223562 (4)
TRANSCRIPT
-
A REUTILIZAO DO PATRIMNIO EDIFICADO COMO MECANISMO DE
PROTEO: uma proposta para os conjuntos tombados
de Florianpolis
Adriana Fabre Dias
Orientadora: prof. Snia Afonso, Dr. Programa de Ps- Graduao em Arquitetura e Urbanismo/ PSARQ
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
*Edificaes tombadas, fonte do autor.
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC CENTRO TECNOLGICO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARQUITETURA E URBANISMO
ADRIANA FABRE DIAS
A reutilizao do patrimnio edificado como mecanismo de proteo: uma proposta para os conjuntos tombados
de Florianpolis.
FLORIANPOLIS 2005
-
ADRIANA FABRE DIAS
A reutilizao do patrimnio edificado como mecanismo de proteo: uma proposta para os conjuntos tombados
de Florianpolis.
Dissertao apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo/ PsARQ, rea de concentrao em Desenho Urbano e Paisagem da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obteno de grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Prof Snia Afonso, Dr
Florianpolis 2005
-
ADRIANA FABRE DIAS
A reutilizao do patrimnio edificado como mecanismo de proteo: uma proposta para os conjuntos tombados
de Florianpolis.
Dissertao aprovada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, rea de concentrao Desenho Urbano e Paisagem do Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina, pela seguinte banca examinadora:
Prof Snia Afonso, Dr Universidade Federal de Santa Catarina Orientadora Prof Carolina Palermo Szcs, Dr Universidade Federal de Santa Catarina Prof Elson Manoel Pereira, Dr Universidade Federal de Santa Catarina Prof Nelson Popini Vaz, Dr Universidade Federal de Santa Catarina
Florianpolis, 13 de outubro de 2005.
Alina Gonalves Santiago Coordenador (a) do PsArq
-
minha famlia.
-
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeo a Deus por ter me dado a vida e sobre tudo sade para cumprir esta jornada. A minha famlia que durante todo este tempo me deu apoio e carinho para que eu pudesse desenvolver e concluir este trabalho. A minha amiga Helenita que divide comigo o amor e o respeito pelas casas antigas. Obrigada pela ajuda, pelo apoio, pelos questionamentos e por ter ouvido com pacincia s minhas lamentaes. A professora Snia Afonso, minha orientadora que foi a primeira pessoa a acreditar que este trabalho era possvel e vivel. Obrigada por trilhar comigo este caminho to rduo e ao mesmo tempo to cheio de prazeres. Agradeo tambm aos membros da banca examinadora: A professora Carolina Palermo Szcs (Carol) por sua contribuio clara, precisa, objetiva e sempre sincera que em muito me ajudou na melhor compreenso desta pesquisa e at onde eu deveria chegar. Ao professor Elson Manoel Pereira que me fez ter um novo e critico olhar sobre um objeto de estudo que eu pensava conhecer muito bem. Ao professor Nelson Popini Vaz que desde os tempos da graduao me ensinou que uma rua muito mais do que um caminho ladeado de edifcios. sim um universo completo e complexo. A querida Ivonete, secretria do PsArq que sempre solucionou todas as minhas dvidas de maneira gentil e atenciosa. Aos funcionrios do setor cartogrfico e da biblioteca do Instituto de Planejamento Urbano de Florianpolis IPUF, pela ateno, pela ajuda e pela disponibilidade. Aos funcionrios do Servio do Patrimnio Histrico, Artstico e Natural do Municpio SEPHAN/ IPUF, principalmente a arquiteta Suzane Albers Arajo por toda a sua ateno e interesse que facilitou o meu acesso a diversos documentos, alm das nossas inmeras conversas informais que me ajudaram a pensar e repensar sobre o tema Patrimnio Histrico. A colega de ps- graduao Maria Anilta, tambm funcionria do SEPHAN por sua ajuda e por ter me apresentado arquiteta Suzane. Enfim a todos aqueles que de algum modo compartilharam comigo das dores, aflies, descobertas, prazeres e alegrias que fizeram parte deste caminho. Obrigada pela ajuda e pela compreenso!
-
A defesa da preservao no pode ser a defesa do imobilismo.
Nestor Goulart Reis Filho, 1992.
O patrimnio construdo a acumulao de esforos herdados por uma sociedade, que expressa seu desenvolvimento habitacional e a capacidade de investimento da comunidade atravs do tempo. Esse patrimnio um capital concentrado, cujas possibilidades de aproveitamento atravs de operaes de reabilitao, reciclagem e reutilizao no podemos deixar de lado.
Ramn Gutirrez, 1992.
-
RESUMO Este trabalho tem como objetivo investigar a potencialidade de reintegrao vida contempornea das edificaes que fazem parte dos Conjuntos Tombados e das reas de Preservao Cultural (APC) da rea central de Florianpolis. O principal enfoque desta reintegrao incentivar a revitalizao do espao urbano existente e contribuir com a manuteno das edificaes tombadas ao propor novos usos para as mesmas. Foram investigados cinco exemplos de projetos que tinham como principal objetivo a revitalizao de reas centrais degradadas e/ ou sub-utilizadas. Estes projetos enfocam a preservao do patrimnio histrico existente atravs de sua reintegrao a vida contempornea. Atravs da reviso da literatura procurou-se traar um paralelo entre o desenvolvimento urbano de Florianpolis e o seu conseqente efeito sobre o substrato histrico existente. Visando identificar reas potencialmente adequadas a reutilizao, foram inventariadas as edificaes pertencentes aos Dez Conjuntos Tombadas e as reas de Preservao Cultural da rea central. Como resultado deste inventrio foram construdos mapas e laudos para cada grupo de edificaes. Concluiu-se que a manuteno e revitalizao das reas histricas centrais, pode ser obtida atravs da revitalizao da arquitetura tombada (e que se pretende preservar), promovida por meio de planejamento e apoio legal e tcnico adequados. Palavras-chave: patrimnio histrico, centro histrico e revitalizao urbana.
-
RSUM
Le but de ce travail est linvestigation du potentiel de reintgration la vie contemporaine des difications qui appartiennent aux Conjuntos Tombados et aux reas de Preservao Cultural (APC) du centre ville Florianpolis. Laspect principal de cette rintgration est impulsser la revitalisation de lespace urbain et contribuer lentretien du patrimoine en y proposant des nouveaux moyens dutilisation. Cinq projets ayant comme principal objetif la revitalisation du centre ville dgrad ont t analiss. Ces projets proposent la sauvegarde du pratrimoine historique au moyen dune rintegration la vie urbaine. laide dune rvison sur ce sujet on a fait une tude des effets du developpement urbain de Florianpolis sur le tissu historique de la ville. Ayant pour but idntifier les aires potentiellement adquates la rutilisation, ont t tudies les difications appartennant aux Conjuntos Tombados et aux reas de Preservao Cultural de la rgion centrale ont t tudis. Les conclusions ont t exposses dans les cartes et les raports de chaque groupe ddifications. Les rsultats montrent quil est possible contribuer la rvitalisation, lentretien et la stimulation de lusage des zones centrales historiques au moyen de la rutilisation du patrimoine historique promu par des supports tcniques et normatifs ainsi que une planification adquate Mots-cl: patrimoine historique, centre historique, rvitalisation urbaine.
-
LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS ACI rea Comunitria e/ ou Institucional AMC rea Mista Central APC rea de Preservao Cultural APP rea de Preservao Permanente ARP rea Residencial Predominante AVL rea Verde de Lazer CDHU Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (cidade de So Paulo/SP) CDL Clube de Diretores Lojistas CEAU Conselho de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna CONDEPHAAT Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Artstico, Arqueolgico e Turstico (So Paulo) COPA Cpula das Amricas COHAB-SP Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo COTESPHAN Comisso Tcnica do Servio do Patrimnio Histrico, Artstico e Natural do Municpio (Florianpolis/SC) CTHAB/ BRASIL 1 Congresso Brasileiro sobre Habitao Social, Cincia e Tecnologia DGEMN Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais (Portugal) DMPCN Diretoria de Memria e Patrimnio Cultural e Natural (Santana de Parnaba/SP) DPH Departamento de Patrimnio Histrico EMURB Empresa Municipal de Urbanizao (cidade de So Paulo/SP) ICOMOS Conselho Internacional de Monumentos e Stios IPHAN Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional/ Brasil IPTU Imposto Territorial Urbano IPUF Instituto de Planejamento Urbano de Florianpolis PAC Programa de Atuao em Cortios (cidade de So Paulo/SP) PMF Prefeitura Municipal de Florianpolis PMSP Prefeitura Municipal de Santana de Parnaba PSP Prefeitura da Cidade de So Paulo PRIH Permetro de Reabilitao Integrada do Habitat (cidade de So Paulo/SP) SEHAB Secretaria de Habitao e Desenvolvimento Urbano (cidade de So Paulo/SP) SEPHAN Servio do Patrimnio Histrico, Artstico e Natural do Municpio (Florianpolis/SC) SESAS Secretaria Municipal de Educao, Sade e Assistncia Social SUSP Secretaria de Urbanismo e Servios Pblicos UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura ZEIS-3 Zona Especial de Interesse Social 3
-
SUMRIO
1 INTRODUO 012 1.1 JUSTIFICATIVA 013 1.2 OBJETIVO GERAL 016 1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS 016 1.4 HIPTESES 017 1.5 PRESSUPOSTOS TERICOS 017 1.6 LIMITAES DA PESQUISA 018 1.7 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO TRABALHO 018 2 INTRODUZINDO CONCEITOS 021 2.1 TOMBAMENTO E PRESERVAO DE BENS CULTURAIS 021 2.2 PATRIMNIO CULTURAL, PATRIMNIO HISTRICO E
PATRIMNIO ARQUITETNICO 022 2.3 REABILITAO E REVITALIZAO URBANA 024 2.4 DEFINIO DE CENTRO HISTRICO 025 2.4.1 DELIMITAO DO CENTRO HISTRICO DE
FLORIANPOLIS 026
3 METODOLOGIA 031 3.1 ORGANIZAO DAS ETAPAS E DIFICULDADES
ENCONTRADAS 031
4 CINCO OLHARES SOBRE UMA MESMA IDIA 036 4.1 PLANO DE BOLOGNA 039 4.2 PLANO DO BAIRRO DO RECIFE 043 4.3 PLANO DE SANTANA DE PARNABA 049 4.4 PROGRAMA MORAR NO CENTRO/ SP 053 4.5 PROJETO RENOVAR. 061 4.6 CONCLUSES PARCIAIS SOBRE A CONTRIBUIO DOS
PLANOS AO CENTRO HISTRICO DE FLORIANPOLIS/ SC 065
5 UM CENTRO HISTRICO E SUA CIDADE 067 5.1 O DESENVOLVIMENTO HISTRICO E URBANO DE
FLORIANPOLIS 068 5.2 A PRESERVAO DO PATRIMNIO HISTRICO EM
FLORIANPOLIS 076
-
6 DEZ CONJUNTOS E ALGO MAIS 082 6.1 CONJUNTO I 083 6.2 CONJUNTO II 086 6.3 CONJUNTO III 088 6.3.1 CONJUNTO III A 089 6.3.2 CONJUNTO III B 090 6.4 CONJUNTO IV 091 6.5 CONJUNTO V 094 6.6 CONJUNTO VI 096 6.7 CONJUNTO VII 097 6.8 CONJUNTO VIII 100 6.9 CONJUNTO IX 102 6.10 CONJUNTO X 103 6.11 AS REAS DE PRESERVAO CULTURAL (APC) 106 6.12 CONSIDERAES SOBRE AS EDIFICAES TOMBADAS 137 7 CONCLUSES 140 7.1 CONCLUSES GERAIS 140 7.2 CONCLUSES FINAIS 142 7.3 PERSPECTIVAS E RECOMENDAES 144 REFERNCIAS REFERNCIAS CARTOGRFICAS 146 REFERNCIAS CITADAS 147 REFERNCIAS COMPLEMENTARES 153 REFERNCIAS METODOLGICAS 159 GLOSSRIO 162
-
APNDICES APNDICE A Mapa geral da rea central de
Florianpolis 165
APNDICE B Quadro resumo dos planos de revitalizao 166
APNDICE C Quadro resumo dos Conjuntos Tombados e APCs 167
ANEXOS ANEXO A LEI N 6486 169 ANEXO B CARTA DE PETROPOLIS 169 ANEXO C CARTA DO RESTAURO 171 ANEXO D Mapa das reas de preservao cultural
(APC) e conjuntos tombados/ SEPHAN/ IPUF 172 ANEXO E Zoneamento do Plano Diretor do Distrito
Sede 173
-
1 INTRODUO
-
12
O passado no reconhece o seu lugar: ele est sempre presente.
