19 responsabilidade civil por abandono afetivo 3 … · posicionamentos dos tribunais pátrios...

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193 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO PATERNO FILIAL Mônica Santos de Souza Campos 1 Cristiane Afonso Soares Silva 2 Alda da Silva Barreiros 3 RESUMO: O presente trabalho tem por escopo desenvolver uma análise sobre a possibilidade de responsabilização civil do pai pelo abandono afetivo do próprio filho. Para tanto, inicialmente, apresenta-se uma breve estudo sobre a responsabilidade civil, especialmente no que se refere aos elementos gerais necessários para a sua configuração, quais sejam a conduta humana (positiva ou negativa), o dano (material e moral) e o nexo de causalidade. Também é apresentado um estudo acerca da evolução social da família no ordenamento jurídico pátrio, bem como dos princípios que a regem, todos relacionados ao princípio maior, que é o princípio da dignidade da pessoa humana. Posteriormente, apresenta-se os principais posicionamentos dos tribunais pátrios sobre a responsabilização civil pelo dano causado em razão da falta de afetividade, possibilitando, assim, verificar qual medida deve ser adotada no caso concreto. PALAVRAS-CHAVE: Abandono afetivo, Relação paterno filial, Responsabilidade Civil. ABSTRACT: The present work, has as scope develop an analysis about the possibility of civil liability of the father for emotional abandonment of his own son. For both, initially, presents a brief study on the liability, especially in relation to general elements required for its configuration, what are the human conduct (positive or negative), 1 Acadêmica do Curso de Direito do IESI/FENORD, graduada em 2013. 2 Mestranda em Gestão Integrada de Território (UNIVALE), especialista em Ciências Jurídicas, professora de Direito Civil do IESI/FENORD. 3 Especialista em Direito Civil, professora de Direito Civil do IESI/FENORD.

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RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO

PATERNO – FILIAL

Mônica Santos de Souza Campos1

Cristiane Afonso Soares Silva2

Alda da Silva Barreiros3

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo desenvolver uma

análise sobre a possibilidade de responsabilização civil do pai pelo

abandono afetivo do próprio filho. Para tanto, inicialmente,

apresenta-se uma breve estudo sobre a responsabilidade civil,

especialmente no que se refere aos elementos gerais necessários para

a sua configuração, quais sejam a conduta humana (positiva ou

negativa), o dano (material e moral) e o nexo de causalidade.

Também é apresentado um estudo acerca da evolução social da

família no ordenamento jurídico pátrio, bem como dos princípios que

a regem, todos relacionados ao princípio maior, que é o princípio da

dignidade da pessoa humana. Posteriormente, apresenta-se os

principais posicionamentos dos tribunais pátrios sobre a

responsabilização civil pelo dano causado em razão da falta de

afetividade, possibilitando, assim, verificar qual medida deve ser

adotada no caso concreto.

PALAVRAS-CHAVE:

Abandono afetivo, Relação paterno filial, Responsabilidade Civil.

ABSTRACT: The present work, has as scope develop an analysis

about the possibility of civil liability of the father for emotional

abandonment of his own son. For both, initially, presents a brief study

on the liability, especially in relation to general elements required for

its configuration, what are the human conduct (positive or negative),

1 Acadêmica do Curso de Direito do IESI/FENORD, graduada em 2013. 2 Mestranda em Gestão Integrada de Território (UNIVALE), especialista em

Ciências Jurídicas, professora de Direito Civil do IESI/FENORD. 3 Especialista em Direito Civil, professora de Direito Civil do IESI/FENORD.

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the damage (material and moral) and the causal link. Also is presented

a study about the social evolution of the family in the paternal legal

order, as well as the principles that govern, all related to higher

principle, which is the principle of human dignity. After, presents the

main positions of paternal courts about civil liability for damage caused

due to lack of affectionateness, enabling, like this, find what measure

should be adopted in concrete case.

KEYWORDS:

Emotional abandonment, Paternal relationship filial, Civil Liability.

1 INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos até os dias atuais, o instituto da

família passou por uma grande evolução social, tendo se

transformado, hoje, no verdadeiro sustentáculo da sociedade, razão

pela qual goza de especial proteção do Estado. É na família que a

pessoa se estrutura ser humano, realiza seus anseios e desenvolve sua

personalidade.

Da família, decorrem as relações familiares, que devem ser

fundadas no afeto, no respeito, na atenção, no companheirismo, no

amor entre seus membros, a fim de concretizar o princípio maior do

ordenamento jurídico pátrio: a dignidade da pessoa humana. Assim

deve ser a relação entre pais e filhos.

