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1 O livro do pensamento e do sonho 25 folhas + uma de Abril Caíram Carlos Pé-Leve

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O livro do pensamento e do sonho 25 folhas + uma de Abril Caíram Carlos Pé-Leve 25 Folhas de Abril Caíram, é poesia? São fragmentos de memórias? Nem o autor tem certezas sobre este texto impressivo e sincopado.

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O livro do pensamento e do sonho

25 folhas + uma de Abril Caíram

Carlos Pé-Leve

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Prefácio

25 Folhas de Abril Caíram, é poesia? São fragmentos de me-mórias? Nem o autor tem certezas sobre este texto impressivo e sincopado. Quando Carlos Pé-Leve me falou dele, disse que não o sabia bem definir, que eram coisas que estavam presas nele. Lendo-o, julgo que não as escreveu para se libertar delas, antes para as libertar, iluminando-as com um enquadramento plástico de ilustrações originais. Estas, expressões visuais, são pertinentes num texto tão sensitivo: uma mensagem/testemu-nho, na primeira pessoa, de uma experiência social e emocional sobre o 25 de Abril de 1974. Com o cinzento dos anos de chum-bo da ditadura ainda agarrado à pele, o empenhamento social e político que sem grandes interrogações caracterizavam o tem-po colaram-se ao autor. Não surpreende. A arte não é exterior à sociedade, e o artista não tem de ficar intocado na margem dos acontecimentos. Carlos Pé-Leve apresenta-nos a ressonân-cia sensitiva do que foi um momento cultural e social com uma ética e uma estética próprias. Nele conviveram perspectivas e acções diversas. Uma realidade vivida do que foi uma explosão de liberdade e festa colectiva que varava os dias e as noites. Julgo que o autor deseja partilhar essas sensações. Quer com quem as viveu, quer iluminando esse passado aos que nele não participaram. E fá-lo com muitas das palavras que eram o nome das coisas naqueles dias.

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Importa lembrar, a quem este livro possa parecer um excesso caricato, que em 1974/1975 tal significava uma verdade: a pos-sibilidade de refazer a vida que, até ali, parecia esvaziada de sentido e que, hoje, volta a parecer não o ter muito. Como se fosse preciso, parafraseando Eric Hobsbawm, não usar apenas o mesmo vocabulário mas falar a mesma língua. Mas, naquele tempo, mesmo falantes distintos compreendiam o que uns e outros queriam dizer. Pode-se argumentar que, formalmente, o texto de Carlos Pé-Leve é desordenado, que está pontuado por repetições, que lhe falta coerência na articulação. Mas pode-se também dizer de quem viveu o 25 de Abril e que dele tenha uma noção ordenada e sistematizada, o mesmo que se disse so-bre outro momento: quem se lembra de Maio de 68 não estava lá. Esses são os que não terão estado, por inteiro, nestes acon-tecimentos com potenciai transformador e na plena dimensão do que foi a sua festa tão libertadora e emotiva. A visão de uma vivência comprometida e participada transcende a conformida-de neutral de uma expressão lúcida e normativa pautada por uma racionalização regrada. O sentido destes momentos está para além do visível e do documentado. Robert Kurz (in Os Úl-timos Combates) sublinha: um movimento que não tem sonhos não é um movimento.

Sair da ditadura parecia um sonho, e era como estar a trair aque-la História para que outras lógicas históricas nascessem. Neste contexto, este livro é uma expressão de um sentimento sobre essa realidade. Carlos Pé-Leve tem consciência disso ao citar Balzac: A missão da arte não é copiar a natureza, mas exprimi-la. As emoções fazem parte da natureza mais característica e profunda dos homens. Animais sociais por essência, capazes de se comprometerem com a arte, com o sonho, com a vida, de a sustentar e alavancar mudanças. E 25 de Abril também foi isso, uma relação da arte e do sonho com a vida quotidiana, não no sentido da banalidade dos dias. No da (...) madrugada que eu

