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Ano 26, n. 57, maio-agosto 2018

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Editorial

Mosaico Apoio Pastoral

Ano 26, nº 57, maio-agosto 2018

Faculdade de Teologia da Igreja Metodista / Universidade Metodista de São Paulo

Reitor da Universidade Metodista de São Paulo: Paulo Borges Campos Jr. Diretor da Faculdade de Teologia: Paulo Roberto Garcia

Conselho DiretorWesley Gonçalves Santos (4ª RE)PresidenteLia Hack da Rosa (2ª RE)Vice PresidenteClaudia Nascimento (3ª RE)Luciano José Martins da Silva (5ª RE)Almir Lemos Nogueira (1ª RE)

Suplentes:1º – Ewander Ferreira de Macedo (7ª RE)2º – Eni Domingues (6ª RE) Bispo AssistenteRevmo. Bispo João Carlos Lopes

Comissão EditorialBlanches de PaulaEber Borges da Costa (Coordenador da Editeo)Helmut RendersJoão Batista Ribeiro SantosJosé Carlos de Souza

Responsável por essa edição: Editores: Antônio Carlos S. dos SantosLuana Martins GolinAssistente Editorial: Fagner Pereira dos SantosRevisão: Antônio Carlos S. dos SantosLuana Martins GolinCapa: Fagner Pereira dos SantosEditoração eletrônica: Maria Zélia F. de SáImagem da capa: Christ and the Woman of Samaria at the Well (oil on canvas), Solimena, Francesco (1657-1747).

Mosaico

Apoio PastoralEDITEO

Caixa Postal 5151, Rudge Ramos,São Bernardo do Campo, CEP09731-970Fone: (0__11) [email protected]

EditorialA Mosaico Apoio Pastoral

oferece novos e interessantes artigos para você. Neste nú-mero, os assuntos se diversi-ficam em temas que buscam tanto o saber teológico, quanto o ministério pastoral. Apre-sentamos artigos escritos por alunos formados pelo curso de Integralização, nos quais são abordadas questões sobre a criança, a sociedade e a Bíblia. Além desses temas, os artigos discutem as faces da violência na atualidade e a vida pastoral.

O papel da família e a relação com Deus. Propomos um diá-logo, necessário, entre Bíblia e cultura popular. Lembramos do famoso sermão do Reveren-do Martin Luther King Jr.

Assim, desejamos a você uma ótima leitura e bom pro-veito do material.

Editores

Antonio Carlos Soares dos Santos

Luana Martins Golin

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Violência contra

a mulher: O silêncio perpetua a agressão

Jorge Schütz*

Violência contra a mulher: O silêncio perpetua a agressão

A Lei 11.340, promulgada em 07 de agosto de 2006, deno-minada Lei Maria da Penha, em seus capítulos, artigos e incisos reflete um avanço expressivo da sociedade brasileira no en-frentamento da violência con-tra mulher e propõe:

Art. 1o – Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar con-tra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Elimi-nação de Todas as For-

mas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Pre-venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mu-lher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Fa-miliar contra a Mulher;

e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e fa-miliar.1

O capítulo 3° dispõe sobre o atendimento especializado às mulheres em situação de violên-cia doméstica e familiar, indican-do a criação de aparato policial específico para este fim, dando origem às Delegacias da Mulher, que contam com servidores previa-

1 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm

https://i1.wp.com/www.olindahoje.com.br/wp-content/uploads/2017/12/violencia-contra-mulher-09.16-

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Violência contra

a mulher: O silêncio perpetua a agressão

mente capacitados para assegurar às vítimas imediato atendimen-to, proteção e encaminhamento médico-hospitalar, se for o caso, e de medidas protetivas, agilizando ações junto ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Prevê, igualmente, a Lei Maria da Penha, no Artigo 29: “Os Juiza-dos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de aten-dimento multidisciplinar, a ser integra-da por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde”. Destaca-se que o atendimento mul-tidisciplinar como previsão legal pressupõe o reconhecimento da complexidade e do emaranhado de situações sociais, econômicas, culturais, incluindo-se desvios com-portamentais e distúrbios mentais, que afloram nos atos de violência doméstica contra as mulheres, quer adultas, jovens ou crianças.

No âmbito das Nações Unidas, a ONU enfoca o enfrentamento da violência, reafirmando políticas de igualde de gênero: “A ONU Mulheres apoia os Estados-membros da ONU no estabelecimento de padrões globais para alcançar a igualdade de gênero e trabalha junto aos governos e à sociedade civil para formular leis, polí-ticas, programas e serviços necessários à implementação desses padrões. A ONU Mulheres coordena e promove o trabalho do Sistema ONU no avanço da igualda-de de gênero”, e estabeleceu, a partir de 2010, metas para participação equitativa de mulheres em todos os aspectos da vida, mas especifica cinco áreas prioritárias, a saber:

1. Aumentar a lideran-ça e participação das mulheres;

2. Eliminar a violência contra mulheres e me-ninas;

3. Engajar as mulheres em todos os aspectos dos processos de paz e segurança;

4. Aprimorar o empo-deramento econômico das mulheres;

5. Colocar a igualdade de gênero no centro do planejamento dos orçamentos de desen-volvimento nacional.2

Notadamente, o enfoque da ONU propõe o enfrentamento da questão da violência adotando caminhos mais abrangentes e de longo prazo, envolvendo criação de políticas públicas, processos de formação de novas mentalidades dentro dos planejamentos dos go-vernos e entidades afins, visando a promoção da assunção da mulher à autonomia, permitindo que ela al-cance o direito de, por si só, passar a precaver-se de todas e quaisquer redes de violência, opressão e dis-criminação.