Todavia, a sociedade atual, muitas vezes, não permite que tais

relações sejam, de fato, harmoniosas como se deseja. A vida

cotidiana, infelizmente, está marcada pelo aumento, cada vez maior,

no número de separações entre casais, cujas maiores vítimas,

indiscutivelmente, são os filhos, que se veem furtados do sentimento

de afeto, essencial para o desenvolvimento dos mesmos.

Em razão dessa carência de afeto e atenção, verifica-se é

crescente o número de ações judiciais demandando a

responsabilização civil dos pais.

É exatamente esta questão que o presente trabalho

monográfico tem por escopo analisar. Ora, é possível que o Poder

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Judiciário responsabilize civilmente um pai por ter abandonado

afetivamente o próprio filho.

Para tanto, inicialmente, buscar-se-á fazer uma breve análise

sobre a responsabilidade civil. Em seguida, será feito um estudo

sobre a evolução social da família no ordenamento jurídico pátrio,

bem como dos princípios que a regem.

Posteriormente, buscar-se-á expor os principais

posicionamentos dos tribunais pátrios sobre a responsabilização civil

pelo dano causado em razão da falta de afetividade, possibilitando,

assim, verificar qual medida deve ser adotada no caso concreto.

2 BREVE ESTUDO ACERCA DA RESPONSABILIDADE

CIVIL

Antes de adentrarmos na discussão do problema que envolve o

tema do presente trabalho, qual seja a possibilidade de o Poder

Judiciário equilibrar a relação entre pais e filhos, através da sua

quantificação pecuniária, e, concomitantemente, responsabilizar os

faltosos em relação aos deveres afetivos inerentes à paternidade,

buscar-se-á fazer, inicialmente, um breve estudo acerca da

responsabilidade civil.

Para que se estabeleça a vida em sociedade, o ordenamento

jurídico pátrio impõe regras e obrigações a todos e, caso sejam

violadas configuram o ilícito e, consequentemente, ensejam a

responsabilização do agente infrator, ou seja, o dever jurídico de

reparar, caso haja dano ou prejuízo à vítima (BRAGA, 2011, p. 35).

Sobre a responsabilidade civil, a nobre jurista Diniz (2011,

p. 51) explica que a mesma pode ser entendida como a imposição de

medidas que “obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou

patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma

praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a

ela pertencente ou de simples imposição legal”.

Como se vê, a responsabilidade civil tem por escopo restaurar

o equilíbrio patrimonial e moral da pessoa lesada, uma vez que o

dano que não é devidamente reparado torna-se um fator de extrema

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inquietação social (FIGUEIRA, 2012, p. 23). Assim, cabe ao lesado

escolher entre pleitear ou não a reparação do dano sofrido.

A responsabilidade civil pode ser contratual ou

extracontratual. A primeira está prevista nos arts. 389 e seguintes do

Código Civil e decorre do inadimplemento de uma obrigação

contratual. Em geral, o descumprimento involuntário de um dever, ou

seja, sem culpa do devedor, não enseja a responsabilidade civil (ex.:

caso fortuito ou força maior). Por outro lado, a responsabilidade

extracontratual está prevista nos arts. 186, 927 e seguintes do Código

Civil e deriva de ação ou omissão do agente ofensor que deu origem

ao dano sofrido pela vítima (ÂNGELO, 2008, p. 5).

É exatamente esta última modalidade de responsabilidade

civil, a extracontratual, mais especificadamente a responsabilidade

subjetiva, que será analisada no decorrer deste trabalho.

3 ELEMENTOS OU PRESSUPOSTOS GERAIS DA

RESPONSABILIDADE CIVIL

Na esfera cível, qualquer ação ou omissão voluntária,

negligente ou imprudente praticada por uma pessoa é capaz de gerar

a sua responsabilidade civil, desde que viole direito e cause prejuízo

a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficando,

consequentemente, obrigada a repará-lo. Esta regra, universalmente

aceita, pode ser claramente extraída do art. 1864 do atual Código

Civil.

A simples análise do mencionado dispositivo permite

vislumbrar a existência de alguns elementos ou pressupostos gerais

para a configuração da responsabilidade civil. São eles: a conduta

humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo experimentado

pela vítima e a nexo de causalidade entre a conduta do agente e o

dano.

4 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato

ilícito.

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Alguns doutrinadores, além dos elementos acima

mencionados, elencam também a culpa. Todavia, corrobora-se com

o posicionamento de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 70), para

os quais a culpa, em sentido lato (abrangente do dolo), não

corresponde a um dos pressupostos gerais da responsabilidade civil,

mormente no atual Código, posto existir a responsabilidade objetiva5

que, diversamente da responsabilidade subjetiva6, baseia-se na

Teoria do Risco e não carece desse elemento subjetivo para a sua

configuração.

