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    FCE - FACULDADE CAMPOS ELÍSEOS NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO

    FCE– Faculdade Campos ElíseosNúcleo de Pós Graduação em EducaçãoRua Vitorino Carmilo, 644– Bairro de Campos ElíseosSão Paulo / SP - CEP. 01153-000Telefones: 11-3661-5400

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    SUMÁRIO

    1 - O que é Literatura?............................................................................... 3

    2 - O que estuda a Teoria da Literatura? ................................................. 4

    3 - Pode-se teorizar sobre a Literatura? ................................................... 9

    4 - Que Disciplina estuda a Literatura? .................................................... 10

    5 - A Constituição da Teoria da literatura................................................. 12

    6 - Outras Questões................................................................................. 15

    6.1 - Núcleos de Investigação................................................................ 15

    6.2 - Finalidade da teoria da Literatura................................................ 16

    7 - Funções da Literatura......................................................................... 16

    8 - Teoria da Literatura............................................................................ 24

    9 - Do pensamento Literário à Teoria Literária........................................ 26

    10 - Um Arquitexto Virtual........................................................................ 31

    11 - A Institucionalização da Disciplina................................................... 3312 - O fim da teoria Literária? ................................................................. 36

    13 - Os Novos horizontes da Teoria Literária.......................................... 41

    Referências Bibliográficas........................................................................ 44

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    TEORIA DA LITERATURA

    1 - O QUE É LITERATURA?

    Para Ezra Pound, Literatura é a linguagem carregada de significado. A definição deLiteratura como a "arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em prosa ou verso", refere-se à Arte Literária; por outro lado, a acepção de que se trata de um "conjunto de trabalhosliterários dum país ou duma época", aproxima-se ao objeto de estudo da História da Literatura.

    No entender de José de Nicola, Literatura é a "transfiguração do real, é a realidaderecriada através do espírito do artista e transmitida através da língua para os gêneros, com osquais ela toma corpo e nova realidade".

    O que se observa é que a resposta a tal pergunta excede, à larga, o espaço de umadefinição conclusiva. Isto se deve ao fato de que qualquer definição ficará sujeita a outras

    definições, o que dá gênese a ampla e intricada malha de conceitos, significações, explicaçõese termos técnicos. Em verdade, a Literatura é objeto de uma problematização, ou seja, implicaconstrução de uma teoria.

    A evolução semântica do vocábulo "literatura" até o limiar do romantismo não se quedouaí, mas prosseguiu ao longo dos séculos XIX e XX. Vejamos, em rápido esboço, as maisrelevantes acepções adquiridas pela palavra neste período de tempo:

    a) Conjunto da produção literária de uma época – literatura do século XVIII, literaturavictoriana -, ou de uma região – pense-se na famosa distinção de Mme. de Staëlentre "literatura do norte" e "literatura do sul", etc. Trata-se de uma particularizaçãodo sentido que a palavra apresenta na obra de Lessing acima mencionada ( Briefedie Literaturbetreffend ).

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    b) Conjunto de obras que se particularizam e ganham feição especial quer pela suaorigem, quer pela sua temática ou pela sua intenção: literatura feminina, literatura de terror,literatura revolucionária, literatura de evasão, etc.

    "Literatura" pode significar ainda conhecimento organizado do fenômeno literário. Trata-se de um sentido caracteristicamente universitário da palavra e manifesta-se em expressõescomo literatura comparada, literatura geral, etc.

    2- O que estuda a teoria da literatura

    A teoria da literatura objetiva-se a estudar a obra, o autor, o leitor e todo o processo queenvolve as obras literárias. É com base na teoria da literatura que se fazem as resenhas, asanálises, as críticas literárias. É uma base de dados, que permite construir-se um método dereflexão e análise dos textos literários. No cruzamento dos dados da história literária, pode-seestabelecer as mudanças ocorridas no processo histórico com relação ao homem e tudo que oenvolve.

    Alguns conceitos

    Discurso

    Corresponde ao plano de expressão da história. Toda narrativa possui: plano de

    expressão (plano do discurso) e plano de conteúdo (plano da história).

    Espaço

    O espaço é toda a organização física que compõe o cenário onde o enredo vai sedesenvolve.

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    Estrutura da obra literária:

    - narrador ( a quem se atribui a elaboração do texto uma estória )

    - narrativa ( uma estória, um fragmento de estória ou sugestão de estórias )

    História

    Conjunto de elementos que constituem o significado (conteúdo).

    Linguagem

    A matéria do escritor.

    Literariedade

    O foco está no uso da palavra, da forma de expressão. A forma discursiva é rica naexpressão, o que se pretende mencionar vai ter um discurso atraente e muito original - aspalavras vão ser escolhidas propositalmente para dar um sentido de recriação da realidade.

    Quando há literariedade o plano de conteúdo é expresso de forma literária, isto é, numalinguagem literária.

    Literatura

    Manifestação artística cujo material é a (arte que se manifesta por meio do verbo).

    Linguagens verbais

    Línguas naturais (português, inglês etc).

    Linguagens não verbais

    Dança, pintura, escultura, música instrumental, etc.

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    Narrador

    Personagem de ficção: sua primeira função é relatar a história.

    Narratário

    Personagem de ficção. Não se confunde com o leitor. O narrador simula que o narratário sejaum leitor de carne e osso.

    Obra literária

    Uma hipótese permanente - contém uma realidade inventada, fingida, criada pelaimaginação do autor. Antigamente era qualquer texto impresso: história, geografia, economiaetc. Atualmente o conceito é mais amplo.

    Personagens:

    personagem plana: personagem mais definida - maquineísta: ou possui o símbolo damagnitude ou o símbolo da maldade.

    personagem redonda (esférica): mais imprevisível, mais rica, mais perto daverossimilhança.

    Polissemia

    É a característica que possui um signo de ter vários valores semânticos (vários sentidos): Aquele garoto tem um coração de ouro ( garoto muito bondoso ).

    Tempo:

    cronológico psicológico

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    Tempo verbal predominante no texto narrativo

    Tempos verbais no passado.

    Como é uma narração, os tempos verbais aparecem no pretérito (passado): pretéritoimperfeito (ia, iam, brincavam, ensinava, aprendia); pretérito perfeito (foi, derrubaram,confundiram, ensinaram); pretérito mais-que-perfeito (ficara, entregara, buscara, fizera); futuro

    do pretérito (fariam, estudariam, ensinariam).

    Texto literário

    Enfatiza a função poética. Enfatiza a mensagem. Ele pode ter um caráter ficcional masnecessariamente ele não tem que ser ficcional.

    O texto literário possui linguagem conotativa, figurada. Tem função poética. Há todo umtrabalho de reconstrução da linguagem para enfatizar a mensagem.

    Características: uso de repetição sonora, palavra e estrutura sintáticas .

    Texto não literário

    Enfatiza o conteúdo

    Linguagem predominante é denotativa. Sem função referencial. Volta-se para o contexto,para o assunto, visando a informação (função utilitária).

    VerossimilhançaQualidade que faz a arte parecer verdadeira, apesar de todas as coisas impossíveis que

    ela possa dizer.

    O leitor comum, ao desfrutar de uma obra, dificilmente pensará em teorizar sobre ela.Mas, na verdade, desde a era dos antigos gregos havia já uma preocupação em compreender

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    a literatura e seus meandros, seus vários ângulos. Pode-se dizer que com as obras deHomero, Odisséia e Ilíada, nos séculos V e IV a.C, nasceu a necessidade de construir

    a Teoria da Literatura .Nestas criações homéricas eram analisados o papel, a fonte e a essência da literatura, quedetinha, entre outras qualidades, o poder de seduzir as pessoas, quando elas se reuniam paraouvir a narração de histórias, ainda no seu estágio oral.

    Platão, em A República, e Aristóteles, na Poética, teorizaram mais profundamente sobreos aspectos literários, sendo atualmente considerados os pioneiros das pesquisas sobre a

    Literatura. Durante o Classicismo, marco artístico, cultural e literário que vigorou na Itália,durante o Renascimento, predominou o culto aos clássicos greco-romanos, que foramresgatados, reinventados e publicados em vários países e diferentes línguas.

    Logo depois, com a ascensão do Humanismo, que centralizava o foco das atenções noindivíduo, o escritor passa a ser o núcleo das análises, que passam a se valer dos aspectosbiográficos destes artistas, na tentativa de entende r suas produções a partir de suas trajetóriasexistenciais. A partir do século XIX, um novo ponto de vista começa a surgir, com um teor

    científico, transformando assim a literatura em ciência.

    Agora os teóricos procuram na obra uma forma de unir a vida do escritor ao contextosócio político em que ele viveu e produziu. Este período vê a perspectiva científica triunfar coma ampliação do ideal racionalista inerente ao Iluminismo. Muitos já se referem à ciência daliteratura, a qual possui inclusive métodos próprios, que revezam ou combinam padrõesbiográfico-psicológicos, sociológicos e filológicos.

