203864108 kayser wolfgang analise e interpretacao da obra literaria coimbra 1963

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COLECÇÃO STVDIVM TE MAS FILOSÓFICOS, JURÍDICOS E SOCIAIS Prof. WOLFGANG KA YSER ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA OBRA LITERÁRIA (INTRODUÇÃO À ClrNCIA DA LITERATURA) * 3." EDIÇ,\O PORTUGU1~SA TOTALi\IEN'l'E REVISTA PIU,A 4.' ALR1\L\ POR PAULO QUINTELA VOL. I ARMÉNIO AMADO, EDITOR, SUCESSOR-COIMBRA 1963

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  • COLECO STVDIVMTE MAS FILOSFICOS, JURDICOS E SOCIAIS

    Prof. WOLFGANG KA YSER

    ANLISE E INTERPRETAODA OBRA LITERRIA

    (INTRODUO ClrNCIA DA LITERATURA)

    *3." EDI,\O PORTUGU1~SATOTALi\IEN'l'E REVISTA

    PIU,A 4.' ALR1\L\POR

    PAULO QUINTELA

    VOL. I

    ARMNIO AMADO, EDITOR, SUCESSOR-COIMBRA

    1 9 6 3

  • ,INDICE

    PREFCIO 3." Edio Portuguesa. in memotiem deW. Kayser. . . . . . . V

    NOTA PRVIA00 TRADUTOR. . . IXPREFCIO 1.. Edio Portuguesa XIPREFCIO 2.' Edio Portuguesa xvPREFCIO L" Edio Alem . . XV11

    INTRODUO

    1. Entusiasmo e Estudo. . . . . . . . 32. O objecto da Cincia da Literatura . . . 53. Conceito e Histria da Cincia da Literatura. 14

    PREPARAO

    CAPTULO I

    PRESSUPOSTOS FILO LGICOS . 29

    1. Edio critica de um texto . 292. Determinao do autor . i 1

    Excurso : Determinao do autor por meio do texto 503. Determinao da data. 55i. Meios auxiliares. 60

    PRIMEIRA PARTE

    CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA ANALISE LITE-RARIA . . . . . . . . . . . . . . 69

  • CAPTULO 11

    CONCEITOS FUNDAMENTAIS QUANTO AO CON-TEDO. 73

    1. O assunto .. 732. O motivo " 80

    Excutso , O motivo da noite em quatro poemaslricos . . . . . . . . 89

    3. Letrnotv, Topos, Emblemas 1004. A fbula . . . . . . . . 109

    CAPTULO IJI

    CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO VERSO. 117

    I. Sistemas de verso . . . . . . 1182. Espcies de ps mais importantes. 1223. O verso. . . . 1244. A estrofe . . . 1295. Formas de poesia 1346. A rima. . . . 1427. Mtrica e histria do verso. 1468. Anlise do som . . . . . 149

    CAPTULO IV

    AS FORMAS LINGUSTICAS. .. .... 151

    I. A sonoridade. . . 1532. O estrato da palavra 1593. Figuras retricas 167

    Excurso . Imagem, Comparao, Metfora, Snes-tesia. . . . . . . . . 183

    4. A ordem usual das palavras. 196Excurso: Sintaxe e Verso 202

    5. Formas sintcticas. . . . . 209

  • NDICE

    Pgs.6. Formas superiores Frase. . . . . . . . . 229

    Excurso: Formas superiores frase estudadas atra-vs da anlise de um texto em prosa 231

    7. Modos e formas do discurso . . . . . . .. 234

    CAPTULO V

    A CONSTRUO. . . . . . .. .... 237

    1. Problemas de construo da Lrica 238(B) Um exemplo. . . . . . 238(b) Construo externa e interna 249(c) A construo do ciclo. . . 257

    2. Problemas de construo do Drama . 260(B) Cena e acto . . . . . . . 260(b) Construo da aco. . . . 268

    3. Problemas de construo na arte narrativa (pica) ,272(a) Formas exteriores de construo2n(b) O processo pico . . . 276( c) Formas baslares da pica . . 282

    PARTE INTERMDIA

    CAPTULO VI

    FORMAS DE APRESENTAO. . . . . . . . . 291

    1. Problemas de apresentao do gnero lrco (tcnicaLrica] . . . . . . . . . ., 295

    2. Problemas de apresentao do Drama (tcnica doDrama). . . . . . . . . . . . . 301

    3. Problemas de apresentao da pica (tcnica daArte Narrativa). . . . . . . . 310

    Excurso: A posio do narrador no Brs Cubasde Machado de Assis. . . . . 329

    Excurso: A configurao do dilogo na narrativa. 337

  • WOLFGANG KAYSER;2.3. 1. 1960

  • PREFACIO A TERCEIRA EDIO

    In Memoriam de W oIfgang Kayser.

    Eis a terceira edio deste livro em lngua portuguesa- deste livro que nasceu em Portugal e em portugusapareceu originriamente.

    Ao entreg-Ia ao pblico, sinto necessidade deescrever algumas poucas palavras in mernoriam do seuAutor, de quem tive a fortuna de ser amigo durantemuitos anos.

    Pertencentes mesma gerao - apenas um anoexacto nos separava em idade, com desvantagem paramim -, muito possvel, embora nenhum de ns dissotivesse lembrana, que juntos tivssemos seguido aslies e seminrios dos nossos mestres comuns emBetlim - J. Petersen, A. Hiibner, M. Hertmenn ... -Fomos depois colegas no ensino universitrio em Por-tugal, ele em Lisboa, eu j em Coimbra. Aprendemosa estimar-nos - e eu aprendi a admirar-lhe o excepcio-nal talento pedaggico, a vastido da informao lite-rria (no s no campo que nos era comum), a clareza,sobriedade sem secura, preciso e elegncia da exposio,a enorme capacidade de realizao na investigaocientfica e no ensino. Este conjunto de qualidades,aliadas lhaneza e humanssima afabilidade do trato, capacidade inata de reconhecimento da valia alheia,ao seu amor e prtica das artes - W. Kayser era umbom pianista e gostava de pintar, e grande mgoa eutenho de no possuir uma das suas belas aguarelas

  • da Serra da Lousl-, faziam dele um amigo preciosoe um colega com quem era bom colaborar.

    Nascido em Berlim, a 24 de Dezembro de 1906,frequentou o Fredrchs-Realqymnasum e depois, namesma cidade, na ento Universidade de FredericoGuilherme, seguiu estudos de Germenistice, AngUstica,Histria e Filosofia, e l se doutorou em 1930. Foilogo a seguir, por indicao de J. Petetsen, leitor delngua e literatura alems na Universidade de Amsterdoat 1933, e depois em Aarhus (Dinamarca), at inqres-sar como assistente fora do quadro da seco modernade Germenistice na Universidade de Berlim, em 1935,onde adquiriu a venia legendi. Trs anos mais tarde j docente em Lipsie, onde vai conviver comH. A. Korft. Th. Frings e A. [olles. Da vem, em 1941,tomar conta da regncia de Literatura Alem naFaculdade de Letras de Lisboa, contrato que se mantmat 1946. Permanece em Portugal, subsidiado peloInstituto de Alta Cultura, at 1950, e nesse perodoque leva a cabo, entre outros trabalhos, a redacodo presente livro, simultneemente em portugus ealemo. ento chamado ctedra de Filologia Alemem Gotinga onde, durante dez anos, prestiqie a escolacom um labor pedaggico e de investigao intensissimo,interrompido por frequentes convites para reger cursose fazer conferncias em Cambridge, Menchester,Herverd, Chicago, Zeqreb e noutras universidades daSua, Itlia, Jugoslvia, Holanda, Inglaterra, Escen-dinvia, Finlndia e Estados Unidos da Amrica.Preparava~se para uma viagem ao Japo quando, a 23de Janeiro de 1963, com apenas 53 anos de idade, umcolapso cardaco ps termo SUa vida to curta, masto intensa e multiplamente vivida.

  • A carreira cientfica e humana de W. Kayser impensvel sem o decnio passado em Portugal. fi aquique os seus horizontes ganham largueza para uma visomais vasta do fenmeno literrio, abarcando as pro-dues de expresso ibrica, mesmo no continente ame-ricano, principalmente a lrica e a novelstica portuguesamoderna, o drama espanhol e o romance brasileiro,que nunca mais deixa de valorizar nos seus trabalhose conferncias. fi aqui tambm que as suas qualidadeshumanas de convvio e compreenso, ao contacto domundo romnico, se desdobram e manifestam em todaa sua plenitude. E isto mesmo que eu hoje, comoPortugus, quero agradecer comovida e saudosamenteli sua memria.

    Nomeamos a seguir, dos seus trabalhos, os maisimportantes:

    KLANGMALBREI BEI HARSDORFFER {Dis. de doutora-mento, 1932);

    GESCHICHTE DER DEUTSCHEN BALLADE (1936, HABILlTA-TIONSSCHRIFT, de que preparava nova edio antesde morrer);

    DIE IBERISCHE WELT 1M DENKEN J. G. HERDERS (1945;importante para o estudo das literaturas ibricas e docercter nacional de Portugueses e Espanhis naobra de Herderi captulos especiais sobre Cemes,os Descobrimentos, e o Cid}, .

    KLEINE DEUTSCHE VERSSCHULE (1947, 7.4 ed., 1960);DAS SPRACHLICHE KUNSTIVERK ( O presente livro,

    aparecido em 1948, que vai j na 7.4 ed, alem e quefOi traduzido em vrias lnguas);

    ENTSTEHUNG UND KRISE DES MODERNEN ROMANS(1954);

  • VIlI

    DAS GROTESKE. SEINE GESTALTUNG IN MALEREI UNO

    DICHTUNG (1957);DIE VORTRAGSREISE (1958; colectnee de conferncias,

    entre elas, de especial interesse para o leitor por-tugus, A Estrutura do 'Prncipe Constante' deCelderon, Posfcio traduo das MemriasPstumas de Brs Cubas' de Machado de Assise A Literautra Portuguesa da Actualidade);

    DIE WAHRHEIT DER DICHTER (1959):KUNST UNO SPIEL. FNF GoETHE-STUDIEN (1960).

    Ainda depois da partida, o esprito de W. Keuser,graas diligente dedicao de sua Esposa, con-tinua a visitar-nos, com a publicao das suas liessobre Histria do Verso Alemo (GESCHICHTE OESOEUTSCHEN VERSES; 1960) e sobre o Fausto de Goethe,(FAUSTKOLLEG, nachgezeichnet von Ursula Kayser,Gotinga, 1962) o ltimo curso por ele regido, interrom-pido definitiva e simbolicamente, ao que leio, com ainterpretao da descida de Fausto ao Reino das Mes.

    Tambm dele - o mago-intrprete - se pode dizer,com o heri de Goethe:

    In recher Spende lsst er, voll Vertrauen,Was jeder wnscht, das Wunderwrdqe schauen.

    Coimbre, 10 de Fevereiro de 1963.

    PAULO QrnNTELA

    NOTA. - O texto da traduo foi, evidentemente, revisto maisuma vez, expurgado dos erros e gralhas que se notaram, melho-rado aqui e acol com uma nova verso ou com algumas formu-laes que nos pareceram preferveis s da edio anterior.

    A fotografia de W. Kayser que publicamos foi tirada enquantoele pronunciava, em 11 de Novembro de 1959, o seu discurso naUniversidade de Gotinga sobre Schller Poeta da Grandeza.

  • NOTA PRVIA DO TRADUTOR

    O texto da verso portuguesa deste livro (que emI.a edio h dez anos apareceu, em 2 volumes, nestamesma coleco com o ttulo Fundamentos da Inter-pretao e da Anlise Literria) [oi agora subme-tido a meticulosa reviso pelo da e edio alem(Das sprachliche Kunstwerk - Ene Einfhrung in deLteraturwssenschaft, oierte Auflage, Frencke VerlagBem, 1956). Da extenso e validade - mesmo danecessidade - dessa reviso poder fcilmente fazerideia quem queira der-se ao trabalho de confrontar,ao acaso, qualquer pequeno nmero de pginas. Podertambm verificar, ocasionalmente, vrios ectescentos,alguns substanciais.