Sendo assim, passaremos para a análise de cada um dos

pressupostos gerais da responsabilidade civil, levando-se em

consideração essa forma tripartida.

3.1 Ação ou omissão do agente

Apenas a pessoa humana, por si ou por intermédio das pessoas

jurídicas que constitui, pode ser civilmente responsabilizada pelo

dano ou prejuízo causado a outrem. Destarte, pode-se dizer que a

ação ou omissão humana voluntária, como elemento da

responsabilidade civil, nada mais é do que “a conduta humana,

positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que

5 A responsabilidade civil objetiva, fundamentada no parágrafo único do artigo

927 do Código Civil, nada mais é do que a responsabilidade independente da

configuração da culpa. Fundamenta-se na ideia de que a pessoa que cria o

risco deve suportar os prejuízos que advêm com a conduta praticada. Esta

espécie de responsabilidade é uma exceção em nosso ordenamento, visto que só

é aplicada em casos em que o legislador considere a responsabilidade subjetiva

insuficiente para a garantia da proteção dos direitos das vitimas (FIGUEIRA, 2012,

p. 24).

6 A responsabilidade subjetiva é aquela que se fundamenta exclusivamente na culpa

do agente. Em outras palavras, para que haja o dever de reparar será necessária a

comprovação da culpa. É requisito que haja na conduta do ofensor um dano, um nexo

de causalidade entre a conduta e o dano e que seja comprovada a culpa. A

responsabilidade subjetiva consiste na regra geral do Código Civil, observada através

dos artigos 186 e 927 (FIGUEIRA, 2012, p. 24).

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desemboca no dano ou prejuízo” (GAGLIANO; PAMPLONA

FILHO, 2012, p. 73).

No mesmo sentido, Diniz (2011, p. 56) ensina que:

A ação vem a ser o ato humano, comissivo ou

omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente

imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato

de animal ou coisa inanimada, que cause dano a

outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do

lesado.

Esclarecendo e ilustrando as palavras da ilustre doutrinadora,

Gonçalves (2008, p. 35) explica que:

O Código prevê a responsabilidade por ato próprio,

dentre outros, nos casos de calúnia, difamação e

injúria; de demanda de pagamento de dívida não

vencida ou já paga; de abuso de direito.

A responsabilidade por ato de terceiro ocorre nos

casos de danos causados pelos filhos, tutelados e

curatelados, ficando responsáveis pela reparação os

pais, tutores e curadores. Também o empregador

responde pelos atos de seus empregados. (...)

A responsabilidade por danos causados por animais e

coisas que estejam sob a guarda do agente é, em regra,

objetiva: independe de prova de culpa.

Isto se deve ao aumento do número de acidentes e

de vítimas, que não devem ficar irressarcidas,

decorrente do grande desenvolvimento da indústria de

máquinas.

Analisando todas estas circunstâncias em que há a

possibilidade de ocorrência de um dano ou prejuízo, a noção de

conduta humana permite-nos afirmar que a mesma pode ser

classificada em positiva ou negativa.

A primeira consiste na prática voluntária de um

comportamento ativo do agente, a exemplo do dano causado por

alguém que, embriagado, lança seu veículo contra o muro do vizinho

(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 74). Já a conduta

omissiva ou negativa voluntária, consiste na inobservância de um

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dever jurídico de praticar determinado ato, em decorrência da qual

ocorra um dano. Tal dever jurídico pode derivar de lei, convenção

ou, até mesmo, da criação de uma situação de perigo (ÂNGELO,

2008, p. 8). Como exemplo, pode-se citar o caso da enfermeira que,

violando as regras da profissão e o contrato de prestação de

serviços celebrado, deixa de ministrar medicamentos ao patrão, por

dolo ou desídia.

Do exposto, resta claro que o núcleo fundamental da conduta

humana caracterizadora da responsabilidade civil é o elemento

volitivo, que representa exatamente a liberdade de escolha do agente

imputável, que tem o discernimento necessário para ter consciência

daquilo que faz. Logo, aquele que, voluntariamente, causa dano ou

prejuízo a outrem, fica obrigado a por ele se responsabilizar

financeiramente, devendo indenizar a vítima (FIGUEIRA, 2012,

p. 26).

Ressalte-se, porém, que essa voluntariedade não está

relacionada com a intenção do agente de causar o dano. Este é um

elemento definidor do dolo. Na verdade, ela pressupõe a consciência

daquilo que se está fazendo, isto é, “dos atos materiais que se está

praticando, não se exigindo, necessariamente, a consciência subjetiva

da ilicitude do ato” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p.