    Mas é no século XX, como creem a maior parte dos pesquisadores, que nasce a TeoriaLiterária como ela é conhecida hoje, com o surgimento de escolas como a Neo Crítica dosEUA, e o Formalismo Russo. Ambas advogam que os estudos literários devem buscar naprópria literatura as fontes necessárias, em uma análise imanente, sem precisar recorrer aoutras disciplinas. Eles pretendem se voltar para a compreensão da estrutura literária, das

    http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/filosofos/platao/http://www.infoescola.com/filosofia/aristoteles/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/literatura/humanismo/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/historia/iluminismo/http://www.infoescola.com/historia/iluminismo/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/literatura/humanismo/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/filosofia/aristoteles/http://www.infoescola.com/filosofos/platao/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/http://www.infoescola.com/literatura/teoria-literaria/

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    suas características.

    Ao longo da evolução da Teoria Literária, predominaram duas categorias distintas naforma de analisar as obras – a normativa, que postulava a estética clássica, segundo a qualtoda produção literária deve adotar normas inflexíveis, baseadas em um cânone previamenteestabelecido, metodizando a forma antes de elaborar o texto; e a descritiva, que defendia aestética romântica, a qual concedia ao escritor total liberdade na criação de sua obra, que sóposteriormente seria classificada em um determinado gênero da literatura.

    A Teoria Literária estuda a literariedade, a evolução literária, os períodos da literatura,os gêneros, a narratividade, os versos, sons e ritmos, as influências exteriores sobre aprodução literária, entre outros aspectos desta disciplina.

    3 - PODE-SE TEORIZAR SOBRE LITERATURA?

    Teorizar é transformar alguma coisa em objeto problemático. Desde os primórdios dacivilização ocidental, a Literatura tem sido objeto de teorização (em sentido lato). Aliás, já nostextos mais remotos (ex: poemas de Homero), observa-se a necessidade de algunsquestionamentos e considerações. Sobre o pálio de tais fundamentos, o que problematiza pelaprimeira vez a Literatura é a própria Literatura, haja vista que na poesia homérica vislumbra-seconsiderações de ordem mítica e poética acerca do tema, bem como as representaçõessociais que a Literatura faz nascer.

    Posteriormente, a Literatura tornou-se objeto de teorização em sentido estrito.

    Com Platão e Aristóteles a análise literária avocou contornos mais definidos,principalmente pelo grau de sistematização a que ambos chegaram. Com o passar dostempos, nasceram diversas teorias sobre Literatura, resumidas em:a) Normativismo - que fixa uma norma ou preceito que compete ao escritor levar em conta,

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    visando o êxito da composição;b) Descritivismo - que favorece uma especulação aberta, descrevendo as partes do texto sem

    estabelecer normas ou regras.

    Cabe lembrar que as construções teóricas nem sempre se apresentam desta formaestanque, frequentemente oscilam entre as extremidades supracitadas.

    Uma corrente doutrinária tradicionalista admite que a Literatura se presta a tornar-seobjeto de estudo (de caráter normativo ou descritivo). Em contrapartida, outra corrente subtrai

    o texto literário desse contexto intelectualista, opinando pela fruição subjetiva, antiteórica,denominada de "impressionismo crítico", entendendo que não se deve teorizar sobreLiteratura, mas sim registrar impressões de leitura sem preocupação de controle conceitual.

    4 - QUE DISCIPLINAS ESTUDA A LITERATURA?

    O termo "Teoria da Literatura" é de uso recente (1949). Mas não se trata apenas denova designação para as disciplinas tradicionalmente dedicadas à Literatura. Há concorrênciade terminologia para designar a mencionada nova disciplina. Mister se faz situar essaconcorrência.

    As disciplinas mais antigas na área dos estudos literários são: a retórica e a poética.

    A Retórica, oriunda da Grécia (Platão - séc. V a.C.) surgiu com o fito de sistematizar osrecursos capazes de dotar o discurso de eficiência, atratividade e convencimento. No inícioabrangia: a invenção, a disposição, a elocução, a pronunciação e a memória. Com o passar dotempo, a Retórica restringiu sua área de interesse, fixando-se na palavra escrita através daelocução. Ao final do século XVIII, a retórica perdeu seu prestígio, não resistindo às ideiasromânticas e sua criatividade literária.

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    A disciplina denominada Poética ou Arte Poética (Aristóteles) também surgiu na Gréciano mesmo período. Até o século I d.C., havia distinção entre Retórica (oratória e raciocínio) e

    Poética (mimese, verossimilhança, catarse e gêneros literários). A partir daí, esta divisão sereduziu com a Retórica absorvendo a Poética, prosseguindo nestes termos até o final doséculo XV, quando então a Poética recobrou sua autonomia, transformando-se em disciplinade caráter filosófico técnico-formal, enquanto a Retórica reduziu-se a uma disciplina de meroensino escolar. Importante ressaltar a vocação tanto da Retórica quanto da Poética para fixarnormas e preceitos à produção literária.

    A Poética (também chamada "Clássica") que em sua origem era descritiva especulativa,do século XV ao século XVIII, tornou-se então normativa e com o aparecimento doRomantismo, entrou em declínio. O termo "Poética" pode apresentar alguns significados emestudos literários, a saber:a) gênero de Literatura caracterizado pelo uso do verso, da linguagem metrificada, diferente dogênero "prosa" (significado que prevaleceu na Antiguidade Clássica até o ClassicismoModerno);

    b) literatura em geral, abrangendo linguagem metrificada e não metrificada, entendida comomanifestações artísticas, ao contrário das demais obras escritas - científicas ou técnicas -(origem romântica, significado prevalente no final do séc. XIX e séc. XX);c) manifestação, passagem, situação, etc. tidas como bela e comovente, capaz de gerarvibrações íntimas no espectador (versões pós-românticas).

    Como é notório, o termo "Poética" teve seu significado muito alterado. Hodiernamente,o termo é equivalente à expressão "Teoria da Literatura", pois simboliza a maneira peculiarcontemporânea predominante de estudar Literatura, de caráter descritivo-especulativo epreocupada em investigar seus métodos e conceitos.

    O belo, o bem e o verdadeiro deram origem a disciplinas filosóficas dedicadas às suastematizações. A proposição sobre o "bem" diz respeito à ética e à política; sobre o "belo", àestética e sobre o "verdadeiro", à lógica e à metafísica. Em Platão e Aristóteles, o "belo" tem

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    origem muito antiga na intelectualidade ocidental. Já a "estética", é bem mais recente suaautonomia (séc. XVIII), porém ela não se refere tão somente à Literatura.

    No século XIX, a História da Literatura ocupou a lacuna deixada pela Retórica e pelaPoética. A pesquisa passou a ser histórica e científica e esse modo de proceder buscou defatores externos as origens da Literatura - fatores como a vida e a personalidade do escritor,ou ainda o contexto social - passaram a ser considerados.

    Assim, nascem dois modelos de História da Literatura: de natureza biográfico-

    psicológica (com ênfase na vida do autor) e de natureza sociológica (ênfase em fatorespolíticos, econômicos, sociais e ideológicos). Estes modelos de História da Literatura, aindahoje, exercem influência no ensino escolar de literatura e nos compêndios de História daLiteratura.

    Cabe ainda mencionar um terceiro modelo também existente no século XIXdenominado "modelo filológico" o qual limita seu alcance à constatação dos fatos. Esta

    modalidade de História da Literatura busca: reconstruir textos que tenham se afastado daconcepção original de seus autores; explica textos que tenham ficado obscuros para o leitorcontemporâneo e inventaria as fontes das obras e as influências a que se sujeitam.

    Outra disciplina denominada "Crítica Literária", também do século XIX, tem seusignificado no sistema do saber sobre a Literatura.

    Finalmente, no século XX observa-se concorrência de uso dos termos: "Poética","Crítica Literária", "Ciência da Literatura" e "Teoria da Literatura".

    5 - A CONSTITUIÇÃO DA TEORIA DA LITERATURA

    A Teoria da Literatura surgiu no início do século XX a partir discordâncias conceituais

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    com a disciplina História da Literatura, mas após seu clímax entre os anos 1960 e 1970, iniciouuma trajetória descendente, processo acelerado a partir de 1990, quando seus fundamentos e

    conteúdos foram questionados pelo pensamento pós-moderno. Contudo, o seu viçoacadêmico continua ativo pelos seguintes motivos: seu caráter autorreflexivo; sua tendênciapara a compreensão da natureza histórica e sua capacidade de resistência conceitual contra aabsoluta relativização de valores (ex: valores estéticos).

    Outrossim, no campo dos estudos literários, não ocorre a pura e simples superação deuma disciplina por outra, mas reciclagem das questões a investigar, a medida que problemas

    momentaneamente valorizados vão perdendo interesse.