Por outro lado, este caminho também é longo e até que se alcan-ce maturidade no que se refere às questões de gênero, os entraves se acumulam e precisam de enfrenta-mento. Isto tanto nos eventos em que a violência contra mulher se tornou gritante, cíclica, endêmica, como nos casos menos agudos, acomodados, institucionalizados.

Pode-se ilustrar a largueza do caminho ainda a se percorrer com a reportagem de Gabriela Fujita (UOL SP – 13.11.17), apontan-

2 Disponível em https://nacoesunidas.org/agen-cia/onumulheres/

do aspectos da desigualdade no Brasil a partir de um relatório da OXFAM (entidade humanitária fundada no Reino Unido e presen-te em 94 nações), na qual cita Ra-fael Georges, cientista da OXFAM Brasil, no aspecto referente à igual-dade salarial entre homens e mu-lheres, afirmando que a previsão de alcançar esta meta é 2047, e diz:

“levando em conta ape-nas a renda do trabalho, mulheres são mais nume-rosas na faixa salarial de até 1,5 salários mínimos, passando a ocupar menos espaços em outras faixas salariais (...) no caso, 65% das mulheres ganham 1,5 salário mínimo, em con-traste com homens, com 52%; há dois homens para cada mulher na faixa de renda superior a dez salários mínimos”.

Neste quadro simples e ilustra-tivo não figuram outras variáveis de peso que certamente deforma-rão qualquer quadro estatístico, a saber: origem social, escolaridade, cor da pele.

Diante deste cenário de esfor-ços no Brasil e fora dele, de mo-vimentos sinérgicos em busca do enfrentamento e da erradicação da violência contra mulher, evoca--se a presença e participação da Igreja como comunidade de for-mação plural, cuja proposta social e alicerce bíblico-teológico têm na mesa da Santa Ceia, no cálice e no partir do pão, o engajamento numa fé comum, na partilha da vida e no compromisso com o bem-estar do próximo.

À Igreja não cabe a omissão, uma vez que ela é povo, e povo a caminho do Reino. E nesta cami-nhada há de oportunizar ao calado

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Violência contra

a mulher: O silêncio perpetua a agressão

às caladas espaço para que falem. Há de estabelecer espaços sadios de escuta e aprontar-se em ações pastorais de denúncia a toda a sor-te de violência contra a mulher, em especial aquela violência instituída pelas práticas religiosas, acomoda-das durantes anos nos processos institucionais das igrejas e consa-gradas pelo tempo, mas que pre-cisam ser revistas, reorientadas, afim de que na comunidade de fé caibam todos e todas igualmente.

Hannah Arendt, que escreveu A Condição Humana, afirma ser a ação que possibilita ao ser huma-no mostrar-se pelo pensar, pelo querer, pelo julgar (ajuizar), rea-firmando que é pela ação que o ser humano encontra a liberdade. A

ação, portanto, é viva e vivida, e nela se encontra a possibilidade da criatividade e da criação do novo. É na ação que o ser humano cons-trói o seu futuro, resignifica as suas relações, tornando-se humano e divino, igual ao outro, e à imagem e semelhança de Deus.

Encerro estas considerações re-portando-me ao texto de Números 27,1-11(ARA), acerca dos direitos de filhas receberem herança, lei que fora revista e estabelecida de forma complementar, mediante a denún-cia de cinco mulheres, cinco irmãs, vitimadas pela vida, pelo contorno social, político e religioso dos israe-litas. São elas: Macla, Noa, Hogla, Milca e Tirza. Mulheres cujo pai, morto sem deixar filhos homens,

perderiam o direito à possessão da terra, à dignidade, à liberdade, à autonomia. Elas agiram e se pro-nunciaram diante de Moisés, dos sacerdotes e do povo, denunciando e expondo a distorção da com-preensão do direito de partilha e herança até então estabelecidos de que a ordem era de pai para filho, não para filha. Moisés acolheu a causa e a julgou justa, pertinente, diante de Javé. Daquele evento em diante, a lei de herança fora mu-dada. É possível mudar, mas o silêncio perpetua a violência.

