300 minutos
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300 MINUTOS
Um homem velho, vestido com uma camisa muito surrada da
seleção brasileira. Aspecto degradante, mãos muito
trêmulas.
Aconteceu três vezes comigo. Em 1957. Três vezes no mesmo
ano. Isso dá o quê? Eu sabia quanto dava... Eu fiz as
contas... Eu sabia quanto dava... É que hoje em dia...
Minha cabeça está meio devagar. Três X noventa... Quanto?
Duzentos e setenta? Duzentos e setenta. É isso! Foram
duzentos e setenta minutos, dentro de campo, vestindo
essa camisa. Em 1957. No Maracanã. A estreia foi no
Maracanã. Contra a Argentina! Imagina! Ri. Eu estreei na
seleção no dia 10 de julho de 1957. Era um torneio
amistoso, chamava Copa Roca. Entre a Seleção Brasileira e
a Seleção Argentina. Foram duas partidas... Eu entrei na
segunda partida. Sabe quem tinha estreado no primeiro
jogo? Pelé. O primeiro jogo desse torneio, Copa Roca, foi
o primeiro dele, Pelé, pela seleção... Ele era bem
garoto. Entrou no lugar do Del Vecchio. Entrou e marcou!
Eu não... Eu era zagueiro, né? Entrei no segundo jogo que
teve prorrogação. Tinha me esquecido... Teve prorrogação!
Foram mais do que 270 minutos. Foram... Trezentos, né?
Trezentos minutos! É uma coisa inesquecível! Você veste a
camisa, entra em campo... Você se sente brasileiro, sabe?
Você sente o que é fazer parte do Brasil, do seu país.
Ali no gramado do Maracanã, com essa camisa... Mas minha
carreira foi curta. Eu me machuquei com vinte e sete
anos, tive que parar. Não deu para juntar dinheiro...
Naquela época não se ganhava muito dinheiro assim, logo
no começo da carreira. Você tinha que trabalhar por um
tempo. Tinha que trabalhar. Eu fui jogador dos 16 aos 27.
Foi pouco... Depois eu tive que me virar. Não tinha
estudado... Não tinha nada. Quer dizer, tive aqueles
trezentos minutos... Mas, assim, na vida, eu não tinha
nada. Sei ler um pouquinho... Tenho certa dificuldade.
Conta, eu sempre soube fazer fácil, assim, de cabeça...
Hoje em dia é que não. A cabeça já não corresponde mais!
Naquela época, eu me machuquei e minhas pernas não
correspondiam mais. Bebi um pouco, depois disso. Está
vendo essa tremedeira? Cachaça! Mas tudo passou. Eu
queria ir no Maracanã, um dia, de novo. Na arquibancada
mesmo. Vestindo essa camisa... Me sentir parte daquilo de
novo. Mas ganhando salário mínimo e morando, assim, tão
longe não dá, né? Ficou distante, ficou muito distante de
mim... Essa coisa de me sentir brasileiro.