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  • Cincia Forense: manchas de sangue

    Introduo

    Crimes brbaros infelizmente acontecem todos os dias. Muitos se impressionam, tanto no cinema como na vida real, quando vem o sangue da vtima. H quem at desmaie. Cenas de crimes realizados com faca, arma de fogo e outras so muito trau-matizantes. Mas o perito, por mais estranho que possa parecer, est acostumado com isto, e um de seus objetivos na anlise da cena do crime achar evidncia de sangue. As tcnicas de investigao com recursos cientficos remontam ao sculo I, quando o romano Quintiliano descobriu que um homem assassinou a prpria me depois de ana-lisar vestgios de sangue nas mos do culpado. De l para c os avanos no conheci-mento cientfico deram suporte s investigaes das mais diversas evidncias. lisar vestgios de sangue nas mos do culpado. De l para c os avanos no conheci-mento cientfico deram suporte s investigaes das mais diversas evidncias.

    Para fins de ilustrao, na imagem acima, esquerda, temos uma cena no mui-

    to agradvel, confesso, mas, infelizmente, retrata a realidade do mundo em que vive-mos. A imagem mostra dois corpos e diversos cartuchos de arma de fogo deflagrados, alm de manchas de sangue na parede. J direita temos o diagrama de um perito que tem por objetivo destacar e relacionar as evidncias da cena do crime, a fim de entender

    como tudo aconteceu.

    Existem situaes em que a mancha de sangue evidente. Localiza-se, por e-xemplo, prximo ao corpo alvejado por um disparo de arma de fogo. Contudo, h casos em que a mancha no explicita. Existe a possibilidade, tambm, de que o criminoso limpe a cena do crime. Como detectar rastros de sangue, se estes no so visveis a olho nu?

    Este segundo artigo da srie sobre Cincia Forense ir versar sobre algumas tc-nicas de identificao de sangue, bem como a cincia envolvida nos procedimentos. A tcnica com luminol ter destaque, sendo explorada em um captulo parte que ir tra-tar sobre a anlise de um fenmeno muito bonito da qumica: a quimiluminescncia. Boa leitura!

    CHEMELLO, E. Qumica Virtual, janeiro (2007) Pgina 1

  • Cincia Forense: manchas de sangue

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    responsvel por cerca de 8 % em mdia da massa corporal humana, o er descrito como uma mistura de vrios componentes, dentre eles desta-

    cam-se

    es oxignio e dixido de carbono pelo nosso corpo. Ele media a troca de subs-tncias

    is o calor transportado pelo sangue. Alm disto, o balan

    de de como a leso foi produzi-da. Na

    Figur ireita).

    O estudo das manchas de sangue para fins forenses faz parte da Sero gia. Este o e usam r

    O sangueSendo

    sangue pode s as clulas, protenas, substncias inorgnicas (sais) e gua. Cerca de 55 % (em

    volume) do sangue o que denominamos de plasma constitudo principalmente por gua e sais dissolvidos. A maioria do material slido so clulas, como os glbulos ver-melhos (eritrcitos) e os brancos (leuccitos) com funes especficas em nosso orga-nismo.

    O sangue tem inmeras funes. Dentre tantas, podemos destacar o transporte dos gas

    entre rgos e transporta os produtos metablicos. O sangue tambm distribui hormnios ao longo do organismo.

    A homestase tambm funo do sangue. A manuteno da temperatura cor-poral realizada com sua ajuda, po

    o cido-base regulado por ele em combinao com os pulmes, fgado e rins. H tambm a defesa contra agentes patognicos e autoproteo, fenmeno conhecido como coagulao e que evita a perda excessiva do fluido vital.