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esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo. (Sophia de Mello Breyner. O Nome das Coisas, 1977). Uma Primavera que desabrochava rápida, onde tudo era urgente. Foi um tem-po, para todos, incomparável; para alguns, inesquecível e em que tudo parecia possível. Uma experiência única: Abril era infi-nito/ Abril não acabava/E o povo gritava que apenas Abril exis-tia (p. 24). Por isso, este livro recupera tantas imagens, pedaços de versos e canções, slogans e acontecimentos que, naqueles dias irrepetíveis, tomaram conta das nossas vidas. Chegados à meia-idade, não nos lembramos de outros dias tão intensos. Mesmo que nem tudo fosse dar certo, os que, como Carlos Pé-Leve, “estiveram lá” não desejam que eles se eternizem apenas em memórias cristalizadas nas pegadas do tempo.

Hoje, confrontamo-nos com um país diferente e mais evoluí-do, acumulámos mais informação e outras referências. Por isso, quem não viveu aquele tempo poderá sentir estranheza ao ler este livro. Para alguns, o que Carlos Pé-Leve aqui escreve se-ria, apenas há uns três anos, percepcionado como expressão de uma memória vazia e incomodativa, uma inutilidade para a desconstrução do mito de desenvolvimento e bem-estar. Agora, talvez possam alinhar este texto impressivo na necessidade de revisão/demolição da realidade. O autor não precisa de a ex-pressar taxativamente; ela ressalta por ausência comparativa, por oposição ao que são as suas memórias do 25 de Abril, do tempo próximo que se lhe seguiu, e do que eclodiu depois: vidas porventura mais confortadas, mais educadas; com mais poder de compra. Em troca, um progressivo retrocesso cultural, labo-ral e político; pessoas devidamente controladas, escrutinadas, vigiadas e marginalizadas do processo político, num contexto em que (...) na realidade assistimos agora pela primeira vez na história da U.E. a uma desmontagem da democracia, como dis-se Helmut Schmidt, citando Jürgen Habermas, num pertinente

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discurso recente. Para quem, como Carlos Pé-Leve, viveu aque-les tempos de uma intensidade ímpar, é exasperante ou curioso de se observar este aparentemente novo e insidioso cinzento que continua a afogar as nossas vidas. Agora, perante uma apá-tica e generalizada indiferença. Espanta-nos a mansidão desilu-dida dos nossos dias; dias de ausência de sentido e expectativa, como se este fosse (...) o tempo em que os homens renunciam (Sophia de Mello Breyner. Mar Novo, 1958). Como pode, então, Carlos Pé-Leve não sentir uma irreprimível vontade de soltar as coisas que estavam presas nele? De desejar que a sociedade se volte a religar com os indivíduos, o que em 25 de Abril parecia estar a acontecer?

Alguns, podem dizer que Carlos Pé-Leve, na impossibilidade de fazer ressurgir e prosseguir aquele tempo, está apenas a perse-guir memórias do real. A expor fragmentos do que foi a lingua-gem e cultura de um momento revolucionário eivado de pul-sões libertárias. E até podem ser mais críticos: para que é que ele está a escrever isto? No fundo, tirando a queda do fascismo e arejamento nos costumes, o 25 de Abril foi uma coisa incon-sequente, quer como alternativa histórica, quer como reinven-ção do quotidiano, quer como verdadeira emancipação social e transformação de conceitos profundos do mundo burguês. Ele não reparou que, com a evolução da globalização, aquilo a que se assistiu foi a uma apropriação de valores e formas de vida burguesas, uma cultura que triunfou face a visões alternativas? Mas será que, agora, estas afirmações discordantes de Carlos Pé-Leve são concordantes com a realidade, quando até os tra-dicionalmente instalados começam a ser empurrados para as fronteiras da exclusão, quando o presente definha e o futuro é incerto? Dir-lhes-ia que memórias destas também importam para uma tomada de consciência. Para não ficarmos, apenas, a contemplar a passagem do silêncio, da desordem social, de novas formas de ausência de liberdade. Que se alguns têm de-