    O objeto de uma ciência não é "dado", mas "constituído" pela aplicação do método. Aconstituição do objeto em Teoria da Literatura é problemática, por isso é necessário rever opensamento de Aristóteles em sua obra a "Poética". Para o filósofo, o objeto da Poética não éa poesia entendida superficialmente como o conjunto das composições em verso, mas simuma série de propriedades mais sutis e profundas já mencionadas no início deste trabalho.

    Já para a História da Literatura, o objeto de investigação dos estudos literários são maissimplórios, afirmando que a Literatura era constituída pela massa de fatos formados por toda aprodução escrita. Com isso, desconheceu o problema!

    Deveras, para se definir o objeto da Teoria da Literatura, deve-se delimitar o sentido dostermos "poesia" e "literatura".

    Poesia é o gênero da Literatura caracterizado pelo uso do verso, da linguagemmetrificada ou não metrificada, desde que nelas existam propriedades artísticas e/ouficcionais, em oposição às demais obras escritas (científicas e técnicas).

    Modernamente, o termo "Literatura" corresponde:a) ao produto da produção escrita de uma época ou país (Literatura Clássica, Literatura

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    Oitocentista, Literatura Brasileira, etc.);

    b) ao conjunto de obras diferenciadas pela temática, origem ou público visado (LiteraturaInfanto-Juvenil, Literatura de massa, Literatura feminina, Ficção-Científica, etc.);

    c) à bibliografia sobre determinado campo especificado (Literatura Médica, Literatura Jurídica,Literatura Sociológica, etc.);

    d) com o emprego figurado ou pejorativo, o termo é utilizado como expressão afetada, ficção,

    irrealidade, frivolidade;

    e) à disciplina relativa ao estudo sistemático da produção literária (Literatura Comparada,Literatura Geral, etc.).

    Infere-se, por conseguinte, que o objeto da Teoria da Literatura é a "literatura estritosenso" (parte da produção escrita e, eventualmente, certas modalidades de composição

    verbais de natureza oral, dotadas de propriedades específicas) ou, ainda, a "poesia", masesta, em conformidade com o conceito acima declarado.

    Num grau mais refinado e abstrato, pode-se dizer que o objeto da Teoria da Literaturatrata das propriedades específicas do conjunto integrante de obras literárias estrito senso, ouseja, a literalidade (aquilo que torna determinada obra numa obra literária), o modo especial deelaboração da linguagem caracterizado por um "desvio" em relação às ocorrências maiscomuns.

    Mais ainda, uma pesquisa científica não avança às cegas, mister se faz estabelecer ométodo, entendido como sendo os princípios e critérios para se chegar ao objeto da pesquisa.

    Inicialmente a Teoria da Literatura circunscreveu seu objeto segundo um critériobaseado em traços da linguagem (método linguístico), onde se postula os seguintes princípios:Imanência, Níveis de Análise e Integração. Todavia, a análise da Literatura baseada no

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    método linguístico não obteve resultados tão nítidos quanto os conseguidos em Linguística,por isso, houve reação a essa tendência. Mais recentemente, novas atividades metodológicas

    não desprezam simplesmente o método linguístico, mas partem da insuficiência que elerevela.

    6- OUTRAS QUESTÕES

    A diversidade das correntes doutrinárias deve ser vista como inerente à própria

    dinâmica dos estudos e pesquisas de investigação literária. Há correntes Textualistas(privilegiam o texto em sua análise), Fenomenológicas (giram em torno da filosofiafenomenológica) e Sociológicas (preocupações sociológicas e ético políticas).

    Algumas disciplinas se beneficiam com a extensão do método e dos princípios daanálise linguística a seus objetos. A Antropologia e a Psicanálise passaram a processar suasinvestigações no campo dos fenômenos da linguagem. A Teoria da Literatura também se

    abeberou da Linguística, inclusive relacionando-se como dela derivadas (semiótica , teoria dainformação, etc.). Certos ramos das ciências exatas (lógica matemática, teoria dos conjuntos,etc.) e, ainda, a História, a Sociologia, a Psicologia e a Filosofia também mantêm afinidadescom a Teoria da Literatura.

    6.1- NÚCLEOS DE INVESTIGAÇÃO

    Método, objeto e lei da disciplina Teoria da Literatura são temas que discutem se estaconstitui ou não uma ciência. Diretamente ligado a este núcleo de problemas está o daafinidade com outras disciplinas, já mencionada acima. Quanto ao histórico de investigaçãotem-se que, o estudioso de Literatura quase sempre precisa retornar a certas reflexõespretéritas (ex: Aristóteles), a fim de avançar em suas próprias indagações. A construção doconceito de Literatura tem consequências decisivas no plano de problemas relativos ao

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    método e ao objeto dos estudos literários. Assim, também, os estudos das relações entre alinguagem literária e os sistemas extratextuais (de contexto social) estão vinculados ao

    conceito de Literatura com que trabalham. Outras produções culturais (artes, publicidade) e osgêneros literários (dicotômico e tricotômico) também ensejam núcleos de investigação.

    6.2 - FINALIDADES DA TEORIA DA LITERATURA

    A Teoria da Literatura não é uma propedêutica ao estudo das Literaturas. Em verdade,

    ela é um questionamento sistemático acerca do fato literário e estará presente toda vez que sepretender analisar esse fato. Através da Teoria da Literatura, o texto literário deixa de serapenas uma fantasia sedutora e emocionante, para aparecer como produção culturalenraizada na realidade, vida, quando empenhada em demonstrar seus aspectos maisesquivos à nossa compreensão.

    7 - Funções da Literatura

    Os conhecidos versos de Horácio que assinalam com finalidade da poesia aut prodesseaut delectare , não implicam um conceito de poesia autônoma, de uma poesia exclusivamentefiel a valores poéticos, ao lado de uma poesia pedagógica. O prazer, o dulce referido porHorácio e mencionado por uma longa tradição literária europeia de raiz horaciana, conduzantes a uma concepção hedonista da poesia, o que constitui ainda um meio de tornardependente, e quantas vezes de subalternizar lastimavelmente, a obra poética.

    De feito, até meados do século XVIII, confere-se à literatura, quase sem exceção, ouuma finalidade hedonista ou uma finalidade pedagógico-moralista. E dizemos quase semexceção, porque alguns casos se podem mencionar nos quais se patenteia com maior oumenor acuidade a consciência da autonomia da literatura. Calímaco, por exemplo,característico representante da cultura helenística, procura e cultiva uma poesia original, ricade belos efeitos sonoros, de ritmos novos e gráceis, alheia a motivações morais. Séculos mais

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    tarde, alguns trovadores provençais transformaram a sua atividade poética numa autênticareligião da arte, consagrando-se de modo total à criação do poema e ao seu aperfeiçoamento

    formal, excluindo dos seus propósitos qualquer intenção utilitária. Um fino conhecedor daliteratura medieval, o Prof. Antonio Viscardi, escreve a este respeito: "O que conta é a fé novada arte, em que todos observam e praticam com devoção sincera". Desta fé nasce o sentidotrovadoresco da arte que é o fim de si mesma. A arte pela arte é descoberta dos trovadores.

    Nos referimos, acerca das doutrinas da arte pela arte, a uma importante finalidadefrequentemente assinalada à literatura: a ev asão . Em termos genéricos, a evasão significasempre a fuga do eu a determinadas condições da vida e do mundo, de um mundo imaginário,diverso daquele de que se foge, e que funciona como sedativo, como ideal compensação,como objetivação de sonhos e de aspirações.

    A evasão, como fenômeno literário, é verificável quer no escritor quer no leitor.Deixando para ulterior e breve análise o caso deste último, examinemos primeiramente osprincipais aspectos da evasão no plano do criador literário.

    Na origem da necessidade que o escritor experimenta de se evadir, podem atuar

    diversos motivos. Entre os mais relevantes, contam-se os seguintes:a) Conflito com a sociedade: o escritor sente a mediocridade, a vileza e a injustiça dasociedade que o rodeia e, numa atitude de amargura e de desprezo, foge a essa sociedade erefugia-se na literatura. Este problema da incompreensão e do conflito entre o escritor e asociedade agravou-se singularmente a partir do pré-romantismo, em virtude sobretudo dasdoutrinas de Rousseau acerca da corrupção imposta ao homem pela sociedade, e atingiu como romantismo uma tensão exasperada. Nesta oposição em que se defrontam o escritor e a

    sociedade, desempenha primacial papel o sentimento de unicidade que existe em todo artistaautêntico.

    b) Problemas e sofrimentos íntimos que torturam a alma do escritor e aos quais este foge pelocaminho da evasão. A inquietação e o desespero dos românticos – o mal du siècle – estão naorigem da fuga ao circunstante e do anélito por uma realidade desconhecida. (...) O tédio, osentimento de abandono e de solidão, a angústia de um destino frustrado constituem outros

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    tantos motivos que abrem aporta da evasão.

    c) Recusa de um universo finito, absurdo e radicalmente imperfeito. Geralmente, esta recusaenvolve um sentido metafísico, pois implica uma tomada de posição perante os problemas daexistência de Deus, da finalidade do mundo, , do significado do destino humano, etc.Lembremos a revolta dos românticos ante o mundo finito, ou a fuga dos surrealistas de ummundo falsificado pela razão.