    Como o sangue permeia todo nosso corpo, quando ocorrem avarias, por menor que sejam, ele tende a sair. A forma como este sai depen

    Figura 1 temos alguns exemplos de tipos de manchas de sangue. Cada uma est associada, a priori, com um tipo de ferimento. H tambm casos em que o sangue no visvel, seja pelas condies do ambiente ou pela tentativa de encobrir as evidncias.

    a 1 - Tipos de manchas de sangue. Gotejada (esquerda), Transferida (centro) e Projetada (d

    lo termo usado para descrever a prtica de uma gama de testes de laboratrios qu

    eaes de soro de sangue e demais fluidos corporais. Tipo sanguneo, caracteri-zao de manchas como sendo de sangue, teste de paternidade, identificao do smen em casos de estupro e exames de DNA so apenas alguns exemplos dos casos que a se-rologia abrange. Neste artigo estaremos analisando apenas algumas tcnicas de uma vasta gama de testes.

  • Cincia Forense: manchas de sangue

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    Fenmenos com emisso de luz Fenmenos com emisso de luz Antes de se analisar as tcnicas na deteco e caracterizao de sangue, julgo

    importante observar com ateno as diferenas que existem entre os fenmenos com emisso de luz. Mais adiante iremos tratar do fenmeno da quimiluminescncia e creio ser fecundo destacar as diferenas existentes entre as vrias formas de emisso. Na Fi-gura 2 temos um esquema de classificao destes fenmenos. No objetivo aqui fazer uma discusso prolongada sobre as manifestaes em questo, contudo, de maneira sinttica, se far alguns comentrios a fim de diferenci-los conceitualmente.

    Antes de se analisar as tcnicas na deteco e caracterizao de sangue, julgo importante observar com ateno as diferenas que existem entre os fenmenos com emisso de luz. Mais adiante iremos tratar do fenmeno da quimiluminescncia e creio ser fecundo destacar as diferenas existentes entre as vrias formas de emisso. Na Fi-gura 2 temos um esquema de classificao destes fenmenos. No objetivo aqui fazer uma discusso prolongada sobre as manifestaes em questo, contudo, de maneira sinttica, se far alguns comentrios a fim de diferenci-los conceitualmente.

    emisso de luz

    com aquecimento?

    sim no

    incandescncia luminescncia

    de foras mecnicas

    sim no

    triboluminescncia com excitao atravs de luz?

    sim no

    inanimado?imediatamente?

    quimiluminescncia

    bioluminescncia

    sim nosim no

    fluorescncia

    fosforescncia

    Figura 2 Possveis comportamentos assumidos por tomos ou molculas aps excitao eletrnica. Adapta-do de OHARA, ENGELSON e PETER, 2005.

    O fenmeno da incandescncia ocorre nas famosas lmpadas incandescentes. Ele se baseia no aquecimento de um material at que o mesmo comece a emitir luz. Uma corrente eltrica posta em contato com um filamento de tungstnio, por exemplo, pode ser considerado um sistema que emite luz por incandescncia. Este processo emi-te muito calor e um pouco de luz. Cerca de 90 a 96 % da energia emitida por uma lm-pada incandescente est na forma de calor. J os 4 a 10 % restantes esto na forma de luz, a qual se utiliza para iluminar os ambientes.

    A luminescncia, ou tambm conhecida como luz fria, a classificao mais genrica das formas de emisso de luz que no sejam provenientes de incandescncia.

    A triboluminescncia um tipo de luminescncia que gerada pelo choque mecnico ou tenso aplicada em certos sistemas cristalinos altamente ordenados. As razes para que certos materiais tenham esta caracterstica e outros no ainda motivo de controvrsia na comunidade cientfica e no objetivo aqui se fazer uma anlise mais aprofundada a respeito deste fenmeno.

    A fluorescncia o fenmeno que ocorre nos fogos de artifcio. Quando os tomos de um determinado material so excitados, os eltrons so promovidos a nveis de ener-gia mais elevados. Quando a fonte de excitao retirada, os eltrons voltam ao estado de energia original e, ao fazer isto, emitem um fton de energia igual absorvida no pro-cesso de promoo.

