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Walter Neves Cole~ao QUESTOES DANOSSA EPOCA Volume 59 Neves, Walter Alves Antropologia ecol6gica : urn olhar rnaterialista sobre as sociedades hurnanas / Walter Alves Neves - 2. ed. - Sao Paulo, Cortez, 2002. - (Cole~ao Quest5es da NossaEpoca; v. 59) ANTROPOLOGIA ~ ECOLOGICA Urn olhar rnaterialista sobre as sociedades humanas Dados Internacionais de Catalogac;ao na Publlcac;ao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) l1ibli grafia ISIIN R5-249-0G21-9 I i\1I110pol0l'in so ';al . lllillra 3. I2cologia 1111111111111I '1'lldo II, Sll,i '. QUESTOES DA NOSSA EPOCA ~C.ORTEZ \5EDITOR~

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Walter NevesCole~ao

QUESTOES DA NOSSA EPOCAVolume 59

Neves, Walter AlvesAntropologia ecol6gica : urn olhar rnaterialista

sobre as sociedades hurnanas / Walter Alves Neves - 2.ed. - Sao Paulo, Cortez, 2002. - (Cole~ao Quest5es daNossa Epoca; v. 59)

ANTROPOLOGIA~

ECOLOGICAUrn olhar rnaterialistasobre as sociedades humanas

Dados Internacionais de Catalogac;ao na Publlcac;ao (CIP)(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

l1ibli grafiaISIIN R5-249-0G21-9

I i\1I110pol0l'in so ';al . lllillra 3. I2cologia1111111111111I '1'lldo II, Sll,i '.

QUESTOESDA NOSSA EPOCA

~C.ORTEZ\5EDITOR~

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3JULIAN STEWARD E 0

METODO DA ECOLOGIACULTURAL

Assim como Leslie White, Steward teve suaformayao antropol6gica absolutamente vinculada aescola do particularismo hist6rico, formayao essaobtida na Universidade de Berkeley, sob a in-f1uencia direta de Alfred Kroeber e Robert Lowie,discfpulos diretos de Boas.

Se a conversao ao materialismo por parte deWhite se deu a partir de seu onlal lir 10 como Marxismo, na Uniao SoviCli <.I, a d tcwardfoi predominantemente 0 resultado de scu contatocom 0 ge6grafo Carl Sauer. Foi 0 contato coma Geografia que 0 levou a se interessar pelo efeitodo meio na cultura.

Embora Steward e White caracterizem-se porpropor uma abordagem materialista para a cOnJ-preensao do fen6meno cultural, ha grandes dife-renyas entre ambos.

Primeiramente, e necessario ressaltar que Whiteesta interessado na evoluyao universal, ao passoque Steward esta interessado em respostas adap-tativas locais, de culturas especfficas a ambientesespecfficos. Para ele, assim como para seus pareshistoricistas, tambem a leitura materialista deviase restringir, de infcio, a estudos de casos espe-

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cfficos, deixando a tarefa de elabora<;ao de leisgerais para um segundo momento. Neste ponto,a influencia da escola de Boas sobre Stewardtorna-se evidente.

Em segundo lugar, se White advoga um pen-samento evolucionista monocausal e unilinear, Ste-ward nao assume a priori a dire<;ao da respostaadaptativa, e muito menos reduz essas respostasadaptativas culturais unica e exclusivamente aquestao energetica. Em outras palavras, 0 evolu-cionismo de Steward e multilinear.

Para White, 0 fenomeno antropologico a serinvestigado e a historia dos saltos energeticos; ea "culturologia", a ferramenta metodologica quepermitini, sozinha, atacar esta questao. Stewardve seu metodo da Ecologia Cultural como algoadicional as demais abordagens antropologicas.Nao encara seu metoda como um instrumentoabsolutista de pesquisa e muito menos atribui asta a capacidade Ie explicar todos os nfveis da

dir rcn ia ~ I' n portamento cultural.Mas, :Issim om Whit, Steward esta interes-

sado -m "'xpli ar" a 'ultura, ainda que em nfveisdislintos. A prioridad - la agenda stewardiana edem nstrar qu' Il1ci ambiente pode funcionarcom fat r rad I' n processo de mudan<;a cul-tural.

Para quc csta I rioriclade de Steward seja bemcompreenclida, torna-se necessario revisar, aindaque de forma muito sintetica, a posi<;ao dos re-

lativistas, ou seja, aquela que imperava a suaepoca, sobre a rela<;ao cultura x meio ambiente.

Num primeiro momento, pode-se dizer que 0

historicismo exclui qualquer possibilidade de 0

meio ambiente interferir na mudan<;a cultural. Paraesses "cultura vem de cultura" e 0 meio ambientenao desempenha qualquer papel no processo dediferencia<;ao cultural. Esta diferencia<;ao se dapor raz6es intrfnsecas a propria cultura e, napratica, e sempre remetida a urn tempo historicoremoto e intangfvel.