    Julgmos conveniente, por mais lgica e mais con-forme ao desenvolvimento da matria e natureza domtodo, a alterao do ttulo portugus primitivo.

    No vale a pena falar em eventuais adies biblio-grficas, uma vez que no houve preocupao - nemhaveria a possibilidade - de ser exaustivo. Houve,sim, a de fixar a terminologia e o vocabulrio tcnicoda cincia literria, a partir da nomenclatura alem,indubitvelmente a mais rigorosa e diferenciada.' Bemsabemos que no fomos alm da tentativa e que essa

  • xtarefa no pode ser, em definitivo, obra de um s. Mas preciso que algum comece ... A fica, nesse campo,o nosso contributo que desejaramos ver discutido, pre-cisamente porque o sabemos discutvel.

    Coimbre, Fevereiro de 1958.

    PAULO QUlNTELA

  • PREFACIO t EDIO PORTUGUESA

    Como todas as cincias, a da literatura v-se, devez em quando. forada a uma reviso das suas con-cepes besileres. Hoje. perece-nos bem evidente o factode ela ter entrado numa nova fase da sua histria.Pouco a pouco imps-se, de novo. a convico de sernecessrio colocar no centro da ectividede cientfica osproblemas contidos no prprio fenmeno literrio.ofuscados pela investigao dos ltimos cinquenta anos.Esta costumava considerar uma obra como manifestaode [enmenos extra-literrios e eproveiteve-se dela parachegar ao esclarecimento de [ectotes como autor.gerao. corrente ideolgica. classe social, poca. ouainda determinados problemas e ideies. Em oposioa esta tendncia implantou-se, cada vez mais. a crenade que a verdadeira misso e mais prpria tarefa dainterpretao consiste em estudar a obra literria comotal. em compreender a sua existncia autnoma e escla-recer as leis que determinam a sua organizao. Osimpulsos que conduziram a essa nova ou. at certoponto. antiga concepo dos estudos literrios. tm vindode todos os lados. reunindo-se e organizando-se j halguns anos. Basta apontar os congressos internacio-nais. realizados pela Comission Internationale d'Hs-tore Lttraire, as novas revistas como eHelcon,eTrvum. e outras. as novas escolas como a de

  • XII

    Zurique, etc, Os resultados j alcanados pelos recentesesforos so de tal importncia, que a profecia dumainevitvel alterao de toda a historiografia literriaparece justa e prestes a reelizer-se.

    No ser, por isso, prematura a tentativa de daruma introduo aos mtodos aplicados e nela, ao mesmotempo, uma exposio do estado actual da investigao.O presente livro pretende ser isso mesmo. O seu planofoi determinado pela concepo besiler da obra literriacomo obra de arte plasmada na lngua. Depois dumaexposio analtica, na Primeira Parte, dos [enmenoselementares que dizem respeito ao contedo, ao verso, lngua e composio, cheqe-se, na Segunda Parte,s foras sintticas correspondentes ou seja: contedoideolgico, ritmo, estilo e qnero. Passando de uma outra, observem-se as suas correlaes at que, [inel-mente, no ltimo captulo se revela a sua determinaointrnseca pelo verdadeiro centro construtivo. S a novaconcepo metodolgica tem a possibilidade de superartoda a anlise inevitvel por uma sntese definitiva.Para o leitor no smente conhecer os diferentesaspectos pela teoria, mas poder observar os respectivosmtodos no seu trabalho prtico, pareceu convenienteincluir vrias interpretaes, s vezes sob a forma deexcursos, Tirarem-se os exemplos, como acontecetambm com as referncias no prprio texto, de prefe~tncie das literaturas romnicas e germnicas e, emalguns casos, da grega e da latina, pois o livro se des-tina, em primeiro lugar, a todos aqueles que se dedicamao estudo de uma daquelas literaturas.

    Uma bibliografia completar a descrio dos pro-blemas e a exposio do estado actual da investi-

  • XIII

    gao. Bibliografias deste gnero so sempre precriase so-no sobretudo hoje em dia, dadas as dificuldadesde obter informaes bibliogrficas e livros recm--publicados. Contudo, precisamente estas dificuldadesparecem aumentar a utilidade de um apndice biblio-grfico, por mais defeituoso que seja.

    A verso original do livro [oi escrita em alemo.Na verso portuguesa, muitas vezes no foi fcil a tra-duo de termos bem delimitados e que ocupam posiode destaque no texto. O autor tem de pedir indulgncia,alm disso, se a linguagem deixa transparecer at certoponto a provenincia estrangeira. Muito sinceramenteagradece a todos aqueles que o ajudaram, com tantaamabilidade, na elaborao penosa da verso defi-nitiva, sobretudo s Senhoras D. Maria Osswald eo- D. Anna Arneud, D. Elvira Monteiro, D. MariaManuela Sousa Marques, D. Maria Salom Correia,D. Ruth Sen Pago Arajo. A quem o autor deve omaior auxlio ao seu amigo Doutor Paulo Quintelaque dispensou ao livro as suas grandes capacidadesde estiliste, intrprete e cientista, tomando sobre si, esua sponte, o ingrato trabalho de ler todas as provasdurante a composio.

    Resta ao autor uma ltima palavra de reconheci-mento e, na verdade, a mais profunda e mais expressiva.O Instituto para a Alta Cultura dignou-se aprovar oplano do livro, apresentado pelo autor, e conceder-lheuma bolsa de estudo para a sua execuo. S destamaneira se criaram as condies que permitiram ao autorescrever o livro e realizar as suas intenes: ser tilao leitor e, nomeadamente, juventude acadmica, nosseus estudos literrios.

  • XIV

    Uma verso do livro em lngua alem, a qual divergesobretudo nos exemplos prticos, est a sair sob o ttuloDas sprachlche Kunstwerk.

    Lisboa, no ms de Julho de 1948.

    WOLPGANG KAYSER

  • PREFACIO A z EDIO PORTUGUESA

    A presente edio difere consideroelmente da pri-meira. O Doutor Paulo Quintela, que j a esta dedicarao seu auxlio, reviu agora o texto em tal medida quesurgiu uma nova verso e o livro lhe pertence pormetade. E: dever do autor - dever que cumpre eleqre-mente - exprimir o seu agradecimento ao Doutor PauloQuintela, a quem h longos anos o ligam laos deamizade. Toda uma srie de alteraes do contedoexplice-es o facto de, para a nova verso, se ter partidoda 4.a edio de Das Sprachliche Kunstwerk, entre-tanto eperecide,

    Com profunda gratido recorda o autor o tempo emque lhe foi dado escrever o livro em Portugal, quese lhe tornara segunda ptria. Se o livro se mostroutil para o estudo da Literatura - a par da versoalem existe uma espanhola que est a aparecer emsegunda edio, enquanto se prepara uma traduo paraingls -, especial motivo de alegria para o seu autoro poder ter contribudo para alargar no estrangeiro oconhecimento da Literatura Portuguesa a que [oi buscartantos exemplos.

    Dentro em breve aparecer a continuao do pre-sente livro.

    Gotinqe, Fevereiro de 1958.

    WOLFGANG KAYSER

  • PREFACIO A l.a EDIJl.O ALEMJl.

    O presente livro uma introduo aos mtodos detrabalho com cujo auxlio se abre a compreenso dequalquer obra literria como obra de arte. A investi-gao das ltimas dcadas trabalhou predominantementecom outros objectivos. Punha a obra em relao com[enmenos extre-poticos e julgava encontrar a a oer-dedeira vida de que a obra ento seria o reflexo.A personalidade de um poeta ou a sua concepo domundo, um movimento literrio ou uma gerao, umgrupo social ou uma paisagem, o esprito de uma pocaou o carcter de um povo, em suma problemas eideies -, tais eram as potncias vitais a que se tentavachegar atravs da poesia. Por justificados que estesmtodos de trabalho sejam ainda hoje e por grande queseja o seu resultado, pe-se todavia a questo de saberse com eles se no descura a essncia da obra de arteliterria e se se no descuida a tarefa principal dainvestigao literria.

    Uma obra literria no vive nem deriva como reflexode qualquer outra coisa, mas sim como estrutura lin-gustica fechada e completa em si mesma. O empenhomais urgente da investigao deveria pois, nesta con-formidade, ser a determinao das foras lingusticascriadoras, a compreenso da sua cooperao e a ten~tativa de tornar transparente a totalidade da obraisolada.

  • XVllI

    Durante o predomnio daqueles mtodos de sentidodiferente no faltaram investigadores que continuaramfiis s tarefas essenciais. Mas s h um decnio que tais esforos recobraram amplitude e importncia,se ligaram e organizaram em revistas, congressos eescolas, de tal sorte que a profecia de ento j hojerealidade: um novo perodo na histria da investigaoliterria comeou. E parece justificada a esperana deque, a partir do centro reconquistado do trabalho diri-gido para o potico-linguistico, tambm a histria daliteratura alcanar novas normas.

    No parece pois prematuro tentar uma introduoaos problemas e mtodos da interpretao literria.A construo do livro ordenou-se sem violncia: depoisda discusso das questes prvias filolgicas, a primeiraparte descreve os [enmenos elementares que se encon-tram dentro dos quatro estratos do Contedo, do Verso,da Lngua e da Estrutura. Na segunda parte so liber-tados da sua rigidez e isolamento e referidos aos corres-pondentes centros de fora sintticos da Substncia, doRitmo, do Estilo e do Gnero. A medida que se avanaoi-se descobrindo a sua mtua determinao, at quefinalmente, partindo do ltimo captulo, se tornam visi-veis a cooperao de todas as foras e a unidade cerradada estrutura lingustica. Pois ao mtodo de trabalhoaqui tratado torne-se possvel superar a dissoluo,inevitvel a princpio, da obra isolada por meio de umarestaurao final da sua totalidade. Pelo movimentocontnuo para este fito que esta tentativa se dis-tingue talvez dos livros temticemente afins de Walzel,Winkler, Ermetinqer, Petersen e outros.

    Pareceu conveniente mostrar simultneemente aoleitor o manejo dos instrumentos tericos. Para este fim

  • XIX

    se acrescentou discusso uma srie de interpretaes,por vezes em forma de excurso. Os exemplos, nestescasos, e tambm para as referncias no texto, foramtirados das literaturas germnicas e romnicas, e porvezes tambm da poesia grega e latina. Se nesta empli-tude reside mais outra diferena a distinguir este livrode outras introdues, devido convico de que noh cincias nacionais da literatura, de que as foras queconstituem a estrutura lingustica da poesia bem comoa sua forma so quase em toda a parte as mesmas,e de que a erudio autntica e vasta aprofunda a com-preenso da obra isolada. A prpria histria literrianos ensina a ver cada vez com mais clareza o entrele-emento e a base comum das literaturas europias.Talvez neste ponto estejamos tambm no meio de umatransformao fundamental das ideias e dos mtodosde trabalho. Ernst R.obert Curtias, no captulo introdu-trio do seu livro Europische Literatur und lateinischesMittelalter, combateu a repartio da literatura euro-peia numas quentes filologias desvinculadas - e nos no que concerne a Idade Mdia - e exige, em vezdisso, que se dirija o olhar para o todo. Com a suaobra ps ele histria literria o marco que a cinciada literatura possui no livro de Emil Staiger De Zet,aIs Einbildungs.kraft des Dchters, De ambos estespontos de vista parece assim necessrio o alargamentoda perspectiva. Criar disposies para isto um pro-psito secundrio do presente livro.

    o que se pretende tambm com a bibliografia quedeve ao mesmo tempo completar o panorama da situaoactual da investigao. Bibliografias desta natureza sosempre precrias; so-no principalmente na actualidadeque faz das informaes bibliogrficas seguras e da

  • xx

    obteno das novidades um jogo de acaso. Mas execte-mente estas dificuldades faziam por seu lado ver queum apndice bibliogrfico no seria intil, a despeitodas suas lacunas e da sua insegurana. O autor agra-dece as muitas ajudas que recebeu para minorar asdeficincias.

