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LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS À EFETIVAÇÃO DA ADVOCACIA PÚBLICA COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA 1 Roberto César Veloso Borges Bacharelando em Direito pela Universidade Salvador - UNIFACS Sumário: 1 Introdução. 2 Natureza Jurídica e Conceito. 3 Competência. 4 Composição. 4.1 Procuradores e Advogados Públicos. 4.2 Advogado-Geral e Procurador-Geral. 5. Limitações e Perspectivas. 6 Conclusão. Referências Palavras-chave: Constituição – Estado – Função – Advocacia Pública. 1 INTRODUÇÃO A Constituição Cidadã se distingue das outras que lhe antecederam ao ter implementado um regime democrático 2 que vai além das fronteiras da formalidade, passando a reconhecer na democracia um direito material, o que é 1 A Emenda Constitucional n. 19/98 alterou a denominação da seção II do capítulo constitucional referente às Funções Essenciais à Justiça, renomeando a seção referente à Advocacia de Estado como “Da Advocacia Pública”. Isto gerou a possibilidade de se referir aquela espécie advocacia de Estado como Advocacia Pública em sentido estrito, apesar das criticas lançadas por Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006, p.138) sobre o desacerto da inovação legislativa do ponto de vista técnico. 2 Olivier Duhamel apud J. J. Gomes Canotilho define regime político como o conjunto de regras constitucionais atribuidoras de funções ou “poderes” políticos. (2003, p.573) 1

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LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS À EFETIVAÇÃO DA ADVOCACIA PÚBLICA COMO FUNÇÃO ESSENCIAL À JUSTIÇA1

Roberto César Veloso Borges

Bacharelando em Direito pela Universidade Salvador - UNIFACS

Sumário: 1 Introdução. 2 Natureza Jurídica e Conceito. 3 Competência. 4 Composição.

4.1 Procuradores e Advogados Públicos. 4.2 Advogado-Geral e Procurador-Geral. 5.

Limitações e Perspectivas. 6 Conclusão. Referências

Palavras-chave: Constituição – Estado – Função – Advocacia Pública.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Cidadã se distingue das outras que lhe antecederam ao ter

implementado um regime democrático2 que vai além das fronteiras da formalidade,

passando a reconhecer na democracia um direito material, o que é totalmente natural,

uma vez que o país se encontrava antes sufocado por um regime ditatorial militarista.

Ao contrário de um Estado ditatorial3, a essência do Estado Democrático de

Direito reside no poder normativo inerente ao princípio da democracia, que irradia

efeitos em todas as atividades do Estado. Logo, a democracia passa a apresentar um

valor material e não somente formal, que se presta a grosso modo tão somente à simples

promoções de eleições, cujo escopo é selecionar e legitimar os representantes do povo.

A agregação de valor material a democracia garante ao povo a faculdade de

também participar do processo decisório em todas as funções estatais através de

conselhos, plebiscitos, referendos, audiências públicas, propostas de leis, júris, etc e, o

1 A Emenda Constitucional n. 19/98 alterou a denominação da seção II do capítulo constitucional referente às Funções Essenciais à Justiça, renomeando a seção referente à Advocacia de Estado como “Da Advocacia Pública”. Isto gerou a possibilidade de se referir aquela espécie advocacia de Estado como Advocacia Pública em sentido estrito, apesar das criticas lançadas por Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006, p.138) sobre o desacerto da inovação legislativa do ponto de vista técnico.2 Olivier Duhamel apud J. J. Gomes Canotilho define regime político como o conjunto de regras constitucionais atribuidoras de funções ou “poderes” políticos. (2003, p.573) 3 Usa-se o termo ditatorial em oposição à idéia de democracia. No tocante ao primeiro regime, o Estado pode ser tanto autoritário, no qual pressões dos ocupantes do poder se dirigem somente aos grupos opositores, enquanto se faz uso da política do “pão e circo” para manter alienados os demais setores da sociedade; quanto totalitário, que corresponde ao Estado que busca a total submissão de seus cidadãos ao regime, intrometendo-se até mesmo no cotidiano da vida particular do povo.

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mais importante, concede lhe instrumentos efetivos para promoção da fiscalização dos

atos cometidos pelo Estado tais como: o direito de petição, reclamação, recursos

administrativos, ação popular, mandado de segurança, ação coletiva, etc4. Não é por

acaso, que a democracia passa a ser identificada como um direito fundamental de quarta

geração por doutrinadores como Paulo Bonavides.

A participação social, portanto, é essencial ao funcionamento das atividades

estatais no Estado Democrático, pois não só zela pelo respeito aos direitos e garantias

fundamentais mais também inclui os cidadãos nos processos de tomada de decisões e de

gestão pública.

No entanto, registra-se o enfraquecimento do modelo de democracia

representativa, pois a vontade dos representantes nem sempre coincide com a da

sociedade. Acrescente-se a isto, que os níveis de participação popular (democracia

participativa) tendem ao mínimo de operatividade, tendo em vista a existência de uma

letargia social para zelar por interesses que não sejam particulares.

Positivamente, o constituinte resolveu inserir novos atores no cenário estatal,

cujo escopo é complementar o controle social, coibindo anomalias não eliminadas pelo

sistema checks and balances5, intrínseco ao princípio da separação de poderes6;

insuficiente para assegurar um controle efetivo das atividades desenvolvidas pelos três

Poderes.

A instituição de tais órgãos pelo constituinte, em complemento ao

controle social, é medida salutar e essencial ao funcionamento do Estado Democrático

de Direito, pois existem atos que escapam ao nível de percepção do cidadão, como

aqueles que não afrontam direitos individuais, mas revelam-se, por outro lado,

incompatíveis com as normas que regem a atuação administrativa.

Justamente, é aí que o princípio da separação dos poderes apresenta-se

como valor instrumental da democracia, pois visa conter a concentração de Poder nas

mãos de um só órgão. Desse modo, o princípio que encontrou sua consagração na obra 4 Ratificam o exposto, as lições de José Francisco de Carvalho Neto (2005, p. 116-117), Adhemar Martins Bento Gomes (2005, p.92-93 e 96) e Jorge Ulisses Fernandes (2003,p.51-2).5 Através de freios e contrapesos recíprocos, os vários poderes encarregados de várias e distintas funções operam um controlo do poder “o poder para o poder” garantindo a liberdade dos indivíduos e evitando o aparecimento de um poder superpesado perigosamente totalizador do poder do Estado. (CANOTILHO, 2003, p.551). 6 É de bom alvitre ressaltar que o princípio da separação de poderes contém uma imprecisão terminológica e material, sempre sublinhado pela doutrina, qual seja, a separação traduz-se na distribuição das funções políticas fundamentais, que a luz da teoria tripartite de Montesquieu são: executiva, legislativa e judiciária; exercidas pelos órgãos de soberania denominados Executivo, Legislativo e Judiciário, que exercem tais funções de modo independente e predominante, mas não excludente, conforme lecionado por J. J. Canotilho, André Ramos Tavares, Alexandre de Moraes, Odete Medauar, etc.

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de Montesquieu, evolui da originária noção tripartite do poder para uma teoria de

redistribuição de competências entre vários novos centros de poder delineados pela

Constituição, todos devendo atuar em cooperação uns com os outros.

Trata-se, portanto, de uma evolução sem precedentes no cenário

nacional, no qual o exercício do poder estatal é delegado a órgãos diversos do

Legislativo, Executivo e Judiciário. O fenômeno retratado caracteriza um Estado

policrático, marcado pela existência de diversos centros de poder, que se apresentam

prioritariamente como órgãos constitucionais autônomos encarregados de executar

funções7 antes confiadas aos órgãos de soberania8, apesar de que a existência daqueles

não é suficiente para descaracterizar o sistema de governo do país, ou ainda, permitir o

aparecimento de um novo tipo9, haja vista a ausência da falta de atributos em relação

aos órgãos comumente denominados de “Poderes”.

Voltando ao contexto, como um dos resultados da nova redistribuição de

competências (re)surge a Advocacia Pública, a qual foi atribuída a missão de realização

da Justiça constitucional, para tanto, passa esta a exercer um controle interno de

juridicidade sobre os atos da Administração com o objetivo de prevenir e coibir a

condutas incompatíveis com as normas fundamentais por parte do Poder Público.

7 Importante observar desde já que o vocábulo função possui múltiplas acepções: Função no sentido de “actividade” (função jurisdicional, função do Tribunal de Constitucional); função como “tarefa” (função da imprensa num Estado democrático, função constitucional das Forças Armadas); função como equivalente a “dimensões” ou “aspectos” de uma norma jurídica (função objectiva e subjectiva das normas consagradoras de direitos fundamentais); função identificada como eficácia jurídica (mudança de função das normas programático-constitucinais de simples “apelos ao legislador” para normas impositivas de tarefas); função como sinônimo de “poder” (função do Estado); função equiparada a “competência” (poderes de regulamentação ou conformação jurídica atribuída a um órgão); função técnico-formalmente entendida como “relação de referência” entre fim e efeito de uma norma (uma das funções das normas de competência é a função de proteção dos cidadãos através da delimitação e distribuição do exercício do poder de vários órgãos). (CANOTILHO; 2003, p.543).8 Órgãos constitucionais de soberania são aqueles: (1) cujo status e competências são imediata e fundamentalmente “constituídos” pela constituição; (2) que dispõem de um poder de auto-organização interna; (3) que não estão subordinados a quaisquer outros; (4) que estabelecem relações de interdependência e de controlo em relação a outros órgãos ordenados na e pela constituição. [...] Não basta, pois, que eles sejam ”mencionados” pela constituição; as suas competências e funções devem resultar, no essencial, da lei fundamental. Alguns órgãos constitucionais são órgãos do Estado e órgãos de soberania. A idéia de órgãos constitucionais de soberania significa que a eles pertence o exercício do poder (autoritas, majestas) superior do Estado, quer na sua dimensão externa (relativamente a outros Estados e poderes soberanos) quer na sua dimensão interna (frente a outros «centros de poder» internos). (CANOTILHO, 2003, p.564).9 Nesse sentido, uma rápida leitura do texto constitucional revela que o disposto no art. 2º da CF/88 ? não retrata com fidedignidade o número nem a divisão das funções estatais entre os órgãos de soberania, pois além de existirem funções diferentes daquelas fundamentais cometidas aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, existem outras confiadas a órgãos autônomos, não inseridos na estrutura de quaisquer dos três Poderes?. Vide considerações sucintas de André Ramos Tavares (2007, p.999-1000) a respeito do assunto.