Professor na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista e Doutor em Ciências da Religião pela UMESP

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Deus Família: um espaço de cura

Antonio cArloS SoAreS doS SAntoS

IntroduçãoA família é um núcleo

de convivência unido por laços afetivos, que costu-ma compartilhar o mesmo teto. É a definição que co-nhecemos. Entretanto, esta convivência pode ser feliz ou insuportável, pois seus laços podem experimen-tar o encanto do amor e a tristeza do ódio. E a mo-rada sobre o mesmo teto? Dependendo dessas fases contrastantes, ela pode ser um centro de referência, onde se busca e se viven-cia o amor ou um mero alojamento. A família não é algo que nos é dado de uma vez por todas, mas nos é dada como uma semente que necessita de cuidados constantes para crescer e se desenvolver. Devemos, por-tanto, estar conscientes de que é preciso trabalhá-la e cultivá--la sempre, constantemente, e com muito amor. Deus é fa-mília e cada membro dessa família age em nossas vidas para curar e tratar.

Deus é família e como age?

1. Quando há palavras (Filho): Sentamo-nos em círculo, falamos e falamos. Falamos até que aconteça a Fala. Essa frase de uma tri-bo norte-americana expressa bem a impor-tância do dialogo no contexto dos relacio-namentos: falar, falar até que a fala se tor-ne verdade. Dialogar é uma forma de cura. Gosto do silêncio, da solitude, mas reconhe-ço que, sem o diálogo, não há acordos, não há soluções. Quando vivemos no calar das situações, também não há vivência e, sem vi-vência, não há relações a serem construídas. Através das palavras

bem colocadas e bem-ditas, a dor maior que pode nos acometer pode ser sanada: a dor da solidão. Muitas pes-soas vivem em família, mas vivem solitárias, pois não há prática de sentar em círculos e falar e falar... As pala-vras nunca se tornam vivas, a experiência de dialogar não é uma realidade. Quando há o hábito das palavras, mágoas são esquecidas, rancores são destruídos. Afinal, cremos em um Deus que criou o mun-do através das palavras (E disse Deus...), e que se manifestou ao mun-do por meio do Logos (palavra... E o Logos se fez carne e habitou en-tre nós). Deus age pe-las palavras e cura por meio das palavras.

2. Quando há sorrisos e lágrimas (Espírito San-to): “Creio no riso e nas lágrimas como antídotos

Deus Família: um espaço de cura

TExTo bíblico: 2 corínTioS 13,14

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Deus Família: Um espaço

de cura

contra o ódio e o terror” (Charles Chaplin). Gostamos de sorrir. Dizem que “rir é o me-lhor remédio” e, real-mente, um sorriso ou até mesmo o esboço de um sorriso é capaz de alimentar a alma e sos-segar corações aflitos. A Bíblia mesmo nos revela que há tempo de sor-rir... E em várias passa-gens nos diz que Deus se agrada com alguém ou alguma coisa. Ora, ninguém que se agrade o faz com tristeza, mas, ao invés, se estamos sa-tisfeitos, sorrimos. No relacionamento entre

nós, sorrir é terapêuti-co, sorrir juntos, mui-to mais. Porém, a vida não é feita somente de sorrisos e nem sempre sorrir o tempo todo é a solução. Rubem Alves dizia que “os alegrinhos o tempo todo são irri-tantes”... Há tempo de sorrir e tempo para cho-rar, já nos dizia o autor de Eclesiastes. Chorar com quem chora é uma forma de cura. Muitas

vezes, precisamos dei-xar as lágrimas levarem a dor. Num ambiente familiar, há espaços de sorrisos e espaços para lágrimas. Jesus viveu entre sorrisos e lágri-mas: entre as festas com seus discípulos e margi-nalizados e o choro da morte do amigo Lázaro e diante da dureza de Jerusalém. Entre sorri-sos e lágrimas, somos curados das dores.

3. Quando há perdão (Pai): “Sentir primeiro, pensar depois... Perdoar primeiro, julgar depois... Amar primeiro, educar

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gum momento você vai precisar perdoá-la. Com o perdão, podemos curar e sermos curados.

Por fim... Deus é Família... Gosto de

definir que família é o lugar onde não enfrento as batalhas da vida sozinho, onde meu medo é compartilhado, onde meu choro é sentido, onde meu sorriso é esperado e é o lugar onde posso voltar sempre, mes-mo quando eu erro, pois sei que ali encontro perdão.

Leigo metodista na IM Central de São Bernardo do Campo e docente na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista.

Deus Família: um espaço de cura

depois... Esquecer pri-meiro, aprender depois” (Mario Quintana).Finalmente, família é espaço de cura quando a prática do perdão é constante. Ato tão im-portante que Jesus ad-vertiu ao empolgado Pedro que, para perdo-ar, não há limites... Sete vezes? Não! Setenta ve-zes sete... Uma junção de perfeição com eter-nidade. Outra poetisa maravilhosa, Clarice Lispector, nos leva ao entendimento de ato tão generoso e difícil:

É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender? Não há nada mais difícil no re-lacionamento do que restaurar um sentimen-to ferido pela ofensa ou pela decepção, mas não há outro caminho... O perdão é a cura de muitas feridas e o inte-ressante é que pode vir acompanhado das pala-vras, dos sorrisos e das lágrimas ou de todos eles juntos! A realida-de é que não importa o quanto você considere uma pessoa boa, em al-

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rev. MArtin luther King Jr. (28 de AgoSto-1968)trAdução de clArA AllAin

Eu tenho um sonho...

