5 identidade do coordenador pedagógico e o exercício de sua
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Identidade do coordenador pedagógico e o exercício de sua função
na escola
Neste capítulo apresenta-se e discute-se os dados referentes à identidade e
o trabalho do coordenador pedagógico enfatizando os desafios permanentes do dia
a dia da escola e a solidão no exercício da função. Enfoca-se também sua parceria
com o diretor e suas relações com os professores e outros membros da
comunidade escolar.
5.1
A identidade do coordenador pedagógico
Moita (1999, pp.115-116) afirma que existem a identidade pessoal e a
identidade profissional. A identidade pessoal é um sistema de múltiplas
identidades organizadas na diversidade. Ela se refere também à identidade social
como constituinte da identidade pessoal. A identidade profissional, como uma
construção, tem uma dimensão espaço-temporal iniciada no momento em que o
coordenador pedagógico assume a função até a sua exoneração11. A identidade
profissional, na visão de Moita, é uma construção constante a partir do
conhecimento formal das atribuições da função exercida como também nas
relações existentes no universo profissional.
11 Declínio de cargo administrativo ou de função gratificada por vontade própria, por cumprimento do tempo de serviço ou por processo administrativo. (RIO DE JANEIRO, 1979).
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O termo identidade significa, na conceituação de Houaiss e Villar (2001, p.
1565), “o conjunto de características próprias de um indivíduo, durante o
exercício de determinada função”. Nóvoa afirma que o processo “identitário12”
dos coordenadores pedagógicos é composto por três princípios: a adesão que
implica na adoção de valores e investimentos no seu objeto de trabalho; a ação
que implica em escolhas pelos métodos de trabalho, em que sucessos e insucessos
acabam definindo a postura do profissional e a autoconsciência que decide o
processo reflexivo do docente diante das mudanças da profissão (1999, p. 16).
A identidade funcional do coordenador é construída a partir da sua
identidade docente. O coordenador pedagógico é, antes de tudo, um professor. Ele
passa por todos os processos de construção de identidade docente antes de se
identificar como coordenador. O coordenador pedagógico constitui-se como um
professor, mas, ao assumir a função de coordenador pedagógico ele é destituído
de sua identidade docente para assumir a identidade de coordenador. É possível
afirmar que a identidade do coordenador pedagógico da rede municipal do Rio de
Janeiro ainda está em construção. Para Garcia, Hipólito e Vieira (2005, pp. 47, 49)
o coordenador pedagógico constitui a sua identidade resultante de suas
habilidades como docente, negociada entre as múltiplas representações tecidas nas
relações com o sistema escolar vindas dos discursos do que se entende por
identidade do coordenador.
Canário (2006, p. 22) apresenta um novo modelo de ofício docente para
que a autonomia profissional supere a ação profissional tutelada reorganizando a
categoria docente em torno de algumas dimensões essenciais: o professor como
analista simbólico, na qual a autonomia lhe permite a resolução de problemas; o
professor como artesão que constrói e reconstrói permanentemente o seu saber
profissional, como reiventor de práticas de acordo com a especificidade de
contextos e públicos; o professor como um profissional de relação; ensina não só
o que sabe, mas, o que é. Na atividade educativa, ele investe a sua personalidade:
o professor como construtor de sentido voltado para as situações educativas. O
problema iminente com práticas intuitivas é um fato comum no exercício da
12 Termo utilizado pelo autor para referir-se à construção da identidade docente.
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função; ele, em sua ação formadora dos professores de sua escola, também
demonstra a sua personalidade e expõe suas ideias, saberes, leituras e
conhecimentos nos encontros de formação continuada na escola. O coordenador é
um artesão reconstruindo permanentemente seus saberes, nas relações travadas
entre os demais membros da comunidade escolar. Todas estas considerações feitas
fazem parte da construção da função de coordenador.
Segundo Arroyo (2008, p.19) o professor constrói a sua imagem através da
identidade coletiva fortalecida no cotidiano escolar. Entretanto, o coordenador
pedagógico, oriundo do ofício docente, faz a trajetória inversa: desconstrói a sua
identidade coletiva docente para constituir-se de outra identidade: a de
coordenador pedagógico. O professor, no exercício da função de coordenador, não
pertence à SME, mas, na escola, ele assume a “voz da Secretaria” junto aos
professores. Lück (2006, p.35) afirma que o gestor educacional possui a função de
gerir a escola afinado com as diretrizes políticas e educacionais públicas, na
implementação das políticas educacionais e projetos pedagógicos. Mate (2007, p.
18) aponta para a questão da territorialidade no desempenho da função de
coordenador pedagógico que se faz num contexto de aprendizagem local com
indagações e buscas de respostas a problemas e aos desafios do cotidiano.
O coordenador pedagógico passa a fazer parte de uma equipe de gestão
que tem como referência a sua participação no compromisso coletivo com os
resultados educacionais cada vez mais significativos (LÜCK, 2006, pp.36-37). A
visão de melhora nos resultados educacionais do coordenador pedagógico amplia-
se de visão micro da sala de aula para a visão macro da escola e do sistema
educacional.
Sacristán (1999, p.65) refere-se às interações “identitárias” presentes no
cotidiano escolar, enumeradas pelo autor, em três contextos. O primeiro contexto
é o pedagógico que vincula o trabalho do coordenador pedagógico às ações
pedagógicas da escola como, por exemplo: planejamento curricular, implantação
do projeto político-pedagógico, elaboração da proposta pedagógica. O segundo
contexto é o profissional que se configura no coordenador pedagógico através do
seu comportamento durante o exercício da função assumindo ideologias,
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discursos, ampliando conhecimentos e vivendo rotinas. E, por fim, o contexto
sóciocultural assumindo valores e comportamentos próprios da função.
O conceito de identidade, no exercício da função, perpassa pelas relações
sociais entre o coordenador pedagógico e os membros da comunidade escolar. O
coordenador estabelece relações de interação social, tanto em vínculos afetivos
quanto em possíveis conflitos que possam ocorrer no cotidiano escolar. Ele afirma
que os profissionais, no meio socialmente organizado, apresentam conflitos
manifestos ou latentes: entre docentes e coordenador pedagógico. Os processos
sociais ocorridos na escola facultam aos sujeitos a resistência e/ou a negociação
com as condições existentes. O coordenador pedagógico, segundo o autor, está
inserido num espaço burocraticamente organizado em que estão presentes
diversas práticas enumeradas por ele como: práticas institucionais, relacionadas ao
funcionamento do sistema escolar ao qual o coordenador faz parte; práticas
organizadas relacionadas ao funcionamento da escola, o trabalho com os
professores, a divisão de tempo e do espaço escolar, abrangendo o coletivo da
escola; práticas didáticas direcionadas aos relacionamentos sociais ligados à
comunicação interpessoal, somando-se às múltiplas tarefas desempenhadas na
escola pelo coordenador pedagógico (SACRISTÁN, 1999, pp.72-73).
A identidade do coordenador pedagógico, para Sacristán, constitui-se num
contexto cheio de dilemas, sendo difícil acompanhar as exigências oriundas do
exercício da função. Os dilemas são resultantes das urgências que demandam do
cotidiano escolar exigindo ação imediata do coordenador, muitas vezes, tendo de
tomar decisões em situação de conflito ou de insegurança tornando-se, na prática,
um “gestor de dilemas” (1999, pp. 86-87).
5.1.1
O papel do coordenador pedagógico na escola
Os coordenadores definem sua função de acordo com suas vivências
dentro da escola. Alguns (3/12) demonstram em suas falas, ter conhecimento da
Circular E/DGED nº 37 (RIO DE JANEIRO, 1998b, pp. 8-9) que define a papel
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do coordenador pedagógico das escolas municipais da cidade do Rio de Janeiro,
mas, colocam-se como profissionais que abraçam outras funções que não são
propriamente suas, mas, vindas das necessidades emergenciais da escola. Outros
(9/12) assinalam que o seu papel é aquele representado por eles como sendo a
função do coordenador. O que se percebe pela fala dos entrevistados é que a
função é definida pelas necessidades imediatas que surgem na escola. A maioria
(8/12) dos entrevistados destaca as relações afetivas da equipe gestora com os
demais segmentos da comunidade escolar como sendo parte integrante da função.
Como gestores, os coordenadores pedagógicos exercem a função de liderança no
espaço em que trabalham, junto à comunidade escolar: alunos e professores.
Porém, o foco do trabalho do coordenador é participar das atividades pedagógicas,
planejando-as e executando-as junto com ela.
Lück (2006, p.47), considera gestão moderna como aquela que prioriza as
ações interativas na escola, tendo como objetivos a integração de sua comunidade,
a percepção da realidade e a interdependência entre as partes da equipe técnico-
pedagógica. As diversas definições dadas à função do coordenador pedagógico
são definidas pela autora como aquela que prioriza o processo acima dos
resultados, com estratégias abertas ao diálogo e ao entendimento coletivo pela
educação.
5.1.2
A função de coordenador pedagógico
O conceito de “função” ou o “exercício da função” no trabalho do
coordenador pedagógico está associado às atividades que ele exerce na escola,
suas atribuições e relações sociais estabelecidas, juntamente com a construção
histórica da profissão. O coordenador pedagógico não deve ser considerado como
um profissional, mas um docente que exerce o papel de coordenador.