Atribuda a Mrio Quintana.
A idia de estudar os antigos casarios da rea central da cidade de
Florianpolis (Fig. 01 e 02) surgiu como uma preocupao de buscar alternativas
viveis para a preservao dos mesmos.
A literatura existente sobre a preservao de edificaes de valor histrico
indica que a re-integrao do bem a vida cotidiana da cidade a qual pertence fator
determinante para facilitar a sua preservao.
Figura 01 - Mercado Pblico Municipal. Conjunto I, nvel de tombamento P1. Fonte do autor, fev. / 2005.
Figura 02 - Casarios da rua Conselheiro Mafra. Conjunto I, nvel de tombamento P2. Fonte do autor, fev. / 2005.
Quando iniciamos este trabalho acreditvamos que o uso residencial seria o
mais adequado para a revitalizao de reas histricas centrais degradadas. Hoje
sabemos que para poder funcionar como um mecanismo de proteo, o uso
residencial deve estar associado s atividades de lazer, comrcio e servio. A juno
destes usos compe um ambiente rico e vivo que dialoga com a cidade
contempornea.
Dessa forma chegou-se hiptese deste trabalho, ou seja, que incentivar a
reutilizao de determinados setores da rea central poderia funcionar como uma
estratgia de revitalizao urbana e principalmente contribuir para a conservao do
substrato histrico remanescente.
Para isso foi necessrio no s um levantamento atual e pormenorizado das
condies dos casarios tombados e seus arredores, como tambm do
desenvolvimento da rea central e do crescimento urbano da cidade de
Florianpolis, para verificar como este crescimento atuou na manuteno ou no das
-
13
reas mais antigas. Tambm se mostrou relevante estudar projetos de revitalizao
j implementados em outras localidades e tambm em Florianpolis.
Florianpolis possui um centro histrico1 que por estar inserido em um tecido
vivo, no possui muitas reas degradadas, sendo uma regio integrada vida
contempornea e diria da cidade e de seus habitantes.
Por sua configurao geogrfica o centro histrico de Florianpolis cresceu
limitado pela presena do mar e da montanha o qu acabou contribuindo com a sua
forma atual.
Tambm possuidor de exemplares diversos dos mais distintos perodos
arquitetnicos, constituindo uma fonte rica de informao de histria da arquitetura.
Diferente do que poderia se pensar, a principio, esta diversidade arquitetnica no
uma caracterstica ruim e sim uma qualidade a mais que pode at ser vista
futuramente como uma condicionante de projeto.
1.1 JUSTIFICATIVA
O arquiteto francs Viollet-le-Duc2 (2000, p. 65) considerava, j no sculo
XIX, que a maneira mais eficiente de conservar uma edificao histrica encontrar
para ela uma destinao.
Uma edificao de valor histrico pode, ao ser reintegrada vida cotidiana de
uma cidade, ter diversos usos. As caractersticas arquitetnicas do edifcio
geralmente determinam seu uso futuro, antigos palcios e residncias particulares
transformam-se em museus e/ ou galerias de arte, em outros casos o prprio espao
arquitetnico a obra de arte a ser apreciada, como no caso das antigas igrejas e
das fortificaes militares considerados espaos museolgicos.
Porm o tipo de utilizao dada pode vir a ser danosa para a conservao do
bem a ser preservado. Segundo a arquiteta Maria Isabel Canan do IPHAN/ SC em 1 A definio de centro histrico bem como a delimitao do centro histrico de Florianpolis ser vista mais adiante no Capitulo 2. 2 As idias de Eugne Emmmanuel Viollet-le-Duc (1814-1879) tiveram grande repercusso a partir de meados do sculo XIX, tanto na Frana, pas em que atuou, quanto no exterior. A sua concepo sobre o tema restaurao ainda hoje de importncia fundamental para a anlise dos diversos critrios envolvidos na preservao de monumentos histricos.
-
14
alguns pases como a Espanha se um edifcio muito significativo historicamente ele
no usado como museu, o qu acarretaria inmeras modificaes em sua
estrutura, e sim como espao museolgico (informao verbal)3.
Para Choay (2001, p. 236) o uso residencial o menos comprometedor para
a conservao do bem alm de ser o mais adequado sua conservao. Ela
considera tambm que se deve sempre procurar respeitar o uso original como uma
maneira de reduzir os custos de uma restaurao, j que a manuteno de um
mesmo tipo de uso requereria um nmero menor de alteraes.
Dentro desta mesma linha de raciocnio, Reis Filho (1992, p. 167) e Lyra
(1984, s. p.) acreditam que restaurar uma edificao antiga, visando a sua
reutilizao, contribui no s para a preservao da mesma como tambm
economicamente mais vantajoso, pois envolve custos menores4 de execuo.
Quando colocamos em questo tambm o nmero de edificaes disponveis
para aluguel e de moradias desocupadas em oposio ao dficit habitacional (IBGE,
2002)5, percebe-se que ao de preservao, pode e deve ser agregada uma
funo social. (REIS FILHO, 1992, p. 168).
claro que no se pode declarar que todas as edificaes antigas possuem
valor histrico, apenas podemos supor que uma pequena parte delas pertence a
stios histricos inseridos na malha urbana. Na rea central da cidade de
Florianpolis que o objeto deste estudo, podemos encontrar exemplos de
edificaes centrais desocupadas.
Alm de casarios desocupados (Fig. 03 e 04) existem ainda os que so
parcialmente ocupados, sendo o trreo utilizado pelo comrcio e o segundo e s
vezes um terceiro pavimento, servindo como reas de depsito.
Tambm no estamos defendendo aqui a preservao de tudo que antigo,
mas acreditamos que essa pode ser uma soluo vivel para ajudar na preservao
3 Entrevista concedida pela arquiteta Maria Isabel Canan, do IPHAN/ SC, em 3 de setembro de 2002. 4 Em 1992 o arquiteto Nestor Goulart Reis Filho declarou em um encontro promovido pela Prefeitura de So Paulo (O Direito memria: patrimnio histrico e cidadania) que o custo de reforma de uma edificao antiga pode ser at 60% inferior ao da construo de uma nova. Podemos considerar tambm que tal obra teria uma gerao de entulho muito menor o que a tornaria no s mais econmica como ecologicamente mais eficiente. 5 Segundo dados levantados pelo IBGE (2002) o Brasil possui um dficit habitacional de aproximadamente 6.500.000 unidades, enquanto possui um estoque de 6.000.000 unidades residenciais desocupadas (disponvel para alugar).
-
15
do que j est oficialmente tombado e no encontra junto a seus proprietrios
estmulos necessrios para a manuteno da edificao.
Segundo Afonso (1999, p. 303) o patrimnio edificado existente nas cidades
constitui-se numa forma de herana cultural sendo a sua manuteno, valorizao
ou destruio determinadas pela maneira como lidamos com esta herana.
A preservao de centros histricos acaba sendo na maioria das vezes, um
n de difcil resoluo, encontrando obstculos tanto na populao local como na
legislao vigente. A populao v geralmente a preservao como impedimento ao
desenvolvimento e a legislao existente muitas vezes insuficiente para evitar as
perdas que fatalmente ocorrem (LANNA, 1996; PEREIRA, N., 1974; VEIGA, 1993).
Figura 03 - Edificao desocupada, rua Conselheiro Mafra. Conjunto I, nvel de tombamento P2. Fonte do autor, fev. / 2005.
Figura 04 - Edificao desocupada, esquina da rua Vidal Ramos com a escadaria do Rosrio. Conjunto VII, nvel de tombamento P2. Fonte do autor, fev. / 2005.
-
Dar um uso legitimamente reconhecido por todos, como habitar que faz parte
das necessidades bsicas de todo ser humano, pode vir a ser um meio de contribuir
para a preservao dos edifcios histricos distribudos em reas histricas urbanas,
alm de ser uma oportunidade de minimizar o dficit habitacional brasileiro.
Para La Regina (1982, p. 50) o principal empecilho desfazer a idia
generalizada de que bens culturais so passveis de receber apenas atividades
ditas culturais, como se viver, existir urbanamente no fosse por si s expresso de
determinado tipo de cultura,
Quando se fala na preservao de um bairro, por exemplo, estamos tambm
falando na preservao de suas caractersticas funcionais e no aumento de sua
capacidade de atrao, quer para as pessoas que l habitam, quer para o exerccio
de atividades econmicas e sociais compatveis e complementares com a habitao.
(OLIVEIRA E CUNHA, 2000, p. 03).
Entretanto, salientamos a importncia da coexistncia de outros usos
(comrcio, servios, lazer) como condio sine qua non para o sucesso de qualquer
ao de proteo dos edifcios de valor cultural que priorize a revitalizao de reas
histricas centrais.