Estou feliz em me unir a vocês hoje, naquela que ficará para a história como a maior manifestação pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um gran-de americano, em cuja sombra simbólica nos encontramos hoje, assinou a proclamação da emancipação [dos escra-vos]. Este decreto momentoso chegou como grande farol de

Eu tenho um sonho...

esperança para milhões de es-cravos negros queimados nas chamas da injustiça abrasa-dora. Chegou como o raiar de um dia de alegria, pondo fim à longa noite de cativeiro.

Mas, cem anos mais tarde, o negro ainda não está livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro ainda é duramen-te tolhida pelas algemas da segregação e os grilhões da discriminação. Cem anos mais tarde, o negro habita uma ilha solitária de pobreza, em meio ao vasto oceano de prosperi-dade material. Cem anos mais tarde, o negro continua a mo-

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Eu tenho um sonho...

far nos cantos da sociedade americana, como exilado em sua própria terra. Então, vie-mos aqui hoje para dramatizar uma situação hedionda.

Em certo sentido, viemos à capital de nossa nação para sacar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república redigiram as magníficas pa-lavras da Constituição e da Declaração de Independência, assinaram uma nota promis-sória de que todo americano seria herdeiro. Essa nota era a promessa de que todos os homens, negros ou brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca pela felicidade.

É evidente hoje que a Amé-rica não pagou esta nota pro-missória no que diz respeito a seus cidadãos de cor. Em lugar de honrar essa obrigação sa-grada, a América deu ao povo negro um cheque que voltou marcado “sem fundos”.

Mas nós nos recusamos a acreditar que o Banco da Justi-ça esteja falido. Nos recusamos a acreditar que não haja fun-dos suficientes nos grandes de-pósitos de oportunidade desta nação. Por isso, voltamos aqui para cobrar este cheque – um cheque que nos garantirá, a pe-dido, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.

Também viemos para este lugar santificado para lem-brar à América da urgência ferrenha do agora. Não é hora de dar-se ao luxo de esfriar os ânimos ou tomar a droga tranquilizante do gradualismo. Agora é a hora de fazermos promessas reais de democra-

cia. Agora é a hora de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o caminho ensolarado da justiça racial. É hora de arrancar nossa nação da areia movediça da injustiça racial e levá-la para a rocha sólida da fraternidade. Agora é a hora de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação passar por cima da urgência do momento e subestimar a determinação do negro. Este verão sufocante da insatisfação legítima do negro não passará enquanto não chegar um ou-tono revigorante de liberdade e igualdade. Mil novecentos e sessenta e três não é um fim, mas um começo.

Os que esperavam que o negro precisasse apenas extra-vasar e agora ficará contente terão um despertar rude se a nação voltar à normalidade de sempre. Não haverá descanso nem tranquilidade na América até que o negro receba seus direitos de cidadania. Os tur-bilhões da revolta continuarão a abalar as fundações de nossa nação até raiar o dia iluminado da justiça.

Mas há algo que preciso di-zer a meu povo posicionado no morno liminar que conduz ao palácio da justiça. No proces-so de conquistar nosso lugar de direito, não devemos ser culpados de atos errados. Não

tentemos saciar nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio.

Temos de conduzir nossa luta para sempre no alto plano da dignidade e da disciplina. Não devemos deixar nosso protesto criativo degenerar em violência física. Precisa-mos nos erguer sempre e mais uma vez à altura majestosa de combater a força física com a força da alma.

A nova e maravilhosa mi-litância que tomou conta da comunidade negra não deve nos levar a suspeitar de todas as pessoas brancas, pois mui-tos de nossos irmãos, conforme evidenciado por sua presença aqui hoje, acabaram por en-tender que seu destino está vinculado ao nosso destino e que a liberdade deles está vin-culada indissociavelmente à nossa liberdade.

Não podemos caminhar so-zinhos.

E, enquanto caminhamos, precisamos fazer a promes-sa de que caminharemos para frente. Não podemos retroce-der. Há quem esteja pergun-tando aos devotos dos direitos civis ‘quando vocês ficarão sa-tisfeitos?’. Jamais estaremos sa-tisfeitos enquanto o negro for vítima dos desprezíveis hor-rores da brutalidade policial.

Jamais estaremos satisfei-tos enquanto nossos corpos, pesados da fadiga da viagem, não puderem hospedar-se nos hotéis de beira de estrada e nos hotéis das cidades. Não estaremos satisfeitos enquan-to a mobilidade básica do ne-gro for apenas de um gueto

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menor para um maior. Jamais estaremos satisfeitos enquanto nossas crianças tiverem suas individualidades e dignidades roubadas por cartazes que di-zem ‘exclusivo para brancos’.

