2.9 principais conflitos existentes e potenciais · neste item são descritos os conflitos...

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INV.URG-GE.00-IT.4001-(P) Página: 598/1076 Revisão: 3 Data: 05/07/10 2.9 PRINCIPAIS CONFLITOS EXISTENTES E POTENCIAIS 2.9.1 Introdução O presente item foi desenvolvido com base em dados secundários, existentes em ambos os países, sobre situações de conflito presentes na bacia do rio Uruguai e com informações deste estudo de inventário, relacionadas às possíveis afetações que poderão ocorrer pelos diversos aproveitamentos em estudo, seja em estruturas existentes (áreas urbanas, ponte) seja em relação às propostas dos Planos, Programas e Projetos (pontes, hidrovia) avaliando-se o potencial que estas têm na geração de conflitos. Cabe destacar que, posteriormente, quando da realização de reuniões técnicas e reuniões públicas, poderão ser corroboradas as questões consideradas e/ou incorporadas outras situações de conflitos. 2.9.2 Marco Conceitual Na década de 1970, a partir da realização da Conferência de Estocolmo, a questão ambiental passou a ser enfocada com ênfase na escassez dos recursos naturais e, em consequência, surge a necessidade do combate ao uso inadequado e evitar seu esgotamento. Recentemente foram agregados aspectos ligados aos fins para os quais esses recursos são utilizados, se estritamente econômicos ou com a incorporação de benefícios sociais. Nesse caso, a sociedade passa a ser elemento integrante do meio ambiente, não se reduzindo aos seus componentes físicos e biológicos, incorporando aspectos sociais e culturais. Assim, o meio ambiente e as práticas sociais que exercem ação sobre ele geram interações mútuas, resultando muitas vezes em conflitos. A apropriação dos recursos naturais, tendo como foco a produção econômica, estabelece-se em função de objetivos específicos. No outro extremo, encontram-se as formas sociais de apropriação desses recursos, vinculadas à dinâmica de reprodução dos diversos tipos de sociedade, considerando seus padrões de desigualdade. Já nas chamadas formas culturais, o mundo material é objeto de atribuição de significados, através de atos e práticas a partir de categorias simbólicas, esquemas de percepção e representações coletivas diferenciadas. (ACSELRAD, 2004) De acordo com o referido autor, os modos sociais de apropriação do mundo material articulam formas técnicas, sociais e culturais, por meio de “acordos simbióticos”. Cada um dos atores deste “acordo” tem interesse na existência do outro e a eventual ruptura de elos como este fazem surgir conflitos ambientais. Com este enfoque, entende-se que os conflitos ambientais se estabelecem quando um ator específico compromete ou interfere na ação de outros atores, ameaçando suas práticas de apropriação de recursos num mesmo ambiente. Os conflitos ocorrem, dada a diversidade de formas de adaptação dos atores sociais frente aos recursos naturais, impregnada de suas

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2.9 PRINCIPAIS CONFLITOS EXISTENTES E POTENCIAIS

2.9.1 Introdução

O presente item foi desenvolvido com base em dados secundários, existentes em ambos os países, sobre situações de conflito presentes na bacia do rio Uruguai e com informações deste estudo de inventário, relacionadas às possíveis afetações que poderão ocorrer pelos diversos aproveitamentos em estudo, seja em estruturas existentes (áreas urbanas, ponte) seja em relação às propostas dos Planos, Programas e Projetos (pontes, hidrovia) avaliando-se o potencial que estas têm na geração de conflitos.

Cabe destacar que, posteriormente, quando da realização de reuniões técnicas e reuniões públicas, poderão ser corroboradas as questões consideradas e/ou incorporadas outras situações de conflitos.

2.9.2 Marco Conceitual

Na década de 1970, a partir da realização da Conferência de Estocolmo, a questão ambiental passou a ser enfocada com ênfase na escassez dos recursos naturais e, em consequência, surge a necessidade do combate ao uso inadequado e evitar seu esgotamento.

Recentemente foram agregados aspectos ligados aos fins para os quais esses recursos são utilizados, se estritamente econômicos ou com a incorporação de benefícios sociais. Nesse caso, a sociedade passa a ser elemento integrante do meio ambiente, não se reduzindo aos seus componentes físicos e biológicos, incorporando aspectos sociais e culturais.

Assim, o meio ambiente e as práticas sociais que exercem ação sobre ele geram interações mútuas, resultando muitas vezes em conflitos.

A apropriação dos recursos naturais, tendo como foco a produção econômica, estabelece-se em função de objetivos específicos. No outro extremo, encontram-se as formas sociais de apropriação desses recursos, vinculadas à dinâmica de reprodução dos diversos tipos de sociedade, considerando seus padrões de desigualdade. Já nas chamadas formas culturais, o mundo material é objeto de atribuição de significados, através de atos e práticas a partir de categorias simbólicas, esquemas de percepção e representações coletivas diferenciadas. (ACSELRAD, 2004)

De acordo com o referido autor, os modos sociais de apropriação do mundo material articulam formas técnicas, sociais e culturais, por meio de “acordos simbióticos”. Cada um dos atores deste “acordo” tem interesse na existência do outro e a eventual ruptura de elos como este fazem surgir conflitos ambientais.

Com este enfoque, entende-se que os conflitos ambientais se estabelecem quando um ator específico compromete ou interfere na ação de outros atores, ameaçando suas práticas de apropriação de recursos num mesmo ambiente. Os conflitos ocorrem, dada a diversidade de formas de adaptação dos atores sociais frente aos recursos naturais, impregnada de suas

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ideologias e modos de vida, sendo entendidos como expressão de tensões na reprodução dos modelos de desenvolvimento.

No bojo desse processo prevalece a desigualdade socioambiental, na qual grupos de maior influência social e poder econômico transferem custos ambientais para grupos com menor força nas esferas de decisão.

A apropriação dos recursos naturais voltada ao atendimento do mercado, desconsiderando seus papéis social e simbólico junto às comunidades locais, tende a desencadear conflitos ambientais. Assim, especificamente, a apropriação das águas para projetos hidrelétricos, ainda que represente um uso não consuntivo, pode gerar disputas relacionadas a outros usos deste recurso por agentes e grupos sociais não relacionados à geração de energia, como a navegação, a pesca, o abastecimento de água, entre outros.

A ocorrência de conflitos socioambientais se dá em função de diferentes interesses e estratégias na apropriação de recursos naturais, por diferentes atores sociais, marcados muitas vezes por condições desiguais de ação política e econômica. A tradição do setor elétrico em estudos socioambientais busca identificar esses conflitos nas diferentes fases dos empreendimentos hidrelétricos, antecipando situações já vivenciadas e buscando as formas mais adequadas de enfrentá-los. Com esse entendimento pode-se concluir que a origem dos conflitos socioambientais encontra-se em diferentes interesses e estratégias na apropriação de recursos naturais, por diferentes atores sociais em campos de força, muitas vezes, desiguais.

O conceito de “conflito”, no presente estudo, é entendido como situação de tensão real ou potencial, resultante de concorrência entre direitos, interesses, usos, atribuições e jurisdições de duas ou mais partes querelantes entorno do objeto do conflito, atores de expressão social, que representam interesses socialmente distinguíveis. O objeto do conflito é de natureza pública, implica todo o corpo social e refere-se a interesses difusos.

Além da identificação de conflitos existentes na área de estudo, os planos e programas mais significativos existentes para a região serão analisados à luz desses conflitos, quanto ao potencial de amenizá-los ou agravá-los, dependendo da natureza dos mesmos.