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sejo de revisitar o que foi um presente passado, ou apenas a sua imagética, é porque estão com saudades de futuro, com vontade de interrogar e questionar a lógica social que os es-maga, de reavaliar a cultura da sociedade do espectáculo que os sufoca. É por isso que Carlos Pé-Leve volta onde já esteve, mesmo que, hoje, seja um deserto desses dias: De seiva de Abril me alimento/Os corpos ardem com o sonho de Abril/ (...) Abril em silêncio perde-se no tempo (...) Sonha com um corpo novo/(...) Abril justo de um fogo ardente (...) Passo a passo cheguei ao espaço que o sonho cedeu (p. 34-52). É como se, neste livro, ele gritasse: quero um outro Abril na minha vida; e quero-o, se possível, hoje mesmo!

Vera Silva*

* Bibliotecária

(Texto escrito de acordo com a anterior ortografia portuguesa)

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O pensamentoA opiniãoO movimentoA revoluçãoA gratidãoO discernimento

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Vinte cinco anos no quotidiano de um artista, são vinte cinco anos incorporados numa fábula onde os sentimentos e emo-ções ultrapassam o dito normal dia a dia de um cidadão co-mum. As emoções, os sentimentos, os alertas para aquilo que nos rodeia, são passados para a tela pelo artista numa pers-petiva determinante para o nascimento da obra, são nesses momentos que se regista pictoricamente um trabalho para a posteridade. Se por variados pressupostos existe amadurecimento ao longo da carreira de um artista, este mostra nas telas aquilo que o preocupa, lhe dá prazer descarregando nas telas os tra-ços, a força das suas emoções, sentimentos, momentos e com as cores o seu estado de espírito. Não são muitos vinte cinco anos, são o suficiente para que o meu trabalho sofresse alterações, tanto a nível pictórico como gráfico. Por vezes é bom mudar, não estagnar ou nos aco-modarmos a uma só técnica mas enviarmos cá para fora tudo o que sabemos e sentimos. Passar para a tela aquilo que nos con-tagia no momento, é algo de puramente inocente mas também intencional e por vezes provocatório, mas é esta provocação que o público quer sentir e ver, é o registo que fica ao longo dos anos para ser admirado e interpretado por várias gerações.

Percurso

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Procurei com algumas alterações ao longo destes vinte e cinco anos, seguir uma pintura “hard edge”, a qual corresponde a uma pintura geometrizante que reactualiza aspectos aplica-dos em pintura nos anos vinte. Cheguei ao século XXI, com uma linha gráfica e contemporânea, com a qual pretendo continuar a seguir, provavelmente com ligeiras alterações como atrás já frisei.

Vou começar por fazer uma abordagem rápida do meu trabalho artístico e chegar também obviamente até à escrita deste meu sentir. Com a técnica gráfica que utilizo na minha pintura sempre pre-tendi que o espectador do meu trabalho, livre como é, pene-tre no labiríntico emaranhado de linhas e cores e se sinta livre para poder percorrer e sentir os espaços. Nas telas estão o fruto de uma inspiração pessoal e de uma experiência diária com o mundo que me rodeia e do qual capto o que entendo por bom e menos bom. Será que daqui a mais vinte anos me poderei pronunciar sobre mais vinte anos do meu percurso? Claro que não, já cá não estou, mas será que dá tempo para mudar ou dar conti-nuidade ao actual? são apenas interrogações, vou continuar a pintar e a criticar o meu trabalho. Cada um deve interpretar os trabalhos que vê, á sua maneira e livremente fazer a sua crítica, mas cabe-me a mim ser o principal crítico da minha obra, sou eu que decido o que é bom e menos bom e o mau que não exponho, é a minha teoria em relação àquilo que faço tanto em termos de pintura como de escultura. Se não formos nós criadores os principais críticos do nosso trabalho, quem tem o direito de o ser? Falando agora no meu trabalho de escultura, comecei-o no nobre material de terracota, por vezes muito esquecido pe-los artistas, passei posteriormente ao bronze outro dos mate-