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Diante disto, este trabalho objetiva analisar o grau de efetivação da

Advocacia Pública em relação a concretização de sua missão constitucional no âmbito

da União, dos Estados e do Distrito Federal, para isto busca-se identificar a natureza

jurídica e o conceito de Advocacia Pública, bem como estudar a estruturação de sua

atividade e eventuais limitações e perspectivas experimentadas, sendo exposto ao final

uma reflexão sobre o atual estado da Advocacia Pública após quase duas décadas da

promulgação da Constituição Federal de 1988.

2 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO

Identificar a natureza jurídica de um instituto jurídico é reconhecer seus

pontos em comum com outros institutos e somente daí proceder ao seu enquadramento

numa categoria maior ou mais abrangente da Ciência do Direito.

In casu, a própria Constituição Federal enunciou a natureza da

Advocacia Pública ao a inserir entre as denominadas Funções Essenciais à Justiça,

localizadas no capítulo IV do título IV, que trata sobre a Organização dos Poderes.

Consoante se pode verificar ao examinar a estruturação das disposições

fundamentais, tais funções são tratadas de modo destacado em relação à outras funções,

como a de defesa e financeira, por exemplo, fato que além de ressaltar sua elevada

importância, traz conseqüências que diferenciam a diferenciam quanto ao seu modo de

efetivação. Assim, a conceituação e natureza jurídica a seguir expostas serão realizadas

sob aquilo que Paulo Modesto (2006) entende como enfoque dinâmico, ou seja, “através

do modo que os órgãos públicos [...] exercitam funções públicas”.

Ocorre que na ordem jurídica anterior, a defesa dos interesses primários

do Estado incumbia ao Ministério Público que exercia tal função em paralelo com as

tradicionais funções de acusação penal, de guardião dos interesses sociais e de fiscal da

lei. A cumulação do exercício de tais atividades era alvo de muitas críticas, pois apesar

de se destinarem a satisfação de interesses legítimos e igualmente merecedores da tutela

estatal, não raras vezes, mostravam-se incompatíveis no dia-a-dia de seus exercícios na

medida em que os agentes do Ministério Público precisavam atuar com imparcialidade

ao fiscalizar a correta aplicação da lei, ao mesmo tempo em que tinham que defender os

interesses do Estado10.10 Em trabalho sobre o estudo classificatório da Advocacia Pública no direito comparado, Claudio Grande Junior (2007, p.5) observa que a idéia de Advocacia Pública tradicionalmente engloba as funções de acusação penal pública, fiscalização dos interesses indisponíveis, assistência judiciária aos necessitados e

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Com efeito, após rápida leitura dos arts. 127 e seguintes da Constituição

de 1988, se nota importante diferença entre esta e aquelas que lhe precederam: trata-se

do fim do regime de unicidade da Procuratura Pública do Estado11.

O legislador constitucional pôs fim ao regime único da Procuratura

Pública do Estado ao distribuir as funções antes exercidas com exclusividade12 pelo

Ministério Público entre duas novas instituições, duas novas Procuraturas

Constitucionais: a Defensoria Pública e a Advocacia de Estado.

Assim sendo, à Defensoria Pública coube a orientação jurídica e a defesa

dos interesses individuais ou coletivos dos necessitados em prol da aclamada inclusão

social; ao Ministério Público foi reservado o papel de guardião dos interesses sociais,

lhe sendo confiada a tarefa de zelar pela ordem jurídica, pelo regime democrático e

pelos interesses sociais e indisponíveis; finalmente, à Advocacia de Pública foi confiada

a missão de zelar pelos interesses públicos das pessoas jurídicas de direito público

interno.

O traço distintivo de cada uma das Procuraturas Constitucionais são os

diferentes interesses a serem satisfeitos por cada uma delas. Deste modo, o foco do

Ministério Público é a advocacia da sociedade; a atenção da Defensoria Pública, por sua

vez, é a advocacia dos necessitados; enquanto, a Advocacia Pública tem a finalidade de

patrocinar os interesses confiados pela sociedade ao Estado e finalmente a advocacia

privada cujo objetivo primordial é o patrocínio dos interesses particulares.

Em consonância com o exposto, manifesta-se Diogo de Figueiredo

Moreira Neto (2006, p.187-188):

Desde logo, manteve-se, assim, e por óbvio, na Constituição, a básica distinção entre Advocacia Privada e Pública, na grande clivagem entre interesses privados e interesses públicos. Institui-se, porém, na Advocacia Privada, aqui tomada ainda em seu pleno e lato sentido – de cura e de representação de interesses de terceiros – uma divisão entre três ramos: o Ministério Público, a Advocacia de Estado e a Defensoria Pública.Foram com isso, criadas três Procuraturas constitucionais independentes, para que exercitassem, cada uma delas, em seus respectivos âmbitos funcionais e federativos, os poderes tipicamente estatais de cura, promoção, provedoria e controle, pois que referentes à estruturação e funcionamento do próprio Estado, e nem por outra razão inseridas todas essas funções, sob a

representação judicial, assessoramento e consultoria jurídica às entidades estatais: em linhas gerais, compreende as atribuições do Ministério Público (advocacia da sociedade), da Defensoria Pública (advocacia dos necessitados) e da Advocacia Estatal. É o que hoje se pode chamar de Advocacia Pública latu sensu. Esse sentido foi o originalmente empregado pelo constituinte, ao assentar as Funções Essenciais à Justiça, em 1988. 11 Expressão usada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006, p.187). 12 Fides Angélica Ommati (2001, p.1) sublinha que a instituição de Procuradorias Gerais do Estado era fenômeno de ocorrência comum nos Estados-membros antes da CF/88, esclarecendo que a evolução trazida pela Lei Fundamental de 1988 tem esteio na salutar experiência de tais entes federativos.

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qualificação de Essenciais à Justiça, como um Capítulo distinto do Título IV, que trata exatamente da Organização dos Poderes, pretendendo o constituinte que nesse Título se contivessem todas as definições cratológicas fundantes da organização estatal, independentemente de obrigatória continência em qualquer dos três ramos em que, por tradição, repartia-se o exercício de qualquer parcela do poder estatal.Explicado o correto alcance da história metonímia, melhor se pode entender este explosivo fenômeno contemporâneo da multiplicação de órgãos constitucionalmente independentes, o que na visão iluminada de Massimo Severo Giannini, era marca da pluralização dos centros de poder, o que denominava de poliarquia, e de aperfeiçoamento dos mecanismos de controle recíproco no exercício das funções públicas.

O ponto comum entre as Procuraturas Constitucionais13 é o seu dever de

sustentar a ordem jurídica vigente, de zelar pelos mandamentos constitucionais do

Estado Democrático de Direito, pois da consecução de seus objetivos depende a

realização da Justiça, a qual não se restringe àquela a cargo do Poder Judiciário por sem

mais ampla.

Neste diapasão, a Justiça a ser realizada pelas Funções Essenciais é

aquela inserta no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que integra os

objetivos da República Federativa do Brasil14.

Por conseguinte, infere-se que a natureza jurídica da Advocacia Pública

traduz-se naquilo que o constituinte convencionou denominar de função essencial à

justiça, a qual devido a sua importância, não pode está contida na estrutura orgânica de

nenhum órgão de soberania, tendo em vista o fato de que suas atribuições e

responsabilidades foram contempladas e delimitadas pela própria Lei Fundamental em

capítulo próprio e à parte daquelas atribuições tipicamente confiadas ao Executivo,

Legislativo e Judiciário.

Diante do exposto, depreende-se que o conceito de Advocacia de Estado,

doravante tratada simplesmente como Advocacia Pública em sentido estrito, consiste

justamente no universo de atividades de consultoria, assessoria e de representação

judicial e extrajudicial, além de outras compatíveis com as anteriores, que tem como

13 É importante ressaltar o status de Procuratura Constitucional da Advocacia privada cujo âmbito de atuação é mais abrangente que o das outras funções, tendo em vista que a possibilidade de atuação complementar ou mesmo suplementar às outras funções, conforme se pode constatar da exegese do Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce. 14 Eis o teor do aludido dispositivo constitucional: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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objetivo defender os interesses públicos indisponíveis, cuja gestão foi

constitucionalmente delegada ao Estado.