A análise dos conflitos potenciais deve levar em conta que:

• as alterações socioambientais ocasionadas nas fases de planejamento, implantação e operação de um empreendimento são potencialmente geradoras de conflitos, envolvendo diferentes atores e interesses sociais, políticos e econômicos;

• a percepção de um determinado grupo não depende exclusivamente de sua posição/papel na sociedade em que está inserido mas, em muitos casos, os grupos de ação local partilham princípios e perspectivas de grupos que atuam fora da bacia.

2.9.3 Objetivos

Esta etapa do estudo tem como objetivo principal identificar os principais conflitos, existentes e potenciais na bacia do rio Uruguai.

Os objetivos específicos consistem em:

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- Identificar os principais conflitos relacionados à dinâmica socioambiental da bacia;

- Identificar Planos e Programas que possam gerar conflitos decorrentes da implantação de hidrelétricas;

- Identificar os principais conflitos decorrentes da implantação de empreendimentos hidrelétricos.

2.9.4 Metodologia

De acordo com a conceituação adotada, as situações de conflito analisadas referem-se àquelas decorrentes da concorrência entre os direitos, interesses, usos, atribuições e jurisdições suscitados pela presença de empreendimentos hidrelétricos, e àqueles inerentes à dinâmica social, econômica e ambiental regional. Inicialmente são expostos aqueles inerentes à dinâmica socioambiental regional, com ênfase nos conflitos decorrentes dos aproveitamentos energéticos já desenvolvidos. Serão analisados também os conflitos potenciais em função de planos e programas existentes para a região, que possam ter ou sofrer interferências com a implantação de hidrelétricas, e aqueles decorrentes das alterações que possam ocorrer, relacionados a novos empreendimentos a serem implementados na bacia.

O fluxograma metodológico utilizado na construção dessas análises é apresentado na Figura 2.9.4-1, a seguir.

Figura 2.9.4-1. Fluxograma Metodológico de Análise de Conflitos Ambientais

2.9.5 Identificação dos Atores Sociais

Os principais atores atuantes na bacia do rio Uruguai, relacionados à mobilização por temas socioambientais são as instituições de ensino universitário e pesquisa, entidades profissionais, organizações e movimentos sociais.

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A seguir relacionam-se os principais atores sociais identificados entre aqueles presentes nas discussões, associados à implantação de usinas hidrelétricas na região, envolvendo, além da área de estudo, a bacia do rio Paraná e o trecho do Alto Uruguai, no Brasil.

2.9.5.1 Instituições de Ensino Universitário e Pesq uisa

• Argentina

Universidade Nacional de Misiones (UNaM) – Oberá e Apóstoles - Misiones

Universidade Gastón Dachary – Oberá - Misiones

Fundação A. Barceló – Santo Tomé - Corrientes

Universidade El Salvador (USAL) – Gobernador Virasoro - Corrientes

• Brasil

Universidade de Ijuí (UniJuí)

Universidade de Santa Maria

Universidade da Região da Campanha (URCAMP)

PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Campus Uruguaiana

UNIPAMPA Universidade Federal do Pampa – Campus Uruguaiana

Universidade Norte do Paraná - Uruguaiana

2.9.5.2 Entidades Profissionais

• Argentina

Conselho Profissional de Ciências Econômicas – Província de Misiones

Conselho Profissional de Engenharia, Arquitetura, Agrimensura e Engenharia Agronômica da Província de Misiones (CAPROIA)

Conselho Profissional de Engenharia, Arquitetura e Agrimensura da Província de Corrientes (CPIAyA)

• Brasil

Associação de Engenheiros e Arquitetos

Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA – Rio Grande do Sul

Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul

Sindicato de Trabalhadores Rurais

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2.9.5.3 Organizações e Movimentos Sociais

• Argentina

Fundación M’Biguá – Ciudadanía y Justicia Ambiental – Paraná – Entre Ríos

CEDHA – Centro de Derechos Humanos y Ambiente – Córdoba

Servicio de Paz y Justicia (SERPAJ)

Taller Ecologista – Rosario

R.O.C.C – Red de Organizaciones Comunitarias – Córdoba

Fundación Preservar – Córdoba

Asociación Civil PHYSIS – Córdoba

Eco Urbano – Paraná – Entre Ríos

Proyecto Tierra – Paraná – Entre Ríos

Asociación Ambientalista del Río Uruguay – Colón – Entre Ríos

FARN – Fundación Ambiente y Recursos Naturales – Buenos Aires

Cuña Piru

Red en Defensa del río Uruguay y sus Pueblos

MAMBO - Movimiento Ambientalista M’borore

Red Socioambiental de Entre Ríos y la Província Oriental de Uruguay

Asamblea Binacional de Afetados de Yaciretá

Fundación Proteger

Red de Asociaciones Ecologistas (RAE)

CETERA- Confederación de Trabajadores de la Educación de la República Argentina

• Brasil

Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais

Núcleo Amigos da Terra/Brasil

Movimento SOS Uruguai

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

Associação de Proteção Ambiental Amigos do rio Piratini

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Fundação Gaia

AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural

REDLAR – Red Latinoamericana contra represas y por los Rios, sus Comunidades e el Agua

Mater Natura Instituto de Estudos Ambientais

Fundação AVINA – Escritório Sul do Brasil e Pantanal

Coalizão Rios Vivos (300 ONGs)

MST – Movimento dos Sem Terra

Movimento das Mulheres Camponesas

Pastoral da Juventude Rural

Movimento dos Pequenos Agricultores

Associação Amigos do rio Uruguai

2.9.6 Principais Conflitos Existentes

Neste item são descritos os conflitos presentes na bacia do rio Uruguai, decorrentes da sua dinâmica socioambiental e de empreendimentos do setor elétrico. São expostos, ainda, os planos, programas públicos de níveis federal, estadual ou municipal que eventualmente incidam sobre a área da bacia.

A identificação de conflitos no cenário atual foi baseada em levantamentos de campo, em notícias divulgadas pelas diversas mídias e na análise de trabalhos e levantamentos já desenvolvidos sobre a bacia. As fontes e bibliografias consultadas são apresentadas no capítulo seguinte.

Os atuais conflitos podem ser divididos em dois tipos: aqueles decorrentes da dinâmica socioambiental da bacia; e aqueles potenciais, resultantes de interferências dos barramentos propostos com os programas e planos existentes.

2.9.6.1 Conflitos Decorrentes da Dinâmica Socioambi ental da Bacia

A dinâmica socioambiental da bacia, assim como em outras regiões, é marcada por conflitos entre os diferentes usos da água.

Embora os atores não se manifestem em ações públicas, relacionadas a alguns conflitos possíveis sobre os usos da água, sabe-se que de um lado há o lançamento de efluentes urbanos, in natura, e de efluentes industriais, sem qualquer tipo de tratamento, e a poluição dos cursos d’água pelo aporte de produtos agroquímicos utilizados nas áreas de cultivo, principalmente de arroz e soja, comprometem principalmente a qualidade da água para o consumo humano, que demandam cada vez mais recursos no seu tratamento.

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Da mesma forma, os principais usos consuntivos da água, como abastecimento público e industrial, irrigação, dessedentação de animais, podem ser fatores de desencadeamento de conflitos em relação à geração de energia, pela diminuição das vazões disponíveis.