Vejamos alguns exemplos de como o coordenador define sua função e seu
trabalho na escola:
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Primeiramente como um “elo de ligação” entre os professores, alunos e a
direção, três vertentes diferentes e trabalha no meio das três, dando aquele
“feedback” no todo relacionado ao planejamento, para que ele seja o melhor
possível no desenvolvimento do profissional em sala de aula. Esse é suporte que
o coordenador deve dar do início ao fim, desde o momento em que ele chega
aqui, deve estar focado para o desempenho primordial do professor, para ele
desenvolver sua aula. Porque se nós deixarmos tudo para o professor, ele vai
exercer outras funções, mas, a primordial é o atendimento ao aluno. Aqui dentro
da escola o coordenador fica sobrecarregado porque ele realmente é o “elo de
ligação” entre as questões pedagógicas e administrativas relacionadas com o
aluno. Dentro de um relacionamento de sala de aula até as questões de
avaliação. Eu vejo que o coordenador deve estar focado nesse “cliente” (aluno) e
tratá-lo da melhor maneira possível e com respeito. Não é porque se tem a
função de coordenador que irá ficar restrito à sua sala (João).
Antes de mais nada, é uma pessoa que contribui para o trabalho na
escola. Sem dúvida nenhuma é uma “ponte”, que ajuda administrativamente, é
aquela que faz tudo: que ajuda ao professor, que ajuda ao aluno, que orienta o
responsável. É um ponto de equilíbrio, é uma pessoa realmente, que ajuda todas
as pessoas que trabalham na escola, a comunidade escolar (Elza).
Dos 12 entrevistados, 03 autodenominaram-se como “elo de ligação”,
“ponte”. Observa-se a preocupação deles em relacionar-se com todos os
segmentos da comunidade escolar (8/12), inclusive os responsáveis (5/12), como
expõe a coordenadora Elza. Eles entendem que a função envolve implicitamente
os “laços” afetivos entre os segmentos da escola além das atribuições puramente
pedagógicas. Eles vêem como parte de sua função receber os professores,
responsáveis e alunos. Elza e Flávia se colocam como “ajudadoras”, como
“aquelas que fazem tudo” no espaço da escola.
É uma função espinhosa, é uma função que a Secretaria demorou muito
tempo também para definir. E eu acho que a minha função é ajudar as
professoras e ajudar a direção nessa parte de organizar a escola
pedagogicamente (Flávia).
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É uma função fundamental na escola, super necessária, muito estressante,
cansativa e, ao mesmo tempo, muito boa. Participar da formação do professor e
quando a escola afunda você afunda junto, mas, é muito boa (Kátia).
Eu vejo como uma tarefa muito complexa...difícil de ser exercida porque a
gente desempenha vários papéis: o de supervisor, de orientador, de atender as
famílias ...mas, também muito gratificante. Porque é o trabalho da escola que eu
mais gosto de fazer. Atender alunos atender responsáveis, ajudar as professoras a
fazer o planejamento, enfim, é uma missão difícil (Zélia).
É um sofredor. É uma função que “segura as pontas”. Eu acredito hoje
que ela mantém esse equilíbrio mesmo (Elena).
O que pode ser observado nestas falas é que os coordenadores pedagógicos
destas escolas não fazem uma definição clara do seu campo de trabalho,
terminando por atuar em todas as frentes. João demonstra essa indefinição da
função dentro da escola como uma sobrecarga; Flávia define como uma função
espinhosa, já Kátia diz que é estressante e cansativa, mas, ao mesmo tempo muito
boa; Zélia define como uma função complexa, difícil de ser exercida, mas, ao
mesmo tempo, muito gratificante. Elena já se coloca como uma sofredora.
Verifica-se nas falas que a função é um desafio constante para estes professores
que se deparam diariamente com os conflitos existentes nas relações interpessoais
entre os diversos segmentos da comunidade escolar.
João também chama a atenção para o fato do coordenador ser o
responsável pelo bom desenvolvimento dos alunos na sala de aula, mesmo que
isso implique numa relação indireta deste com o corpo discente. Sua fala em
relação a ser responsável direto pelo trabalho pedagógico do professor também é
vista por Shana como uma forma de acompanhar o trabalho pedagógico através da
observação em sala de aula. A visão de João em relação à função do coordenador,
também, expressa uma preocupação com os alunos, mais do que com os
professores, com os quais o profissional trabalha diretamente. Sacristàn (1999,
p.75) amplia o conceito da função docente como “uma profissão confusa” no que
se refere à ampliação do âmbito da profissionalidade docente, onde o coordenador
assume várias tarefas no decorrer do seu cotidiano.
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Dentro da função seria estar olhando, observando as dificuldades que os
professores têm “ao vivo e a cores”, eu procuro ir às salas durante a semana,
fico um pouquinho. Não fico muito tempo não, fico de 15 a 20 minutos, dentro da
turma, e fico observando. Observo aquelas crianças que têm dificuldades, que são
citadas nos centros de estudos e conselhos de classe. Acompanho os projetos,
para ver como estão sendo encaminhadas as atividades do projeto. Acompanho o
reagrupamento13 no momento que está sendo trabalhado. Eu acho que a função
do coordenador pedagógico é estar acompanhando o pedagógico da escola
(Shana).
Ainda em relação à função de acompanhar o trabalho da escola, João,
assim como Shana, diz que o coordenador não conseguiria exercer sua função
restrito à sua sala. Quem fala mais um pouco a respeito desse espaço de ação do
coordenador dentro da escola é Elena que usa o termo circulando como verbo de
ação que retrata a rotina do seu trabalho dentro da escola.
Se você me pegar sentada aqui é muito difícil, só se eu estiver com o meu
caderninho de leitura ou presa no “centro de estudos”. Fora disso é circulando.
Eu entro na escola, eu costumo circular. Eu circulo nas turmas para ver se está
tudo bem, eu vejo se os professores estão precisando de alguma coisa, mas eles
costumam agendar comigo antes.
Rosana amplia a definição da função através do seu relato:
O professor que articula tudo que vai acontecer na escola. Eu acho que
nesse momento, as escolas estavam precisando dessa função para ser o
catalisador das angústias dos professores, dos pais, dos alunos e até da própria
direção. Porque tem momentos em que eles são solitários. Então esse
coordenador veio como elemento agregador. É o que a gente acha que seja. A
gente espera que essa pessoa seja um elemento agregador. Aquele que deve ter
um “jogo de cintura”. E tem momentos que a gente diz: “Meu Deus!” A gente
respira. Tem que ter um “jogo de cintura”. Todo mundo cai. Mas, nós somos os
últimos a “entregar os pontos”, não é? Eu acho que o coordenador pedagógico
13 Ver p. 152.
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tem que ser assim. Ele tem que acertar. Ele deve mostrar entusiasmo. Se ele
entrar numa de fazer parte daquele grupo que está “contaminado”, está
descrente de tudo... Não. Ele tem que acreditar, sempre estudando, até porque a
gente passa por processo de mudanças. Muita gente não acredita, mas, a gente
tem que estar em consonância com a Secretaria. E a gente tem que passar aquilo
de uma forma que o professor veja que vai beneficiá-lo. Tem os prós e os contras.
Mas vamos tentar tirar o melhor daquilo que está acontecendo. Eu sou muito
otimista. Estes dez anos (tempo da entrevistada na função) para mim, foram
tentando acertar. Eu acho que o coordenador é essa figura de articulador, de
gente que gosta de lidar com gente. Se não for assim, não tem razão de ser.
Ela descreve o coordenador pedagógico como um elemento agregador da
comunidade escolar. O profissional que se integra às atividades e os segmentos da
escola, bem semelhante ao “elo de ligação” ou “ponte”. A sobrecarga do trabalho
do coordenador é ligada à solidão do cargo conforme foi descrito por ela. Suas
angústias são demonstradas pela expressão: somos os últimos a “entregar os
pontos”. A escola de Rosana, no meio do ano letivo, recebeu 520 alunos oriundos
de outra unidade escolar que estava extinguindo o terceiro turno. O prédio tem
capacidade física para receber este quantitativo de alunos, mas a escola sofreu um
impacto com a chegada dos novos discentes. Rosana, assim como os demais,
destaca que a função tem a responsabilidade de unir a escola pelo viés afetivo e
pedagógico. Ela afirma que o seu trabalho deve estar em consonância com a
Secretaria, pois, enquanto coordenadora pedagógica, Rosana tem a
responsabilidade de repassar as políticas da SME nos horários de formação
continuada aos professores, os “centros de estudos” (RIO DE JANEIRO, 1998b,
pp.8-9).
Seria a função de articulador, de mediador, porque na verdade ele
trabalha com todos os segmentos, com toda a realidade da escola, ele lida com o
corpo docente, com os conteúdos, com a avaliação, com o processo pedagógico
em si, com o aluno, com a direção, com o pai, acho que ele é um grande
articulador, o mediador desse processo todo (Laura).
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O termo “mediador” também surge como definição da função do
coordenador pedagógico. O significado de mediador, no dicionário é descrito
“como aquele que acerta o processo pacífico em situação de conflitos, onde, a
solução é sugerida e não imposta entre as partes” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p.