3 COMPETÊNCIA15

Após a intelecção das disposições constitucionais relativas ao Ministério

Público, situadas na Seção I do capítulo constitucional relativo às Funções Essenciais à

Justiça, tem-se a impressão de que o constituinte foi no mínimo sucinta ao definir o

papel da Advocacia Pública na nova ordem jurídica. Esta impressão torna-se certeza

quando se procede ao estudo sobre os vários aspectos atinentes aos órgãos de advocacia

de Estado, principalmente quando se consulta os manuais acadêmicos e a jurisprudência

a respeito do assunto.

A Lei Fundamental definiu o papel da Advocacia Pública por meio da

redação de dois artigos: 13116 e 13217. O primeiro delineou os contornos do órgão

encarregado de exercer a defesa dos interesses da União, cuja própria denominação —

Advocacia-Geral da União - AGU — foi determinada pela própria Constituição,

enquanto o segundo imprimiu normas fundamentais sobre a organização daqueles

legitimados a defender os interesses dos Estados e do Distrito Federal.

Neste cotejo, é importante observar que a Constituição, ao definir a

organização da Advocacia Pública nos Estados e no Distrito Federal, não se referiu ao 15 Segundo Canotilho (2003, p.543), competência é o poder de ação e atuação atribuído aos vários órgãos e agentes constitucionais com o fim de prosseguirem as tarefas de que são constitucional ou legalmente incumbidos. Para arrematar, o professor lusitano aduz que a competência envolve a atribuição de determinadas tarefas bem como os meios de acção (“poderes”) necessários para a sua prossecução. Além disso, a competência delimita o quadro jurídico de actuação de uma unidade organizatória relativamente a outra.16 Confira-se o inteiro teor do dispositivo constitucional: Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. § 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. § 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos. § 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei. 17 O dispositivo mencionado tem a seguinte redação: Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

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órgão, mas aos procuradores que o integram. Deste modo, o poder constituinte

originário reservou ao critério do constituinte derivado a definição da denominação do

órgão de Advocacia Pública de sua unidade federada, bem como de outros importantes

aspectos alvo de análise posterior.18

Ademais, é útil registrar o contumaz esforço empregado pelos estudiosos

em distinguir os interesses do Governo ou do governante dos interesses de Estado.

Aquele conjunto não é alvo em regra da atividade desempenhada pela Advocacia

Pública, mas sim da advocacia privada, por dizer respeito a interesses privados, alheios

ao interesse público, entendido como interesse primário. Sobre o assunto, bem discorreu

Derly Barreto e Silva Filho (2001, p. 156) com arrimo na proposição de Renato Alexy:

Na medida em que os interesses públicos não se confundem necessariamente com aqueles manifestados pela Administração e seus agentes, impende distinguir os interesses (públicos) primários dos interesses secundários. Pela sua difusão na doutrina nacional e estrangeira, mister se faz trazer à colação as judiciosas palavras de Renato Alessi sobre o tema. Diz ele:“Estes interesses públicos, coletivos, cuja satisfação está a cargo da Administração, não são simplesmente o interesse da Administração entendida como aparato organizativo autônomo, mas o que se chamou de interesse coletivo primário, formado pelo conjunto de interesses individuais preponderantes numa determinada organização jurídica da coletividade, enquanto interesse do aparato — se é que se pode conceber um interesse do aparato unitariamente considerado — seria simplesmente um dos interesses secundários que se fazem sentir no seio da coletividade, e que podem ser realizados somente em caso de coincidência, e nos limites dessa coincidência, com o interesse coletivo primário. A peculiaridade da posição jurídica da Administração Pública reside justamente nisso, em que a sua função consiste na realização do interesse coletivo, público, primário.” Dessume-se, com facilidade, dessa citação que, havendo conflito de interesses primários e secundários, aqueles devem preferir a estes, porque são os únicos que podem ser validamente perseguidos por quem os representa, por corresponder aos interesses da coletividade e não apenas do Estado, titular de direitos patrimoniais, ou do governante. (grifo no original)

Contudo, retornando à análise dos artigos acima indicados, à Advocacia

de Estado reservou-se de modo exclusivo o exercício de três atividades essenciais: a

representação, que se desdobra em judicial ou extrajudicial, a consultoria e a assessoria.

A atividade de representação também denominada como postulatória

ocorre quando é necessária a presença de agente público legitimado e habilitado para

personificar o Estado. Conseqüentemente, haverá representação judicial toda vez que o

advogado público oficie em processos judiciais para defender os interesses públicos

confiados ao gerenciamento do Estado, enquanto a extrajudicial afluirá quando for 18 Procuradoria Geral ou Advocacia–Geral são as denominações dadas aos órgãos encarregados de defender os interesses das pessoas jurídicas nos Estados e DF, conforme se pode extrair da redação do texto do art. 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Por isto, é que em alguns estados se usa a designação Advocacia-Geral ao invés de Procuradoria Geral, como ocorre, por exemplo, no estado de Minas Gerais e no Rio Grande do Sul.

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necessária a promoção de medidas que visem à consecução de determinado objetivo

perante instâncias administrativas ou mesmo perante particulares.

Com propriedade, Cláudio Grande Junior (2007, p.8) expõe que a

atividade postulatória, na qual se insere a representação, foi a primeira a ser cometida a

Advocacia Pública, sendo conseqüência natural do Estado de Direito que devido a sua

natureza se submete ao império da lei, surgindo em seguida a retumbantes derrotas na

representação judicial, as atividades de consultoria e assessoramento, que têm a

finalidade de promover a harmonia entre a atuação estatal e os parâmetros de

juridicidade, sendo, portanto, um modo de prevenir a Administração contra a ocorrência

de situações desastrosas.

De seu turno, a atividade consultiva revela-se na prestação de

informações ou esclarecimentos atinentes a matéria jurídica. Neste caso, o procurador

ou advogado público expõe seu entendimento sobre determinado assunto de sua

competência por meio de parecer19 verbal ou escrito, o qual poderá ser vinculativo ou

não. Devido ao fato do parecer ser produto da opinião do procurador, a doutrina

especializada entende que o destinatário desta atividade é a sociedade, pois a conclusão

encerrada no parecer reflete-se tão somente na percepção mantida pelo jurista sobre o

Direito, o que resulta numa atividade de zelo das normas do ordenamento jurídico.

Outrossim, a assessoria consiste no procedimento de formatação jurídica

de decisões e de políticas públicas, na análise de atos e instrumentos, confecção de atos

ou propostas de atos normativos, e etc. Portanto, é atividade cujo beneficiário é o

próprio Estado.

Com relação às evoluções e as perspectivas das atribuições da Advocacia

Pública, Fides Angélica Ommati (2001, p.9) sintetiza de modo peculiar que:

A advocacia estatal, sem deixar de curar a defesa do Estado, evoluiu das suas tradicionais funções - procuratório e consultoria, mercê da complexidade dos problemas da gestão pública, transformando-se seja em finalidade, seja em suas modalidades, seja, ainda, em suas características operacionais.No primeiro aspecto, deu-se ênfase à juridicidade integral da ação administrativa, evoluindo, no dizer de Diogo Moreira Neto, do interesse material da Administração Pública até o interesse público imaterial, consoante expresso comando lançado no art. 37, caput, e no art. 70, caput, da Constituição Federal. No segundo aspecto, ou seja, em suas modalidades, constituem a representação judicial e a consultoria núcleo de um conjunto de funções, que se distribuem em três tipos de atividades: a orientação, a defesa e o controle jurídicos da atividade administrativa. É ainda o citado administrativo que explicita essas funções, indicando a orientação jurídica bipartida em assistência e consultoria, sendo esta função principal exercida

19 Vide Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2007, p.222-223) para obter mais informações sobre os tipos e os efeitos de pareceres.

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com autonomia e em beneficio imediato da própria ordem jurídica, enquanto a assistência é "função ancilar e de apoio, exercida sem autonomia e em benefício de um órgão de decisão administrativa." (in "A Advocacia de Estado e as novas competências federativas", Rev.de Informação Legislativa, n.129: 275-279) No plano da defesa jurídica, a evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e extrajudicial. A terceira e nova função, reputada a mais importante, pelas modalidades de que se pode revestir, sinaliza para um acompanhamento simultâneo da atividade administrativa.Nessa mesma linha de novidade na visão e na compreensão da Advocacia Pública, analisa Sergio de Andrea Ferreira a inserção constitucional na qualidade de função esssencial à Justiça, interpretando Justiça além da prestação jurisdicional para açambarcar uma atuação justa do mecanismo estatal. (in "Comentários à Constituição", v.3, Freitas Bastos, p.12).Quanto às características operacionais, apresentam-se, com crescente nitidez, a discricionariedade técnica, a despolitização, a privatividade e a independência funcional. Verdade é que nem todas essas características estão, hoje, explícitas na advocacia de Estado, em suas instâncias federativas, tais a privatividade e a independência funcionais [...].

Da citada evolução experimentada pela Advocacia Pública, irrompe a

atividade de controle de juridicidade20 dos atos da Administração, sendo esta atividade

resultante de várias atribuições conferidas aos procuradores. O grande objetivo desta

atividade de controle é a prevenção de litígios, que se consubstancia pela adoção de

providências, pela Procuradoria-Geral, com o intuito de garantir que os atos da

Administração Pública revelem-se harmônicos com os ditames constitucionais21.

Embora, a atividade de controle de juridicidade22 não se encontre

expressamente prevista na Carta Política de 1988, algumas Constituições estaduais, v.g

Constituição do Rio Grande do Sul, já a indica dentre as atribuições da Procuradoria-

Geral, o que somente vem a confirmar a extensa vasta experiência dos Estados quanto

ao assunto.