    Para alm do seu cerctee de introduo, o livrodesejaria dar tambm uma contribuio independentepara vrios problemas. Inestimveis so as sugestesque o autor recebeu. Ao tentar volver atrs o olharpara se dar conta disto, os pensamentos detm-se prin-cipalmente em duas estaes: no tempo de aprendizagemem Berlim sob a direco de Julius Petersen, e depoisa poca de ensino em Lipsie, quando, em reunies regu-lares com Andr [olles, muitos novos caminhos foramprojectados em comum.

    Deste livro aparece ao mesmo tempo uma edioportuguesa. refundida sobretudo nos exemplos, e emcuja redaco o autor [oi apoiado por um generosqestipndio do Instituto para a Alta Cultura do Ministrioda Educao Nacional portugus. pelo que se exprimeaqui sincero agradecimento.

    Lisboa, Julho de 1948.

    W. K.

  • INTRODUO

  • I. Entusiasmo e Estudo

    o estudo da literatura pressupe certos dotes te-ricos da parte daquele que se lhe dedica. Sem a Iacul-dade de apreender problemas tericos como tais, decompreender os mtodos cientficos com os quas sealcanou a sua soluo, e ainda sem a possibilidade depor si prprio os aplicar na resoluo de novas ques-tes, fica para sempre vedado o acesso cincia daliteratura. Exige ainda alm disso, como qualquer outracincia, especial vocao para o objecto imediato doestudo. Sem sensibilidade especial para o fenmenopotico seriam vs e estreis todas as noes dacincia da literatura, e a sua aplicao nunca resultariaconvenientemente. Esta faculdade que nos permitesentirmos o que h de especfico na obra potica man-Iesta-se geralmente por um grande entusiasmo, entu-siasmo esse que, no jovem estudante que se dedicaseriamente ao estudo da literatura, ultrapassa, na maiorparte das vezes, o interesse terico. E muito Irequen-temente no s sintoma de receptvidade artstica,mas ao mesmo tempo tambm sinal de fora criadoralatente, que espera apenas pelo contacto terico com aobra potica para ser despertada.

    Quanto mais profundo porm o entusiasmo pelosassuntos literrios, tanto maior costuma ser a decepono comeo do estudo. Pois este, de princpio, no con-tribui para comunicar e aprofundar emoes estticas,parece mesmo nem se preocupar com elas. Os caminhos

  • ANLISE E INTERPRETAO

    seguidos pelo tratamento terico desviam-se muito daessncia da poesia. Em vez de nos deleitarmos com abeleza de um poema, necessrio se torna contar slabase acentos, verificar e aprender esquemas de rimas, ouento prender-se com palavras isoladas, cuja aparentefacilidade de compreenso complicada pela investi-gao aturada do seu aparecimento e Irequncia de usonoutras obras do mesmo autor ou na dos seus contem-porneos. Em vez de nos entregarmos sem reserva fora e violncia de um drama, torna-se necessrio ana-lis-lo e dissec-lo at que, aparentemente, como quetoda a vida se evola dele. costume ento a desilusotransformar-se em acusao directa s cincias da artepor enfraquecerem a sensibilidade artstica ou mesmoa destruirem. S mais tarde, pela continuao desseestudo, se reconhece como realmente se torna maisprofunda a receptvdade e a compreenso das coisasliterrias. Precisamente como um conhecedor de msicacompreende uma fuga melhor do que um profano, parao qual ela no mais do que uma srie de sons,tambm o homem com o conhecimento profundo daliteratura entende a obra de um poeta melhor do queaquele para quem esta no passa de atraco passageira.Pois com esta encontramo-nos ainda no domnio dosubjectvo, cada qual l, como Werther, o seu Homero,enquanto que o outro caminho procura penetrar nandole da prpria obra.

    Trata-se certamente de uma aproximao. O intr-prete, embora procure ser to objectvo quanto possvel,nunca poder abstrair da sua individualidade, nem dasua poca, nem da sua nacionalidade. A histria dasinterpretaes da obra de Shakespeare um dos cap-tulos mais elucidativos da histria espiritual da Europa.

  • DA OBRA LITERARIA 5

    Tudo isto, contudo, no destri o direito e a necess-dade de uma apreenso tanto quanto possvel objectivados textos literrios, nem conseguiu soterrar os impulsospara a atingir. Todo o estudo terico acerca da obrapotica est inicialmente ao servio da grande e difcilarte de saber ler. S quem sabe ler bem uma obra estem condies de a fazer entender aos outros, isto ,de a interpretar acertadamente. E s quem capazde ler bem uma obra pode satisfazer as exignciasinerentes cincia da obra potica.

    2. O Objecto da Cincia da Literatura

    H cincias univocamente adstritas a um determi-nado crculo de objectos. Por exemplo, tudo o quepertence ao mundo dos sons est includo na cinciada msica. H porm objectos que caem no campode aco de diversas cincias. Uma floresta, por exem-plo, pode servir de objecto botnica, geografia, economia poltica, etc.; a unidade de cada cincia ento constituda por uma perspectiva especial.

    A cincia da literatura parece indicar o seu prprioobjecto com a expresso: literatura. Mas o que quequer dizer literatura? De acordo com o significadoda palavra, abrange toda a linguagem fixada pelaescrita. Ora inegvel que h outras cincias quetm por objecto, no todo ou em grande parte, textosliterrios. Todavia um texto jurdico, um dicionrio,uma carta comercial, etc., no pertencem, evidente-mente, ao nmero dos objectos da cincia da literatura.Se alis esta cincia possui objectos prprios e no

  • 6 ANALISE E INTERPRET AAO

    somente constituda por perspectivas especiais e homo-gneas, tm estes objectos de formar um grupo maisrestrito dentro da literatura. O sculo dezoito traoulimites claros em torno de um tal crculo, que deno-minou Poesia: o verso marcava a linha divisria,e quem fazia versos era vate ou poeta. Schiller apelidavaainda o autor de romances de meio-irmo do poeta.Contudo no sculo dezoito amontoavam-se tambmdvidas sobre dvidas, se o verso na verdade era umcritrio vlido, se possuiria a capacidade de distinguira produo potica da no-potica. Para os romnticosalemes, contos e romances so os gneros poticos,e um Shelley formula a frase: The distinction betweenpoets and prose-iotiters is a vulgar ertot, Realmentehoje, para ns, prosadores corno Flaubert, Dickens,Keller, Ea de Qucirs, etc., esto, na essncia, nomesmo plano dos poetas de versos. Que um dramaseja escrito em verso ou em prosa, parece-nos, comrazo, indiferente para a sua essncia como obra potica.Seria absurdo reconhecer qualidades de obra poticas ltima verso da Iphiqenie de Goethe, compostaem verso, ou excluir de vez da poesia o Frei Lus deSouse, s porque o seu autor, depois de algumas hesi-taes, se decidiu pela prosa, Ou deveramos incluirna poesia a parte das comdias de Molre escritas emverso, e excluir dela as que so em prosa? Ou rasgara sua Princesse d'Elide, cujo primeiro acto versfcado,mas os seguintes j no - por falta de tempo, comonota o prprio Molre? Ou despedaar, finalmente,as cenas de Shakespeare conforme este critrio? Grandeparte do pblico de teatro nem sequer repara se umdrama representado em verso ou em prosa (alis,

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    tanto por culpa de quem escuta como de quem repre-senta). Por outro lado, no podemos considerar poemasautnticos obras versfcadas, ddcticas, no gnero doDe netute de Lucrcio, as crnicas rimadas da Idade--Mdia ou ensaios em verso. Desde o Romantismo,os termos Poesia (Dichtunq] e Poeta (Dichter] tmsofrido grande evoluo no seu significado intrnseco,processo esse que roi muito mais rpido nas lnguasgermnicas do que nas romnicas.

    Mas embora as obras poticas em prosa se apro-ximem estreitamente das escritas em verso, para a nossamaneira de ver afastam-se completamente de um textojurdico ou cientfico. Para demarcao da linha divi-sria no basta serem umas obras produto da fantasiado autor e as outras no. Foi neste sentido que algunsromnticos ingleses quiseram ver na fantasia um Ien-meno constitutivo da poesia. Mas tambm o cientistaprecisa de fantasia; e quem ousar decidir se a fantasiade um historiador na verdade inferior de um poetaque escreveu um romance histrico ou trabalhou denovo um assunto literrio j muitas vezes tratado?

    Por este caminho, pois, impossvel formular umcritrio que permita a delimitao de um crculo maisestritamente literrio. Para o conseguirmos, temosde partir do seguinte princpio: todo o texto literrio(no sentido mais lato da palavra) um conjunto estru-turado de frases fixado por smbolos. As frases, ali-nhadas umas s outras, no texto de exerccios de umagramtica, para estudo de qualquer regra, no so umconjunto estruturado, no so, pois, um texto literrio.

    O conjunto estruturado de frases portador dumconjunto estrutura do ":e significados. O facto de pala-vras e frases significarem alguma coisa reside na

  • 8 ANALISE E INTERPRET AAO

    prpria essncia da lngua. Com isto chegmos pormao ponto em que a particularidade do texto literrio--potico se revela.

    Passou o outono j, j torna o frio - estas duasfrases, por exemplo, poderamos imagin-Ias como partede uma conversa banal, entre duas pessoas que falamda poca do ano e do tempo. Os significados referem-seneste caso a realidades existentes independentementede quem fala. (Realidade, aqui, no abrange sobjectos perceptveis sensorialmente, mas tambm noesabstractas, tambm objectos ideais da linguagem mate-mtica, como ponto, linha; tringulo, etc .. ) No nossoexemplo, trata-se de factos absolutamente reais: agora,no ano que corre, o outono passou, e o frio, o frioautntico do inverno, aproxima-se. Se, porm, lermosesta linha no ponto em que est inserta, isto , comoprimeiro verso de um soneto de Camilo Pessanha,deveremos interpret-Ia por forma totalmente diversa,sob pena de lhe falsearmos o sentido. Aqui os signi-ficados das palavras j no se referem a factos reais.Pelo contrrio, os factos aqui adquirem qualquer coisade estranhamente irreal, pelo menos uma existnciapeculiar, absolutamente diversa da realidade. Os factosou, como tambm diremos, a objectualidade (que, claro, abrange tambm seres humanos, sentimentos,acontecimentos) existem somente como realidade evo-cada por estas frases poticas. As frases do poematm a capacidade de provocar a sua prpria objectua-lidade. Acerca da realidade do outono do ano de tale tal -nos lcito fazer observaes inmeras. A objec-tualidade naquele verso constituda pelas frases quea produzem e a ligao neste caso to estreita, queo mundo do poema seria totalmente diverso se alte-

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    rssemos a mnima coisa na linguagem, por exemplo,as inverses (quer dizer, a colocao do verbo antesdo sujeito), a repetio do j, a pausa, o ritmo, osom, o comprimento do verso.

    Ganhamos assim dois critrios para distinguirmosdentro da literatura, na sua acepo mais lata, umcrculo mais estreito. So eles: a capacidade especialque a lngua literria tem de provocar uma objectual-dade sui generis, e o carcter estruturado do conjuntopelo qual o efeito provocado se torna uma unidade.Todo o mais que naquela poesia de Camilo Pessanhavenha a surgir ainda, fica dentro do horizonte traadopelo primeiro verso.