1876). Dos entrevistados, 3/12 descreveram o coordenador como mediador
(Laura). No caso eles utilizam o termo como “aquele que está no meio”. A
respeito da mediação como ação integradora na resolução de conflitos, Egger
define bem o que os entrevistados pensam a respeito de sua função:
Acredito que a mediação, como técnica alternativa – extrajudicial – de resolução de conflitos, venha a ser uma engrenagem fundamental na construção cidadã dos direitos humanos, através da humanização nos procedimentos de resolução de controvérsias, levando em conta o sentimento das partes com supremacia sobre os seus conflitos, colocando em primeiro plano as pessoas e seus sentimentos, visando, assim, a preservação dos relacionamentos interpessoais (2008).
Outro termo utilizado pelos entrevistados foi o de “articulador”. Este
termo surgiu em 3/12 entrevistas e é definido pelo sentido de planejar, de arrumar
e de organizar o trabalho pedagógico na escola (Rosana). Para Laura e Elena este
verbete surge como sinônimo de “mediador”. O articulador é definido como via
de facilitação do processo de aprendizagem. Neste sentido, Rosana diz que ele é o
professor que articula tudo o que vai acontecer na escola. Isto quer dizer que o
coordenador pedagógico é o organizador do trabalho pedagógico feito pela escola.
O sentido etimológico da palavra “articulador” é o que “promove a união
das articulações, ou seja, unir pelas articulações” (CUNHA, 1997, p.509),
portanto, o sentido colocado por Rosana é que o coordenador pedagógico
promove a união das atividades pedagógicas, assim como dos segmentos que
trabalham e usufruem da escola.
Aqui na escola nós colocamos muito em prática. A gestão é uma gestão
pedagógica, mas, ela deixa muito à vontade a coordenação para exercer o seu
papel. Então é importante que a escola deixe o coordenador praticando a sua
função, que é esse elo entre o fazer e o acontecer. Não ficar desviando os papéis
porque quando você vai ver no final do dia, muitas vezes, em muitas escolas,
quando você vai fazer a avaliação do seu dia, você vai ver que no pedagógico
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você praticamente não fez nada. E aqui na escola eu tenho essa liberdade do meu
dia ser destinado a dedicar praticamente cem por cento ao pedagógico.
Aline conceitua o seu “fazer e o acontecer no pedagógico” e faz críticas às
escolas que desviam o coordenador de sua função, quando ela diz: não ficar
desviando os papéis. Ela analisa este “desvio” como nocivo ao trabalho
pedagógico desenvolvido na escola. Outros entrevistados também se colocam de
outras formas a respeito do desvio da função. Eu acho que poderia ter um tempo
maior para fazer realmente o pedagógico (Elza); o meu sonho na coordenação
seria poder trabalhar na coordenação mesmo, ficar só no pedagógico (Shana); a
gente faz o trabalho de assistente social, além do trabalho da coordenação
(Kátia).
A sobrecarga do trabalho também é causada pela falta de pessoal na escola
sobrecarregando os que nela atuam. Solange define bem o que acontece em sua
escola:
A falta de estrutura é que atrapalha o trabalho, a falta de pessoal. Essa
falta de professor mexeu no meu trabalho, mexeu no trabalho da sala de leitura, e
no trabalho da diretora-adjunta que também está pegando a turma, e complica
tudo, atrasa tudo, a gente tem que trabalhar mais horas para poder dar conta dos
“dois recados”.
A falta de professor na rede obriga aos docentes da equipe técnico-
pedagógica a assumirem também a função de regente, não deixando de fazer as
obrigações concernentes aos seus respectivos cargos. A sobrecarga de trabalho
que, consequentemente recai sobre estes profissionais gera cansaço e desânimo
em relação ao desempenho de suas funções. Solange, também, fala sobre isso em
seu depoimento:
Este ano, destes dez anos que eu estou na função, é a primeira vez que eu
não entro em turma para substituir professor, eu só tenho uma matrícula, eu
estou cansada, exausta. Teve época de substituir professor por dois meses. Teve
um ano que ficamos com quatro turmas sem professor, entrava eu, a diretora, a
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diretora-adjunta, todas nós com uma matrícula. Este ano, eu disse: “não vou
entrar porque eu não estou aguentando”.
Outros exemplos:
No momento eu estou sobrecarregada. Passamos sem diretor-adjunto
alguns meses então, eu dou apoio à diretora. Não dá para ficar sem um diretor-
adjunto numa escola deste tamanho (Elena).
...a minha diretora está licenciada por motivo de saúde, e nós somos seres
humanos, podemos ficar doentes. Quando tem pessoal faltando na escola, eu não
posso fechar a minha porta e fingir que nada está acontecendo...(Shana).
Nota-se que a falta de professores, tanto quanto a de outros profissionais é
muito comum nas escolas da rede. Ao expor que a escola de Elena ficou alguns
meses, sem diretor-adjunto mostra que este tipo de problema, não é resolvido de
forma imediata. As escolas da rede pública municipal possuem autonomia
pedagógica (BRASIL, 1996), mas não possuem autonomia para contratação de
recursos humanos, ficando dependentes das decisões executivas da SME e
Prefeitura que efetua a aquisição e movimentação dos funcionários da escola. O
sistema público muitas vezes não atende com rapidez às necessidades das escolas.
A localização das unidades escolares também influencia no quadro de
necessidades de pessoal. Escolas situadas em comunidades de risco ou distantes
dos bairros mais povoados ou com dificuldade de deslocamento estão
constantemente com falta de profissionais. A questão salarial, também, é um fato
agravante para a falta de funcionários. Deve-se considerar que, além de
professores, outros profissionais são necessários para que a escola possa funcionar
de forma devida. Como, por exemplo, o agente educador, que promove a
organização externa do espaço escolar. Sem estes profissionais na escola o próprio
coordenador pedagógico passa a exercer também esta função.
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5.2
O trabalho do coordenador pedagógico no cotidiano escolar
Tardif e Lessard (2007, p.31) definem “trabalho docente” como aquele
que é exercido por pessoas e para pessoas, as quais, ele denomina a “matéria
prima do processo do trabalho interativo” foco da ação direta do professor. Estas
relações de trabalho implicam num conjunto de mediações linguísticas e
simbólicas exercidas entre os atores (coordenador pedagógico e os membros da
comunidade escolar: professores, alunos, responsáveis, direção), exigindo destes
docentes, melhores qualificações escolares que requeiram conhecimentos
abstratos. O trabalho cotidiano na escola também envolve relações sociais
presentes no trabalho com o “objeto humano, somando-se a linguagem simbólica,
a afetividade, a ética, o controle, e os meios que são os conhecimentos e a
cultura”. Nas entrevistas, os coordenadores trouxeram suas definições do que
consideram o trabalho no cotidiano da escola.
5.2.1
A rotina de trabalho na escola
Vão surgindo muitas coisas no meu caminho. Eu sento em minha mesa e já
tem três ou quatro recados importantes da CRE ou da Secretaria que eu tenho
que dar conta, quadros14 que eu devo estar olhando ou estar fazendo; então eu
lembro que daqui a dois ou três dias é o meu “centro de estudos” e eu já
combinei que vou trabalhar isso ou aquilo com o professor. E então eu vou ver
que material eu vou utilizar, que textos eu vou ler, aparece criança machucada e
14
Quadros de desempenho escolar ou de quantitativo de alunos e de turmas que são entregues periodicamente a CRE, a pedido da SME a fim de acompanhar o desempenho dos alunos e o trabalho desenvolvido nas escolas municipais da rede.
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eu corro para atender, igual agora quando você chegou (referindo-se à
pesquisadora) tinha uma criança que urinou nas calças, e eu paro para procurar
uma roupa limpa, eu paro, sento no computador, abro “e-mails”, atendo o
telefone, às vezes tem reunião no meio do dia, eu saio, vou à reunião, volto. E
quando acabou o dia eu tenho a impressão de que eu não fiz nada (Elisa).
Quando Elisa diz: acabou o dia eu tenho a impressão de que eu não fiz
nada, mostra claramente as demandas que o coordenador tem de dar conta no
decorrer do cotidiano escolar, as emergências que exigem solução imediata e que
não prefiguram na função do coordenador pedagógico, definidas pela Circular nº
37 (RIO DE JANEIRO, 1998b, p.8-9), mas, diante das circunstâncias emergentes
que surgem na escola levam o coordenador pedagógico a abraçar tarefas que não
estão descritas em suas atribuições. O cotidiano da escola, especificamente no
trabalho do coordenador, envolve atividades não previstas, mostrando que o
trabalho escolar demanda a presença de profissionais que possam adaptar-se com
rapidez às mudanças da rotina. Comparando o trabalho do coordenador
pedagógico com o do professor, percebe-se que aquele possui um caráter mais
flexível, com atividades não previstas nas atribuições de sua função, mas que
acabam sendo assumidas por ele. Almeida afirma que a rotina de trabalho do
coordenador pedagógico é permeada pelo diálogo presente nas relações
estabelecidas no cotidiano da escola, tanto da comunidade escolar, quanto da
SME. (2005, p. 27).