Em contra partida, nos Estados onde não há previsão constitucional

expressa da aludida atividade, o reconhecimento dessa atribuição se concretiza

expressamente ou como conseqüência do conjunto de outras atribuições legais

outorgadas aos procuradores23. 20 Segundo, Diogo Figueiredo de Moreira Neto (2003, p.27-50) a juridicidade é conceito que representa a idéia de que o Direito está assentado sobre três parâmetros: legalidade (fundamento positivo), legitimidade (fundamento político) e licitude (fundamento moral). 21 A atividade é exercida com grande obstinação, citando-se como exemplo prático o funcionamento de Câmeras de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal coordenadas pela AGU com o objetivo de compor litígios entre órgãos, promovendo conciliações e acordos de modo a diminuir o número de processos judiciais em que figurem como partes órgãos da Administração Federal (AGU, 2007). 22 Como exemplo de atribuições típicas desta atividade, pode-se citar a determinação legal de propor às autoridades competentes que procedam a declaração de atos administrativos nulos e a formulação de medidas que permitam a uniformização do repertório de decisões administrativas sobre determinado assunto. 23 De qualquer modo, vale registrar que tramita no Congresso Nacional, mais especificamente Câmera dos Deputados, projeto de emenda à Constituição n. 82/2007, apresentada pelo Deputado Federal Flávio Dino, que propõe o acréscimo da atividade de controle interno de licitude ao lado das atividades de

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Assim sendo, percebe-se que as atividades de maior relevância da

Advocacia Pública correspondem à postulatória, a consultiva, a de assessoria e

finalmente a referente ao controle interno de juridicidade ou licitude, como consta na

PEC n. 82/2007, dos atos da Administração Pública.

Mas, antes de encerrar a abordagem sobre as atividades desenvolvidas

pela Advocacia de Estado, cabe observar que este controle de juridicidade exercido por

aquela função não tem o condão de transformar o órgão de advocacia em peça

integrante do sistema interno de fiscalização contábil, financeira, orçamentária,

operacional e patrimonial previsto no texto constitucional.

Assim, embora a Advocacia Pública exerça um controle de juridicidade

sobre os atos da Administração Pública, este controle não se confunde com aquele

exercido à luz do parâmetro da legalidade pelo sistema de controle interno previsto no

art. 74 da CF/88.

A Advocacia de Estado ocupa posição constitucional diferenciada

daquela do citado sistema de controle interno. Além disto, suas atribuições encontram-

se delimitadas pela Carta Política, sendo inviável imputar-lhe a realização das metas

estabelecidas no dispositivo constitucional sob exame.

Acrescente-se ao exposto, que à Advocacia de Estado faltam os

requisitos necessários para tal missão: capacidade de obtenção de informação,

procedimento prévio com regras delimitadas em conformidade com o princípio do

devido processo legal e principalmente a capacidade de eliminar ou corrigir os vícios

detectados. Os procuradores não detêm competência para sanar eventuais

irregularidades encontradas, portanto, sua atividade restringe-se a fiscalização e a

provocação das instâncias aptas a corrigir os vícios detectados.

Portanto, a afirmação feita por Caterine Vasconcelos de Castro e outros

citados por Cláudio Grande Junior (2007, p.10-12), deve ser assimilada com

temperamentos. Somente para ilustrar, confira-se a percepção equívoca destes autores:

Com efeito, a Constituição Federal exige que o sistema de controle interno seja mantido de forma integrada por todos os poderes, sendo que a Advocacia Pública é a única instituição que, no exercício de suas atribuições essenciais à Justiça, detém a exclusividade do aconselhamento jurídico de todos os poderes e órgãos da Administração Pública, em cada unidade federativa.

representação, consultoria e assessoramento, além de propor a adição de novas prerrogativas aos procuradores e defensores públicos e de conferir autonomia funcional, administrativa e financeira às Procuradorias-Gerais e a Defensoria Pública da União. A integra do projeto encontra-se disponível no site da Câmara dos Deputados: <http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=466900>.

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Somente com a participação da Advocacia Pública é que o sistema de controle interno poderá ser mantido de forma integrada pelos três poderes, pois, de um lado, as atribuições constitucionais de consultoria jurídica foram cometidas com exclusividade à Advocacia Pública, e de outro lado, nenhum órgão integrante da estrutura de um dos poderes poderá exercer qualquer espécie de controle interno sobre os outros poderes.

Diante disto, resta claro que o controle de juridicidade exercido pela

Advocacia de Estado não se confunde com aquele exercido pelo sistema de controle

interno24, cuja função é cooperar com o sistema de controle externo, em especial com o

Tribunal de Contas.

Em verdade, a natureza do controle realizado pelos procuradores deve ser

entendida como a de custos legis, sendo classificado como interno pela doutrina devido

ao fato das procuradorias estarem estruturalmente vinculadas ao Poder Executivo. No

entanto, uma análise do ponto de vista funcional, revela que tal controle não é interno,

não se enquadra em atividade desenvolvida no âmbito das competências administrativa,

legislativa e judiciária: é controle eminentemente técnico-jurídico resultado natural das

atividades postulatória e consultiva. Neste sentido, Derly Barreto e Silva Filho (2001,

p.155) demonstra de modo cristalino como o controle exercido pelos procuradores se

manifesta nas atividades consultivas e de representação:Considerando que o regime jurídico-administrativo, no Estado Democrático de Direito, tem como pilares a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração, o Poder Público, seus órgãos e seus agente têm o dever indeclinável de perseguir e tutelar tais interesses. Para isso, a ordem jurídica confere à Administração o poder de autotutela, possibilitando sejam revogados atos inconvenientes ou inoportunos e anulados atos ilegais.No bojo desse poder-dever, está o controle interno de legalidade, tarefa para a qual os advogados públicos foram constitucionalmente convocados (cf. arts. 131 e 132 da Constituição Federal).Destarte, na medida em que a Carta Política reservou, em caráter privativo, à Advocacia Pública, a atividade de consultoria jurídica, é porque quis que órgão diverso daquele que emite a vontade político-estatal verificasse e garantisse a existência de sintonia formal e material do ato (ou do projeto de ato) aos cânones da justiça, síntese da legalidade, legitimidade e licitude, acautelando, promovendo e defendendo o interesse público.[...]Vale notar, para concluir este tópico que, muito embora o advogado público, na atividade contenciosa, tenha o dever de defender a tese estatal – e não propriamente a sua convicção –, isto não implica dizer que ele não exerça uma forma de controle de legalidade dos atos administrativos. Isso se evidencia quando, deparando-se com um ato ilegal, ele procede a representações às instâncias competentes, sugerindo providencias de

24 Não foi à toa, que a CGU e AGU celebraram acordo de cooperação que prevê intercâmbio de informações e experiências entre os dois órgãos e a definição de estratégias conjuntas no combate à corrupção, além de acompanhamento jurídico intensificado das ações promovidas pelas equipes de auditores da CGU pelo órgão de advocacia. Consulte notícias veiculadas no site da CGU: http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2007/noticia01207.asp e http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2007/noticia04007.asp

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correção, de anulação e, até mesmo, de responsabilização da autoridade pública, tudo visando defender, eficientemente, o interesse público (e, também, proteger-se contra eventuais acusações).

Por fim, é imprescindível registrar que ao lado das atribuições

constitucionalmente reservadas ao órgão de advocacia existem outras previstas em lei

que somente serão exercidas caso compatíveis com a missão constitucional da

Advocacia de Estado, salientando ainda os meios necessários à consecução de sua

missão constitucional restam assegurados independentemente de norma legal, segundo

preconizado pela teoria dos poderes implícitos. Isto devido à exatidão empregada pela

Lei Fundamental ao delinear a competência da Advocacia Pública.

4 COMPOSIÇÃO

Os órgãos de Advocacia Pública são compostos de membros e

integrantes. Como membros, designam-se aqueles que ostentam a qualidade de

procuradores ou advogados públicos, sendo os demais servidores públicos integrantes

da Procuradoria-Geral ou Advocacia-Geral identificados como integrantes, tendo em

vista o fato de exercerem atividade-meio em relação aos fins da instituição, sendo por

isto que integram o imprescindível quadro de apoio da instituição.

Nesta subseção somente tratar-se-á de questões relativas aos membros

dos órgãos de Advocacia Pública, os quais serão identificados como procuradores ou

advogados públicos indistintamente da denominação dada ao órgão a que se vinculem,

eis que a nomenclatura do órgão ou do cargo em nada altera a competência e as

atribuições previstas àqueles, conforme já demonstrado.

Por fim, se esclarece que esta divisão do estudo tem o objetivo de expor o

modo de admissão, o regime, as prerrogativas e os deveres cometidos aos procuradores,

para assegurar a higidez do exercício de seu mister, para mais a frente possibilitar

análises mais profundas sobre o tema deste trabalho.

4.1 Procuradores

Procuradores são servidores públicos regularmente inscritos no quadro de

profissionais inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB que constituem

órgãos unipessoais de execução daquelas atividades abrangidas pela competência do

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órgão de Advocacia Pública. Desta definição, se extrai a noção relativa ao triplo status –

advogado - servidor público - advogado público – destes operadores do Direito, que

conseqüentemente tem tríplices desdobramentos, conforme será exposto.

Antes de exercer suas futuras atribuições, é imprescindível que o futuro

procurador tenha sido aprovado em concurso público de provas e títulos específico25 e

que ato de provimento tenha sido efetivado regularmente.