    A evasão do escritor pode realizar-se, no plano da criação literária, de diferentes modos:

    1. Transformando a literatura numa autêntica religião, numa atividade tiranicamente

    absorvente no seio da qual o artista, empolgado pelas torturas e pelos êxtases da sua criação,esquece o mundo e a vida. Flaubert e Henry James são dois altíssimos exemplos destaevasão através do culto fanático da arte.

    2. Evasão no tempo, buscando em épocas remotas a beleza, a grandiosidade e oencanto que o presente é incapaz de oferecer. Assim os românticos cultivaramfrequentemente, pelo mero gosto da evasão, os temas medievais, tal como os poetas da artepela arte, como vimos, se deleitaram com a antiguidade greco-latina. (...)

    3. Evasão no espaço, manifestando-se pelo gosto de paisagens, de figuras e decostumes exóticos. O Oriente constituiu em todos os tempos copiosa fonte de exotismo, masnão devemos esquecer outras regiões igualmente importantes sob este aspecto, como aEspanha e a Itália para os românticos (Gautier, Mérimée, Stendhal) e as vastas regiõesamericanas para alguns autores pré-românticos e românticos (Prévost, Saint-Pierre,Chateubriand, escritores indianistas do romantismo brasileiro, etc.) (...)

    4. A infância constitui um domínio privilegiado da evasão literária. Perante os tormentos,as desilusões e as derrocadas da idade adulta, o escritor evoca sonhadoramente o tempoperdido da infância, paraíso distante onde vivem a pureza, a inocência, a promessa e os mitosfascinantes. (...)

    5. A criação de personagens constitui outro processo frequentemente utilizado peloescritor, particularmente pelo romancista, para se evadir. A personagem, plasmada segundo

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    os mais secretos desejos e desígnios do artista, apresenta as qualidades e vive as aventurasque o escritor para si baldadamente apetecera.

    6. O sonho, os paraísos artificiais provocados pelas drogas e pelas bebidas, a orgia, etc.,representam outros processos de evasão com larga projeção na literatura. A literaturaromântica e simbolista oferece muitos exemplos destas formas de evasão.

    Na estética platônica aparece já o problema da literatura como conhecimento , emborao filósofo conclua pela impossibilidade de a obra poética poder ser um adequado veículo deconhecimento. Segundo Platão, a imitação poética não constitui um processo revelador daverdade, assim se opondo à filosofia que, partindo das coisas e dos seres, ascende àconsideração das Ideias, realidade última e fundamental; a poesia, com efeito, limita-se afornecer uma cópia, uma imitação das coisas e dos seres que, por sua vez, são uma meraimagem ( phantasma ) das Ideias. Quer dizer, por conseguinte, que poesia é uma imitação deimitações e criadoras de vãs aparências.

    Este mesmo problema assume excepcional relevo em Aristóteles, poisna Poética claramente se afirma que "a Poesia é mais filosófica e mais elevada do que aHistória, pois a Poesia conta de preferência o geral e, a História, o particular". Porconseguinte, enquanto Platão condena a mimese poética como meio inadequado de alcançara verdade, Aristóteles considera-a como instrumento válido sob o ponto de vista gnosiológico:o poeta, diferentemente do historiador, não representa fatos ou situações particulares; o poetacria um mundo coerente em que os acontecimentos são representados na sua universalidade,segundo a lei da probabilidade ou da necessidade, assim esclarecendo a natureza profana daação humana e dos seus móbeis. O conhecimento assim proposto pela obra literária atuadepois no real, pois se a obra poética é "uma construção formal baseada em elementos domundo real", o conhecimento proporcionado por essa obra tem de iluminar aspectos darealidade que a permite.

    Apenas com o romantismo e a época contemporânea voltou a ser debatido, comprofundidade e amplidão, o problema da literatura como conhecimento. Na estética romântica,

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    a poesia é concebida como a única via de conhecimento da realidade profunda do ser, pois ouniverso aparece povoado de coisas e de formas que, aparentemente inertes e desprovidas

    de significado, constituem a presença simbólica de uma realidade misteriosa e invisível. Omundo é um gigantesco poema, uma vasta rede de hieróglifos, e o poeta decifra este enigma,penetra na realidade invisível e, através da palavra simbólica, revela a face oculta das coisas.Schelling afirma que a "natureza é um poema de sinais secretos e misteriosos" e von Arnimrefere-se à poesia como a forma de conhecimento da realidade íntima do universo: o poeta é ovidente que alcança e interpreta o desconhecido, reencontrando a unidade primordial que sereflete analogicamente nas coisas. "As obras poéticas, acentua von Arnim, não são

    verdadeiras daquela verdade que esperamos da história e que exigimos dos nossossemelhantes, nas nossas relações humanas; elas não seriam o que procuramos, o que nos procura, se pudessem pertencer inteiramente à terra. Porque toda a obra poética reconduz aoseio da comunidade eterna o mundo que, ao tornar-se terrestre, daí se exilou. Chamamosvidentes os poetas sagrados; chamamos vidência de uma espécie superior à criaçãopoética...".

    Nestes princípios da estética romântica encontra-se já explicitamente formulado o tema

    do poeta vidente de Rimbaud, o poeta da aventura luciferiana rumo ao desconhecido: "Digoque é necessário ser vidente, fazer-se vidente. – O Poeta torna-se vidente através de umlongo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos. [...] Inefável tortura em que temnecessidade de toda a fé, de toda a força sobre-humana, em que se torna, entre todos, ogrande doente, o grande criminoso, o grande maldito, - e o supremo Sábio! – Porque chega aodesconhecido !" Assim a poesia se identifica com a experiência mágica e a linguagem poéticase transforma em veículo do conhecimento absoluto, ou se volve mesmo, por força

    encantatória, em criadora de realidade.

    Através sobretudo de Rimbaud e de Lautréamont, a herança romântica da poesia comovidência é retomada pelo surrealismo, que concebe o poema como revelação das profundezasvertiginosas do eu e dos segredos da supra realidade, como instrumento de perquisiçãopsicológica e cósmica. A escrita automática representa a mensagem através da qual o mistériocósmico – o "acaso objetivo" (le hasard objectif ), na terminologia do movimento surrealista –

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    se desnuda ao homem; e a intuição poética, segundo Breton, fornece o fio que ensina ocaminho da gnose, isto é, o conhecimento da realidade supra sensível, "invisivelmente visível

    num eterno mistério".

    Contemporaneamente, a questão da literatura como conhecimento tem preocupadoparticularmente a chamada estética simbólica ou semântica – representada sobretudo porErnest Cassirer e Susanne Langer - , para a qual a literatura, longe de constituir uma diversãoou atividade lúdica, representa a revelação, através das formas simbólicas da linguagem, dasinfinitas potencialidades obscuramente pressentidas na alma do homem. Cassirer afirma que apoesia é "a revelação da nossa vida pessoal" e que toda a arte proporciona um conhecimentoda vida interior, contraposto ao conhecimento da vida exterior oferecido pela ciência, eSusanne Langer igualmente considera a literatura como revelação "do caráter dasubjetividade", opondo o mododiscursivo, próprio do conhecimento científico, ao modoapresentativo, próprio do conhecimento proporcionado pela arte.

    Para alguns estetas e críticos, porém, a literatura constitui um domínio perfeitamentealheio ao conhecimento, pois enquanto este dependeria do raciocínio e da mente, aquelavincular-se-ia ao sentimento e ao coração, limitando-se a comunicar emoções. A literatura,com efeito, não é uma filosofia disfarçada, nem o conhecimento que transmite se identificacom conceitos abstratos ou princípios científicos. Todavia, a ruptura total entre literatura eatividade cognoscitiva representa uma inaceitável mutilação do fenômeno literário, pois toda aobra literária autêntica traduz uma experiência humana e diz algo acerca do homem e domundo. "Objetivação, de caráter qualitativo, do espírito do homem", a literatura exprimesempre determinados valores, dá forma a uma cosmovisão, revela almas – em suma, constituium conhecimento. Mesmo quando se transforma em jogo e se degrada em fator deentretenimento, a literatura conserva ainda a sua capacidade cognoscitiva, pois reflete aestrutura do universo em que se situam os que assim a cultivam. Longe de ser umdivertimento de diletantes, a literatura afirma-se como meio privilegiado de exploração e deconhecimento da realidade interior, do eu profundo que as convenções sociais, os hábitos e asexigências pragmáticas mascaram continuamente: "A arte digna deste nome – escreve MarcelProust – deve exprimir a nossa essência subjetiva e incomunicável. [...] O que não tivemos

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    que decifrar, esclarecer através do nosso esforço pessoal, o que era claro antes de nós, nãonos pertence. Não vem de nós próprios senão o que arrancamos da obscuridade que está em

    nós e que os outros não conhecem".