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    A fosforescncia assemelha-se com a fluorescncia. Os eltrons tambm so promovidos para nveis mais energticos. O diferencial est no processo de volta ao es-tado inicial. Enquanto na fluorescncia o processo ocorre quase que instantaneamente, na fosforescncia a volta ocorre em um tempo maior. Os eltrons no retornam imedia-tamente para o nvel original, mas fazem escalas nos nveis intermedirios entre os es-tados inicial e final. Esta demora pode ser de alguns microssegundos ou at muitos mi-nutos. Exemplo de fosforescncia est em alguns interruptores eltricos que possuem sais com tomos que exibem este comportamento. Tambm est presente nas telas de televises e computadores, ajudando no processo de formao da imagem.

    A quimiluminescncia caracteriza-se pela emisso de luz atravs de uma reao qumica. A tcnica de caracterizao de sangue com luminol um exemplo de processo quimiluminescente. Quando este tipo de reao ocorre em seres vivos, temos a biolumi-nescncia. Exemplo deste tipo de reao a que ocorre nos fotcitos clulas especiali-zadas em reaes de emisso de luz como produto do vaga-lume (veja Figura 3).

    N

    S

    N

    S

    H

    CO

    OH

    OH

    luciferina

    N

    S

    N

    S

    CO

    OH

    OH

    N

    S

    N

    S

    C

    O

    O

    OH

    N

    S

    N

    SOH

    oxiluciferina

    luciferina, ATP, O2, Mg2+ OOH

    A B

    C

    D

    E

    OH2

    O

    CO2

    hv (BL0,9 E.mol-1)

    O

    Figura 3 - Mecanismo de bioluminescncia nos vaga-lumes.

    Nesse mecanismo do vaga-lume ocorre a oxidao da luciferina (A) pelo oxignio molecular, reao esta catalisada pela enzima luciferase, gerando a oxiluciferina (E) mais a luz que observada por ns (D). Este mecanismo apresenta um alto rendimento quntico de bioluminescncia (em torno de 0,9 E.mol-1), sendo que esta energia produ-zida pelo inseto comumente chamada de "luz fria" devido ao seu alto rendimento. interessante destacar que 90 a 96% da energia produzida convertida em luz, e somen-te 4 a 10% convertida em calor: o inverso de uma lmpada incandescente!

    Esquematicamente, uma reao quimiluminescente pode ser pensada como o inverso de uma reao fotoqumica. Nesta ltima, uma determinada substncia, ao ab-sorver um fton, atinge um estado eletrnico excitado e, atravs de uma reao qumi-ca, forma-se um produto no estado eletrnico fundamental. J em uma reao quimi-luminescente, ocorre uma reao qumica, que leva produo de uma substncia no estado eletrnico excitado, que, pelo decaimento para o estado eletrnico fundamental, emite luz.

    Para reaes extremamente exotrmicas e nas quais a geometria do estado ele-trnico excitado do(s) produto(s) parecida com a geometria do(s) reagente(s), a energia livre de ativao da reao conduz ao estado eletronicamente excitado que pode ser me-nor do que aquela que leva ao estado eletrnico fundamental.

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    Zn(s) + 2 NaOH(aq) + 2 H2O (l)

    Identificao de manchas de sangue Quando uma mancha de sangue chega ao laboratrio forense, a mesma sujeita

    a testes muito sensveis, porm pouco especficos, a fim de determinar se ela de san-gue ou no. A este tipo de anlise se d o nome de teste de presuno.

    Exames presuntivos de sangue so geralmente catalticos, envolvem o uso de a-gente oxidante, como o perxido de hidrognio [H2O2(aq)] e um indicador que muda de cor (ou luminescente) e que sinaliza a oxidao catalisada pela hemoglobina como se fosse uma enzima peroxidase. Este comportamento de peroxidase da hemoglobina foi descoberto em 1863 pelo cientista alemo Schnbein. De l para c inmeros testes de presuno foram elaborados. Do total de reagentes que existem, apenas um pequeno nmero tem interesse prtico no campo da cincia forense. Os reagentes aqui discuti-dos sero: Reagente de Kastle-Meyer, reagente de benzidina e luminol.