    O crculo assim delimitado pode designar-se poruma expresso, j de h muito usada: chamamos-lheBelas Letras {Belles Lettres}, Em certos casos serdifcil traar a linha divisria. Mas, reconhecendo fran-camente esta dificuldade e admitindo tambm a incursofcil de uma zona para a outra (quantas vezes nosubstituimos a nossa imagem de uma paisagem, de umacidade, imagem suqerida pela obra? e quem no leuj uma poesia como se fora escrita, propositadamente,para a sua situao do momento?), isto no quer, porm,dizer que seja ilcito falar das Belas Letras como de umcrculo especial. E ao verso, que h pouco teve de serdestronado como critrio exterior, de novo se restituitoda a sua dignidade. A inegvel afinidade do versocom as Belas Letras - 'e em tal grau que ele bastanormalmente j para conferir o carcter potico -explica-se por energias peculiares do verso que ajudama provocar uma objectualidade especial. No primeiroverso do poema de Camilo Pessanha reconhecemoscomo a pausa, o ritmo, o comprimento, a cadncia

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    colaboram na construo e caracterizao do mundopotico.

    pois legtimo afirmar que as Belas Letras so oobjecto especial da cincia da literatura, e que, em facedos outros textos, se apresenta como algo de suficiente-mente diferenciado.

    Contra esta maneira de ver algumas objeces setm erguido. O defensor mais apaixonado de umadelimitao mais restrita do objecto o filsofo italianoBenedetto Croce, que com mxima clareza nos expsas suas ideias na obra La Poesia. lntroduzione altaCritica e Storia delta Poesia e delta Lettereiure, Crocesepara rigorosamente a poesia da literatura. A espres-sione lettererie um fenmeno da civilizao e dasociedade, tal como a cortesia. Consiste na har-monizao das espressioni non poetiche (como lepessioneli, prosestiche e oratorie o eccitanti) com aespressione poetica. A literatura no possui poissubstncia prpria; , sim, o belo vesturio do senti-mental-subjectvo, do dscursvo. do recreativo e doinstrutivo: as quatro classes de literatura admitidas porCroce. Poderamos aceitar esta classificao. Ficamos,porm, surpreendidos quando vemos tudo o que, segundoCroce, no pertence Poesia e dela est separado porum abismo. No nmero dos excludos no figuramsomente oradores, cientistas, especialmente historiadores;aparecem tambm Horcio, Feldnq, Scott, Manzoni,Vctor H ugo, Schiller com o seu Guilherme TeU,Os Lusiedes, Byron, Musset, Molre. Em nenhumdeles se manifesta pois o Ienmeno potico (ou s semanifesta parcialmente) e so portanto excludos daCritica e Storia della Poesia.

    Prova-se assim que as determinaes, segundo Croce,

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    de literatura por um lado e de poesia (Dichtung) pelooutro (identidade de contedo e forma; expresso dacompleta humanitas; apreenso do particular no uni-versa I e vce-versa: submisso beleza una e indivisvel)no so suficientes para determinar univocamente a queclasse pertence urna obra. Em Croce parece ser a suareceptvdade especial para o lirismo a determinantedos seus juizos. Assim, todos os passos de urna obraque sejam pontos basilares de estrutura, incorrem comoque a priori lia suspeita de serem apoticos, (Ao passoque para ns a estrutura uma qualidade essencialdas Belas Letras.)

    Seja como for, no nos parece legtimo excluir donmero dos objectos da cincia da poesia Molire,05 Lusiedes, Fieldinq, Horcio, etc. Para afastarmos,porm, as produes escritas de historiadores, cientistase oradores, basta o j mencionado critrio: que as BelasLetras criam a sua prpria objectualidade.

    vasto o mbito das Belas Letras. Evita-se assima situao a que chegou Croce, devido sua atitude.Pode-se dizer que depois de escritos os livros sobreDante, Arrosto, Goethe, a Poesia espanhola, etc., chegouao seu termo a Critica e Storia delle Poesia e temde esperar pelo aparecimento de novos poetas. Poroutro lado, atribuir (como fizemos) um to vastombito s Belas Letras, no implica que toda a matriaabrangida pertena mesma categoria. Persiste umadiferena entre Poesia e Literatura, e a orientao deCroce e a sua classificao da literatura parece-nosexcelente como base para urna mais rigorosa diferen-ciao.

    Se, mais acima, verificmos j no serem os termosde Poesia e Poeta delimitados no seu significado pelo

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    verso, temos agora de acrescentar como conclusopositiva que a sua nova significao determinada pelonvel da sua categoria. Poeta e Poesia tornaram-senoes valorativas. indiscutvel que, na Poesia, surgena sua mais intrnseca pureza a essncia potica. No possvel porm marcar com nitidez as linhas que separamPoesia e Belas Letras, e no podemos indicar nenhumaparticularidade ontolgica que nos permita delimitar aPoesia como rea isolada.

    Algumas histrias da literatura parecem, por outrolado, estar em contradio com a nossa determinaodo objecto da cincia da literatura. Assim encontramosna Histoire de Ia littreture [reneise de Lanson cap-tulos sobre filsofos, oradores, historiadores. O motivodesta incluso reside na qualidade estlstica dostextos tratados, que os aproximava das belas letras.Vai ainda mais longe a Cambridge Historq of EnglishLitereture. Abrange conscientemente the literetute ofscience and philosophu, and that of politics and econo-mies ... the newspaper and magazine ... domestic lettersand street songs: accounts of travei and records ofsport, Se os autores admitiram a noo Literaturano seu sentido mais lato, ou se, penetrados da con-vico de que as Belas Letras so um fenmeno sociale histrico, nos quiseram tambm dar apontamentossobre a terra onde tm as suas raizes, esta umaquesto que deixaremos em suspenso. Trata-se, comose v, em primeiro lugar, do problema de como sedeve escrever a histria da literatura, problema esteque podemos reservar para outra conjuntura. Alis, acontradio na determinao do objecto s aparente,pois esses autores no tocam na rea particular dasBelas Letras e no poro em dvida ser esta o objecto

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    prprio da cincia da literatura. Ns, contudo, reconhe,cemos que, alm do objecto propriamente dito da cinciada literatura, existem certos problemas histrico-liter-rios que levam necessramente incluso de outrosobjectos ainda.a mais importante destes objectos a figura do

    Poeta. Devemos sublinhar em princpio que o Poetano imanente ao texto literrio, que no mprescn-divel para compreender a obra conhecer-se bem o autor.a Poeta no est incluso no prprio objecto da cinciada literatura. Esta no precisa de desistir do seu tra-balho, nem a histria da literatura de abandonar a pena,quando se haja de tratar de contos, canes popularese outras obras de origem annima ou colectiva. Deve-mos acentuar esta separao com toda a nitidez, con-trapondo-nos a uma teoria j obsoleta que unia poetae texto por forma inaceitvel. Houve mesmo casosextremos em que, esquecendo o texto como verdadeiroobjecto da cincia da literatura, se ps de lado aobra realizada linguisticamente, para apreciar a obrana alma do autor; era esta que o leitor devia repro-duzir em si e que a crtica literria devia reconstituirna sua mxima pureza. Esta teoria, espalhada pelosfins do ltimo sculo, encontra ainda adeptos em tra-balhos de data mais recente. Por exemplo, na suaobra La Biographie de l'ceuvre littreire, Esquisse d'unemthode critique, Perre Audiat dz-nos : Elle (Tceuvre]reptsente une priode dans Ia oie de [' crivein, priodequ' on pourreit Ia tiqueur chronomtrer L'ceuvre estessentiellement un sete de Ia oie meniele (p, 39 seg.).

    Foi a Fenomenologia que tambm para este pro-blema nos trouxe a libertao desta interpretao ps-cologstica. Dos dois trabalhos mais importantes dos

  • li ANALISE E INTERPRET AAO

    ltimos tempos para a determinao do objecto dacincia da literatura e esclarecimento da essncia detextos literrios, um deles da autoria do investigadorpolaco Roman lngarden, discpulo do filsofo Husserl:Das literetische Kunstwerk (A obra de arte literria);o outro de Gnther Mller: ber die Seinsweise vonDichtunq (Sobre o modo de ser da Poesia). (Outrostrabalhos recentes esto indicados na Bibliografia nofim do livro.)

    Se a obra potica, como tal, constitui o objectocentral da cincia da literatura, no podemos contudodeixar de admitir numa zona mais vasta em torno dessecentro as questes referentes origem, s fontes, gnese, actuao, influncia, ao seu significadoperante correntes, pocas, etc.: sobretudo as questesrelativas ao poeta e que deste se ocupam. Aproxi-mmo-nos, desta forma, da concepo da cincia daliteratura e suas ramificaes.

    3. Conceito e Histria da Cincia da Literatura

    O presente livro tem como objectivo ser uma inicia-ciao ao conjunto de problemas postos por uma obraliterria como tal. No se prope estudar ou apresentaruma obra determinada ou um determinado poeta ou umapoca ou um gnero literrio nas suas particularidades.Embora no falte exemphfcao prtica, os exemplosservem somente para ilustrar uma forma de trabalhoou noes bsicas, gerais. o conjunto das questestericas, ou, se nos dado recorrer a palavra de maiorresponsabilidade, o seu sistema que constitui a cinciada literatura. Como cincia viva, o seu sistema no

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    conhece balizas; precisamente nos ltimos decnios,quantas modificaes tem sofrido! Alis, toda a obrarecente de importncia traz consigo uma modificaoqualquer. Quem queira penetrar na cincia da lite-ratura no pode esperar ser levado pela mo de umguia seguro, por caminhos solidamente construdos queo conduzam a metas fixas. Logo que penetre maisprofundamente no estudo e na investigao, ser con-vidado, sem cessar, a tomar posio prpria e a decidir;no raras vezes se ver assaltado por dvidas acercada viabilidade dos caminhos at ento trilhados e nosaber ao certo se eles avanam suficientemente longee na devida dreco.

    Uma parte muito importante das questes tericas a que se refere essncia da obra potica. Enquanto,como observamos, a Poesia caracterizada como potn-cia especial da linguagem, a sua investigao e estudoconstituem uma parte da cincia da lngua. Cincia dalitetratura e cincia lingustica esto intimamente ligadas.Na prtica, deu-se realmente uma separao, e a espe-cializao continua a acentuar mais a unilateralidade.Esta evoluo, porm, no est de acordo com as coisase prejudica a eficincia do trabalho. O historiador daliteratura tem de possuir slida cultura lingustica, atquando se dedica s ao estudo de obras na lnguamaterna, e o linguista s pode lucrar com a investigaoda linguagem onde ela atinge a vida mais intensa, isto ,na Poesia.

    As tentativas de determinao da essncia da obrapotica no so caractersticas do pensamento moderno.A Potica de Aristteles um dos primeiros grandesmonumentos representativos dos resultados da reflexosobre a essncia potica. S a conhecemos em fragmento:

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    exerceu todavia grande influncia sobre muitas outrastentativas posteriores. Quem se ocupar com a essnciada tragdia, ainda hoje ser obrigado a haver-se comArstteles. "Seguindo pois o seu exemplo, chamaremosPotica quela parte da cincia da literatura que tentacaptar a essncia da Poesia e das obras de arte poticas.Mais tarde se observar como ela pode dividir-se emdeterminadas zonas de problemas. Em todo o caso,representa o crculo mais interior da cincia da lite-ratura.

    Citmos a Potica de Aristteles como um dosprimeiros monumentos da cincia da literatura. Da pocaromana avulta sobretudo a obra de Horcio Epstolaad Pisones que, desde Ountlano, se conhece sob ottulo de De arte pcetice, A par destas duas obrasvm colocar-se outras como Cretor, Partitones, Topicede Ccero, a lnstitutio Oratora de Quintiliano, etc.Foram precisamente estes escritos que influenciaramos esforos tericos da Idade-Mdia, que se fixaramnas duas disciplinas da Retrica e da Gramtica.Influncia decisiva exerceu ento a potica antiga nosesforos tericos dos humanistas e mais tarde dos pen-sadores dos sculos XVII e XVIII. Devido ao espritoespecial predominante nestes sculos, todos os esforosadentro da potica foram sempre feitos com a deiade encontrar leis fixas, segundo as quais a Poesia seoriente e deva orientar. Eram normativas as poticasdesta poca e exigiam da prtica a submisso s suasnormas.