Especial destaque é dado, no presente relatório, aos conflitos presentes na região onde se insere o trecho da bacia do rio Uruguai, considerado área de estudo, decorrentes do uso da terra e de empreendimentos hidrelétricos anteriores.

a. Conflitos Decorrentes do Uso da Terra

No lado argentino da área de estudo, a questão da terra na província de Misiones apresenta pontos de conflito na zona norte, especialmente nos departamentos de San Pedro e El Soberbio. Os agricultores ocupam as terras de forma individual ou em pequenos grupos, delimitam os lotes de cada família e iniciam o trabalho de desmatamento e plantação. Essa ocupação espontânea é um aspecto característico do povoamento agrícola de Misiones, que estruturou a expansão da fronteira agrícola provincial ao longo de todo o século XX. Este tipo de mobilidade territorial obedeceu às dinâmicas da exploração familiar baseada no princípio de "conseguir terras para instalar os filhos". A apropriação de terras públicas constituiu a via privilegiada de acesso à terra para os agricultores sem capital.

Até a metade da década de 1980, a expansão agrícola familiar se estendeu sobre as terras públicas situadas na porção nordeste do território provincial (departamentos Guaraní, San Pedro e General Belgrano), sem avançar sobre as grandes extensões privadas, que permaneciam vazias no seu entorno1. Nas décadas seguintes, a ocupação de terras privadas se converteu no principal mecanismo de reprodução social da pequena agricultura em Misiones. Este processo levou-se a cabo mediante práticas semelhantes à instalação em terras públicas.

A antropóloga Gabriela Schiavoni, em numerosos trabalhos2, descreve amplamente estas situações, considerando que se tratam de ações não planejadas, as ocupações espontâneas refletem modos característicos de atuação. As terras são ocupadas em determinados momentos, nos quais é alterada a diferença fundamental entre proprietários e ocupantes. Nesse sentido, ocorrem pouco a pouco, e a instalação não se realiza como um processo organizado em bloco. Baseadas em uma economia de lugar próprio, as ocupações multiplicam suas formas (redes de parentesco e amizade).

Quanto às organizações que se destacam nesta área pode-se mencionar a ação da pastoral social da Diocese de Iguazú, que luta pela questão da terra, defendendo o direito dos agricultores "sem terra".

Em 12 de outubro de 1997 ocorre em El Soberbio (departamento Guaraní) o Primeiro Encontro pela Terra, organizado pela Pastoral Social da zona norte, o Movimento Agrário de Misiones e a Pastoral Aborígene.

Em 2001 e 2002, realizaram-se na localidade de San Pedro (departamento San Pedro) duas edições do Foro da Terra, organizadas conjuntamente pelo Projeto Rural da Pastoral Social.

1 Em 1978 foi realizado o estudo "Proyecto de incentivación de la explotación de tierras privadas en el área de frontera (deptos. Guaraní, San Pedro y Gral. Belgrano)", e em 1984 se formulou um "Plan de Colonización en Tierras Privadas (deptos. Guaraní y San Pedro)". Em ambos se afirmou que as terras privadas permaneciam vazias enquanto as terras públicas se encontravam densamente povoadas. 2 Consultar, por exemplo: Gabriela SCHIAVONI, BARANGER, Denis, DE MICCO, Carla, OTERO CORREA. Campesinos y agricultores familiares. La cuestión agraria en Misiones a fines del siglo XX. 2008. Ediciones Ciccus. p.186.

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Importante ressaltar que o Governo Provincial criou, em 1994, a Dirección de Tierras Privadas, tendo sancionado a Lei N0 3.141 que prevê a mediação do Estado no processo de regularização de posse da terra. Posteriormente, a Lei N0 4.093/2004 outorgou ao Estado uma maior intervenção nos conflitos, podendo atuar como expropriador.

Os ocupantes evitam o enfrentamento com os proprietários e com o Estado, as organizações atuantes defendem o direito dos camponeses em contraposição aos proprietários e reclamam a intervenção do Estado.

Mediante afirmações como "a terra é de quem a trabalha", "o povo necessita plantar", "os proprietários não pagam impostos"; as organizações enquadram a luta pela terra reivindicando a existência de um direito geral, independente de circunstâncias e acordos particulares. Com o fim de dar visibilidade aos ocupantes, consideram a categoria "sem terra", rebatendo a expressão "intrusos”, utilizada pelos proprietários e pelo Estado.

No lado brasileiro, de acordo com documento do Conselho Nacional de Justiça, a partir das informações da CPT – Comissão Pastoral da Terra, os conflitos de terra tendem a ocorrer aonde a pequena agricultura familiar vem sendo substituída pelo agronegócio, que envolve mecanização e, em decorrência, diminuição da mão de obra, excluindo parte dos indivíduos do novo sistema produtivo. Estes indivíduos, ao reivindicar terras, entram em conflito com grandes proprietários.

No Norte e Nordeste do Brasil, devido a falta de terras produtivas e a pobreza da população, os conflitos são mais frequentes. No Rio Grande do Sul, embora haja registro da existência de conflito em 23 localidades, a área de ocorrência corresponde a apenas 0,1% do total do território do estado.

Do referido documento consta que, em abril de 2007, ocorreram conflitos entre o MST e a Brigada Militar nos municípios de São Gabriel, Coqueiros do Sul e Pedro Osório, todos fora da bacia do rio Uruguai.

b. Conflitos Decorrentes de Empreendimentos Hidrelé tricos

Trata-se a seguir dos conflitos manifestados na região onde se insere a área de estudo, com destaque para aqueles decorrentes de empreendimentos hidrelétricos, situados no Alto Uruguai e na bacia do rio Paraná, mas que pela proximidade do trecho da bacia do rio Uruguai ora estudado, antecipa a posição dos atores sociais atuantes na região, tanto no Brasil quanto na Argentina.

Fato gerador: Usinas Hidrelétricas Itá e Machadinho

Atores: Eletrosul X População Atingida / MAB

A bacia do rio Uruguai, no lado brasileiro, é marcada por conflitos desencadeados pela implantação de empreendimentos hidrelétricos, desde 1978, quando foi anunciada a construção das usinas hidrelétricas de Itá e Machadinho, situadas no Alto Uruguai, na divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e que, embora situadas fora da área de estudo, teve repercussão em toda a bacia do rio Uruguai.

Considerando as experiências das UHEs Sobradinho e Itaipu, onde as famílias não foram remanejadas e as indenizações não foram pagas, a população a ser afetada por Itá e Machadinho mobilizou-se contra a construção destas usinas. Em 1979, agricultores, lideranças

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sindicais, professores, padres, pastores, constituíram a Comissão de Barragens. Por outro lado, a Eletrosul, empresa responsável pela implantação dos empreendimentos, mantinha o chamado “Projeto Uruguai”, do qual faziam parte as UHEs de Itá e Machadinho.

Nesse contexto, destaca-se a presença do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), anteriormente chamado de Comissão Regional de Barragens (CRAB), que atua na região desde então.

À medida que o MAB se consolida como um ator importante na defesa da população atingida pela implantação dos empreendimentos hidrelétricos, as exigências de compensação e mitigação dos impactos vão aumentando, com respaldo dos bancos financiadores internacionais e da legislação ambiental.

A persistência do conflito “empreendedor de usinas hidrelétricas x população atingida” quando não é rapidamente negociado e solucionado, vai se agravando, conforme se relata a seguir.

Em 1982 foram realizadas negociações entre a Eletrosul e os atingidos, que chegaram a um acordo no qual seriam pagas indenizações justas pela terra e benfeitorias. Este acordo não foi cumprido pela Eletrosul, o que desencadeou repúdio ao “Projeto Uruguai”.