Por raz6es alheias as suas proprias necessidades,os historicistas tiveram, num determinado momen-to, que elaborar sfnteses sobre as etnias com asquais estavam trabalhando, notadamentc nos Es-tados Unidos. Essas sfnte'es Icvaram a labora<;~do que passou a ser conheciclo classicall1entc naliteratura antropologica por "areas culturais", sendoas elaboradas por Kroeber, urn historicista ferrenho,as mais importantes ate 0 momento para a Americado Norte. Alguns cientistas sociais e geografosperceberam que essas unidades culturais elaboradaspelos proprios historicistas guardavam grande cor-respondencia distribucional com as unidades fisio-graficas que ao mesmo tempo estavam sendoelaboradas para os Estados Unidos. Ja na metadeda decada de 20, alguns pesquisadores come<;arama reconhecer uma grande correspondencia entreas "areas culturais" e as unidades paisagfsticas.

Pressionados pela obviedade das corresponden-cias, os historicistas tiveram que revisar sua posi<;ao

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sobre a rela<;ao cultura x meio ambiente, mas 0

fizeram de forma muito tfmida: passaram a reco-nhecer no meio somente uma propriedade limita-dora ao desenvolvimento cultural. Continuavamargumentando que tra<;os culturais novos surgiampor mecanismos intrfnsecos a cultura e que somentea fixa<;ao desses tra<;os ou, mais objetivamente, asua sobrevivencia e que poderia ser Iimitada pelascaracterfsticas do meio. Mas este, continuavam aassumir os historicistas, nao teria qualquer a<;ao"geradora" de cultura. Dito de uma outra forma,o ambiente poderia explicar a ausencia de tra<;os,mas nao a sua presen<;a.

Caberia a Steward, com seu metodo da EcologiaCultural, resgatar dentro da Antropologia 0 conceitode meio ambiente como fator gerador na cultura,demonstrando-o formal mente, atraves de imimeraspesquisas etnogrMicas e atraves de seu metodocomparativo intercultural. Para Steward, a maximad que "cuHura vem de cultura" era urn sistema'pist m I fli am nl in xpugnavel, dado 0 carater1<lllt16 -j '0 11 'Ia impli 'aclo. Para ele, 0 historicismosilllpi 'SITI'nl' nfio I;\n -ia a questao da origem dostra<;os 'tillur<lis. om 'nlC cxplicava, assim mesmoparcialm nl " sua Iraj'16ria, mas nao sua genese.

Em sfnt 'S pod -se dizer que 0 metodo daEcologia ullural propoe-se a estudar a rela<;aoentre certas caracterf ticas do meio e determinadostrayos da cultura da sociedade humana que vivenaquele meio.

A Ecologia Cultural tem urn problema e urnmetodo: seu problema objeto e avaliar se os ajustesdas sociedades humanas a seus ambientes requeremmodos particulares de comportamento ou se elespermitem uma certa amplitude de padroes com-portamentais possfveis. Seu metodo repousa sobretres procedimentos fundamentais: I. as inter-rela-yoes entre tecnologia de explotayao ou produ<;aoe 0 meio ambiente devem ser analisadas emprimeiro lugar; 2. devem ser observados, a seguir,os padroes de comportamento envolvidos na ex-plota<;ao de uma area particular por meio de umatecnologia tambem particular; e 3. investigar aextensao em que os pad roes comportamentai en-gendrados pela explora<;a n ambi ntc al' l<lmoutros aspectos da cullUra.

Como pode ser observado pela eslr<llegia m -todol6gica da Ecologia Cultural, Steward estabeleceuma prioridade na pesquisa de causa e efeito entreambiente e cultura. Este estabelecimento de prio-ridade e central no pensamento stewardiano e estaestreitamente relacionado ao conceito de "micleocultural" por ele formulado: a constela<;ao dosfatores que estao mais proximamente Iigados asatividades de subsistencia e aos arranjos econo-micos. Assim definido, 0 "nucleo cultural" incluiaspectos sociais, polfticos e religiosos, mas somenteos que empiricamente se demonstre estar maisdiretamente relacionados as bases de sustenta<;aomaterial das sociedades humanas.

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Assim como Steward identifica na cultura do-mfnios prioritarios passfveis de uma leitura adap-tativa, ele tambem seleciona no meio ambiente osaspectos que Ihe parecem mais importantes deserem levados em considerac;:ao nessa analise decausa: quantidade, qualidade e distribuic;:ao espacialdos recursos alimentares. Para ele, nem a cultura,nem 0 ambiente devem ser abordados como to-talidades em sua analise. De urn lado, deve-sepriorizar na cultura aqueles aspectos potencial mentemais responsivos (que re~p ndem) aos estfmulosambientais, e no ambient· aqueles aspectos po-tencialmente mais influ n 'iav is.

