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    Bolar

    "Bolar", ou "cair no santo", indcio da necessidade da futura iniciao. Geralmenteacontece quando a pessoa participa de um "toque" e o orix a incorpora, ainda no estadoque os adeptos denominam de "bruto" (ainda no assentado ou "feito"). Bolar,

    aparentemente, como desmaiar. Mas o orix est ali. Tomou a cabea de seu filho, mesmocontra a vontade deste, cobrando sua iniciao. A "bolao" geralmente acontece enquantoas pessoas cantam e danam para os orixs, sendo significativa, para a identificao doorix ao qual a pessoa pertence, a divindade para a qual se cantava quando a pessoa bolou.

    Uma vez "bolada" a pessoa levada para o ronc ou para o quarto de santo, onde ser"acordada". Se depois de bolar uma ou mais vezes, a pessoa decidir se iniciar, o pai-de-santo consultar o orculo (jogo de bzios) para determinar que orix ser feito e como(com que folhas, de que modo, com que quantidades, que animais sero sacrificados etc.).O pai-de-santo prepara o ronc com a esteira sob a qual sero depositadas as devidasfolhas, as representaes materiais do orix (como quartilhes, alguidares,ferramentas, pratos etc.) e tudo o mais que ser necessrio durante o tempo do

    recolhimento. S ento feito o "toque de bolar", quando o abi (iniciando) ser levadopara o barraco onde, ao som dos atabaques, danar para o seu orix at que esteincorpore. Bolado, o abi ser recolhido, para s reaparecer em pblico no dia da festada sada.

    Durante este perodo, o abi vai sendo inserido no grupo atravs do aprendizado dasprticas rituais. Aprende a hierarquia da casa, os tabus, os preceitos, oraes para o seu epara todos os outros orixs, aprende cantigas, aprende a danar para o orix, aprende osmitos, os cumprimentos, suasobrigaes, enfia contas para compor seus colares iniciticos,reza, come e dorme. So vinte e um dias, em geral, em que ele permanecer dia e noite nacasa de santo, confinado ao ronc, dele saindo apenas para os banhos rituais ou outras

    cerimnias necessrias para sua purificao, como os ebs, que visam desligar o abi desuas ligaes com o mundo exterior, com as doenas, os mortos, a sexualidade, enfim,da vida anterior. Purificado o corpo, inicia-se o processo de assentamento do orix,propriamente dito.

    O Bori

    O bori consiste, segundo os adeptos, em "dar comida cabea", ao ori (que , em si, umaentidade), com o objetivo de fortific-la e ao mesmo tempo reverenci-la, pois o orix stomou aquela cabea (aquele ori) porque esta assim o permitiu. Nesta cerimnia sooferecidos alimentos secos e sangue de um pombo cabea do abi, iniciando a alianadefinitiva deste com seu ori e com seu orix. Do mesmo modo o bori, ainda quando feito

    fora do processo de iniciao, cria um vnculo do indivduo com a casa de santo e o obriga adeterminados comportamentos rituais.

    O Or

    Chega finalmente o dia do or, a cerimnia de assentamento do orix, na qual o abi tersua cabea depilada e sero sacrificados os animais correspondentes ao orix que estsendo assentado. Geralmente os orixs recebem como sacrifcio um animal "de quatropatas" (de acordo com suas preferncias caractersticas: para Ogun, por exemplo, sacrifica-se um bode escuro; para Oxum, uma cabra amarelada). Para cada pata do animal, deve-sesacrificar uma galinha. Outras aves, como galinhas d'angola, pombos e patos,tambm podem ser sacrificados. Alm da cabea, os assentamentos que foram preparados

    recebem tambm parte dos sacrifcios dos animais, pondo o corpo do iniciado em relaocom os smbolos do deus, unindo as vrias formas de um mesmo contedo: o orix.

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    Sendo a cabea considerada o ponto privilegiado da manifestao divina, nela que se faroos cortes rituais (abers) propiciatrios incorporao, bem como as pinturas feitas com astintas sagradas obtidas a partir da diluio de ps como o waji, o ossum e o efum (azul,vermelho e branco respectivamente). Tambm o Kel (colar de contas usado rente aopescoo, sublinhando a importncia da cabea que foi sacralizada) amarrado nesse

    momento e assim dever permanecer por um perodo de trs meses, durante os quais umconjunto preciso de interdies dever ser observado pelo ia. Finda a cerimnia, o agoraia, ainda no ronc, aguarda o dia de sua sada numa festa pblica.

    B - As cerimnias pblicas - o toque

    "Toque" o nome que se d, genericamente, cerimnia pblica de candombl. Como oprprio nome revela, "toque", esta uma cerimnia essencialmente musical. Seu objetivoprincipal a presena dos orixs entre os mortais. Sendo a msicauma linguagem privilegiada no dilogo dos orixs, o toque pode ser entendido como umchamado, ou uma prece, pedindo aos deuses que venham estar junto a seus filhos, seja pormotivo de alegria ou de necessidade destes.

    Os terreiros seguem um calendrio litrgico que estipula a periodicidade dos toques aolongo do ano. Motivos especficos podem transformar o toque numa festa. Assim, porexemplo, os terreiros que fecham por ocasio da Quaresma realizam o Lorogun, uma festade encerramento das atividades do terreiro. Em junho, so comuns as "Fogueiras deXang". Para Obalua, feita a festa do Olubaj, em agosto; em setembro realizam-se asguas de Oxal, o que tambm pode acontecer em dezembro. Em outubro, a Feijoada deOgun. As Festas das Iabs, como o Ipet de Oxum, acontecem em dezembro.

    Toques semanais e quinzenais tambm so comuns, principalmente quando tm a funode atender o pblico, como o caso dos candombls que cultuam as outras divindades queprestam servios mgico-religiosos atravs de "passes", conselhos e receitas de "trabalhos"

    para a soluo dosproblemas que lhes so apresentados. Apesar de ser comum que ummesmo terreiro conjugue toques de comemorao (festas) e de atendimento, issogeralmente no acontece simultaneamente. J as festas de sada de ia (de iniciao),ocorrem sem um calendrio previsvel, embora possam ser sobrepostas s demais. Todos ostoques acontecem no espao do terreiro denominado "barraco", onde se encontram osatabaques, frente dos quais canta e dana o povo-de-santo, separado (ainda que dentro deum mesmo ambiente) da assistncia, qual tambm reservada uma rea.