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riais nobres, o qual fica definitivamente para a posterioridade e seguidamente passei á pedra a força bruta, pesada e bela da natureza, por ela esculpida tão artisticamente. A pedra só por si dá-nos as mais belas cores e texturas que são uma precio-sa ajuda para o artista desenvolver o seu trabalho. As minhas esculturas em terracota e bronze principalmente aquelas que denominei por “As Líricas“, são figuras anatómicamente volu-mosas, chamadas também de “meninas encorpadas”. Dotadas estruturalmente de um físico demonstrador de uma formosa beleza, com as Líricas tento transmitir ao público uma relação emocional e prosaica , este, em contacto com elas sen-te-se metamorfosiável. São figuras palpáveis que transmitem sensibilidade pela forma como deliciosamente pegam numa flor, num animal, num fruto ou simplesmente desnudadas de roupagem num comporta-mento auto-determinado se enroscam no seu ego. Os momentos ancestrais que transmitem, apesar de inanimadas, são a vontade e a força do autor em dar-lhes vida pondo-as a cantar. Um dia a pintora Gracinda Candeias disse: “...para mim elas não cantam, sopram em segredo histórias de Lisboa...” . Ao tocarem-lhes elas transmitem dos seus corpos a sua-vidade e maciez da sua pele de bronze ou aveludada do barro. Este é o resultado de uma inspiração pessoal e de uma experiência adquirida em contacto directo com o mundo que me rodeia, tanto na pintura como na escultura, tenho-me esfor-çado para transmitir o que sinto e faço-o inspirando-me no pre-sente mas também com recordações de um passado recente e de uma vivência contada também ela no feminino.Na pedra a rigidez da matéria transporta-me para figuras deter-minadas de traços e formas bem marcadas, como são as escul-turas, A Ceifeira, A Musa, O Pensador, são algumas das escul-turas marcantes do trajecto evolutivo e determinado da minha

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carreira na escultura. A pedra que considero um material de uma nobreza transcendental obriga-me a esculpir as minhas fi-guras sempre num trabalho conjunto com a natureza, deixando quase sempre parte do trabalho que a natureza criou.

Após falar um pouco da minha carreira no campo das artes e dando sequência à arte da escrita e porque se associam todas as outras artes numa só palavra, ARTE, coube-me agora e de-pois de ter vindo ao longo do tempo a escrever poemas, aven-turar-me a escrever numa altura preocupante da nossa história “25 folhas + uma de Abril caíram“. A 26.ª folha é ela a primeira do livro, poema “O Grito”... Com ilustrações da autoria de vários artistas amigos, atrevo-me a dizer, que pouco nos resta do Abril que vi nascer e crescer. Neste pequeno livro que me atrevi a escrever porque é o meu sentir profundo, quero deixar um registo breve, resumi-do em breves poemas ou melhor pensamentos e recordações, daquele Abril de 1974 que eu vi nascer e acompanhei até ao seu precoce envelhecimento, Abril que não quero ver morrer, Abril que é tão importante como a data da fundação de Portu-gal, Abril de 1974 foi a fundação da Liberdade em Portugal.

“A missão da arte não é copiar a natureza, mas expri-mi-la”. Honoré de Balzac «A missão da escrita é elucidar o leitor sobre os factos reais ou transportá-lo para um mundo irreal, onde este se sinta uma figura real ou irreal dentro do contexto da leitura apresen- irreal dentro do contexto da leitura apresen- dentro do contexto da leitura apresen- contexto da leitura apresen- da leitura apresen-tada». A missão de todos nós é continuar a dar a Abril a expres-são e a dignidade que o Dia da Liberdade merece e tem de ter e isso depende de cada um de nós Pé-Leve

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O gritoDa profundeza de um país inóspito Nunca houve tão forte gritoO clamor da tua ausência liberdadeO eco a voracidade de um olhar lúcidoO susto o espanto a admiraçãoAcordado pensei estar a sonharA sonhar julguei estar acordadoAbril começava a ser desenhado O principio do orgasmo desejado

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Jovem com sonhos medos temoresSonhos que em breve me seriam roubadosPensava no meu país longínquoAssim me tinham ensinadoPortugal de aquém e além marÁfrica é nossa temo-la de defenderÉ meu é nosso dever Embarcam soldados para morrerO silêncio a espera do inexplicado