    Reagente de Kastle-Meyer O reagente de Kastle-Meyer constitudo por uma mistura de substncias. Um

    exemplo de proporo seria 0,1 g de fenolftalena, 2,0 g de hidrxido de sdio (sob a forma de pellet), 2,0 g de p de zinco metlico e 10 mL de gua destilada. Na Figura 4 temos as reaes que ocorrem tanto no processo de produo do reagente como nas que ocorrem quando ele aplicado na suposta mancha de sangue.

    Para realizar o procedimento de deteco, macera-se a mancha ou a crosta com 1 mL de gua destilada ou hidrxido de amnio concentrado. Aps, seleciona-se duas gotas do macerado e, aps coloc-las em um tubo de ensaio, misturam-se duas gotas do reagente. Enfim, adicionam-se soluo duas gotas de perxido de hidrognio a 5%.

    OH

    C

    O

    C

    O

    OH

    Na2[Zn(OH)4](s) + 2 [H] [1]

    OH

    C

    C

    O

    O

    OH

    [2]

    forma incolor

    OH

    C

    O

    C

    O

    OH

    OH

    C

    C

    O

    O

    OH

    [O]

    Hb + H2O2(aq) [3]Hb + H2O(aq) + [O]

    [4]

    forma vermelhaforma incolor

    [H]

    forma vermelha

    Figura 4 Reaes referentes ao reagente de Kastle-Meyer.

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    Na figura anterior [Figura 4], em [1], temos a reao entre o p de zinco e o hi-drxido de sdio. O produto de interesse o hidrognio nascente, que garantir a forma incolor da fenolfatelna [2]. Se a amostra for de sangue, esta ter, necessariamente, he-moglobina, a qual possui a caracterstica de decompor o perxido de hidrognio (com-portamento de peroxidase) em gua e oxignio nascente [3]. Ento, este oxignio promo-ver a forma colorida da fenolftalena, evidenciando ao perito que a amostra pode conter sangue.

    A molcula de hemoglobina est presente nos eritrcitos (glbulos vermelhos) e carrega consigo complexos inorgnicos, tendo como tomo central um on de ferro, com-plexo este denominado "Heme" (veja Figura 5).

    N

    N

    Fe

    N

    N

    O O

    CH2

    CH2

    CH3

    CH3

    OH OH

    CH3

    CH3

    Figura 5 Representao da (esquerda) hemoglobina e (direita) complexo heme.

    Diferentemente da mioglobina, que tambm exerce papel no transporte de oxig-nio e possui apenas um grupo 'heme', a hemoglobina possui quatro grupos. Este com-plexo ir ser responsvel pela fixao e transporte do oxignio, uma vez que ele est li-gado estrutura protica da hemoglobina e esta, por sua vez, promove a movimentao de toda a estrutura. Cada hemoglobina carrega quatro molculas de gs oxignio por vez, visto que existem quatro complexos hemes ligadas a ela. A ligao do complexo com o oxignio fraca e instvel, dependendo de uma srie de fatores, como pH, tempe-ratura e presso parcial dos gases dissolvidos no sangue. neste stio ativo com on ferro que ocorre e decomposio do perxido de hidrognio.

    Causas de erro no mtodo incluem a presena de sais de ferro, cobre, suco gs-trico ou qualquer outra substncia capaz de decompor a molcula de H2O2 em gua e oxignio. A sensibilidade deste reagente de 1/1.000.000.

    Reagente de Benzidina O reagente de benzidina, tambm conhecido como Adler-Ascarelli, tambm

    uma mistura de substncias. Uma proporo possvel seria 0,16 g de benzidina cristali-zada, 4 mL de cido actico glacial e 4 mL de perxido de hidrognio de 3 a 5 %.