    Um toque comum comea, geralmente, pelo ritmo dos atabaques chamando a "roda-de-santo" (os filhos de santo organizados circularmente), tendo frente o pai-de-santo queentra tocando o adj (sineta), seguido pelos seus subordinados na hierarquia: me-pequena, pejigan, axogun, ogs. ekedes, outros ebomis, ias por ordem de iniciao ou

    organizados por "barcos" e, no "fim" da roda, os abis. Esta formao pode, ainda, dividir-se em duas rodas concntricas: a de dentro reservada aos ebomis (iniciados h pelo menos7 anos) e a de fora formada pelos demais. A me ou pai pequenos e as ekedes tambmcostumam tocar o adj. Nos toques festivos as roupas costumam ser de grande beleza,geralmente fazendo aluso, mesmo que no simples desenho do tecido, ao orix individualdo adepto. Neste dia so usadas as contas dos orixs, os brajs (colares de contastruncados), as faixas na cintura, os smbolos de ebomis e tudo o que identifique o statusreligioso do indivduo.

    A roda entra danando e, algumas vezes, cantando alguma cantiga prpria deste momento.Estando todos no barraco, os atabaques param, o pai-de-santo sada Exu e tem incio o

    pad, cerimnia que tem por finalidade "despachar" Exu (atravs da oferenda de farinhacom dend e aguardente), seja porque se acredite que ele possa causar perturbaes ao

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    toque, seja porque se acredite que ele o principal mensageiro e que abrir os caminhospara a vinda os orixs. Findo o pad, o xir prossegue. Xir uma estrutura seqencial decantigas para todos os orixs cultuados na casa ou mesmo pela "nao", indo de Exu aOxal. Durante o xir, um a um, todos os orixs so saudados e louvados com cantigasprprias, s quais correspondem coreografias que particularizam as caractersticas de cada

    deus. nesses momentos, de grande efervescncia ritual, que as divindades "baixam".Como a finalidade manifesta de um toque no altera a estrutura do xir, julgamos encontrara uma estrutura na qual se intercalam as cerimnias que lhe atribuem um carterespecfico, como o caso das festas de sada de ia, entre outras.

    As sadas de Ia

    A festa de Sada de Ia sempre muito concorrida e tida como uma das festas de maior ax,pois um orix est nascendo.

    O ia normalmente costuma fazer quatro aparies em pblico no dia da festa, conhecidascomo "sada de Oxal" ou "de branco", sada "de nao" ou "estampada", sada "do ekodid"

    ou "do nome" e sada do rum ou "rica". Na primeira "sada" o ia (em transe) entra sob o al(pano branco), totalmente vestido de branco, reverenciando Oxal. Cumprimenta a porta, oariax (ponto central do barraco), os atabaques, o pai-de-santo e, eventualmente, ame-pequena, com dobale e pa (cumprimentos rituais), sempre sobre a esteira. D umavolta danando de modo contido pelo barraco e se retira. Prossegue o xir.

    Na segunda sada o ia entra vestido e pintado com as cores da "nao". H quem diga, noentanto, que esta sada especifica a "qualidade" (avatar) do orix que est saindo. Ele seguenovamente a ordem dos cumprimentos, agora somente com seu jic (saudao que osorixs fazem com o corpo), uma vez que seu il (grito com que o orix se anuncia) s serconhecido aps a "queda" do Kel.

    A terceira sada, muito esperada, a sada do oruk (nome), tambm chamada "sada doekodid" (pena vermelha de papagaio, relacionada com a fala), momento em que o orixrevelar publicamente seu nome secreto, que parte de si mesmo. um momento degrande emoo, acompanhado de um certo suspense, estimulado pelos outros filhos desanto, que geralmente "viram" (entram em transe) ao ouvir o nome. Dito o oruk, osatabaques imediatamente comeam o adarrum (ritmo muito acelerado) e o orix levadopara vestir suas roupas de rum (dana), ou seja, suas vestes tpicas e suas "ferramentas"para voltar e danar, pela primeira vez, em pblico.

    Esta a quarta sada: a sada do rum ou "rica", quando o orix entra, sada os pontosprincipais com seu jic e dana suas cantigas. Geralmente, nessa sada, o orix danaapenas as msicas que lhe so atribudas e nenhuma outra, mas h casos em que o novo

    orix dana tambm para o orix do pai-de-santo. No convm, entretanto, fazer danardemais o orix muito novo. Findo o rum, toca-se para retirar o ia em transe da sala("cantar para subir", dizem os alabs) e o xir prossegue at as cantigas para Oxal,encerrando o toque.

    Toca-se ento para a entrada do ajeum, que pode conter as mais diversas comidas ebebidas, de acordo com o orix feito e com as posses do iniciado.

    II- A Estrutura Musical

    A msica, no candombl, tem um papel mais significativo que o mero fornecimento deestmulos sonoros aos diversos rituais. Ela pode ser entendida como elemento constitutivo

    do culto, dando forma a contedos inexprimveis em outras linguagens, termo aquientendido como articulao de signos e smbolos. Todos os rituais do culto esto apoiados

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    durante as cerimnias privadas, nas quais o uso de outros instrumentos (que no o adj)no freqente. Um instrumento com funes semelhantes o xere, um chocalho de metal,com haste, geralmente confeccionado em cobre e consagrado a Xang.

    Se a msica, dentro do contexto religioso assume tal importncia, a ponto de estar "nasmos" dos ebomis, vemos que eles j nasceram com ela, ou seja, significativo que um dos

    principais smbolos da iniciao seja o xaor, fieira de guizos que se amarram com palha dacosta aos tornozelos do ia e que produzem som ao menor movimento deste.Acompanhando o processo de iniciao, o xaor pode assumir vrias funes. Diz-se queafugenta os maus espritos e sacraliza os primeiros passos do iniciado. Possibilita, ainda,garantir o acompanhamento constante, pelo pai-de-santo, dos movimentos do er (espritoinfantil presente na iniciao).

    A produo da msica delimita ainda os papis masculinos e femininos. A maior parte dosinstrumentos tocada por homens, cabendo s mulheres o adj e, eventualmente, o agog.O canto, por outro lado, no privilgio de nenhum dos sexos.