    Quem queira ocupar-se pois da Poesia desses tempos,para sua completa compreenso ter de adquirir Oconhecimento destas poticas, que so simultneamentemarcos na histria da cincia da literatura. Designamos

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    algumas das mais importantes, precedendo-as de algunstrabalhos sobre a potica da Idade-Mdia:

    E. Faral, Les Arts potiques du 12e et 13e sicle.Paris, 1923;

    H. Brinkmann, Zu Wesen u, Form mitellslterlicherDichtunq, Halle, 1928;

    C. H. Haskns, Studies in Medieval Culture, Oxford,1929;

    O. Bacc, La Critica Lettererie (dalI' Antichit eles-sica ai Rinascimento) , Milo;

    H. Glunz, Die Literereesthetik des Mittelelters.Bochum, 1937;

    E. R. Curtus, Zur Litersreesthetik des Mittelelters,Zeitschr. f. romano Phtlol. 1938;

    id., Dichtung U. Rhetorik im Mittelelter. DeutscheVierteljahrsschr. f. Geistesgesch. U. Literatur-wiss. 1938;

    d., Europische Litetetur und lateinisches Mittel~elter. Berna, 1954;

    August Buck. Italienische Dichtunqslehren, Teil I:Vom Mittelelter bis zum Ausgang der Renas-sance. Dissertao Ktel, 1942;

    J. W. H. Atkins, English Litererq Criticism: TheMedieval Phase, Cambridge, 1943.

    Poticas do Humanismo:

    Heronmus Vida (1520, resp, 1527);Trissino (1529, resp. 1563);Ant. Vperanus (1558, 1579):Ant. Rccobonus (1587);J. Pontanus (1594);

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    G. J. Vossius (1647);a mais importante a de Julius Caesar Scaliger:

    Poetices libri septem (1561).Obras expositivas da potica humanstica:K. Borinski, Dte Poetik der Renaissance, 1886;J. E. Spingarn, A Historsj o] Litererq Criticism in

    the Renaissance, Nova Iorque, 1925.C. Trabalsa, La Critica Letteraria nel Rinascimento

    (Storia dei generi letterari). Milo.

    Poticas italianas:

    Minturno, Arte poetice (1563);Castelvetro, Comentrio a Aristteles (1570);Tasso, Discorsi dell'Arte (1587);Muratori, Perfetta Poesia (1705/06);Giovan Vncenzo Gravina, Ragin potica (1708).Obras expositivas K. Vossler, Poetische Theorien in

    der itelien, Friihreneissence, 1900; C. Trabalza,v. sup.

    Poticas francesas:

    Ou Bellay, Djense et Illustration (1549);Jules de Ia Mesnardre (1640);Os autores que tomaram parte na Querelle du Cid

    e na Querelle des enciens et modernes:Boleau, Art potique (1674);P. Andr, Essei sur le Beau (1711);De Ia Motte, Discouts sur Ia tragdie (1723);Voltaire, Essai sur ia posie pique (1726/29);Batteux, Les Beeux-Arts rduits un mme prn-

    cipe (1746);Dderot, Sur le Beeu (1751);

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    Oras expositivas: Ren Bray, La [ormetion de Iadoctrine clessique en Frence, 2.a ed., Paris, 1931;Georges Lote, La potique clessique au XVIII"sicle.

    Poticas espanholas:

    Lpez Pnciano, Filosofia antigua potica (1596);Lope de Vega, Arte nuevo de hecer comedias ( 1609) ;F rancsco Cascales, Toblas poticas (1617);Gracln, Agudeza y Arte de lnqenio (1648);Luzn, Potica (1737);Arteaga, De Ia belleze ideal (1788);Obra expostiva: Menndez y Pelayo, Historia de tas

    ldeas Estticas en Espana, 5 vols., Madrd, 1940.

    Poticas alems:

    Optz, Buch von der deutschen Poeterei (1624);Georg. Ph. Harsdoerffer, Poetischer Trichter (1653);Gottsched, K ritische Dichtkunst (1730);Breitinger, Critische Dichtkunst (1740);Baumgarten, Aesthetik (1750/58);Lessing, Laokoon (1766);d., Hemburqische Dramaturgie (1767/69);Sulzer, Allgemeine Theorie der schnen Knste

    (1771/74) ;Obra expositiva: B. Markwardt, Geschichte der

    Poetik I. Halle, 1937. 11, 1956.

    Poticas inglesas:

    G. Puttenham, Art of English Poesy (1589);Dryden, Essay on Dremetic Poesy (1688);

  • 20 ANALISE E INTERPRET AAO

    Pope, Essay on Criticism (1711);Hogarth, Analysis of Beauty (1753);Burke, The Sublime and Beautiful (1756);Lord Kames, The Elements of Criticism (1762);Hugh B1air, Lectures on Rhetoric and Belles-Lettres

    (1783) ;Obras expositivas: Santsbury, Historq of Ctiticism,

    1902; segs.; J. W. H. Atkns, English LitererqCriticism : The Renescence, London, 1947; 17thand 18th centuries, ib., 1951.

    Poticas portuguesas:

    Lus Antnio Verney, Verdadeiro Mtodo de Estu-dar (1746/47);

    Francisco Jos Frere, Arte potica (1748);Francisco de Pna de S e de Meio, Arte potica

    (1765);Soares Barbosa, Potica de Horcio (1791);Obra expositiva: Hernni Cidade, O conceito da

    Poesia como expresso da cultura, Combra, 1945;2.a ed., 1957.

    Uma caracterstica das Poticas citadas (e das mui-tas no mencionadas) era a sua posio normativa.O crtico julgava possuir nelas os estales para com-preender e julgar toda a obra literria como tal. Normasidnticas poderiam servir para aquilatar do valor detodas as obras de todos os tempos e povos, pois, segundoo pensamento ilumnista, s havia uma esttica poticae um nico gosto. Chegaram at ns esquemas pr-ticos de avaliao, pelos quais se investigava do mritode cada poeta segundo determinadas categorias (como

  • DA OBRA LITERARIA 21

    inuentio, versiiicetio. constructio, etc.). e lhe eram con-cedidos de O a 20 valores. A Homero adjudicadasempre a nota mais alta.

    O sculo XVIII, porm, devia simultneamente darincio a outra forma terica do estudo da Poesia. Seat a se reconhecera, no encalce de Horcio, que pro-desse et delectete eram as verdadeiras funes da artede poeta r e tambm as suas qualidades constitutivas,agora sentia-se que na prpria vvncia artstica outrasfacetas da alma eram impressionadas, alm das do deleiteesttico e da compreenso intelectual. (Uma exposio,orada em 4 volumes, da crtica literria desde meadosdo sculo XVIII at actualdade agora apresentadapor R. Wellek: History af Modern Criticism, vols. I e li,Vale Univ. Press, 1955.)

    Para melhor se compreender a nova maneira desentir, pode servir-nos um exemplo que muitos dos lei-tores, certamente, conhecem por experincia: chega-sea uma cidade desconhecida e vaquea-se pelas ruas.De sbido, encontramo-nos diante de uma construo,uma igreja, talvez, apario surpreendente pelas suasnobres propores, pela harmonia de todas as partes,pela sua beleza. Reconhecemos, digamos, um monu-mento gtico, mas gostaramos de saber mais algumacoisa... E sabemos depois tratar-se de uma construodo sculo XIX! Apodera-se de ns um sentimento devergonha; o cho parece querer Iuqir-nos debaixo dosps. Quebrou-se, de repente, o contacto ntimo coma obra. Sem dvida, persiste a impresso artstica; nemuma s pedra se deslocou; porm a emoo estticapara o observador moderno constituiu aparentementes uma parte da impresso geral. Pensava ouvir uma

  • 22 ANALISE E INTERPRET AAO

    mensagem transmitida pela obra, e afinal ouve apenasuma mentira. Julgara ter na sua frente a realizaoplstica dum desejo de expresso e sua realizao neces-sria e nica, e depara com uma confisso de impotnciaartstica. No observou a obra somente como menu-mento esttico, mas, numa palavra, como documento.

    Ou um exemplo inverso. Ouve-se uma poesia. Poucaimpresso nos faz, pouco nos diz. Sabe-se depois serde um poeta por ns altamente apreciado. L-se denovo, e como que nos parece outra a poesia, emboranenhuma palavra nela fosse alterada. Parece-nos agorasignificativa, cheia de rico contedo. Surge-nos agora,neste horizonte mais vasto, c orno documento, comoexpresso de um criador. A vivncia da obra comodocumento uma vivncia do individual, do histricoportanto. No discutimos aqui se esta vivncia repre-senta enriquecimento ou empobrecimento da emooesttica pura; limitamo-nos a verificar que esta evoluofundamental na emoo provoca da pelas obras de artes se realizou no sculo XVIII. A nova atitude, porm,atesta simultnea mente traos essenciais do objectoagente e dos impulsos que o produziram. Deu-se assimuma modificao na maneira de interpretar a Poesiae na concepo do artista. O sculo XVJII criou as noesadequadas ao novo estado de coisas e formulou as novasquestes que ele implicava.

    Os primeiros desta nova orientao foram sobretudopensadores ingleses e alemes. Vamos enumerar alqu-mas das novas ideias da Cincia da Literatura:

    1) A toda a obra de arte so inerentes um siqnifi-cado prprio (Sinn) e uma essncia (Gehalt).

  • DA OBRA LITERARIA 23

    2) A obra a expresso (Ausdruck) de umcriador.

    3) O poeta o prottipo do esprito criador.

    '4) Ao lado do poeta reconheceu o sculo XVIII indi-vidualidades criadoras no esprito da poca[Zeitqeist ) e no esprito do povo (Volksgeist).

    5) A obra potica um documento histrico.Estreitamente ligada nova concepo da his-tria, desenvolvida no sculo XVIII, resultou comoexigncia para a compreenso absoluta de umaobra a necessidade de lhe conhecer as premissashistricas. No seu artigo sobre Shekespeere,Herder forneceu-nos um exemplo de como oconhecimento da histria da Grcia, ou daInglaterra, pode ser til para a compreenso dodrama grego, ou isabelino.

    Com isto novos caminhos se abriram e, em parte,foram seguidos. Ao lado da avaliao esttica da Poesiasurgiu a interpretao histrica e descritiva; junto dapotica aparece-nos uma verdadeira Histria daLiteratura. Os ramos da histria da literatura gerale nacional foram constitudos pelo Romantismo comodisciplinas cientficas. Enquanto homens como Young,Hume, Wnckelmann, Herder e outros se tornavamos propulsores das novas deas, M?" de Stal (Del'Allemagne) e August Wilhelm Schlegel (Vorlesungeniiber dramatische Kunst und Literetur} punham em pr-tica a nova maneira de pensar. Se no eram os primeirosnem os melhores intrpretes, eram os que maiores efeitossabiam obter. Em todas as universidades, a pouco epouco, iam sendo criadas cadeiras de literatura; torna-

  • 24 ANALISE E INTERPRET AAO

    rarn-se centros de estudo terico da literatura, emboraprecisamente neste ramo seja a contribuio de crticos,dramaturgos ou simples amadores de maior importnciado que em quase todas as outras cincias. E sobretudoh que nomear os prprios poetas, que em Frana, ataos tempos mais recentes, disputam o campo aos cien-tistas de ofcio.

    O centro de gravidade do trabalho recaiu, nosculo XIX, a princpio, na histria da literatura, enquantoque a potica, desacreditada e comprometida pelastendncias normativas do sculo XVIII, s por poucospensadores era cultivada. Durante algum tempo, cinciada literatura e histria da literatura parecem confun-dir-se. Dentro da histria da literatura, revelou-se comomais fecunda a noo do poeta criador. Basta consultara maioria das histrias das literaturas ainda hoje repre-sentativas, para verificar que, no fundo, no so maisdo que um encadeamento de monografias sobre poetas.