74).

3.2 Dano

A obrigação de indenizar decorre, concomitantemente, da

violação de um direito e da existência de um dano. Nessa direção, é

forçoso esclarecer que alguns autores distinguem as expressões

“ressarcimento”, “reparação” e “indenização”. O ressarcimento é o

pagamento do prejuízo de ordem material sofrido pela vítima,

incluindo-se o dano emergente e os lucros cessantes, o principal e

os acréscimos que lhe sobreviriam com o decorre do tempo e com o

emprego da coisa. A reparação é a compensação pelo dano moral, a

fim de minimizar a dor da vítima. E, por fim, a indenização é a

compensação do dano causado ao particular em razão de ato lícito

praticado pelo Estado. A Carta Magna de 1988, contudo, adotou a

200

indenização como gênero, do qual o ressarcimento e a reparação são

espécies, ao assegurar, no art. 5º, V7 e X8, a indenização por dano

material e moral (GONÇALVES, 2008, p. 339-340).

Indenizar, portanto, como explica Gonçalves (2008, p. 338),

significa “reparar o dano causado à vítima, integralmente. Se

possível, restaurando o status quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado

em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito”. No entanto,

sabendo-se que na maioria dos casos tal restauração é impraticável,

busca-se compensar a vítima através de uma indenização monetária.

Com relação a esse dever de indenizar, Gonçalves (2008, p.

339) explica que, para que um dano seja indenizável, é

imprescindível que o mesmo seja “atual” e “certo”, isto é, deve

preencher os requisitos de certeza e atualidade. Deste modo, atual é

o dano que preexiste à ação de responsabilidade proposta pela vítima;

e, certo é aquele que se origina de um fato preciso e não meramente

de uma hipótese. Assim, logicamente, um dano futuro não justifica

uma ação de indenização. Esta regra, porém, como destaca o próprio

Gonçalves (2008, p. 339), não é absoluta, pois é possível, por

exemplo, o ajuizamento de uma ação de perdas e danos por um

prejuízo futuro quando este é o resultado de um “dano presente e que

os tribunais tenham elementos de apreciação para avaliar o prejuízo

futuro” (RT, 612/44).

3.3 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade, que consiste na relação de causa e

efeito entre a conduta lesiva e o dano ou prejuízo produzido.

Sem essa relação, não há obrigação de indenizar e, justamente, por

possuir essa qualidade, revela-se como o elemento de mais difícil

aferição.

7 é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização

por dano material, moral ou à imagem (BRASIL, 1988).

8 são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação (BRASIL, 1988).

201

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A verificação desse vínculo de causal, todavia, nem sempre é

fácil, dadas as dificuldades que podem surgir quanto à verdadeira

causa do dano, notadamente quando surgem concausas9, sucessivas

ou simultâneas. Nestas, há um só dano, gerado por mais de uma

causa. Neste caso, se a responsabilidade é extracontratual, a mesma

será solidária (CC, art. 942, parágrafo único) (GONÇALVES, 2008,

p. 331).

Para tentar explicar esta problemática, três são as principais

teorias formuladas: a da equivalência das condições, a da

causalidade adequada e a que

exige que o dano seja consequência imediata do fato que o produziu.

Para a teoria da equivalência das condições, toda circunstância

que haja convergido para a produção do dano é vista como causa. A

sua equivalência deriva do fato de que, suprimida uma delas, o

dano não se configuraria. Esta teoria, todavia, não é muito aceita,

pois pode conduzir a resultados absurdos, como a possibilidade de

estender a responsabilidade pela prática de um homicídio ao

fabricante da arma empregada (GONÇALVES, 2008, p. 331-332).

Já a teoria da causalidade adequada somente considera como

verdadeira causa do dano a circunstância que, por si só, é apta a

produzi-lo. Assim, a causa será adequada na medida em que existir

uma relação de causa e efeito. Por outro lado, se o dano for causado

acidentalmente, diz-se que a causa não era adequada (GONÇALVES,

2008, p. 332) e, portanto, não haverá a responsabilização civil.

A última teoria reflete um equilíbrio entre as primeiras; é

mais razoável, pois exige que, entre a conduta e o dano, haja uma

relação de causa e efeito direta e imediata. Logo, é indenizável o

dano que se vincula a uma causa necessária, não existindo outra

capaz de explicar o mesmo dano (GONÇALVES, 2008, p. 332).