    Através dos tempos, a literatura tem sido o mais fecundo instrumento de análise e decompreensão do homem e das suas relações com o mundo. Sófocles, Shakespeare,Cervantes, Rousseau, Dostoievski, Kafka, etc, representam novos modos de compreender ohomem e a vida e revelam verdades humanas que antes delas se desconheciam ou apenaseram pressentidas. Antes de Rousseau, nunca o homem analisara com tanto impudor e tantavolúpia a sua intimidade, nem descobrira as delícias e a importância psicológica e moral dosestados de rêverie; antes de Kafka, ignoravam-se muitos aspectos do universo tentacular,labiríntico e absurdo em que vive o homem moderno. Pense-se, por exemplo, que apenas osescritores pré-românticos e românticos exprimiram a tristeza das coisas em si mesmas:constitui hoje um deslavado lugar-comum da tristeza do luar, mas foi Goethe quem primeirorevelou essa tristeza, tal como Chateaubriand revelou a melancolia dos sinos e Laforgue asolidão e abandono dos domingos:

    Fuir? Où aller, par ce printemps?Dehors, dimance, rien à faire....

    Data de Aristóteles o problema da catarse como finalidade da literatura. NaPoética,afirma explicitamente o Estagirita que a função própria da poesia é o prazer (hedone), não umprazer grosseiro e corruptor, mas puro e elevado. Este prazer oferecido pela poesia não devepor conseguinte ser considerado como simples manifestação lúdica, devendo antes serentendido segundo uma perspectiva ética, como se conclui da famosa definição de tragédiaestabelecida por Aristóteles: "A tragédia é uma imitação da ação, elevada e completa, dotadade extensão, numa linguagem temperada, com formas diferentes em cada parte, que se serveda ação e não da narração, e que, por meio da comiseração e do temor, provoca a purificaçãode tais paixões".

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    angústia.

    O tema do compromisso é fundamental, pelas suas implicações e consequências, nasfilosofias existencialistas. O homem, no dizer de Heidegger, não é um receptáculo, isto é, umapassividade recolhendo dados no mundo, mas um estar no mundo, não no sentido espacial efísico de estar em , mas no sentido de presença ativa, de estar em relação fundadora,constitutiva com o mundo.

    Quando Jean-Paul Sartre lança ombros à tarefa de expor a sua concepção de literatura,

    num ensaio mundialmente célebre ( Qu’est -ce que la littérature?), estes tópicos da filosofia deHeidegger influenciam visível e naturalmente o teor e o encadeamento das suas ideias. Aaliança destes elementos com determinados princípios do marxismo define a orientação doreferido ensaio, o documento mais relevante das teorias acerca do compromisso da literatura.

    Torna-se necessário efetuar uma distinção nítida entre literatura comprometida ou, parausar um vocábulo francês muito em moda, literatura "engagée" , e literatura planificada oudirigida. Na literatura comprometida, a defesa de determinados valores morais, políticos e

    sociais nasce de uma decisão livre do escritor; na literatura planificada, os valores a defendere a exaltar e os objetivos a atingir são impostos coativamente por um poder alheio ao escritor,quase sempre um poder político, com o consequente cerceamento, ou até aniquilação, daliberdade do artista.

    8 - TEORIA DA LITERATURA

    É hoje em dia extraordinariamente vivo e dinâmico o campo disciplinar conhecido porTeoria da Literatura. Tão vivo e dinâmico que os livros e artigos com ela relacionados sesucedem a um ritmo impressionante, criando uma complexa genealogia do saber cujos índicesde atualização se negam muitas vezes na própria ineficácia instrumental da abundância.Chegamos a uma fase em que se torna necessário publicar espessos volumes de referências

    http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=40&Itemid=2http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=40&Itemid=2http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=40&Itemid=2http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=40&Itemid=2

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    Boris Eixenbaum e René Wellek. Assim, por teoria literária pode entender-se a racionalizaçãosistemática de um conjunto de assunções acerca das propriedades do texto literário e das

    relações deste com a sua cultura de origem, o seu autor e o seu intérprete .

    Este entendimento apresenta três vantagens. Por um lado, salvaguarda a especificidadedo objeto literário sem anular, no entanto, as suas várias vertentes psicológicas, sociológicas ehistóricas. Por outro lado, permite introduzir a problematização da crítica literária não sóenquanto modo de leitura e interpretação dos textos, mas também enquanto conjunto deprojeções imaginativas acerca da natureza da literatura. Finalmente, aquele entendimentotraça fronteiras intelectuais entre aquilo que é o estudo da literatura como objeto comunicativode uma cultura, e aquilo que é o estudo de uma cultura que encara a literatura como merarepresentação das estruturas de poder atuantes nessa mesma cultura. Dito de outra maneira eclarificando o meu objetivo, insistir na natureza intrinsecamente literária do objeto da teoria daliteratura equivale a separar desde início a teoria literária da chamada teoria crítica, tal comoesta é atualmente entendida.

    9 - Do pensamento literário à teoria literária

    Aristóteles é quem normalmente protagoniza a figura de pai da teoria literária paramuitos investigadores impregnados do espírito científico do nosso século ou continuadores doespírito positivista por que a Literaturwissenschaftse afirmou no imaginário oitocentista.Centrando-se, como observa Robert C. Davies, mais nas relações do que no sentidoreferencial (Davies, 1985: 51), as virtualidades estruturais da Poética parecem oferecer umfascínio irresistível às várias versões da «orientação teórica objetiva» dos estudos literários

    recorrendo tacticamente a uma das quatro orientações (as outras são a mimética, a expressivae a pragmática) em que M. H. Abrams divide a crítica literária, e que caracteriza do seguintemodo: «A orientação objetiva, que em princípio encara a obra de arte isolada de todos estespontos de referência [o leitor, o artista e o mundo], analisa-a como uma entidadeautossuficiente constituída pelas suas partes nas suas relações internas, e dispõe-se a julgá-launicamente por critérios intrínsecos ao seu próprio modo de ser.» (M. H Abrams, 1953: 26).

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    Por exemplo, E. Stankiewicz, um eslavista formado na escola da linguística estrutural

    impulsionada pelos trabalhos dos formalistas russos e checos (cf. Stankiewicz, 1978), depoisde reconhecer que Aristóteles «foi o primeiro a manter que o valor da arte reside na própriaarte» (1977:59), afirma inequivocamente que Aristóteles «é o fundador da poética teórica»(loc. cit.). No entanto, também se pode poderá afirmar, seguindo um investigador como JohnJones (1980: 40-1 e 50-4), que a orientação aristotélica para salvaguardar o prazer que ohomem tem na fruição de um discurso rítmico e melodioso (que assegura uma dasmodalidades de manifestação da ideia de que o valor da arte reside na própria arte) se

    articula, no quadro teleológico da filosofia aristotélica, com o reconhecimento mais substancialdo poder persuasivo da poesia, sobretudo através da constituição desta em instrumentopedagógico pela capacidade que tem de imitar as ações humanas, encorajando asvirtudes (eudamonia) e desencorajando os vícios. Ou seja, a orientação aristotélica situar-se-iano âmbito disciplinar daretórica, embora já num quadro suficientemente elástico de modo apotenciar a fusão da própria retórica, juntamente com outros saberes, naquilo a que nosnossos dias se chama ä crítica literária.

    Poder-se-á argumentar que não devemos esquecer nem escamotear o fato de que aimportância de Aristóteles decorre sobretudo do reconhecimento que este autor revela de quea literatura tem uma estrutura interna muito própria. Neste sentido, não pode ser acidental asua consideração da intriga ( mythos ) em termos como, por exemplo, «a união estrutural daspartes» (Poética:1451a 30) ou «um organismo vivo» (id.: 1459a 21), bem como os princípiosde desenvolvimento que lhe são inerentes. Porém, será que estamos perante uma empresaautônoma na sua individuação teórica ou perante uma validação da obra poética através dasua especificidade de trabalho ( poein ), de modo a encontrar as bases necessárias aum julgamento estético? Se escolhermos a segunda resposta, como parece mais legítimo,então teremos que reconhecer, mais uma vez, a instância fundamental da preocupaçãocrítica de Aristóteles e, eventualmente, as linhas constitutivas de algo que vários séculos maistarde irá ser designado por ciência estética.

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    Tenha-se ainda em conta um outro aspecto. Aristóteles encarou a poesia sobretudocomo technê , isto é, como uso prático do intelecto enquanto considerado no objeto produzido.