1.2. OBJETIVO GERAL
Identificar a potencialidade das unidades tombadas de serem reintegradas
vida cotidiana da cidade como estratgia de revitalizao da rea central de
Florianpolis.
1.3 OBJETIVOS ESPECFICOS
1. Investigar outras experincias de revitalizao do patrimnio
histrico edificado, realizadas dentro e fora do Brasil que possam
-
17
estabelecer diretrizes de reaproveitamento adequadas ao contexto
de Florianpolis;
2. Verificar como o desenvolvimento urbano da cidade de Florianpolis
influenciou na condio atual do patrimnio histrico edificado da
rea central;
3. Inventariar os Conjuntos tombados visando identificar quais
edificaes ou regies responderiam melhor a um projeto de
revitalizao urbana.
1.4 HIPTESE
Um projeto de reutilizao de edificaes tombadas pode atuar como um
mecanismo de proteo dos stios histricos inseridos na malha urbana ao preservar
o meio fsico, ao evitar a degradao dos espaos centrais e atravs da reutilizao
da arquitetura que se quer preservar.
1.5 PRESSUPOSTO TERICO
Existe consenso entre os estudiosos do patrimnio histrico de que a melhor
maneira de proteger um edifcio antigo reintegr-lo vida cotidiana da cidade na
qual est inserido, sendo o uso residencial o qu melhor comporta esta reintegrao.
-
18
1.6 LIMITAES DA PESQUISA
Sendo a principal diretriz deste trabalho identificar a potencialidade das
unidades tombadas de absorverem novos usos como estratgia de revitalizao da
rea central de Florianpolis, foi necessrio validar trs tarefas principais:
- atravs da pesquisa terica identificar as polticas de implementao
de um projeto de revitalizao;
- estudar a evoluo urbana da cidade de Florianpolis e avaliar como
esta atuou sobre a manuteno dos casarios da rea central;
- inventariar os casarios tombados da rea central e sugerir quais ou
qual dentre os mesmos tm vocao residencial.
Durante a pesquisa questes pertinentes ao tema como os aspectos sociais
da degradao urbana e as caractersticas arquitetnicas das edificaes no foram
tratados, ficando como sugesto de temas para futuras pesquisas.
1.7 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO TRABALHO
O Captulo 1: INTRODUO: traz a introduo, justificativa, objetivos geral e
especficos, hipteses, pressupostos tericos, limitaes da pesquisa e a estrutura
do trabalho.
O Captulo 2: INTRODUZINDO CONCEITOS: trata principalmente das
definies de conceitos como patrimnio cultural, histrico e arquitetnico. Traz
tambm a definio de centro histrico e delimita o centro histrico de Florianpolis.
O Captulo 3: METODOLOGIA: detalha a metodologia utilizada nesta
pesquisa, assim como as dificuldades encontradas.
O Captulo 4: CINCO OLHARES SOBRE UMA MESMA IDIA: procura traar
um paralelo entre cinco diferentes programas de interveno em reas histricas.
-
19
O Captulo 5: A HISTRIA DE UM CENTRO HISTRICO E SUA CIDADE:
faz uma anlise de como o crescimento urbano de Florianpolis influiu na
manuteno de seu substrato histrico.
O Captulo 6: DEZ CONJUNTOS E ALGO MAIS: faz uma anlise detalhada
dos Conjuntos tombados, identificando as edificaes tombadas bem como suas
potencialidades para futuras intervenes. So consideradas as previses do Plano
Diretor para cada rea.
O Captulo 7: CONCLUSES: traz as concluses da pesquisa, as
perspectivas de trabalho e as recomendaes para trabalhos futuros.
Os APNDICES trazem o mapa geral da rea central de Florianpolis com a
localizao dos bens tombados e os quadros resumo dos Planos analisados e dos
Conjuntos Tombados.
Os ANEXOS complementam o trabalho ao trazer o texto da Lei 6486, duas
Cartas Patrimoniais: a Carta de Petrpolis e do Restauro, alm do mapa das reas
de preservao elaborado pelo SEPHAN/ IPUF.
-
2 INTRODUZINDO
CONCEITOS
-
21
A palavra Patrimnio talvez seja das lembranas mais antigas da minha vida. Era como se fosse, seno uma pessoa. Certamente uma coisa viva, ntima e querida, um pouco parte da famlia. Passado, l em casa, nunca teve cheiro de mofo, nunca foi visto como coisa pretrita, mas como o moderno de sua poca.
Maria Elisa Costa. In: PESSOA, 2000, p. 09.
A questo da reutilizao do patrimnio edificado, apresentada neste
trabalho, est diretamente relacionada a sua preservao. E a temtica da
preservao pressupe a compreenso dos conceitos e instrumentos apresentados
a seguir.
2.1 TOMBAMENTO E PRESERVAO DE BENS CULTURAIS
Tombar um bem cultural diz respeito a um conjunto de aes realizadas pelo
poder pblico com o objetivo de preservar, atravs da aplicao da legislao
especfica, bens de valor histrico, cultural, arquitetnico, ambiental e tambm de
valor afetivo para a populao, impedindo que venham a ser destrudos ou
descaracterizados. A ao de tombamento somente aplicada a bens materiais que
sejam de interesse para a preservao da memria coletiva. (IPHAN, 2005).
O tombamento a primeira ao a ser tomada para a preservao dos bens
culturais na medida que impede legalmente a sua destruio. Porm a preservao
somente torna-se visvel para todos quando um bem cultural encontra-se em bom
estado de conservao, propiciando sua plena utilizao.
Segundo Lyra (1984, f. 03) durante algum tempo a preservao foi vista como
uma preocupao somente das elites intelectuais, no possuindo nenhuma ligao
com os interesses gerais da comunidade, preservar era uma atitude voltada para o
passado.
Hoje se sabe que o objetivo da preservao est ligada manuteno da
identidade cultural de uma sociedade, de sua histria e modos de vida. Numa poca
-
22
em que as cidades se transformam de uma maneira cada vez mais rpida, a
preservao adquiriu importncia social e cultural.
Os bens tombados podem ser divididos em bens mveis como objetos de
arte, colees de documentos, fotografias, mobilirio e assim por diante. Os bens
imveis dizem respeito s edificaes: casas de moradia, palcios, palacetes, igrejas
e construes militares.
O entorno do imvel tombado a rea de projeo localizada na vizinhana
dos imveis tombados, que delimitada com o objetivo de preservar a sua
ambincia e impedir que novos elementos obstruam ou reduzam sua visibilidade.
Compete ao rgo que efetuou o tombamento estabelecer os limites e as diretrizes
para as intervenes nas reas de entorno de bens tombados.
Em Florianpolis a Lei n 6487, de 27 de maio de 2004, determina uma rea
de projeo de 100 metros de raio medido a partir do imvel tombado (ver Anexo A)
que tem por objetivo preservar no s a edificao tombada, mas tambm o
ambiente do qual ela faz parte.
Durante a execuo do inventrio dos bens tombados, apresentado no
Capitulo 6, porm no constatamos a aplicao desta lei, o qu deixa dvidas sobre
a sua eficcia.
2.2 PATRIMNIO CULTURAL, PATRIMNIO HISTRICO E PATRIMNIO
ARQUITETNICO
Leniaud (1992, p. 01) define patrimnio como um conjunto de coisas do
passado que so transmitidas s geraes futuras em razo de seu interesse
histrico e esttico1.
Varine-Bohan (1974, p. 04), sugeriu que o Patrimnio Cultural pode ser
dividido em trs grupos distintos e que estes trs grupos juntos formam de maneira
indissolvel o que seria o Patrimnio Cultural, compondo o que ele chama de
ecossistema do homem. O primeiro destes grupos engloba os elementos
1 [...] le mot patrimoine sert dsigner les choses du pass transmises la postrit en raison de leur intrt historique et esthtique [...] (traduo nossa)
-
23
pertencentes natureza: os rios, o clima, a vegetao, o solo, enfim, todos os
recursos naturais que formam o ambiente natural e que tornam o stio habitvel.
O segundo grupo refere-se ao conhecimento, s tcnicas e aos saberes
adquiridos, tudo aquilo que no pode ser medido nem quantificado, a capacidade
do homem de se adaptar ao meio-ambiente so os elementos no tangveis do
Patrimnio Cultural.
O terceiro grupo aquele que por hbito chamamos de Patrimnio, ou seja,
tudo aquilo que o homem ao interagir com o meio em que vive e usando os
conhecimentos adquiridos fabricou ou construiu ao longo de sua existncia.
(LEMOS, 1981, p. 10; VARINE-BOHAN, 1974, p. 04).
Para os estudiosos da rea do patrimnio essa terceira categoria tambm
subdividida em: bens mobilirios e imobilirios ou bens mveis e imveis. Mas
Varine-Bohan (1974, p. 06) refuta essa diviso alegando que para ele no existem
diferenas de valor entre bens mveis e imveis, pois tudo faz parte do Patrimnio
Cultural, sendo as diferenas apenas fsicas e no de valor.
Existe uma evoluo continua no conceito do que Patrimnio Cultural. A
prpria Constituio Federal em vigor adota uma tica mais abrangente
reconhecendo o Patrimnio Cultural como a memria e o modo de vida da
sociedade brasileira, juntando assim elementos materiais e imateriais.
Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referncia identidade, ao, memria dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I as formas de expresso; II os modos de criar, fazer e
viver; III as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; IV as
obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos
destinados s manifestaes artstico-culturais; V os conjuntos
urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico,
arqueolgico, paleontolgico, ecolgico e cientfico. (BRASIL, 2002,
p. 132).
Assim podemos definir Patrimnio Cultural como tudo aquilo que o homem
criou e que por questes culturais inerentes ao meio em que se insere, se muniu de
valor para aquela sociedade. Cada bem cultural tem o seu prprio valor local e
-
24
alguns adquirem tambm um valor mundial tornando-se dessa maneira Patrimnio
Cultural da Humanidade.
Para Choay (2001, p 11) o Patrimnio Histrico uma parte do Patrimnio
Cultural. A expresso designa um bem destinado ao uso-fruto de uma comunidade
que se ampliou a dimenses planetrias, constitudo pela acumulao continua de
uma diversidade de objetos que se agregam por seu passado comum: obras e
obras-primas das belas artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os
saberes e savoir-faire dos seres humanos.
