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Espírito Santo,

o herói sem fantasia

Romance

luca mac doiss

Copyright © by luca mac doiss

Capa e Projeto Gráfico : luca mac doiss

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Mac doiss, LuCa

Espírito Santo: romance / LuCa Mac doiss.

São Paulo, SP: Ed. do autor , 2007.

1. Romance Brasileiro

I. Título

09-09612 CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático :

1. Romance : Literatura Brasileira 869.93

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Capítulo 1

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1980. Dezembro. Universidade de São Paulo. Escola

Politécnica. Departamento de Engenharia Naval. Último dia de aulas do ano. Onze horas da manhã. Um estudante entra no prédio da escola.

— E aí, Caipira! Fechou tudo? — perguntou um outro estudante, que estava saindo do prédio e se encontrou com o colega no corredor.

— Tranqüilo, estou de férias. E você, Douglas? — Anderson, aluno do quarto ano de engenharia naval, o Caipira, respondeu, sem parar, apenas diminuindo o ritmo dos passos.

— Quase, faltou Dinâmica. — Não passou nela, ainda? — Anderson parou, a dois

passos do amigo, e voltou-se para ouvir a resposta. — Não, mas vou falar com o professor na próxima

semana — respondeu Douglas, após repetir os movimentos do amigo. — Vai viajar?

— Estou indo, hoje, para minha cidade — o Anderson morava em Rancharia, pequena cidade do interior de São Paulo.

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Anderson, jovem de estatura média, sempre passava em todas as disciplinas, estudava com afinco, quase nunca faltava às aulas. Douglas, um pouco mais alto, um metro e setenta e cinco centímetros, um pouco mais queimado de sol, um pouco menos disciplinado com as obrigações escolares, não tinha passado, pela segunda vez, em Dinâmica de Sistemas II, matéria do sexto semestre.

Despediram-se e continuaram a caminhar. — Douglas, está de carro? — Douglas, então, no

estacionamento, encontrou Tadeu, quase mesma estatura, moreno, densa barba e bigode negros, aparados com esmero, cabelos encaracolados. Os dois haviam cursado algumas disciplinas comuns nesse ano.

— Não!... Mas estou com o carro dos meus pais. Você pelo jeito quer carona.

— Vai passar pelo CEPEUSP? (Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo).

— Sim, deixo você na entrada. Andaram até o carro de Douglas, um Passat branco, e

saíram do estacionamento. — Tadeu, você já está na escola há cinco anos, não? — É, cara... o pessoal da minha turma está se

formando este ano, só estão bebemorando. Mas ano que vem termino; este ano eu levei a sério, só sobraram três matérias atrasadas.

— Já está estagiando? — Sim. Eu faço estágio há dois anos, o que fez com

que eu tivesse mais dificuldade com a escola.

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— Sei. Estagiar não é fácil. Mas não foi só o estágio que fez você ficar mais um tempo na faculdade. Não é?

— Verdade. Mas sou novo, tenho muito tempo para trabalhar e ganhar dinheiro. E, depois, eu tenho de viver hoje, amanhã quando estiver velhinho, para que eu vou querer ter dinheiro? Para gozar a vida?... Se nem vou poder gozar?

Douglas apenas sorriu, enquanto Tadeu deu uma

longa risada. — Chegamos. Vai jogar bola hoje? — Não... com essa lua, só com uma piscina para

agüentar. — Tem razão, o dia está perfeito para um mergulho,

pena que tenho de ir para casa. Aqui está bom? Douglas parou o carro no acostamento da avenida,

sentido oposto ao centro esportivo. — Está ótimo! Valeu. Obrigado pela carona. Tadeu entrou no conjunto esportivo e foi direto ao

vestiário, onde encontrou um outro colega da escola, da mesma turma de entrada na faculdade, que, também, cursava engenharia naval.

— Vicky, gente boa! Como vai essa força? — Fala, Tadeu! Tá atrasado, meu velho. — Hoje tive de terminar um trabalho da escola. Este

ano foi de ralação, ainda bem que está acabando. E para você, como foi o ano?

— Como sempre. Vicky fazia jogar bola, fazia nadar, fazia malhação,

fazia procurar o que fazer com qualquer garota, mas preferia as

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da universidade, pelo tipo físico dele era fácil. Vicky só não fazia estudar.