De seu turno, as atribuições dos procuradores resultam da divisão interna

da competência reservada ao órgão de advocacia. A distribuição das atividades entre os

órgãos integrantes da Procuradoria tem como fundamento comandos de organização

administrativa insertos em lei orgânica e em outros dispositivos normativos, sendo uma

conseqüência natural da necessidade de racionalização do trabalho inerente ao bom e

eficiente funcionamento da máquina estatal.

Seguindo este contexto, esclarece-se que para o bom exercício das

atribuições do advogado público é imprescindível que lhe seja assegurada autonomia

funcional, fator que atenua quando não impede a existência de hierarquia funcional, que

segundo Derly Barreto e Silva Filho (2001, p.159) se traduz e justifica como:

Prerrogativa que assegura aos advogados públicos o exercício da função pública de consultoria e de representação dos entes políticos independente de subordinação hierárquica (seja a outro Poder, seja aos próprios chefes ou órgãos colegiados da Advocacia Pública) ou de qualquer outro expediente (como manipulação de remuneração) que tencione interferir, dificultar ou impedir o seu poder-dever de oficiar de acordo com a sua consciência e a sua missão de velar e defender os interesses públicos primários, sem receio de “desagradar”quem quer que seja, Chefes dos Poderes Executivos, Ministros, Secretários, Advogado-Geral da União, Procuradores-Gerais de Estados, órgãos colegiados das Procuraturas (v.g., conselhos), chefias mediatas ou imediatas, magistrados ou parlamentares.

Deste modo, o ideal é que as relações entre os procuradores se

reproduzam em moldes semelhantes àqueles verificados entre os membros do

Ministério e dos poderes Judiciário e Legislativo, pois somente deste modo serão

respeitadas as disposições relativas ao exercício da advocacia, contidas no art. 3º, § 1º,

somado ao art. 31, §§ 1º e 2º, mais art. 33, parágrafo único, todos da Lei 8.906/1994 –

Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOB), combinados com

arts. 9º, parágrafo único, e 10º, ambos do Regulamento do EAOB, as quais se aplicam

plenamente ao advogado público.

Em relação ao regime jurídico dos procuradores, é impassível de dúvidas

que o regime jurídico aplicável é o estatutário, pois a Carta Política prescreveu de modo 25 A própria Constituição Federal se assegurou de impedir outra forma de investidura no cargo de procurador.

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taxativo que após três anos de exercício, mediante avaliação de desempenho e relatório

favorável da corregedoria, é assegurada a estabilidade do advogado público.

O regime estatutário tem o escopo de salvaguardar os servidores públicos

que desempenhem atividades estratégicas ao núcleo do Estado de ingerências

perpetradas, geralmente sob o manto do poder discricionário, por aqueles que exercem

funções de governo. Ao se debruçar sobre o assunto, Juarez Freitas (2001, p.51) expõe o

seguinte entendimento:

É auspicioso que o constituinte derivado, apesar das vastas reformas que vem promovendo na esfera dos direitos dos servidores públicos, felizmente não abandonou o reconhecimento de que, para a segurança da sociedade e para a eficiência do serviço público, convém reservar aos ocupantes de certos cargos efetivos um tratamento especial, apto a propiciar a formação de uma carreira com o irrenunciável e profissional atributo da competência e capaz de colocar os seus membros a salvo das cooptações partidárias, da descontinuidade governativa, assim como das ásperas angústias relacionadas à subsistência incerta na velhice.Alexander Hamilton, faz tempo, observou: só o que detém o controle sobre o próprio sustento mantém altivo domínio sobre a vontade. Pessoas cuja sobrevivência depende da maré oscilante e fortuita da sorte ou da ascendência calculista de terceiros transformam-se, não raro, em servos indefesos, no mercado opressivo dos interesses econômicos e políticos. Dessa maneira, ontem como agora, perdura intacta, no fundamental, a idéia de “o melhor meio de assegurar um bom funcionamento dos serviços públicos é conferir aos funcionários, legalmente, uma situação estável.”.

O regime estatutário, portanto, confere ao servidor público uma série de

vantagens com o escopo de garantir uma atuação idônea por parte deste. Desse regime,

pode-se apontar a estabilidade como a maior garantia assegurada aos servidores

estatutários à medida que esta impede o desligamento do sujeito submetido às regras

estatutárias sem que antes tenha sido promovido processo administrativo específico para

tal fim com observância do contraditório e da ampla defesa, sendo obrigatória a

participação de advogado nos casos de processo administrativo disciplinar26 .

Aliás, sobre as hipóteses de desligamento do servidor é oportuno

esclarecer que para que a demissão resulte de processo administrativo de avaliação de

desempenho que necessita de lei complementar que regulamente o procedimento a ser

aplicado, caso contrário a Administração somente poderá proceder ao desligamento

após sentença transitada em julgado, ou que tenha sido instaurado devido à redução de

custos com pessoal, prevista no art. 169, § 4º, da Lei Complementar nº. 101/2001,

imposta à Administração devido às normas orçamentárias-financeiras em vigor.

26 A participação de advogado se tornou obrigatória nestes casos desde a edição da súmula n. 343 que enuncia o seguinte: é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

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Paralelamente, aos procuradores é assegurado constitucionalmente (art.

135 c/c art. 39, § 4º, todos da CF/88) o direito a percepção de subsídio que equivale a

contra-prestação de natureza alimentícia devida pelo Estado em retribuição aos serviços

prestados.

O subsídio é pago em parcela única não variável, excluindo o pagamento

de valores variáveis, mas nos casos dos advogados-públicos em contrário do que ocorre

com os membros de cargos eletivos, há o pagamento das vantagens previstas no art. 7º,

incisos IV, VII, VIII, XI, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXII e XXX, todas

da Lei Máxima, em razão do status de servidores ostentado pelos advogados-públicos,

conforme preceituado pelo art. 39, § 3º, da Carta Magna. Ainda, sobre subsídio,

sublinha-se que seu valor será sempre fixado por lei, conforme dispõe o art. 37, inciso

X, da CF/88.

Outrossim, aos procuradores vêm sendo assegurado, sistematicamente

nas leis orgânicas de seus respectivos órgãos de advocacia, a prerrogativa da

inamovibilidade que segundo Themistocles Brandão Cavalcante apud Derly Barreto e

Silva Filho (2001, p.159-160) significa a “garantia legal que proíbe a remoção ou

transferência de lugar ou de cargo”. A prerrogativa em exame, conforme demonstrado

por aquele doutrinador em seus apontamentos, é de importância vital para o bom

exercício da Advocacia Pública27, pois evita que os procuradores sejam removidos em

retaliação a medidas adotadas prejudiciais aos interesses de administradores públicos e

detentores de cargos eletivos.

Concorrentemente às garantias e prerrogativas decorrentes da Advocacia

Pública, o procurador conta ainda com a prerrogativa de inviolabilidade de seus atos e

manifestações decorrentes do exercício de suas atribuições sem prejuízo dos demais

direitos e prerrogativas decorrentes do status de advogado.

Por outro lado, a existência de garantias e prerrogativas pressupõe a

existência de deveres acometidos aos advogados públicos. Desta forma, a lei orgânica

de cada órgão de advocacia contém rol de deveres que devem ser cumpridos pelos

procuradores.

Dentre os deveres impostos pela condição de procurador, destaca-se a

impossibilidade de escolher a causa em que atuará, ou seja, o advogado público deve

promover a defesa nas causas que lhe forem distribuídas, sem direito a escolher quais 27 Em artigo científico, o Derly Barreto e Silva Filho (2001) demonstra de modo magistral a importância dessa prerrogativa, expondo casos práticos, realizando o contraste com o instituto da remoção e, por fim, realizando críticas construtivas.

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delas irá patrocinar, independentemente de concordar ou não com o conteúdo do ato

questionado em sede judicial. Tal dever resulta do fato de suas atribuições estarem

fixadas constitucionalmente, sendo normas vinculantes e de máxima eficácia.

Neste aspecto, esclarece Fides Angélica Ommati (2001, p.4-5), ad

litteram:

De outra parte, é importante (para o raciocínio ora desenvolvido) lembrar que, na defesa do Estado em juízo, inexiste a obrigatoriedade da exibição do mandato procuratório específico (art. 12, CPC), vez que é a própria lei que cria o cargo de advogado público e indica os limites de atuação do respectivo titular ao fixar-lhe as atribuições. Por tal razão, ao advogado público é defeso renunciar ao procuratório que exerce, a não ser nos casos previstos em lei, quando houver impedimento de atuar no processo, ocorrendo in casu substituição, o que igualmente ocorre se houver exoneração, demissão ou aposentadoria. Em caso de impedimento, deverá o advogado público dar ciência ao seu superior hierárquico.Atuando segundo distribuição, o advogado público não escolhe nem pode escusa-se de atuar em processo a pretexto de violar sua consciência para o que é o justo agir da autoridade cujo ato é contestado judicialmente. [...]O mesmo não pode ser dito, porém, se o advogado público exercita consultoria jurídica, quando, então orienta-se apenas e tão somente segundo sua ciência e consciência, emitindo opinião com toda largueza de seu descortínio.

Em paridade com os deveres decorrentes do status de advogado público,

o procurador ainda se submete a observância dos deveres originados das normas gerais

de Advocacia tais como: a proibição de pleitear contra a lei (art. 34, inciso VI, do

EAOB) e de concorrer para a realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la

(art. 34, inciso XVII, da EAOB), bem como dos deveres éticos de lealdade e boa-fé

(art.2º, inciso II, Código de Ética), conforme observado por Fides Angélica Ommati

(2001).