O Patrimnio Arquitetnico, tambm chamado de Patrimnio Edificado, diz
respeito como o prprio nome sugere as edificaes que adquiriram significao
histrica e cultural em determinada sociedade. A sua preservao sempre ocorre no
sentido de selecionar os exemplares mais expressivos, preciosos e representativos
de determinado estilo arquitetnico. (IPHAN, 2003, f. 7; IPUF, 1993, p. 6)
Junto ao Patrimnio Arquitetnico existe uma outra categoria que a do
Patrimnio Urbano. Segundo Choay (2001, p. 179) a transformao da cidade
material em objeto de conhecimento histrico foi influenciada pelas mudanas
ocorridas no espao urbano logo aps a revoluo industrial. Os primeiros estudos
sobre as cidades antigas surgiram quando houve a necessidade de estudar e
compreender as mudanas ocorridas na cidade contempornea.
2.3 REABILITAO E REVITALIZAO URBANA
A Carta de Lisboa (OPRURB, 1995) define reabilitao urbana como uma
estratgia de gesto urbana que procura requalificar a cidade pelas intervenes
mltiplas destinadas a valorizar as potencialidades sociais, econmicas e funcionais,
melhorando assim a qualidade de vida das populaes residentes.
Isso exige a melhoria das condies fsicas da rea a ser reabilitada, com a
instalao de equipamentos, infra-estruturas, espaos pblicos, procurando sempre
manter a identidade e as caractersticas locais, para que no ocorram situaes de
super valorizao da rea e conseqente expulso da populao local.
-
25
No mbito da edificao reabilitao o processo pelo qual um edifcio
adaptado para um novo uso ou funo, sem alterar as partes que so significativas
ao seu valor histrico. (PUCCIONI, 2001, p. 25).
No entanto quando transferimos este conceito para a escala urbana ele se
torna mais abrangente: a reabilitao urbana constitui-se de um conjunto de aes
estratgicas de gesto urbana que visa a requalificao das reas onde atua,
mediante intervenes diversas destinadas a valorizar as potencialidades scio-
econmicas e funcionais dessas reas para melhorar as condies de vida dos seus
habitantes. (BRITTO, 2002, p. 02).
Para Zancheti, Lacerda, Marinho (1998, p. 33) um projeto de revitalizao
urbana requer uma estratgia de implantao com vrias frentes de atuao e com
diferentes mecanismos de incentivos, parcerias, investimentos e mecanismos de
controle para que possa realmente funcionar.
2.4 DEFINIO DE CENTRO HISTRICO
O conceito de Centro Histrico, assim como o de Patrimnio Cultural, vem se
transformando e ampliando ao longo dos anos. s noes iniciais juntaram-se outras
mais amplas e completas como a expresso stio histrico urbano.
Em 1987 a Carta de Petrpolis (ver Anexo B) definiu stio histrico urbano
como o espao que concentra testemunhos do fazer cultural de uma cidade. Esse
espao parte integrante de um contexto amplo que inclui no s a paisagem
construda pelo homem, mas tambm a natural incluindo o prprio homem. No
um espao esttico, mas em formao, pois engloba tambm a vivncia de seus
habitantes num espao de valores produzidos no passado e no presente e como tal
deve ser estudado. (IPHAN, 1995, p. 329).
O Ministrio da Cultura publicou em setembro de 2003 o Termo Geral de
Referncia para a preservao dos stios histricos urbanos. O objetivo geral deste
plano ser um instrumento de natureza urbanstica de carter normativo estratgico
e operacional. Destinando-se ao desenvolvimento de aes de preservao em
-
26
stios histricos urbanos tombados em nvel federal e seu entorno imediato. (IPHAN,
2003, f. 11).
Segundo este documento um stio histrico urbano pode, segundo o seu
porte, corresponder a cidades histricas, centros histricos ou conjuntos histricos,
sendo cada um possuidor de um grau de complexidade e podendo ser definido
como segue:
- Cidade Histrica o stio urbano que compreende a rea-sede do
municpio;
- Centro Histrico o stio urbano localizado em rea central da rea-sede
do municpio, seja em termos geogrficos, seja em termos funcionais e
histricos, configurando-se em centro tradicional;
- Conjunto Histrico o stio urbano que se configura em fragmento do
tecido urbano da rea-sede do municpio ou de qualquer um dos seus
distritos ou, ainda, stio urbano que contenha monumentos tombados
isoladamente, os quais configuram um conjunto arquitetnico-urbanstico
de interesse de preservao, situado na rea-sede do municpio ou nos
distritos do municpio. (IPHAN, 2003, f. 12).
Em 1972 o governo italiano publicou a Carta do Restauro (ver Anexo C) que
afirma que um centro histrico no pode ser definido somente como um antigo
centro urbano, mas sim de uma maneira mais ampla como todo assentamento
humano cujas estruturas tenham adquirido ao longo dos anos um valor especial
como testemunho histrico, urbano e/ ou arquitetnico. (IPHAN, 1995, p. 212).
Podemos dizer que um centro histrico no simplesmente o local onde a
cidade nasce, mas sim como ressalta Reis Filho (1983, p. 192), marco de referncia
de nossa memria, sendo a memria a base para a construo da identidade, da
conscincia do individuo e dos grupos sociais.
2.4.1 DELIMITAO DO CENTRO HISTRICO DE FLORIANPOLIS
-
27
O Servio do Patrimnio Histrico, Artstico e Natural do Municpio/ SEPHAN
(IPUF, 2005) define o centro histrico de Florianpolis como sendo a regio onde
historicamente se presume que a cidade nasceu, ou seja, o seu ncleo histrico de
fundao. (Fig. 05) Essa regio corresponde atualmente s quadras imediatamente
adjacentes a Praa XV de Novembro e a toda extenso da rua Conselheiro Mafra
at o limite formado pela rua Pedro Ivo.
BAIA SUL
BAIA NORTE
Este
ves
Juni
or
Felipe SchmidtConselheiro Mafra
Pra
a XV
Almirante La
mego
Bocaiva
Herc
lio Lu
z
Vis
c. d
e O
uro
Pre
to
Figura 05 Configurao urbana inicial da regio central de Florianpolis no inicio do sculo XIX. A forma se mantm nos dias atuais. Adaptado de Peluso Junior (1981, p. 52).
Adams (2002, p. 123) corrobora essa definio quando situa o centro histrico
de Florianpolis no entorno imediato da Praa XV de Novembro.
Trata-se da rea situada ao sul da avenida Rio Branco, tendo como
limites aproximados a avenida Herclio Luz, a antiga linha do mar, a
rua Padre Roma, a rua Tenente Silveira, a Igreja N. S. do Rosrio e a
Praa Pereira Oliveira.
Vaz (1990, f. 18) definiu o centro histrico de forma mais abrangente incluindo
no s a regio adjacente a Praa XV de Novembro como tambm as ruas que
-
28
ligam essa rea central Baia Norte. Ruas como a Esteves Junior e a avenida
Herclio Luz eram inicialmente parte dos caminhos que levavam s fortalezas e mais
tarde, no incio do sculo XIX, as chcaras.
As chcaras foram surgindo nos arrabaldes, nos quarteires mais
afastados do centro quarteires que hoje ficam nas proximidades
do centro atual. [...] Nas ruas Esteves Junior, Bocaiva e Heitor Luz,
havia verdadeiros latifndios [...] (CABRAL, 1979, v. 1, p. 264-265).
As edificaes que fazem parte dos Conjuntos tombados bem como as reas
de preservao permanentes (APC) esto localizadas ao longo da rea central de
Florianpolis e no somente no centro histrico delimitado pelo SEPHAN.
Assim, comparando as definies de centro histrico aqui apresentadas e a
situao geogrfica da rea central de Florianpolis, consideramos para este
trabalho que o seu centro histrico no pode ser limitado somente pelas definies
apresentadas por Vaz (1991, p. 19), Adams (2002, p. 68) e pelo SEPHAN, mas deve
sim ser mais abrangente incluindo toda rea central, que na verdade o ncleo
histrico expandido e refere-se ao espao insular limitado a leste pela avenida
Mauro Ramos (incluindo os imveis pertencentes a esta via de ambos os lados), em
formato triangular e delimitado pelas duas baas Norte e Sul.
As plantas a seguir procuram demonstrar graficamente as idias aqui
apresentadas para a delimitao do centro histrico de Florianpolis e
conseqentemente da rea de estudo deste trabalho.
-
29
UNIV
ERSI
DAD
E FE
DER
AL D
E SA
NTA
CAT
ARIN
AC
urso
de
Ps-
Gra
dua
o e
m A
rqui
tetu
ra e
Urb
anism
o
Ar
q.
Adria
na F
abre
Dia
s
esca
la:
d
ata:
pra
ncha
: nic
a
Del
imita
o
do C
entro
Hist
ric
o
sem
esc
ala
mar
./ 20
05
Cen
tro H
istr
ico
segu
ndo
Vaz
(199
1)
Cen
tro H
istr
ico
de F
loria
npo
lis
Cen
tro H
istr
ico
segu
ndo
SEPH
AN/ I
PUF
Con
junt
os To
mba
dos
e AP
Cs
Pra
a Pe
reira
Oliv
eira
Pra
a XV
de
Nov
embr
o
Aven
ida
Herc
lio L
uz
Pra
a G
etl
io V
arga
s (P
raa
dos
Bom
beiro
s)
LEG
ENDA
Mod
ificad
o de
Vaz
(199
1) e
IPUF
(200
1)
Cen
tro H
istr
ico
segu
ndo
SEPH
AN/ I
PUF
Cen
tro H
istr
ico
segu
ndo
Vaz
(199
1)
Cen
tro H
istr
ico
de F
loria
npo
lis
Con
junt
os To
mba
dos
e AP
Cs
( con
sider
ado
nest
e tra
balh
o )
Linha
orig
inal
do
mar
2
53
6
14
2
14
53
6
5
41
2
6
3
2
14
53
6
21 43 5 6
Aven
ida
Mau
ro R
amos
Aven
ida
Rio
Bran
co
7Ru
a Fe
lipe
Schm
idt
77
77
-
3 METODOLOGIA
-
31
A paisagem urbana, como a rural, no existe por si mesma. Ela produto de uma determinada forma de ver a cidade, construda socialmente. Por isso mesmo, importante recuperarmos, do passado, as vertentes ou origens da construo da paisagem na cidade contempornea.
Nestor Goulart Reis Filho, 1994.
Foi definido como objetivo geral deste trabalho estudar os conjuntos
tombados da rea central da cidade de Florianpolis tendo em vista a sua
reutilizao, para tanto foram necessrias validao de trs etapas distintas, que
so na verdade os seus objetivos especficos:
Etapa 1 Levantar as experincias de revitalizao do patrimnio
arquitetnico para uso residencial, identificando diretrizes adequadas ao contexto de
Florianpolis;
Etapa 2 Verificar como o crescimento urbano de Florianpolis, planejado ou
no, influenciou na condio atual de preservao do patrimnio histrico da rea
central;
Etapa 3 Inventariar os conjuntos tombados visando identificar dentre o
conjunto de edificaes histricas, exemplares potencialmente apropriados
reutilizao como habitao.