    No sem motivo que os alabs so extremamente prestigiados e adulados nos meios do

    candombl, portanto. "Sem alab no tem candombl", dizem os adeptos. Dessa forma,cada casa procurar constituir o seu prprio trio de alabs, que devero passar peloprocesso de iniciao, pelo aprendizado musical e pela aquisio de repertrio. Como esteprocesso demanda um certo tempo e so necessrios trs alabs que por ele devero passar,existe, em So Paulo, com o crescimento do nmero de terreiros em funcionamento, umacerta dificuldade em encontrar estes "especialistas" da msica ritual. Essa dificuldade superada pelo intercmbio entre pais-de-santo mais velhos que "emprestam" seus ogs aoutras casas. Uma outra soluo, freqente, tem sido a contratao de alabs experientes eque asseguram o bom andamento dos toques. Isso possvel dada a relativa autonomia comque os alabs se relacionam com suas casas de origem. O costume de se pagar pelo serviodos ogs no , contudo, um fato novo. No contexto do rito a cerimnia do feleb

    (dinheiro), na qual os adeptos e visitantes atiram dinheiro num pano branco diante dosatabaques, ao som de uma cantiga apropriada, exemplo disso. O dinheiro arrecadado serdepois repartido entre os alabs.

    "Feleb,feleb feleb do og "".

    (rito angola)

    O processo de aprendizado musical e aquisio de repertrio pode acontecer no mbito doprprio terreiro, atravs da "suspenso" (indicao pblica feita pelo orix) de algum quetenha demonstrado (ou no) interesse ou habilidades musicais. Neste caso, o novo "alab"submete-se ao aprendizado com os ogs mais velhos. Quando isso no possvel, porque a

    casa no possui seus prprios alabs ainda, ser preciso que o pai-de-santo providencie deoutro modo estas aulas, freqentemente pagas, com alabs que se disponham a ensinar, oumesmo em instituies que promovem cursos de percusso em atabaques. Os alabs,entretanto, divergem quanto ao carter tico do pagamento por servios como "toques" oumesmo de aulas:

    "Eu acho que og que faz isso toca pra viver. Eu acho uma coisa errada. Acho que ocandombl no foi feito pra ningum ganhar dinheiro."(Jorge, 17 anos, alab do Ax Il Ob)

    "De repente, como cobrar jogo de bzios ou no."Paran, 33 anos, alab do Il Ax Omo Ogunj)

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    Paga ou no, a socializao na msica ritual segue processos semelhantes. Diferentementeda educao musical formal, a msica, no candombl, aprendida sem necessidade daescrita musical, sem o aprendizado dos conceitos universais, caracterizando um processoonde a intuio musical, o ouvido "exato", o ritmo inato adquirem maior importncia.Nesse sentido, a socializao musical acompanha a socializao religiosa.

    "Era um ensinamento muito rgido. Ningum tava ali pra brincadeira nem nada. Entoele (outro alab) cantava duas, trs vezes, explicava pra qu cantava, tudo. Eu decorava;seno muitas vezes eu escrevia. Tenho at hoje o caderno, tudo, com as cantigas que ele

    me ensinou. Eu acho que uma coisa difcil mas vale a pena (...)No comeo eu aprendi atocar g sozinho.De ouvir. Eu gostava de ver todo mundo tocando. Ficava grudado. Era

    louco pra aprender, mas no tem jeito de se falar. Se voc no passar por um, voc no

    aprende. Voc tem que passar por um pra aprender o outro. Seno voc se

    atrapalha. (...)Passei pro L. Depois do L, o Pi (Rumpi) uma coisa parecida. quaseautomtico voc passar (...) Eu dobro o Rum h uns dois anos e meio.(...) Fiquei muitotempo s tocando Pi e L. Pi e L, G...cansava (...)Agora eu s dobro." (Jorge)

    Uma vez aprendidas as noes bsicas de ritmo e repertrio, o conhecimento musical seenriquecer atravs da maior participao dos alabs na vida da comunidade, seja no seuterreiro ou nos terreiros que visitam.

    "Voc aprende o bsico. O resto experincia" (...)Calha de eu ir numa casa de santo,numa festa, eu aprendo. Seno eu compro disco, com cantigas que eu no conheo e

    aprendo...s ouvindo, conversando com os ogs..."(Jorge)".

    Esse trnsito pelos vrios terreiros permite aos alabs o contato com as diferentesmodalidades de rito (Ketu, Angola, Jeje...) possibilitando, por vezes, que os prprios pais-de-santo usufruam deste conhecimento genrico. Em algumas ocasies so os prprios ogsalabs, ao lado do pai-de-santo, que realizam cerimnias de repertrio especfico como o

    axex (rito funerrio).Tambm o crescente nmero de gravaes, em discos e fitas, de msicas rituais, temrespondido demanda por esse tipo de artigo como fonte de complementao derepertrio. Evidentemente essa demanda no se restringe aos alabs, mas so eles seusprincipais consumidores e, geralmente, produtores.

    Nesse contexto, conhecer a seqncia exata das cantigas apropriadas a cada momento,como "aquela que se canta pro Ogun danar com o mari" (folha de dendezeiro desfiada), sinal de prestgio e poder. Da as cantigas se converterem em verdadeira "moeda", com aqual se realiza a troca de conhecimento entre os membros do culto.

    Ritmos e Repertrios

    A msica ritual do candombl costuma ser chamada de "toada" ou "cantiga", sendo este otermo mais usado em So Paulo, atualmente.

    "Em candombl a gente no chama "msica". Msica um nome vulgar, todo mundo fala. um...como se fosse um or (reza)...uma cantiga pro santo". (Jorge)

    Aqui, entenderemos "cantiga" como um poema musicado, ou seja, a sobreposio de letra amelodia. Desse modo podemos classificar as cantigas em dois grupos principais: aquelasdestinadas s cerimnias privadas (de ronc), cuja letra (em portugus ou fragmentos delnguas africanas) alude s etapas do rito e aquelas das cerimnias pblicas (de barraco),cuja distino em relao s primeiras se d pela referncia aos mitos e pela presena do

    ritmo, executado pelos atabaques. Entretanto, as mesmas cantigas cantadas no barracopodem, por vezes, serem ouvidas no "ronc", sem o ritmo caracterstico. Nos candombls

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    ao tempo de Arthur Ramos (1934:163), contudo, o ritmo acompanhava as cerimniasprivadas.

    A presena do ritmo no barraco parece estar associada dana, que rememora os atributosmticos das divindades. Desse modo, um deus guerreiro, como Ogun, estabelece umacoreografia na qual os movimentos sero geis, rpidos e vigorosos, adequando-se ao ritmo

    executado, diferentemente dos passos lentos, fluidos e ondulantes de Oxum, uma deusa dasguas.

    "Eu vejo a msica como a...representao de expressar a dana do orix, o preceito, o queele faz, como ele vive...Como se fosse eu falando da minha vida ou cantando alguma coisa

    para ele." (Jorge).