Enfim, esta é a teoria adotada pelo atual Código Civil

brasileiro, conforme se verifica do art. 403, que assim dispõe: “Ainda

que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só

9 Concausa: com.cau.sa. sf (com+causa) 1 p us Causa que concorre com outra para

a produção do seu efeito. 2 Pessoa que com outra concorre para um fim

(DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS ONLINE MICHAELIS, 2009).

202

incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela

direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

4 RESPONSABILIDADE POR ABANDONO AFETIVO

PATERNO-FILIAL

A responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família

sempre foi vista com bastante cautela pela comunidade jurídica. A

aplicação dos princípios atinentes à reparação civil, nesta seara, já

foi, e ainda é, muito questionada.

No entanto, acredita Ângelo (2008, p. 21) que não prevalecem

motivos para impedir a aplicação da responsabilidade civil nas

relações familiares, seja em relação ao plano material ou imaterial.

Na verdade, seria um equívoco considerar que a entidade familiar

está imune aos princípios da reparação civil.

A família evoluiu ao longo do tempo, adquirindo relevância

como meio de realização e apoio de seus membros, razão pela qual

carece de especial proteção por parte do Estado. Em face desta

necessidade, não restam dúvidas de que a aplicação da

responsabilidade civil representa em uma das formas mais eficazes

de conceder essa proteção. Proteger a família, como bem coloca

Ângelo (2008, p. 21), “consiste em defender a própria dignidade da

pessoa humana”.

Dentro do tema responsabilidade civil, verificou-se que, para

que seja possível a sua configuração no ordenamento jurídico pátrio,

é imprescindível a reunião de três elementos gerais básicos, quais

sejam a conduta humana, comissiva ou omissiva, o dano e o nexo de

causalidade.

Neste contexto, tem sido cada vez mais crescente o número de

ações judiciais demandando a reparação civil dos pais pelo dano

provocado aos próprios filhos em decorrência do abandono afetivo

dos mesmos, sob o argumento de tê-los causado diversos transtornos

e abalos na esfera subjetiva, íntima e moral.

Por tratar de relações familiares, nas quais o afeto é a base, o

abandono afetivo tem causado muitas polêmicas, sobretudo, no que

se refere à possibilidade ou não de valorização do sentimento

203

203

paterno-filial. Por isso, é imperioso apresentar o posicionamento de

alguns juristas brasileiros, que analisam a matéria no caso concreto.

Antes, deve-se entender qual é função da reparação no dano por

abandono afetivo.

4.1 Decisões judiciais acerca da responsabilidade civil

Na jurisprudência pátria, a primeira decisão sobre o abandono

afetivo foi proferida, em 2003, na Comarca de Capão da Canoa, no

Rio Grande do Sul, pelo juiz Mário Romano Maggioni, que

condenou o pai a pagar à filha uma indenização no valor de R$ 48

mil reais, por danos morais, pelo fato de ter descumprido os deveres

de visita acordados judicialmente (VIEIRA, 2009, p. 53). É a ementa:

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.

Apelação Cível nº 141/1030012032-0.

INDENIZAÇÃO DANO MORAIS – RELAÇÃO

PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE

DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA

AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude

do abandono paterno, que o privou do direito à

convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico,

deve ser indenizável, co fulcro no princípio da

dignidade da pessoa humana. (Comarca de Capão da

Canoa. Apelante: A. B. F. Apelado: V. P. S. O

Representado pela mãe P. D. S. Relator: Mário

Romano Maggioni, 01 abr. 2004. Data de Publicação:

10/04/2004).

Souza (2009, p. 46) destaca que, ao fundamentar sua decisão,

o magistrado considerou que:

A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação

ao filho recém- nascido, ou em desenvolvimento,

violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar

para os jovens drogados e ver-se-á que a grande parte

deles derivam de pais que não lhe dedicam amor e

carinho; assim também em relação aos criminosos

(MELO, 2005).

204

Seguindo esta linha de raciocínio, em análise sobre a

responsabilização civil dos genitores pelo abandono afetivo dos

filhos, Hironaka (2005, p. 3-4) descreve o caso relatado pelo

Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Ap. Cível n. 408.550-5,

relator desembargador Unias Silva, 7ª Câmara Cível, TJMG, j.

DJMG 29/04/04), no qual um menino foi abandonado pelo pai, que

o deixou desprovido de sua presença, de seu carinho, de seu interesse

por sua criação e por seu desenvolvimento, causando-lhe déficit

psicológico e emocional, restando comprovada a ocorrência do dano

moral, razão pela qual o pai foi condenado a reparar falha, a omissão

e a responsabilidade por tantos anos ignorada. Segue abaixo resumo

do julgado:

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação

Cível nº 0408.550-5. INDENIZAÇÃO DANOS

MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL –

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. A

dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono

paterno, que o privou do direito à convivência, ao

amparo afetivo, moral e psíquico, deve será

indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da

pessoa humana (Belo Horizonte, 7ª C. Cív., Relator:

Juiz Unias Silva, 01 abr. 2004).