Neste aspecto, a mencionada autora registra que a dupla submissão do

procurador às normas estatuárias da Advocacia e aquelas da Lei Orgânica do órgão de

advocacia, pode gerar conflitos, como no caso de culminação de pena de suspensão ou

de exclusão ao procurador pela OAB, o que poderia afetar o exercício do cargo. Diante

destas hipóteses, a continuidade no cargo não seria prejudicada, devendo a OAB

promover representação a Procuradoria-Geral ou Advocacia-Geral, para que a pena

fosse efetivada.

Finalmente, do status de servidor público decorre o dever de exercer com

zelo e dedicação as atribuições culminadas aos procuradores pari passu ao dever de

lealdade ao órgão de Advocacia Pública em que presta serviço28. Em conseqüência 28 Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006, p.204-212) explicita com bastante propriedade que em obediência aos princípios norteadores da Administração Pública, o advogado público enquanto servidor

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disto, o procurador tem o dever de adotar e efetivar todas as medidas necessárias à

defesa dos interesses que lhe foram confiados, mesmo que a chance de sucesso seja

remota, motivo que obriga aos procuradores a recorrerem contra toda e qualquer decisão

que seja contrária aos interesses do Estado, mas de modo que se atenha aos limites

impostos pela lei como nos casos de litigância de má-fé e recursos meramente

protelatórios.

4.2 Advogado-Geral e Procurador-Geral

A posição ocupada pelo Advogado-Geral da União e seu equivalente na

esfera estadual é no mínimo peculiar quando comparada àquelas ocupadas pelos chefes

do Ministério Público e da Defensoria Pública - instituições que também possuem

natureza de função essencial à Justiça. Isto por que a pessoa que exerce as atribuições

do cargo é a um só tempo órgão de direção superior da Advocacia Pública, recebendo

ainda tratamento de Ministro ou Secretário de Estado, além de ser designado

constitucionalmente como “curador especial da presunção de constitucionalidade de

normas que são alvos de controle abstrato de constitucionalidade”29.

No plano federal, o Advogado-Geral da União é responsável pela

direção, superintendência e coordenação dos órgãos integrantes da AGU, além de

promover a assessoria e a consultoria do Chefe do Executivo e de auxiliá-lo no controle

interno de juridicidade da Administração Pública Federal. O ingresso no cargo ocorre

por livre escolha do Presidente da República, respeitados os requisitos contidos no § 1º

do art. 131 da CF/88, sendo que a manutenção no cargo depende da vontade do Chefe

do Executivo por ser considerado cargo de confiança segundo interpretação lógica dos

preceitos da Magna Carta.

Naquilo que atine aos Estados-membros, as atribuições são as mesmas,

somente havendo divergências quanto aos requisitos de escolha do nome que assumirá o

cargo de Procurador ou Advogado-Geral.

A polêmica reside no fato de não haver cláusula que disponha que o

chefe da Advocacia Pública dos Estados será escolhido nos mesmos moldes do § 1º do

tem o dever de atuar com eficiência, sendo-lhe, portanto, inerente às suas atribuições o dever de aperfeiçoar a ordem jurídica por meio da prevenção de litígios e do controle prévio de juridicidade junto ao Estado.29 Expressão usada pelos ministros do STF no julgamento da ADIn - QO n. 72/ES, que discute peculiaridades inerentes a aludida função.

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art. 131 da CF/88. A Constituição Federal simplesmente é silente sobre o assunto, o que

resulta em duas correntes antagônicas sobre o assunto.

Em verdade, a origem das divergências quanto ao modo de escolha do

chefe da Advocacia Pública encontra-se na discussão sobre a conveniência dos critérios

fixados para a escolha do Advogado-Geral da União, a qual perde um pouco de seu

apelo devido ao comando expresso do texto constitucional, uma vez que a conclusão

advinda da discussão tem natureza essencialmente acadêmica, portanto, seus efeitos

também são acadêmicos, não trazendo nenhuma repercussão à prática.

De um lado, há aqueles que defendem que a norma que regula a escolha

do Chefe da AGU se aplica em razão do princípio da simetria aos requisitos para

escolha e nomeação do Chefe da Procuradoria-Geral do Estado, o que acarretaria a

restrição da margem discricionária de escolha do Governador.

Perfilhando o mencionado entendimento, Celso Ribeiro Bastos e Ives

Gandra Martins (1997) expõem que o atual modo de escolha do Advogado-Geral da

União revela-se como o mais acertado, pois ao Presidente da República restou

assegurada à imprescindível liberdade para escolha daquele que será seu advogado,

frisando que a relação entre advogado e cliente é necessariamente uma relação de

confiança.

Em seqüência, os autores defendem que a submissão do nome escolhido

pelo Chefe do Executivo ao Senado de nada serviria, pois a função a ser exercida é

eminentemente técnica, sendo óbvio que o candidato teria total domínio das questões

opostas pelos parlamentares que carecem do mesmo nível de conhecimento do

sabatinado, arrematando que a CF/88 exagerou quanto ao número de vezes que

determina a submissão de candidatos a cargos a aprovação do Senado.

Esta corrente de pensamento encontra sustento na jurisprudência da

Suprema Corte, conforme se pode depreender das razões da ADIN nº. 217/PB, cuja

ementa e aresto segue transcrita:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 135, I; E 138, CAPUT E § 3.º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DA PARAÍBA. AUTONOMIA INSTITUCIONAL DA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. REQUISITOS PARA A NOMEAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL, DO PROCURADOR-GERAL ADJUNTO E DO PROCURADOR-CORREGEDOR. O inciso I do mencionado art. 135, ao atribuir autonomia funcional, administrativa e financeira à Procuradoria paraibana, desvirtua a configuração jurídica fixada pelo texto constitucional federal para as Procuradorias estaduais, desrespeitando o art. 132 da Carta da República.

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Os demais dispositivos, ao estabelecerem requisitos para a nomeação dos cargos de chefia da Procuradoria-Geral do Estado, limitam as prerrogativas do Chefe do Executivo estadual na escolha de seus auxiliares, além de disciplinarem matéria de sua iniciativa legislativa, na forma da letra c do inciso II do § 1 .º do art. 61 da Constituição Federal. Ação julgada procedente. (grifos não originais)

Em posição contrária, registra-se corrente que defende que o poder

constituinte derivado tem autonomia para definir os requisitos, alegando ainda que a

norma referente aos requisitos para escolha do Advogado-Geral da União não são

normas principiológicas, somente se aplicando ao âmbito da União. Aliás, é salutar

observar que o STF não conseguiu definir até o momento o parâmetro usado na

identificação das normas da Constituição Federal que devem ser obrigatoriamente

reproduzidas ou assimiladas pelo constituinte derivado daquelas que não impõe

restrições à autonomia dos Estados, o que resulta na indefinição dos limites das

assembléias constituintes.

Acrescente-se às críticas alinhadas, que a primeira posição reflete

pensamentos retrógrados, incompatíveis com os ideais do Estado Democrático de

Direito e desatualizado quando contrastado com o fenômeno da multiplicidade dos

centros de poder. Neste aspecto, esclarece-se que a afirmação feita encontra sustento na

missão reservada pela Lei Máxima à Advocacia Pública: promover a defesa dos

interesses públicos primários confiados constitucionalmente à gestão estatal, visando a

realização da Justiça erigida à condição de objetivo da República Federativa do Brasil.

Neste cotejo, sustentar que a manutenção do dispositivo constitucional

sob exame se justifica na medida em que o Chefe da Advocacia Pública exerce a função

de advogado do Governo (Chefe do Poder Executivo) soa como apologia ao

absolutismo, verdadeiro retrocesso quando se tem em mente os avanços do atual modelo

estatal.

Consoante já abordado, a Advocacia Pública defende interesses

primários, defendendo os secundários quando estes se mostrem compatíveis com

aqueles, esta é a diferença entre a Advocacia Pública e a Advocacia (Privada). As

peculiaridades e características do mundo privado não devem ser transpostas e impostas

às relações estatais, portanto, invocar a confiança pessoal como critério legitimador da

escolha de membros estranhos ao órgão de advocacia, resulta em pratica de favoritismo,

conduta que afronta os princípios que norteiam a conduta da Administração.

De certo que a segunda corrente representa com maior fidedignidade os

objetivos constitucionais, tendo em vista que na república democrática as instituições

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ganham maior relevo, apagando o pessoalismo nas interações entre os agentes estatais e

os cidadãos. Assim, toda vez que uma pessoa for atendida pelo serviço público, estará

sendo atendida pelo Estado como instituição e não por um agente como ocorria na

época em que a soberania era atributo do governante que se confundia com o Estado30.

Seguindo este raciocínio, volta-se a idéia de que governo não se

confunde com o Estado, conforme pontuado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto

(2006, p.186), in verbis:

Os Estados não se confundem com seus Governos e, muito menos, com seus governantes e, por conseqüência, Advogados de Estado não podem ser tidos como advogados de governos ou, com mais razão, advogados de governantes.A Advocacia de Estado tanto quanto os demais ramos constitucionais das Funções Essenciais à Justiça serve à sociedade, pois zela, no desempenho de seus respectivos cometimentos fundamentais, a representação judicial e a consultoria, por suas mais importantes instituições – Estado e o Direito – em todas e em cada uma das múltiplas relações da Administração.Assim, enquanto governos e governantes são transitórios e refletem segmentos de maiorias, Estado e Advocacia de Estado são projeções institucionais permanentes de toda a sociedade, o que se reflete nas condições de suficiência e na própria natureza das respectivas investiduras constitucionais.