5.2.2
A afetividade como parte do trabalho do coordenador pedagógico
O cotidiano da escola, na rotina do coordenador pedagógico no
cumprimento de suas tarefas, oportuniza a construção de relações sociais entre
este e a comunidade escolar. No processo de construção dessas relações surgem
categorias que são relatadas pelos coordenadores como parte integrante do
exercício de seu trabalho. O trabalho do coordenador não envolve somente o
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simples cumprimento de tarefas, mas também a constituição do profissional e da
consciência da importância estratégica que o seu trabalho representa para a escola.
O trabalho do coordenador pedagógico tem na afetividade a referência
para a estruturação das relações sociais tramadas entre ele e os demais
constituintes da comunidade escolar. As relações afetivas são construídas no
cotidiano do trabalho da escola, pelas interações entre a comunidade escolar e o
coordenador pedagógico. A afetividade é caracterizada pelos entrevistados como
parte integrante da função de coordenador pedagógico. A relevância nestas
relações é demonstrada pela descrição do trabalho que exercem na escola. Eles se
definem de acordo com o papel relacional que desempenham.
Acolhimento e afetividade (Aline),
Um pouco conselheira, um pouco “mãe” (Rosana),
Eu entro na sala para cumprimentar todas as professoras e ver como elas
estão (Solange),
Desenvolvimento emocional...a harmonia (Elza),
Esta categoria surgiu em quatro dos 12 entrevistados como fator
fundamental da função. O vínculo afetivo é visto como importante para a
estruturação das relações entre coordenador pedagógico e os professores. A
conquista do grupo, através da afetividade, é a estratégia utilizada para que o
trabalho pedagógico seja desenvolvido pelo grupo de professores da escola.
Barreto e Silva (2008, p.5) analisam o profissional afetivo como aquele que
consegue estabelecer uma relação pessoal com o seu grupo, sendo mediador do
processo, participante ativo da construção de si mesmo e do outro. O coordenador
estabelece vínculos afetivos tanto com alunos, visando à aprendizagem dos
mesmos, com os professores, a fim de consolidar as relações afetivas na escola,
com os pais quando há uma parceria na busca da aproximação dos responsáveis
junto à unidade escolar e com a direção nas relações hierárquicas de poder ou de
parcerias entre o coordenador pedagógico e a direção da escola.
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5.2.3
A solidão no exercício do trabalho no contexto do cotidiano escolar
Dentro do contexto afetivo, a solidão foi evidenciada em 3/12 entrevistas:
Eu acho que é uma função muito solitária na escola, a gente não tem
par...para discutir as mesmas idéias (Flávia);
Às vezes a gente não tem com quem dividir (as cargas do trabalho)
(Rosana);
E quando eu chego na escola a diretora tem uma reunião na CRE então eu
fico sozinha (Shana).
A solidão pode estar relacionada também com a carga emocional que o
coordenador sofre ao mediar os conflitos entre os segmentos dentro da escola.
Outra hipótese levantada pressupõe que o coordenador, diante de tantas situações
inesperadas as quais demandam a sua intervenção, não tem muito claro qual é o
papel desempenhado por ele no cotidiano escolar. Na escola, ele se torna o
“catalisador” dos problemas e dos conflitos existentes entre os segmentos da
escola, sem ter um par que esteja junto com ele, compartilhando as suas
responsabilidades e atendendo às demandas da comunidade escolar. Ele acaba
assumindo todos esses papéis e sentindo-se sobrecarregado com tantas
responsabilidades, que tende gerar um sentimento de solidão. Esse fato pode ser
observado nas falas abaixo:
Eu entro na escola e o tempo todo eu sou solicitada (Rosana).
Passo até o final do dia atendendo responsáveis, vendo criança, é isso
(Aline).
É aquela que faz tudo: que ajuda ao professor, que ajuda ao aluno, que
orienta o responsável. É um “ponto de equilíbrio”, é uma pessoa realmente, que
ajuda as pessoas que trabalham na escola, a comunidade escolar (Elza).
73
5.2.4
A solidão relacionada ao “mal-estar docente”
A solidão do cargo também está ligada a existência de apenas um
coordenador pedagógico para cada escola. É diferente do diretor que tem o
diretor-adjunto com o qual compartilha as responsabilidades da gestão
administrativa, mas, no que se refere à gestão pedagógica, o coordenador é o
único responsável pelo desenvolvimento de todas as atividades pedagógicas feitas
na escola. Para Lück, a nova óptica da gestão educacional envolve o norteamento
de ações com o objetivo de obter a melhoria do ensino (2006, p.45). Uma hipótese
possível está relacionada ao estranhamento da pessoa, que outrora era integrado
ao seu grupo de professores e que, num dado momento, passa a exercer uma
função gestora dentro da escola, destacando-se do seu grupo devido à mudança de
posição hierárquica diante de seus antigos colegas. Segundo Maldonado (2003, p.
60), a solidão profissional refere-se a estar sem parceria, sem um companheiro
profissional, com quem possa compartilhar suas angústias, dúvidas e desafios no
cotidiano escolar. Ela chega a chamar esta solidão de “sofrimento”, por envolver
questões de afetividade relacionadas ao desempenho do trabalho escolar.
A maioria dos entrevistados excluiu-se do grupo de professores,
demonstrando claramente que não faz mais parte do mesmo. O coordenador passa
então a referir-se aos antigos colegas como: os professores (7/12); o grupo de
professores (2/12); as meninas (1/12). Horta (2007, pp.13-14) utiliza o conceito
de “mal-estar” para explicar as relações entre o coordenador e os professores e a
geração de conflitos entre eles.
A expressão “mal-estar docente” foi utilizada primeiramente para
descrever as condições de saúde dos docentes ativos no Brasil relacionadas às
questões laboriais e condições de trabalho na escola. Os autores atribuem ao “mal-
estar docente” as consequências das mudanças nas relações de trabalho ocorridas
nas últimas décadas, interferindo na imagem social do professor perante a
sociedade. A desvalorização do trabalho docente envolve o aumento das
74
responsabilidades, diversificação das funções da escola que, além de educar,
obriga professores e gestores a desempenhar funções aquém de sua formação
como, por exemplo: agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre
outras que contribuem para um sentimento de perda da identidade profissional,
constatando que ensinar não é mais considerado importante (ARAÚJO; SENA;
VIANA; ARAÚJO, 2005, pp. 17,19); (TARDIF; LESSARD, 2007, p.112);
(OLIVEIRA, 2004, p.1132).
Esteve (1999, pp. 97-98) define “mal-estar docente” como um conjunto de
reações do professor que está em desajuste profissional devido a mudanças
sociais, trazendo para este um sentimento de autocomplacência. O “mal-estar
docente” gera como consequência o declínio do rendimento e da qualidade do
trabalho exercido pelo profissional.
5.2.5
O “mal-estar docente” e a afetividade presentes nas relações de
poder entre o coordenador pedagógico e os professores
O trabalho do coordenador pedagógico, agindo diretamente com os
professores e com a comunidade escolar, no decorrer de seu cotidiano, faz com
que as situações ambíguas surjam como resultado de conflitos de poder exercido
sobre os professores da escola, ou quando o coordenador aplica estratégias de
aproximação afetiva junto aos professores como forma de articular o trabalho
pedagógico da escola. Horta associa os conflitos existentes dentro do espaço
escolar, vinculando-os às relações de poder entre o coordenador pedagógico e o
grupo de professores.
O coordenador pedagógico não é visto como um parceiro no trabalho, mas, ao contrário, como um personagem do qual os professores precisam se proteger. Nas relações de poder e de hierarquia dentro da escola, muitas vezes, estes conflitos não são claros, porém são evidenciados em situações onde há cobranças por parte do coordenador dirigido aos professores (2007, p. 14).
Há indícios de que haja algum tipo de conflito gerado nas relações de
poder entre os professores e o coordenador pedagógico como mostra os
depoimentos a seguir.
75
Um pouco conselheira, um pouco “mãe” autoritária15, vem aquele
(professor) que precisa, e vem, reclama e aí eu dou aquela palavra amiga. Eu
tenho que estar sempre cativando. É o pai que vem, ainda mais neste momento em
que estou vivendo agora, tem que ser de paz, mas tem hora que precisa daquela
“mãe” mais severa, que diz: “tem que ser assim”. É o tempo todo tentando
ajudar. (Rosana).
Às vezes, eu trato como mãe, dou bronca, tem umas (professoras) da
minha idade, mas, tem umas mais novinhas aí eu dou bronca, eu brigo mesmo,
(risos). Primeiro eu converso muito, dou as dicas para o trabalho. Ai eu falo uma
vez, falo duas, falo três, aí eu coloco no “centro de estudos”, como assunto geral
para ver se a pessoa se “toca”, aí quando eu vejo que não dá certo eu brigo
mesmo. Eu acho que eu devia até mudar isso, como eu sou muito certinha nas
coisas que eu faço, eu tenho essa dificuldade (Solange).
Nos casos acima, as relações afetivas envolve alguns conflitos entre as
coordenadoras pedagógicas e as professoras. Nesses relatos, as relações de poder
são evidentes, mas, na opinião delas, são suavizadas quando comparam suas
relações profissionais com as familiares, em que o papel exercido pelo
coordenador é o da “mãe”, aquela que manda, mas que dá carinho e os
professores fazem o papel de “filhos”. Quando não cumprem suas tarefas,
recebem “bronca” de suas “mães-coordenadoras”. Neste caso, elas se utilizam da
afetividade como meio de conseguir das professoras as ações pedagógicas
esperadas, talvez por isso, comparam a sua relação com as docentes como “mães
severas”.