Jamais estaremos satisfei-tos enquanto um negro no Mississippi não puder votar e um negro em Nova York acreditar que não tem nada em que votar.

Não, não estamos satisfei-tos e só ficaremos satisfeitos quando a justiça rolar como água e a retidão correr como um rio poderoso.

Sei que alguns de vocês aqui estão, vindos de grandes provações e atribulações. Al-guns vieram diretamente de celas estreitas. Alguns vieram de áreas onde sua busca pela liberdade os deixou feridos pe-las tempestades da persegui-ção e marcados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês têm sido os veteranos do sofri-mento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que o so-frimento imerecido é redentor.

Voltem ao Mississippi, vol-tem ao Alabama, voltem à Ca-rolina do Sul, voltem à Geór-gia, voltem a Louisiana, voltem aos guetos e favelas de nossas cidades do norte, cientes de que, de alguma maneira, a si-tuação pode ser mudada e o será. Não nos deixemos atolar no vale do desespero.

Digo a vocês hoje, meus amigos, que, apesar das difi-culdades de hoje e de amanhã, ainda tenho um sonho.

É um sonho profundamen-te enraizado no sonho ameri-cano.

Tenho um sonho de que um dia esta nação se erguerá e corresponderá em realidade ao verdadeiro significado de seu credo: ‘Consideramos essas verdades manifestas: que todos os homens são criados iguais’.

Tenho um sonho de que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos de ex-es-cravos e os filhos de ex-donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da irmandade.

Tenho um sonho de que, um dia, até o Estado do Mis-sissippi, um Estado desértico que sufoca no calor da injusti-ça e da opressão, será transfor-mado em um oásis de liberda-de e de justiça.

Tenho um sonho de que meus quatro filhos viverão um dia em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo teor de seu caráter.

Tenho um sonho hoje.Tenho um sonho de que

um dia o Estado do Alabama, cujo governador hoje tem os lábios pingando palavras de rejeição e anulação, será trans-formado numa situação em que meninos negros e meninas negras poderão dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas e caminharem juntos, como irmãs e irmãos.

Tenho um sonho hoje.Tenho um sonho de que um

dia cada vale será elevado, cada colina e montanha será nivela-da, os lugares acidentados se-

rão aplainados, os lugares tor-tos serão endireitados, a glória do Senhor será revelada e todos os seres a enxergarão juntos.

Essa é nossa esperança. Essa é a fé com a qual retorno ao Sul. Com esta fé, poderemos talhar da montanha do deses-pero uma pedra de esperança. Com esta fé, poderemos trans-formar os acordes dissonan-tes de nossa nação numa bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé, podemos trabalhar jun-tos, orar juntos, lutar juntos, ir à cadeia juntos, defender a liberdade juntos, conscientes de que seremos livres um dia.

Esse será o dia em que to-dos os filhos de Deus poderão cantar com novo significado: “Meu país, é de ti, doce terra da liberdade, é de ti que canto. Terra em que morreram meus pais, terra do orgulho do pere-grino, que a liberdade ressoe de cada encosta de montanha”.

E, se quisermos que a Amé-rica seja uma grande nação, isso precisa se tornar realidade.

Então, que a liberdade res-soe dos prodigiosos picos de New Hampshire.

Que a liberdade ecoe das majestosas montanhas de Nova York!

Que a liberdade ecoe dos elevados Alleghenies da Pen-silvânia!

Que a liberdade ecoe das nevadas Rochosas do Colorado!

Que a liberdade ecoe das suaves encostas da Califórnia!

Mas não só isso – que a li-berdade ecoe da Montanha de Pedra da Geórgia!

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Que a liberdade ecoe da Montanha Sentinela do Ten-nessee!

Que a liberdade ecoe de cada monte e montículo do Mississippi. De cada encosta de montanha, que a liberdade ecoe.

Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestante e católicos, poderão se dar as mãos e cantar, nas palavras da velha canção ne-gra, “livres, enfim! Livres, enfim! Louvado seja Deus, Todo-Pode-roso. Estamos livres, enfim”!

E, quando isso acontecer, quando deixarmos a liberda-de ecoar, quando a deixarmos ressoar em cada vila e vilarejo, em cada Estado e cada cidade, poderemos trazer para mais per-to o dia que todos os filhos de

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Joshua e o Ensaio sobre a Desgraça

diego goMeS de BorBA

No município de Boa Vista, no Estado do Rio Grande do Norte, nasceu o menino Joshua, sonha-dor, criativo e aventureiro, como qualquer outra criança em sua es-sência. Nascido sobre a terra racha-da, ouvia sempre os pais falando sobre possibilidades de viagens a um lugar onde pudessem ter água corrente, um chuveiro, uma privada com descarga, entre outras coisas simples, mas que em Boa Vista não existiam.

Obviamente, como toda crian-ça, Joshua não entendia bem o cla-mor de seus pais, mas, no fundo, sentia que algo estava errado. A cidade de Boa Vista era comandada pelo autoritário Coronel Tico Ro-cha, este que em sua fazenda tinha o que os outros não tinham, como: gado, capim em terra fértil com ir-rigação, uma boa casa, empregados, entre muitas outras coisas.