    O chamado Positivismo limitava o trabalho prticosobretudo a trs sectores: edio crtica dos textos,investigao das fontes e gnese das obras e, finalmente,estudo minucioso e tanto quanto possvel completo dascircunstncias da vida do poeta. E nestas trs zonasde investigao conseguiu a histria da literatura dosculo XIX resultados realmente extraordinrios. Porma superao filosfica doPositivismo logrou dilatar asbases e princpios tericos, e assim abrir novos hori-zontes s diversas modalidades de trabalho. Desde osfins do sculo passado se anunciaram e puseram provanumerosos mtodos novos, de tal forma que o entre-choque das opinies foi designado como crise da histriada literatura. Alm da filosofia, a psicologia, a cinciada arte, a sociologia, a biologia e outras cincias tm

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    sobre ela exercido uma influncia mais ou menosdecisiva.

    A discusso pode transformar-se em cooperaoutilssima e produtiva, logo que se imponha e vena acerteza de toda a cincia da poesia possuir nas BelasLetras urna zona nuclear corno objecto prprio, cujainvestigao aturada constitui a sua principal tarefa.Nos ltimos decnos renovou-se efectivamente o nte-resse pela investigao da essncia potica. Com iqual-dade de direitos, a potica surge ao lado da histria daliteratura e -lhe reconhecida a primazia corno reacentral da cincia da literatura. Com isto surgem novastarefas para a histria literria, e Emil Staiger inter-pretou bem o sinal dos tempos ao dizer, na introduodo seu livro Die Zeit ais Einbildungskraft des Dichters,em 1939, que a histria da literatura est hoje muitoprecisada de urna renovao, que est j saturada como que fez at agora e que, para perdurar, tem corno querecomear do princpio.

  • PREPARAO

  • CAPITULO I

    PRESSUPOSTOS FILOLGICOS

    Antes de se poder dar incio ao estudo cientfico deum texto literrio, urge satisfazer certas condies pr-vias, designadas como pressupostos filolgicos, comunsa todas as cincias que usam textos como base detrabalho.

    I. Edio Crtica de um Texto

    Seja como for que um texto haja de ser investigadoa primeira condio preliminar a sua autentici-

    dade. Tratando-se de um livro de apario recente,estas exigncias no so visveis. O romance novo,comprado na livraria, foi composto pelo tipgrafo,segundo o manuscrito do autor. Durante a leitura dasprovas, o prprio autor corrigiu todos os erros (como auxlio da tipografia e da casa editora) e introduziutodas as modificaes que lhe pareceram necessrias.Tal qual agora aparece, todas as palavras e a pontuaodo romance concordam com a vontade do autor, e,portanto, so autnticas. Pode definir-se como textode confiana aquele que representa a vontade do autor.

    Surgem, contudo, dificuldades, quando se trata detextos cujos autores j morreram, e que continuam a

  • 30 ANALISE E INTERPRET AAO

    ser impressos. Quem vai livraria comprar uma ediobarata d'Os Lusiedes, pensa ter nas mos o texto ver-dadeiro. Aps uns momentos de reflexo, inevitvel-mente acabar por concluir que entre o leitor e o poetavrias pessoas se tm intrometido. Primeiramente, hque contar com o homem que modernizou a ortografia,quando da ltima impresso. Ora, para a verdadeiracompreenso da obra, bem como para a investigaoterica, geralmente de pouca importncia a ortografiaem que esta se nos apresenta. J porm mais impor-tante o caso da pontuao. Uma vrgula, substitudapor um ponto, e outras modificaes anlogas, ntro-duzidas pelo ltimo editor, com o fim de facilitar aleitura, podem alterar o significado de uma frase. Podeainda ir mais longe o compreensvel desejo de um editorao tentar facilitar a leitura de uma obra e conserv-Iaviva, e talvez esse desejo o leve a substituir por formase palavras correntes formas antiquadas, palavras que opblico de hoje no entende primeira vista. Podeacontecer tambm que, no trabalho de composio,alguma palavra fosse substituda, por equvoco, pondoo tipgrafo, por exemplo, em vez de ePhebe, palavrapara ele desconhecida, o termo Phebo, o deus do sol,seu conhecido, ou, em vez de filho de Maia, o filhode Maria. Estas alteraes j vamos encontr-Ias nasegunda impresso d'Os Lusadas; fcil imaginar oque acontece quando, mais tarde, um outro impressortoma como base uma tal edio, introduzindo aindaoutros novos equvocos, mal-entendidos e alteraes.A falta de entendimento e a abundncia de ideias(mal empregada) contribuem igualmente para a cor-rupo dos textos. No caso d'Os Lusiedes, foram taisas avarias causadas que, no ano de 1921, se verificou

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    que quase no h estncia que tenha escapado a qual-quer alterao.

    O nico meio de salvao parece ser o regresso primeira edio, mais prxima da vontade do poeta.Porm, nem todo aquele que deseja ler o texto autnticodos Lusiedes est em condies de comprar a primeiraedio. Bastar ler uma nova edio que oferea otexto autntico. Uma tal edio chama-se ediocritice.

    certo que, no caso d'Os Lusiades, como no dequase todas as obras antigas, logo surgem novas inter-rogaes. Ser autntica a primeira impresso? Emsculos passados, os poetas, geralmente, no reviam asprovas. Depois de entregue o manuscrito para publi-cao, o seu destino furtava-se, por assim dizer, pro-teco do autor. Em todo o caso, temos de contar commodificaes, feitas pelo impressor, ou por neglignciae descuido, ou propositadamente. Acrescem ainda asmodificaes exigidas pelas instituies de censura. Noera o poeta, mas sim o impressor que tinha de tratarcom elas. Assim sucede que a edio crtica, nos textosmais antigos, s aproximadamente nos deixa ver ainteno do poeta.

    N'Os Lusadas aparecem, ainda, dificuldades deordem particular. H duas edies, conservadas atnossos dias, com a indicao da data de 1572. Emmuitos pontos divergem sensivelmente. Foi necess-ria a mais cuidadosa investigao para reconhecer aautntica e desmascarar a chamada edio E comoefraude comercial, posterior.

    Pelos motivos acima indicados, o organizador deuma edio crtica no pode contentar-se meramentecom a reedo fiel da primeira edio. Uma tal repe-

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    tio, ainda que seja sob a forma de [ec-simile, isto ,fiel letra e a forma, no um texto crtico. Poroutro lado, porm, o organizador crtico ter de indicarno chamado Aparato Crtico todas as modificaespor ele efectuadas, mesmo quando se trate da correcode um erro grfico evidente, fundamentando essasalteraes e fornecendo assim ao leitor a possibilidadede investigar e decidir por si prprio. Se, alm daprimeira impresso, existisse o manuscrito do poeta- o que, infelizmente, no acontece com Os Lusadas-,deveria o organizador reproduzir no aparato todos ospassos que, no manuscrito, so divergentes.

    Criou raizes o hbito de designar as verses mpres-sas com maisculas latinas (A, B, C, etc.) e as versesmanuscritas com minsculas (a, b, c, etc.).

    No princpio do aparato crtico encontra-se sempreuma lista das siglas e abreviaturas usadas, e umaexposio dos princpios segundo os quais a edio foiorganizada. Quem dela se servir, dever estudar asduas, e estud-Ias detidamente, antes de comear otrabalho. Para alcanar maior uniformidade nas ediesportuguesas sugeriu Manuel de Paiva Bolo, na suaIntroduo ao estudo da Filologia portuguesa, Lisboa,1946, pg. 70: que um pequeno grupo de historiadorese [iloloqos, de comum acordo... elaborasse as normaspara a edio de textos portugueses.

    A situao complica-se ainda mais quando h dver-sas edies autnticas, isto , admitidas pelo poeta.Nos ltimos sculos, tornou-se quase regra apareceremdiversas edies da obra, j em vida do poeta, e apro-veitar este a ocasio para efectuar modificaes. maisou menos extensas. Qual a edio que deve servir

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    de base para quem publica um texto crtico? S duasedies podem entrar em linha de conta: a ltima vistapelo prprio autor, a chamada edio da ltima moou definitiva, a que representa a sua ltima vontade,e a primeira, a editio princeps, Pois editada a obra,ela separou-se do seu autor e comea a sua prpria vidae a sua actuao. Em geral d-se preferncia ediode ltima mo para servir de base ao texto crtico. o resultado daquele conceito filosfico de Poeta,que para o sculo XIX valia mais do que o da obra.Seja qual for, porm, a edio escolhida para base dotexto - ao encarregado de a publicar cabe o deverde indicar no aparato crtico todas as variantes dasedies cuidadas pelo autor e dos manuscritos acasoexistentes. Reconhece-se assim qual o papel de umaparato crtico: - o repostro da gnese de umaobra e revela algo dos segredos da evoluo crtica doseu criador.a suo Conrad Ferdinand Meyer nunca se cansava

    de corrigir as suas obras. H muitas poesias suas deque existem 4, 5, 6 verses diferentes. Nelas possumosrico material para investigar a evoluo ntima desteartista e, simultnearnente, observar a potncia e a foraprodutiva de motivos lricos.

    K. Wais compilou um volume utilssimo de Lricafrancesa: Doppelfassungen [renzsischer Lurik vonMarot bis Valry (Verses duplas de lrica francesa,desde Marot at Valry ) (Romanische Qbungstexte,Halle, 1936).

    Muitos romancistas introduziram tambm modifica-es' nas obras j impressas. Sobretudo no que diz res-peito aos romances mais clebres do sculo XIX impe-sea escolha de uma edio de confiana. Manzoni, por

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    exemplo, alterou profundamente a linguagem do seuclebre livro I Promessi Sposi. As edies fundamentaisso a de S. Caramella (Scrittori d'Italia) e a do segundovolume da edio completa (Le opere di AlessandroManzoni. Edizione dei Centenario 1827-1927, Soe. Ed.Dante Alighieri). To descontente ficou mais tardeGottfried Keller com a primeira verso do seu livroDer grne H einrich que amaldioou a mo que nova-mente lhe desse publicidade. A investigao posteriorno fez caso disso e, apresentando ao pblico a reim-presso da primeira edio, desaparecida do mercadolivreiro, no salvou somente uma obra literria consi-derada por muitos conhecedores de mais valor do quea segunda verso, mas proporcionou tambm materialde comparao que nos permite fazer dedues impor-tantes sobre a evoluo espiritual e artstia de Keller.

    Na Frana, Flaubert foi um dos trabalhadores maiscuidadosos de que h conhecimento. J antes de seremimpressas, quase todas as suas obras sofreram mltipla!modificaes. A primeira verso da ducetion Senti-meniele, que alis em pouco coincide com o romance,s em 1912 foi publicada, e s h pouco nos foi dadoconhecer os trabalhos preparatrios e graus de evoluo,at forma definitiva, de Madame Bovary. A ediode G. Leleu: Madame Booerq, beuches et lragment~indits, 2 vols., Paris, 1936, permite-nos penetrar nomais ntimo da oficina do grande artista.

    Na histria do romance, dentro da literatura portu-guesa, interessante o caso dos textos do Eurico.Segundo parece, o manuscrito perdeu-se. Na RevistaUniversal Lsbonense (1842) e no Panorama:. (1843)apareceram, porm, alguns trechos, antes de a obra

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    ser publicada por inteiro, e esses trechos apresentamdiferenas por vezes importantes. Em vida do autorapareceram sete edies, com modificaes mais oumenos extensas. A mais recente edio crtica, deVitorino Nemso, toma como base do texto a ltimaedio vista por Alexandre Herculano, e indica, noaparato crtico, quais as divergncias contidas nas ante-riores. Como exemplo, citamos uma frase da ediode Vitorino Nemso (pgs. 111~112) com as respectivasvariantes:

    Pelo boqueiro enorme aberto no centro da hastegoda precipitem-se as ondas dos cavaleiros maometanos,e, aps eles, a turba dos Berberes, com (34) um bramidobrbaro ...

    (34) com um clamor selvagem e infernal, annciode matana e runa, RUL, N? 4; com clamor selvageme infernal, I.IJ, 116, 19; com um bramido selvagem, 2.-,115, 19.