Em 1984, no II Encontro Estadual sobre Implantação de Barragens da Bacia do rio Uruguai, os conflitos atingem alto grau de agressividade e representantes dos atingidos vão à Brasília, e o governo federal decide suspender as obras para reestudo e para buscar solução para os conflitos. Em 1986, em reuniões realizadas entre a Eletrosul e os atingidos, os conflitos se ampliam e se desenvolvem ações de protesto, como o bloqueio da BR-135 – Erechim/Passo Fundo.

Após várias reuniões é firmado o Acordo de 1987, entre Eletrosul e CRAB, homologado pelo MME, para um “Plano de Reassentamento”, que garantia que nos estados do Sul do Brasil, os proprietários de até 75 hectares de terra e também os “sem-terra” (filhos de proprietários, posseiros, arrendatários, agregados e assalariados rurais) deviam ser assentados. É garantida ainda infraestrutura, com assistência técnica e financeira e os “sem-terra” passam a ter vinte anos para pagar seu lote, tendo o milho como meio de pagamento, com três anos de carência. Este acordo foi um marco para o remanejamento das famílias atingidas e passa a ser referência para implantação de empreendimentos hidrelétricos na região, dentre eles: Machadinho, Barra Grande, Campos Novos.

No entanto, no final de 1989, conforme o estudo de Avaliação Ambiental Integrada (AAI) do rio Uruguai, as indenizações em Itá são paralisadas, com apenas 23% da população indenizada, e somente 27 famílias reassentadas. A justificativa da Eletrosul é a falta de recursos. Apenas a partir de 1996, com a abertura de espaço para a entrada da iniciativa privada na geração de energia, foram privatizados os empreendimentos de Itá e Machadinho e as obras na bacia Uruguai foram implementadas e o pagamento das indenizações passou a ser cumprido.

Fato gerador: Usina Hidrelétrica Barra Grande

Atores: Consórcio BAESA x População Atingida / MAB / ONGs Ambientalistas

Embora tenha obtido Licença de Instalação (LI) em 2001, em 2003 foi constatado que o Estudo de Impacto Ambiental havia omitido a inundação de uma área de 5.635 ha de mata primária e em fase avançada de regeneração e 2.686 ha de vegetação secundária. Tal fato só foi descoberto quando da solicitação da licença de desmatamento por parte da BAESA.

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Nessa ocasião, foi assinado um Termo de Compromisso firmado entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, a Energética Barra Grande S.A. – BAESA, o Ministério de Minas e Energia – MME, o Ministério do Meio Ambiente – MMA, a Advocacia Geral da União – AGU e o Ministério Público Federal – MPF, com o objetivo de dar continuidade ao processo de licenciamento ambiental de Barra Grande, bem como o estabelecimento de diretrizes gerais para elaboração do Termo de Referência para a Avaliação Ambiental Integrada dos Aproveitamentos Hidrelétricos localizados na Bacia do rio Uruguai a ser contratado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE.

Nesse Termo de Compromisso a BAESA se compromete a cumprir uma série de exigências ambientais. Por sua vez, o IBAMA assume compromissos relacionados à concessão das licenças ambientais, além de dar suporte ao MMA na elaboração do Termo de Referência para a Avaliação Ambiental Integrada dos Aproveitamentos Hidrelétricos da Bacia do rio Uruguai. Como compromisso do MME consta a viabilização por meio da EPE da contratação do referido estudo.

A omissão da inundação da floresta de araucária associada ao fato da BAESA considerar que o número de famílias atingidas era de apenas 1.000, quando de fato eram 1.500, e que somente 350 seriam indenizadas, motivou um protesto de 50 dias de acampamento de atingidos para impedir o corte da mata.

As ONGs ambientalistas entraram na justiça para a suspensão das licenças ambientais concedidas e contra a emissão da Licença de Operação (LO) pelo IBAMA, sem sucesso. Em julho de 2005 o IBAMA emitiu a LO e imediatamente foi dado início ao enchimento do reservatório pela BAESA.

Fato gerador: Usina Hidrelétrica Pai Querê

Atores: Grupo Empresarial Pai Querê x População Atingida / FEPAM/RS / ONGs Ambientalistas

Os principais conflitos relacionados à UHE Pai Querê referem-se a desconsideração, por parte dos empreendedores, de arrendatários, meeiros, bóias-fria que trabalham na áreas afetada pelo empreendimento; e a afetação de um dos últimos remanescentes da Floresta Atlântica na região sul do país, Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que abriga espécies raras da fauna, algumas ameaçadas de extinção.

Em julho de 2002, a FATMA/SC concluiu pela inviabilidade do licenciamento ambiental e em agosto do mesmo ano a FEPAM/RS e o IBAMA se posicionaram contra a implantação de Pai Querê. O Ministério Público Federal e Estadual se manifestou, e em 2008 o MPF de Caxias do Sul recomendou ao IBAMA a suspensão do licenciamento de empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai até que a AAI da bacia, coordenada pela EPE, fosse finalizada.

Um dos pleitos das organizações ambientalistas é que a unidade de conservação a ser criada como medida compensatória da UHE Barra Grande fosse implantada no trecho do rio onde se planeja a construção da AHE Pai Querê.

Fato gerador: Usina Hidrelétrica Itapiranga

Atores: Desenvix S.A. x ONGs Ambientalistas / Instituições de Pesquisa /Unidades Gestoras

Embora não haja um conflito deflagrado, a principal questão presente é a possibilidade de afetação do Parque Estadual do Turvo, um dos maiores e mais preservados do Rio Grande do

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Sul, que abriga mais de 700 espécies de plantas fanerógamas e pteridófitas, 290 espécies de aves, mais de 30 espécies de mamíferos de médio e grande porte, além de espécies raras regionalmente ameaçadas.

Em março de 2009, o Prefeito do Município de Itapiranga encaminhou ao Ministério das Minas e Energia um Manifesto Público expressando a oposição ao projeto da UHE Itapiranga. Em agosto do mesmo ano houve uma manifestação pública na cidade, com uma passeata da qual participaram mais de 1.500 pessoas. Nessa ocasião foi lançado o Manifesto de Itapiranga “em defesa da propriedade, da cultura, da história e da comunidade da região” contra a construção da UHE Itapiranga.

Fato gerador: Implantação da Usina Hidrelétrica Yacyretá

Atores: Entidade Binacional Yacyretá x População Afetada de Posadas

Na Argentina, o reservatório da UHE Yacyretá se localiza no rio Paraná, nas proximidades da cidade de Ituzaingó, província de Corrientes, e afeta cidades de tamanho médio, especialmente Posadas, capital da província de Misiones, além de Encarnación, no Paraguai. Embora este projeto se encontre na bacia do Paraná, fora da área de estudo, sua implantação teve repercussão em toda a província de Misiones e região.

A UHE Yacyretá é, portanto, um projeto de múltiplo uso binacional argentino-paraguaio, que institucionalmente se apoia no Tratado de Yacyretá, subscrito entre os governos de Argentina e Paraguai em 3 de dezembro de 1973. O projeto detalhado, que sofreu diversas alterações, foi terminado em 1978 e as obras civis tiveram início em 1984. Em 1994 começou a operação na cota 76 m, inferior à prevista de 83 m. A execução do projeto esteve a cargo da Entidade Binacional Yacyretá (EBY), criada mediante o citado Tratado.