Vicky tinha um metro e oitenta e dois centímetros, cabelos castanhos, tipo de rapaz que toda filha gostaria de ter como namorado, e que toda mãe queria distância... da filha. Vicky nunca havia namorado sério em toda a vida de vinte e três anos. Era um verdadeiro atleta... praticava natação desde os nove anos; jogava futebol desde que se conhecia como gente. Sentia-se bem na água ou em um campo de futebol. O curso de engenharia, ele... bem, gostava demais de barco, mas não das aulas de resistência, de física com números demais, de um a quatro. Para que tanto? Se o que interessava era pôr o barco no mar, e isso ele aprendera com os pescadores, com a prática; de motor de barco, aprendeu com o mestre Expedito, velho pescador de Mongaguá. Ele estava completando cinco anos de faculdade, mas não havia obtido aprovação em várias disciplinas. No ano que viria, cursaria, ainda, várias matérias do sétimo semestre.

— Vicky, meu bom rapaz. Só falta você, pois eu já mudei. Não agüento mais a escola, quero terminar o curso e trabalhar.

— Eu também, Tadeu. Eu também, mas não este ano. Vou nessa. Tenho de ir à academia.

— Vai à balada esta noite? — Vou! Vejo você lá. — Boa! Estarei no bar da frente. Vicky saiu do vestiário. Caminhava em direção ao

estacionamento, onde estava o carro, um Chevette ano 77, quando...

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— Vicky, meu amor! — era a Paula, de pé ao balcão da lanchonete, a qual estava situada entre o vestiário e a saída do centro esportivo.

Beijaram-se na boca. — Paulinha, estava pensando em você. — Acredito! — disse com sarcasmo, pois realmente

não acreditava. Paula era estudante do terceiro ano de biologia.

Cabelos loiros, curtos, cinqüenta e cinco quilos, bem distribuídos em um metro e sessenta e cinco centímetros, freqüentadora assídua do centro esportivo, ou melhor, da piscina, aonde estava indo naquele momento.

— Lindo biquíni. — Gostou? Só do biquíni? — O recheio é muito melhor. — Está de pé nosso encontro para segunda-feira? — Com certeza. — Que pena você não poder, amanhã. — Na segunda, compenso você — beijou-a

novamente e saiu.

A academia ficava no caminho para a casa de Vicky; fazia uns quatro anos que freqüentava a mesma academia; conhecia todo mundo; professores, funcionários e freqüentadores; e todos gostavam dele, pois tratava todas as pessoas com respeito e simplicidade. O treino do dia era peito (supino com 80 quilos) e bíceps (rosca direta com 50 quilos). Vicky deixou a academia lá pelas cinco horas e foi para casa.

A mãe estava preparando o jantar, pois o pai normalmente chegava antes das sete horas e gostava de ter

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todos à mesa às oito horas para o jantar. Vicky adorava os pais e um dos programas preferido dele era conversar com o pai. Conversavam horas e horas sobre todos os assuntos.

— Filho, você precisa ir à igreja — o pai de Vicky não perdia a missa de domingo. “Sou católico apostólico romano”, gostava de dizer o pai, quando lhe perguntavam qual era a religião dele.

— Pai, estou sem tempo. Domingo é dia de pescar, namorar, jogar bola e até de estudar... quero dizer, ler sobre barco, pesca...

Vicky sentia que cada dia, cada vez que aprendia mais sobre as ciências (física, química...) se tornava mais ateu. Só se lembrava de Deus nas horas de aperto, de necessidade. Nesses momentos até rezava uma Ave-Maria, um Pai-Nosso.

Por outro lado nunca conseguiu ser rebelde, pois o pai o entendia e tinha a certeza de que um dia o filho seria mais responsável; o importante, segundo o pai: Vicky era honesto, íntegro, bom amigo e humilde. Eles, pai e filho, julgavam que os anos de faculdade eram os melhores da vida e, portanto, deviam ser bem vividos, antes de começar a trabalhar, quando então ele não teria tempo livre para nada e trabalharia para pagar contas. Embora algumas vezes o pai tivesse umas recaídas; então, passava a cobrar o filho sobre resultados, sobre empenho... mas logo se rendia, Vicky era o que era.

— Pai, Vinícius, o jantar está pronto — a mãe

chamava-os para jantar. Vicky jantou, dormiu um pouco, tomou banho e saiu

para a balada.