Eu contei com a parte do afetivo, o acolhimento, então eu acolhi o meu
grupo (Aline).
O grupo do qual Aline se refere, são os professores. Ela relata sua
experiência de trazer novas propostas de trabalho pedagógico para a escola e
buscou ser aceita pelo grupo de professores. Em resposta ela disse que acolheu o
grupo. Esse acolhimento, de acordo com Sadalla e Azzi (2004, p. 2), apresenta-se
15 Grifos meus.
76
como resultante dos sentimentos emergentes entre o coordenador pedagógico e o
grupo de professores envolvendo, além dos sentimentos do grupo, os seus
próprios sentimentos desde que seja respeitada a alteridade entre eu/outro, isto é,
entre o coordenador/professor. Esse papel de “mãe” dos professores envolve
também o tempo em que o coordenador trabalha na mesma unidade escolar,
gerando vínculos comparados aos familiares, fazendo com que Solange e Rosana
se autodenominem “mães” de suas professoras.
O pessoal daqui é muito bacana, tem suas dificuldades porque lidar com
ser humano é muito complicado; porque é melhor lidar com criança do que com
adulto, mas, as meninas (professoras) daqui são muito bacanas então isso
facilita. Eu acho que elas conseguem ver em mim não uma chefe autoritária,
mandona, mas, uma colega, uma companheira. A gente divide coisas e quando
necessário, a gente partilha também algumas ordens que eu preciso que elas
cumpram a tempo. Então, a parceria é boa. E também a direção, a sala de
leitura...é muito bom o trabalho. A gente se entende muito bem. Então isso facilita
as dificuldades do dia a dia (Zélia).
Zélia assume o papel de companheira das professoras. Segundo ela, isso
facilita a construção das relações sociais em sua escola. Ela busca não formar uma
barreira hierárquica, que, em sua opinião, a impediria de construir uma relação de
amizade profissional com as colegas professoras. Horta (2007, p. 15) chama de
“estranhamento” no que refere à mudança de função: de professora para
coordenadora pedagógica. Zélia, no entanto, procura evitar este “estranhamento”
colocando-se como “uma colega, uma companheira”, como uma pessoa do
grupo, que ainda mantém os mesmos laços de afetividade social. O que pode ser
percebido é que Zélia abre mão da função “fiscalizadora” ou de “cobradora das
tarefas pedagógicas” para tornar-se colega das docentes. Rosana e Solange, ao
contrário, assumem sua posição hierárquica nas suas relações profissionais e
afetivas com as professoras.
Tardif e Lessard (2007, pp.27-28) demonstram que a hierarquização do
trabalho na escola levou a mesma a se tornar um local de conflitos e negociações
sobre os espaços de intervenção. Para Lück (2006, p.89) a burocratização dos
77
sistemas de ensino dificulta as relações entre aqueles que trabalham na escola,
gerando estruturas hierárquicas unidirecionais. Zélia quer evitar este
distanciamento gerado pelas relações hierárquicas, negociando com os professores
o seu espaço de atuação, ao contrário de Solange e Rosana que assumem sua
posição de aproximação afetiva, mas, mantendo o distanciamento em relação aos
docentes com os quais atuam.
5.2.6
Estrutura e rotina do cotidiano escolar
A falta de estrutura é o que atrapalha o meu trabalho, a falta de pessoal.
Essa falta de professor mexeu no meu trabalho, mexeu na sala de leitura e no
trabalho da diretora-adjunta que também está pegando turma e complica tudo,
atrasa tudo. A gente tem que trabalhar mais horas para poder dar conta dos
“dois recados” (Solange).
A falta de professores e funcionários traz como consequência a sobrecarga
de trabalho para o coordenador pedagógico gerando falta de rotina, improvisação
e “mal-estar” no exercício da profissão.
Dos coordenadores entrevistados, 7/12 caracterizam o trabalho na escola
com definições muito semelhantes às utilizadas para definir a função de
coordenador, os demais (5/12) descrevem o cotidiano do trabalho que fazem, o
seu dia de trabalho na escola, revelando suas dificuldades e os enfrentamentos em
suas relações com os diversos segmentos existentes na escola.
As falas também revelam um pouco do chamado “circulando dentro da
escola” (Elena) do dia a dia, com situações de estar sempre resolvendo problemas,
“as coisas que surgem no caminho” (Elisa).
Exemplos descritos sobre o trabalho na escola:
Entrei. Vou pegar minha chave, já tem alguém (um professor) me dizendo
assim: “olha, você atende uma mãe, porque eu preciso levar a minha turma para
a sala”, eu atendo....E a outra vem: “Preciso de material!” Tem o material que
78
se distribui para o professor. Se está tendo problema na hora do recreio, eu vou
também. Vou lá falar com o professor de Educação Física, porque eu queria que
ele fizesse um trabalho diferente com alguma turma. Até eu abrir a porta da
minha sala já tem mil coisas para fazer, até eu chegar a abrir a porta e trazer a
minha bolsa para cá já aconteceram várias coisas (...) Eu entro na escola e o
tempo todo sou solicitada (Rosana).
Não tem rotina. É assim: eu chego, e me programo para fazer
determinadas coisas, e não consigo de jeito nenhum fazer aquilo, porque toda
hora vem um aluno para conversar comigo, outro aprontou dentro de sala e o
professor traz para mim, é o professor que chega para pedir alguma coisa, é o
telefone que toca, é o diretor que está em reunião, então eu tenho que ficar dando
suporte à outra (diretora-adjunta) que fica na secretaria, é falta de funcionário, é
licença de professor e eu tenho que entrar em sala (dar aula no lugar da
professora). Estamos com falta de um professor, então é a professora de sala de
leitura que está em turma, e eu tenho que largar o meu trabalho para o trabalho
da sala de leitura não parar, quer dizer, não dá para ter rotina, é uma criança
que se machuca, e a gente tem que ver, isto é, não consigo ter rotina. Por mais
que eu tente fazer o meu planejamento, eu não consigo. Se eu quiser marcar uma
reunião com a direção, não tenho um espaço físico que se distancia das salas de
aula. E se acontece algum problema com as professoras eu tenho que ir para sala
com elas, então não tem rotina, não dá para ter (Solange).
Se você me pegar aqui sentada é muito difícil, só se eu estiver com o meu
caderninho de leitura ou presa no centro de estudos. Fora disso é circulando. Eu
entro na escola, eu costumo circular...eu circulo nas turmas para ver se tudo está
bem eu vejo se os professores estão precisando de alguma coisa...eu não vou
parar, é circulando o tempo todo (Elena).
Descrever um dia...são todos diferentes...atender a algum responsável que
já estiver marcado ou mesmo que não tenha marcado, resolver briga de aluno,
socorrer as professoras quando elas estão com alguma dúvida na aula ou uma
criança com dificuldades, basicamente é isso (Zélia).
79
Vão surgindo coisas no meu caminho...aparece criança machucada e eu
corro para atender, uma criança que urinou nas calças e eu paro para procurar
uma roupa limpa...abro e-mails, atendo telefone...ou seja: um eterno corre-corre,
é muito dinâmico, é uma “roda viva”, eu não paro (Elisa).
Das doze falas, nove, mesmo não citando claramente, evidenciam que vão
resolvendo os problemas à medida que estes vão surgindo no decorrer de seu
expediente de trabalho, que, muitas vezes, coincidem com a abertura e o
fechamento da escola ao final do dia. A predominância das situações não previstas
existentes no trabalho do coordenador pedagógico demonstra a dificuldade que o
docente apresenta para planejar o seu trabalho diário. Dois de doze disseram que
até fazem o planejamento de tarefas, mas, que não conseguem cumpri-lo,
causando uma sensação de “mal-estar”, incapacidade ou inaptidão para a função.
A expressão mais evidente que descreve sucintamente estas situações adversas
sofridas pelo coordenador pedagógico durante o seu dia de trabalho é: “não tem
rotina” (Solange). Esta expressão em especial, surge em dois relatos dos doze
pesquisados. Entretanto, há exemplos tais como: “descrever um dia...são todos
diferentes” (Zélia) “vão surgindo coisas no meu caminho...” (Elisa). As situações
inesperadas são resolvidas no desenrolar do dia, caracterizando o coordenador
pedagógico como um “apagador de incêndio” (ALMEIDA, 2005, p.33). A falta de
professor ou funcionário também é evidenciada como um fator que interfere na
rotina de trabalho do coordenador. Conflitos surgem, necessidades emergentes, e
também se percebe o quanto a CRE ou a SME interferem no planejamento
cotidiano dos coordenadores pedagógicos. “Eu sento em minha mesa e já tem 03
ou 04 recados importantes da CRE ou da Secretaria que eu tenho que dar conta”
(Elisa).