No território argentino, a UHE impactou as províncias de Corrientes e Misiones. No entanto, o impacto maior na província de Corrientes ocorreu no meio rural, ao contrário, em Misiones, o impacto maior foi no meio urbano, especialmente na cidade de Posadas. Devido ao maior nivel de impacto ocorrer em Misiones e em especial em Posadas, foi ali que se concentrou a maior parte das demandas sociais.

Em comparação com outras grandes obras hidrelétricas, Yacyretá inunda um extenso território, que inclui terras agrícolas e setores significativos de cidades da Argentina e do Paraguai. Estes impactos e seus efeitos sociais e ambientais foram difíceis de controlar e mitigar. Além disso, é necessário considerar que no momento em que se elaborou o projeto, priorizava-se a variável de produção energética e a variável ambiental não fazia parte do processo de seleção de alternativas.

O enchimento do reservatório se iniciou em meados de 1994, quando a maior parte das obras civis estava concluída. O estudo ambiental, que deu origem ao Plano de Manejo de Meio Ambiente (PMMA), foi elaborado em 1992, posteriormente ao projeto hidrelétrico.

O Banco Mundial e o BID outorgaram uma série de empréstimos ao governo argentino e à EBY para a implementação das obras civis e dos programas de reassentamento e mitigação ambiental. No entanto, devido a diversas circunstâncias, alguns programas não se completaram no tempo previsto. Parte dos conflitos foram relacionados, então, com a falta de efetividade no tempo previsto das ações de mitigação e compensação ambiental, o que inclui o reassentamento da população.

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A não implementação das ações ambientais, requeridas no momento da construção e início da operação, incluídas as de reassentamento da população, promoveu a aplicação de medidas conjunturais no lugar da aplicação de um plano integral e contínuo de ações, que geraram incertezas e conflitos. (Barone e Ruiz Díaz, 2009)

As demandas sociais, que em sua maior parte buscavam reivindicar pelos “afetados” concentraram-se em três questões centrais: a) falta de infraestrutura e medidas de mitigação; b) insuficiente apoio aos habitantes que foram trasladados e falta de recapacitação profissional; c) por execução de habitações. (Onestini, 1999).

Estas demandas tomaram diferentes formas e a sociedade civil, junto com os organismos provinciais e autoridades locais, tendo também participado ativamente de uma série de organismos mediadores, como nas mesas tripartites de acordo nos anos 1980, formalizaram demandas de diferentes setores incluindo afetados diretos, afetados indiretos e outros grupos da sociedade civil3. As primeiras demandas organizadas se originaram na década de 1980.

Desde 1996 e até 2003, aproximadamente, foram realizados painéis de inspeção e revisão da gestão patrocinados pelo Banco Mundial e pelo BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, enfocando principalmente os temas ambientais e relativos ao reassentamento de população. As principais conclusões destes painéis foram incorporadas pela administração da EBY e foram executados dentro dos planos atualmente em andamento para fortalecer a gestão social e ambiental de Yacyretá. O Plano Mestre de Manejo Ambiental (PMMA), como foi chamado, foi aprovado em sua versão inicial em 1992 e atualizado em 2002. (EBY, 2009 a). Também foi realizada uma ampla convocação de Organizações Governamentais e não Governamentais. As ações sociais se organizaram por meio do Plano de Ação para o Reassentamento e Reabilitação (PARR), atualizado em 2006, que promove o reassentamento da população e de atividades produtivas. O programa de reassentamento teve início em 1980 com o primeiro censo de população e deverá estar concluído em 2010. (EBY, 2009 b).

Fato gerador: Implantação da Usina Hidrelétrica Corpus Christi

Atores: Comissão Mista Argentino Paraguaia do rio Paraná (COMIP) x População de Misiones

Em 1971, Argentina e Paraguai subscreveram um convênio através do qual foi criada a Comissão Mista Argentino-Paraguaia do rio Paraná (COMIP) que tinha como finalidade o estudo e avaliação das possibilidades técnicas e econômicas do aproveitamento dos recursos do rio Paraná, no trecho limítrofe entre os dois países. Em seguida, tiveram início os estudos de pré-viabilidade, viabilidade e projeto executivo da represa hidrelétrica de Corpus Christi. Os estudos foram realizados pelo Consórcio Lehmeyer - Harza e Asociados entre 1975 e 1983, de onde surgiu a seleção de Itacuá como localização mais conveniente do ponto de vista técnico-económico. O projeto se localizaria geograficamente no rio Paraná, perto da localidade de Corpus na província de Misiones (Argentina) e Puerto Bella Vista, no Paraguai, a cerca de 50 quilômetros a nordeste das cidades de Posadas (Argentina) e Encarnación (Paraguai).

Durante essa etapa, os governos da Argentina, do Paraguai e do Brasil firmaram um acordo tripartite onde fixaram como cota de nivel máximo de operação de projeto de 105 m. Desta

3 As manifestações sociais mais significativas foram obtidas através da análise de várias publicações, de artigos em diferentes meios, assim como de entrevistas com mais de 20 atores sociais relevantes e informantes qualificados (líderes comunitários, representantes da sociedade civil, funcionários, membros do poder judiciário, do parlamento nacional, da administração provincial e dos governos locais). As entrevistas se realizaram durante o mês de agosto de 1999.

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maneira, buscaria-se compatibilizar o funcionamento desta represa com a binacional paraguaio-brasilera Itaipu, que nesse momento se encontrava em construção. 4 Em 1995, os governos da Argentina e do Paraguai firmaram um documento onde reafirmaram a vontade de construir a represa binacional. A Província de Misiones em 1996 sancionou a Lei Nº 3.220, promulgada pelo Decreto Nº 1.136, onde é estabelecido o regime de consulta popular para que a população da Província decida, mediante plebiscito obrigatório e vinculante, aceitando ou negando a construção da represa Binacional denominada Corpus Christi, qualquer que seja sua localização no território misionero sobre o rio Paraná. As ONGs ambientalistas difundem informação mediante folhetos, cartazes, feitos com apoio de vizinhos e comerciantes. As igrejas de diferentes credos e os partidos políticos mobilizam suas estruturas no apoio ao NÃO. Em abril de 1996 se realizou o plebiscito vinculante na província de Misiones sobre a realização do Projeto Corpus, o resultado obtido foi NÃO à realização da obra por parte de 88,63% dos misioneros.

Em maio de 2000, ambos os governos subscreveram um Memorando de Entendimento no qual manifestam a vontade de concretizar a obra de Corpus mediante uma concessão a investidores privados, e encomendam à COMIP a realização dos estudos preparatórios necessários. De acordo com isso, em 2002, foi realizado o Estudo de Impacto Ambiental dos eixos localizados em Itacurubi e Pindó-i, com a comparação de localização em Itacuá. Tal estudo, realizado pelo Consórcio das empresas Harza-Iatasa-Tecma5, concluiu que, do ponto de vista ambiental, a alternativa Pindó-i é a mais adequada.

O conflito em relação a Corpus está latente na província de Misiones, onde as hidrelétricas não são percebidas como projetos próprios, que podem gerar benefícios às comunidades locais, e sim como empreendimentos que podem ter efeitos ambientais negativos significativos sobre um ambiente rico e diverso, como é o da província de Misiones.

Fato gerador: Notícia de Implantação da Usina Hidrelétrica Garabi

Atores: Organizações e Movimentos Sociais x Empresas do Setor Elétrico

A situação de conflito identificada entre Organizações e Movimentos Sociais e Empresas do Setor Elétrico evidencia-se a partir dos três eventos comentados a seguir.