Nesse ponto, deve-~' d 'sla 'ar outra diferenc;:afundamental entre Whit, • S( 'ward. Se 0 primeirotrabalha sobre um conccilO 'Slrali rrafico de cultura,em que a base da estrali )1'lIl'iad termina a mor-fologia das camadas 111;,isSlip 'ri res (basta lembrara sua afirma<;i1od' qll' 'xisl' lima filosofia ade-quada para 'acln I ipo I, I ' '11)10 ia), Steward optaPOI' 11m '011' 'ilo Ilwlli 'oillponcncial da cultura,s 'III 'Ihanl I, ell' "1'(11 fOl'lllil, mas nao completa-n '111', 110 '011' 'ill) l)lI' 'l1'lpreguei no primeirocap lulo d '1'1' livro, 110 qual domlnios mais oumen sind 'I' '11(j 'IIi's pod 'm estar ope rando dentrode uma ullida I' 111;lior.Pani ele, esses domfniosnao precisnl1l II' 'ssarial11 nte guardar uma inte-grac;:ao fun ionell tOlal 'ntr si. Tanto assim que,para ele, 0 ef ito cI "nucleo cultural" sobre outrosaspectos da cultura 6 um problema a ser analisadode forma particular em cada caso: "6 um problema

puramente empfrico". 0 "rHideo cultural" naodetermina necessariamente os aspectos ideol6gicosou simb6licos da cultura.

A estrat6gia metodol6gica desenhada por Ste-ward permitira a Ecologia Cultural atacar umaquestao central nos estudos das sociedades huma-nas: por que algumas sociedades, nao obstanteterem seguido hist6rias particulares absolutamentedistintas, apresentam caracterfsticas muito simila-res, principalmente no tocante a estrutura e orga-nizac;:ao social? Steward esta interessado em in-vestigar se essas similaridades, que serao por elebatizadas de "regularidades interculturais", nao rep-resentam ajustes similares a ambientes tamb6msimilares (paralelismo evolutivo, se quisermos lan-c;:ar maos de um termo c nSa raclo na bioi riapara explicar fenomeno semelhant na cv 1lJ(;:~organfsmica). As etnografias por Ie 1- senvolviclas,antes e depois de sua obra seminal Theory ofCulture Change (1955), e por seus inumeros c1is-dpulos e seguidores nos Estados Unidos e emoutras partes do mundo, bem como os rigorosostrabalhos de comparac;:ao intercultural que essasetnografias permitiram, nao deixaram mais duvidasde que muitas dessas regularidades saD inequivo-camente adaptac;:6es similares.

Pode-se dizer, portanto, que com Steward 0

ambiente foi definitivamente trazido para a An-tropologia na categoria de urn dos paradigmas dacultura. Ele nao 6 mais simples mente urn panode fundo possibilista, como desejavam seus paresrelativistas. Muito menos a panac6ia a qual todo

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o fenomeno da cultura poderia ser reduzido, comodesejavam alguns deterministas dentro da Geogra-fia do infcio do seculo. 0 ambiente passa com aEcologia Cultural a ocupar urn papel epistemolo-gicamente maduro na explicac;ao da cultura, semreduzir as formas de repre entac;ao simbolica aomfsero status de epifenomeno da sustentac;ao ma-terial, mas sem roubar desta ultima a importanciaque desempenha na modelac;ao do comportamentosocial humano.

4A INTRODU<;AO DO

CONCEITO DE ECOSSISTEMANO ESTUDO DAS

SOCIEDADES HUMANAS

Apesar de, tanto os deterministas do infcio doseculo, quanto os possibilistas e os ecologistasculturais enfrentarem em maior ou menor grau aquestao da relac;ao entre meio ambiente e cultura(ou sociedade humana), 0 conceito de ecossistema,tal como propugnado pela Ecologia Biologica, sofoi trazido para a Antropologia I ica, emtoda a sua extensao e profundi lad, pis n 0-

funcionalistas representad s, acima Ie tudo, por. Andrew Vayda e seu discfpulo Roy Rappaport.

Para alguns, 0 termo "Antropologia Ecologica"so se aplica, de fato, ao pensamento materialis-ta-evolucionista nas Ciencias Sociais a partir dessemomento, ou seja, a partir do momenta em queo estudo das bases materiais de sustentac;ao dassociedades humanas (e de seus mecanismos deregulac;ao) e trazido para dentro do quadro teori-co-metodologico da Ecologia Biologica: no mo-mento em que esse estudo se define, epistemolo-gicamente, como Ecologia Humana.

Para entendermos melhor a proposta teorica dosneofuncionalistas, e preciso, primeiro, repassar al-

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gumas de suas criticas a Ecologia Cultural deSteward.

A mais contundente delas e sem duvida 0 fatode Steward ter elegido a cultura como unidadeanalltica de sua Ecologia Cultural. Mas esta criticae tao fundamental no pensamento dos neofuncio-nalistas que grande parte deste capItulo se definepor sua caracterizaqao. Vou, pOltanto, me concen-trar nas crlticas mais p ri~ ricas.