    O procedimento para produzi-lo consiste em macerar a mancha de sangue em 1 mL de gua destilada ou em cido actico glacial. Aps, separa-se duas gotas do mace-rado e adicionam-se a estas, em um tubo de ensaio, duas gotas do reagente recente-mente preparado.

    Da mesma forma que o reagente de Kastle-Meyer, o reagente de benzidina ba-seia-se na catlise da decomposio do perxido de hidrognio em gua e oxignio pela hemoglobina presente no sangue. O oxignio formado ir oxidar a benzidina, alterando-lhe sua estrutura, fenmeno que perceptvel, sob o ponto de vista experimental, com o aparecimento da colorao azul da soluo (Figura 6).

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    NH2NH2

    [O]

    NH2NH2

    N

    NH2 NH2

    N Figura 6 - Reagente de Benzidina e o produto de colorao azul.

    Por se tratar de um reagente que se decompe rapidamente em soluo, reco-menda-se que a preparao do mesmo seja feita no momento em que ele ser usado. Sugere-se o teste com sangue diludo (ensaio positivo) e gua destilada (ensaio negati-vo). A sensibilidade deste reagente de 1/2.000.000.

    Luminol Este clssico nos seriados de investigao cientfica e tambm na vida real. O

    5-amino-2,3-di-hidro-1,4-ftalazinadiona, mais conhecido por luminol, um composto que, sob determinadas condies, pode fazer parte de uma reao quimiluminescente. Uma das formas de obt-lo a partir do cido 3-nitroftlico, conforme mostra a Figura 7.

    NO2

    COOH

    COOH

    +NH2

    NH2

    cido 3-nitroftlico hidrazina 5-nitroftalhidrazina

    NO2 O

    NH

    O

    NH

    Na2S2O4

    O

    NH

    O

    NH

    NH2

    luminol

    -H2O

    Figura 7 Sntese do Luminol.

    Na cena do crime nem sempre h evidncias visveis de sangue. Algum poderia, por exemplo, limpar o local, a fim de encobrir o acontecido. Porm, para a sorte nossa e dos peritos, o luminol reage com quantidades muito diminutas de sangue. Sua sensibili-dade pode chegar aos impressionantes 1/1.000.000.000, mesmo em locais com azulejos, pisos cermicos ou de madeira, os quais tenham sido lavados. A eficcia do produto to grande que possvel a deteco de sangue mesmo que j tenham se passado seis anos da ocorrncia do crime. A reao qumica produzida no afeta a cadeia de DNA, permitindo o reconhecimento dos criminosos ou das vtimas. Por isto, ele recomendado para locais onde h suspeita de homicdio e superfcies que, aparentemente, no exibem traos de sangue (veja Figura 8).

    Figura 8 - Exemplo de um ambiente sem e com luminol (esquerda) e as marcas de um calado realadas pela quimiluminescncia do luminol [fonte: HowStuffWorks).

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    A reao de luminol com perxido de hidrognio em gua necessita de um cata-lisador redox. Uma grande variedade de metais de transio pode ser usada para este fim. No caso do teste para a presena de sangue, este catalisador o on do elemento ferro que est presente nos grupos heme da hemoglobina.

    Esse catalisador oxida o luminol [1] (veja Figura 9) em diazoquinona [2], a qual sofre ataque pelo nion de perxido de hidrognio, formando o endo-perxido [3]. Este ltimo perde nitrognio (uma molcula muito estvel) e forma o dinion do cido 3-aminoftlico no estado excitado [4], o qual decai para o estado fundamental [5], proces-so acompanhado pela emisso de radiao por fluorescncia do 3-aminoftalato com comprimento de onda de aproximadamente 431 nm.