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Sonhos vida de sonhos Não passava de um sonho aquela vidaNão há madrugadas brilhantesApenas o dia a dia e caminhos distantesTrilha-se um Portugal sem esperançaNão há paz nem pão nem liberdade de expressão Jovens crescem para um embarque sem voltaSoldados homens mulheres apelam à revolta Atónitos deixam barcos partir envoltos em silêncio

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Mais um soldado parte mais outro e outroNão quero morrer nem matarApenas viver e um irmão abraçarO pesadelo ia parir Seria apenas um sonho?Acordei naquela manhã de AbrilInterrogações e perguntas milSoldados homens mulheres jovens de AbrilAquele Abril era a primavera antecipadaSentia-se o não sentir da coisa mais desejadaLiberdade

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Homens e MulheresRebentavam as correntes da opressão Fome de liberdade e sede de um sorrisoDavam as mãos determinadosEncheram Portugal de felicidadeE o mundo de emoçãoOh Abril que me viste sorrirAbril que me viste chorarInerte ali me encontravaE Abril miraculosamente desabrochava

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Abril colorido com mil cravos sorrindoDava os primeiros passosUm Abril que tinha entrado subtil pela madrugadaEra lindo o meu AbrilAjudou-nos a conquistar a gritar esperança em uniãoEnsinou-nos a ter os pés bem assentes no chãoAbril era o guardiãoO povo os pilares da nação

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Não se sussurrava mais em segredoNão havia medoOs sonhos transformavam-se em realidadeO povo deixava de ser escravizadoAmava-se livrementeDistribuíam-se cravosSagradas conquistasE as palavras mais ouvidasLiberdade liberdade liberdade

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Abril foi imenso um imenso AbrilMuitas conquistas se fizeramAbril conquistas mil…Mais uma vitória Mais uma conquistaNas ruas, fábricas, escolas, prisões, era AbrilMedo angustia terror tudo isto Abril baniaInstalava-se a liberdade que o povo sempre desejouAbril avançava e o povo sorria

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Uma gaivota aos céus subiaE sobre Abril esvoaçavaAnunciando as boas novasOs campos cobriam-se de papoilas Como gritos de alegria e esperançaDas prisões políticos saíamE tudo isto Abril viaEm Abril as conquistas foram mil Era tamanha a alegriaHomens e mulheres se envolviamNa nudez de seus corpos se enlaçavamTudo isto Abril via tudo isto Abril protegiaExaltavam-se momentosPerpetuavam-se movimentos

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A liberdade com que Abril nos atingia Sentia-se em cada passo um desafio Bandeiras desfraldadas ao ventoMil cores mil causas tudo se discutia Abril via Abril não dormiaMil canções se sucediamOs pintores pintavam AbrilOs escultores Abril esculpiamO jovem que nada sabia a Abril se entregavaE com Abril se envolviaAbril era infinitoAbril não acabavaE o povo gritava que apenas Abril existia

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Turbilhões de emoçõesAçambarque de informaçãoO vento trazia e levava mais rápido que o pensamentoO povo absorvia e alimentava-seAbril movia-seAs letras as artes a cultura ao povo se uniaNas ruas nos campos nas praças e avenidasA fecundação era plenaA seiva de Abril por todo o lado corriaJorravam lágrimas de alegriaAbril corria sensual e determinadoComo açucena em cada rosto em cada dia

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Não mais se cantará em silêncioOs amantes jamais se esconderãoOs poemas das vozes dos poetas brotam em catadupa Das telas dos pintores surgem mil cores mil gritosOs escultores esculpem Abril com mil flores No horizonte o sol nasciaAbril prolonga-se livre e o jovem de Abril sorriA guerra acaba o jovem sorriAbril não parava Abril surpresas milQuebravam-se amarrasCantava-se a coragemReinventava-se a melodia

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Oh pátria amadaQue Abril viste nascerNaquela alvorada quantos abraçosQuantos beijos quanta vontadeFragmentos de uma vida outrora convertida em espadaInjusta a vida e dura a espadaOh Abril que nesta pátria nascesteÉs observado por quem de ti espera o futuro Quão doce e belo frutoSacia nossos pensamentos