A primeira delas e que, para atingir seu objetivo,isto e, para explicar a ri m de traqos culturaisespecfficos (e sua recorr~n ia em sociedades comhist6rias muito distintas), ' l 'ward elege, tanto nacultura quanto no ambi nl , vardiveis especfficas.Na cultura, esses tray s '01'1' 'spondem aos ele-mentos do "nucleo culluml", omo ja foi definidono capItulo anterior. No IIl1lhi'nt, correspondemaos fatores significalivos I un.! adapta<;oes particu-lares (entre s quais, II <11111111iliaci a distribuiqaodos I' urs S 1I1illll'IIII1I''S SIO Os mai prevalentes).

I 'ssa I"OfillI, I od,s' diz r que a Ecologiaultllr" lib Ii 'Oil, 110III'SllI tempo, de lidar com

a "I )l/lIidlld' '1111111'01", , m a "totalidade am-bi 1I1al", Sl', 101' lIl11 In 10, a op<;ao stewardianaresolv'lI vt'irios prohl 'mas operacionais ao aban-donar i 1'111<J' IOlali lad s integradas, tanto in-tra-sistelTli 'UllI'nl " quanto inter-sistemicamente, 0

fato e qu , ao I"a:t.'l-I, leward, para os neofun-cionalista , d'ixou de atender uma de suas prin-cipais aspira<;- s: .~d explicar a origem de traqosculturais. Para A. Vayda e para R. Rappaport, a

analise stewardiana permite, no maXImo, explicara funcionalidade dos tra<;os, mas nao a sua origem.

Para Steward 0 problema da origem resolve-senas comparaqoes interculturais, 0 mecanismo peloqual e posslvel revelar 0 que denomina de "graude inevitabilidade". Para ele, quando se detectauma recorrencia da mesma inter-rela<;ao entre va-riaveis culturais e ambientais em culturas semnenhum contato hist6rico, isso revel a a inevitabi-lidade dessa associaqao e, portanto, revela situaqoesde causa e efeito. Para os neofuncionalistas, asconclusoes tiradas por Steward a partir desseraciocfnio podem ser questionadas. Primeiramente,porque ele jamais efetuou qualquer analise formalde correlaqao entre os tra<;os culturai. as adap-taqoes ambientais consid radas m suas ' mpara-qoes interculturais. Segundo, porque mesm assu-mindo que tais correla<;oes sejam reais, correlaqaonao e necessariamente sinonimo de causa. Asso-ciaqoes correlativas podem ser, simplesmente, 0

reflexo da aqao de um terceiro fator causativo.E, terceiro, mesmo assumindo uma relaqao decausa e efeito, e posslvel questionar 0 conceitode "inevitabilidade de traqos". 0 fato de se de-monstrar que urn traqo se apresenta absolutamentefuncional, e que essa funcionalidade e explicadapor sua origem (adaptativa, no caso), isso naoexplica 0 seu conteudo. Outros conteudos especf-ficos, absolutamente operacionais, poderiam tersido gerados para desempenhar a mesma funqao.Principal mente numa especie que se caracteriza

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por uma capacidade ilimitada de gerar solw;6esculturalmente. A analise stewardiana nao permite,portanto, nas palavras dos neofuncionalistas, ex-plicar 0 aparecimento de urn conteudo em detri-mento de outro qualquer para desempenhar amesma fun~ao.

A segunda critica e que Steward, nao obstanteter assumido, de princfpio, que 0 metodo daEcologia Cultural era simplesmente adicional aosdemais eixos explanatorios da Antropologia, naverdade lan~ou mao de fator s sociais e hist6ricospara explicar tra~os cull'urais so mente quando asexplana~6es geradas p r s 'U m todo nao satisfa-Zlam.

A terceira crftica e I ort! 'm metodol6gica: aoconcentrar sua analise sohI" () "nucleo cultural",Steward, aos olhos cI s II 'ol'un ionalistas, acabouincorrendo num c rto . '!ltrislll tccnol6gico. Paraos neofuncionalista.s, n: ( Sl' P( d' negar, a priori,em qualqu r alltili.s' l'll10l'r If'i 'a, uma possivelimp rtan ia a bpI Iliv I 10S fatorcs mftico-cosmo-'oni Os, '01110 nli S v lI'illS analises posterioresvi '1'11111I' 'll I1lH'111' d'IIIOlIslrar, Pessoalmente, naoon '()I In 'Olll 'sIll 1'1" -Ira 'rftica a Steward. Ele

e CClI' I )l'i '() II ) S'II I 'I" 'ir procedimento meto-dofogi '0, no Ii;" 'I' qu' a r la~ao entre 0 "nucleocultural" (,: as )ulras dim ns6es da cultura e urnproblema a .s'r inv 'sti CIcio empiricamente, emcada ca . Mai.s ainda, p rque algumas das me-Ihores analises qu cI monstraram a importanciaadaptativa de c rLos rituais foram estimuladas pelapropria Ecologia Cultural, como por exemplo a

analise feita por S. Piddocke' sobre 0 ritual doPotlatch entre os Kwakiutl do Sui dos EstadosUnidos.