    Naturalmente, há condições neste aspecto do pensamento aristotélico para que ele sejaapropriado pela orientação objetiva, na medida em que esta reconhece nesse pensamento oseu próprio princípio da autonomia da obra artística, isto é, aquele princípio tão caro àsposturas críticas de uma modernidade antiexpressiva ou pós-romântica. Por isso encontramostrês importantes investigadores a valorizarem Aristóteles exatamente pela distinção que eleteria operado entre estética e moral:

    «Aristóteles foi o primeiro que tentou separar a teoria da estética da teoria da moral. Ele

    assegura coerentemente que o objetivo da poesia é um prazer requintado [.. ] e nunca permiteque a finalidade moral do poeta ou que os efeitos morais da sua arte ocupem o lugar doobjetivo artístico.» (S.H.Butcher, 1911, 1945: 238.)

    «Quando Aristóteles se volta para a arte da poesia [poietike], ele está determinado aassinalar fronteiras e a estudar a natureza da arte independentemente das suas ligaçõesmorais e políticas.» (Monroe C. Beardsley, 1966: 54-55).

    «Significativo é o seu [de Aristóteles] desafio da visão ética da poesia, a sua discordanteafirmação de que a função do poeta é sobretudo a de dar prazer. De tal maneira, que a partirdessa altura não havia desculpa [...] para confundir padrões estéticos com padrões moraispara julgar a arte.» (A.J. W. Atkins, 1934, 1961: 1, 117).

    No entanto, esta legitimação da orientação objetiva, através da qual estes autoresinvocam o prestígio de Aristóteles por uma compartimentação tática do seu pensamentoacerca da literatura, pode ser contrariada em três horizontes. Por um lado, pelo horizonte daprópria perspectiva aristotélica que sublinha antes de mais ou tão só a mimese como acapacidade que a arte tem de se tornar uma imitação bem sucedida da estrutura da açãohumana, de modo a alcançar o bem humano revelador do objetivo último não só da poesiamas de todas as esferas da ação ou da vida: «Qualquer arte e qualquer processo deinquirição, e do mesmo modo qualquer ação e qualquer busca, procuram alcançar umqualquer bem humano; e por esta razão o bem foi justamente declarado ser aquilo para que

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    orientação aristotélica marcadamente prescritiva. A verossimilhança, a unidade de ação, aunidade de tempo e lugar, a categorização das personagens, etc., se decorrem de um

    paradigma de racionalidade interessado sobretudo em explicações e leis, assentamfundamentalmente em critérios avaliativosque fazem com que o texto aristotélico deva serencarado menos pelo paradigma teórico e mais pelo paradigma estético ou até, e maisconvictamente, pelo paradigma da filosofia da literatura,se fizermos fé no entendimento queum autor como Lucien Goldmann propõe para a filosofia: «Porfilosofiadesignamos todo oconjunto explicitamente ou implicitamente coerente de julgamentos que constatam e de julgamentos de valor [valorisants] sobre aquilo que é e sobre aquilo que deve ser e

    eventualmente sobre a natureza e o valor das criações imaginárias» (L. Goldmann, 1970:130).

    A partir do que acaba de ser exposto, pode-se concluir que qualquer tentativa deencontrar uma tradição para a teoria como teoria acaba por se revelar como projeção dosinteresses do presente numa tradição que, de fato, outra coisa não é senão uma tradiçãoconstruída; ou como legitimação de programas próprios através da apropriação de alguns dos

    dados da herança cultural. Qualquer tentativa de construir uma tradição para a teoria comoteoria acaba invariavelmente por revelar a tradição como continuidade ilusória,exibindosimultaneamente nesse processo a realidade tantas vezes escamoteada de que a teoria seconfigura como uma forma de prática ou de interpretação, porquanto envolvimentointelectual situado num espaço muito próprio de desejos e com efeitos locais bemdeterminados. A teoria literária não é um espaço epistemológico neutro.

    Isto não quer dizer que a teoria literária não tenha uma história institucional autônoma,emuito menos que ela não decorra de um vastíssimo trabalho intelectual que remonta à Antiguidade. Mas na história que decorre desse trabalho, e em nome de um conhecimentotanto quanto possível claro do campo em que estamos a trabalhar, não se pode confundirpensamento literário e/ou história da estética com teoria da literatura. Também neste domínioJorge de Sena intuiu brilhantemente o cerne da questão. Vale a pena fazer fluir o discurso dasua inteligência: «A libertação da literatura, como da crítica, dos liames de outras disciplinas

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    levou à criação da „teoria da literatura‟. Mas esta não é, ao contrário do que às vezes sesupõe, uma teoria da crítica, ou uma história das doutrinas e dos métodos críticos. Sempre

    houve „teoria‟ da literatura, e épocas existiram que se distinguiram pela fúria das discussõesteóricas, como sucedeu no Renascimento e no Maneirismo sobretudo italianos. Mas essasdiscussões não se interrogavam sobre o que a literatura era, mas sobre o que ela deveria ser. Ainda quando a discussão se centrava na legitimidade de certa orientação estética, nãomenos a legitimidade era discutida em termos de norma. É óbvio que assim teria de ser: ondeuma legitimidade é atacada ou defendida tê-lo-á de ser no confronto com outra que é julgada aúnica ou a preferível. A teoria da literatura corresponde porém a uma fase diversa, em que não

    é posta em causa a legitimidade de coisa alguma. Tudo o que foi literatura é o objeto próprioda pesquisa do que literatura seja (Jorge de Sena, 1977: 157-8).

    Harold Bloom, por exemplo, parece confundir deliberadamente estas várias coisasquando sobranceiramente nos diz que «qualquer estudante contemporâneo da literatura, e dainterpretação literária, sabe que os Gregos inventaram a teoria e a crítica literárias» (H. Bloom,1985: I,1). Qual seria a reação de um cientista à afirmação de que os Gregos inventaram apsiquiatria só porque, na linha da medicina de Galeno e Hipócrates, estudaram a saúde mentalna sua relação com os humores existentes no conteúdo líquido do corpo?

    10 - Um arquitexto virtual

    Tal como afirmei atrás, é inegável que a teoria literária contemporânea decorre de umvastíssimo trabalho intelectual que remonta à Antiguidade. No entanto, acredito que a „história‟institucional da teoria literária deve ser identificada a partir deum momento muito próprio

    da narrativa cultural do Ocidente, designadamente no momento em que se gerou um diálogoacidentado entre a crítica literária e uma nova disposição intelectual que não só colocou a plataforma teórica no centro das atenções dos estudos literários, mas também orientou o valoratribuído a essa plataforma num sentido conducente ao próprio processo de individuaçãodateoria literária. Esse momento é sinalizado pelos trabalhos dos vários autores envolvidos nochamado ä Formalismo Russo.

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    A bibliografia crítica acerca desta postura intelectual nos estudos literários, partindo

    invariavelmente do trabalho pioneiro de Victor Erlich (vd. Erlich, 1965), é de tal maneiraabundante nos nossos dias que qualquer reflexão detalhada sobre o Formalismo Russo correo risco de se tornar repetição insípida. No entanto, acredito, no quadro em que tenho vindo adesenvolver a minha argumentação, que vale a pena manter e aprofundar a convicção de queé no sistema de generalidade conceptual em que os formalistas russos inscreveram acompreensão da literatura que devemos identificar o arquitexto virtualda teoria literária. Umarquitexto que, erguendo-se pela consciência da necessidade de uma atividade

    reguladora dos estudos literários, instituiu o programa diferencial de um novocampodisciplinar(o da teoria literária) como sendo claramente diferenciado não só de outros camposdo saber, mas também do repertório de interesses que constituía o campo de estudosconhecido na altura por Litteratur wissenschaft oqual, possuindo embora uma série unificávelde tendências, não apresentava um modelo unificado de pesquisa. Ao fazê-lo, os formalistasrussos forneceram a chave que faltava ao pensamento literário para ultrapassar a suadependência intrínseca da filosofia e da estética, e fechar assim o círculo aberto pela brilhante

    experiência teórica dos românticos os quais tiveram o supremo mérito de inaugurar o absolutoliteráriopela projeção filosófica da literatura enquanto produtora da sua própria teoria (cf.Lacoue Labarthe & J L Nancy, 1978), embora sem instituírem a teoria literária pela consciênciada necessidade da sua própria individuação, como vieram a fazer os formalistas russos.