Aos 8 anos de idade, os pais de Joshua conseguiram colocar o filho na escola. Mesmo tendo que andar 10 quilômetros todos os dias para ir e voltar, o fato de encon-trar-se com os amigos e poder criar um mundo de sonhos superava qualquer cansaço que o pequeno Joshua pudesse ter.

Logo na primeira aula, o meni-no pegou uma cartilha surrada, na qual continham figuras coloridas maravilhosas, emprestada pela Pre-

feitura de Boa Vista, o mesmo mo-delo usado no outro lado do País, no Estado do Rio Grande Sul, Es-tado com clima ameno, terra fértil, totalmente diferente de Boa Vista. No primeiro exercício da cartilha, Joshua aprendeu que “Adão comia mamões” e que “Eva via uvas”, e em todas as aulas os exemplos eram parecidos com estes, para ensinar encontros de consoantes, separação de sílabas, interpretação de textos e tudo mais que estivesse na cartilha do Ensino de Formação Básica.

No primeiro ano, o pequeno Joshua e mais da metade da classe foi reprovada, pois nada daquilo na cartilha do Rio Grande do Sul fazia sentido com a vida miserável que levavam em Boa Vista. Joshua não conseguia entender o que exata-mente eram as uvas ou os mamões. Para ele, nada fazia sentido, a não ser que isso fizesse parte de sua vida. Nem mesmo os pais sabiam o que realmente era uma uva ou um mamão, pois jamais haviam visto ou comido tais alimentos. Pois bem, em uma manobra “espe-tacular”, o Estado do Rio Grande

Joshua e o Ensaio sobre a Desgraça

do Norte decidiu que era melhor refazer o ano perdido. Joshua, mais uma vez, repetiu a cartilha que o reprovou, desta vez mais velho e retardatário, com menos ânimo e vendo as mesmas coisas que ainda continuava sem entender. E mais um ano se perdeu, pois Joshua foi reprovado novamente. O Es-tado, “brilhantemente”, mais uma vez, tentou ofertar mais um ano a Joshua. Este veria novamente as mesmas uvas e mamões, mas seu pai disse não.

Seu pai, João de Maria, enten-deu que Joshua, assim como ele, não dava para os estudos e decidiu fazer algo decisivo na vida do filho agora com 9 para quase 10 anos: ti-rou-lhe da escola e o colocou para trabalhar na roça, em média 10 horas por dia, embaixo de um sol tão escaldante que nem os escor-piões ameaçavam sair de suas tocas naqueles horários. Joshua, naquele momento, foi mais um corrompi-do pela ignorância de homens e mulheres que não entenderam a verdadeira essência de uma criança, que um dia será mais um adulto “pronto” para a sociedade.

Joshua se conformou com a realidade vivida em Boa Vista e seu único sonho, agora, era o mesmo de seus pais: poder ter água corrente e um lugar para as suas necessidades. Mais tarde, com

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Joshua e o Ensaio sobre a Desgraça

quase 20 anos de idade, Joshua se mudou para São Paulo, em busca de oportunidades melhores, afinal, São Paulo é a “terra das oportu-nidades” e nenhum outro lugar do mundo poderia ser tão melhor. Lá, encontrou o que para ele seria o Céu: um trabalho de faxineiro numa escola de educação funda-mental básica. Nada comparado ao que ele conhecia ou tinha visto em Boa Vista. Agora, tudo era melhor

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e, finalmente, ele havia encontra-do água corrente e potável nas torneiras.

Um dia, uma professora muito boa e preocupada com a Sociolo-gia, pensou em dar-lhe uma opor-tunidade para voltar aos estudos, pois Joshua se mostrava sempre prestativo nos afazeres de faxinei-ro. Então, ela o chamou, contou-lhe sobre o que estava pensando e logo o agora homem-feito Joshua

respondeu: “Me desculpe senhora ‘fessora’, mas eu não nasci pra isso. É melhor eu cuidar da limpeza da escola antes que alguém reclame e eu fique desempregado, e tenha de voltar pra Boa Vista”.

E assim mais um Ensaio sobre a Desgraça se escreveu em nosso País.

Aluno formado do Curso de Integrali-zação de Créditos em Teologia – Polo de Santos, SP.

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MArcel henrique coelho

Sobre crianças e sabedorias

“Penso noventa e nove vezes e nada descubro. Deixo de pensar, mergulho no silêncio, e a verdade me é revelada”. Estas palavras, atribuídas a Albert Einstein, ajudam-nos a ilustrar os mo-mentos em que a busca pela sabedoria de Deus independe de quantas vezes lemos a Bí-blia ou quantos livros teológi-cos esmiuçamos. Muitas vezes, precisamos de experiências sin-gulares e especiais. Epifanias.

