projeto de Lei nº 03 de 2003 da autoria da Deputada Iara Bernardi – PT.

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Projeto de Lei nº 03, de 2003

(Da Sra. Iara Bernardi)

Altera o art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica” e dá outras providências.

 

 O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. O art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.

Pena – detenção, de três meses a um ano.

 

Violência doméstica

I – Se a ofensa ou violência é cometida:

a) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

b) contra companheira ou companheiro com o qual o agente conviva ou tenha convivido.

Pena: Reclusão, de seis meses a um ano.” (NR)

Art. 2º. O art. 234, do Decreto-Lei nº 6.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 234. (...)

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V – se o crime for previsto no art. 129, §§§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, e tiver sido cometido nas condições e forma descrita no art. 129, I, do mesmo diploma legal.

VI – se o crime for previsto no art. 129, I, do Código Penal.”

Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

  

JUSTIFICATIVA

Atualmente em nosso país milhares de mulheres ainda vivem o drama da violência física, emocional e sexual como uma questão que diz respeito à privacidade de cada uma, como se ela estivesse envolvida num manto invisível de hipocrisia: sentido por todos, mas rodeado pelo silêncio cúmplice da sociedade. Esta violência só vai acabar quando for rompida a barreira do medo, da vergonha e da crença pela impunidade. A violência doméstica deve ser tratada como uma questão pública, um problema social, que deve ser objeto de ação governamental e punida com o rigor da nossa legislação Penal.

No Brasil a situação é bastante grave. Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia, com sede na Holanda, e que pesquisou a violência doméstica em 138 mil mulheres em 54 países, foi constatado que 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica. A cada 4 minutos, uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantêm relações de afeto.

O jornal Folha de S. Paulo (6/5/01) trouxe importante reportagem, informando que o Brasil fora condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, por causa da violência doméstica.

A condenação sofrida pelo Brasil tem caráter de sanção moral, de constrangimento em nível internacional, conforme aponta a Dra. Silvia Pimentel, do Comitê Latino-Americano pela Defesa do Direito das Mulheres - CLADEM. Na decisão, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomenda ao governo brasileiro que pague à vítima uma indenização e que promova de forma rápida e eficiente o julgamento criminal contra o agressor.

De fato, a condenação brasileira pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos atingiu uma área em que realmente nossas autoridades e nossa legislação são omissas e ineficientes. E não é por acaso, evidentemente, pois refletem hábitos culturais, permeados por um arraigado e profundo machismo nas mínimas coisas, que ainda enxergam a violência doméstica contra a mulher como intrínseca aos relacionamentos, à intimidade do casal e, especialmente, como afirmação masculina.

Tanto é assim que há músicas que falam que “tapinha não dói” ou que mulher gosta de levar “tapa na cara”. E ninguém protesta, aliás, pelo contrário, as músicas são sucesso nas rádios e nos programas de TV.

Em estudo sobre a violência doméstica feito por duas pesquisadoras da PUC de São Paulo, em 1994, tendo como base boletins de ocorrência, verificou-se que 81,5% das queixas foram de lesão corporal intencional, especialmente pancada. Desses inquéritos, 70% foram arquivados. Os que foram adiante, em 10% os agressores ainda foram absolvidos.

Não se pode tratar da mesma maneira um delito praticado por um estranho e o mesmo delito praticado por alguém de estreita convivência, como é o caso de maridos e companheiros em detrimento de suas esposas, companheiras.

O delito praticado por estranho em poucos casos voltará a acontecer, muitas vezes, agressor e vítima sequer voltam a se encontrar, já o delito praticado por pessoa da convivência tende a acontecer novamente, bem como, pode acabar em delitos de maior gravidade, como é o caso do homicídio de mulheres inúmeras vezes espancadas anteriormente – esta especificidade da violência doméstica exclui os

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delitos decorrentes desta forma de violência da classificação “menor potencial ofensivo”. Embora tecnicamente, levando-se em conta a pena – no caso das lesões corporais leves e da ameaça – a classificação seja menor potencial ofensivo as circunstâncias que cercam tais delitos majoram este potencial.

Partindo-se desta primeira consideração, a segunda que devemos fazer é a de que configura um grande ônus para a vítima de violência doméstica a decisão de representar ou não o agressor, deve-se levar em conta que este agressor, na maior parte dos casos, é também o pai de seus filhos, a pessoa que dorme ao seu lado todas as noites. Em diversos países que adotaram leis semelhantes, como o caso da Itália, supriu-se esta necessidade de representação em casos onde houvesse relação de poder entre a vítima e agressor, dentre tais relações, os casos de marido e mulher.

Neste sentido, a nossa proposição é para que se altere o Código Penal brasileiro para qualificar a lesão corporal leve prevista no Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica”; e alterar o art. 324, do Código de Processo Penal, tornando inafiançável a “lesão corporal leve” e a “lesão corporal grave”, quando o crime for cometido por “agressor doméstico”.

Ao apresentar tal proposição, esperamos contar com o apoio dos nobres pares, para atender ao desejo e reclamo de milhares de mulheres agredidas e oprimidas neste país e para colocar o Brasil entre os países cuja legislação protegem as mulheres dessa condenável, absurda e covarde forma de violência, como recomendou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do Pará – ratificada pelo Brasil em novembro de 1995.

Sala das Sessões, em 18 de fevereiro de 2003.

 Deputada IARA BERNARDI

PT-SP

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ANEXO E

Emenda Substitutiva nº ___ de 2003 da Deputada Laura Carneiro.

PROJETO DE LEI Nº 3-A, DE 2003(Da Sra. Iara Bernardi)

  

Altera o art. 129, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, criando o tipo especial denominado "Violência Doméstica" e dá outras providências.

  

 EMENDA SUBSTITUTIVA Nº ______ , DE 2003

   

O art. 129, do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

 “Art. 129 ...........................................................§1º ..................................................................Violência Doméstica§1º - A. Submeter cônjuge ou pessoa que, ligada pelo parentesco natural, civil ou por afinidade,

esteja sob sua guarda ou vigilância ou com o qual coabite, a sofrimento físico ou psicológico.Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.”

 JUSTIFICAÇÃO

 As proposições em apreço devem ser reunidas em um substitutivo único, haja vista que ambos

tem em seu corpo, impropriedades que ferem os princípios norteadores do Código Penal.O Projeto original não é o mais adequado a ser recepcionado no texto do Código Penal, pois a

redação da Deputada Laura Carneiro parece ser mais acertada e a pena estabelecida como sendo de reclusão para cumprimento de seis meses a um ano é totalmente desproporcional e fere o princípio da proporcionalidade, pilar essencial do Código Penal.

Por outro lado, o Projeto apensado peca por estabelecer o tipo penal no rol dos crimes de tortura, o que é totalmente descabido, devendo estar elencado no próprio Código Penal, no Capítulo “Das Lesões Corporais”. Outra alteração a ser realizada é a inclusão da expressão “ou com o qual coabite”, visando estabelecer diferenciação entre os crimes de violência doméstica e os de lesão corporal. Por último, a pena máxima deve ser atenuada já que, permanecendo do modo encontrado, haveria problema diferenciar entre estas e as constantes do §2º do art. 129.

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Sala das sessões, ____ de __________de 2003.

 

Deputada Laura Carneiro

PFL/RJ

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