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Trabalhadores unidos de corpos transpiradosSeus corpos eram a força da luta e do trabalhoNuma luta desesperadaNuma batalha difícil de vencerAbril dava uma ajudaNão havia que temerOs jovens de Abril rejubilavamJúbilo de prazerO caminho era longo e difícil de percorrer

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Exausto respiro a cada momento a liberdadeDe Abril me alimentoCorpos ardem com o sonho de AbrilChama acesa nos incendeiaNão se dorme é sempre diaNão se perde um só momentoAs bocas têm sede de beijosNuma aurora quenteAbril determinado perde-se no tempo Tua boca liberta-se do silêncioDela saem beijos perfeitos

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O futuro era imensoO presente de esperançaOs soldados de mãos dadas com Abril cravos trocavamAbril sorriaEu via que Abril sorria e mais cravos vermelhos lhe davaBatalhas imensas de cravostravavam as balas das armasa guerra terminavanum mar imenso de cravosAbril conduzia-nos numa enorme revoluçãoOs vermelhos eram cravosAbril a salvação

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Uma tocha imensa incendiou nossas vidasNuma chama de vulcão que jamais se apagaráOh meu amor nem quero acreditar no fimE eu que trago em minhas mãos a chama de AbrilEu que atravessei terras rios e oceanosNão quero que esta chama se apagueNem que minha boca se cale Não quero voltar a acordar num grito de silêncioAmordaçado num outro qualquer diaNum corpo que não é o meu Alimentando-me de sonhos com cicatrizes Acordando despojado do que sentiaNão queremos

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Dos campos montes serras e valesDe terras longínquas e de mares distantesVinham homens de todo lado para Abril abraçarAbril sorria doce e terno AbrilEu via que Abril sorriaAbril sabia que eu viaNum fluir de palavras de cores e de alegriaRevolucionava-se mudava-se aprendia-seAbril sorriaNum permanente baile de gente carenteEterna sinfonia na primavera da vida

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Exortemos AbrilAbril esconde-se por entre os arvoredosA noite finalmente caiNo silêncio imenso da noiteCorre uma brisa Abril adormece e prolonga seu sonoJunto a um cravo caído Abril cai de cansaço Em seu regaço uma madrugada de nadaNum peito de amante enganadoUm sonho dilaceradoFragmentos de uma revolução Uma espada caída um punhal cravado

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Abril seguia seguroCom ambições sonhos desafiosOs jovens de Abril acreditavam e traziam nas mãos a chamaA chama que Abril lhes passavaAcreditavam confiavam e os homens decidiamOs jovens organizavam-seAbril viaAbril via que eu viaVia como se moviam os homens que Abril não acreditavaIndecifráveis eles estavam lá

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Abril arrefece já não ardeApaga-se a chama de outrora Mas continua a sonharSombras afagam seu rostoIncrédulo continua a dormirSombras circundam seu corpo inerteOh noite clandestina onde só existe escuridãoDestroem-se sonhos constroem-se pesadelos e solidão

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Sonho com um corpo novoCom uns olhos e peito de esperançaNudez de um corpo firme mas benevolente Abril justo de um fogo ardenteO sangue corre arde acendem-se momentos de paixãoAbril sonha com a revoluçãoSonha desliza busca o perdidoSilêncio perverso sentido Quero partir

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Abril acorda acorda Abril Num silêncio perpetuado pela indiferençaAbril é silenciadoPerde-se na solidão do tempoNum tempo cheio de nadaSolitário vagueia num vazio melancólico

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Passo pelo sonho que o espaço me deuDeu tão pouco este espaço meuPasso a passo cheguei ao espaço que o sonho cedeu

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Abril acordouSolitário Abril acordouSaqueado ignorado despojado de suas conquistasAbril acordouHomens e mulheres passeiam-se pelo vazio do tempoVagueando sem eira nem beira Indiferentes a Abril desmotivados sem futuroDescalços sobre espinhos e pedras caminhamCaminham por este duro caminho Abril está lá o pólen dos cravos também l Para muitos é indiferente Apenas caminham…