Há algum tempo, ocorreu--me uma dessas experiências – que nos levam um passo adiante – ao observar meu fi-lho de três anos enquanto ele

brincava com uma amiga. A maneira como compartilhavam seus brinquedos trouxe ao meu coração a expressão do Reino de Deus. Lembrei-me das pala-vras de Jesus pedindo para que seus discípulos não impedis-sem as crianças de chegar até ele e afirmando que somente aquele que o recebesse como

uma delas estaria apto para adentrar o Reino1.

Ver em duas crianças um amor sincero, inocente e sem preconceitos me fez também pensar que o caminho até este Reino é mais longo e árduo do que imaginamos. Talvez precisemos conhecê-lo de fato, e, para isto, faz-se necessário consultar a maior autoridade no assunto: Jesus Cristo. Fo-ram inúmeros os exemplos da-dos e o assunto foi abordado à exaustão, entretanto, a ênfase dada por ele à necessidade de passarmos por uma profunda

1 Marcos 10,14-15;

Sobre crianças e sabedorias

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menos que esta realidade seja comprometida pelos adultos, onde há crianças há cores, ri-sos e sorrisos espontâneos. E é assim que imagino o Reino de Deus.

Se desejamos desfrutar desta promessa um dia, deve-mos reaprender a partilhar um algodão-doce, chorar quando um amigo chora, dar carinho quando alguém se machuca. Precisamos voltar a acreditar que beijos e abraços possuem muito poder e que se importar com os outros faz, sim, mui-ta diferença. E, pasmem, para isso é preciso simplesmente amar.

ReferênciasBERKHOF, Louis. Teologia sistemática. Tradução de Odayr Olivetti. 4ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BÍBLIA. Português. bíblia Sagrada. King James Atualizada. São Paulo: Abba Press, 2001.

FRANCISCO. Audiência geral na Praça de São Pedro. Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/au-diences/2015/documents/papa-frances-co_20150318_udienza-generale.html>. Acesso em: 05 de março de 2018.

Aluno formado do curso de Integrali-zação (EAD) Faculdade Metodista de Teologia – Polo de Mauá

Sobre crianças e sabedorias

transformação merece nossa atenção.

Ao longo de seu minis-tério, Jesus relacionaria essa transformação com um novo nascimento, perante a huma-nidade (confessional) e perante Deus (espiritual)2. Este proces-so, inevitavelmente, demanda um comprometimento intenso e constante que deve durar por toda a vida3. Entretanto, nossas limitações muitas vezes nos fazem reféns da ignorância e é por isso que Jesus recomenda que nos atentemos às crianças.

Quando contrastamos os universos infantil e adulto, percebemos o quão difícil é ser como um de nossos peque-ninos. À medida que cresce-mos, diminui nossa empatia pelo próximo, ficamos egoístas, aprendemos que é bom levar vantagem e perdemos a capa-cidade de nos alegrar quando outros se alegram. Voltar a ser como éramos torna-se tão sa-crificante quanto levantar uma grande e pesada rocha.

Como é difícil ajudar um semelhante cujo carro que-brou no meio da rua, ou que está doente, ou até mesmo passando fome. As decepções

2 João 3,3-6;3 Lucas 9,59-62;

que enfrentamos ao longo da vida dificultam ainda mais a situação e, por vezes, impos-sibilitam que nos entreguemos plenamente a uma vida amo-rosa. O problema é que, pouco a pouco, perdemos também a capacidade de nos conectarmos com o Reino de Deus.

Este Reino precisa ser es-tabelecido e reconhecido em nossos corações, porém, jamais será possível enquanto houver atitudes em nós que manifes-tam o contrário. Jesus identi-ficou o Reino de Deus com as crianças porque viu nelas uma representação tangível de sua essência: alegres, inocentes, amorosas e intensas. Paulo as-sim compreende e considera em sua carta aos romanos que “este Reino não é comida nem bebida, mas justiça, paz e ale-gria no Espírito Santo”4.

Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, disse cer-ta vez que, quando a taxa de nascimento em uma sociedade chega a um por cento apenas, podemos dizer que esta so-ciedade é triste, cinza, porque permanece sem crianças5. De fato, ele tem razão, afinal, a 4 Romanos 14.17;5 PAPA FRANCISCO. Discurso na Assembleia

geral, em Praça de São Pedro (18 de março de 2015);

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As responsa-bilidades de

grandes poderes

Antonio cArloS SoAreS doS SAntoS

Quando, em 1962, Stan Lee e Steve Ditko apresentaram ao mundo o Homem-Aranha, hou-ve uma certa resistência em se aceitar um herói com o perfil de um adolescente, órfão e pobre. Quem teria admiração por isso? Para piorar ainda mais a recente reputação do futuro “Amigão da Vizinhança”, este era cheio de pro-blemas existenciais! Um aracnídeo adolescente? Daria certo? Em suas primeiras aparições, em início dos anos 1960, a concorrência que o Homem- Aranha deveria enfrentar era difícil. Os heróis que povoa-

vam as páginas das HQ’s1 eram, em sua grande maioria, homens – raramente mulheres – adultos, experientes e carregados de per-feições: milionários, invulnerá-veis, invencíveis, deuses/deusas. Se havia adolescentes heróis, esses eram relegados a coadjuvantes dos heróis de primeira classe, e eram conhecidos mais como “ajudantes”.