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Encontrou-se com a turma para o esquenta no bar em frente à casa noturna. Não que ele precisasse de incentivo, de obter coragem, através da bebida, para ganhar mulher; nem que gostasse de beber mais que duas ou três doses; mas sim, porque no bar a bebida era muito mais barata que na balada, e havia os amigos. Vicky valorizava cada amizade que fazia, cada amigo que conquistava.

O Tadeu e o Bruno; aluno de física, amigo comum; estavam com um copo de vodca com suco de laranja, alternando a vez de quem bebia. Vicky pediu uma dose de vodca e uma garrafa de soda limonada, que misturou e colocou na mesa para girar.

Após mais um drinque, os três pagaram a conta dividida como irmãos, e entraram na casa noturna. No andar térreo, um pub com música ao vivo, vários casais ocupavam as mesas levemente iluminadas... mal se podia reconhecer alguém, ou distinguir uma bela de uma não tão bela mulher.

— Não existe mulher feia! É uma questão de uma dose a menos ou a mais — filosofou Tadeu.

Mas ali era o lugar para os casais ficarem

conversando, namorando e bebendo. Não era o que estavam procurando, obviamente; foram ao andar superior, onde rolava música com DJs. Várias pessoas se distribuíam pelo ambiente; alguns casais, mulheres sozinhas e, também, vários concorrentes.

Na pista de dança dois casais e algumas meninas, dançando sozinhas, ocupavam todo o círculo levemente situado acima do piso e com beirais iluminados com poucas luzes verdes.

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Os amigos pediram um uísque com guaraná ao garçom que os recepcionou assim que chegaram e mal tinham se acomodados a uma das mesas.

— Tadeu, dá um “look” naquela menina de blusa azul, dançando com aquele cara de camisa branca — Vicky referia-se a uma morena de tirar o fôlego de qualquer cidadão... corpo escultural, graciosa, cabelos castanhos escuros. Vicky ficou impressionado com a garota:

— Gostosa, muito gostosa. Pena que está acompanhada.

— Quanto maior a concorrência, melhor. — Não seria quanto mais difícil, melhor? — É que o acompanhante é de respeito. E, você sabe,

não existe mulher... — Tá bom, Vicky, você ganhou. Quero ver é, você

ganhar a menina. Meia hora depois, a menina estava dançando sozinha.

Vicky não perdeu um segundo, foi até a pista e começou a dançar na frente da garota. Ela era um pouco mais baixa que ele, talvez um metro e setenta centímetros, tirando os saltos. Ele se aproximou um pouco mais, ela era mais linda de perto, olhos cor de mel, lábios carnudos, seios avolumados, sorriso de parar trânsito. “Que encanto!”, Vicky pela primeira vez na vida temeu não conseguir conquistar uma garota; pela primeira vez desejou uma mulher para ser a companheira dele... então, não desejava uma mulher para apenas uma noite, mas desejava uma vida com apenas uma mulher... ela.

— Sozinha? — achou coragem para a iniciativa. — Não, com o noivo.

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— Ciumento? — Muito! — Com razão. Distante? — Um pouco. — Sem juízo. Ela sorriu. Ele se empolgou. Em apenas mais um minuto, Vicky conseguiu o

número do telefone, e a promessa de encontrarem-se na terça-feira seguinte na mesma casa noturna.

O encantamento foi recíproco; a garota, mesmo estando noiva, interessou-se pelo Vicky. O momento teve algo de mágico, pareceu que estavam destinados a se encontrarem um dia, e esse dia era aquela noite.

Existem segundos que valem por horas. Existem segundos que mudam uma vida. Existem segundos que marcam uma existência. Os segundos que fizeram aquele momento não ficariam perdidos no tempo. Aqueles segundos mudariam duas vidas.

Quando tinha acabado de anotar o número do telefone

dela, chegou o noivo trazendo dois copos de bebida. Este os encontrou à beira da pista, ainda, conversando.

— Demorei? O bar estava cheio — disse o noivo, entregando um copo de bebida à garota.

— Não! Obrigada. Esse é um colega da faculdade — disse, para aliviar as tensões, a primeira desculpa que veio à cabeça.