3.1 ORGANIZAO DAS ETAPAS E DIFICULDADES ENCONTRADAS
Para o comprimento da Etapa 1 foram estudadas as experincias
desenvolvidas nas seguintes cidades: Bologna (IT), Recife (PE), So Paulo (SP),
Santana de Parnaba (SP) e Florianpolis (SC), pelas seguintes caractersticas:
- Bologna: o projeto de revitalizao do centro histrico da cidade de
Bologna iniciado em 1969, a escolha do plano deu-se em decorrncia
de sua relevncia histrica e tambm por sua importncia junto aos
profissionais da rea, como referncia de projeto;
- Recife: implementado em 1993 numa regio degradada da cidade do
Recife (PE), o Bairro do Recife. O projeto est entrando em sua
-
32
quarta e ltima etapa e seu objetivo principal transformar a regio
num plo de turismo e lazer. O prazo de concluso da interveno
2010.
- So Paulo: o Programa Morar no Centro desenvolvido em parceria
entre a Prefeitura de So Paulo e a Caixa Econmica Federal, com
cooperao internacional da Frana e da Itlia. Prioriza alm da
preservao do patrimnio histrico a incluso social e a
revalorizao da rea central. O programa foi desenvolvido entre os
anos 2002 e 2004.
- Santana da Parnaba: seu centro histrico tombado e seu estado
de conservao considerado bom. O projeto, iniciado em 1999,
priorizou a participao da comunidade e a incluso social;
- Florianpolis: foi estudado o Projeto Renovar, implantado dede 1993
e desde trazendo melhorias ao centro histrico e tambm a outros
bairros.
Avaliamos os cinco projetos de revitalizao segundo os critrios
apresentados por Jos Carlos Vaz (1995, p. 03), IPHAN (2003, p.16), La Regina
(1982, p. 49) e Zancheti; Lacerda; Marinho (1998, p. 87). Alm do estudo dos
projetos de revitalizao foi elaborado um quadro resumo dos mesmos.
A Etapa 2 desta pesquisa diz respeito ao estudo da evoluo urbana da
cidade de Florianpolis que o objeto de estudo deste trabalho, e como este atuou
na configurao de sua rea central e tambm na manuteno de seu centro
histrico.
Alm do desenvolvimento histrico e urbano da cidade, foram tambm
avaliados os efeitos da aplicao que o atual Plano Diretor do Distrito Sede poder
ter sobre o substrato histrico remanescente. Esta parte foi realizada em conjunto
com a Etapa 3.
O procedimento desta etapa foi feito com o apoio das seguintes fontes: livros,
teses, dissertaes, sites, notcias de jornais e revistas e materiais iconogrficos.
Para cumprir a Etapa 3, inventariar os conjuntos tombados, foram criadas 3
(trs) sub-etapas:
a. Identificar as edificaes tombadas;
b. Localiz-las graficamente atravs de mapas e
-
33
c. Avali-las na sua configurao atual quanto ao uso dado e o seu estado
de conservao.
Foi necessrio em primeiro lugar localizar e identificar as edificaes
tombadas, para tanto foi necessrio o acesso lista atualizada de bens tombados
com as respectivas localizaes. Esta lista foi gentilmente cedida pelo SEPHAN/
IPUF1.
O passo seguinte foi situar graficamente os bens tombados, a primeira
dificuldade encontrada foi descobrir que o servio de cartografia do municpio no
possui uma planta cadastral geral atualizada da rea central (a ltima de 1979),
possui sim plantas cadastrais quadra a quadra no formato A32. Como no havia a
possibilidade de se ter acesso aos arquivos digitais existentes, optou-se pelo
seguinte processo:
O servio cartogrfico do IPUF forneceu as plantas de quadra (plantas cadastrais);
As plantas foram digitalizadas em scanner simples e transferidas para o programa de cad Autodesk Architectural verso 2002, onde foram
redesenhadas e agrupadas de modo a compor uma planta cadastral geral da
rea central.
As plantas disponibilizadas pelo setor cartogrfico do IPUF no possuem
informaes referentes topografia, aspecto considerado significativo para o estudo
destes conjuntos. Assim a planta cadastral elaborada foi sobreposta planta
topogrfica e cadastral de Florianpolis de 1989-90, disponvel em Afonso (1992).
Esse procedimento trouxe inconvenientes, primeiro quando uma planta ou
mapa cadastral digitalizado ele perde a sua escala, ou seja, impossvel afirmar
que uma planta possa manter a sua escala depois de passar por um processo que
provoca distoro. Assim a escala de todas plantas apresentadas a escala grfica.
O segundo inconveniente foi o tempo gasto para a confeco das plantas, o que
acabou por atrasar a concluso da pesquisa. Em decorrncia deste processo as
plantas executadas limitam-se aos conjuntos tombados e reas de preservao
cultural. 1 Essa documentao foi cedida somente aps a garantia de que a mesma no seria divulgada, o motivo alegado foi o de que h muita especulao imobiliria em torno das edificaes tombadas e que o livre acesso lista seria prejudicial manuteno das mesmas. Por tal motivo a lista com a localizao e nome dos proprietrios dos bens tombados no faz parte dos anexos deste trabalho. 2 Existem arquivos digitais de todas as quadras da rea central, porm estes no foram disponibilizados obrigando-nos a tarefa de reconstruir os mapas.
-
34
A parte final da Etapa 3 foi feita atravs do levantamento fotogrfico com
cmara digital e avaliao visual das edificaes tombadas. Onde foram observados:
o tipo de uso, o estado de conservao geral da edificao e as caractersticas do
entorno.
Esta ltima fase serviu para complementar as Etapas 1 e 2, pois in loco
pudemos avaliar no s os efeitos do crescimento da cidade sobre as edificaes
tombadas como tambm avaliar em quais regies da rea central seria possvel
implementar medidas de preservao observadas nos projetos de revitalizao
estudados.
Em decorrncia do tema estudado todas as etapas aqui apresentadas foram
efetuadas em paralelo, o qu permitiu uma melhor compreenso do todo.
Alm das atividades das etapas de pesquisa tambm foram efetuadas duas
entrevistas com profissionais da rea do patrimnio histrico como uma maneira de
tentar traar um panorama tanto municipal quanto nacional. Sobre o tema os
profissionais entrevistados foram:
Arquiteta Maria Isabel Kanan do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional/ IPHAN que discorreu sobre os tipos de intervenes
e tecnologias utilizadas em projetos de restaurao. Local: sede do
IPHAN. Data: 03 de setembro de 2003.
Arquiteta Suzane Albers Arajo do Servio do Patrimnio Histrico, Artstico e Natural do Municpio/ SEPHAN que vinculado ao Instituto
de Planejamento Urbano de Florianpolis/ IPUF, que dissertou dobre a
preservao do patrimnio arquitetnico em Florianpolis, o Projeto
Renovar e o projeto de revitalizao do Bairro do Recife. Local:
SEPHAN/ IPUF. Data: 27 de agosto de 2004.
-
4 CINCO OLHARES
SOBRE UMA MESMA IDIA
-
36
[...] o melhor meio para conservar um edifcio encontrar para ele uma destinao, satisfazer to bem todas as necessidades que exige essa destinao, que no haja modo de fazer modificaes.
Eugne Emmanuel Viollet-le-Duc, 2000, p. 65.
O processo natural de desenvolvimento das cidades acaba contribuindo para
o esvaziamento de suas reas centrais, que geralmente coincidem com seus
ncleos histricos de fundao, ou seja, seus centros histricos.
Essas regies centrais que a princpio tinham funes especficas tornam-se
obsoletas, passando por um processo de degradao de sua estrutura urbana e das
edificaes ali existentes. Setores que serviam, por exemplo, de rea residencial
transformam-se num primeiro momento em reas exclusivas de comrcio e servios
e mais tarde com a transferncia destes setores para outras regies da cidade, em
reas degradadas e sem vida. As edificaes centrais que possuem a seu dispor
toda uma infra-estrutura urbana, acabam transformando-se muitas vezes em
cortios, com baixssima condio de higiene e segurana.
Segundo Carlos Vaz (2002, p. 02) este um fenmeno natural e bastante
comum nas reas centrais de cidades de grande e mdio porte, sendo suas
principais caractersticas:
a. Diminuio do nmero de moradores;
b. Existncia de muitos imveis vazios ou sub-utilizados;
c. Degradao do patrimnio histrico existente;
d. Precariedade habitacional, demonstrada pela presena de cortios;
e. Alta concentrao de atividade informal e
f. Mudana no perfil socioeconmico dos moradores, usurios e das
atividades locais.
Alm dos aspectos sociais e histricos envolvidos este tambm um
problema econmico, se lembrado que as reas centrais possuem uma infra-
estrutura completa para atender s necessidades de seus habitantes, a melhor
localizao dentro do tecido urbano e um grande estoque de edificaes construdas
fica claro que no buscar alternativas viveis para a reutilizao destas reas e
destes imveis representa uma deseconomia.
-
37
Para Gutierrez (1992, p.123) o patrimnio construdo um capital
concentrado que possui um potencial de reabilitao, reciclagem e reutilizao que
no pode ser deixado de lado.
Por sua vez Zancheti; Lacerda; Marinho (1998, p.05), afirmam que manter o
existente mais importante que construir o novo, pois os custos sociais da
conservao e da reutilizao so infinitamente menores que os da transformao e
substituio de estruturas urbanas.
Para Barros e Kowaltowski (2001, p.08) reciclar necessrio por razes
sociais, melhorando as condies da estrutura urbana, reduzindo a violncia e
melhorando visualmente e economicamente as reas centrais da cidade.
A revitalizao de reas histricas centrais degradadas pode ocorrer de
diferentes formas. Cada abordagem uma conseqncia direta da maneira como a
cidade, na qual a rea degradada est inserida se configura e no destino que a
sociedade civil, o poder pblico, as fundaes e os pesquisadores como um grupo
nico e interessado na preservao e revitalizao de um centro histrico quer.
A declarao final da 3 Cpula das Amricas veio corroborar com a noo de
que a valorizao do patrimnio de uma localidade favorece o seu desenvolvimento,
ou nas palavras da declarao:
[...] o projeto de salvaguarda e valorizao dos centros histricos da
cidade, quando bem desenvolvido, se torna um fator de
enriquecimento cultural, social e econmico sustentvel da cidade
inteira e uma garantia da melhoria da qualidade de vida de seus
habitantes. [...] (COPA, Item 2, 2001).
evidente que este tipo de projeto envolve mltiplos aspectos que devem ser
avaliados de maneira cuidadosa, como por exemplo, o que se refere identidade
cultural de uma comunidade. Nenhum projeto de revitalizao de um stio histrico
urbano seria vlido, se como conseqncia, fossem perdidas as peculiaridades da
localidade. Outro aspecto importante o cuidado com a super valorizao da regio
para que as populaes locais no sejam expulsas e sim que estas possam
desfrutar dos benefcios resultantes destas melhorias.