Outra interferência percebida na rotina de trabalho do coordenador é o
comparecimento do responsável sem prévio agendamento “a mãe vem aqui e eu
atendo” (Rosana). Os alunos que interferem no trabalho do coordenador
pedagógico: “aparece criança machucada e eu corro para atender” (Elisa)
confirmam uma rotina cheia de imprevistos e atividades não planejadas que
exigem resolução urgente, resultante também da falta de pessoal na escola. O
estabelecimento de uma rotina planejada pelo coordenador pedagógico é
80
dificultado pelas emergências, algumas já estudadas, porém, vale a pena retornar à
algumas questões e levantar outras. O planejamento do trabalho nem sempre é
executado devidamente, conforme 6/12 falas demonstram nos exemplos abaixo.
O meu dia oficialmente começa às 7 horas, mas as coisas vão acontecendo
desde o momento que eu chego à escola...Como eu vou descrever o meu dia? Eu
não sei como descrever. Eu procuro trabalhar de forma dinâmica, rápida e com
qualidade...E no dia a dia...Seu eu for colocar no papel tudo o que eu faço, eu
acabo fazendo tudo (João).
É difícil! Difícil mesmo, até porque a gente faz tanta coisa na escola, o
que posso dizer sobre o que faço diariamente, fica complicado (Elza).
Pode-se perceber que a rotina do coordenador pedagógico dificilmente é
direcionada para o cumprimento de um planejamento de ações pedagógicas. As
situações vão surgindo, as emergências atropelando a rotina da escola e do
coordenador. Mas, também há casos em que o entrevistado disse ter um
planejamento e que consegue cumpri-lo devidamente dentro da função de
coordenador. Estes casos são percebidos em 3/12 falas. As justificativas são
voltadas para a composição dos recursos humanos das escolas (1/12) ou do apoio
que recebem de seus diretores (2/12).
O meu trabalho é muito facilitado pelos anos que eu já estou aqui. A
escola já está organizada. O grupo não teve muita mudança...Eu acho que aqui
facilita nisso (Flávia).
O meu trabalho aqui, graças a Deus, é focado diretamente no
pedagógico...eu e a direção temos uma simbiose maravilhosa. Então eu tenho
muita liberdade no meu fazer (Elisa).
Ela (a diretora) deixa muito à vontade a coordenação para exercer o seu
papel...Aqui na escola eu tenho essa liberdade do meu dia ser destinado dedicar
praticamente cem por cento ao pedagógico (Aline).
A fala de Elisa é conflituosa, pois, ao mesmo tempo em que ela demonstra
que o seu trabalho é voltado exclusivamente para o pedagógico, em outro
momento da entrevista, ela expõe sua dificuldade em estabelecer uma rotina de
81
trabalho na escola ou de cumprir o seu planejamento das atividades diárias. “Vão
surgindo muitas coisas no meu caminho” (Elisa).
De acordo com Tardif e Lessard (2007, pp.166-167), o conceito de “rotina
de trabalho na escola” é interpretado pela repetição de atividades uniformes. Eles
denominam a rotina de trabalho na escola como “ciclos”, isto é, a rotina é cíclica:
a cada dia os ritos são repetidos pelos professores e o coordenador pedagógico
posiciona-se no papel do profissional que tem a função de garantir que esta rotina
seja bem sucedida. A entrada na escola permanece igual com tempos fixados pelo
planejamento do calendário escolar que estabelece os horários de entrada na
escola, do recreio, do encontro com os colegas e atividades pedagógicas
previamente estabelecidas. A cada ano letivo, novos ciclos de rotina são
renovados de forma a manter a ordem na escola. No caso dos coordenadores
pedagógicos, este tipo de rotina também interfere em seu trabalho, mas, as
demandas que surgem na escola, fora da sala de aula, fazem com que os
entrevistados percebam como “quebra da rotina” todos os imprevistos que
acontecem dentro do horário diário de trabalho.
5.2.7
A função social do trabalho do coordenador pedagógico
O coordenador pedagógico trabalha o tempo todo com pessoas, pois, as
relações interpessoais são fundamentais na área educacional. Em seu trabalho
diário, estabelece relações com diversos tipos de pessoas: professor, aluno,
responsável, direção, CRE, SME. Estas relações fazem parte da rotina de trabalho
do coordenador, mas, junto com esta rotina, alguns atritos acontecem, assim como
imprevistos e conflitos de emoções, como descrevem os entrevistados.
É o tempo todo eu tentando ajudar. Eu tenho um grupo muito antigo:
professores com mais de dez anos na escola, então, pegaram aquelas mudanças
todas na aposentadoria (tempo de serviço funcional concomitante à idade). É
aquele professor que diz: “eu já vi”, “eu já conheço”, e eu tenho que ficar
fazendo aquele trabalho de “sedução”, eu tento no “amor”, mas tem momento
82
que eu tenho que mostrar que tem que ser assim, tenho que mostrar que é
profissional e que naquele momento ele (professor) tem quem agir da forma que
está sendo pedido dele. Lidar com um grupo difícil, é assim: eu devo dar um
pouquinho, depois eu puxo,... e eu tenho que fazer isso com todo mundo, até com
o pessoal da COMLURB (efetua a limpeza do espaço escolar), com o pessoal da
merenda (merendeiras), com a professora da sala de leitura. Todo mundo tem
uma queixa. Elogiar o que acontece na escola, são poucos os momentos de
elogio. O que a gente o tempo todo encontra é: “Está faltando isso!”, “Eu queria
isso!” São as lamentações. E eu tenho que estar sempre aqui recebendo. A nossa
porta tem que estar sempre aberta. Quando acontece uma coisa legal, tenho que
parar o que estou fazendo e ver o que acontece de “legal”, porque o professor
precisa disso. Tem uma apresentação na Educação Infantil, vamos lá. Eu tenho
que estar o tempo todo...a gente não pára. Às vezes, eu preciso estudar um texto,
tenho que fazer um trabalhinho...mas, conseguir um tempo para mim, é muito
raro. O tempo todo, o nosso tempo é para eles (professores) (Rosana).
Rosana descreve como se travam as relações sociais na rotina do trabalho
em sua escola. Fala de suas dificuldades no processo de resolver os conflitos,
minimizando as insatisfações, que, pelo seu relato, não são causadas por ela, mas
pelas exigências do sistema. Ao dar mais atenção aos professores, percebe que
eles precisam de carinho e aprovação. Ela demonstra também que a sua rotina de
trabalho está focada nas necessidades dos membros da comunidade de sua escola,
sobrando pouco tempo para que ela mesma possa fazer reflexões sobre o seu
próprio trabalho profissional.
Tardif e Lessard afirmam que os coordenadores pedagógicos testemunham
a vivência profissional dos professores, partilham o mesmo mundo de trabalho,
esclarecem a fundo as situações da vida cotidiana e que conversam e se
compreendem espontaneamente, fazendo parte da rotina de trabalho na escola. No
caso acima, Rosana desabafa “conseguir um tempo para mim é muito raro”, isto
é, o tempo que considera necessário para preparar um estudo para os professores
ou ler um texto pedagógico, ou, até mesmo, elaborar o planejamento de atividades
do seu trabalho, acaba sendo encaminhado para a satisfação das necessidades
83
imediatas da comunidade da sua escola, contrariando o que os autores expõem
abaixo.
Depois da chegada da escola, normalmente segue-se um período em que os professores preparam sua jornada de trabalho. Além disso, boa parte das pausas e dos períodos de disponibilidade são dedicadas às atividades de preparação. A análise do nosso material indica que a preparação corresponde a atividades tais como estas: preparar os centros de atividades e prever o material pedagógico necessário;...; reproduzir os textos...; responder a um telefonema de um pai; lembrar aos colegas sobre uma reunião; rever as lições do dia, etc. (2007, p.174).
O coordenador, de acordo com o exemplo dado por Rosane e surgido nos
relatos de 9/12 entrevistados, demonstra que o tempo que estão na escola fica
restrito a resolver problemas emergentes do cotidiano escolar. No caso do
planejamento das atividades, inclusive dos “centros de estudos”, não ficou claro,
porém, se eles utilizavam o tempo na escola ou se o faziam em casa.
5.2.8
A relação do coordenador pedagógico com a direção da escola
A escolha para o exercício da função de coordenador pedagógico será
descrita utilizando-se como referência as falas abaixo, tendo em vista não haver
critérios claros estabelecidos pela legislação vigente para a seleção de um
professor apto a assumir a função de coordenador pedagógico.
5.2.8.1
A Escolha
A escolha do coordenador pedagógico, passa pela relação primária
estabelecida entre o professor-candidato à função de coordenador e a direção. O
diretor conhece o docente com o qual irá trabalhar. De acordo com a legislação
que cria o cargo de coordenador pedagógico (RIO DE JANEIRO, 1998a, pp. 4-5;
84
1998b, pp. 8-9), não há critérios claros que definam a escolha do profissional para
exercer esta função na escola. Três dos doze entrevistados citaram que sua escolha
foi resultado da “decisão do Conselho-Escola-Comunidade - CEC de sua unidade
escolar”, o que veio a reportar sobre as atribuições definidas pela SME a respeito
da atuação dos CECs na escola.
Participar do planejamento bem como da avaliação do desempenho global da unidade escolar, a partir de reuniões periódicas promovidas pelos segmentos que compõem a comunidade escolar;
Atuar de forma conjunta e participativa com a escola de forma a garantir que os processos educativos reflitam os anseios e valores da comunidade (RIO DE JANEIRO, 1998c).