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Acordámos adormecidos De um sonho imaterial de uma luta invisível Esqueci-me do sonhoDo comando do sonhoDo sonho que comanda a vidaDa vida que não se sonhaDo fim do sonho da vida De uma vida sem sonho

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25 Folhas + uma de Abril caíram é o título que Carlos Pé Leve escolheu para este livro.É um título que denota alguma desilusão face ao retrocesso políti-co económico, social e cultural que temos assistido nos últimos anos, mas é acima de tudo a forma como o artista viveu e sentiu o 25 de Abril .

O livro é uma viagem iniciada nos últimos tempos da ditadura com a opres-são e a guerra colonial a marcarem a sua juventude, seguindo-se depois a libertação, as conquistas e a dinâmica popular intensamente vivida.

Com o aproximar do final da viagem, os campos então cobertos de papoilas que tantos artistas inspiraram, começam a desaparecer, os gritos de alegria transformam-se em gritos de revolta e o horizonte volta a escurecer.

“25 folhas + uma de Abril caíram, Abril arrefece, já não arde, mas continua a sonhar, não quero que esta chama se apague nem que a minha boca se cale, Abril acorda”, acorda Abril, assim termina o autor.”

De facto bem precisamos que o povo acorde antes que seja tarde, saia do seu conformismo, se revolte contra as injustiças e retome o caminho de Abril .

A Junta de Freguesia de Amora ao associar-se a esta publicação, pretende desta forma mostrar o seu reconhecimento e admiração pela vasta obra de Carlos Pé Leve e juntar-se a todos aqueles que quiseram dar o seu contributo na presente obra, fazendo dela um autêntico manifesto em defesa dos ideais de Abril e para continuar Abril.

Junta de Freguesia de Amora

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Carlos Pé-Leve

Nasceu em Lisboa em 1956 e viveu no Concelho do SeixalCursou pintura na Escola de Artes António Arroio - LisboaCurso de SerigrafiaCurso de gravura da escola ARCOCursou escultura com o escultor Hans VarelaTem um vasto trabalho na área da pintura em tela e azulejoNa área da escultura tem trabalhos em cerâmica, pedra e bronzeEstá associado à ANAP, ARTES, SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, SERRALVES

entre outrasTem participado com trabalhos que revertem para as mais diversas Instituições de

cariz socialOs seus trabalhos constam em vários livros de arte, catálogos, revistas e cartazes

nacionais e estrangeirosEstá representado em colecções particulares em Portugal e estrangeiro,

nomeadamente em França, EUA, Brasil, Itália, Inglaterra, Espanha entre outrosExpõe regularmente em Portugal e estrangeiroIndividualmente do seu currículo fazem parte cinco dezenas de exposições Colectivamente já participou em mais de uma centenaDo seu currículo fazem parte alguns prémiosIlustrou capas de livros de poemas e livros infantisTem lançada uma dezena de serigrafiasFoi Presidente da Artes, Associação Cultural do Seixal e Presidente do Conselho

Técnico, Director Artístico da Galeria Trindade-Lisboa e dirigiu mais de quinze anos a Galeria de Exposições da DGAJ/Ministério da Justiça

É membro honorário da Fundacción Abello em Barcelona e Académico de Mérito en la Academia Intercional Plattonia e das Letras y las Artes

Foi distinguido com a Medalha de Mérito Cultura, pela Câmara Municipal do Seixal.

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Ficha Técnica

Título: 25 folhas + uma de Abril caíram

Autor: Carlos Pé-Leve

Desenhos: Artistas Plásticos da ARTES

Capa: Fotografia/arte digital de Jorge Alves

Prefácio: Vera Silva

Texto: Junta de Freguesia de Amora

Apoios: Junta de Freguesia de Amora/ARTES-Associação Cultural do Seixal

Impresso: Gráfica Folhas Ilustres, Unipessoal, Lda. Cova da Piedade, Almada

Tiragem: 500 exemplares

Depósito Legal: 342157/12

Abril/2012