Destarte, a aclamada relação de confiança necessária a relação entre o

Chefe do Executivo e o Advogado-Geral deve decorrer da natural e imprescindível

confiança nas instituições, portanto, não há motivos razoáveis para se afirmar que um

membro da Advocacia Pública não atuaria com a discrição e o sigilo necessário ao

exercício das atribuições de chefe do órgão a que pertence, ressaltando-se que antes

mesmo de ocupar a chefia do órgão ao qual serve, já vinha defendendo os interesses do

Estado com o zelo e discrição necessários à higidez do desempenho de suas

atribuições31.

Não obstante, os argumentos lançados, mister esclarecer que a aprovação

do nome escolhido pelo Legislativo será sempre salutar ao contrário do preconizado

pela primeira tese. A razão é simples: mais importante do que avaliar os conhecimentos

técnicos do candidato é avaliar se o mesmo é capaz de servir com lealdade a sua função

ou se somente será um advogado particular do governante remunerado às expensas do

Erário.

30 A idéia pode ser resumida a frase “L’État c’est moi!” atribuída a Luís XIV à época do apogeu do absolutismo na França.31 Este argumento encontra solo fértil no valor contido no princípio da confiança legítima, que a grosso modo significa que os agentes públicos merecem a confiança das pessoas pela própria finalidade do Estado (servir a Socidade, propiciando os benefícios do bem comum), o que importa na presunção de probidade da conduta dos agentes públicos.

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Desta maneira, seguindo as premissas traçadas pela segunda posição,

alguns Estados-membros dispõem em suas constituições que o Governador deverá

escolher o chefe do órgão de advocacia dentre os membros do órgão que forem

indicados em lista tríplice pelos seus pares, de modo semelhante ao que ocorre com os

chefes do Ministério Público e da Defensoria Pública, mas sem a estipulação de

mandato, pois a permanência no cargo continua a depender da vontade do Chefe do

Executivo.

Entretanto, forçoso registrar que no julgamento da ADIN nº. 2581/SP, o

Supremo Tribunal Federal se distanciou da posição antes firmada, conforme se

depreende da leitura do dispositivo do acórdão que decidiu a ação em questão32.

Diante do exposto, prevê-se uma mudança na vida institucional das

procuradorias que somente vêm a fortalecer o órgão de Advocacia Pública, o que

permite enxergar um futuro que projeta os contornos da tão almejada autonomia

institucional de modo idêntico àqueles alcançados pelo Ministério Público e pelas

Defensorias Públicas estaduais.

5 LIMITAÇÕES E PERSPECTIVAS

Os estudos sobre a Advocacia Pública costumam apontar a existência de

princípios institucionais de cuja efetividade depende o bom exercício da função. Assim,

considerando a oscilação doutrinária quanto a denominação e número de tais princípios,

procede-se a exposição de seus enunciados de modo resumido, sendo os demais

desdobramentos dos princípios a seguir enumerados: institucionalização,

essencialidade, exclusividade e unicidade orgânica.

Outrossim, mister esclarecer que tais princípios são implícitos à

Advocacia Pública, sendo resultados da natureza de função essencial à Justiça. Segundo

preconiza Diogo de Figueiredo Moreira Neto e outros, as funções essenciais à Justiça

somente cumprirão suas missões constitucionais de modo satisfatório quando os valores

32 O dispositivo da decisão foi publicado pelo Diário Oficial da União em 11.09.2007, tendo a seguinte redação: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, vencidos os Senhores Ministros Maurício Corrêa (Relator), Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie (Presidente) e o Senhor Ministro Nelson Jobim. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Marco Aurélio. Não votaram a Senhora Ministra Cármen Lúcia e o Senhor Ministro Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Nelson Jobim e Maurício Corrêa (Relator), que proferiram voto em assentada anterior. Plenário, 16.08.2007.

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enunciados por tais princípios informarem a atuação das Procuraturas Constitucionais

com plenitude e independência em relação aos órgãos de soberania33.

Notadamente, verifica-se que na prática as procuradorias ocupam

diferentes patamares de autonomia administrativa e orçamentária, bem como de

independência funcional quando comparadas umas as outras.

A Procuradoria do Estado de São Paulo, por exemplo, goza dos mesmos

benefícios que o Ministério Público em sua organização e funcionamento, o que de

acordo com a doutrina é indispensável ao bom exercício da função, porém, há unidades

federadas como a Bahia, nas quais o órgão de Advocacia Pública ainda se encontra

estruturalmente vinculado e subordinado ao Chefe do Poder Executivo, ocupando

posição equiparável as das Secretárias de Estado.

Por isto, é importante refletir sobre as conseqüências desta vinculação ao

Executivo, como isto pode limitar a eficiência e efetividade da Advocacia Pública e

quais são as perspectivas que se projetam para procuradorias que tenham tais princípios

respeitados. Destarte, é importante identificar quais os principais limites opostos à plena

eficácia de cada princípio mencionado.

Dentre os princípios inicialmente elencados, os primeiros a serem

abordados serão os princípios da institucionalização, essencialidade e exclusividade,

que emergem dos contornos constitucionais da Advocacia Pública.

Com efeito, a institucionalização da Advocacia de Estado decorre do

próprio poder normativo da Constituição, a qual ao versar sobre a Advocacia Pública

prescreveu suas atribuições (competência), o regime jurídico aplicável aos membros do

órgão encarregado de desempenhar a função e seu modo de estruturação, além de ter

obrigado a implementação de procuradorias em todos os Estados-membros e no Distrito

Federal, suprimindo qualquer autonomia política destes entes quanto à opção de

estabelecer ou não o modelo de Procuradoria presente na Lei Fundamental.

A limitação imposta ao princípio da institucionalização foi exposta ao se

abordar a questão referente ao modo de escolha do chefe da Advocacia Pública,

apontando-se, na ocasião, uma possível mudança de perspectiva sobre o assunto. Desta

forma, complementa-se a visão exposta no ponto 3.3.2, observando que a Advocacia

Pública como instituição ganharia maior força política se o legislador constitucional

garantisse a permanência do procurador nomeado no cargo de chefia da instituição por 33 Cf. mais sobre o assunto em tese apresentada por Mércia Miranda Vasconcelos (2007) no XXXIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado, a qual realiza abordagem do tema com profundidade sob o enfoque da hermenêutica constitucional.

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meio da estipulação de mandato de modo igual ao adotado nos casos dos chefes da

Defensoria Pública e do Ministério Público34.

A essencialidade, de sua vez, decorre da utilidade de sua missão

constitucional, encontrando, porém, limites, pois as procuradorias não foram instituídas

em todos os níveis da federação, sendo sua instituição opcional nos municípios,

conforme se verá adiante.

Ocorre que apesar de sua importância, a Advocacia Pública não está

presente no âmbito estrutural de todos os municípios, haja vista que a Lei Fundamental

legou aos Municípios, a autonomia necessária para escolher qual seria o melhor modo

de promover a defesa de seus interesses em razão do nível efetivo de autonomia

conquistado por cada um destes entes em relação a concentração de recursos na esfera

federal e estadual.

A unicidade orgânica se traduz na impossibilidade de co-existirem

múltiplos órgãos de representação, consultoria e assessoramento, tendo em vista que a

própria CF/88 reservou o desempenho das atividades de Advocacia de Estado a um

único órgão no plano dos Estados-membros e Distrito Federal, enquanto no plano

federal a função foi confiada à AGU, cuja atividade de consultoria e assessoramento

possui como único destinatário o Poder Executivo, configurando uma mitigação ao

princípio in comento por expressa disposição do texto fundamental, haja vista que a

redação do art. 131, caput, da Lei Maior é clara ao determinar que aquelas atividades

serão prestadas com exclusividade ao Poder Executivo.

Neste aspecto, Fides Angélica Ommati (2001) sublinha que tal

exclusividade se justifica devido ao fato do Poder Executivo capturar a maior parte da

atividade administrativa e, pois, dirigir o conjunto de órgãos e entidades componentes

da Administração, o que reforça a necessidade de atuação acentuada da Advocacia

Pública junto àquele órgão de soberania.

Em razão disto, o Senado criou a Advocacia do Senado, por meio da

Resolução 73/94, em substituição a Consultoria-Geral dada à imprescindibilidade de

prestação de consultoria e assessoramento jurídico a seus órgãos, bem como pela

necessidade de ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade e

34 Maria Sylvia Zanella Di Pietro segundo Derly Barreto e Silva Filho (2001) opinou favoravelmente a estipulação de mandato para a ocupação do cargo de Advogado-Geral ou Procurador-Geral, esclarecendo que a adoção desta medida ensejaria maior autonomia administrativa ao órgão de Advocacia.

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necessidade de defesa contra mandados de segurança que incidam sobre atos da Mesa

ou Comissões daquela casa legislativa35.

Diferentemente daquilo preceituado no dispositivo constitucional antes

em foco, nos Estados, Distrito Federal e por simetria nos Municípios, as atividades de

consultoria e assessoria tiveram como seu único destinatário a unidade federada, ou

seja, o ente político que abriga a Advocacia-Geral ou Procuradoria-Geral, disposição

que induz o interprete a concluir pela inviabilidade de instituição de um órgão de

advocacia ou consultoria à semelhança da Advocacia do Senado.