    Assim, com seus ritmos caractersticos, cada orix expressa, na linguagem musical egestual, suas particularidades, criando uma atmosfera na qual estas se tornam inteligveis eplenas de sentido religioso. Da podermos falar dos ritmos mais freqentes no candomblem termos do que representam e de sua relao com as entidades s quais homenageiam.

    O adarrum o ritmo mais citado como caracterstico de Ogun. um ritmo "quente", rpidoe contnuo, que pode ser executado sem canto, ou seja, apenas pelos atabaques. Pode,tambm, ser executado com o objetivo de propiciar o transe. O toque de bolar, por exemplo,se faz ao som do adarrum.

    O aguer o ritmo de Oxssi. acelerado, cadenciado e exige agilidade na dana, domesmo modo que a caa exige a agilidade do caador. O ritmo de Obalua o opanij, umritmo pesado, "quebrado" (por pausas) e lento. Este ritmo lembra a circunspeo deste deusdas epidemias, ligado terra.

    O bravum, embora no seja atribudo especialmente a algum orix, freqentementeescolhido para saudar Oxumar, Ew e Oxal. um ritmo relativamente rpido, bem

    dobrado e repicado. A dana preferida de Xang se faz ao som do aluj, um ritmo quente,rpido, que expressa fora e realeza recordando, atravs do dobrar vigoroso do Rum, ostroves dos quais Xang o senhor.

    Ijex, o nico ritmo tocado com as mos no rito Ketu , por excelncia, o ritmo de Oxum. um ritmo calmo, balanceado, envolvente e sensual, como a deusa da gua doce, qual fazaluso. Ele tocado ainda para o orix filho de Oxum, Logun-Ed e, algumas vezes paraExu e para Oxal.

    Para Ians, divindade dos raios e dos ventos, toca-se o ag, ilu, ou aguerde Ians, termosque designam um mesmo ritmo que, de to rpido, repicado e dobrado, tambm conhecido como "quebra-prato". o mais rpido ritmo do candombl, correspondendo

    personalidade agitada, contagiante e sensual desta deusa guerreira, senhora dos ventos eque tem poder de afastar os espritos dos mortos (eguns).

    Sat, um ritmo vagaroso e pesado, geralmente tocado para Nan, considerada a anci dasiabs (orixs femininos).

    O bat, talvez um dos ritmos mais caractersticos do candombl, pode ser tocado em duasmodalidades: bat lento e bat rpido, sendo o primeiro executado para os orixs cujadana comedida denota certas caractersticas de suas personalidades, como a dana deOxaluf, o deus arcado e velho que, com seu paxor (cajado), criou o mundo.Significativamente, o termo bat, designa tambm o tambor de duas membranas, afinadaspor cordas, cujo uso nos candombls do Norte e Nordeste do Brasil to difundido que

    talvez por este motivo o ritmo tenha tomado seu nome, ainda quando no executado poreste instrumento.

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    Vamunha um outro ritmo, tambm conhecido por: ramonha, vamonha, avamunha,avania ou avaninha, tocado para todos os orixs. um toque rpido, empolgado e tocadoem situaes especficas como a entrada e sada dos filhos de santo no barraco e para aretirada do orix incorporado. nesse momento que o orix sada os pontos de ax da casae se retira sob a aclamao dos presentes.

    Todos os toques (ritmos) acima so caractersticos do rito Ketu e, conforme procuramosdemonstrar, associam letra, melodia e dana que, integrados, "narram" a experinciaarquetpica dos orixs, vividas em nvel individual e grupal e cujo pice o transe. Algunsdestes ritmos so to personalizados dos orixs que podem dispensar as letras ou mesmo adana como elemento de identificao. o caso do aluj, do opanije do ag(quebra-prato), consagrados a Xang, Obalua e Ians, respectivamente.

    No rito Angola, o repertrio rtmico composto por trs polirritmos bsicos e algumasvariaes sobre estes. So eles: cabula, congoe barravento(do qual a variao maisconhecida a muzenza). Todos so ritmos rpidos, bem "dobrados", repicados e tocados"na mo" (sem varinha). De modo geral, todas as divindades podem ser louvadas com

    cnticos ao som de qualquer dos trs: sejam os orixs, inkices, ou aquelas tidas comooriginrias dos cultos amerndios (caboclos ndios e boiadeiros). A prpria aceitao doselementos nacionais sobrepostos s influncias africanas no candombl angola perceptvel, principalmente pelas letras das cantigas, cantadas em portugus e mescladasaos fragmentos das lnguas "bantu". No Ketu a tolerncia ao portugus mais restrita e ascasas de Ketu que cultuam caboclos estabelecem uma "mediao" que intercala, na ordemdoxir, o toque dos caboclos. Assim, para que o "xir Ketu" possa abrigar as toadas decaboclo preciso que ocorra uma "transio musical", na qual o toque "vira para Caboclo",no sem antes serem cantadas algumas cantigas de angola como este ingorossi(reza):

    "Sequec di quan DandalundaSequec di quando eu and...".

    (rito angola)

    Desse modo, vemos como os repertrios musicais referendam as sobreposies dosmodelos angola e ketu, sendo um dos elementos principais para sua afirmao eidentificao. No caso do candombl angola, inegvel que um repertrio cuja letra permiteassociaes com palavras em portugus, estabelea uma comunicao muito mais direta efcil, inclusive entre a divindade e o interlocutor, tornando-se mais "inteligvel" e maisfacilmente memorizvel. Eis um exemplo:

    "Fala mameto caiangKicongo quando comeLemba di l ".