    Numa advertncia (pg. XLI) explica-nos VitornoNemsio a ortografia e pontuao usadas, bem comoas abreviaturas e nmeros usados:

    Pan. = PanoramaRUL = Revista Universal Lisbonense,Os algarismos que figuram no texto das notes de

    rode-p representam sucessivamente a edio, a pginae ! linha ... :.

    Desta maneira o leitor estar em condies deentender e interpretar as modificaes realizadas nasdiversas edies. No exemplo dado reconhece-se semgrande dificuldade que Herculano condenou a primeiraforma da indicao do rudo como prolixa e talvez tam-bm como pouco satisfatria quanto ao ritmo. Assim.cortou a aposo na primeira edio completa. O passo.

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    porm, ainda lhe no agradava. Razes de sonoridadee, decerto, tambm de ritmo levaram-no a substituirclamor por bramido, na segunda edio. Comjustificada nsia de aperfeioamento compreendeu comoa frmula dupla - selvagem e infernal - era menosexpressiva do que o simples adjectivo. E cortou assime infernal. Se, na terceira edio, mudou selvagempara brbaro, deve ter obedecido em primeiro lugara motivos de sonoridade - por fim, o passo pareceu-lheestar em ordem, pois a edio crtica no regista maisnenhuma variante. Quanto s interpretaes explicativasdas diversas modificaes (por causa da prolixidade,sonoridade, do ritmo, etc.) necessrio declararmossob o aspecto metodolgico: nestas interpretaestrata-se primeiramente de suposies. A tarefa consis-tiria em observar todas as modificaes, nas suas etapas,para desta forma obter categorias firmes que determinemo trabalho do autor. Em cada etapa espelha-se o grauevolutivo do autor.

    A todo aquele que pretenda examinar a histriado texto de uma obra para colher informaes sobrea evoluo do artista, recomenda-se o seguinte processode trabalho: o exame faz-se de camada para camada,isto , primeiramente so examinadas todas as modifi-caes da primeira para a segunda, e depois todas asmodificaes da segunda para a terceira verso, etc.Toma-se nota de todas as modificaes, ipsls oerbis,num verbete especial, e indica-se em cima, no cantodireito, por exemplo, a categoria que parece ser aquelacom mais probabilidades de ter provocado a alterao(concentrao, ritmo, sonoridade, variao, maior visi-bilidade, etc.): Desta forma classificam-se em poucosgrupos os ltimos exemplos de cada srie. (Pode muito

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    bem ser que o mesmo exemplo aparea em diversosgrupos; muitas vezes actuam conjuntamente razes desonoridade e de ritmo).

    Em seguida comea o exame de cada grupo, poisno basta verificar ser causa da modificao o sentidode sonoridade; necessrio determinar mais exacta-mente a maneira como o autor reage ao som, aoritmo, etc. Tanto quanto possvel, tentar-se- deduzirdos diversos grupos a unidade da atitude a todos comum,que se encontra por detrs deles. Adquire-se assima base que nos permitir seguir a evoluo do autor.No deve ser causa de preocupao haver em cadagrau casos que se opem integrao em grupos, ouat em contradio aberta com as categorias obtidas.O investigador deve renunciar a nteqr-Ios fora emqualquer das categorias. Exigem-se, de todo aqueleque deseja ser bom intrprete, qualidades para sentiras mais pequenas subtilezas. Poderemos quase dizer:quanto maior for o nmero dos exemplos isolados ouat contraditrios, tanto melhor; porque ento pode tera certeza de ter trabalhado de forma adequada. Poisafinal de contas todas as remodelaes feitas pelo artista sua obra no constituem nunca um processo mecnico,sujeito a um clculo exacto. Alcana-se a finalidadesempre que se consegue descobrir a atitude uniformepor detrs das modificaes em cada grau.

    Se a edio crtica de um texto moderno nos permiteconhecer a sua gnese at ltima edio revista peloautor, diferente o que acontece com as edies dostextos medievais. S em casos excepcionais quepossumos a edio autntica, isto , cuidada peloautor. Em geral, s chegaram at ns cpias posteriores,mais ou menos modificadas e alteradas. O organizador

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    agora tem de retroceder atravs das cpias at ir aoencontro da suposta verso do autor. Precisa examinar,comparar e sopesar criticamente as diversas versesconservadas.

    Por vezes, os manuscritos existentes de obras daIdade-Mdia esto distncia de sculos da poca emque o original foi escrito. Por princpio, foroso setorna admitir terem sofrido muitas alteraes, j pormotivos Iingusticos. Acresce a isto o facto de umcopista da Idade-Mdia no estar possudo do mesmorespeito pela palavra do poeta que o editor crticomoderno. Torna-se, pois, a edio crtica dos textosantigos empreendimento difcil que exige do editorconhecimentos minuciosos do estado da lngua na pocaem que foram escritos os originais, bem como os manus-critos existentes.

    A lrica dos trovadores portugueses foi-nos conser-vada somente em colectneas manuscritas posteriores.Muitos investigadores se tm ocupado com a formapresumivelmente mais acertada. At certo ponto, defi-nitiva, no caso das Cantigas de Amigo, a edio emtrs volumes de JOS J. Nunes (Coimbra, 1926/28).Lemos, por exemplo, no nono verso da cantiga 144:

    por outra a quen amava.

    Neste passo foram necessrias conjecturas decerto peso, isto , substituies de palavras do manus-crito. No manuscrito do Vaticano e no Cancioneiro deColocc-Brancut l-se, respecativamente, neste passo:

    por outra c qrro nana..por outra e jrro bna,

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    Estas duas verses no oferecem sentido e assentamem erros ou conjecturas dos prprios copstas, queno tinham o original diante dos olhos, mas sim ummanuscrito j falseado. Cabia pois o direito e at odever ao crtico moderno de emendar, recorrendo conjectura, o passo corrupto. Nas Cantigas de Amigoainda o caso no to difcil, por s existirem doismanuscritos em que os textos nos foram conservados.Da epopeia alem dos Nibelunqos, porm, existemII manuscritos completos e mais de 20 fragmentos,todos mais ou menos diferentes uns dos outros.

    No so menores os problemas de texto com quetemos de nos haver na Chanson de Roland. Geraesde Illoqos esforaram-se por alcanar o esclarecimentodeste e de outros textos. Lutou-se apaixonadamentepara apreciar bem os manuscritos, definir os princpiosda recomposio dos textos e ainda em torno de con-jecturas particulares. Na generalidade, o estudioso dehoje pode colher os frutos deste trabalho e, pelo menospara as obras mais importantes, encontra edies crticasem que pode confiar suficientemente.

    Os textos portugueses medievais s tarde comearama ser apresentados ao pblico em edies crticas.Faltam ainda textos de absoluta confiana para muitosdocumentos da literatura; em outros casos, surgiramdvidas quanto fidedignidade das recomposies publi;cadas. As Anotaes crticas ao texto da Demandado Gteel publicadas por [oseph M. Piei, no volume XXIde Biblos (1946) vieram abalar um pouco a confianadepositada na edio publicada pelo P." Augusto Magne(Publicao do Instituto Nacional do Livro, vols. r-m,Rio de Janeiro, 1944).

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    Pomos termo srie de exemplos com o problemamais clebre at hoje conhecido em toda a histria daliteratura: o problema dos dramas de Shakespeare.Geraes inteiras de investigadores devotaram toda asua argcia ao estudo crtico e reconstituio destesdramas, mas sempre caram por terra as solues defi-nitivas. A dificuldade reside, primeiramente, em nopoder considerar-se autntica nenhuma das versesexistentes. As verses pertencem, sobretudo, a doisgrupos: as aparecidas desde 1594, denominadasin-querto (

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    Quiller Couch and [ohn Dover Wilson, Cambridge,1921 e seqs., conhecida tambm como The New Cem-bridge Shekespeere, ainda em publicao.

    2. Determinao do Autor

    Aps a reconstituio do texto crtico surge, comosegunda condio preliminar, a determinao do autor.Na maioria dos casos, sobretudo tratando-se de lite-ratura moderna, no h problema, pois o nome do autorfigura junto do ttulo do livro. Em outros casos, fra-cassar toda a tentativa que se proponha determinara autor de uma obra. :B intil indagar o nome do autorde canes populares, contos populares, lendas, e, muitasvezes tambm, de dramas da Idade-Mdia. Tais obrasforam por tal forma criadas por uma comunidade e parauma comunidade, que da sua mesma essncia seremannimas.

    Ultimamente, para alm desta certeza, assentou-seneste princpio: cada obra de arte um todo completoe s pode ser entendida atravs da sua prpria essncia.O conhecimento de um autor no pode oferecer auxlioalgum para a interpretao adequada da obra. Comoj se disse, o ideal seria escrever uma histria daliteratura sem nomes. Depararemos ainda vrias vezescom estas mesmas teses, to dignas de ponderao,posto que em contradio viva com uma boa parte dosmtodos hoje usados. Constituem, evidentemente, umareaco contra a tendncia do sculo XIX para consideraras obras de arte histricamente, isto , tratando-ascomo documentos, como expresso de qualquer coisa

  • 42 ANALISE E INTERPRETAO

    de diferente, destacando-se como uma das mais impor-tantes a categoria da individualidade do artista criador.No apenas pura curiosidade que nos leva a per-guntar pelo autor de uma obra. O nosso mundo seriaindizivelmente mais vazio e mais pobre se, alm doHamlet e do Rei Leer, d'Os Lusiedes, do Werther e doFausto no distingussemos as figuras luminosas deShakespeare, Cames e Goethe. Com que ntima e pro-funda satisfao sabemos que, para a moderna investi-gao, Homero viveu e pode continuar a viver para ns,pelos tempos fora! Os defensores das teses enunciadasresponder-nos-o acharem justa, bela e necessria atentativa de investigar e ressuscitar os poetas, mas quetudo isso pertence a um ramo de uma cincia especial.talvez da Antropologia, em que se podero estudar,tambm, os grandes msicos, pintores e outros grandescriadores, mas que, com este conhecimento, em nadase vem beneficiar a obra de arte e a sua compreenso.

    No decurso deste livro muitas vezes depararemoscom o problema da autonomia da obra de arte e suasrelaes com a realidade, sobretudo com o autor. Aqui,basta indicarmos como a verdadeira compreenso deuma obra muitas vezes depende do conhecimento dequem a escreveu. Como breve exemplo poder serviraquele caso que, desde 1908, tem suscitado as mais vivasdiscusses em Portugal.

    At essa altura, Cristal, a clebre cloga do sc. XVI,era considerada obra indiscutvel de Cristvo Falco.Apareceu ento um livro que reputava lendria estaautoria. Dever-se-ia eliminar este nome da histriada literatura, e, em troca, mais cresceria o vulto deBernardim Ribeiro, o suposto poeta de Cristal. DelfimGuimares, autor desse livro, no ano seguinte, 1909,

  • DA OBRA LITERARIA

    procurou reforar a sua tese com um segundo volumeque provocou a mais violenta discusso pr e contra.No se trata aqui de expor os argumentos. ( fcilencontrar esclarecimento sobre o assunto na Histriada Literatura Portuguesa, publicada por A. Forjaz deSampaio, vol. 11, pg. 221 segs., - Capo escrito porManuel da Silva Gaio, - ou no prefcio da ediodo Crisfal, de Rodrigues Lapa.) S nos interessa veri-ficar como a interpretao do Crisfal e da clebreCarta depende da deciso que se tomar. DelfimGuimares exige, naturalmente, uma interpretao ale-grica da grade e do casamento secreto, que togrande papel desempenham na Carta, pois Bernardimno esteve preso durante cinco anos. Da mesma maneira,o Crisfal tem de ser lido em atitude diversa, conformese acredite nas revelaes autobiogrficas ou no. Aspalavras revestem-se de outra importncia, se, na ver-dade, so escritas por um autor que esteve na cadeiapor causa dos seus amores, que, realmente, se viuseparado da amada e para quem o convento de Lorvose torna sua estadia forada. Ora, certamente no argumento a favor da autoria de Falco o facto denos parecer mais interessante e de mais peso um textode contedo autobiogrfico. Em princpio, tm razoas correntes metodolgicas modernas que vem algumacoisa de perigoso e suspeito na maneira como, na obrade arte, se procura descobrir por toda a parte afinidadesbiogrficas e simples cpias de modelos. Por tal pro-cesso mais se prejudica do que se favorece a inter-pretao adequada da obra de arte.