Mas o sucesso da personagem aracnídea foi estrondoso, pois o garoto que tinha como alter-ego o Homem-Aranha era um típico adolescente de classe média baixa, vítima constante de bullying, sem-pre com problemas financeiros, e tudo que ganhava com suas fotos era para auxiliar sua “tia May”, que o criou desde criança. Um garoto como outro qualquer, que tinha tragédias em sua vida como qualquer ser humano. Em uma dessas tragédias, seu “tio Bem” é assassinado, numa tentativa de

1 Sigla para Histórias em Quadrinhos

As responsabilidades de grandes poderes: O prólogo do Quarto Evangelho e o Homem-Aranha

assalto por um ladrão que poderia ter sido detido pelo jovem herói2. E foi seu “tio Bem” quem lhe en-sinou sua maior lição e que virou filosofia de vida para o super-he-rói: “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”!

Poder e responsabilidade são forças que devem (ou deveriam) andar de mãos dadas. Acredito que, por essa razão, o Quarto Evangelho, em seu conhecido Pró-logo, faz esta declaração:

Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.  Mas, a to-dos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da car-ne, nem da vontade do homem, mas de Deus (Jo 1, 11-13). 

1. O poder de ser filhos/filhas de Deus...

Quando falamos em “poder”, associamos este conceito ao do-mínio e à força. Talvez pela his-tória nos demonstrar que aqueles e aquelas que, de alguma forma,

2 Um passeio pela internet poderá informar toda a história de origem do Homem-A-ranha.

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As responsa-bilidades de

grandes poderes

estiveram no exercício de algum tipo de poder, usaram-no de ma-neira dominante sobre aqueles e aquelas que considerassem infe-riores. Portanto, a própria história parece nos ensinar que pensar em “poder” e “altruísmo” é um exercí-cio por demais difícil. No entanto, o Quarto Evangelho vem com uma proposta: Aqueles e aquelas que recebem o Logos divino, a esses e essas é dado o poder de serem feitos filhos e filhas de Deus. Ser reconhecido como “filho ou filha de Deus” é, para o Quarto Evan-gelho, um evento glorioso, que necessita de uma interação entre ser humano e Deus. Uma metáfora para descrever “filhos e filhas de Deus” é que são filhos e filhas nas-cidos não de descendência natural, pois nenhum humano poderia ser responsável por semelhante nas-cimento, mas nascidos de Deus, em uma relação intercambiável. Este novo nascimento significa que herança, etnia, gênero ou na-cionalidade são irrelevantes. Este “nascer do Espírito” nada mais é que uma ação de Deus através do desejo e reconhecimento do ser humano de que o Logos vem do próprio Deus.

Mas... No que implica o “po-der de serem feitos filhos e filhas de Deus”?

2. Grande poder e grande responsabilidade...

Ter poder não pode ser tra-tado como uma banalidade. Não há como exercer, desenvolver um poder sem antes ter pleno conhe-cimento do que esse poder é capaz de realizar. Ser considerado filho ou filha de Deus requer ter no-ção do seu papel em um cenário caótico, no qual a sua ação deve condizer com a responsabilidade recebida. Diante de um mundo onde a injustiça, exclusão e pre-conceito são as armas da vilania, os poderes dos filhos e filhas de Deus devem ser postos em práti-ca. Afinal, se é para ter poderes, que sejam utilizáveis. Portanto, ser “feito filho ou filha de Deus” é usar as armas que Jesus usou. E, como todo herói que se pre-ze, Jesus foi defensor da vida e da criação de Deus. Contra os poderes que contradizem a pro-moção da vida, os filhos e filhas de Deus devem (ou, pelo menos, deveriam) promover a força da justiça, do perdão, da verdade e, principalmente, o poder de amar

incondicionalmente. Ter o poder da filiação vinda de Deus não é diversão, como uma fantasia ro-mantizada, mas pode ter – e cer-tamente terá – consequências, por vezes, adversas. Mas, se há algum sentido em receber poderes tão especiais, não há outra forma que não seja o exercício da defesa da vida como maior preciosidade da realização de Deus.

Por fim...A pessoa que detém alguma

forma de poder deve se lembrar que o exercício de um poder não deve ser feito para benefício pró-prio. A personagem Homem-Ara-nha aprendeu que a maior respon-sabilidade que podemos aprender é que nunca temos o poder para nós mesmos, mas para o outro ou outra. Essa é a dinâmica de quem pretende ser reconhecido como fi-lho ou filha de Deus. Seu objeto de ação é sempre para com o outro ou outra. Não é preciso ser herói ou heroína para ter um grande poder, mas, o fato de ter o poder de “se-rem feitos filhos ou filhas de Deus” traz uma grande responsabilidade.

Leigo metodista na IM Central de São Bernardo do Campo, docente na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista e Geek confesso

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