Todavia, o constituinte derivado de alguns Estados entendeu que a

Procuradoria-Geral ou Advocacia-Geral deveriam prestar consultoria e assessoramento

ao Poder Executivo com exclusividade. Aliás, até mesmo no Distrito Federal, onde a

constituição manteve-se em harmonia com o preceito do art. 132 da CF/88, houve

instituição de Procuradoria por parte da assembléia legislativa.

Em decorrência da instituição das novas procuradorias, foram ajuizadas

ações de inconstitucionalidade argüindo violação do princípio da unidade institucional,

dentre outros argumentos, perante o Supremo Tribunal Federal. A ação direta de

inconstitucionalidade n. 1557/DF foi ajuizada na ocasião da instituição da Procuradoria

do Poder Legislativo Distrital, a qual era assegurada o exercício de atribuições de

consultoria e assessoramento, além da previsão para realização da atividade postulatória

nos casos que redundasse em benefício ao Legislativo.

In casu, o STF julgou a ADIn parcialmente procedente, sendo

constitucional a instituição de órgão consultivo que eventualmente, nas causas em que

se reconhece personalidade judiciária, poderá postular em juízo em defesa dos interesses

da Assembléia, ao passo que foi julgada inconstitucional as disposições que subtraiam

atribuições tipicamente conferidas à Procuradoria-Geral, atividades de representação do

ente político. A ementa e aresto do acórdão ficarão redigidos da seguinte forma:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA Nº 9, DE 12.12.96. LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. CRIAÇÃO DE PROCURADORIA GERAL PARA CONSULTORIA, ASSESSORAMENTO JURÍDICO E REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA CÂMARA LEGISLATIVA. PROCURADORIA GERAL DO DISTRITO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA E DE OFENSA AO ART. 132 DA CF. 1. Reconhecimento da legitimidade ativa da Associação autora devido ao tratamento constitucional específico conferido às atividades desempenhadas

35 Cf. mais informações no site: <http://www.senado.gov.br/advocacia/asp/IN_Institucional.asp>.

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pelos Procuradores de Estado e do Distrito Federal. Precedentes: ADI 159, Rel. Min. Octavio Gallotti e ADI 809, Rel. Min. Marco Aurélio. 2. A estruturação da Procuradoria do Poder Legislativo distrital está, inegavelmente, na esfera de competência privativa da Câmara Legislativa do DF. Inconsistência da alegação de vício formal por usurpação de iniciativa do Governador. 3. A Procuradoria Geral do Distrito Federal é a responsável pelo desempenho da atividade jurídica consultiva e contenciosa exercida na defesa dos interesses da pessoa jurídica de direito público Distrito Federal. 4. Não obstante, a jurisprudência desta Corte reconhece a ocorrência de situações em que o Poder Legislativo necessite praticar em juízo, em nome próprio, uma série de atos processuais na defesa de sua autonomia e independência frente aos demais Poderes, nada impedindo que assim o faça por meio de um setor pertencente a sua estrutura administrativa, também responsável pela consultoria e assessoramento jurídico de seus demais órgãos. Precedentes: ADI 175, DJ 08.10.93 e ADI 825, DJ 01.02.93. Ação direita de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente.

Em que pesem as razões do entendimento adotado pela Suprema Corte, a

declaração de constitucionalidade de dispositivos que instituem procuradorias em

paralelo com as Procuradorias-Gerais revela-se como mais uma exceção ao princípio da

unicidade institucional, pois como bem pontuou, nos fundamentos da inicial, a

Associação Nacional de Procuradores do Estado a única exceção àquele princípio

deveria ser o preceito contido no art. 69 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, que faculta aos Estados e DF a manutenção de unidades de consultoria pré-

existentes a CF/88, desde que a advocacia pública fosse atividade que funcionasse de

modo descentralizado até a data de promulgação da Lei Máxima.

Outrossim, registra-se que, ao revés do que ocorre com a AGU, nos

órgãos de advocacia dos demais entes federativos, não pode haver a instituição de

procuradorias fiscais independentes, compostas por membros de carreira paralela à de

procurador ou advogado público devido ao diferente tratamento dispensado pela Lei

Maior ao tratar das Advocacia Pública no âmbito dos Estados e do Distrito Federal.

Neste sentido, o STF já reconheceu a unicidade orgânica como valor

inerente à Advocacia de Estado ao julgar procedente a ADIn 1679/GO, cujo objeto

recaiu sobre emenda à Constituição do Estado de Goiás que criava Procuradoria da

Fazenda Estadual, tendo acórdão recebido a seguinte ementa:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Emenda Constitucional n. 17, de 30 de junho de 1997, promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, que acrescentou os §§ 2o e 3o e incisos, ao artigo 118 da Constituição estadual. 3. Criação de Procuradoria da Fazenda Estadual, subordinada à Secretaria da Fazenda do Estado e desvinculada à Procuradoria-Geral. 4. Alegação de ofensa aos artigos 132 da Constituição e 32, do ADCT. 5. Descentralização. Usurpação da competência funcional exclusiva da Procuradoria-Geral do Estado. 6. Ausência de previsão constitucional expressa para a descentralização funcional da Procuradoria-Geral do Estado. 7. Inaplicabilidade da hipótese prevista no artigo 69 do

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ADCT. Inexistência de órgãos distintos da Procuradoria estadual à data da promulgação da Constituição. 8. Ação julgada procedente

D´outro giro, o princípio da exclusividade se define como a

impossibilidade de execução das atividades relativas à Advocacia Pública por outro

órgão ou organização, pública ou privada, dado que somente a Advocacia-Geral ou

Procuradoria-Geral detém a competência de desempenhar a função que lhe foi

constitucionalmente cometida.

A exceção ao princípio em tela ocorre nas hipóteses que a Administração

Pública se depara com a impossibilidade de obter margem satisfatória de êxito em

demandas ou questões que seu órgão de advocacia se declara incapaz de garantir a

melhor defesa dos interesses que lhe foram confiados.

Arrematando o exposto, há quem defenda a possibilidade de

transferência parcial das atividades reservadas à Procuradoria-Geral nos casos de

apuração e arrecadação de créditos fiscais.

Tal entendimento, porém, se mostra incompatível com as normas

constitucionais e legais relativas à organização da Advocacia Pública e ao

funcionamento do próprio Estado, como bem observado por Aldemario Araújo Castro

(2002, p.2) ao discorrer sobre as incompatibilidades dos projetos de lei n. 583 e 584 de

1999 apresentados pelo então ex-Senador Luiz Estevão, in verbis:

Por outro lado, a proposição de transferência da cobrança a advogado esbarra na impossibilidade de delegação, ao particular, de atividade típica de Estado, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADIN n. 1.717-DF. Os dois projetos, ainda, violam frontalmente o art. 131, caput e §3o. da Constituição, o art. 3o. do Código Tributário Nacional, o art. 12 da Lei Complementar n. 73, de 1993, e os arts. 1o. e 22 do Decreto-Lei n. 147, de1967. Segundo as normas constitucionais citadas, a execução da dívida ativa de natureza tributária cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, instituição vinculada à Advocacia-Geral da União incumbida de representar a União em juízo. Já o Código Tributário Nacional, ao definir tributo, estabelece que este será cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Por fim, a Lei Complementar n. 73/93 e o Decreto-Lei n. 147/67, com força de lei complementar no particular, fixam a competência da PGFN para a execução da dívida ativa da União de natureza tributária ou não.

Não bastasse os impedimentos postos pela própria Constituição e aqueles

presentes na legislação orgânica dos órgãos de Advocacia, que, sublinhe-se, são normas

materialmente constitucionais, registra-se um contra-senso no fundamento das propostas

de leis elencadas que reside no fato do know-how sobre o funcionamento da máquina

fiscal ser totalmente dominado pelos membros da advocacia pública, os quais

assessoram o Poder Público na formulação de portarias e resoluções usadas na área

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fiscal sem contar a experiência de anos na condução de processos tributários que estaria

sendo desprezada em detrimento da suposta agilidade de advogados que por mais que

militem na área não detém conhecimentos tão íntimos sobre o funcionamento do Fisco.

6 CONCLUSÃO

Decorridas aproximadamente duas décadas da promulgação da

Constituição Federal de 1988, registra-se que a Advocacia Pública como um todo ainda

engatinha rumo à consecução de seus objetivos constitucionais, o que atualmente

depende do fator humano que compõem os quadros dos órgãos de Advocacia de Estado,

eis que as garantias e prerrogativas instituídas ainda se mostram insuficientes para a

consecução da missão constitucional de função tão essencial à justiça.

No tocante as atividades desenvolvidas pelas procuradorias, nota-se o

surgimento de uma quarta geração de atividade de advocacia pública – o controle

interno de juridicidade ou de licitude – a qual pode até mesmo passar a ser contemplada

pela Lei Fundamental, o que decerto somente enalteceria seu valor e importância para

os objetivos fundamentais do Estado brasileiro.

Por fim, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em sede do

julgamento da ADIN n. 2581/SP marca uma possível mudança no panorama das

Procuradorias e Advocacias-Gerais, eis que os pleitos por melhores condições e

autonomia institucional e funcional começam a encontrar um solo favorável a

fertilização, o que pode resultar em um salto em termos de efetividade do papel

constitucional reservado a Advocacia Pública, que hoje sofre os efeitos da

desvalorização das carreiras de seus membros em relação a magistratura e ao Ministério

Público e até das Defensorias Públicas.

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