    NH2

    N

    NH

    O

    O2 M+n H+ + 2 M+(n-1)

    [1] [2]

    NH2

    N

    N

    O

    O

    [2]

    NH2

    N

    N

    O

    OHO2

    - H+

    [3]

    NH2

    N

    N

    O

    O

    OO

    [3]

    NH2

    N

    N

    O

    O

    OO

    N2NH2

    O

    O

    O

    O

    [4]

    NH2

    O

    O

    O

    O

    [4]

    h 431 nmNH2

    O

    O

    O

    O

    [5]

    Figura 9 - Mecanismo esquemtico da oxidao de luminol por perxido de hidrognio em meio aquoso, cata-lisado por metais de transio (Mn+).

    Ns humanos percebemos as cores da radiao eletromagntica pela viso se es-

    ta estiver na estrita faixa de comprimento de onda que vai de 400 a 700 nm, aproxima-damente (veja Figura 10). Uma rpida olhada no espectro eletromagntico nos mostra que a cor da luz emitida pelo processo de quimiluminescncia do luminol atravs da o-xidao com perxido de hidrognio azul. Esta cor pode variar dependendo de qual

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    CHEMELLO, E. Qumica Virtual, janeiro (2007) Pgina 9

    agente oxidante se utiliza. Por exemplo, usando-se dimetilsulfxido ao invs de perxido de hidrognio, o comprimento de onda da luz emitida ser de 502 nm, o qual est asso-ciado cor verde.

    agente oxidante se utiliza. Por exemplo, usando-se dimetilsulfxido ao invs de perxido de hidrognio, o comprimento de onda da luz emitida ser de 502 nm, o qual est asso-ciado cor verde.

    Figura 10 O Espetro Eletromagntico [fonte: NAIRNE, 2004]

    Esto enganados aqueles que acham que todos os peritos brasileiros esto mu-nidos desses materiais. Se na poca do assassinato do jornalista Tim Lopes a polcia brasileira j utilizasse o Luminol, o trabalho dos peritos seria facilitado para descobrir o local do crime e fazer o reconhecimento do corpo da vtima, afirmou Cludio Lopes, co-ordenador do projeto de sntese do luminol na UFRJ em uma reportagem no site da mesma universidade.

    Mesmo pases ditos desenvolvidos tambm no possuem a sua disposio toda a tecnologia que vemos na televiso e cinema. E o que mais preocupa que os bandi-dos, assassinos e demais pedras no sapato da sociedade tambm se especializam e e-laboram estratgias para evitar evidncias.

    Ao revelar a mincia da ao dos peritos nos programas de fico, d-se inspira-o e conhecimento aos criminosos reais, que passam a se prevenirem e terem cuidado para no deixarem evidncias que os incriminem. Suzanne, filha do casal Richthofen, morto no dia 30 de outubro de 2002 em So Paulo, por exemplo, instruiu os assassinos de seus pais a usarem meias-calas na cabea, na cena do crime, para evitar a queda de fios de cabelo.

    Outro caso que marcou a comunidade forense e a populao em geral foi o jul-gamento do ex-jogador de futebol americano O. J. Simpson (veja Figura 11). Havia uma acusao contra ele de duplo homicdio, aps a descoberta dos corpos de Nicole Simp-son e Ron Goldman, sua ex-mulher e amigo, respectivamente. O julgamento durou 372 dias. Segundo algumas fontes, a palavra sangue foi dita quinze mil vezes no julgamen-to. E foi justamente esta evidncia que acabou decidindo o caso.

    A polcia encontrou uma cena de crime com muitas provas latentes: muito san-gue, peas de vesturio, pegadas e uma trilha de sangue que revelava o caminho segui-do pelo criminoso(a). Seguindo estas pistas, os policiais chegaram casa do ex-marido de Nicole, O. J. Simpson, obtendo no local mais evidncias: manchas de sangue em seu carro, nas suas meias e no cho do jardim. Exames de DNA comprovaram que esse sangue era das vtimas. Assim, a promotoria acreditava ter nas mos um caso que no poderia ser contestado. Mas foi surpreendida pela estratgia dos advogados de defesa: o questionamento das provas. As cmeras de televiso flagraram um perito da polcia

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    coletando amostras sem luvas, policiais manipulando evidncias sem trocar as luvas e muitas pessoas circulando na cena do crime, a qual no tinha sido bem isolada. Alm disso, as evidncias foram coletadas sem identificao e registro prvios, as amostras foram conservadas e empacotadas sem a devida separao e, o mais grave: a coleta foi feita por apenas uma pessoa, sem testemunhas. Finalmente, os advogados provaram que o laboratrio criminal da polcia de Los Angeles no cumpriu padres mnimos de manuseio, preservao e separao das evidncias.