Outra crftica levantada por A. Vayda e porR. Rappaport sobre a Ecologia Cultural e que aoconcentrar-se sobre a qualidade, quantidade e dis-tribui~ao de recursos alimentares, Steward tendeua minimizar a importancia de outros fatores am-bientais que pod em influenciar a cultura de urngrupo humano, como por exemplo a ocorrenciade parasitas, vetores de doen~as e ate mesmo acompeti~ao entre grupos humanos.

Nao obstante as severas crfticas efetuadas pelosneofuncionalistas sobre a Ecologia Cultural, tantoA. Vayda quanta R. Rappaport sac unanimes emafirmar a importancia seminal clas pr post as deJulian Steward. Primeiramcnt , p 10 hLO cI Ieter recuperado 0 meio ambi nle como um d sparadigmas do processo cultural, evitando ao mes-mo tempo um raciocfnio evolucionista unilinear.Segundo, mas nao menos importante, por ter in-sistido no ponto de que generaliza~6es ecol6gicasna Antropologia so poderiam ser efetuadas ap6sminucioso exame etnografico de casos particulares.E terceiro, por ter produzido ou inspirado mono-grafias de altissima qualidade, nas quais a rela~aosociedade x meio ambiente foi pela primeira vezna historia da Antropologia atacada de maneirarigorosa e sistematica. Ao faze-Io, Steward tambemrevelou a precariedade desse enfoque nas etno-grafias ate entao produzidas, fator este que tantodificultou e em alguns momentos ate mesmo im-

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pediu seu procedimento de compara~6es intercul-turais.

Mas a proposta neofuncionalista de A. Vaydae de R. Rappaport distingue-se da de Steward,antes de mais nada, pela ado~ao de uma novaunidade de analise no lugar da cultura: a popula~aolocal. Para esses autores nao existe uma EcologiaCultural, e sim uma unica Ciencia Ecol6gica, sobcuja 6tica qualquer popula~ao animal, humana ounao, deve ser analisada. Uma analise ecol6gica e,acima de tudo, uma analise de sustentabilidade,uma analise de cadeia tr6fica, na qual os fluxosde materia e energia devem ser apropriadamentequantificados: cultura como unidade de analisenao e comensuravel com essa preocupa~ao, sim-pies mente pelo fato de que a cultura nao e ali-mentada pela preda~ao, nem limitada pOI' recurs osalimentares, e muito menos debilitada pOI'doen~asou parasitismo. Esses sao parametros intrfnsecosas popula~6es humanas, mas nao a cultura. Deum ponto de vista ecol6gico formal, cultura e,~impl sl11"n( lima I ropricdade do objeto de analise(no us, a populi! ii, humana). Steward haviaalr;ado UI1Ii1propri 'dadc a situa~ao de unidadeanalfti a na r 'd' "coI6gica.

Para S IPofnl1cionalistas a analise ecol6gicanao podc C rir a ontologia pr6pria da cultura.,Dessa forma, cia deve ser mantida na analisecomo uma pr priedade ontologicamente inde-pendente do processo adaptativo, mas que, emcertos cas os, e chamada a resolver problemas

adaptativos. Em outras palavras, as popula~6eshumanas, alem dos instrumentos de que as demaispopula~6es animais disp6em, para viabilizar suaexistencia organica, de um elemento a mais: acultura. Ela deve, portanto, entrar da matriz deanalise como uma propriedade da popula~ao emestudo. Implicar a cultura na analise das rela~6esambientais e bem diferente de reduzi-la a epife-nomeno do processo adaptativo. E este e urn pontofundamental na postura dos neofuncionalistas.

Ao eleger a popula~ao humana local comounidade de analise, A. Vayda e R. Rappaportestabelecem, tambem, a base necessaria para acompreensao do processo adaptativo humano, na-quilo que representa a unidacle mais inclusiva daanalise ecol6gica: 0 ecossi tema,

Neste ponto tenho que revisar rapiclamente 0

conceito e as principais propriedades do ecossis-terTIa, pelo menos tais como eram assumidas aepoca da proposta original dos neofuncionalistas.

De acorclo com Roy Rappaport, "ecossistemae uma por9ao clemarcacla cia biosfera que incluiorganismos vivos e substancias nao-vivas que in-teragem para produzir uma troca sistematica demateriais entre os componentes bi6ticos e com oselementos abi6ticos". A defini9ao de ecossistemaadotada pelos neofuncionalistas e, portanto, abso-lutamente analogas as defini96es classicas dessauniclacle funcional enunciadas pelos ec610gos maisproeminentes. A titulo de exemplo, vamos exa-

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minar a definic,;ao dada pOl' Eugene P. Odum, umdos mais influentes ecologos, em seu Principlesof Ecology: "Chamamos de sistema ecologico ouecossistema qualquer unidade (biosistema) queabranja todos os organismos que funcionam emconjunto (a comunidade biotica) numa dada area,interagindo com 0 ambiente ffsico de tal formaque um fluxo de energia produza estruturas bioticasclaramente definidas e uma ciclagem de materiaisentre as partes vivas e naa-vivas". Os ecossistemassao formados pOI' unidades cada vez menos in-clusivas: as comunidad s, as populac,;6es e osindivfduos.