    (cantiga de Obalua - rito Angola)

    "A seu kafunOmulu que belo ojA a seu Kafun"(idem)

    O mesmo acontece com as toadas ou "salvas" de caboclo (cantiga com que o caboclo seapresenta), cujas letras costumam ser em portugus e relatam acontecimentos relacionadosa sua "vida" mtica, entre outras coisas. Como esta:

    "Eu vinha pelo rio de contas

    Caminhando por aquela rua

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    Olha que beleza!Sou boiadeiro do claro da lua"

    Ou ainda esta outra:

    "Campestre verde, meu Jesus (bis)

    Madalena chorava aos ps da cruzCom sete dias, minha me me deixou (bis)Me deixou numa clareira, Ossanha que me criou"

    Nesse sentido, os ritmos angola compartilham um repertrio musical muito mais prximodo modelo de msica popular brasileira, dentro da qual o samba a principal expresso.No de se estranhar que um toque de angola seja tambm chamado de "samba de angola",fazendo referncia no apenas semelhana dos ritmos, mas tambm alegria edescontrao da dana. Ao contrrio da coreografia Ketu, caracterizada pelasparticularidades do orix e conduzida pelo ritmo, no angola um nmero bem menor devariaes rtmicas admite um leque maior de danas, incluindo a dos caboclos, que danamcom maior inventividade. Por outro lado, alguns ritmos podem caracterizar situaes

    rituais precisas, que terminam por eles sendo denominadas. o caso do "barravento" que,sendo um toque rpido e propiciatrio ao transe (e portanto semelhante ao adarrum noKetu), acaba denominando os movimentos que prenunciam o transe. Tambm o ritmomuzenza (uma "variao" do "barravento") pode designar a dana, curvada, caractersticada primeira sada pblica de iniciao no angola, tambm chamada de "sada de muzenza",smbolo da humildade do iniciado.

    De qualquer modo, atravs da msica ritual que as diferenas entre as "naes" soobservadas, revelando a forma do culto no s pela maneira como se toca mas, tambm,como se canta, o que se canta, como se dana, para quem e em que ocasies. Entretanto,apesar de haver um repertrio bsico, compartilhado pelas diferentes casas de uma mesma

    "nao", a apropriao das cantigas se d de modo diferenciado. Certas cantigas como:"Ina, ina mojub Ina mojub"(rito Ketu)

    usualmente dedicada a Exu, tambm pode ser ouvida ao som do aluj, para Xang. Talvezpela referncia ao fogo (ina) ao qual ambos esto associados. Ainda a cantiga:

    "Xaxar bal con abal bal"(rito Ketu)

    pode ser ouvida para Ians ou para Obalua. No primeiro caso o elemento que adquire maissignificado o termo bal (relativo casa dos mortos), ao qual Ians est associada, sendoinclusive chamada, em uma de suas "qualidades", por este nome: Ians de Bal. Nosegundo caso o termo privilegiado xaxar, a vassoura simblica de Obalua, com a qualeste envia ou retira as pestes do mundo.

    Como cantar uma atitude onde se busca o contato com foras divinizadas, no importatanto uma traduo literal resultante de uma ordenao sinttica (o que seria impossveldado o vocabulrio residual das lnguas africanas aqui existente). Importa, antes, osignificado atribudo e justificado pelo uso da "lngua" dos antepassados e o saber a elesatribudo. Como aponta Yeda Pessoa de Castro, "importa saber, por exemplo, para quesanto e em que momento deve ser cantada tal cantiga e no o que essa cantiga significa

    literalmente" (CASTRO, 1983:85).

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    Dessa forma, o que realmente importa que a msica sempre far aluso, pela escolha dequalquer dos seus elementos, a momentos significativos do rito, no s ordenando-o mas,ao mesmo tempo, estabelecendo uma identidade entre aqueles que compartilham destesignificado que "norteia" a relao do indivduo com seus deuses.

    III - A Msica no Contexto Ritual

    A- A msica como elemento ordenador

    So vrias as circunstncias em que a msica ordena os acontecimentos ou o prpriotempo. A cantiga em que se bolou pela primeira vez (chamada pelos adeptos de "cantiga demorte"), por exemplo, imprime uma marca na vida pessoal do ia. Far parte de seu estojode identidade religiosa.

    O bori, um ritual pleno de detalhes, inteiramente marcado por cantigas que imprimemuma certa ordem na cerimnia. Primeiro, canta-se a sassain, seqncia de cantigaslouvando cada uma das folhas que comporo o amaci (banho de ervas) com que o ori serlavado. Nesse caso a sassain ordena a prpria seqncia em que as folhas entraro no ritual.

    Por exemplo: a primeira folha a entrar no amaci o peregun, uma folha de Ogun. Aprimeira cantiga da sassain ser, portanto:

    "Peregun alax ti tunPeregun alax ti tu Bab peregun ala ojo re sPeregun alax ti tu (rito Ketu)

    E assim, toda uma seqncia, com mesma melodia e letras diferentes para folhas diferentes.Durante todo o tempo, soa o adj. Cada folha, sendo louvada particularmente, torna cadamomento do ritual particularizado e inesquecvel. Cada folha sagrada e por isso para ela

    se canta. Cada momento , portanto, sagrado."Uma cantiga pode estragar a vida de muita gente. Voc canta uma cantiga errada, voc

    pode estar estragando sua prpria vida" (Jorge)

    Durante a estadia do abi no ronc (quarto reservado ao recolhimento), a msica servirainda como elemento ordenador do prprio tempo. Existem cantigas a serem cantadas aoamanhecer, ao entardecer, ao anoitecer, as cantigas que devem ser cantadas antes dasrefeies, as cantigas dos banhos rituais e inmeras outras. Canta-se, por exemplo, nascasas de angola, antes das refeies, a cantiga:

    Sodara, sodaraKi sama dobKeb, kebai, ai "".(rito angola)

    Durante a qual o ia segura, com ambas as mos a dilong(prato de gata), fazendomovimentos para o alto, para baixo, para a esquerda e direita, num gesto que sacraliza oalimento. Essas cantigas so sempre ensinadas pela "me-criadeira" ou "jibon", quecostuma ser uma ebomi, qual o ia sempre dever reverenciar. Tambm os banhos rituais,especialmente os noturnos (maiongas), so acompanhados por cantigas como esta cantadapela me-criadeira acordando os ers, do lado de fora do ronc:

    -"Maionga, maiongu, cad cambono"

    Os ers respondem:

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    -"Meu tata t chamando maiongu"

    E, finalmente, todos juntos:

    "Fala maiongomb!Tot, tot de maiong"

    (rito angola)Ou ainda, no rito jeje, canta-se a seguinte cantiga:

    Ajarr na do kenk un tkenk un t, kenk un tSob ja r"(rito jeje)

    Desse modo, a rotina do recolhimento vai sendo construda a partir das tarefas que cabemao ia executar. E como cada tarefa est vinculada ao momento musical, a construo dotempo se faz como num relgio cujos ponteiros so as cantigas. A msica , pois, a principalforma de expresso do ia neste momento, uma vez que lhe interditado o uso da palavra.

    nesse contexto, do recolhimento, espera-se que uma nova personalidade seja forjada,inclusive pela utilizao de um repertrio aprendido no s em termos musicais mas,tambm, de um vocabulrio especfico do culto, formado pelos termos de origem africana,conhecidos como "lngua-do-santo".