O casal retirou-se da área de dança, com o noivo

puxando-a por um dos braços. Vicky, para disfarçar, continuou

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a dançar, e em poucos passos, para não perder a viagem, estava com uma nova garota na frente dele, morena como a primeira, um pouco mais magra, mas também muito bonita.

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Capítulo 2

2 Vicky acorda às oito horas da manhã, em um motel

situado na Avenida das Nações Unidas, com a menina da balada, a segunda morena, ao lado. Descobre que o nome é Raquel... enquanto tomam o café-da-manhã.

— Raquel, prazer! — O prazer foi meu! Após levar a Raquel para o apartamento dela, foi para

casa. Era sexta-feira, no sábado tinha de estar na cidade de Mongaguá. Faria a pescaria combinada, algumas semanas atrás, com o mestre Expedito. Pescaria em alto mar. Uma das paixões de Vicky, além de mergulhos em algum ponto da costa marítima de Ubatuba a Paranaguá, que conhecia como ninguém.

Desceu a serra, na noite de sexta-feira, dirigindo, sozinho; os pais não puderam ir naquele fim de semana. Vicky, no sábado, teria de acordar bem cedo; mestre Expedito saia às cinco da manhã. Acordou às quatro da manhã, comeu dois pães, bebeu um copo de leite e foi à Praia dos Milagres, de onde

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sairia o barco. Os pescadores que participariam da pescaria estavam com o barco e os apetrechos preparados.

— Mestre Expedito, meu ídolo! — Menino Vica, meu filho! Mestre Expedito adorava o Vicky, conhecia-o desde

pequeno, quando ia comprar peixe, recém-pescado, com o pai e ficava fazendo perguntas, sem parar. Conforme, Vicky, ia crescendo, ficava mais interessado pelos assuntos do mar, da pesca, do barco e ia se tornando amigo do pescador. Essa seria a terceira vez que entraria no mar com os pescadores dali.

Deixou o carro no estacionamento do restaurante do senhor Domingos, também um velho conhecido. Os pratos do restaurante eram à base de peixe, camarão e outros frutos do mar, com receitas capixabas, uma vez que o senhor Domingos era de Vitória do Espírito Santo.

— Seu Domingos, hoje vou trazer o peixe para a sua peixada.

A especialidade do senhor Domingos era a moqueca, e como todo capixaba não gostava que chamassem a moqueca dele de peixada.

— Peixada é de paulista, a minha é a verdadeira moqueca capixaba, melhor que a baiana.

Ele sempre respondia assim, mas sabia que Vicky estava brincando.

— Vou deixar o carro aí em frente. Posso? — Pode deixar! A gente olha para você. — Obrigado. Tenha um bom dia. — Vá com Deus, meu filho. O barco da pesca era uma traineira, batizada de Tetis,

de onze metros (trinta e seis pés), casco de madeira Ipê, motor

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de cem cavalos, um barco Mercedes-Benz como gostava de dizer mestre Expedito. Tinha capacidade para dez pescadores, tanque de trezentos litros, dava para ir até a África, brincava o velho pescador. Até a África não dava, mas navegava além das fronteiras marítimas. A Tetis era equipada com um instrumental completo de painel e um bom rádio... “com segurança, o velho tem de ser seguro, firme”, dizia o mestre.

Naquele dia a traineira partiu, com o mestre Expedito, outros quatro pescadores da cidade e o Vicky, na direção da Ilha Comprida e do mar de Cananéia. Partiram às cinco horas e quinze minutos. O dia estava claro; apenas algumas nuvens cinza-escuras podiam ser avistadas a sudoeste.

Mestre Expedito era um profundo conhecedor do pesqueiro (refúgio natural do pescado) da região, conhecia bem o relevo submarino, os ventos, as marés... até pela cor da água podia dizer qual era a localização do barco. Conhecia, também, as rotas dos cardumes.

Tinham navegado um pouco mais de duas horas, quando:

— UM CARDUME DE SARDINHA! Gritou o mestre, após identificar o cardume; e, avisou

a tripulação para preparem-se para o procedimento padrão, quer dizer, padrão do mestre Expedito, pois era um pouco diferente do utilizado pelos outros pescadores. Ele conseguia pescar com um só barco o que outros pescadores pescavam com dois barcos.

— Vamos ao cerco. Bitola, pegue o leme — continuava a comandar o mestre.

— Juca, Binho, comecem a jogar a rede — mais uma ordem.