Para os ecologos classi os, fonte na qual ?e-beram diretamente A. Vayd;J ' R. Rappaport, 0

ecossistema tem propri· d;l(I's ~mergentes holfsti-cas. Ou seja, 0 sistema "(1), i '0 tem propriedadesque nao SaD simpl sm 'III' ;1 S matoria das pro-priedades d' s us 'ollstiluinl's. Entre elas, tresp dem s r I'SI:1 'adlls: I. In I I ndentemente das'SP' 'i 'S till' 0 'ulistillli, urn ecossistema temara '1'1' sti 'II,S 'sll'1lll1rllis ·f 'Iicas, no que se refere

a f1l1xo d' Ililil 'riol, ' piramidal, no que se referea prodlltividlld .• I"d' IrMica e regulac,;ao das po-PUhl9 's qu . 0 'onslilu 'm; 2. 0 ecossistema apre-senta propri -d,l(I's <Il1lo-reguladoras e; 3. Ele tendea um st'llo I "'Irmax", no qual 0 sistema comoum todo I' qu'r um mcnor fluxo de energia pOI'unidade de bi massa em pe para se sustentar, masno qual a pro luti vidade pOI' unidade de areaaumenta. Nesse estado, as vias de material e

energia proliferam, assim como os mecanismosreguladores. Pode-se dizer que 0 "clfmax" e 0

grau maximo de desenvolvimento de urn ecossis-tema, no qual a relac,;aoentre produc,;ao e respirac,;aoda bjomassa se equilibra.

A segunda propriedade dos ecossistemas, ouseja, sua capacidade de auto-regulac,;ao e centralno pensamento dos neofuncionalistas. Para os eco-logos, os fluxos dentro do ecossistema nao serestringem aos de materia e energia: ha tambemurn fluxo de informac,;ao, e este desempenha 0

papel de regulador. Portanto, 0 ecossistema e urnsistema cibernetico, auto-regulado pela informac,;ao,mas que ele mesmo produz. Nesse contexto, osmecanismos de retroalimentac,;ao ne ativa SaD es-senciais: parte da energia procluzida pclos cos-sistemas volta a ele como infonnac,;aa e sua ca-pacidade reguladora e assombrosa, se considerar-mos 0 pequeno delta energetico envolvido nagerac,;ao da informac,;ao. Sao os mecanismos de

feedback (ou retroalimentac,;ao) negativo que pro-porcionam ao ecossistema seu estado de equilIbriohomeostatico.

o trabalho central dos neofuncionalistas sera 0

de demonstrar como as populac,;6es humanas decac,;adores-coletores e de horticultura incipientemantem uma relac,;ao homeostatica com 0 meio.Dito de uma outra maneira, eles vao se debruc,;arsobre a questao de como os humanos desenvol-veram mecanismos de regulac,;ao homeostatic a quepermitiram aos grupos humanos locais manterem-se

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abaixo ou, no maXimo, no limite da capacidadede suporte dos ecossistemas nos quais estao in-seridos. A. Vayda e R. Rappaport abdicam deexplicar a origem de trac;os culturais, ja queassumem que a cultura tern uma ontologia propria.Mas darao grande enfase a funcionabilidade detrac;os culturais como mecanismos de feedbacknegativo; de como construtos culturais podem vira desempenhar urn papel de informador nos ecos-sistemas antropocentrico . Diferentemerite de Ste-ward, os neofuncionalistas abandonam a suprema-cia do "nucleo cultural" n ssa analise material,ate mesmo porque, nas suus tnografias, percebe-ram a grande importanciil d sempenhada pelosmitos e ritos nesse ist I11Hd' regulac;ao.

o exemplo mais nlllll("",1 cia analise neo-funcionalista, centracla no '(,11 IiIfbrio auto-regulado,em ecossistemas anl'rnl)(1' 'nlri os e a pesquisaefetuacla pOl'R y RappllpOl'j '1IIrcos Maring Tsem-baga, cia Nova JUill, pllhli acla em 1968 sob 0Iftul d PiJ(s lor IIII' /\11(;7,I'tors. Ritual in theUGolo)!, I (!!' (/ NI'H ;/1;1/(1(1 f 7ople. 0 trabalho cleR. R:lpptlpOI'j 'IIII" W, Tscmbaga e nao so 0