    No or, a mais importante das cerimnias da iniciao, o carter sacralizante e ordenadorda msica percebido em sua plenitude. Tudo deve ser acompanhado pela msica; mesmoos intervalos entre uma etapa e outra da "feitura" e, portanto, entre as cantigas, devem serpreenchidos pelo som dos adjs, agitados ininterruptamente pelas ekedes.

    Todos os momentos tm suas cantigas prprias, comeando pela depilao da cabea quedeve ser feita aludindo-se ao orix ao qual est sendo consagrada e ao instrumento

    depilador, a navalha. Nos momentos que se seguem, e que tm por funo preparar acabea para receber os sacrifcios, canta-se para a abertura dos abers (incises corporais) ea introduo, neles, dos ps sagrados (axs), para as tintas que comporo a pintura dacabea, para amarrar o kel, pendurar as contas da divindade no pescoo do iniciado ouqualquer outro ato prescrito pela "nao", terreiro ou mesmo orix.

    O mesmo procedimento se d no momento dos sacrifcios, cantando-se para a entrada dosanimais no quarto de santo, distinguindo-os a seguir, um a um, por cantigas (bichos de"quatro-ps", galinhas, pombos etc.) e, finalmente para a faca (que pode ser uma cantiga deOgun, o dono da faca) e para o sangue que dela escorre:

    "Ej xor xor

    Ej bal kaar(rito Ketu)

    A presena, nesta cantiga, de termos ioruba como ej (sangue), or (cerimnia) e bal(relacionado morte) reforam o sentido de sua utilizao neste momento exato. E, umavez que foram "lidas" atravs destes elementos, podero ser utilizadas em outras cerimniasdo candombl, como os ebs (rituais de "limpeza") e obrigaes a Exu, nas quais a presenado sacrifcio indispensvel.

    Essa ordenao musical no acontece apenas nas cerimnias privadas; ela se d tambmnas sadas pblicas do ia e no toque como um todo. A "sada de Oxal" por exemplo,comporta cantigas relacionadas a Oxal ou que faam referncia condio do iniciado

    (ia). No primeiro caso, podem ser cantadas cantigas como estas:

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    "Efum bab, efum babBab mi xor"(rito ketu)

    Ou ainda:

    Onis ur, aun laxOnis ur oberi om, onis urAun lax bab, onis ur oberi omAun lax "(rito Ketu)

    Aqui, novamente, a presena dos termos bab (pai) e efum (branco) associados a Oxal,parecem justificar sua incluso nesta sada. O mesmo acontece com os termos ia(iniciados, "esposa dos orixs") ou muzenza (iniciados mas, tambm, dana e ritmo) queaparece nas cantigas do segundo caso:

    "Ia jej, ia nu b lon

    Ia nu b lon, ia nu b lon"(rito ketu)

    " muzenza, muzenza kassange muzenza, muzenza cob"(rito angola)

    A referncia pode ser, ainda, ao significado da esteira (eni) sobre a qual o ia se debrua:

    " j eni ke wa Ke wa , ke wa j, ke wa Ke wa j arrun b l"(rito ketu)

    Na segunda sada, a msica continua sendo uma prece, na qual se pede que os caminhos(on) sejam abertos permitindo (ag) que a "nao" do terreiro se perpetue atravs deinmeros smbolos como as pinturas rituais, as cores, as vestes, embora no exista umconsenso quanto a isto entre os diversos terreiros de uma mesma "nao". Canta-se nestaocasio, cantigas como:

    "Ag, ag lonAg lon did wa mo dag"(rito ketu)

    Ou, ento:

    "A a kuzenzeA a kuzenze catu mandarOlha eu tatetoKuzenze catumandarOlha eu mametoKuzenze catumandar"(rito angola)

    Na sada "do ekodid" este o principal termo recorrente nas cantigas j que ele que,amarrado testa do ia, permitir que o orix grite seu nome:

    "Ekodid ken

    ib o lIb o l om orix

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    "Ebomi la urEbomi la urA, a, aEbomi la ur"(rito Ketu)

    Com relao ordenao feita pela msica no toque como um todo, vemos que durante oxir que ela se evidencia, pois alm de uma estrutura seqencial da ordem das louvaes(atravs de cantigas), o xir denota, tambm, a concepo cosmolgica do grupo. Porexemplo: muitas casas de ketu costumam seguir esta ordenao de orixs: Exu (porque ointermedirio entre os homens e os orixs), Ogun (a seguir, porque o dono dos caminhose dos metais e sem ele e suas invenes da faca e da enxada o sacrifcio aos orixs e otrabalho na terra estariam impedidos; diz-se, tambm que irmo de Exu); Oxossi (porque irmo de Ogun e porque est ligado sobrevivncia atravs da caa e da pesca), Obalua(porque o orix da cura das doenas ou aquele que as traz), Ossain (dono das folhas quecuram, da sua ligao a Obalua e tambm porque nada se faz sem folhas no candombl),Oxumar (por sua ligao com Xang, como escravo deste e como aquele que faz a ligao

    entre o cu e a terra), Xang (deus do trovo e do fogo, trazido por Oxumar), Oxum(esposa favorita de Xang), Logun-Ed (o filho de Oxum com Oxossi), Ians (que no mitocriou Logun-Ed quando Oxum o abandonou), Ob (tida em muitas casas como irm deIans e terceira mulher de Xang), Nan (a mais velha das iabs), Iemanj (a dona dascabeas e esposa de Oxal) e, finalmente, Oxal, o senhor de toda a criao.

    Algumas casas, entretanto, seguem outra ordem: Ogun, Oxssi e Ossain (so irmos)Obalua, Ew, Oxumar e Nan (trs irmos e sua me tidos como de "nao" jeje), Oxum,Logun-Ed, Ians e Ob (pelos mesmos motivos da ordem anterior), Xang e Iemanj (filhoe me) e, por fim, Oxal. Esta seqncia parece privilegiar os vnculos de parentesco e de"nao", enquanto a primeira privilegia os acontecimentos mticos que colocam em relao

    os orixs. Seja qual for a seqncia e sua concepo cosmolgica, ela costuma ser fixa paracada casa. ela que, de alguma forma norteia os acontecimentos do toque, fazendo, entreoutras coisas, com que os adeptos observem, atravs das msicas, os momentosapropriados ao cumprimento da etiqueta religiosa como, por exemplo, pedir a bno aopai-de-santo quando se toca para o orix deste.