-
38
Para exemplificar estes aspectos apresentamos a seguir projetos de
revitalizao de reas histricas localizadas em regies centrais e que foram
desenvolvidos a partir da segunda metade do sculo XX.
Estes projetos possuem caractersticas e escalas diferentes que podem
exemplificar de maneira abrangente as peculiaridades de um projeto de
revitalizao. Outro aspecto relevante que todos os projetos de revitalizao aqui
apresentados enfocam como principal objetivo a preservao do substrato histrico
existente, que o principal enfoque deste trabalho.
1. O projeto de revitalizao do centro histrico da cidade de Bologna
um dos mais antigos projetos de revitalizao (1969), e como tal possui
ampla bibliografia de anlise e estudo de sua estrutura sendo
considerado referncia para os projetos de revitalizao que vieram
depois;
2. O projeto de revitalizao Bairro do Recife que completou em 2003 dez
anos de sua implementao, j podendo ser avaliado;
3. O projeto de revitalizao do centro histrico de Santana de Parnaba
que apesar de pequeno acabou por transformar a vida de toda uma
localidade;
4. O Projeto Morar no Centro da Prefeitura de So Paulo que trabalha
com os edifcios encortiados da rea central;
5. E finalmente o Projeto Renovar que vem sendo desenvolvido no centro
histrico de Florianpolis desde o incio da dcada de 90.
Para a avaliao dos projetos foram considerados os seguintes critrios
adaptados dos autores e fontes citados na pgina 31, quais sejam:
a. Preservao e valorizao do patrimnio edificado existente;
b. Respeito e valorizao da cultura local;
c. Incentivo a participao da populao local no processo de
concepo implantao e manuteno do projeto;
d. Criao de fomentos que incentivem a participao do setor privado
no processo;
e. Respeito ao meio fsico e aos aspectos ecolgicos;
f. Incentivo ao uso residencial em conjunto com os demais usos j
existentes no local.
-
39
4.1 PLANO DE BOLOGNA
Bologna est localizada na regio da Toscana ao norte da Itlia. Sua origem
remonta ao Imprio Romano1 quando as primeiras ruas e quadras foram traadas,
parte de sua configurao urbana atual resultado do importante papel que a cidade
exerceu dentro do Reino Pontifcio2. Os enormes conventos com seus jardins
cercados, as muralhas que cercavam a cidade antiga e suas ruas estreitas
determinaram sua configurao urbana atual.
Os estudos para a revitalizao e restaurao do centro histrico de Bologna,
ou seja, todo tecido urbano compreendido entre as muralhas do sculo XIV (Fig. 06),
tiveram incio no final da dcada de 50.
Figura 06 - Centro histrico de Bologna (destacado em amarelo). Fonte ASKMAPS (2005)
1 Imprio Romano existiu entre 753 a.C. e 476 d.C., com o fim do Imprio Romano do Ocidente no final do Sculo V. 2 O Reino Pontifcio ou Santo Imprio Romano-Germnico se estendia do norte da Itlia at a fronteira com a Dinamarca, teve grande poder e influncia durante a Baixa Idade Mdia ( sculos XIII, XIV e XV).
-
40
A cidade possua ento graves problemas estruturais decorrentes de um
crescimento acelerado no incio do sculo XX e de polticas urbanas que no
levaram em considerao as caractersticas prprias da cidade, como seu valioso
centro histrico e sua configurao radial.
Em 1969, depois de extensa pesquisa, a administrao pblica da cidade de
Bologna aprovou o plano para o centro histrico e foi este plano, juntamente com
planos sucessivos para financiamentos de casas populares no centro de Bologna, o
responsvel pela recuperao do ncleo histrico da cidade. (Fig. 07 e 08)
O plano de Bologna est alicerado em dois pontos principais: a cuidadosa
pesquisa histrica e a participao da populao em todo o processo.
A primeira etapa foi o levantamento histrico-tipolgico da cidade e de todas
as construes do centro histrico. Durante trs anos, uma equipe formada por 35
tcnicos coletou as informaes. Foram obtidos, em arquivos pblicos e nos
arquivos do Vaticano, mais de 90% das plantas das construes originais da cidade,
principalmente as do sculo XVIII.
Figura 07 - Vista geral do centro histrico de Bologna. Fonte Gamberini; Cremonini (2005).
Figura 08 - Detalhe das edificaes restauradas do centro histrico. Fonte Gamberini; Cremonini (2005).
Em uma segunda etapa do processo, foram estudadas as necessidades da
cidade contempornea. A participao da comunidade, atravs das comisses
urbansticas de bairro (formadas por cerca de 20 pessoas eleitas pelo conselho de
bairro) foi fundamental para o sucesso do trabalho, esta regio da Itlia tem uma
longa tradio de participao popular o que facilitou o pleno atendimento s
necessidades da comunidade.
-
41
Assim, estruturado por um lado pelo conhecimento histrico-tipolgico e, por
outro, na participao poltica da comunidade, o plano de Bologna nasceu como
instrumento orgnico para no apenas restaurar e conservar o centro histrico como,
tambm, resolver os problemas da cidade e dos cidados. (LA REGINA, 1982,
p.48)
Inicialmente, o plano de Bologna selecionou cinco reas para interveno.
Com base na iconografia disponvel, foram demolidos os acrscimos que obstruam
jardins e quintais das residncias. Tais acrscimos, cmodos para moradia ou para
comrcio, depsitos e at postos de gasolina, tinham descaracterizado as
edificaes histricas comprometendo o seu valor de bem cultural.
Aps as demolies, os edifcios passaram a ser restaurados em sua forma
original, com adaptaes para condies modernas de moradia.
Basicamente, o plano de Bologna tinha como objetivos principais:
1. Preservar o Centro Histrico da destruio;
2. Integrar os patrimnios artsticos, histricos e culturais no contexto
social e econmico do territrio, confiando-lhe papel ativo e compatvel;
3. Descentralizar todos os geradores artificiais de concentrao urbana,
criando novas reas de desenvolvimento tercirio, externas ao ncleo
histrico, restituindo cidade antiga sua eficincia funcional intrnseca;
4. Dotar o centro histrico de todos os equipamentos urbanos modernos;
5. Determinar o uso de algumas vias somente para pedestres, por serem
estas incompatveis com o trfego de veculos.
Cada edificao foi classificada dentro de cinco categorias conforme seu
estado fsico:
Restauro interno, estrutural ou de fachada: nessa categoria esto os edifcios mais bem conservados, geralmente aqueles j pertencentes
administrao pblica;
Reabilitao: extrao de todos os elementos que descaracterizem a edificao, e adaptaes para as condies modernas de moradia;
-
42
Reestruturao: interior liberado para modificaes, restauro e conservao apenas da fachada;
Reconstruo condicionada: edifcios sem maior significado, porm que no perturbam a leitura do tecido histrico, na maior parte de
construo recente, podendo ser demolidos ou no, no caso de
demolio, sua rea poderia ser posteriormente aproveitada para
construo de igual volume;
Demolio sem construo: todas as edificaes sobre as reas que, no tecido histrico, representam vazios vitais. reas assim recuperadas
serviram para reas verdes e de lazer pblicas ou mesmo privadas.
A execuo do plano apoiou-se basicamente em fundos pblicos destinados
conservao do patrimnio histrico, em fundos destinados construo de casas
populares e em acordos com proprietrios (incidindo sobre impostos e cesso de
parte da propriedade).
A administrao pblica construiu alojamentos temporrios para os habitantes
se deslocarem enquanto seus edifcios eram restaurados.
As primeiras unidades restauradas foram entregues entre 1970 e 1971 e a
partir desta data Bologna passou a servir como ponto de referncia para qualquer
discusso sobre patrimnio ambiental urbano. As atividades de lazer e turismo
serviram de apoio para os projetos, enfatizando os aspectos tradicionais da cultura
local.
A principal crtica que se faz ao Plano de Bologna o alto custo de sua
implementao o que acabou ocasionando a diminuio dos investimentos pblicos
na regio, para La Regina (1982, p. 50) o objetivo do Estado parece ter sido usar
Bologna como um exemplo da administrao pblica correta e democrtica,
projetada para o interesse geral da cidade e de seus cidados.
Entretanto, mesmo com as criticas e problemas que eventualmente tenham
surgido nas dcadas seguintes, o plano de revitalizao do centro histrico de
Bologna ainda hoje um exemplo a ser consultado.
-
43
4.2 PLANO DO BAIRRO DO RECIFE
A cidade do Recife a capital do estado de Pernambuco, na regio Nordeste
do Brasil. O bairro do Recife (Fig. 09), em conjunto com os bairros de Santo Antnio,
So Jos e Boa Vista, compem o seu centro histrico. O bairro encontra-se dentro
da ilha3 do Recife, sendo uma rea plana, limitada a leste pelo oceano Atlntico e a
oeste pela confluncia dos rios Capibaribe e Beberibe.
Figura 09 Localizao do Bairro do Recife. Fonte Zancheti, Lacerda, Marinho (1998, p. 08).
Historicamente o Bairro do Recife a poro mais antiga da cidade, sua
ocupao teve incio no sculo XVI juntamente com a cidade de Olinda, sendo que o
padro de ocupao seguiu os moldes tradicionais da colonizao portuguesa para
regies litorneas. No primeiro sculo de sua formao a cidade se desenvolveu de
maneira modesta, mas no sculo XVII a cidade se consolidou como o maior porto da
Amrica, em decorrncia do crescimento da exportao do acar.
3 At a dcada de 60 a ilha do Recife fazia parte de uma restinga que tinha origem na cidade de Olinda, foi transformada em ilha pela abertura de um canal que ligou a foz dos rios Capibaribe e Beberibe ao Atlntico, para uso do porto que ocupa toda fachada leste da ilha.
-
44
O tipo de ocupao do bairro do Recife sempre envolveu as atividades de
comrcio exportador e importador, servios financeiros, indstrias, o porto e em
pequena escala a habitao.
No incio do sculo XX aps a prefeitura ter efetuado melhorias no sistema
virio o bairro passou por uma supervalorizao imobiliria. Segundo Zancheti,
Marinho, Lacerda (1998, p.12) entre 3.000 e 5.000 pessoas foram desalojadas entre
1910 e 1913.
Com a reforma o Bairro do Recife foi transformado num centro urbano de
grandes negcios, o que reforou as atividades ligadas ao comrcio internacional e
ao sistema financeiro em detrimento das atividades residenciais.