excl11lI 11itriS'I:thorudo tla analise neofuncionalistana Antropolo liil I~'01 ) 'i a ate hoje, mas tambemo pr6prio 111:11' () cJ'ssa scola. Tudo 0 que se fezem AntI' I 10 ia tcol gica apos 1968 refere-seclireta ou inclil''tam nte aos paradigmas assumidosem Pigs for th An. ·estors. Em sua pesquisa, R.Rappaport dem nstra como a matanc;a ritual deporcos em massa nas altas terras da Nova Guine,

denominada de Kaiko, funciona para manter urnbalanc;o de longo prazo entre as populac;6es hu-manas implicadas, as roc;as e a fauna das quaisos Tsembaga retiram 0 seu sustento. Em linhasgerais, 0 interesse do autor e apresentar 0 papeldo ritual na harmonizac;ao dos processos ecologicoslocal e regional, harmonizac;ao esta que passa porfatores como tamanho dos rebanhos de porcos,freqiiencia de guerras, acesso a terras cultivaveis,manutenc;ao de alianc;as entre clas e circulac;ao depessoas e bens. Rappaport demonstra de formacircunstanciada como 0 cicio ritual da matanc;ados porcos funciona tanto como regulaclor dasrelac;6es entre as populac;6es locais e a capacidaclede sustento do ecossistema no qual est10 ins riclas,quanto como vefculo cle informaya IU m cliaas relac;6es entre as cliversas populac;6es Marin .

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5A QUEDA DO CONCEITO DEEQUILIBRIO HOMEOSTATICO

Para entendermos 0 terceiro estigio da Antro-pologia Ecol6gica, denominado alias de formainapropriada a meu ver, por B. Orlove de "An-tropologia Ecol6gica Processual", objeto do pr6-ximo capftulo, e absolutamente necessario revisar,ainda que rapidamente, as crfticas que foram le-vantadas a partir do infcio da decada de 70 aproposta ecossistemica dos neofuncionalistas.

Grande parte dessas crfticas resultaram da re-visao que 0 conceito de e ssist'ma, assim . mde suas supostas prOI ricdacl s '111 'r ' 'nl 'S, 'stavasofrendo na Biologia.

Quatro grandes crfticas foram levanta las atrabalho dos neofuncionalistas. A primeira delase a visao centrada no equilibrio. Isto e, os neo-funcionalistas concentraram-se exclusivamente so-bre a descoberta e a elucidac;ao de processos emecanismos auto-reguladores, homeostaticos ou deretroalimentac;iio negativa atraves dos quais 0 ba-lanc;o entre populac;6es humanas e seus ambientese mantido, e consequentemente ignoraram mudan-c;as nao homeostaticas, disrupc;iio de sistemas erelac;6es nao balanceadas entre pessoas e meioambiente.

A segunda grande crftica e que a pesquisaneofuncionalista nao explica 0 co'nteudo especffico

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Com referencia a obsessao caloric a, os propriosneofuncionalistas admitiram mais tarde que inves-tigar a existencia de mecanismos reguladores emsociedades humanas diretamente ligados a obten<;aode energia do ecossistema so e pertinente ondeenergia e, de fato, urn fator limitante para apopula<;ao em estudo, e nao aprioristicamente de-finido como tal. Em alguns ambientes, energia eurn fator limitante; ja em outros, elementos comoagua, materia prima, vetores de doen<;asobrep6em-seao fator energetico e, se mecanismos reguladoresforam elaborados social mente, eles devem ter sidoem resposta aos problemas reais enfrentados pelapopula<;ao. Nesse sentido, os neofllnci nalistas ad-mitem que estavam, realment, I vando a qll st50da energia a categoria d fat r limitant univ rsal.

As crftica sobre a vi ·50 centrada n 'qllilfbrioe a defini<;50 de unidades de analise sac mllitomais complexas, ate porque as mesmas quest6esestao sendo, contemporaneamente, atacadas naEcologia Biologica e na Biologia Evolutiva.

a inicio da decada de 70 e marcado na EcologiaBiologica por pesadas crfticas levantadas por PaulColinvaux e por S. Slobodkin ao conceito deecossistemas como unidades biologicas com pro-priedades emergentes, de tal forma que ja .nametade daquela decada poucos ecologos na BIO-logia continuaram sustentando a proposta dos clas-sicos adum e Margalef de que 0 ecossistema euma unidade cibernetica, auto-regulada por meca-nismos de feedback negativo. A "velha ecologia",

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das institui<;6es que envolvem na sua analise deregula<;ao. a fato de demonstrarem a funcionali-dade de tra<;os como rituais e guerras nao explicapor que esses tra<;os e nao outros foram geradosnllma situa<;ao particular.

A terceira tern sido referida na literatura como"obsessao calorica" ou "reducionismo nutricional":os neofuncionalistas conceritraram sua investiga<;aode forma obsessiva sobre produ<;ao e consumo deenergia alimentar, alias uma crftica que haviamfeito a Julian Steward.

A quarta crftica refere-se a forma pela qual aunidade analftica dos neofuncionalistas era defi-nida. De acordo com varios antropologos, taisunidades eram, na maioria das vezes, mal esco-lhidas ou mal definidas.