    Num toque comum, costume cantarem-se de trs a sete cantigas para cada orix.Entretanto, em alguns casos, possvel que os ogs, ou o pai-de-santo, cantem uma "rodade Xang", que consiste em "puxar" (cantar) uma seqncia pr-estabelecida de cantigasdeste orix. Neste caso, comum que o pai-de-santo entregue aos ebomis de Xang o xere,que estes devero tocar, provocando a vinda dos orixs de todos os filhos. Os abiscostumam bolar neste momento e ficaro no cho at que seja possvel tocar a vamunha

    para retir-los. Em outros casos os orixs "viram" durante o transcorrer do xir, seja em suacantiga ou em qualquer outro momento do toque.

    Cantando para Exu, o toque comea pelo pad, como j dissemos e, geralmente, com estacantiga:

    "Embarab, ag mojubEmbarab, ag mojubOmod coecExu Marab, ag mojubLebara Exu on"(rito Ketu)

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    No rito angola, estas trs cantigas so sempre cantadas dando incio ao pad e na seguinteordem:

    (1a)" gira gira mavamboRecompenso

    Recompenso a"

    (2a)"Exu apaven".Exu apavenSua morada au"

    (3a)"Bombogira ke ja ku janjeBombogira ja ku janjAir o l l"(rito angola)

    Ou, ainda, fazendo uma clara aluso ao convite para aceitar a oferenda, que caracteriza acerimnia:

    "Aluvai vem tom xoxAluvai vem tom xox"(rito angola)

    Ou ainda:

    "Sai-te daqui AluvaiQue aqui no o teu lugarAqui uma casa santa

    casa dos orixs"(rito angola)

    Encerrado o pad, as cantigas devem acompanhar as prximas etapas, ainda propiciatriasao bom andamento do toque. No rito angola segue-se "limpeza" do ambiente com pemba(p de giz branco) ou ainda plvora:

    "O kipemb,o kipembe ewizakassange ewizad'angolao kipemb

    samba d'angola"(rito angola)

    "Pemba eu akassange apogondPemba eu akassange apogondPemba eu akassange apogondOi kipemb"(rito angola)

    No rito ketu a cerimnia da pemba e da plvora no ocorre. Em algumas casas, em lugardela procede-se cerimnia dos cumprimentos, quando se canta uma das seguintescantigas:

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    "Olorum pa v dAx ori, ax, orix"(rito ketu)

    "(orix) mojub Ib orix, ib onil"

    (rito ketu)

    No caso da segunda cantiga, ser trocado o nome do orix conforme o patrono da casa.

    Da por diante a msica prossegue dividindo o "tempo" do toque em segmentos precisos, deconvergncia das louvaes a cada orix, da dana, das atitudes de maior ou menor empatiados participantes, enfim, em "blocos" que, somados, recompem a "vida" dos orixs na vozde seus filhos. Assim, comum ouvirmos referncias ao andamento do toque em termos do"tempo musical" do xir: "Fulano chegou atrasado. O toque j estava em Iemanj".

    Quando o motivo do toque uma festa, essa festa intercalada na estrutura do xir, ou seja, costume levar o xir at o momento em que se canta para o orix festejado, quando este

    "vira" e levado para vestir, ao som da vamunha. Pode haver (ou no) um intervalo para odescanso dos alabs, at que o orix volte, agora paramentado, sendo recebido com acantiga:

    "Ag, ag lonAg lon did wa mo dag"(rito ketu)

    "Tot, tot de maiongMaiongongu"(rito angola)

    No barraco, o orix danar, ento, ao som de seus ritmos favoritos. Uma vez encerrados

    os acontecimentos relacionados comemorao, a seqncia do xir imediatamenteretomada do exato ponto onde havia sido interrompido, devendo-se cantar para Oxalapenas quando no estiver prevista mais nenhuma cerimnia pois, cantar para Oxalsignifica "fechar o toque".

    Encerrado o xir, segue-se o ajeum (refeio), apresentado com a cantiga:

    "Ajeun, ajeun, ajeun, ajeun b"(rito ketu)

    Findo o toque, de modo significativo, os atabaques so cobertos por um pano branco,indicando que o fim da msica o fim da festa e que, sendo os atabaques criadores e

    sacralizadores da msica, mesmo durante os momentos em que no so usados devemindicar esta condio, permanecendo sob a proteo de Oxal.

    B- A msica como elemento de identidade

    A adeso ao candombl um processo complexo, paulatino e que envolve um aprendizadominucioso de cdigos religiosos que, possvel dizer, comea na iniciao. Tal aprendizadose d no mbito das relaes do grupo do terreiro ou da comunidade do "povo-de-santo". tambm regulado pelo tempo de iniciao que, alocando o iniciado dentro de uma estruturahierrquica precisa, delimita posies e papis. Assim, a insero do indivduo nacomunidade vai sendo feita atravs da acumulao dos fundamentos religiosos queestabelecem o tipo de relao do indivduo com seu deus e com os demais membros do

    culto.

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    Sendo a msica uma das expresses desses fundamentos religiosos, ela tambm partesignificativa na formao da identidade, tanto no nvel individual quanto grupal.Assim, uminiciado trar consigo um repertrio musical pessoal, do qual fazem parte as cantigas queesto associadas aos momentos decisivos de sua experincia religiosa. Este repertrioconter a cantiga na qual ele bolou, o adarrum para o recolhimento, as cantigas do bori, as

    que quebraram a mudez do recolhimento, as do amanhecer, do entardecer, da maionga,aquelas prprias de sua divindade e o prprio som do adj que, acompanhando as rezas e ascantigas, se constituir num forte apelo para propiciar o transe, revivendo a ligaoestabelecida durante a iniciao.

    Podemos dizer destas cantigas de situaes rituais especficas que, embora sejam parte deum repertrio comum a todos os iniciados do mesmo terreiro, sua apropriao por parte decada indivduo remete a contedos psicolgicos diferenciados. Alm disso, elas se somam aoutras, como as de seu orix, da "qualidade" deste, da "nao" qual pertence etc. Como,por exemplo, a cantiga:

    "A, Od arer, ok

    orix erCo ma fa Akuer"(rito ketu)

    que sada Od (o orix Oxossi) na sua qualidade Akuer.