I. Carta do II Fórum sobre o Impacto das Hidrelétricas: Bacia do rio Uruguai

Em setembro de 2005 realizou-se o II Fórum sobre o Impacto das Hidrelétricas: Bacia do rio Uruguai, organizado pelas ONGs Núcleo Amigos da Terra e Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais e pelo Movimento SOS rio Uruguai, que em documento exigiram “uma moratória à realização de todos empreendimentos hidrelétricos em construção ou em planejamento na bacia do rio Uruguai” até que 17 itens de reivindicações sejam cumpridos.

Destes itens destacam-se, entre outros: a solução de pendências sociais e ambientais de projetos já realizados; a participação da sociedade na elaboração do termo de referência dos EIAs; que as audiências públicas tenham caráter deliberativo; a oitiva da comunidade científica e da sociedade civil no estabelecimento de medidas

4 A presente síntese foi preparada com base na informação secundária de diversos organismos e com base na entrevista concedida pelo Lic. José Antonio López, Diretor Econômico Financeiro da COMIP. 5 Consultar o sítio eletrônico da COMIP, www.comip.org.ar.

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compensatórias de crimes ambientais; que se garanta o direito de consentimento prévio, ou veto, por parte dos povos indígenas; realização de AAI com a efetiva participação dos possíveis atingidos; a criação de um curso de capacitação para os profissionais de EIA-RIMA promovido pelo Ministério Público e Ministério do Meio Ambiente; a implementação pela ANA do comitê de bacia do rio Uruguai.

Entre os compromissos assumidos merecem destaque, no âmbito do presente estudo: a criação de equipe multidisciplinar para análise independente de empreendimentos na bacia do rio Uruguai; articulação das organizações do sul do Brasil, Argentina e Uruguai, na busca de informações e transparência sobre os projetos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai, com ênfase no monitoramento do Complexo Hidrelétrico de Garabí; mobilizar a sociedade internacional para efetivação como patrimônio da humanidade das áreas dos parques do Turvo, do Moconá e do Salto do Yucumã.

Cabe ressaltar entre os compromissos, a intenção de “rechaçar o uso de energias renováveis na produção de um modelo concentrador e na autoprodução de energia elétrica para empresas eletrointensivas”, o que revela a disposição das entidades signatárias do documento em combater a implantação de empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai.

II. Declaração de Garruchos

A Declaração de Garruchos, fruto do I Fórum Binacional Brasil / Argentina Barragem Garabí, aconteceu entre os dias 29 e 30 de maio de 2008, em Porto Xavier, e reuniu cerca de 70 pessoas para discutir a questão da Barragem de Garabí.

Sob o lema “rios livres para povos livres!” a Declaração de Garruchos rechaça a construção de grandes hidrelétricas como alternativa energética que visa atender a demanda de grandes consumidores de energia, e exige que os governos do Brasil e da Argentina parem de desalojar pessoas; de inundar terras férteis e florestas; de destruir a pesca e os recursos de água doce; com a desintegração cultural e o empobrecimento das comunidades.

Afirma-se, no citado documento, que, historicamente, os empreendimentos hidrelétricos têm superado os custos projetados, têm produzido menos eletricidade e mais danos sociais e ambientais que o previsto, favorecendo os grandes proprietários, as corporações e os maiores consumidores e desalojando pequenos agricultores, trabalhadores rurais, pescadores e as comunidades ribeirinhas.

Exige que os governos do Brasil e da Argentina adotem as recomendações estabelecidas pela Comissão Mundial de Barragens, implementando as prioridades estratégicas que dispõem a necessidade prévia de obter aceitação pública; avaliando exaustivamente as opções; preservando os rios e os meios de subsistência das populações atingidas; reconhecendo os direitos e compartilhando os benefícios; assegurando que se cumpram as normas estabelecidas; compartilhando os rios para a paz, o desenvolvimento e a segurança, antes de considerar empreendimentos hidrelétricos, como a hidrelétrica de Garabí.

Solicita que se leve em consideração o respeito pelas comunidades ribeirinhas e pequenos agricultores, para que não sejam desalojados de seus territórios que ocupam de maneira ancestral, base de seu estilo de vida, de sua economia e de sua cultura.

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Faz ainda referência ao aquecimento global e às mudanças climáticas, afirmando que os empreendimentos hidrelétricos são projetados baseados em fenômenos hidrológicos do passado, que não permitem calcular seu comportamento no futuro, concluindo que com a mudança do clima no mundo as represas seriam ainda menos viáveis. Vê com preocupação as investigações que demonstram que as hidrelétricas emitem quantidades significativas de gases do efeito estufa.

III. Em 13 e 14 de Março de 2009 o “Coletivo Provincial Energia sem Represas” desenvolveu atividades nas localidades de Posadas, Apóstoles e Azara, quando o ambientalista Eduardo Basso del Pont divulgou vídeos que mostram rupturas na barragem de Yaciretá e em usinas hidrelétricas no Brasil que colocam em risco as populações que vivem a jusante. Neste evento foi lançada a revista “Energia sem Represas”, cujos integrantes ofereceram apoio à população de Azara na luta contra a represa de Garabí.

Recentemente, em junho de 2010, ocorreu na cidade brasileira Porto Mauá uma audiência pública organizada pela municipalidade de Porto Mauá para discutir a represa de Panambí. Paticiparam da mesa de debates autoridades e prefeitos da região (incluindo o prefeito de Alba Posse, na Argentina), representantes de organizações civis e da Comissão de Afetados pela Represa Passo Sao João, em Roque González 6.

2.9.7 Conflitos Potenciais

2.9.7.1 Conflitos Potenciais Decorrentes de Planos, Programas e Projetos

Destacam-se a seguir os Planos, Programas e Projetos que constituem ligações rodoviárias entre Brasil e Argentina, sobre o rio Uruguai, objeto de exame pela Comissão Binacional para Novas Pontes sobre o rio Uruguai, que podem desencadear conflitos com os aproveitamentos hidrelétricos em estudo:

• Ponte San Javier (Ar) - Porto Xavier (Br) pode ser afetada pela inundação do reservatório Garabí (cota 89,0 m) exigindo aumento pequeno do vão necessário à travessia do rio;

• Ponte Alba Posse (Ar) – Porto Mauá (BR) pode ser afetada pelo reservatório dos eixos Roncador e Panambí (cotas 120,5 e 130,0 m) aumentando o vão necessário à travessia do rio, especialmente na margem argentina.

Cabe ressaltar que o “Programa Irrigação é a Solução”, integrante dos Programas de Estruturantes do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que visa minimizar os efeitos das estiagens sobre a produtividade do agronegócio gaúcho, pode vir a gerar conflito com outros usos, considerando-se o grande volume de água atualmente já utilizado para irrigação das culturas de grãos na bacia.

2.9.7.2 Conflitos Potenciais Relacionados a Empreen dimentos Hidrelétricos

Conforme metodologia apresentada, os prováveis conflitos decorrentes das fases de pré-implantação, implantação e operação dos aproveitamentos hidrelétricos previstos, terão origem nos impactos ocasionados pelos mesmos, aqui considerados como fatos geradores de

6 “Masiva concurrencia a la primera audiencia por la represa Panambí”, notícia publicada em 19 de junho de 2010, Primera Edición.

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conflitos, que decorrem de uma causa relacionada a este fato, associados a atores que representam os diferentes interesses sociais.

a) Conflitos na Fase de Pré-Implantação

Na fase de pré-implantação, quando já existe a notícia do empreendimento, a população, que se julga passível de ser atingida, passará a viver uma situação de insegurança quanto ao processo de desapropriação/reassentamento, o que poderá gerar situações de conflitos entre os grupos populacionais e respectivas entidades representativas e o empreendedor.