Justificando o dever indenizatório, Souza (2009, p. 47) destaca

que o ilustre magistrado afirmou o seguinte:

[...] legítimo o direito de se buscar indenização por

força de uma conduta imprópria, especialmente

quando ao filho é negada a convivência, o amparo

afetivo, moral e psíquico, bem como a referência

paterna, magoando seus mais sublimes valores. [...] a

dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno

que o privou do direito à convivência, ao amparo

afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável com

fulcro no princípio da dignidade humana (TJMG,

2004 apud MELO, 2005).

205

205

Corroborando com este posicionamento do Poder Judiciário,

Hironaka (2005, p. 4) entende ser possível a responsabilização de um

genitor pelo abandono afetivo do filho. Para ela, a ausência

injustificada do pai provoca uma manifesta dor psíquica e

consequente prejuízo à formação da criança, que deriva não apenas

da falta de afeto, mas do cuidado e da proteção – função

psicopedagógica – que a presença paterna representa para o filho.

Assim, além da efetivação do dano, configura-se também, na conduta

omissiva do pai, a violação dos deveres de assistência imaterial e

proteção inerentes ao poder familiar (HIRONAKA, 2005, p. 4).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais também já se

manifestou pelo não reconhecimento do direito à indenização pelo

filho em razão de ter sido abandonado afetivamente pelo próprio pai.

A título de exemplo, pode-se citar o seguinte julgado:

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação

Cível nº 1.0024.06.005493- 9/001(1).

INDENIZAÇÃO – ABANDONO AFETIVO –

CULPA – COMPROVAÇÃO – NECESSIDADE. O

fato é que não restou demonstrado o prejuízo moral

sofrido pela apelante, nem mesmo o ato ilícito

praticado pelo apelado. Até porque, como ressaltou

o douto Sentenciante, de uma forma ou de outra o

apelado prestou assistência, mesmo que de forma

mínima. Apelação não provida. (Apelante: Vivianne

Vasconcelos Rodrigues. Apelado: José Evandro

Rodrigues. Relator: Alberto Aluízio Pacheco de

Andrade, 29 jan. 2008, Data de Publicação:

01/03/2008).

No processo, a filha recorreu da decisão do juízo a quo,

alegando que a decisão contraria o ordenamento jurídico, que, com

base no princípio da dignidade da pessoa humana, fixa o direito-

dever paterno de cuidar e proteger o filho não apenas quanto ao

aspecto físico, mas também psíquico (MINAS GERAIS, 2008).

Porém, para o Relator, Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, a

questão da responsabilização civil do pai pelo abandono afetivo é

206

uma questão muito polêmica e controvertida, sobretudo quando

houve o rompimento da relação amorosa entre os genitores, em que

as maiores vítimas são os filhos (MINAS GERAIS, 2008).

O magistrado seguiu os ensinamentos da professora Lopez,

para quem:

“É preciso avaliar como a pessoa elaborou a

indiferença paterna. Acredito que só quando ficar

constatado em perícia judicial que o projeto de vida

daquele filho foi truncado pelo abandono,

configurando o dano psicológico, é que cabe

indenização”. Em conclusão, alerta para o fato de que

“é muito comum as mães jogarem os filhos contra

os pais, quando o certo seria tentar preservar a

imagem paterna” (Jornal do Advogado - OAB/SP - nº

289, dez/2004, p. 14) (MINAS GERAIS, 2008).

Além disso, o Relator também entendeu que, não havia nos

autos, prova de que o pai se recusou a manter contato com a filha

ou de prestar-lhe alimentos quando criança. Observou, ainda, que a

filha foi dependente do pai no plano de saúde do Banco do Brasil, o

que comprovou que o mesmo não teve completo descaso pela

mesma. Ademais, não se comprovou qualquer transtorno psicológico

sofrido por este como resultado do alegado abandono (MINAS

GERAIS, 2008).

Considerou o magistrado que, por mais dolorosa que tenha

sido para a filha a falta de convivência e o fato de não ter

conhecido o pai, o que, por óbvio, causou-lhe sofrimento, tal

ocorrência, por si só não ensejaria indenização por dano moral. Além

disso, diante dos fatos, chegou à conclusão de que o genitor não

praticou ato ilícito algum, tampouco foi demonstrado prejuízo moral

sofrido pela apelante. Por estes razões, negou-se provimento ao

recurso, não atribuindo, assim, responsabilidade civil ao pai pelo

alegado abandono afetivo (MINAS GERAIS, 2008).