A partir dos anos 30, com o processo de urbanizao acelerada da cidade e
conseqente expanso da periferia urbana, houve uma alterao dos valores
imobilirios da rea central o que contribuiu para o seu esvaziamento e deteriorao
posterior. O bairro do Recife deixou de ser um bairro de caracterstica residencial,
mas continuou sendo a sede de importantes instituies, empresas e entidades da
cidade.
Outro fator que contribuiu para a degradao da rea foi o surgimento de
atividades de comrcio e servios destinadas a atender s necessidades dos
usurios do porto (estivadores, carregadores, marinheiros). Na dcada de 40 o
bairro tinha uma imagem bomia e marginal que se manteve consolidada nas
dcadas seguintes.
Nas dcadas de 70 e 80, as atividades econmicas e instituies financeiras
saram do bairro e no foram substitudas, s a atividade porturia e o comrcio
atacadista foram mantidas, alm de atividades de pouco prestgio social como
prostbulos e bares.
No incio da dcada de 90 a populao residente era inexpressiva. Num
levantamento efetuado pela prefeitura em 1991 existiam apenas 566 pessoas
residindo no bairro4.
Depois de haver identificado o patrimnio histrico e artstico local como uma
grande fonte de valor para a economia local, em 1991 o Governo do Estado de
4 Existe no bairro uma favela denominada Favela do Rato ou Comunidade do Pilar que est localizada entre o centro histrico e o porto. Segundo Zancheti; Marinho; Lacerda (1998) a Favela ocupada na sua maioria pelos trabalhadores do porto que desejam residir mais prximo ao local de trabalho. A ocupao se faz de forma sazonal, ou seja, durante o perodo de trabalho no porto.
-
45
Pernambuco encomendou um plano de ao para criar no Bairro do Recife um plo
de atividades que permitisse aumentar o tempo de permanncia dos turistas na
cidade.
Um primeiro estudo demonstrou que no se poderia fazer somente um plano
especfico para as atividades ligadas ao turismo, mas sim, um plano de revitalizao
de todo Bairro do Recife5, j que o turismo uma atividade que para existir requer a
existncia de uma rea urbana viva e integrada cidade.
O Plano de revitalizao do Bairro do Recife foi organizado e realizado
segundo os seguintes temas: planejamento urbano e economia, desenho urbano e
programao visual.
Em 1992 o plano foi finalizado e em 1993,
aps ser divulgado e discutido em uma comisso que
inclua organismos pblicos ligados ao planejamento
urbano, ao provimento de infra-estruturas e
preservao do patrimnio histrico e artstico da
cidade, teve incio sua implantao. Dentre as fontes
pesquisadas no h qualquer referncia a
participao da populao local na elaborao do
plano.
Os objetivos principais do Plano de Revitalizao do
Bairro do Recife (Fig. 10) foram:
1. Conservar o seu patrimnio histrico e
cultural, resgatando a sua caracterstica
de espao em constante transformao
que mantm registros de todos os seus
perodos histricos;
2. Transformar sua economia no sentido de
torn-lo um centro regional, ou seja, um
plo de concentrao de comrcio
varejista, de servios modernos e um
centro de cultura e lazer;
Figura 10 - Setores de interveno do Plano de Revitalizao do Bairro do Recife. Fonte Zancheti, Lacerda, Marinho (1998, p. 30).
5 O Plano de Revitalizao do Bairro do Recife foi elaborado pelas empresas URBANA: Planejamento e Projetos, Borsoi Arquitetos Associados e Multi Programao Visual.
-
46
3. Transform-lo num espao de lazer e diverso para a populao da
cidade, um espao que promovesse a concentrao de pessoas nas
reas pblicas;
4. E finalmente transformar o Bairro num centro de atrao turstica
nacional e internacional.
As intervenes do Plano foram distribudas cronologicamente em quatro
etapas, com prazos finais de concluso de 2, 5, 10 e 15 anos, a partir do ano do
incio da implantao.
Alm da diviso cronolgica h uma diviso em setores de interveno urbanstica,
conforme a figura 10, sendo eles:
1. Setor de consolidao: uma poro consolidada quanto ao uso,
institucional, e tem padro constante de ocupao de lotes e de edificaes;
2. Setor de revitalizao: a rea que oferece condies de interveno para
melhorar as condies de uso e a qualidade ambiental da rea, utilizando a estrutura
urbana, as edificaes existentes e realando as qualidades da paisagem urbana;
3. Setor de renovao: a rea que oferece disponibilidade de transformao
do seu ambiente urbano, atravs da criao de uma nova situao, tanto no que se
refere aos usos quanto ao padro de ocupao e de construo. O novo pode ser
introduzido para se harmonizar com o tradicional.
A partir desta diviso foi feito em 1992 um levantamento pormenorizado sobre
o padro de ocupao do Bairro. Uma das caractersticas levantadas foi a
predominncia de edifcios destinados a organismos pblicos no setor de
consolidao. O setor de revitalizao concentrava as atividades de comrcio e
servios, enquanto o setor de renovao as atividades de comrcio atacadista e
industrial. Foi tambm levantada uma taxa de ociosidade do estoque construdo em
torno de 20% (Zancheti, Lacerda, Marinho, 1998, p. 30-31).
O Plano de revitalizao iniciado em 1993 envolveu diversos aspectos, tais
como: alteraes no sistema virio do bairro, parcerias com entidades particulares,
envolvimento dos proprietrios dos imveis nas reformas e at a alterao do Plano
Diretor da cidade.
-
47
Para Zancheti; Lacerda (2000, p. 22) o Plano de revitalizao demonstra que: Esta experincia de revitalizao econmica e material constitui um
exemplo de requalificao de um patrimnio construdo que, em suas
linhas essenciais, revela que as reas histricas da cidade tm um
imenso potencial de desenvolvimento que deve ser ativado pelo
poder pblico municipal em parceria com atores econmicos locais.
Em 2003 o Plano completou 10 anos entrando no seu quarto estgio previsto
inicialmente. Para 2005 os desafios enfrentados pela administrao municipal so:
Introduzir um conjunto de novas atividades que impulsione a vida urbana garantindo a qualidade ambiental e
Garantir a conservao das edificaes com mais de 30 anos. O plano sugeria inicialmente, em suas diretrizes de projeto, a insero do uso
residencial em alguns setores do bairro. Porm as atividades previstas para esta
nova fase continuam a ser as de comrcio e servios, mas com um novo enfoque
voltado para o uso habitacional.
Uma das qualidades do plano de revitalizao do Bairro do Recife foi ter
demonstrado que as parcerias entre o poder pblico e a iniciativa privada podem
funcionar e colaborar com o sucesso de um empreendimento. Outro aspecto
importante foi deixar claro que sem mudanas na legislao municipal do uso do
solo e conseqentes alteraes no Plano Diretor, praticamente impossvel levar
adiante um projeto deste porte.
Outro ponto importante o plano de revitalizao ter sido elaborado
pensando-se num perodo de 15 anos. Mudanas na estrutura urbana por mais
simples que sejam, requerem planejamento cuidadoso e conseqente avaliao que
no poderia ser efetuado em perodos de tempo menores.
A principal critica que podemos fazer a ausncia da participao da
populao nas fases de elaborao e implantao do plano. Alm da falta de um
enfoque social nos trabalhos de revitalizao do bairro. Se considerarmos que a
cidade do Recife possui graves problemas na rea social seria natural que o plano
contemplasse em algum momento a incluso social. Mas os objetivos deixam claro
que a principal inteno sempre foi o turismo e a economia voltada para o comrcio
internacional.
-
48
Assim as atividades de turismo e lazer foram as que tiveram maior incentivo.
Tais atividades, segundo Zancheti; Lacerda; Marinho (1998, p. 45), foram as
responsveis pelo sucesso do Plano do Bairro do Recife, mas aps dez anos j se
sabe que sozinhas no so suficientes para garantir a continuidade e a manuteno
do processo de revitalizao.
Esta nova fase do plano deve ser vista com cuidado para que o Bairro do
Recife (Fig. 11) no se transforme apenas num cenrio para turistas e perca sua
qualidade como parte importante da histria e da vida cotidiana da cidade do Recife.
Figura 11 Bairro do Recife, rua do Bom Jesus. Fonte Suzane Albers Arajo (2004).
necessrio que sejam incentivadas tambm as atividades inerentes
habitao, atividades estas que foram previstas nas diretrizes de projeto,
promovendo a ocupao das edificaes centrais que poderiam ser adaptados para
moradia da classe mdia. As edificaes centrais esto ocupadas atualmente por
atividades de comrcios e servios, como bancos e restaurantes e tambm por
algumas instituies.
Na opinio da arquiteta Suzane Albers Arajo6 desta nova fase do plano vai
depender o sucesso da revitalizao do bairro, pois se tornou claro que na sua
6 Entrevista concedida em 27 de agosto de 2004.
-
49
forma atual, com o estmulo a atividades culturais, de lazer e comrcio, e pouco ou
nenhum s atividades residenciais, o plano no poder manter-se.
4.3 PLANO DE SANTANA DE PARNABA
Santana de Parnaba um municpio do Estado de So Paulo, na Regio
Metropolitana de So Paulo, microrregio de Osasco. A populao estimada em
2003 era de 86.247 habitantes numa rea de 184 km. (Fig. 12)
Figura 12 - Mapa da regio metropolitana de So Paulo. Em destaque a cidade de Santana de Parnaba. Adaptado de PSP (2005).
O conjunto arquitetnico do Centro Histrico formado por trs ruas
conhecidas como rua de Cima, rua do Meio e rua de Baixo (atuais Bartolomeu
Bueno, Andr Fernandes e Suzana Dias respectivamente).
So 209 edificaes que mantm, em sua maioria, as caractersticas originais
da poca de sua construo: sculos XVII, XVIII e XIX. Casas trreas e sobrados
construdos no alinhamento das ruas, com beirais pronunciados sobre o calamento.
O seu conjunto homogneo e tradicional referncia na construo em taipa de
pilo portuguesa no Brasil. (Fig. 13 e 14)
-
50
As aes de preservao do centro histrico da cidade de Santana de
Parnaba (SP) comearam em 1982 quando o Conselho de Defesa do Patrimnio
Histrico, Artstico, Arqueolgico e Turstico do Estado de So Paulo/
CONDEPHAAT reconheceu o valor histrico e cultural de seu conjunto arquitetnico
que passou a ser protegido no mbito estadual.
Antes disso trs edificaes do centro histrico j tinham sido tombadas pelo
Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional/ IPHAN no mbito nacional,
sendo elas a Igreja Matriz de SantAna tombada em 1941; a Casa Bandeirista (atual
Museu Casa de Anhangera) e a Casa da Cultura em 1958.