Seis dos doze entrevistados disseram que sua escolha foi feita através da
“indicação da direção da escola”, e estes estavam no cargo mais recentemente,
isto é, menos de dez anos na função. Outros três informaram que foram
“escolhidos pela direção e pela indicação do grupo de professores”, não sendo
explicitada a participação do CEC na indicação. De qualquer forma, observa-se
que a função de coordenador pedagógico na rede municipal, em termos legais, não
apresenta regulamentação específica para a assunção ao cargo, por isso, a
indicação feita pelas diversas formas apresentadas, tem sido utilizada
normalmente pelas direções das unidades escolares. Nota-se também que não há
indícios de interferência direta da CRE ou SME na escolha dos profissionais que
irão ocupar a função de coordenador pedagógico, mas, faz-se necessário uma
aprovação do nome do professor escolhido pela SME, o que é efetivada através da
publicação no Diário Oficial do Rio de sua nomeação. Mesmo não estando
evidenciado na Lei nº 2.619 (RIO DE JANEIRO, 1998a, pp. 4-5), está implícito
que o cargo deva ser ocupado por um profissional habilitado na área pedagógica:
professor ou especialista de educação. Tendo em vista que as especificidades de
suas atribuições estão diretamente ligadas à organização do trabalho pedagógico
da escola e à formação continuada dos professores (RIO DE JANEIRO, 1998b,
pp. 8-9).
85
5.2.8.2
Coordenador pedagógico e direção: tecendo relações
Os entrevistados, (9/12) definem sua relação com a direção da escola como
“parceria”, “equipe”, “aliado”, e “braço direito da direção”. Como é
demonstrado, o coordenador pedagógico sente-se comprometido diretamente com
a direção que o indicou para o cargo ou ratificou a sua escolha. Todos os
coordenadores buscaram mostrar uma imagem positiva do diretor com quem
trabalham, mas alguns aspectos desta relação foram revelados nas falas dos
informantes: a parceria, a autonomia e as múltiplas atividades assumidas pelo
coordenador pedagógico.
5.2.8.3
A parceria
Olha, eu tenho uma relação parceira. Eu tenho apoio da direção, e sou
ouvida. Não só sou ouvida como também a direção pede a minha opinião para
determinadas coisas que elas querem fazer, há uma parceria muito legal. Há um
grau de amizade e de envolvimento e por isso estamos juntas (Rosana).
Rosana define como “parceria” o fato de ser ouvida pela direção de sua
escola e de ser consultada sobre algumas decisões que são tomadas pela mesma.
Outros informantes (3/12) também se definem como parceiros da direção da
escola.
Compram todos os projetos que eu trago, e que as professoras abraçam,
elas estão abraçando juntas. São parceiras, muito parceiras (Shana).
Ela vê todos os projetos, participa de todos os projetos, então é uma
parceira dentro da escola (Aline).
86
No campo da gestão de recursos humanos e empresarial, a gestão é
definida como a maneira que cada parceiro manterá sua identidade no
desenvolvimento de um projeto comum, quais são as responsabilidades e limites
de cada um, como trabalhar sem perder a autonomia (BARREIRA, 2009). A
questão da identidade e da autonomia de cada parceiro adquire grande relevância
no contrato estabelecido entre as partes.
O termo parceria é caracterizado como a união não de pessoas, mas de
instituições para a realização de projetos de grande porte. Eles podem ser na área
social, econômica, jurídica. A noção de parceria passou a ser utilizada para
definir tanto a relação contratual estabelecida entre governos e empresas privadas,
assim como fundações ou organizações não-governamentais (PIERRO, 2001 p.
327).
A parceria é definida pelos entrevistados como uma cumplicidade da
direção da escola ao trabalho que exercem, dentro de seu papel. Dizem que a
direção é parceira quando aprova e participa do fazer pedagógico planejado pelos
coordenadores ou outra atividade que o diretor esteja presente ativamente. Outras
palavras são utilizadas para definir o termo parceria, no que se refere à relação
com a direção da escola: É uma aliada. O que me facilita muito e eu ganho
credibilidade dentro do grupo (Aline). Nossa relação foi sempre de muito
respeito, realmente é uma equipe (Solange). A diretora pede para que eu fique
porque eu somo com ela, o braço direito (Elena).
Outras falas revelam que a relação entre a direção da escola (diretor e
diretor-adjunto) e o coordenador pedagógico não é horizontal, mas, hierarquizada,
como Rosana define no comentário abaixo:
Eu sou a mais antiga da escola. Mas, eu sei até onde eu posso ir. Eu sei
qual é meu papel e sei qual é o papel da direção. Elas não passam por cima de
mim, e nem eu delas.
Voltando à questão da hierarquia, na fala de Rosana, nota-se que ela tem
muito clara a sua posição em relação à direção: hierarquicamente abaixo do
diretor e diretor-adjunto. A Lei Municipal 2.619 (RIO DE JANEIRO, 1998a) que
87
criou a função gratificada16 de coordenador pedagógico, em seu artigo 6º, define o
nível de gratificação que cada um, que compõe a equipe gestora da escola, terá:
Art. 6º - As unidades educacionais de que trata a presente lei terão os seguintes Cargos em Comissão e Funções Gratificadas:
I – nas unidades escolares:
a) Diretor IV: símbolo DAS-6;
b) Diretor-Adjunto: símbolo: DAI-6;
c) Coordenador Pedagógico: símbolo DAI-6 (p.4).
Os símbolos dos cargos em comissão representam a gratificação
diferenciada que cada cargo irá receber de acordo com a importância de sua
função dentro do estabelecimento que trabalha. Nota-se que as funções de diretor-
adjunto e coordenador pedagógico são equivalentes em remuneração, enquanto o
diretor possui uma gratificação diferenciada dos demais membros de sua equipe,
como definem os códigos apresentados acima. A lei destaca o diretor como o mais
importante e primeiro na hierarquia da equipe gestora do estabelecimento escolar.
Nas atribuições de cada um, segundo o anexo da mesma lei, o coordenador
pedagógico é posto como um assessor do diretor da escola.
Atribuições específicas:
III- do coordenador pedagógico:
• Assessorar o diretor na coordenação e elaboração do planejamento, execução e avaliação curricular e o desenvolvimento do trabalho pedagógico em consonância com as diretrizes emanadas da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, de forma a atender à diversidade da escola (RIO DE JANEIRO, 1998a, p.5).
De acordo com a legislação vigente, Rosana demonstra compreender qual
é o seu papel dentro da hierarquia da escola quando ela diz: “Eu sei qual é meu
papel e sei qual é o papel da direção”. No entanto, ela mostra que a parceria é
importante para o bom andamento do trabalho escolar como um todo. No que
diz respeito aos laços afetivos que envolvem o trabalho cotidiano, Rosana 16
“Art. 4º. Função Gratificada é o encargo de chefia e assistência intermediária atribuído ao funcionário do Município por cujo desempenho perceberá vantagem acessória” (RIO DE JANEIRO, 1979).
88
destaca que a amizade faz parte do seu relacionamento com a direção da escola:
“Há um grau de amizade e de envolvimento e por isso estamos juntas.” No que
se refere ao termo “amizade”, mais 3/12 referem-se ao termo como fundamento
de sua relação com a direção da escola.
...somos amigas há dez anos (Zélia).
Nossa relação é muito boa porque somos muito amigas (Solange).
Nessa amizade há reciprocidade muito grande e respeito profissional
(João).
Percebe-se entre os entrevistados que a convivência diária acaba
fortalecendo os laços afetivos já existentes, entre a equipe gestora da escola. O
cotidiano escolar, caracterizado como categoria teórica, vem sendo utilizado
para compreender como os que trabalham na escola, desempenham o papel de
socializá-la através de ações e interações, rotinas e relações sociais (ANDRÉ,
2005, p.9). A rotina torna-se uma ferramenta de construção de relações, não só
de trabalho, como de compromisso e de afetividade. Laura retrata bem essa
questão, pois a sua escolha foi feita por uma referência do seu trabalho como
coordenadora em outras unidades escolares.
Eu tenho pouquíssimo tempo (na escola). E estamos construindo uma
relação de confiança. Ela está conhecendo o meu trabalho. Eu sei que vim bem
recomendada. Tive uma boa aceitação e ela (a diretora) confessou que estava
desesperada sem o coordenador pedagógico. Elas ficaram um ano sem
coordenador pedagógico (Laura).
Laura foi designada para a função no ano de 2007. Portanto, seu
depoimento é relevante no que diz respeito à construção de relações de
convivência afetiva no trabalho da escola. Ela não conhecia a escola nem a
direção, no entanto, aceitou assumir a função vinda de outra unidade escolar. A
sua prioridade foi relatada como: “construir uma relação de confiança” com a
direção da escola, ao mesmo tempo em que exerce o seu trabalho pedagógico.