Confirmando o entendimento adotado no caso acima relatado,

o Tribunal de Minas Gerais repetiu a decisão em caso semelhante,

como se vê:

207

207

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação

Cível nº 1.0251.08.026141-

4/001(1). AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS

MORAIS – ABANDONO AFETIVO – ATO

ILÍCITO – INEXISTÊNCIA – DEVER DE

INDENIZAR – AUSÊNCIA. A omissão do pai

quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não

se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão

legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a

dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de

reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, eis

que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer

o abandono afetivo como passível de indenização.

V.V. (Apelante: Jarlan Barbosa Lopes. Apelado: João

Ismael Lopes. Relator: Nilo Lacerda, 29 dez.

2009, Data de Publicação: 09/12/2009).

Neste processo, o filho recorreu da sentença de primeiro grau

que julgou improcedente o pedido de indenização por abandono

moral e afetivo do pai. O juízo a quo entendeu que o fato de não ser

concedido afeto quando não se tem ou não se é possível dar, pelas

circunstâncias, não é contra a lei (MINAS GERAIS, 2009).

O Relator, Desembargador Nilo Lacerda, ao proferir seu

voto, entendeu que “o fato de um pai deixar de prestar a assistência

afetiva, moral e psicológica a um filho, violando seus deveres

paternos, certamente deve ser considerado uma conduta ilícita,

ensejadora de reparação no campo moral” (MINAS GERAIS,

2009). Tal posicionamento foi adotado com base nos ensinamentos

de Venosa (2005):

O termo responsabilidade civil é utilizado em

qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou

jurídica, deve arcar com as consequências de um ato,

fato, ou negócio jurídico danoso. Sob essa noção,

toda atividade humana, portanto, pode acarretar o

dever de indenizar (MINAS GERAIS, 2009).

Assim, opinou o Relator pela reforma da sentença, a fim de

declarar a responsabilidade civil do pai, ante ao abandono afetivo de

208

seu filho, fixando, a indenização no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta

mil reais) (MINAS GERAIS, 2009).

Por outro lado, o Revisor do mesmo processo, Desembargador

Alvimar de Ávila, acompanhado do Desembargador Saldanha da

Fonseca, discordou do posicionamento do aludido Relator, afirmando

que não se constatou a existência de todos os elementos que ensejam

a responsabilidade civil subjetiva, de modo que a sentença de

primeiro grau não deveria ser reformada (MINAS GERAIS, 2009).

Segundo o Revisor, “não houve a prática de qualquer

ato ilícito capaz de gerar o dever de indenizar, por absoluta falta de

previsão legal, já que ninguém é obrigado a amar ou a dedicar

amor” (MINAS GERAIS, 2009). Para ele:

De mais a mais, o laço familiar que liga o pai ao filho

é algo profundo, decorrente da convivência diária, da

proximidade, da confiança, da vontade de fazer parte

da vida do filho, sendo certo que uma decisão judicial

não irá alterar um distanciamento que, por quase vinte

anos, perdura entre as partes.

(.)

Destarte, escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar

alguém a amar ou a manter um relacionamento

afetivo, sendo que, eventual deferimento do pedido

não atenderia a finalidade almejada, pois o pai

condenado a indenizar o filho por não lhe ter

atendido as necessidades de afeto, não encontrará

ambiente para reconstruir o relacionamento.

Muito pelo contrário, eventual indenização

constituiria mais uma barreira, dentre tantas que

infelizmente já existem, impedindo uma possível

renovação dos laços familiares (MINAS GERAIS,

2009).

Por fim, concluiu ele que, devido à inexistência de qualquer

ato ilícito praticado pelo pai e consequentemente, da possibilidade de

reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, não seria possível

reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização. Logo,

manteve-se a sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos

fundamentos (MINAS GERAIS, 2009).

209

209

Conforme já exposto, o tema em discussão é polêmico e

apresenta posições antagônicas, entretanto, pelas posições já

assumidas pelos tribunais, pode-se responder à questão inicial da

presente pesquisa: É possível que o poder judiciário responsabilize

civilmente um pai por ter abandonado afetivamente o próprio filho?

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do estudo da responsabilidade civil, foi possível

extrair a existência de duas vertentes. A primeira indica que todos

somos responsáveis pelos efeitos decorrentes de nossas condutas, de

modo que devemos nos conduzir no sentido de evitar causar danos a

outras pessoas, sob pena de sermos por tais atos responsabilizados.