Figura 13- Configurao do centro histrico de Santana de Parnaba. Fonte PMSP (2005)
Figura 14- Vista geral do centro histrico.Fonte Alencar (2005).
Porm a proteo oficial no garante a preservao dos bens tombados,
mesmo com o tombamento o centro histrico estava bastante degradado, assim a
Prefeitura Municipal de Santana de Parnaba lanou mo de vrios instrumentos
para a proteo, recuperao e revalorizao do seu centro histrico, tais como
parceiras com o Projeto Oficina e a criao da Zeladoria do Patrimnio. Em 1999 foi
implantado o Projeto Oficina Escola de Artes e Ofcios7 que com obras que duraram
quase dois anos, foi possvel recuperar as fachadas de 209 imveis do centro
7 O Programa Oficina Escola de Artes e Ofcios visa a formao profissionalizante de jovens carentes entre 16 e 21 anos, de famlias de baixa renda. Sob a orientao de mestres vindos de Ouro Preto e do Esprito Santo, aprenderam as tcnicas de construo do Brasil Colnia e Imprio. O curso durou dois (2) anos e foi baseado em aulas prticas. Ao aprenderem as tcnicas construtivas tradicionais esses jovens transformaram-se em mo-de-obra especializada em restaurao.
-
51
histrico (Fig. 15). As restauraes das edificaes da rea central acabaram por
estimular outras melhorias no restante da cidade.
Figura 15 - Casarios do Centro Histrico durante o processo de restaurao desenvolvido pelos alunos do Projeto Oficina Escola. Fonte PMSP (2005).
Atravs do levantamento sistemtico dos imveis foi possvel obter
referncias relativas evoluo urbana, tcnicas construtivas, gabaritos adotados e
tambm sobre o estado de conservao das edificaes. O inventrio foi
desenvolvido pela Diretoria de Memria e Patrimnio Cultural e Natural/ DMPCN em
parceria com a Direco Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais de Portugal/
DGEMN.
Foi criada tambm pela prefeitura municipal a Zeladoria de Patrimnio que
um departamento da Diretoria de Memria e Patrimnio Cultural e Natural/ DMPCN,
cujo objetivo , alm da preservao do patrimnio, auxiliar os proprietrios dos
imveis tombados na manuteno dos mesmos. Atravs de profissionais
capacitados desenvolve projetos de conservao e restauro, orienta os moradores
sobre a legislao de preservao do patrimnio e encaminha os projetos e as
solicitaes de intervenes ao Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico,
Artstico, Arqueolgico e Turstico/ CONDEPHAAT.
Em 2003 a prefeitura municipal publicou uma cartilha direcionada ao morador
do centro histrico. O objetivo deste documento foi envolver os moradores no
processo de preservao, para que cada proprietrio conhecesse melhor o seu
-
52
imvel, podendo assim identificar as suas fragilidades e os procedimentos corretos
para preserv-lo.
A prefeitura municipal atravs da criao de incentivos fiscais tais como
descontos no IPTU (Imposto Territorial Urbano) para aqueles que preservarem seus
imveis, estimulou a conservao das edificaes do centro histrico e arredores.
Com as obras de restaurao de seu centro histrico (Fig. 16) Santana de
Parnaba vem se transformando desde 2001. As relaes dos moradores com a
cidade foram alteradas, passando os mesmos a dar mais valor a cidade e ao
patrimnio que possuem.
Figura 16 Uma das ruas do Centro Histrico com seus casarios restaurados. Fonte Alencar (2005)
Os moradores dos municpios vizinhos tambm perceberam esta mudana e
Santana de Parnaba transformou-se em um centro turstico da regio metropolitana
da cidade de So Paulo. Onde, nos ltimos sete anos surgiram novos restaurantes,
opes de lazer, lojas e at uma feira de artesanato que realizada aos domingos
na Praa da Matriz. As festas religiosas locais, tais como a representao da Paixo,
tambm contriburam para dar nova vida ao centro histrico, tornando-se um forte
ponto de atrao turstica na regio.
O principal mrito do trabalho de revitalizao do centro histrico de Santana
de Parnaba o envolvimento da populao local em todo o processo. Com o uso da
mo-de-obra local o Projeto Oficina conseguiu-se uma participao efetiva da
-
53
populao no s pelo vis social, mas tambm pela compreenso e valorizao do
patrimnio arquitetnico existente. Dessa maneira o plano torna-se auto-sustentvel,
no requerendo aes do poder pblico para se manter.
4.4 PROGRAMA MORAR NO CENTRO/ SP
A cidade de So Paulo a maior cidade do pas, a terceira metrpole do
mundo, possuindo uma populao superior a doze milhes de habitantes8 e
conseqentemente problemas sociais e urbanos na mesma proporo.
A regio central da cidade de So Paulo talvez, o melhor exemplo das
conseqncias das alteraes causadas pela mudana de valores e usos de um
centro urbano.
Desde o incio da dcada de 90 a administrao da cidade de So Paulo vem
procurando alternativas para solucionar os problemas causados pelo esvaziamento
e deteriorao de sua rea central. Neste trabalho estaremos enfocando o plano
desenvolvido pela Secretaria de Habitao e Desenvolvimento Urbano/ SEHAB
durante a administrao da prefeita Marta Suplicy9.
A regio central10 da cidade de So Paulo possui uma grande diversidade de
tipos de uso e de usurios tendo como principais caractersticas:
1. Abrigar casas e edifcios de uso misto;
2. Possuir grande diversidade social;
3. Estar dotada de completa infra-estrutura urbana, oferecendo rpido
acesso por metr, nibus ou trem;
4. Ser uma regio com muitas opes de gerao de renda e oportunidades
de trabalho.
Segundo dados atuais da Prefeitura do Municpio de So Paulo (2005), esta
regio possui uma populao residente de 373.914 pessoas alm de uma populao
flutuante e sua taxa de urbanizao de 100%.
8 Segundo dados da Prefeitura da Cidade de So Paulo (2005). 9 Perodo compreendido entre os anos 2001 e 2004. 10 A regio central da cidade de So Paulo formada por 13 distritos com cerca de 5.190 hectares e populao residente de 525 mil pessoas (dados do ano 2000, Prefeitura de So Paulo, 2004).
-
54
Embora com toda infra-estrutura necessria para habitao, a regio central
vem perdendo moradores desde a dcada de 70, principalmente de famlias de
classe alta e mdia, o que pode ser comprovado pela grande quantidade de
edificaes vazias ou subutilizadas. As causas mais comuns para tal fenmeno
parecem ser, segundo a Secretaria da Habitao e Desenvolvimento Urbano/
SEHAB (2004, p.05), a deteriorao da qualidade de vida e a busca por bairros
residenciais e condomnios fechados.
Alm da infra-estrutura existente, oportunidades de trabalho e acessibilidade,
a regio central de So Paulo possui potencial para a criao de unidades
habitacionais, como a existncia de terrenos vazios e de edifcios passiveis de
reforma e principalmente de edifcios de valor arquitetnico ou histrico, pra os quais
a melhor alternativa de recuperao e manuteno a reabilitao para o uso
residencial. (SEHAB, 2004, p. 06).
O Programa Morar no Centro um conjunto de intervenes municipais,
coordenadas pela Secretaria de Habitao e Desenvolvimento Urbano/ SEHAB,
Companhia Metropolitana de Habitao de So Paulo (COHAB-SP) e faz parte do
plano de reabilitao da regio central, que inclui o seu resgate histrico e
arquitetnico.
Os principais objetivos do programa so:
1. Melhorar as condies de vida dos moradores do centro;
2. Viabilizar moradia adequada para as pessoas que moram ou trabalham
na regio;
3. Evitar o processo de expulso da populao mais pobre, que muitas
vezes ocorre em polticas de reabilitao de centros urbanos.
Assim suas diretrizes principais so:
1. Priorizar a reforma dos prdios vazios existentes na regio;
2. Combinar solues habitacionais com iniciativas de gerao de renda;
3. Buscar a diversidade social nos bairros centrais.
O Programa Morar no Centro faz parte de um programa mais amplo de
reabilitao da regio central da cidade de So Paulo, o programa Ao Centro.
Este um programa da Prefeitura do Municpio de So Paulo que envolve
secretarias, empresas municipais e coordenado pela Empresa Municipal de
Urbanizao/ EMURB.
-
55
O objetivo reverter o processo de degradao e abandono do centro da
cidade atravs da implementao de projetos sociais e intervenes urbanas
capazes de re-qualificar os espaos pblicos e restabelecer suas potencialidades.
Os objetivos do Programa Ao Centro so:
1. A recuperao de reas degradadas;
2. A melhoria da qualidade ambiental;
3. O fomento pluralidade econmica;
4. A incluso social;
5. O re-povoamento residencial.
Nesta pesquisa tratamos somente do Programa Morar no Centro que lida
mais especificamente com a revitalizao de edificaes antigas (com ou sem valor
histrico) para o uso habitacional. (Fig. 17)
Figura 17 - Regio central de So Paulo com a delimitao das reas de atuao do Programa Morar no Centro. Fonte SEHAB (2004, p. 35).
Considerando as propores urbanas da regio central da cidade de So
Paulo o Programa Morar no Centro apresenta trs formas possveis de interveno
urbana:
1. Projetos habitacionais em terrenos ou edifcios vazios;
-
56
2. Permetros de reabilitao integrada do habitat (PRIH) e
3. Projetos especiais.
1. Os Projetos habitacionais em terrenos ou edifcios vazios tm o papel
de proporcionar a diversidade funcional e social dos bairros, podendo dar inicio a
outras iniciativas de reabilitao no entorno. A reforma de edifcios vazios, alm de
oferecer novas opes de habitao, contribui para reverter o processo de
abandono de algumas quadras e recuperar o patrimnio arquitetnico. (BARROS;
KOWALTOWSKI, 2001, p. 04) As propostas de novas construes em terrenos
vazios buscam atender as diferentes necessidades de demanda e integrar as novas
edificaes com o entorno.
2. Os Permetros de reabilitao integrada do habitat/ PRIH so
intervenes em reas delimitadas nos bairros centrais, compreendendo um
conjunto de quadras caracterizadas pela degradao do espao urbano e com alta
concentrao de habitaes precrias (cortios).
Nestes locais o projeto prev o desenvolvimento de aes conjuntas de
criao de unidades habitacionais, melhoria dos cortios, reabilitao do patrimnio,
criao e melhoria de equipamentos urbanos e reas verdes e melhoria e criao de
espaos para atividades econmicas.
Como por exemplo, o PRIH Luz (Fig. 18) que foi desenvolvido a partir do
levantamento de imveis venda, para alugar ou ociosos, localizados na regio.
Foram realizados estudos para a ocupao desses lotes, assim como da v