Vou me concentrar, de forma mais detida, naprimeira e na ultima dessas crfticas, ja que ambasatacam diretamente problemas centrais nas assun-<;- s ecossistemicas de A. Vayda e de R. Rappaport.

Nus' r r r a s unda critica, a respostacI s 11'( fun iOllalistas 'muit simples: explicar aori 111 <.J. Ira s ulilirais specfficos, ou emoutra' pabvrlls, dar nta do conteudo especfficodas institlli .- 'S qu 'nv Iveram na sua analise deauto-reguh<;5 dos e ossistemas antropocentricos,nunca fez parte de suas agendas. Ate porque,conforme ja discuti no capftulo anterior, para essese absolutamente prioritario que a analise ecologicapreserve a ontologia propria da cultura.

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baseada na ordem e na regularidade auto-regulada,vai aos poucos sendosubstitufda por uma "novaecologia", que esui preocupada nao somente emdescobrir desordem, disturbio e casualidade, massubstituir 0 conceito de ordem por eles.

Para a nova Ecologia 0 sistema ecol6gico naotem propriedades holfsticas emergentes: tudo 0que se observa nele e simples mente a somat6riadas propriedades de suas partes constituintes. PaulColinvaux e drastico a esse respeito: "em nenhumlugar podemos encontrar ecossistemas discretos emuito menos ecossistemas com as propriedadesauto-reguladoras implicadas no conceito de socie-dade c1imaxica". De tal forma que ecossistemapassa a ser visto a partir de 1975 apenas comounidade analftica, ficando seu status de unidadebiol6gica funcional remdido a comprova~oes em-pfricas que, salvo engano de minha parte, ate 0

momenta os ec610gos de sistemas nao foram ca-pazes cle produzir.

Ull1a Ias assun<;:os b~~icas ao conceito dessiSl'ma orno uni Iacle que se legitimava em

propri da l's '111'1' nics pr6prias, ainda que nemsempr os 610 'os tcnham consciencia disso, eraa ideia cI ,sl;1 '«aO cle grupo. Estudos te6ricos eobservacionais clesenvolviclos no infcio da decadade 70 viriam, tambem, enterrar esse conceito naBiologia Evolutiva, de tal forma que ja nos meadosdaquela decada a unidade de sele~ao na Biologiavoltou a ser exclusivamente 0 indivfduo ou, no

maximo, urn grupo de indivfduos extremamenteaparentados (sele~ao de parentesco ou kin selection,conceito esse que deu mais tarde sustenta~aote6rica a Sociobiologia).

Ao mesmo tempo em que a Biologia estavoltando a sua aten~ao ao indivfduo como unidadeanalftica, ja que e sobre ele que a sele~ao naturalage, urn processo semelhante esta ocorrendo nasCiencias Sociais, ainda que por razoes distintas.Se ate aquele momento as analises antropol6gicashaviam se concentrado exclusivamente sobre 0comportamento coletivo, sobre conven~oes corpo-radas normativas, alguns antrop610gos passam areivindicar a reintrodu~ao clo h 111111 orno incli-vfduo nos estuclos das sa i ,dad's hlllllanus. AAntropologia sera inundacla a parlir ail a 'udll d'70 pOI' uma sucessao cle novas t 'nnos - prrtli ':1,praxis, a~ao, experiencia, performance, ag 'III " ;1101',

pessoa, indivfduo, sujeito -, culminanclo naquila que muitos se referem, hoje, como "teoria ciapratica".

Desta forma, os neofuncionalistas aSSUl11emque,refletindo uma deficiencia geral na AntropologiaCultural e Social, suas primeiras analises ecol6gicasnao deram aten~ao suficiente as razoes que mo-tivam as a~oes individuais, a~oes essas que, agre-gadas, constituem eventos grupais; e que naoprestaram muita aten~ao na variabilidade eompor-tamental individual, nas diferen~as individuaisquanto a compreensao do mundo circunjacente,nos indivfduos como unidade adaptativa, ou mesmo

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aos conflitos entre os atores individuais e osgrupos dos quais fazem parte.

Solapado 0 conceito de ecossistema como un i-dade funcional na Ecologia Biol6gica, enterradoo conceito de seleqao de grupo na Biologia Evo-lutiva e restaurado 0 papel do indivfduo, tantonela quanto nas Ciencias Sociais, 0 neofunciona-lismo caiu vftima de suas premissas mais basicas:I. a que as populaqoes humanas de pequena escalatendem a viver em equillbrio homeostatico coma capacidade de suporte do ecossistema, implicandoesse equilfbrio na formulaqao de mecanismos re-guladores intrincados e que se remetem em muitoscasos· a elementos do universo mftico-cosmogonicoe; 2. a que a populacrao local se legitimiza comounidade analftica, tanto por sua comensurabilidadediante de outros parametros ecossistemicos, quantopor seu carater comportamental corporativo.