89
5.2.8.4
A autonomia de trabalho na escola
Quanto à autonomia de trabalho, 4/12 coordenadores pedagógicos
informaram que não possuem autonomia para o trabalho na escola, e outras 4/12
afirmaram que possuem autonomia para trabalhar, com o apoio da direção da
escola. Os demais não se referiram a esse item. Apesar de não ter sido
perguntado na entrevista, (8/12) citaram a “autonomia” como fator importante
para o desenvolvimento de seu trabalho fazendo com que essa categoria se
tornasse relevante como parte da análise da relação do coordenador com a
direção da escola. A autonomia de trabalho está diretamente relacionada com as
relações sociais envolvendo confiança e amizade que os coordenadores
declararam ter com as direções de suas escolas.
O conceito “autonomia” é definido como “ter o direito de se administrar
livremente dentro de uma organização mais vasta, regida por um poder central”
(HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 351). No caso, a equipe gestora da escola,
organizada de forma hierárquica, é definida pelo diretor, diretor-adjunto e
coordenador pedagógico. A autonomia passa a ser considerada como um
conceito importante na formação da identidade do coordenador e de seu trabalho
na escola.
De acordo com Lück (2006, p. 44), a gestão educacional cultiva as
relações democráticas inclusive da autonomia como forma de promover o
desenvolvimento do ensino. Ela cita a autonomia como um dos princípios
básicos da escola democrática. Canário (2006, p. 97) diz que a autonomia é uma
ferramenta utilizada para enfrentamento da diversidade de problemas com
diversidade de soluções adequadas à sua realidade.
Ela me dá liberdade (Aline).
Ela me auxilia muito e me dá carta aberta para trabalhar dentro da escola
(Elisa).
90
Compram todos os projetos que eu trago e que as professoras abraçam
(Shana).
Ela coopera bastante com o trabalho que eu quiser fazer, ela dá apoio
(Kátia).
As entrevistadas demonstram que a direção, ao conceder aos
coordenadores pedagógicos autonomia de trabalho, demonstra confiança e
respeito ao seu desempenho profissional. O conceito “autonomia” está, de
acordo com os entrevistados, diretamente relacionado com sentimentos de
confiança e respeito à pessoa do coordenador. As expressões: “dá liberdade”,
“coopera”, “compram todos os projetos” “dá carta aberta para trabalhar” são
utilizadas pelos informantes para definir o sentimento de confiança da direção da
escola depositada no trabalho pedagógico desenvolvido pelo coordenador.
Shana é a única que busca primeiramente apoio dos professores na
apresentação de seus projetos para levá-los em seguida à direção da escola.
Talvez, buscando o apoio do grupo de professores como mais um reforço para
que receba aprovação de seus projetos.
Em relação à ausência de autonomia no trabalho exercido pelo
coordenador na escola, vejamos o que eles relatam:
Todas as duas (diretora e diretora-adjunta) gostam de supervisionar tudo
e estão enfronhadas em todas as partes. E eu acho que para mim facilita o
trabalho (Flávia).
Na questão de trabalho, eu tenho que passar tudo por ela (diretora)...ela
me respalda, me apoia. (Laura).
Tanto no aspecto administrativo, quanto no pedagógico, não é o
coordenador sozinho que decide (...) nós temos uma relação de confiança entre
a direção e a coordenação. (João).
Eu tenho o apoio da direção e sou ouvida. (...) Eu sou a mais antiga da
escola, mas eu sei até onde eu posso ir. Eu sei qual é o meu papel e qual é o
papel da direção (Rosana).
91
A falta de autonomia, na fala dos entrevistados, mostra primeiramente que
eles apóiam a atitude da direção, como uma atitude política de mostrar-se a favor
de seus diretores. Mas, revela também que os diretores possuem um caráter
centralizador no perfil da gestão das questões administrativas e pedagógicas da
escola. As falas permitem observar como ele se sente em relação a essa falta de
autonomia ou “autonomia relativa” nas decisões de trabalho que surgem no seu
cotidiano e como o coordenador pedagógico lida com a autonomia relativa junto
à direção da escola. Dias (2001, p. 22) afirma que a falta de autonomia, por parte
dos docentes, traz insatisfação no exercício de função. Tardif e Lessard (2007)
dizem que:
pela introdução de controles burocráticos na gestão do trabalho docente, os responsáveis escolares adotam uma atitude prescritiva quanto às tarefas e aos conteúdos escolares; introduzem medidas de eficiência e um controle cerrado do tempo...e os governos...visam a aumentar sua eficácia e sua “imputabilidade” através de práticas e normas de gestão e de organização do trabalho provenientes diretamente do ambiente industrial e administrativo (p. 25).
A autonomia, como princípio de gestão presente na escola, é recente e foi
divulgada através da Lei 9394 (BRASIL, 1996) que traz em seu artigo terceiro, os
princípios de “liberdade, pluralidade de idéias, gestão democrática do ensino
público”. O artigo 15 da mesma Lei trata da autonomia pedagógica,
administrativa e financeira para estabelecimentos públicos de ensino. O princípio
da autonomia tratado na Lei expõe seu caráter descentralizador, cabendo a cada
instituição escolar deliberar a respeito das decisões administrativas dentro de suas
próprias realidades desde que respeitadas às disposições definidas pela Secretarias
de Educação às quais fazem parte.
Portanto, em vista das possibilidades de liberdade e autonomia da escola,
visto à Lei 9394 (BRASIL, 1996), cada gestor pode exercer sua autoridade na
escola de acordo com seu estilo de administrar. Lück (2006, p. 58) define bem
sobre este estilo de gestão linear e fragmentada com influência estabelecida de
“cima para baixo”: o ato de administrar corresponderia ao ato de comandar e
controlar, em que a escola passa a ser o espaço de poder e de disputas, no campo
da gestão.
92
5.2.9
As múltiplas atividades do coordenador pedagógico
A gente faz parte de uma equipe. Por muitas vezes, sou solicitada a fazer
algo da parte administrativa e elas (direção) também me ajudam (Elza).
No momento estou ajudando a direção, mas, quando eu preciso, elas (a
diretora e a diretora-adjunta) não esperam eu pedir. Elas estão lá junto comigo
(Shana).
Shana declara que está ajudando a direção, mas num outro momento, ela
menciona que está sozinha durante a rotina de trabalho na escola.
Eu faço os meus planos, mas quando a diretora tem que ir a uma reunião
na CRE então eu fico sozinha e eu tenho que ficar atendendo telefone, abrindo
escola, fechando escola, atendendo responsável, fazendo declaração e aí eu não
faço o meu trabalho pedagógico.
O desabafo de Shana mostra bem o que significa “estar ajudando a
direção”. Na verdade é fazer o trabalho de três pessoas: diretor, porteiro e
secretário escolar. Isso demonstra que na escola de Shana, esses profissionais
citados: porteiro e secretário simplesmente, não existem obrigando aos gestores
escolares a assumirem papéis que não são deles, mas, cujas tarefas, se não
realizadas por alguém, dificultam ainda mais a organização da escola.
Uma das atribuições do coordenador pedagógico é desenvolver o trabalho
pedagógico da escola onde trabalha, mas, devido à falta de pessoal, ou pelas
ausências destes pelas causas mais diversas e a sobrecarga de trabalho faz com
que alguns coordenadores pedagógicos executem o trabalho de outros
profissionais. Os coordenadores que declararam fazer o trabalho administrativo
mostram que o exercício destas tarefas está inserido na categoria “ajudar à
direção” (Shana). Elza revela que também faz “a parte administrativa”.
Reconhecendo não ser sua função, considera como uma “ajuda” à direção de sua
93
escola. Ela não explica quais tarefas exerce que podem ser caracterizadas como
ajuda à direção, mas imagina-se que sejam semelhantes às descritas por Shana.
É interessante que esta categoria surja por iniciativa dos entrevistados
mostrando as dificuldades organizacionais existentes na escola que estão
implícitas na expressão “ajuda à direção”. A falta de pessoal especializado nas
escolas públicas da rede leva o coordenador a exercer múltiplas atividades que
não estão diretamente relacionadas com a sua função. São estas: porteiro, “abro a
escola e fecho a escola”; secretário escolar, “faço declaração” e “atendo telefone”
(Shana); professor, “acabo pegando turma” (Solange) e diretor-adjunto, “a gente
passou sem diretor-adjunto alguns meses então eu dou apoio à diretora” (Elena).
Oliveira (2004) confirma, em suas pesquisas, esta realidade ao afirmar que:
Na atualidade novas questões são trazidas ao debate, e as discussões sobre os processos de flexibilização e precarização das relações de emprego e trabalho chegam também ao campo da gestão escolar. As teses sobre desvalorização e desqualificação da força de trabalho, bem como sobre desprofissionalização e proletarização do magistério, continuam a ensejar estudos e pesquisas de caráter teórico e empírico. Tais estudos indicam que as reformas educacionais mais recentes têm repercutido sobre a organização escolar, provocando uma re-estruturação do trabalho pedagógico (p. 1128).
Sobre a questão da falta de pessoal existente na escola, as causas mais
prováveis podem ser a repercussão do desequilíbrio financeiro, resultando em
falta de investimentos por parte do poder público na área educacional quando se
refere à construção de uma escola pública decente, em termos de qualidade de
atendimento e estrutura funcional.
No próximo capítulo, a formação continuada é apresentada como parte do
processo de desenvolvimento profissional do coordenador pedagógico e os
múltiplos saberes necessários para o exercício de sua função.