Esses impactos, muitas vezes geram conflitos entre diferentes grupos de interesse, conforme relatado a seguir.

Fato gerador: insegurança da população quanto à situação futura

Causa: notícia de implantação de UHE

Atores: população / organização social x concessionário / empreendedor

A população residente nas áreas mais próximas ao barramento, ainda desconhecendo detalhes de projeto, sente-se insegura quanto à sua situação de moradia futura, especialmente aqueles que não detêm o título das terras. Essa população poderá ser levada a se posicionar contra o empreendimento por entidades da sociedade civil que se posicionem contra a implantação de barragens.

Esse tipo de conflito deve ser trabalhado através de um Programa de Comunicação Social que estabeleça um canal de comunicação direto entre o empreendedor e a população passível de ser atingida, garantindo a estes a informação correta sobre sua situação futura e as diversas formas de solução disponíveis e ao empreendedor as demandas e aspirações dessa população, a ser implantado ainda na fase dos estudos de inventário.

Causa: processo de licenciamento ambiental

Atores: concessionário / empreendedor x ONGs ambientalistas / MAB

O processo de licenciamento ambiental de usinas hidrelétricas em uma bacia causa, em geral, grande mobilização social contrária, resultando na organização da comunidade local e na mobilização intensa de ONGs ambientais configurando-se a presença de conflitos.

b) Conflitos na Fase de Implantação

Durante a fase de implantação, outros conflitos podem, desde já, ser antevistos em decorrência dos impactos prováveis. A construção de UHEs traz uma transformação no local, pela presença de canteiros de obras, tráfego intenso de caminhões e mobilização de um grande contingente de mão de obra. Pouco antes do enchimento do reservatório a população residente na área a ser alagada deverá ser relocada ou indenizada, a inundação ocasionará perda de áreas agrícolas, de habitats de interesse relevante, de ambientes propícios à reprodução de peixes, entre outras perdas.

Esses impactos, muitas vezes, geram conflitos entre diferentes grupos de interesse, conforme relatado a seguir.

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Fato gerador: alteração no ambiente do rio

Causa: diminuição da riqueza ictiofaunística/redução do potencial pesqueiro/redução do potencial turístico

Atores: instituições de pesquisa/pescadores/agentes de turismo/ambientalistas x concessionário/ empreendedor.

As alterações provocadas no rio durante a fase de obras, com a construção de ensecadeiras e desvios de curso d’água, pode ocasionar um conflito principalmente pela alteração de ambientes significativos para a reprodução de peixes com diminuição da riqueza ictiofaunística e consequente redução do potencial pesqueiro. Cabe ainda destacar uma questão significativa na geração deste potenciais conflitos, entre o empreendedor e diversos atores da bacia relacionados a atividades turísticas, pela supressão de cachoeiras e outros locais de relevante beleza cênica.

Fato gerador: inundação de jazimentos minerais

Causa: perda de recursos minerais

Atores: mineradores x concessionário/empreendedor

A inundação de jazimentos minerais poderá vir a desencadear conflito entre os mineradores e o empreendedor pela perda de atividades de exploração dos recursos minerais ou pelo comprometimento de área potencial de depósito.

Fato gerador: inundação de terras agricultáveis

Causa: reassentamento do agricultor para terras menos férteis, sem acesso à água

Atores: agricultores/ONGs/MAB x concessionário/empreendedor

A inundação das terras agricultáveis que irá demandar o reassentamento do agricultor para terras, às vezes, menos férteis e sem acesso direto à água, pode desencadear um conflito entre estes agricultores, apoiados por organizações de caráter nacional que trazem uma prática de muitos anos de resistência contra os empreendedores do setor hidrelétrico, a exemplo do MAB – Movimento dos Atingidos pelas Barragens.

Fato gerador: perda de vegetação natural e de áreas de interesse ecológico

Causa: diminuição da vegetação natural e de áreas de interesse ecológico com rebatimentos sobre a fauna

Atores: ambientalistas/Instituições de pesquisa x concessionário/ empreendedor

Um dos impactos que tradicionalmente gera grande conflito entre ambientalistas e instituições de pesquisa com empreendedores, no âmbito dos estudos ambientais de usinas hidrelétricas, refere-se à perda da cobertura vegetal natural com rebatimento sobre a fauna associada. Cabe considerar que a diminuição da cobertura vegetal ocorrerá tanto ambiente terrestre e quanto no ambiente ribeirinho.

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Fato gerador: perda de área legalmente protegida

Causa: diminuição de área de unidade de conservação

Atores: ambientalistas/Instituições de pesquisa/unidades gestoras x concessionário / empreendedor

Este é um dos impactos que maior conflito pode gerar entre ambientalistas, instituições de pesquisa e unidades gestoras com empreendedores, no âmbito dos estudos ambientais de usinas hidrelétricas, refere-se à perda de unidades de conservação.

Estima-se que o Corredor Verde, Área Integral de Conservação e Desenvolvimento Sustentável, que envolve 22 municípios, estendendo-se sobre uma superfície de 1.108.000 ha do território provincial seja afetada pelos aproveitamentos Garabí (cota 89,0 m), Roncador (cotas 120,5 e 130,0 m), Panambí (cotas 120,5 e 130,0 m) e Porto Mauá (cota 130,0 m), além do Refúgio de Vida Silvestre Chancay, não será afetado pelos empreendimentos Roncador (cotas 120,5 e 130,0 m), Panambí (cotas 120,5 e 130,0 m) e Porto Mauá (cota 130,0 m) ainda que se encontrem nas proximidades do reservatório.

A Reserva da Biosfera Yaboty, parte da rede mundial de Reservas de Biosfera da UNESCO, localizada no norte da província de Misiones, no rio Uruguai, e o Parque do Turvo, unidade de conservação de proteção integral, situado na outra margem do rio, no Brasil, podem ser afetados pelos aproveitamentos Panambí, Roncador e Porto Mauá, na cota 130,0 m.

Fato gerador: população rural afetada

Causa: reassentamento involuntário

Atores: população afetada / MAB x concessionário/empreendedor

Uma questão potencialmente geradora de conflito, diz respeito à população rural a ser afetada pelo enchimento dos reservatórios, assim como aqueles que se encontram assentados em núcleo isolados. Essa população não estará apenas sujeita ao reassentamento involuntário, mas poderá perder sua estratégia de sobrevivência, baseada na agricultura de subsistência e na pesca, importante renda não monetária para um contingente de baixa renda. Esta população afetada é, em geral, apoiada por organizações como o MAB – Movimento dos Atingidos pelas Barragens.

Fato gerador: população urbana afetada

Causa: reassentamento involuntário

Atores: população afetada / MAB x concessionário/empreendedor

Uma questão potencialmente geradora de conflito diz respeito à população urbana a ser afetada pelo enchimento dos reservatórios, especialmente aquela não proprietária e, portanto, que deverá ser assentada de forma involuntária. Esta população afetada é, em geral, apoiada por organizações como o MAB – Movimento dos Atingidos pelas Barragens.

Estima-se que serão afetadas as seguintes sedes municipais: Garruchos (Ar) e Garruchos (Br) pelo aproveitamento Garabí (cota 89,0 m); Alba Posse e Panambí (Ar), Porto Mauá e Porto Vera Cruz (Br) pelo aproveitamento Roncador (cotas 120,5 e 130,0 m); Alba Posse e Porto Mauá pelo aproveitamentos Panambí (cotas 120,5 e 130,0 m).