    Um exemplo de cantiga da "nao" ketu esta que, ao ser executada faz com que todosreverenciem o cho, em sinal de respeito:

    "Araketur, araketurAra mi maw"(rito ketu)

    Aqui a referncia feita a Araketu, "gente de Ketu".O prprio nome religioso do indivduo (dijina) freqentemente inspirado por termos quecompem a letra destas cantigas, sendo possvel identificar, atravs da dijina, o orix dapessoa. Exemplo: uma filha de Nan pode ser chamada Nandar, termo que aparece naseguinte cantiga de Nan:

    "Nana, nanjetuNanjetu, nandar"(rito ketu)

    Filhas de Oxum podem ter seus nomes iniciados pela palavra Samba (Samba Diamongo,Samba Queuamzi, Samba Delec), inspirados na cantiga:

    "Samba, Samba monametaKe zina Ke cKi samba Samba monametaKe sina ke cKi samba"(rito angola

    Alm do repertrio pessoal, o indivduo participa, ainda, do repertrio do grupo, queconsiste nas cantigas do orix do pai-de-santo, dos ebomis da casa como ogs, ekedes, me-criadeira, irmos de barco, enfim aquelas que, ao determinar a ordem das reverncias

    (quem pede e quem d a bno) estabelecem a hierarquia do terreiro e localizam o

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    indivduo numa determinada posio. Existem, inclusive, cantigas prprias dos cargos dacasa:

    ", , ekede zinguekede zing, ekede kissang"

    (rito angola)

    Ou, do status religioso:"Xique xique nu atopEbomi nu caiang"(rito angola)

    Alm disso, a chegada de ebomis na casa tambm obriga a uma ligeira interrupo damsica, para que os "couros" (atabaques) "dobrem" em homenagem ao recm-chegado.

    Estando a msica intimamente relacionada condio hierrquica, at mesmo as pausasentre uma cantiga e outra revelam isto: a roda dos ias deve agachar-se enquanto a roda

    dos ebomis permanece em p. Ainda o pa (palmas ritmadas), com o qual se louvam osorixs e se reverenciam os ebomis, indica, musicalmente, a alta posio de quem o recebe. Emais, se considerarmos terreiros de ritos diferentes, poderemos ver que esta identidadecontrastiva "localiza" os grupos por "naes" construindo-se, musicalmente conforme jvimos, atravs dos ritmos, do modo de tocar, das letras, das melodias, enfim do repertrioque contempla cada panteo, associado, evidentemente, aos demais elementos do culto.

    Concluso

    A msica ritual do candombl, tanto em cerimnias pblicas quanto privadas, ultrapassa ovalor meramente esttico, ou mesmo de elemento propiciador atmosfera religiosa, paraexercer a funo de elemento constitutivo em todas as instncias do culto. Alm disso, ela

    tem funes de ordenao bastante claras, sendo tambm um dos elementos atravs dosquais as identidades dos adeptos e dos terreiros e "naes" so construdas e se expressam.

    No sem motivo, como registra Nina Rodrigues em 1932, que os jornais do final do sculopassado pediam providncias contra a atuao dos terreiros, chamando a ateno para os"estrondosos rudos dos atabaques e dos chocalhos" e "vozearia dos devotos" queperturbavam o "sossego" e o "silncio pblico" com "vergonhosos espetculos". O quedemonstra a importncia da percepo sonora pelos "de fora" na construo da imagem docandombl. Percepo desagradvel ou no conforme o contexto social e cultural maisamplo onde ela se d. Assim, aos tempos de perseguio religiosa, quando a msica docandombl era tida como "estrondosos rudos", seguiu-se um tempo de tolerncia e um devalorizao da musicalidade de origem africana em geral (jazz. blues, reggae, samba,gospell, spirituals) que, num processo dialtico, contribuiu para a melhor compreensotanto do candombl quanto de sua esttica musical.

    Para os "de dentro", a msica do candombl no se prende tanto a um julgamento esttico,na medida que uma linguagem, onde o que importa o sentido que o som adquireenquanto emanao do sagrado. Assim, at mesmo o "rudo" dos bzios, chocalhando entreas mos do pai-de-santo, pode ser entendido como a fala do deus da adivinhao que"escrever" na peneira, com os bzios, as respostas s dvidas do homem. Ou mesmo osrojes das "Fogueiras de Xang" que refazem no cu o som do deus-trovo.

    claro que as religies em geral tm a msica como importante elemento de contato com osagrado, seja no caso em que ela proporciona o contato mais ntimo com o eu, como ocaso dos mantras das religies orientais, seja no caso em que sua funo a de integrar osindivduos numa "nica voz", como o caso das religies pentecostais, entre outras, em que

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    os fiis cantam em unssono os hinos de louvao. O candombl, entretanto, parece reunirestas duas dimenses: a do contato com o eu, atravs das divindades pessoais, e a docontato com o outro, estabelecidas musicalmente. Mas, ao contrrio de outras religies, nocandombl a msica no um momento entre os demais. Todos os momentos rituais so,em essncia, musicais. Assim, para que os deuses estejam entre os homens ou para que

    estes ascendam aos deuses preciso cantar; cantar para subir.Este trabalho foi apresentado pela primeira vez em 1988, nos Seminrios deEtnomusicologia, coordenados por Tiago Oliveira Pinto e Max B, no PPGAS/USP epublicado em 1992 na revista RELIGIO & SOCIEDADE n.16/2, ISER, Rio de Janeiro.

    Notas

    1 - Os aspectos do intenso intercmbio das prticas rituais afro-brasileiras e do processotransformativo pelo qual passam em So Paulo, tm sido o objeto das pesquisas que osautores deste trabalho vem desenvolvendo junto ao Departamento de Antropologia daFaculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.

    2 Pessoa iniciada pelo mesmo pai-de-santo, portanto atravs de rituais onde a "folha" umdos principais elementos.

    3 - Ogs e ekedes tambm passam pelo "toque de bolar", mas neste caso a inteno contrria: provar que no viram no santo em nenhuma hiptese.

    4 - Grupo de pessoas iniciadas juntas e portanto com mesma "idade de santo".

    5 - Sobre a relao do agog com a marcao do ritmo ver o que diz Edison Carneiro sobrea origem do termo, derivado de akok, relgio. (CARNEIRO, 1981:74).

    6 - Sobre a relao entre o xaor e os abiku, ver o que diz Pierre Verger a respeito do xaorcomo elemento de proteo. (VERGER,1983:138).

    7 - Nos candombls de So Paulo costume os alabs cantarem o xir dos orixs.

    8 - Esta no , evidentemente, caracterstica exclusiva do Angola.

    9 - "Quebrar muzenza" outra expresso usada pelo povo de santo que significa "danarmuzenza".

    10 - Edison Carneiro j registrava essa cantiga em candombls bantu em 1939(CARNEIRO,1981:189).