    É claro que os traços distintivos só por si não chegam para delimitar um campo dis-ciplinar. Se assim fosse, dificilmente se poderiam conceber os esforços interdisciplinares dateoria literária. É por isso que se revela sobremaneira importante a especificação que osformalistas russos (e, diga-se em abono da verdade, em larga medida também os estrutu-ralistas checos) fizeram dos princípiosque orientam a atividade teórica dos estudos literários.Seguindo a perspectiva de David Gorman acerca das circunscrições de uma disciplina (D.Gorman, 1986: 33), deve-se afirmar que o conteúdo desses princípios inclui, em primeirolugar, as categorizações que identificam oobjeto ou a finalidadeda disciplina no caso dosformalistas, a sua identificação da ä literariedade e de todo o aparelho conceptual que dela

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    resulta e que para ela converge. Em segundo lugar, inclui os critérios que determinam osucesso ou o fracasso do próprio trabalho no interior da disciplina embora podendo ser só

    vagamente definidos, no caso dos formalistas estes critérios encontraram mesmo assim umeco importante nos vários investigadores envolvidos, como está patente, por exemplo, nainsistência jakobsoniana na «análise científica objetiva da arte da linguagem» e nos resultadospor ela proporcionados, bem como nas implicações (de inclusão e exclusão de vários tipos deestudo) que decorrem da analogia que Jakobson estabeleceu entre estudos literários/críticaliterária e linguística pura/linguística aplicada. É certo que a especificação daqueles princípiosrevela a dependência dos formalistas do modelo linguístico bem como da ä falácia científica

    que invariavelmente a acompanha e, consequentemente, aponta para a caducidade potencial da sua própria plausibilidade. Porém, o que importa considerar é menos essadependência e mais a dimensão transdisciplinar por que esses princípios se instituemem cânones gerais de racionalidade. É por esses cânones que se anuncia a particularidade deum projeto disciplinar que, no processo de evolução intelectual da cultura do século XX, veio aconcretizar-se através daquilo que se convencionou chamar Teoria da Literatura. É por essescânones que podemos compreender as mutações históricas dos limites disciplinares da teoria

    literária ou as configurações possíveis que decorrem dos numerosos e acidentados caminhospor ela percorridos no nosso tempo. É por esses cânones, ainda, que se justifica acoalescência da teoria literária face à diversidade de teorias particulares que resultam dasimultânea diversidade e especificidade, quer da literatura quer da experiência crítica daliteratura. É por esses cânones, finalmente, que se prova que a teoria da literatura não nasceu,de facto, contra a crítica, mas como uma necessidade da crítica.

    11 - A institucionalização da disciplinaO fenômeno de popularidade da teoria literária tem, pelo menos de há vinte anos para

    cá, um forte sotaque norte-americano. Contudo, nem sempre foi assim. Na Europa, e muitoparticularmente na França dos anos Sessenta, a teoria literária, enquanto “teoria do texto”(recorrendo à expressão de R. Barthes) brotou naturalmente do impacte que a linguística teveno estudo das práticas discursivas de uma sociedade. Uns chamaram-lhe estruturalismo,

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    outros mudança linguística ou “linguistic turn”. A descoberta estruturalista da materialidadelinguística do texto, da autonomia propriamente literária das multivalências da linguagem ou da

    ä polissemia textual, abriu naturalmente o caminho à redescoberta do protagonismo do leitor eà dissolução da importância do autor como instância explicativa da intenção semântica dotexto. O chamado após estruturalismo foi ou é, no essencial, o prolongamento natural destaatmosfera, sobretudo se a encararmos nos termos da fruição ou da a juissance barthesiana,bem como da a indecidibilidade derridiana. Em suma, estavam criadas as condições para queas configurações textuais agenciadoras da leitura, da interpretação e da recepção seconstituíssem em núcleo aglutinador de uma prática intelectual que a universidade

    gradualmente absorveu e institucionalizou sob a designação de teoria literária.

    Embora por vias diferentes, do lado americano chegou-se aos mesmo resultados a quese tinha chegado na Europa, ou pelo menos em França. Quando nos anos 40/50 os chamadosNew Critics (äNew Criticism) insistem na denegação da a falácia intencional e da a faláciagenética, eles estão, de fato, a orientar também a atitude crítica fundamentalmente para forado autor e para dentro do texto ou para aquilo a que chamaram a close reading . O que se

    procurava era, no essencial, um conjunto de princípios estruturais e transculturais quepudessem dar conta dos traços específicos de qualquer obra literária. Esta concentração nasinterrelações formais internas de uma obra literária, enquanto obra literária, criou condiçõespara o aparecimento de uma consciência teórica. Dito de outra maneira, a insistência numaestrutura teórica de princípios universais de leitura que podiam ser aplicados a vários textosconduziu inevitavelmente a uma teoria geral da leitura desses mesmos textos. Estamos,assim, perante um impulso de engendramento de uma teoria dos textos literários que pretendesobretudo dar conta da sua diferença propriamente literária ou da sua literariedade.

    Importa ressalvar neste momento que do lado americano este começo da teoria literárianão teve necessariamente as mesmas consequências que do lado francês ou europeu.Enquanto na Europa, graças à dinâmica estruturalista, a teoria começava a ser estudada por simesma, nos EUA a dinâmica do New Criticism implicava a teoria na crítica literária, isto é, ateoria existia para estar ao serviço da crítica literária, ao serviço de uma melhor leitura e

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    interpretação dos textos literários. É só no final dos anos Sessenta, e exatamente através dainfluência francesa do estruturalismo e do pós-estruturalismo, que os EUA revelam um

    movimento para estabelecer a teoria literária como disciplina independente (Veja-se sobretudoa obra de Murray Krieger intituladaThe Institution of Theory , 1994).

    O exemplo português de institucionalização da disciplina é extraordinariamente curioso. A reforma da 1957 criou a disciplina de Teoria da Literatura como disciplina do 1º ano doscursos de Letras, dando-lhe, portanto, um perfil introdutório, com um espírito semelhante aoque, a partir de 1974, se irá chamar Introdução aos Estudos Literários. Independentemente do

    seu perfil introdutório ou culminante (como acontecerá na reforma de 1969, na qual a Teoriada Literatura passou para o último ano), este reconhecimento acadêmico da disciplina, emplena década de Cinquenta, não deixa de ser surpreendente. Por duas razões. Em primeirolugar, porque o caráter problematizador da disciplina dificilmente se articulava com oautoritarismo ideológico e político do regime salazarista. Em segundo lugar, a surpresa é aindamaior quando se pensa que a disciplina de Teoria da Literatura, enquanto disciplina autônomados estudos literários, tinha na altura uma tradição muito débil, conforme se depreende dos

    contextos internacionais que apresentei antes. Não pretendo aqui fazer conjecturas acerca dascontradições que podem estar subjacentes a esta situação. Neste ensaio interessa-meunicamente referir que, no caso português, a noção de teoria da literatura faz há muito tempoparte do léxico intelectual e da formação acadêmica de várias gerações de críticos eestudiosos da literatura. Aliás, creio mesmo que é essa situação que está na origem doaparecimento de obras como Teoria da Literatura, de Vítor Manuel de Aguiar e Silva, queconstitui uma exaustiva exposição científico didática dosmúltiplos dizeres da teoria literária,bem como Os Universos da Crítica, de Eduardo Prado Coelho, que constitui umpormenorizado diálogo com os diversos olhares do pensamento literário contemporâneo.

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    12 - O fim da teoria literária?

    Neste momento parece haver um movimento mais ou menos generalizado contra ateoria literária, embora ele adquira uma relevância muito especial nos EUA, particularmentenos EUA, mas também na Grã-Bretanha. Não atribuindo aqui qualquer importância aos que,em qualquer parte do mundo, são contra a teoria por ignorância, preguiça ou indigênciaintelectual, aquele movimento pode ser estrategicamente divido em três grandes blocos.

    Por um lado, temos aquela espécie de rivalidade miméticacom a teoria literária por quecertas proclamações antiteóricas (se) revelam (n)a sua própria disposição teórica. Alguns dosseus exemplos mais interessantes podem ser encontrados nos ataques contra a teoriadesferidos conjuntamente por Steven Knapp e Walter Benn Michaels em nome da defesa da«intenção do autor», bem como no conturbado anúncio do «fim da teoria literária» por parte deStein Haugom Olsen com o consequente (res)surgimento redentor da «estética literária».

    Por outro lado, temos a versão híbrida, extremamente contraditória, que é representada

    pelas várias formas do Materialismo Cultural e do Novo Historicismo, ambos de inspiraçãomarxista ou para marxista. No essencial, o que é proposto é uma série de recuperações de umentendimento historicista do discurso literário no quadro mais geral dos múltiplos discursos deuma cultura ou das múltiplas formações discursivas que nela operam. Michel Foucault pareceser o pai espiritual destes autores para quem a literatura faz sentido sobretudo pela “energiasocial” (vd. Greenblatt, 1988) que atravessa os textos, e através da qual podem serdescobertas as correspondências entre as convenções literárias inscritas no texto e as forças

    políticas hegemônicas da sociedade. É claro que neste quadro de regulação ideológica daliteratura a teoria literária, enquanto implicitação da primazia artística dos textos literários, fazpouco sentido.