Por outro lado, a segunda vertente permite-nos concluir que,

como pessoas humanas, temos o direito de não vermos nos interesses

injustamente violados por terceiros e, caso sobrevenha tal violação,

somos autorizados, pelo ordenamento jurídico pátrio, a buscar a

reparação na proporção do dano sofrido.

Com relação à evolução social da família, esta se modernizou,

ampliando sua abrangência e adotando novas formas de constituição

diversas do casamento, mas, sobretudo, fundadas no afeto. A família

transformou-se no núcleo estruturante da pessoa, local de realização

de seus anseios e de desenvolvimento de sua personalidade. Aos pais

foi atribuído o dever de dirigir a criação e educação dos filhos,

proporcionando-lhes sobrevivência e tornando-os úteis à sociedade.

A efetivação desses deveres requer carinho, atenção, respeito, amor

e afeto.

Todavia, este ideal de família brasileira não é absoluto. Cada

vez mais, torna-se comum a atitude de filhos e filhas que se

socorrerem ao Poder Judiciário, a fim de responsabilizar civilmente

seus genitores pelo abandono afetivo perpetrado.

No entanto, este não é um tema de fácil análise e resolução, na

verdade, trata-se de uma questão bastante polêmica e controvertida,

razão por que é preciso ter cautela e prudência ao analisar cada caso

concreto, pois o órgão judicante deve primar, sempre, pela

preservação da relação familiar entre pai e filho e, caso a mesma já

210

esteja abalada, evitar o agravamento capaz de separar genitor e

gerado.

A jurisprudência não pacífica. De um lado, há juristas que

vislumbram a possibilidade de responsabilização do genitor pela

prática do ato ilícito de abandonar afetivamente seu filho, causando-

lhe transtornos e abalos na esfera subjetiva, íntima e moral,

comprovando-se, assim, o nexo de causalidade entre a conduta e o

dano. Por outro lado, há juristas, com os quais se corrobora, que

entendem que a omissão do pai no que se refere à assistência afetia

do filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão

legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor.

Sendo assim, por não restarem configurados todos os elementos da

responsabilidade civil, a que alude o art. 186 do Código Civil, não

seria possível reconhecer o abandono afetivo como passível de

indenização.

Neste argumento, defende-se que não é atribuição do

Judiciário obrigar alguém a amar ou manter um relacionamento

afetivo. Assim, a responsabilização do pai por abandono afetivo do

filho não teria cabimento, pois a indenização por ele paga não teria o

condão de atender a finalidade almejada, qual seja, a concessão de

atenção, amor, carinho, enfim, de afeto. Ao contrário, eventual

indenização poderia constituir mais uma barreira, dentre tantas que

possivelmente já existem, impedindo, portanto, uma possível

renovação dos laços familiares. Ademais, acredita-se que não se

deve incentivar a patrimonialização das relações afetivas entre pais e

filhos, pois este não é o fundamento pelo qual uma família é

constituída, mas, ao contrário, a família deve destinar-se à garantia

da dignidade da pessoa dos seus membros e do engrandecimento

deles como seres humanos, elementos que são inestimáveis.

Diante do exposto acredita-se não ser cabível a

indenização por abandono afetivo paterno-filial, haja vista, três

situações: primeiramente, o afeto não é um sentimento que surge

apenas pelo fato de alguém tornar-se pai; ele nasce através de todo

um contexto (cultural, antropológico, social, etc.), recebendo, muitas

vezes, a influência externa à vontade do homem, ligada ao seu

subjetivismo e à sua personalidade, por isso, em algumas situações,

211

211

fugimos da razão, agindo de forma irracional e antissocial, causando

sofrimento aos outros e a nós mesmos. Já o dano psicológico sofrido

pelo filho não é resultado apenas do abandono afetivo do pai (figura

essa que pode ser representada por um tio, avô, padrasto), mas sim

por questões multifatoriais, como ,por exemplo, o ambiente onde foi

criado, a pré- disposição genética e, principalmente, a influência da

mãe presente, que às vezes, de forma involuntária, transmite ao filho

suas frustrações e insatisfações com o pai, gerando na criança um

sentimento de rejeição.

Por fim, acredita-se que não cabe ao Poder Judiciário interferir

nestas questões, pois, estão mais vinculadas ao campo da moralidade

do que ao próprio direito. Além de tudo, nenhum julgado favorável

ou desfavorável, contribuirá para a resolução do problema, ao

contrário, causará um desgaste ainda maior na relação familiar,

impossibilitando qualquer tipo de aproximação entre pai e filho.

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