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Fato gerador: atração de migrantes

Causa: desarticulação das relações sociais

Atores: população local x população atraída

Sendo a construção de usinas hidrelétricas intensiva em mão de obra, ao mesmo tempo em que cria novas oportunidades de empregos diretos e indiretos para a população local, traz com as empreiteiras um contingente de trabalhadores que habitarão alojamentos e vilas residenciais.

Além disso, o crescimento temporário da população diretamente relacionada às obras atrai ainda um outro contingente de prestadores de serviços e comerciantes autônomos significativo.

O provável conflito a ser considerado surge do choque cultural nas relações entre os novos moradores e a população local. Essa situação é marcada por processos de desarticulação das relações sociais com a desagregação de famílias mais pobres, principalmente pela prostituição das filhas jovens.

Fato gerador: inundação de infraestrutura econômica

Causa: interrupção nas ligações viárias

Atores: usuários de vias x concessionário/empreendedor

A interrupção das ligações viárias pelo enchimento do reservatório poderá gerar conflitos relacionados às atividades econômicas que deverão ser, ainda que temporariamente, interrompidas.

Fato gerador: aumento de demanda dos equipamentos de saúde e educação devido à atração de população

Causa: sobrecarga dos serviços existentes/queda no padrão de atendimento

Atores: população x órgãos públicos de saúde e educação

O aumento de demanda pelo atendimento público de saúde e educação pela população atraída, com a sobrecarga dos serviços existentes e, consequentemente, a queda do padrão de atendimento, em geral insuficiente, poderá desencadear conflito entre a população e os órgãos públicos de saúde e educação e destes com o empreendedor.

Fato gerador: aumento de demanda por saneamento ambiental devido à atração de população

Causa: sobrecarga dos serviços existentes/queda no padrão de atendimento

Atores: população x órgão público de saneamento

A população atraída irá demandar maior consumo de água tratada, de coleta e tratamento de efluentes sanitários e lixo domiciliar. A insuficiência dos serviços existentes irá se agravar e acirrar conflitos entre a população e o órgão público responsável.

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c) Conflitos da Fase de Operação

Na fase de operação dos empreendimentos hidrelétricos os conflitos serão menos transitórios que na fase de construção, tendendo a se estender por mais tempo. Destaca-se a seguir os impactos que podem vir a ocasionar conflitos nessa fase de operação.

Fato gerador: alteração na qualidade da água

Causa: comprometimento do uso da água para abastecimento público

Atores: serviços de água x concessionário/empreendedor

A transformação do ambiente lótico do rio para um ambiente lêntico, associado às cargas difusas de fósforo decorrentes da atividade agrícola, irá contribuir para a alteração na qualidade da água e, em consequência, comprometer outros usos da água. Esse impacto pode gerar conflito entre os usuários da água para abastecimento público e o empreendedor.

Fato gerador: alteração na estrutura das comunidades de peixes com redução da ictiodiversidade

Causa: diminuição da diversidade de peixes

Atores: institutos de pesquisa/pescadores x concessionário/ empreendedor

A diminuição dos estoques populacionais de peixes pela inundação de áreas alagáveis ou lagoas irá alterar a estrutura das comunidades de peixes com a redução da ictiodiversidade, comprometendo as atividades de pesquisa e o desenvolvimento da pesca por parte da população ribeirinha, atividade associada a sua sobrevivência, e dos pescadores comerciais.

O Quadro 2.9.7.2-1, apresentado a seguir, correlaciona fato gerador, causa do conflito e atores envolvidos nas diferentes fase de um empreendimento hidrelétrico.

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Quadro 2.9.7.2-1. Identificação de Conflitos Decorr entes de Empreendimento Hidrelétricos.

FASES FATO GERADOR CAUSA ATORES

Pré-implantação

Insegurança da população quanto à situação futura

Notícia da implantação de uma UHE Organização social / População Concessionário/Empreendedor

- Licenciamento Ambiental Ambientalistas / MAB Concessionário/ Empreendedor

Implantação

Alteração no ambiente do rio Diminuição da riqueza ictiofaunística Redução do potencial pesqueiro Redução do potencial turístico (cachoeiras)

Ambientalistas / Pescadores / Instituições de Pesquisa Concessionário / Empreendedor

Inundação de jazimentos minerais Perda de recursos minerais Mineradores / Empreendedor

Inundação de terras agricultáveis Reassentamento involuntário do agricultor para terras menos férteis, sem acesso à água

Agricultor / MAB Concessionário/Empreendedor

Perda de cobertura vegetal Diminuição de cobertura vegetal com rebatimentos sobre a fauna

Ambientalistas / Instituições de Pesquisa Concessionário/Empreendedor

Perda de áreas legalmente protegidas Perda de território em Unidades de Conservação Ambientalistas / Instituições de Pesquisa Unidades Gestoras / Concessionário / Empreendedor

População rural afetada Reassentamento involuntário População / MAB Concessionário/Empreendedor

População urbana afetada Reassentamento involuntário População / MAB Concessionário/Empreendedor

Atração de migrantes Desarticulação das relações sociais População Local População Atraída

Inundação de infraestrutura econômica Interrupção das ligações viárias e afogamento de estruturas de irrigação

Usuários Órgãos Estaduais e Federais Concessionário/Empreendedor

Aumento de demanda por saúde e educação

Sobrecarga nos serviços existentes/queda no padrão de atendimento

População Órgãos de Saúde e Educação Concessionário/Empreendedor

Aumento de demanda por saneamento ambiental

Sobrecarga nos serviços existentes/queda no padrão de atendimento

População Órgãos de Saneamento Empreendedor

Operação Alteração na qualidade da água Comprometimento do uso da água para abastecimento público Serviço de Água

Concessionário/Empreendedor Alteração na estrutura das comunidades de peixes com redução da ictiodiversidade Diminuição dos estoques populacionais de peixes Ambientalistas / Instituições de Pesquisa / Pescadores

Concessionário / Empreendedor

Page 22: 2.9 PRINCIPAIS CONFLITOS EXISTENTES E POTENCIAIS · Neste item são descritos os conflitos presentes na bacia do rio Uruguai, decorrentes da sua ... urbanos, in natura, e de efluentes

INV.URG-GE.00-IT.4001-(P)

Página: 619/1076 Revisão: 3 Data: 05/07/10

2.9.8 Prováveis Efeitos Sinérgicos entre Conflitos Existentes e Potenciais

Na área de estudo, as ações sociais contrárias às represas têm sido importantes, especialmente a partir da década de 80, com a construção de grandes hidrelétricas, tanto na Bacia do Uruguai, como na do Paraná. Tal histórico de conflitos pode ter efeitos negativos no processo de planejamento e implantação das obras.

É razoável, portanto, pensar que os conflitos ocorridos no passado, especialmente na margem argentina, sejam reproduzidos nas represas da bacia do rio Uruguai, uma vez que as organizações e movimentos sociais envolvidos são os mesmos e, provavelmente, contarão com a adesão do Movimento dos Atingidos por Barragens. Esta situação futura já é percebida em eventos, como o realizado em março de 2009, pelo Coletivo Provincial Energia sem Represas, quando aspectos da Represa de Yacyretá foram utilizados como efeito demonstrativo para a luta contra a represa de Garabí.

Diante disso, no Relatório Final deste Estudo de Inventário serão feitas as recomendações cabíveis para a gestão dos conflitos que possam surgir.