    No caso especial do Crisfal, porm, um facto his-trico-literrio se vem antepor a estas questes de

  • ANALISE E INTERPRETAO

    principio. Esse estranho caso, altamente surpreendente,ainda no foi esclarecido em absoluto: em todos ostempos e em todos os lugares a poesia buclica contmreferncias claras situao da poca e do autor.J as cloqes de Virglio esto cheias de tais aluses.Durante a Renascena ainda mais se intensificou estehbito. Aquele que no Aminto, de Tasso, no com-preende a homenagem ao Duque de Ferrara e as alusesa pessoas e acontecimentos da Corte, por muito grandeque seja o seu entusiasmo pela obra, no chegar suaperfeita compreenso.

    Ora todo um grupo de romances europeus vemtransformar em trao essencial do gnero esta caracte-rstica da poesia buclica - a sua relao com a rea-lidade: - nos chamados romances de chave o leitordever descobrir os personneqes dquiss, J Petrarcafizera acompanhar o seu Carmen bucolicum de expli-caes, dizendo: A natureza deste gnero literrio tal que o seu sentido oculto talvez possa ser adivinhado,mas, se o autor no der as suas explicaes prprias,nunca ser possvel vir a ser entendido. verdadeque na obra de Petrarca, como nos poemas alegricosda Idade-Mdia e tambm nas cloqas latinas deBoccacco. se trata de transcendncia moral, e no deuma realidade disfarada. No se pode afirmar que ascloqas e dramas pastoris do Renascimento e da pocaseguinte possam ser includos no nmero dos poemasde chave ou que o seu efeito tenha dependido das suasrelaes com a realidade. O facto de o Cristal contertais relaes faz parte da essncia de tal gnero literrio.Mas talvez elas no fossem to notrias e insistentescomo, por vezes, se pensa. E seria falso supor que a

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    composiao teve a sua origem no desejo de uma con-fisso (expresso espontnea de angstias de alma)ou que, por isso, o seu aparecimento tenha despertadoto grande entusiasmo. O seu efeito e o seu valordependem da sua categoria como obra de arte e nodo revestimento de acontecimentos biogrficos.

    Ainda outro exemplo frisante de quanto a relaode uma obra com o autor influi na maneira de aentender, apresenta-nos a poesia trovadoresca. No anode 1849, Francisco Adolfo Varnhagen publicou o Can-cioneiro da Ajuda. Era de opinio, como antes deleChrstian Bellermann j mencionara, serem todas ascanes de um s poeta - o Conde de Barcelos. Esteprimeiro engano foi origem de um segundo, de formaalguma isolado, mas que se repetiu em muitos pasesao fazer a interpretao da lrica trovadoresca, por setratar de uma poca em que a leitura se fazia do pontode vista autobiogrfico: Varnhagen viu no Cancioneiroo eco potico de uma histria de amor autntica, deque fora protagonista o pretenso autor.

    Tambm noutros pases muitas disputas clebressurgiram sobre questes de autoria. Quase sempre,simultneamente, afectada a interpretao da prpriaobra. A disputa mais clebre da histria da litera-tura a travada em torno da autoria das obras deShakespeare. Embora, para os investigadores srios, sepossa considerar terminada a luta, dletantes peque-ninos tentam ainda provar a autoria de Lord Baconou de Lord Rutford, ou de qualquer outro contem-porneo. Por outro lado, o drama sabelno oferece-nosainda muitos outros problemas. A despeito de todo otrabalho realizado, continuam a ser desconhecidos osautores de muitas tragdias e comdias. Na Histria

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    da Litereutre Inglesa de Legouis e Cazamian l-se, arespeito do drama isabelino: The unknown remeinsoester than the knoum, E a Cambridge History afEnglish Litereture dedica todo um captulo s Playsof Uncertain Authorship Attributed to Shekespeere ..Se consegussemos responder a todas as questes aindaem aberto, bem diverso seria o quadro dessa poca asurgir aos nossos olhos.

    Tambm na histria da literatura espanhola h aindaproblemas de autoria clebres. A Celestine, que tantoxito obteve em toda a Europa, na primeira ediode 1499 abrangia 16 actos, bem como na impressode 1501, feita em Sevilha. Na edio sevilhana do anoseguinte ela compunha-se de 21 actos. Nos versos queservem de prefcio, Fernando de Rojas designadocomo autor dos ltimos 20 actos, enquanto que o pri-meiro, mais extenso, atribudo a Juan de Mena oua Rodrigo de Cota. J na poca imediata comearama surgir dvidas acerca destas indicaes. Depois,Menndez y Pelayo fundamentou amplamente a teseda autoria nica, para toda a obra, de Fernando deRojas. Na sua obra Estudios y Discursos de crticahistrica y litererie (edio de 1941, vol, D, 243 e segs.).entre outros argumentos, lemos: Seria el ms extreordi-netio de ias milagres litererios, y aun psicolgicos, elque un continuedor lleqese a penetrar de tal modo en 14concepcin ajena y a identijicerse de tal suerte con elespiritu dei primitivo autor y con Ias tipos humanos quel hebie creedo, Como se v, nos problemas de autoriavo integrar-se as questes estticas e psicolgicas masprofundas. Alis, a tese de Menndez y Pelayo noconseguiu impor-se, e eis a o milagre. Observaes

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    sintticas, cuidadosamente feitas, levaram de novo convico de que houve um autor para o primeiro actoe outro diferente para os seguintes. Resultou aindamaior o milagre da concordncia, desde que se averi-guou terem sido escritos os actos 17 a 21, presurnivel-mente, por um terceiro autor. (Vide a obra deE. Eberwein Zur Deutung mittelelterlichet Existenz,Bona e Colnia, 1933.)

    Menos concordante ainda a opinio dos inves-tigadores acerca de um dos romances mais clebres daliteratura mundial, o Lezerillo de Tormes, As trsedies diferentes de 1554 apareceram annimas. Sem 1605 que se designou, pela primeira vez, um autor:o geral da ordem de So [ernmo, Juan de Ortega.Dois anos depois, a autoria era atribuda a um outro,Don Diego Hurtado de Mendoza. Esta atribuio con-solidou-se, at que, nos fins do sculo XIX, foi provadaa sua inconsistncia. Desde ento surgiram muitospretendentes, entre os quais encontrou o maior nmerode adeptos Sebastin de Horozco. Mais uma vez ainterpretao da obra est dependente do autor emquesto e das referncias autobiogrficas. De novose invocam ltimos princpios como argumentos deci-sivos. Investigadores como A. Morel-Fano (Btudes surI'Espagne) e F. de Haase (An Outline of the Historof the Novela Picaresca in Spain) defendem O prin-cpio de que o autor deveria ter sido o protagonistados acontecimentos que descreve. Varnhagen acreditavaser a Lrica trovadoresca a histria vivida pelo autor- eis a mesma dea no romance picaresco. H muitosdestes exemplos. (Leiam-se, na obra de Fdelno deFigueiredo Aristarchos, 2.- edio, Rio de Janeiro, 1941,pg. 131 e segs., outros exemplos das discusses sobre

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    autorias, no provadas, das literaturas portuguesa eespanhola) .

    Em todos os pases pululam os enigmas no que serefere aos sculos XVI e XVII. Nos ltimos tempos sur-giram dvidas quanto autoria do romance francsmais clebre do sculo XVII, Le princesse de Cloes.Antes era considerada como obra de Madame de LaFayette. No o tinha, certo, publicado com o seunome, mas parecia indiscutvel a atribuio. Mais oumenos, parecia estar resolvida a questo da colaboraode Segrais e do Duque de Rochefoucauld - devendo-senegar a do primeiro e aceitar a do segundo. Apareceuento, no Metcure de France, a 15 de Fevereirode 1939, um artigo de Marcel Langlais, com o ernoco-nante ttulo: Que! est l'euteut de La Princesse deClves? Como presumvel autor indicava-se Fontenelle,tese apoiada por um sbio como Baldensperger.(Baldensperger: Complacency and Criticism : La Prin-cesse de Cloes. The American Bookman, fali 1944).Porm, esta mesma tese no encontrou grande apoioentre outros crticos.

    Na Alemanha, descobriu-se, h pouco, outro escritora quem foi atribuda, pelo descobridor, categoria noinferior do mais importante romancista daquelesculo XVIII, Grimmelshausen. (R. Alewyn, Johann Beer,Leipzig, 1932). Os romances do novo autor eramquase todos conhecidos cada um por si. Revestem-seagora de carcter documental muito mais importante,e aparecem como que sob um novo aspecto. Como foipossvel ficar o autor por tanto tempo oculto? B quese serviu de diversos pseudnimos, prtica vulgarssimanessa poca. Tambm Grimmelshausen s desde osculo XIX conhecido como figura literria. At em

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    tempos modernos existe um pseudnimo clebre, queningum ainda conseguiu desvendar, por forma irre-Iutvel. Um dos romances mais interessantes do Roman-tismo alemo apareceu com o ttulo de Nachtwachen.Von Bonaventura. Bonaventura , claramente, um pseu-dnimo. As nossas ideias acerca de Brentano, Schelling,E. T. A. Hoffmann, Caroline Schleqel muito se mod-ficariam se tivessem razo as hipteses que pretendemver num deles o autor do romance. certo, porm,ter mais consistncia a tese de Franz Schultz que atribuio romance a um insignificante escrevinhador, chamadoWetzel, que, por sorte, teria conseguido uma vez realizaralguma coisa de grande.

    Podemos distinguir trs tcnicas diversas no usode pseudnimos:

    1) O uso de um nome absolutamente diferente doprprio, por ex.: Fllnto Elsio, em vez de FranciscoManuel do Nascimento. Muitos nomes clebres daliteratura so pseudnimos: Molire (Jean-BaptistePoqueln}, Voltaire (Franos Mare Arouet), GeorgeEliot (Mary Ann Evans}, Novalis (Fredrch vonHardenberg), Jeremias Gotthelf (Albert Bitzus ) , etc.

    2) O anagrama: o novo nome formado por umanova combinao de letras do verdadeiro nome. O nomeda Natonio, que aparece no Cristal, segundo a maneirade ver de Delfim Guimares, anagrama de Antnioe parece-lhe conter aluso a S de Mranda, que usavaeste nome. Um anagrama engenhoso foi o usado pelopoeta alemo do sculo XVII, Kaspar Steler, que, comas letras do seu nome, comps o de Peilkarastres.Anagrama tambm o nome de Voltaire em vez deArouet I (e) i(eune}.

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    3) O crptnmo: as primeiras letras do nome ver-dadeiro compem um outro nome, com o qual o autorse encobre e, parcialmente, se revela. Crsfal umdesses crptnmos, formado de Cristvo Falco.

    Em quase todos os pases se encontram compiladosem grandes dicionrios os resultados das pesquisas paraa identificao das obras publicadas anonimamente ousob pseudnimo.

    Excurso: Determinao do Autorpor meio do Texto

    Tarefa de exame muito frequente nas Universidadesde vrios pases ter de determinar um autor s pormeio do texto de uma obra. certo no ter esta tarefaa finalidade ltima da interpretao adequada da obrade arte como tal, mas sim utilizar o texto para um fimespecial, isto , a identificao do autor. Porm,enquanto no for reconhecida como ideal a histria daliteratura sem nomes, continuar o conceito da perso-nalidade do autor a ser um dos fundamentais na histriada literatura. Assim, esta tarefa resulta de justificadae significativa importncia. Simultneamente fornecedados elucidatvos sobre o investigador, po