    Finalmente, encontramos o estranho movimento dos “arrependidos” da teoria, isto é,daqueles que, como Murray Krieger, Harold Bloom e Stanley Fish, mais fizeram por ainstitucionalizar, mas que se mostram perplexos (Krieger) ou horrorizados (Bloom) ou

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    culturais sobredeterminados. É que todos eles se ressentem da literatura, ou se envergonhamdela, ou simplesmente não estão muito dispostos a lê-la. (...) A libido é um mito, e as “energias

    sociais” também o são. Shakespeare, escandalosamente condescendente, foi uma pessoaque viveu e teve a ideia de escrever Hamlet e Rei Lear . Esse escândalo é inaceitável paraaquilo que hoje em dia passa por ser teoria literária. (Bloom, 1997: 519-521).

    Quanto a Stanley Fish, este invoca o que julgo ser a saturação de (e com) o própriocampo disciplinar da teoria literária. A metáfora que Fish utiliza para caracterizar o trabalhoteórico é a do Yo-Yo (um carreto no qual está enrolado um cordel, e que as crianças lançam etornam a enrolar). Vale a pena uma fazer uma outra longa citação: “A teoria só chegará ao f imquando tiver esticado o seu cordel, percorrido o seu caminho, quando as urgências e osreceios de que é expressão se desvanecerem ou se exprimirem através de qualquer outracoisa. Isto já está a acontecer nos estudos literários (...). O esbatimento da teoria é sinalizadonão pelo silêncio mas por mais e mais conversa, mais revistas, mais congressos e maisentradas na competição pelo direito a resumir a história da teoria. Um tempo virá em que essaé uma competição que ninguém deseja vencer; um tempo em que a divulgação de mais umaoutra amostragem do método crítico é recebido não como uma promessa mas como umaameaça; um tempo em que o anúncio de mais um outro Colóquio acerca da função da teorianos nossos dias provocará apenas um suspiro de lamentação. Esse tempo pode muito bem ter já chegado: o dia da teoria está a chegar ao fim; a hora é tardia; e a única coisa que resta aoteórico é dizer isto mesmo (...)” (S. Fish, 1989: 340-341).

    Todos estes argumentos fazem sentido; todos eles decorrem de diagnósticos acertadosda cena intelectual contemporânea. Não vale a pena escamotear a sua legitimidade, e muito

    menos contrariá-los através de atitudes protetoras (ou pseudo protetoras) da teoria que, nofundo, nada mais seriam que exercícios de um paternalismo anacrônico. O que importa éaceitar a discussão nos termos em que é colocada por aqueles três autores, procurandorespostas para as suas posições problemáticas, bem como alternativas ou saídas (por maisprovisórias que elas possam ser) para a própria crise interna da teoria que aquelas posiçõesevidenciam.

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    Comecemos pela nostálgica posição de Murray Krieger. Será possível um regresso aovelho humanismo que pugnava pelo caráter contra ideológico da literatura e, por extensão, da

    crítica literária, com a teoria a funcionar como a sua rede protetora? Julgo que não. Emprimeiro lugar, porque vivemos hoje numa cultura de resistência ao privilégio do literário. Emsegundo lugar, porque é hoje dificilmente defensável a ideia fundamentalista de uma partilhade valores humanos universais . A primeira razão abre-nos (ou deve abrir-nos) para o estudode formas culturais que, ao se cruzarem com a literatura no imaginário cultural, obrigam a umquestionamento do próprio estatuto institucional do literário. A segunda razão coloca-nosperante necessidades novas, designadamente a de problematizar a relação crítica com um

    texto enquanto relação fundada num conjunto de escolhas morais por parte do crítico numquadro pluralista mais vasto de envolvimentos éticos. A reflexão acerca de tudo isto cabe(ainda e sempre) à teoria literária. Mas cabe num contexto que não pode ser subsumido numavisão tradicional que encare as diferentes formas culturais (incluindo a literatura) comoseparadas ou mesmo independentes umas das outras, nem como estando sujeitas a umahierarquia de valor cognitivo que era o que acontecia com os New Critics.

    Passemos agora à posição de Harold Bloom. Será que o teórico da literatura deverenegar a teoria para voltar à pureza imaculada da experiência estética, como Bloompretende? Julgo que não, embora aqui eu tenha sentimentos contraditórios quanto a estanegativa. Cada vez mais me convenço que a identificação do belo decorre sobretudo de umaintuição profunda partilhada pelo homem, situando-se, por isso, mais ao nível do arquetípico euniversal do que do contingente ou acidental. No entanto, não posso ignorar as condiçõesda diversidade cognitiva por que se opera aquela partilha, e muito particularmente asobredeterminação cultural e histórica das hierarquias do valor estético que invariavelmente aacompanha. Quero dizer com isto que apesar da sua eventual universalidade imediata ouintuitiva, a experiência estética é uma experiência qualitativa no sentido em que estádependente de graus qualitativos de conhecimento teórico da própria experiência estética. Nãose cai necessariamente no relativismo vulgar se insistirmos na ideia de que nenhuma leituracrítica é inocente, pois nela estão sempre implícitos os preconceitos (ou as crenças e osvalores) do próprio crítico. A teoria que estuda esses graus e os contextos que os definem,

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    bem como esses preconceitos e os discursos por que eles se manifestam não pode, por isso,ser vista como inimiga do estético, mas antes como o seu duplo necessário. Hoje, tal como

    ontem.

    Consideremos, finalmente, a posição de Stanley Fish. Será que o teórico se deve limitara escrever a crônica da morte anunciada da teoria, como pretende Fish, cruzando os braçosperante a inevitabilidade dessa morte? Julgo que não. A razão para tal parece-me simples. Oregime intelectual da produção teórica não é de tipo autoritário mas, antes, pluralista, namedida em que corresponde ou surge em consonância com a heterogeneidade das

    narrativas que compõem a cultura. No que à literatura diz respeito, essa heterogeneidaderesulta dos próprios movimentos que cada época executa em direção a épocas anteriores,transformando os dados do passado, tornando-os presente, inaugurando o futuro. Também ascoisas literárias mudam de acordo com as circunstâncias, desafiando posições intelectuais,levando os teóricos a jogar o jogo da arbitrariedade das circunstâncias históricas e, ao mesmotempo, a ser por elas jogados. Isto tem como consequência que a teoria da literatura está“condenada” a subsistir não só para narrar a his tória da sua busca de diferenciação intelectual,

    mas também para mostrar a diferença da sua narrativa acerca de um objeto queconstantemente se transforma e se redistribui pelos vários planos da cultura. Neste sentido,pode-se afirmar que a teoria é uma atividade sem destino, embora com uma orientação bemmarcada pelas energias heterogêneas da literatura.

    Sintetizando o comentário que acabo de fazer das várias posições anti teóricas, julgoque o teórico da literatura deve aceitar as evidências da crise interna da teoria não como umafatalidade mortal, mas como um desafio à capacidade meta teórica da própria teoria . Por outrolado, é também essa crise interna que nos deve impulsionar com mais vigor para umapesquisa no interior da literatura de modo a podermos encontrar novas circunstâncias queapontem para novos problemas. É exatamente isso que tentarei exemplificar a seguir.Passemos, então, a um novo estádio da exposição.

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    13 - Os novos horizontes da teoria literária

    Na medida em que acredito que a evolução do pensamento literário nunca se fezindependentemente da evolução da literatura, qualquer inquirição teórica implica umentendimento específico do que a literatura foi, é e sobretudo poderá vir a ser . O meuentendimento é o seguinte.

    1º) Independentemente das questões de valor estético, julgo que é à presença daficcionalidade (ou à representação/interpretação ficcional da realidade) que se deve a

    identificação milenar da literatura. Neste sentido, sem ficção nunca houve, não há nem haveráliteratura. A partilha cultural deste denominador comum, quase intuitiva na sua universalidade,prova-o amplamente.

    2º) Apesar daquela universalidade, aquilo que é ou não é autêntica literatura estevedesde sempre dependente de códigos de épocas dominantes. Embora mutáveis, essescódigos marcaram e marcam fortemente a evolução literária ou o diálogo intra literário entrediferentes gerações de escritores e leitores. Isto quer dizer que os dispositivos expressivos da

    literatura se modificam e se transformam em função das modificações e das transformaçõesda sociedade humana.

    3º) Aquilo que sinaliza mais intensamente tanto a ideia genérica que hoje temos donosso presente como as nossas congeminações acerca do futuro podem ser epitomizadas noextraordináriohorizonte de possibilidades abertas à humanidade pela informática e, no âmbitodaquilo que aqui interessa, pela comunicação multimédia e interativa.

    Estas três componentes do meu entendimento da literatura, do processo literário e datendência genérica da cultura contemporânea, conduzem-me à seguinte reflexão. Acomunicação multim