    Figura 11 Em destaque o ex-jogador de futebol americano O. J. Simpson no julgamento vestindo as luvas

    que supostamente ele havia usado na cena do crime. [ AP www.ap.org]

    Com base nesses erros, a defesa alegou negligncia no manuseio das provas e contaminao das mesmas, acusando os policiais de possvel fraude. As provas foram desconsideradas e o ru foi absolvido. Posteriormente, em 1997, Simpson foi submetido a um julgamento cvel no qual foi declarado culpado e condenado a pagar US$ 33,4 mi-lhes aos familiares das vtimas. At onde se sabe a famlia, at hoje, ainda no recebeu o valor referido.

    O "julgamento do sculo", com ficou conhecido, se tornou um circo sem prece-dentes, despertou o fantasma do racismo e criou srias dvidas sobre o funcionamento do sistema judicial americano. As enquetes mostraram que a maior parte dos america-nos brancos achava que Simpson era culpado, enquanto a maioria dos negros acredita-va na sua inocncia.

    importante salientar s pessoas, portanto, com base no exemplo do caso de O. J. Simpson, que preservar a cena do crime fundamental para a investigao e a solu-o do caso. Por isto que existe toda uma preocupao, como o isolamento do local do crime. Alm disto, os procedimentos de coleta e conservao das evidncias devem pas-sar por um rigoroso protocolo, a fim de evitar a contestao de provas, como ocorreu no caso narrado.

    Bibliografia utilizada

    ALBERTIN, R. et al. Quimiluminescncia orgnica: alguns experimentos de demonstra-o para a sala de aula. Qumica Nova, 21(6) (1998).

    BUDOWLE, B. et al. The Presumptive Reagent Fluorescein for Detection of Dilute Bloodstains and Subsequent STR Typing of Recovered DNA. Journal Of Forensic Sci-ences 2000; 45(5):1090-1092.

    CHEMELLO, E. A qumica do vaga-lume! NAEQ Fevereiro, 2004. Disponvel em: www.ucs.br/ccet/defq/naeq/material_didatico/textos_interativos_26.htm

    CHEMELLO, E. O equilbrio cido-base no sangue. NAEQ Junho, 2004. Disponvel em: www.ucs.br/ccet/defq/naeq/material_didatico/textos_interativos_34.htm

    DUPR, D. B. Blood or Taco Sauce? Journal Of Chemical Education. Vol. 73, n 1, January 1996.

    FONSECA, M. R. M. Completamente Qumica: qumica orgnica So Paulo: FTD, 2001.

  • Cincia Forense: manchas de sangue

    CHEMELLO, E. Qumica Virtual, janeiro (2007) Pgina 11

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    Agradecimento Agradeo ao qumico e amigo Leandro Maranghetti Loureno pelas referncias

    bibliogrficas conseguidas junto s instituies com acesso permitido e minha namora-da, Llian Mors, pelas revises textuais.

    Sobre o autor

    Emiliano Chemello licenciado em Qumica pela Universidade de Caxias do Sul e professor do Ensino Mdio na regio da Serra Gacha.

    website: http://www.quimica.net/emiliano

    e-mail: [email protected]

    MSN: [email protected]

    Identificao de manchas de sangueReagente de Kastle-MeyerReagente de BenzidinaLuminol

    Para saber maisTUMOSA, C. S. A Potential Source of Difficulty in the Initia